Nota da Autora: Oi! Estou fazendo uma n/a antes de tudo começar, simplesmente porque não sei exatamente onde esta fic vai parar. E também para pedir desculpas por todos os meninos serem fixos e o Judd não ter uma garota, mas é que eu gosto de escrever com McGuys fixos porque me deixa um pouco mais ilimitada! Só para avisar, nem todos os casais irão aparecer em todos os capítulos e com a mesma frequência, eu acho, porque eu sou criativa, mas às vezes não funciono tanto assim. E eu gosto de fazer as coisas pelo menos um pouco bem feitas e com sentido, hahaha! Então, mais uma uma vez, me desculpem se o seu McGuy não aparecer tanto quanto você gostaria.
Sim, cada nome de capítulo é um título de música e vocês poderão encontrar todas as músicas presentes nesta fic, mesmo as que não dão nome aos capítulos, na playlist que colocarei aí abaixo. E os títulos estão linkados às letras das músicas. Nem sempre as letras terão a ver com todos os fatos do capítulo, todos os casais e personagens que aparecerem e pode ocorrer de terem nada a ver também.
E ah, talvez eu demore bastante tempo mesmo para atualizar, porque isto não é a única coisa que escrevo e eu geralmente demoro um tempinho para desembestar a escrever. Espero que vocês gostem da fic!
Boa leitura!
entrou em casa com o estômago fazendo contorções dignas de um show circense, de tanta fome que sentia. Sua cabeça começaria a doer em pouco tempo se ela não se apressasse a comer alguma coisa. Qualquer coisa. Abriu o armário da dispensa na pequena cozinha esquecendo-se do que sempre ocorria na maioria das vezes que fazia isso. Ao visualizar a escassez de qualquer coisa convenientemente comestível naquele momento em seu armário quase desmaiou só de tanto desânimo. Não havia nada além de um pacote de cereais Honey-Nut Cheerios, que ela constatou que estava quase no final ao chacoalhar, um pacote de granola, um potinho de cubinhos de açúcar e umas poucas besteiras que não matavam a fome nem das crianças africanas, com todo respeito, é claro. Como sabia que a geladeira estaria pior, preferiu não abri-la e ao receber a informação, como em uma central de vôos do aeroporto, seu estômago quase saiu decolando pelas costas. Tinha que enganá-lo de algum jeito. Colocou um punhado de Honey-Nut na boca e se conformou, contrariadamente, que teria que dar um pulo até o mercado.
Tudo o que ela queria era comer o máximo que pudesse e tirar um cochilo antes de ir para o trabalho, mas não, ela não podia, porque não tinha comida em casa. E se ela comesse fast-food mais uma vez naquela semana teria que fazer uma desintoxicação alimentar urgentemente. Porcaria. Por que ela não podia ser como qualquer pessoa comum e comprar comida regularmente? Começou a procurar qualquer possibilidade que a livrasse de botar o pé para fora do prédio e da palavra ‘supermercado’.
. Agradeceu à todas as forças do universo por existir naquela hora de escassez alimentar do sertão nordestino brasileiro em sua casa e saiu para o hall de seu andar. Deu alguns passos até a porta da frente que tinha o número 16 em prata sobre um olho mágico e tocou a campainha espremendo os olhos, como se rezasse para que estivesse ali. Não escutou nenhum passo, nenhum ruído. Nada. Droga, ela devia estar trabalhando. Imediatamente retirou todos os agradecimentos anteriores, retornou ao seu apartamento para pegar sua bolsa vermelha sobre o sofá e tornou a sair de encontro à uma tarde nublada de fim de maio em Londres.
A cada passo que dava em direção ao supermercado que ficava mais próximo de sua casa, sua mente parecia inventar uma maldição por aquilo estar acontecendo pela milésima vez. Passou pelas portas automáticas sem ter se preocupado ao menos em pegar um carrinho do lado de fora. E também não ia pegar uma daquelas cestinhas frescurentas porque queria ser breve em sua compra.
Seguindo as plaquinhas a cima de sua cabeça foi determinada ao setor de congelados e retirou de uma das geladeiras uma caixa de lasanha, daquelas que ficavam prontas após alguns minutos no microondas. Depois foi em busca de uma embalagem de molho de tomate, porque coisas congeladas eram sempre secas demais e seguiu para o corredor das bebidas.Com as embalagens seguradas pelo seu braço direito, inclinou a outra mão para pegar duas latinhas de Coca Zero. Pronto, aquilo devia ser suficiente para hoje, mas o pensamento de que ela tinha que fazer compras de verdade naquela semana ainda a atormentava.
Ao retirar as duas latinhas da prateleira deu um passo para trás. O passo para o desastre, porque acabou tropeçando em um cara que estava atrás de si. Tudo que ela estava cautelosamente segurando caiu no chão, fazendo com que o cara em que ela tropeçara desse um pulo para trás, assutado. E a meleca estava armada. As latinhas estouraram fazendo com que Coca-Cola voasse por todos os lados, inclusive na cara e na roupa de . Já o garoto causador do acidente havia sido atingido por molho de tomate na calça jeans e no par de tênis preto All Star que usava.
Ela fechou os olhos, prestes a explodir de raiva. Se já estava irritada antes, agora ela estava quase explodindo também. Aquilo só podia ser mentira e quando ela abrisse os olhos, haveria um atendente do supermercado lhe dizendo que havia uma câmera escondida em alguma prateleira, pedindo para que ela sorrisse. Isso, era absolutamente isto que iria acontecer.
Porém, quando ela desgrudou os olhos, com os braços ligeiramente abertos, ela ainda tinha Coca-Cola dos pés a cabeça e nenhum atendente parecia estar em seu campo de visão. Tudo o que via era a metade de um cara sujo de molho de tomate. Aquele devia ser o desgraçado que estava atrás dela...
- Mas que merda! Você poderia ter um pouco mais de cuida... - ela interrompeu a frase e fechou um pouco a boca, inclinando a cabeça para o lado, ao ver o dono da cara em choque à sua frente. Ela queria falar, mas a única coisa que conseguia fazer era abrir e fechar a boca continuamente.
- Me desculpa, desculpa, meu Deus, desculpa! - o garoto começou a dizer desesperadamente, acenando os braços freneticamente, enquanto uns poucos que passavam pelo corredor lançavam olhares desaprovadores aos dois supostos baderneiros.
- É pegadinha mesmo, né? - perguntou a ele sorrindo fracamente, mas quando viu a interrogação que se formou em sua face, se achou uma tremenda otária. Dois a zero para ele. - Ahn... Ah, esquece, esquece. - ela balançou a cabeça. Tom Fletcher, sim, o cara famoso do McFly estava estrelando junto com ela um espetáculo de circo no meio de um supermercadinho de bairro.
- Tá tudo bem com você? - Tom perguntou, indo em direção à ela com cautela. - Olha, eu juro que posso resolver tudo, te dou quanto dinheiro você quiser, pago as suas roupas, ou sei lá o quê... - ele continuou, atropelando as palavras, sem nem ao menos dar alguns segundos para ela responder.
Tá, ela tinha que admitir. O fato de o infeliz desatencioso ser Tom Fletcher amenizava um pouco a situação e o fazia ganhar alguns créditos. A cara desesperadamente coitada que ele tinha naquele momento e o fato de querer ressarci-la também ajudava.
- Tá tudo bem, tá tudo bem. - o assegurou, tremendo um pouco. Estava começando a sentir calor e não sabia se era por causa da vergonha ao imaginar como deveria estar parecendo uma vítima de afogamento, ou se era por causa de estar parecendo uma vítima de afogamento na frente dele.
- Mesmo? - ele perguntou novamente, parecendo realmente preocupado.
- Mesmo. Olha, não foi nada, certo? - ela tentou parecer o mais amistosa possível. - Só um acidentezinho besta. - Aham.. Um acidentezinho besta com Tom Fletcher, ela pensou. Será que começariam a aparecer fotógrafos? Ele era famoso o suficiente para aparecerem fotógrafos do nada? – Acho melhor chamar algum funcionário para limpar isso, então eu vou indo. Ahn... Tchau, então... - ela se despediu e começou a caminhar.
- Espera! - Tom falou um pouco mais alto, fazendo com que hesitantemente parasse e olhasse para trás. - Eu te dou uma carona até a sua casa, sei lá, você tá toda suja, não pode sair por aí assim...
- É sério, não precisa. - ela disse, tentando não parecer ríspida, vendo algumas pessoas se aproximando dele com canetas e papéis. - Não precisa mesmo, okay? Muito obrigada, de qualquer maneira. - ela disse e voltou a caminhar, deixando um Tom atordoado para trás. Tudo o que ela queria era sair o mais rápido possível dali.
E tudo que ela queria naquele momento também era um daqueles superpoderes de filme, como ser invisível, poder caminhar rápido como um vulto, para que todas as pessoas por quem ela passava na rua parassem de olhar para ela, a grande panaca, em vez de parecer ter um letreiro em neon pink escrito: ‘A GRAÇA DO SEU DIA ESTÁ AQUI!’.
Se houvesse uma revista com um ranking de panacas do mês, ela teria ganhado o primeiro lugar. Ela acabara de trombar com Tom Fletcher, um dos caras mais famosos do Reino Unido, sujara-o de molho de tomate com respingos de Coca e, para tornar a coisa ainda mais pior, rejeitara uma carona dele. E rejeitara um banho de loja por conta dele, assim, o cara tinha milhões na conta bancária. Não que ela fosse interesseira, mas o instinto feminino de ‘a-parte-do-corpo-que-mais-gosto-em-você-é-a-mais-perto-da-carteira’ sempre piscava quando você podia trocar seu jeans Seven por um DKNY comprado na Harrods. Tá, ele não oferecera banho de loja porcaria alguma, mas vai que ele tinha o feito indiretamente? De qualquer forma ela rejeitara. Que imbecil, que burra, que paspalha. Iria se arrepender pelo resto da vida de ter recusado uma carona famosa.
Ao botar os pés no degrau da porta de entrada do prédio e empurrá-la minutos depois, viu subindo o primeiro lance de escadas.
- Hey, , espera! - chamou.
parou e olhou para trás. Quando viu , suja e melada daquele jeito, não pode evitar dar uma risada, fazendo com que esta a olhasse feio.
- O que aconteceu? - perguntou, com a face risonha e surpresa. - Você caiu no esgoto? Porque tá parecendo um rato molhado.
- Eu sofri um... Ahn ...Acidente no supermercado. - respondeu em um tom aborrecido.
- Acidente no supermercado...? Eu achei que a rainha desse tipo de proeza fosse eu, . - disse e sorriu presunçosamente enquanto voltava a subir as escadas e a seguia.
- Ha, há ,há ,engraçadinha... De qualquer forma, foi um acidente com estilo. - arqueou uma sobrancelha, confusa.- Ou foi um acidente estilosamente humilhante, assim, no topo da humilhação.
- E por quê? - perguntou, curiosa, parando em frente à porta de seu apartamento e começando a procurar as chaves na bolsa.
- Por que Tom estava lá.
- Tom? Que Tom? - indagou, se perguntando se conhecia mesmo algum Tom enquanto girava a chave correta na fechadura e depois a maçaneta e não lhe veio nenhum à cabeça além do jornaleiro da banca da esquina ou talvez um carinha que ela havia beijado na semana anterior. O nome dele era Tom? Que fosse.
- Tom Fletcher. - respondeu, com um suspiro.
- Tom Fletcher... - repetiu para si mesma enquanto empurrava a porta e entrava em casa. Quando se deu conta de quem era o tal Tom, arregalou os olhos. - Tom Fletcher... Tipo assim, Tom Fletcher... Fletcher, o vocalista do McFly?
assentiu, com um olho aberto e outro fechado.
- Tom Fletcher, em um supermercado, no nosso bairro do subúrbio? - a outra perguntou, alteando um pouco a voz. assentiu novamente, fechando a porta atrás de si e finalmente percebendo que voltara sem nada do seu ‘passeio’.
gritou, animada, como costumava fazer nesse tipo de situação.
- ME-NI-NAAA! - ela silabou, espalmando as mãos sobre as bochechas. - Que história é essa? E aí, o que você fez?
- Fiquei olhando para cara dele como uma imbecil. E depois rejeitei a carona que ele me ofereceu, porque sou uma babaca.
- Rejeitou uma carona do Tom Fletcher. - repetiu para si mesma, processando a informação. - Certo, realmente, sweetie, tenho que admitir que você é mesmo uma babaca!
estava impaciente, olhando uma garoa fina cair, através da vitrine da livraria no centro de Londres,onde trabalhava. O relógio acima de sua cabeça tiquetaqueava incessantemente, o que era irritantemente irritante, mas não mais do que checar os ponteiros e eles parecerem estar sempre no mesmo lugar. Faltava uma hora para que ela conseguisse se livrar daquele avental curto, preto e cafona que era usado como uniforme da livraria. Não que ela não gostasse de trabalhar ali, era até que legal às vezes, quando estava de bom humor, porque ela podia ler todos os livros que quisesse enquanto estava desocupada e isto era ótimo em sua opinião,porque era viciada em leitura,o que conseqüentemente a levou a procurar um emprego ali.
E também tinha Travis, o cara que trabalhava com ela e seu melhor amigo. Ele era gay e sempre passava o dia a entretendo com histórias divertidíssimas pela qual passara, como a vez em que estava no último ano do colégio e era considerado um loser pelos populares fúteis da escola, inclusive uma tal de Jess, uma garota mimada e popular que sempre queria ser o centro das atenções e tinha um namorado no mesmo nível da pirâmide social escolar que parecia uma cópia de Sean Faris, por quem Travis sempre tivera uma queda que achou que não levaria a nada,até o tal garoto encostá-lo na parede depois da última aula e a tal Jess Recalcada ver tudo e entrar em estado de choque,conseguindo mais atenção do que já tinha ao perceber que quando achava que seu namorado tinha um jeito gay não era impressão dela,ele tinha a coisa enrustida no armário mesmo.
Aquela sexta-feira estava sendo especialmente chata porque Travis estava com uma gripe dos infernos e não conseguira botar um pé para fora da cama para passar a tarde inteira ao lado dela xingando e armando planos para dar um golpe do salário na Sra. Seyfried, dona da livraria,mais conhecida por eles como ‘Morcega Velha’.
Ela começaria a chorar se tivesse que passar mais cinco minutos ali dentro, sozinha. Tudo bem que a situação do lado de fora não era muito animadora, mas estava inquieta e não queria ficar presa. Ninguém parecia interessado em comprar livros naquela sexta-feira além de um cara que aparecera por ali mais cedo -e insistira que ‘Sonhos de uma Noite de Verão’ era de Lewis Carroll e ‘Alice No País das Maravilhas’ era de Shakespeare, embora uma história não tivesse nada a ver com a outra, muito menos o tipo de escrita dos autores - e umas outras duas mulheres. Daria um golpe e fecharia a loja mais cedo, isso sim. Ela era jovem e tinha que aproveitar as sextas-feiras, gente jovem sempre aproveitava as sextas. Todo mundo que era esperto aproveitava as sextas-feiras e com certeza um monte de gente esperta estava fazendo coisas melhores que ela.
Fechou a loja meia hora antes do que devia e pegou o metrô com destino à estação perto da casa de Travis. Caminhou até o prédio do amigo e apertou um botão que tinha o número do apartamento dele marcado ao lado e após alguns segundos uma voz tão desafinada quanto a da Olívia Palito soou pelo interfone.
- Quem atrapalha meu sono energicamente estético? - Travis perguntou, levemente aborrecido,mas não deixando de ser espontâneo.
- Sou eu.
- ‘Eu’ quem? - ele voltou a perguntar, como se realmente não soubesse quem era.
- Ora, vamos, Travie. Quem é a sua diva da voz rouca, aguda e seeexy? - disse, convencida.
- Hum...Vamos ver. - Travis fingiu pensar. - Eu não sei. Duffy? Kate Nash? Tem também uns machos da voz rouca, tipo John Mayer, Pete Murray, Jack Johnson...
- Cale a boca, Travie. - implicou, rindo. -Nenhum deles toca seu interfone em uma sexta-feira à noite quando você está com a gripe do frango. Agora, por favor, dá pra abrir essa porta, porque esse frio não é muito confortável, sabe...
Ela ouviu um zumbido e a porta se destrancou automaticamente. Subiu seis lances de escada e no último degrau viu Travis segurando a porta enrolado em uma coberta felpuda, com o rosto um pouco inchado e o nariz mais vermelho que o de um palhaço.
- Meu Deus, você foi contratado pelo McDonald’s? Vai largar o emprego na livraria? Tá parecendo o Ronald, assustador! - Travie a olhou com desdém. - Olha, seus olhos estão miudinhos e seu nariz vermelhinho igual! Bom, seus cabelos já são vermelhos naturalmente e...
- Shiu! - Travis sibilou, empurrando a garota para dentro do apartamento. - Mas que saco, , você é uma matraca, não cala a boca um segundo! Minha cabeça dói, sabia?
- Desculpe-me, mas você não me aceitaria de outro jeito, Travieeeee! - pulou em cima dele e lhe deu vários beijinhos estalados na bochecha. - Senti tanto a sua falta!
- Esqueceu que estou tão frágil quanto porcelana? Saia de cima de mim! - ele a empurrou, levemente e voltou a deitar no sofá vermelho que ocupava parte da sala pouco ampla. se sentou ao lado dele.
- Não melhorou nem um pouquinho? - ele negou com a cabeça. - Céus, eu queria você na buatch comigo hoje, soltando a franga!
- Hoje não tem buatch nem lascando, meu amor! Nem pra soltar a franga e nem pra soltar o frango. Tô dopado de Aspirina. - ela riu. Aspirina dopava as pessoas? - Olha só pra mim, nem um bofe trubufu sequer me daria uma olhadinha, como você disse, estou parecendo o Ronald e aquele palhaço não é algo que se pode ter orgulho de parecer, ele é aterrorizante! - ele acrescentou com uma cara de falso espanto.
- Ai, Reddie, eu te pegaria de qualquer jeito, qualquer um mesmo! - afirmou, sorrindo com os lábios fechados, de um jeito que a fazia parecer banguela. Travie riu.
- Não me chama de Reddie, saco!E sai pra lá que meu negócio é outro. Meu negócio é pau, sacou? - ela colocou uma mão entre a bochecha e a boca, ficando boquiaberta.
- Não me diga! Mas que maneira rude de me informar sobre a sua opção sexual! - se levantou e foi até a cozinha, que era dividida da sala onde estavam por uma bancada.
Uma merda. Travis ser gay era uma bela merda. Tudo bem, não era uma merda completa, era legal, ela amava os gays, eles eram o melhor tipo de amigo que se podia ter na vida. Ela não sentia nada além de um amor amistoso por ele agora, mas com certeza se ele não fosse gay, eles viveriam se pegando pelos becos, cantos e esquinas de la ciudad.
- O que você quer aí? - Travis perguntou, sentando-se.
- Vamos ver o que você andou comendo. - ela disse, abrindo a geladeira. - Hum... Mas que geladeira vazia e... Sopa em lata!Sopa em lata, Travis, você quer melhorar ou se matar? E nem é Campbell’s! - ela tirou a lata aberta e cheia pela metade da geladeira, cheirou-a e fez uma careta, jogando-a na lixeira. - Você só tem comido isso? - ele confirmou com um gemido, enquanto ela abria o armário e achava mais algumas latas de sopa e outras porcarias.
- Ainda vendem Campbell’s? - ele perguntou, fingindo-se de desinformado.
- É claro que vendem, seu paspalho, e você sabe. Não sei por que comprou de outra marca...
- Ah, mas é claro que vendem. - ele fingiu lembrar, enquanto sorria marotamente. - Você compra sopas Campbell's da Dora, a Aventureira.
- Compro sim e daí?
- E daí que essa Dora é uma chatinha e a d’As Princesas da Disney ou do Shrek são muito mais estilo.
- É, concordo com isso. Mas o assunto aqui é: você precisa comer direito, Travis! Precisa de sopa de legumes de verdade, não uma coisa industrializada, se quer mesmo melhorar.
- Tá certo, mamãe. Como se a senhorita fosse a Miss Saudável do Universo. Você nem comer come, sua ‘anorética’. - eles, incluindo , simplesmente adoravam mudar as palavras e suas pronúncias, misturá-las ou inventar novas, de forma que ficassem engraçadas. - E sopas são nojentas.
- São nojentas porcaria nenhuma, você até compra. - ela discordou. - Depende da sopa, mas eu realmente não sei o problema que as pessoas têm com sopas. E eu não sou ‘anorética’, Reddie. - ele cerrou os olhos para ela, que o olhava feio. - Mas não tenho culpa de não sentir fome.
raramente estava com fome e quando estava, comia como um passarinho. Travis não sabia como ela não vivia caindo morta pelos cantos. Ela comia quase nada pela manhã. E quando comia, almoçava ou jantava qualquer porcaria que lhe conviesse. Nunca tinha horário para as refeições, podia passar horas a fio sem morder nada. A propósito, desastre maior na cozinha do que ela não havia.
- Mas em compensação, tenho o ‘Dia da Larica’.
O ‘Dia da Larica’ era quando ela sentia uma fome insaciável e comia a todo minuto, qualquer coisa que visse pela frente. Chegava até a comer coisas que nunca havia comido antes e achava ruins, mas mesmo assim mandava tudo para dentro.
- Tá, esse dia ocorre uma vez por ano que eu sei. Eu te invejo, você nunca engorda. Nunca passa dos 48 quilos. - sorriu vangloriosamente. - Mas também, não come!
- Ai, mas que saco, chega desse papo de comida, odeio isso!
E odiava mesmo. Nem sabia porque estava falando daquilo se odiava qualquer assunto sobre alimentação saudável, calorias e regime. Se ela fosse gorda e não um osso em pé, a história com certeza seria outra e ela até compraria livros sobre o assunto, que vinham com remédios emagrecedores grátis.
- Você quem começou.
- Só disse que você está doente e tem que se alimentar melhor! - ela repetiu, gesticulando com as mãos.
- , não agüento nem pegar o telefone para pedir comida quanto mais cozinhar. Eu não cozinho, você sabe muito bem. E você também não, porra, então não enche o saco.
- Ah, eu sei que não cozinho, embora tente aprender com o Jamie Oliver. Ah, meu Deus, o Jamie Oliver, aquele cara é gato.
Travis concordou com uma piscadela safada.
- Oh, Travie! - caminhou até ele e segurou seu rosto entre as mãos. - Não agüento te ver assim, murchinho. - ela encostou as costas da mão na testa dele e mordeu o lábio. - Acho que você está com febre. Vou buscar o termômetro.
- Na cabeceira, ao lado da cama. - Travis informou. Ele estava morrendo mesmo, não custava pegar o termômetro enquanto ele agüentava o peso de 3 hipopótamos sobre seu corpo.
Minutos depois ela voltou com o termômetro e o colocou debaixo do braço do amigo.
- Ai, meu Deus, trinta e oito e meio! - ela anunciou estridentemente, como se ele estivesse tendo uma convulsão e sua língua estivesse se enrolando.
- Sim, febre mediana, é só tomar um remedinho que passa. - ele tranqüilizou-a. - Eu sei me cuidar.
- Não sabe não. Vou ficar aqui, tomando conta de você. - ela prontificou-se, abraçando-o, arregalando os olhos e piscando rapidamente.
- Não vai não, hoje é noite de sexta e você vai se acabar de dançar.
- Não vou, não. Ficarei a noite toda olhando pra essa sua cara assustadora. - ela insistiu. - Olha só, minha bunda já está colada aqui. - ela se contorceu, como se tentasse se levantar do sofá e não conseguisse.
- Pare de ser tonta, . Agora levante daí e caia na noite como uma vampira. - ela fez uma cara de interrogação. Vampiros iam para boates? – Ai, você entendeu!
- Cacilda! - foi o que disse ao ver a roupa de naquela mesma sexta. - Mas assim vão acabar achando que você foi pra curtir e não pra trabalhar.
- Eu sempre acabo fazendo os dois! - sorriu.
estava vestida com uma calça jeans skinny clara, uma blusa meia-manga fina e branca,um colete preto e sapatos no estilo pump da mesma cor. A maquiagem nos olhos era básica e escura, o que mais destacava seu rosto era o batom vermelho que havia ficado incrivelmente bom, já que ela havia passado e limpado com muito cuidado para que não borrasse.
- Tá até com batom vermelho, menine! Eu nunca ousaria passar batom vermelho, I've got lips! - fez um biquinho, convencida.
- Certo, então, Jolie. Hoje eu quero você saída da capa da Vogue.
Elas nem compravam a Vogue, só bisbilhotavam na revistaria algumas vezes. Nem tinha o que ler lá além das cifras milionárias das roupas fora de seus orçamentos, francamente!
- E você terá. Estou animada hoje. Provavelmente vai sair do nosso jeito estranho, aquele que todo mundo ama, mas não ousa vestir igual. - deu uma piscadela e voltou a passar a chapinha em outra mecha do cabelo.
- Hey, tenho que ir. - anunciou, consultando o relógio da caixa de som do iPod de , que tocava Justin Timberlake e deu um beijo na bochecha dela, que dançava de qualquer jeito e fazia qualquer cara para o espelho.
- Cuidado pra não se queimar com isso sassaricando desse jeito! - advertiu e a amiga mostrou-lhe a língua.
Eram onze e meia e não havia dado as caras pela Hellish, a boate onde trabalhava durante os finais de semana como barmaid.O lugar estava começando a encher, mas a música que tocava era do tipo que mais detestava. Se pudesse, destruiria quem inventou e todas as gravações de Psy existentes no planeta. disse que já estava preparando as armas nucleares para isto. Era sempre o mesmo bate-estaca e ocasionalmente uns ruídos tão agudos que quase destruíam seus tímpanos tanto como quando Paris Hilton cantava. E o pior de tudo era que ela tinha que suportar aquilo mais do que gostaria por causa do trabalho.
Ela se apoiou no balcão de vidro, com desenhos ornamentais, cheio de garrafas coloridas e iluminadas e ficou observando as pessoas dançarem. Já havia servido uma bebida ou outra, mas estava tão aérea e impaciente com a demora de que quem estava atendendo toda a demanda que chegava ao balcão era Jim,um outro barman que trabalhava com ela,enquanto ela só batia os pés. Será que estava chegando com a Arma Nuclear Anti-Psy e alguns sabres de luz para lutarem e destruírem todos os resquícios daquele estilo de música?Ela sabia que não, a amiga sempre demorava mais do que duas rainhas para ficar pronta,mesmo para a situação mais simples, e vivia sempre atrasada, ela já deveria ter se acostumado após tantos anos de convivência.
- Acorda que tempo é dinheiro, ! - David, outro cara super-alto que trabalhava com ela ali,passou por trás dela,despertando-a.
- Seu capitalistazinho de merda! - ela mostrou o dedo para ele, que riu.
- Estamos todos dentro do sistema! - ela fez uma careta e voltou à atenção para o trabalho.
Quando terminou de enfeitar dois copos de Bloody Mary (não via sentido algum em enfeitar copos com bibelozinhos, acabava tudo cagado mesmo!) e foi entregá-los para suas respectivas donas, ela foi ao paraíso e desceu ao inferno no mesmo segundo. Estava estática. Aquele lugar estava começando a parecer mais quente do que de costume e tudo parecia ter ficado embaçado. Ela virou-se cuidadosamente e caminhou até David.
- Pelo amor de Deus, entrega isso pra duas moças ali atrás. - ela pediu à ele em um tom que parecia ter saído afobado demais.
- Por que você mesma não entrega? - ele a olhou, com a sobrancelha arqueada e percebeu que ela estava um pouco vermelha. - Você cheirou antes de vir pra cá ou alguma coisa assim?
Ela ignorou o comentário dele e voltou a pedir entre dentes:
- Por favor!
- Tá, tá... Mas que moças? Há um milhão de ‘moças-dali-detrás’ se você não sabe.
- As duas loiras, uma ao lado da outra.
David pegou os copos da mão dela e fez o que ela havia pedido.
Ele não podia estar ali. Quer dizer, ela teria achado super legal encontrá-lo antes daquilo. E Londres não era tão pequena assim a ponto de eles saírem se encontrando como colegas em corredores de colégio. Ela não tinha muita escapatória, a saída do balcão estava quase grudada no banco em que ele estava sentado com sua cara incrivelmente sonsa e ela teria que circular atrás daquele balcão por mais umas duas horas. Mas que inferno!Ela tinha tido a vida inteira para encontrá-lo até no Quênia quem sabe, mas não, ele tinha que ter aparecido na frente dela daquela maneira e tinha que entrar naquela maldita boate para atrapalhar seu trabalho, com aquele cabelo loiro e idiota e aquela camiseta verde-e-ridícula-e-super-nerd-descolada-me-cheira-a-anos-oitenta-pura-velharia-dos-Ghostbusters.
Jim quase gritou quando ela pediu pela milésima vez que ele entregasse a bebida de alguém enquanto ela tentava evitar que qualquer outra pessoa do lado do balcão visse seu rosto. Na verdade ela queria evitar que ele visse, os outros eram mera conseqüência. Talvez ele sequer lembrasse que já a tinha visto na vida supostamente popular dele, mas todo cuidado era pouco.
- Você tá parecendo uma idiota ficando de costas pro outro lado do balcão o tempo todo. - Jim falou, bufando de raiva. - O que tá acontecendo com você hoje, mulher? Eu e o David não vamos mais ficar lá do outro lado cobrindo você o tempo todo, faça o favor de trabalhar direito a partir de agora. - ele saiu andando para atender um cara.
Ela corou, contrariada. Mas ela estava trabalhando direitinho. Nada seria descontado de seu salário, porque ela estava cumprindo sua função, mas naquela noite estava fazendo-o em uma posição só, oras, de costas para o balcão. Aquilo era inovação no trabalho, mas aquela gente britânica era tão quadrada! Bando de merdinhas, não sabiam de absolutamente nada sobre os benefícios da mudança nos hábitos e...Okay, ela não estava sendo exagerada, estava? Talvez devesse tentar. Talvez ele nem a reconhecesse mesmo.
Preparou dois Cosmopolitan, que David havia pedido para uma gordinha cafona que parecia BJ, o amigo amarelo de Barney, o dinossauro e já devia estar achando que as luzes piscantes eram meteoros de tão alta que estava. Ela parecia querer as duas taças só para ela e, para a animação de , estava mais próxima de onde O Ele estava do que ela gostaria que estivesse.
Ela conseguiria. Era uma mulher de peito. E bom, peitos ela tinha de sobra mesmo. Não estava tremendo nem um pouquinho e nem respirando fundo como se meditasse no meio de uma barulheira fura-tímpanos para simplesmente entregar duas tacinhas para uma mulher estranha. Uma mulher estranha que estava próxima do Ele.
O cara já tava até ganhando fama de Deus, pô!
Caramba, aquela era a chance!
As forças da bondade estão finalmente trabalhando ao meu favor, rá-rá!, pensou.
Ele estava de lado, bebericando alguma coisa qualquer e nem a veria passar por ali. Nem um rastrozinho do fio de cabelo dela ele veria, era isso aí.
E então ela foi, deu o primeiro passo para a entrega-vitoriosa-das-tacinhas-para-a gordinha-cafoninha-sem-deixar-nenhum-vestigiozinho-para-o-senhor-Elezinho. Ela estava conseguindo. Estava quase lá, quando sabe-se lá por que tropeçou e deixou as duas taças caírem no chão e ela quase ir junto, ficando em choque no mesmo instante. Merda, merda, merda, mil vezes merda, praguejou silenciosamente. Estragara todo o plano perfeito. O lado branco da força a havia abandonado.
Ela pôde sentir o olhar dele cair sobre ela instantaneamente e a sensação foi agonizante. Enquanto tentava se virar vagarosamente, para ir pegar o esfregão que limparia aquela poça alcoólica, fingiu que ele ainda estava de lado, só no drinquezinho, mas queria que seu cabelo crescesse na velocidade da luz e ficasse igual o Primo Itt da Família Addams, para que fosse qualquer uma menos ela mesma,sendo olhada por ele.
- Hey! - ela sentiu a voz dele entrando em seus ouvidos.
- Está falando comigo? - ela continuava de costas, como se fosse mudar alguma coisa depois de tudo.
É claro que está sua, imbecil, que perguntinha insensata, resmungou internamente. E então ela pôde sentir a aura do lado negro da força lutando por um lugar ao lado dela.
- Sim. - ele afirmou, com um tom de voz simpático. - Você não é a garota do acidente no mercado?
- Sim. - ele afirmou, com um tom de voz simpático. - Você não é a garota do acidente no mercado?
Maldição, ele havia se lembrado. O que ela responderia agora? Enquanto ele a esperava falar alguma coisa, sua mente trabalhava em torno de infinitas opções absurdas. Podia começar a fingir que era imigrante da Letônia e não falava muito bem o inglês. Mas ele não cairia naquela porque, bem, ela acabara de falar em inglês com ele ali e no dia do acidente também e ela não teria um emprego ali se não o fizesse. Sem esquecer que seus traços não eram nem um pouco europeus, quanto mais letões. Ou então poderia sair dali e fingir que não o tinha escutado, mas bem, não seria muito justo, nem educado com ele. Por que não optava logo por falar a verdade e ponto? Não, parecia terrível demais. E por que parecia terrível demais?
hesitou por um momento, abriu a boca para dizer algo, mas logo em seguida a fechou. Segundos depois se pronunciou:
- Mercado? Acidente? Han... Não sei de nada, não! - ela ensaiou um sorriso que era para ser amigável, mas acabou sendo cínico demais e, quando foi dar o primeiro passo para zarpar de vista dele, ele a interrompeu.
- Hey, espera, poxa! - ele pediu e ela voltou-se novamente para ele. - É você sim, eu sei que é. Não precisa ter vergonha. É você, não é? - ele insistiu.
A garota cerrou os olhos, deu um sorrisinho que não mostrava seus dentes e com uma expressão que parecia um tanto desesperada, assentiu. A merda toda já estava feita mesmo, de que adiantava se fingir de desentendida? O leite fora derramado (no caso vários drinques) e não adiantava querer colocá-lo de volta no copo.
- Eu não vou te morder por isso, acho que você já percebeu. - ele tentou quebrar o gelo. - Afinal, fui eu quem causou toda a meleca naquele dia, você não tem que se importar.
Não mesmo. Porque acidentes entre anônimos e ídolos adolescentes aconteciam todos os dias.
- Mas então, o que faz aqui?
Que pergunta idiota, ele pensou. É claro que ele percebera que ela estava trabalhando, então por que perguntara tamanha coisa óbvia?
- Bem... - começou. - Eu trabalho aqui aos finais de semana, sabe? De sexta, sábado e domingo à noite.
- Ah... - ele ficou um pouco sem graça, pensando no que dizer. - Não te vi da última vez que estive aqui.
- Bom, se faz mais de um mês, foi por isso. Eu comecei aqui só há um mês, sou a mais nova empregada do lugar. - ela explicou, fazendo um sinal com a mão quando David a advertiu, querendo que voltasse ao trabalho.
- Entendo. - ele falou.
- Hum...Você se importa se nós conversarmos depois? - perguntou. - É que bem, estou um pouco ocupada agora... - inclinou a cabeça na direção de David e Jim, que estavam atrás dela, cochichando algo (que esperava que não fosse sobre ela).
- Claro que não! Me desculpa, eu tô aqui te atrapalhando. - ele coçou a cabeça e sorriu de viés. - Mais uma vez. - acrescentou, fazendo-a rir baixo enquanto meneava a cabeça negativamente.
- Ora, não diga isso, por favor! Acho que é melhor eu voltar ao trabalho.
- Tudo bem, mas volta aqui depois.Se quiser,claro. – ela assentiu. Por que assentira; ela ia mesmo voltar? - Na verdade, eu vou te encher até você voltar. - ele sugeriu e ela riu novamente, desta vez um pouco mais alto. - A propósito, sou Thomas, mas geralmente me chamam de Tom.
Eu sei quem você é, ela replicou internamente enquanto observava sua expressão de garoto. Quem neste país não sabe?
- E bem, -ele continuou-me desculpe mais uma vez pela burrada da quarta. - feira. Você é? - Tom arqueou as sobrancelhas. Ai.
- . E bom, acho que quanto ao acidente, estamos quites e resolvidos, não é? - ela sorriu simpaticamente, o que fez com que Tom reparasse ainda mais nela. - Então, legal te encontrar de novo,Tom! Sem acidentes nem nada! - balançou as mãos levemente e ele deu uma pequena gargalhada. - Tá. Meio acidente, por minha conta. - ela reparou o erro.
Não era aquilo que estaria passando por sua cabeça há alguns minutos atrás se perguntassem. No final das contas, tudo fora excesso de precipitação, porque ele não zombara dela e fora uma gracinha.
Enquanto andava para lá e para cá com copos coloridos e misturava bebidas entre si e com outras coisas, Tom observava cada movimento seu, inquieto. Ele já começara a pedir qualquer bebida, fosse boa ou ruim, alcoólica ou não, só para ter mais uma oportunidade de falar com ela. Simplesmente porque quando a viu naquela noite, ela era a garota do acidente. Agora ela era a garota gata do acidente.
- Você ainda nem terminou esse aí! - apontou para um copo meio cheio sobre o balcão à frente de Tom.
Bem, ela estava certa, mas ele daria um jeito de torná-la errada e fazer com que voltasse até ele mais uma vez. Olhou para os lados tentando achar uma saída para o conteúdo do copo. Ao perceber que todos tinham coisas melhores para fazer do que ficar reparando nele, deu um sorriso sem-vergonha e entornou todo o líquido azul restante dentro do vidro no chão.
- Quem disse que não?
se viu boquiaberta.
- Mas... Mas... - ela tentou dizer algo, mas não conseguiu pensar em nada. Ele era retardado ou o quê? Porque achou que finalmente estava começando a sacar as atitudes dele. Quanta...Vontade.
- Não é você que terá que limpar isso, é? - ele perguntou, começando a ficar um pouco consternado. Talvez devia ter exagerado um pouco menos. Thomas imbecil,pensou.
- Não, ainda bem! - E se fosse?- Mas... - ele suspirou aliviado enquanto ela continuava surpresa. - Tá, eu... Já trago a sua bebida...
Ela chamou alguém para limpar a sujeira que ele fizera e saiu andando com uma mão na têmpora, resmungando algo para si mesma enquanto ele olhava os quadris dela, um pouco anormais para uma inglesa, balançarem de um lado para o outro enquanto andava.
fingia que não via quando Tom a mirava, ou ainda tentava não olhar de esguelha para ver se ele estava a olhando- e se virar rapidamente,corada, quando seus olhares se encontravam).E ah, também fingia que a voz dele não alcançava seus ouvidos em meio ao ruído alto da música quando ele tentava chamá-la, o máximo que podia. Qualquer fã histérica naquele momento colocaria sua cabeça em uma prensa, porque estava realmente ignorando o loiro-covinha que mais devia ter marcado presença nas páginas da Top of the Pops em toda sua história. Mas ela não estava o ignorando, estava? Não, ela não estava, só estava com vergonha e tinha todo o direito do mundo de se sentir daquele jeito porque já nascera com a cara enfiada num saco de papel de tanta vergonha que tinha das coisas mais banais ou das coisas que os outros faziam. Mas aquilo não era tão banal, quer dizer, era o loiro-covinha mais famoso da Inglaterra lançando olhares com laser radioativo diretamente sobre ela.
E teria que ir até ele, mais uma vez, se uma figura de estatura mediana e esbelta, andando sobre saltos no estilo ‘pareço confiante e imbatível, mas estou com medo de olhar para o meu pé e ver um papel higiênico grudado nele’ ou ‘posso tropeçar no meu próprio pé e cair estatelada no chão em um segundo, a partir de agora’ não tivesse chegado para salvá-la,apoiando-se no balcão e gritando:
- Heeeeeey! - virou-se para trás,reconhecendo o timbre de voz estridente. Era e o primeiro escandalozinho não podia faltar!
- Cacete, por que você grita tanto? - reclamou quando ficou de frente para a amiga no balcão, mais uma vez fingindo que Tom fazia parte de outra galáxia a milhões de anos luz naquele momento.
- Ah, cacete, por que você me pergunta sempre a mesma coisa há dois anos? - retorquiu e bufou. - Você sabe como eu sou, , e quando eu gritei a música ainda estava mais alta que a minha voz, o que é um milagre.
Bom, era mesmo, porque sempre conseguia cantar ou, às vezes, falar mais alto do que qualquer música que estivesse tocando em qualquer lugar. Ainda bem que ela mesma sabia!
- Agora, mudando de assunto. - recomeçou, aproximando seu rosto do de , do outro lado do balcão. - Eu vi. Eu vi! Aquele ali do lado é o Fletcher, não é?-ela apontou.
- É e graças a Deus que você chegou, Adriana. - fez uma cara interrogativa.
- Adriana?
- É, Adriana Lima. Você levou à sério a história da capa da Vogue, han? - elogiou, medindo o vestido amarelo e apertado até o busto, a partir de onde ficava mais solto, indo até o meio das coxas e os scarpins roxos de .
- Ah, estou divina? - ela perguntou em um tom debochado de travesti-perua-de-boutique, enquanto piscava os olhos freneticamente e fingia posar para câmeras. - Obrigada, docinho, obrigada!
somente revirou os olhos e espalmou as mãos no balcão.
- Eu acho que ele realmente cismou comigo. - disse e olhou nada discretamente para onde Tom estava, fazendo com que a outra espremesse os olhos por causa de sua tamanha indiscrição. Ela ainda tinha dúvidas?
- Porra, !
- Que foi? - ela ignorou a amiga cinicamente. - É, acho que ele cismou mesmo, tá te medindo bem legal, eu notei. - assentiu. Ela também havia notado há muito. - Aí, tem coisa, você o encontrou duas vezes na mesma semana! E aposto que tá pagando de menininha tímida.
- É, acho que sim. - não concordou nem discordou. Ah, mas estava mesmo, ué!
- Eu sabia, eu te conheço, sua bobona. - gesticulava rapidamente. - Aposto que ele está te olhando há um tempão. Francamente, o que tá esperando pra cair em cima dele?
- RÁ, você tá falando como se fosse a vadia pegadora do ano! - provocou , que entortou os lábios ao ouvi-la.
- Ah, eu não sou, mas eu estou querendo que você seja! - sorriu e a outra a olhou ligeiramente horrorizada. - Não estrague tudo de novo, ele só ta esperando você sair daí detrás pra fazer alguma coisa. - alertou, como se já não soubesse daquilo e isso não fizesse suas entranhas se contorcerem e seu corpo paralisar. - E se você desperdiçar mais essa oportunidade por causa da vergonha na cara que você arranja pra esses momentos, eu vou arrebentar você.
- Ah, você sabe da minha relação com os homens, ... - tentou se justificar.
- Sei. - confirmou. - Dá a impressão de que é uma virgem santa e tímida até a coisa ficar séria. Agora realiza, queri-daaa! - ela estalou os dedos, tão perto dos olhos da amiga que esta pensou que fosse ser atingida. - Se você beijar o loiro da cratera ali, você vai ser a vadia pegadora e sortuda do ano, mesmo que não tenha passado pelas mãos do exército inglês inteiro nesses últimos meses.
Bom, pelo menos havia passado pelas mãos de um soldado que era bem treinado por sinal, estava bom, não estava?
- Ui. - fez um movimento rápido com a cabeça para desviar seu olhar. - Caraca, não olha agora.
- O quê? - perguntou, olhando diretamente para onde a melhor amiga pedira para não olhar. Obrigada por obedecer, ! , pensou.
- Aaah, o fiel escudeiro apareceu! - falou, como se estivesse mesmo anunciando a chegada de alguém, ao ver um cara com uma camiseta branca por baixo de um blazer azul - marinho, jeans escuros presos por um cinto da Volcom - muito abaixo de onde deveriam estar, fazendo com que uma cueca xadrez ficasse à mostra - e cabelos cacheados procurando por alguém no meio da multidão e logo depois caminhando na direção de Tom.
- É, daqui a pouco teremos o McFly inteiro aqui dentro, roubando a cena. Ladies, preparem seus hormônios da resistência porque a carne é fraca e Danny Jones se encontra no local! - brincou, com o pouco que sabia da fama de pegador do cara de cueca xadrez que agora estava sentado ao lado de Tom.
Não que ela ficasse bisbilhotando sobre os caras na internet, mas essas coisas sempre apareciam ocasionalmente escritas em algum lugar.
- Caracas, preparem mesmo, ele é gato pra caramba, parei de olhar! - disse, voltando a encarar .
- É, mas parece que ele não. - disse uma menina ruiva e de olhos castanhos, que conhecia como Melody e só faltava ter uma carteirinha da Hellish de tanto que a freqüentava, aparecendo ao lado dela. - The breaking-news,sweetie! O Tom tá cochichando algo para ele, e parece ser sobre você, - Melody apontou para . - Mas o Jones ta olhando mesmo é pra você. - o olhar dela caiu sobre .
- Tá, é? - perguntou, arregalando um pouco os olhos e Melody assentiu, saindo de perto delas e lançando uma piscadela safada à .
Que maluca, aquela Melody. Ela ouvia o final da conversa, aparecia do nada e saía sem mais nem menos. Era para aquilo ter algum sentido?
olhou na direção de Danny e sim, ele realmente estava a olhando. E conseqüentemente seus olhares se encontraram, causando algum tipo delicoso de inquietação dentro dela. Uau, os olhos dele eram bem legais!Se ela fosse uma garota comum e discreta, desviaria o olhar, estragaria a brincadeira, acabaria com a graça e pronto. Mas como ela era ela, tão comum e nada comum ao mesmo tempo, não o fez. Ela simplesmente manteve o contato visual e o mediu minuciosamente, com a sobrancelha arqueada e uma expressão descaradamente perspicaz. Okay, aquilo tinha sido totalmente vadia no cio, mas e daí?Ele era gatíssimo, oras!E era famoso. Não que aquilo importasse muito, mas... Ah, é claro que importava!
E então ele riu. É, ele riu e ela percebeu que os dentes dele também pareciam super nice! Danny inclinou a cabeça para o lado e um pouco para trás, deixando que a mesma expressão e o mesmo olhar que haviam sido dela segundos antes brincassem em seu rosto e seus olhos. sentiu um algo quente formigando por todo seu corpo, as pernas ficando um pouco moles e riu também. Riu porque não tinha nada melhor para fazer. Então cortou o barato todo e virou-se de volta para , que retribuía o sorriso do loiro-covinha (que gracinha!).E o melhor é que não tinha sentido nem uma pontinha de vergonha!
E também nem havia bebido para conseguir isso, esse dom natural do descaramento podia ser sensacional de útil!
Aquele flerte-famoso havia sido no mínimo sensualmente divertido.
- Não pense que eu não vi! - disse à , que tamborilava os dedos na própria bochecha.
- Você viu? Foi sexy, não foi? Eu sei, alguém filmou? - ela correu os olhos pelo lugar, como se estivesse procurando alguém com uma câmera. - Porque podia virar cena de filme! - fez as palavras voarem a 200 km/h.
- ! - gargalhou e viu que Jim e David não haviam reclamado de ela estar ali papeando com a amiga até aquele momento. Ah, então tá, né, se eles tinham resolvido ser bonzinhos, quem era ela para reclamar? Na verdade, ela achava que eles estavam fazendo aquilo porque tinham um pouco de medo da , mas tudo bem... - Eu acho que você nunca foi tão descarada com um garoto em toda a sua vida!
Na verdade, ela já havia sido,porque era sempre cara-de-pau demais,mesmo que hesitasse antes de tomar qualquer atitude no estilo. Está bem, não era sempre, mas era quase "quasesíssimo" sempre. Iria entrar no clima, de qualquer forma.
- Nem eu! Mas quer saber? Foi legal, achei digno, achei digno.
- Não vai tomar nenhuma atitude? Vai logo, porque esse homem deve ser que nem dinheiro! - a incentivou e ela riu com a comparação.
- Não, não vou fazer nada. - negou, apoiando os cotovelos no balcão e o queixo sobre os punhos fechados, olhando-a serenamente.
- Como não? Você sempre faz alguma coisa. - a outra garota lembrou veementemente.
- Por isso mesmo! - justificou. - Vou inverter um pouco as coisas, sabe. Se ele quiser algo, que venha falar comigo.
meneou a cabeça em negação, achando uma doida. Mas ela já sabia que a melhor amiga era literalmente uma doida, de qualquer forma, então...
Quando Danny voltou sua atenção novamente para Tom, este o encarava com um sorriso de deboche estampado nos lábios.
- O que foi? - Danny perguntou, querendo começar a rir também.
- Você não perde tempo, hein, Jones? Não perde um milésimo de segundo, nem unzinho! –Tom enfatizou. - E também não perde nenhuma! A gente mal chegou e você já mirou o alvo!
- Uau, você fala isso como se tivesse acabado de me conhecer! - Danny zombou, gesticulando com as mãos enquanto falava. - Aliás, Tom, por que diabos você está bebendo todas essas coisas coloridas e supostamente docinhas demais? - ele deu um gole em sua Heineken, que alguém devia ter colocado no balcão enquanto flertava com a amiga da garota do Tom. "Garota do Tom", mas já? Quanta pretensão. - O que aconteceu com a boa e velha cerveja?
-Eu não sei, dude, eu não tô nem prestando atenção no que tô bebendo,sério!-Tom replicou enquanto olhava para sua nova bebida que era de um tom verde limão.-Aliás,o que é isso?-ele perguntou mais a si mesmo do que a Danny,enquanto levantava um pouco o copo e o analisava como se fosse algo realmente extraordinário.-Eu só pedi para que ela me trouxesse qualquer coisa recomendável,eu não sei nem o que é isso,mas é um tanto azedo.
- Isso pode ser um sinal. - Danny disse em um tom de Madame Zaara, uma quiromante qualquer que devia existir mundo afora, com toda certeza.
- Sinal? - Tom perguntou, confuso.
- É. Vai ver ela te deu uma bebida azeda porque quer que você saia do pé dela, dê o fora, entendeu?
Tom olhou o amigo com uma cara de ‘mas que merda você está falando?’ e o mandou calar a boca, porque ele estava enxergando problema onde não havia. Mas que imaginaçãozinha fértil! Onde já se vira, Tom nunca havia ouvido que pessoas davam bebidas azedas a outras para demonstrar rejeição em algum programa sobre relacionamentos,qualquer livro, ou matéria de revista (não que ele procurasse saber ou lesse sobre esse tipo de coisa, é claro). Mas e se Danny tivesse algum resquício de razão naquela interpretação maluca? Afinal, parecia que estava o negligenciando de certa forma.
Não, tudo aquilo era neura total. Danny, então, deu de ombros e recomendou:
- Só não vai cair podre de bêbado aí, tentando fazer com que a garota do bar...
- A . - Tom o interrompeu.
- Obrigado por me deixar saber. - Danny recomeçou, em tom debochado, dando outro gole em sua cerveja. - Pois então, não caia podre de bêbado tentando fazer com que a dê mais atenção à você do que à amiga gostosa dela.
- Não cairei podre de bêbado, Danny, isso é o seu papel. - Tom disse, contrariado e sorriu cinicamente. - Não posso cair podre de bêbado, isso seria algo nada impressionante a se mostrar pra uma garota! Ainda mais quando você já causou constrangimento suficiente para alguns anos à ela.
- É, acho que tá mais pra chocante! - o outro opinou, rindo. - Mas como assim ‘causou constrangimentos suficientes para alguns anos’?
- Ela é a garota do supermercado, lembra que eu te falei?
- Aaaah, é ela? - Danny parecia surpreso e animado. – Caramba, mas essa cidade pode ser pequena quando quer! - ele afirmou. - Bom, nesse caso eu acho melhor eu pedir uma bebida no seu lugar, antes que ela comece a pensar que você é algum tipo de alcoólatra! E dessa vez vou pedir cerveja pra você.
Danny berrou um ‘Hey, !’ e esta lançou um olhar interrogativo para , caminhando até ele. Caramba, Danny já até sabia o seu nome! Permuta eficiente de informações entre ele e Tom, porque ela não havia trocado uma palavra com ele sequer em toda sua vida.
- Me chamou? - ela perguntou, parando na frente de Danny.
- Eu receio que sim. - ele sorriu simpaticamente. - Primeiro porque nós queremos mais duas Heineken. Segundo porque meu amigo Tom aqui acha que você está o negligenciando. - Mas como é que ele sabia?, Tom se perguntava. Ora, sintonia de melhores amigos, buddy!
- É, eu realmente acho. - Tom concordou com Danny, deixando sem graça. - Você está dando toda a atenção do mundo pra aquela garota ali e poxa, você me deixou aqui dizendo que tinha que trabalhar! - Bem, ela realmente tinha que trabalhar, mas as circunstâncias do momento estavam mudando um pouco seus planos, sabe.
Tom tinha uma expressão tão gracinha no rosto, agora, que ela quis apertar suas bochechas. Que gay.
- Ah, me desculpe, realmente, eu não quero ser rude com você, não mesmo, eu só estou um pouco... - ela tentou pensar em alguma palavra plausível para completar a frase. - Perdida.
Ótima. Ela era ótima, essa era a definição correta. Acabara de dizer, em mensagem subliminar: ‘oi,loiro-covinha, você está me deixando tão perdida quanto uma barata tonta!’. Isso porque havia parado para pensar no que dizer...
- Ahn...Vou trazer as cervejas de vocês. - sorriu amarelo e, quando estava prestes a sair, Danny a chamou de volta:
- Hey, espera! - ela virou-se novamente para ele. - Eu ainda não disse o terceiro motivo. Digo, por qual te chamei. - ela deu sinal para que ele continuasse a falar. - Sobre a garota com quem você estava conversando, que supostamente deve ser sua amiga, - Bom, poderia ser a namorada dela, como ele ia saber? Mesmo que tivesse flertado com ele na frente dela, não poderia? É, poderia. - Qual o nome dela?
- Ah,ela é a , minha melhor amiga! Um escândalo de menina, mas a mais sensacional que eu já conheci! - informou, com um sorriso.
- . - Danny sorriu maliciosamente. - Certo. - ensaiou um olhar amistoso e foi providenciar seu pedido.
Então era um escândalo? Só se fosse um escândalo de gostosa, Danny pensava. Sensacional era também um adjetivo atraente, em sua opinião. Ele era muito tímido naquelas situações, não costumava agir tão diretamente com as garotas, mas ela parecia valer o esforço.
Alguns minutos depois de seu flerte-famoso, enquanto conversava animadamente com Melody que agora estava ao seu lado porque realmente tivera que tomar uma providência sobre seu trabalho, após comunicá-la que Danny havia perguntado seu nome, Jim entregou-lhe uma taça com alguma bebida que incluía morangos, porque ela podia ver os pedacinhos e era um tanto vermelha,com um papelzinho branco embaixo, escrito:
Espero que você goste de morangos,.
Mas olha só, ela não sabia que a Hellish tinha até papeizinhos prontos para
bilhetinhos com segundas intenções!Mas ela também riu, porque apesar de pensar que celebridades como Danny Jones tinham técnicas mais avançadas de conquista, aquilo tinha sido até que bonitinho.
- Uau, daiquiri de morango! - Melody disse, arqueando as sobrancelhas em aprovação.
- O quê? - indagou, como se Melody tivesse acabado de falar grego.
- A bebida. Esse é o nome da bebida. - Melody explicou.
- Ah. - assentiu. Não sabia muito sobre bebidas alcoólicas e afins.
Melody pegou o bilhetinho anexado e o leu em voz alta:
- Espero que você goste de morangos. - sua voz soara um pouco zombeteira, imitando um tom masculino. - Que cafoninha. - ela entortou os lábios,desta vez em desaprovação. - Mas bom, pelo menos ele fez algo! - colocou o bilhete novamente sobre o balcão e bateu duas palminhas frenéticas. - O que você vai fazer?
não sabia o que fazer. Bem, não era muito de beber, simplesmente porque tudo que era alcoólico parecia amargo demais para que conseguisse fazer descer por sua garganta. Mas bem, aquela coisa tinha morangos e uma cor super convidativa, ela podia até considerar bebê-la.
Mas, se bebesse, significaria que já estava totalmente na dele. E bem, ela não estava, não ainda pelo menos. A noite ainda tinha muito o que durar. E ela não ia ser fácil para o cara do blazer charmoso simplesmente porque ele era triplamente mais bonito do que os últimos que ela havia beijado e ainda era famoso de brinde. Não mesmo. Ela era simpática, mas não besta. E era legal brincar de vez em quando.
- Jim, tem uma caneta? - pediu ao cara que estava terminando de atender alguém ao seu lado. Ele retirou uma caneta rosa do bolso e entregou-a à ela. - Espera aí, então.
ajeitou o bilhete sobre o balcão e escreveu algo nele que fez com que Jim desse uma gargalhada e Melody tampasse a boca com a mão para abafar o riso. Ela apenas virou a cabeça para o lado oposto de Danny e sorriu também.
- Pára, Jim, pára! - Melody exclamou em uma voz risonha, fazendo com que Jim voltasse a ficar sério imediatamente. - Ele está olhando, ele está olhando, finja que está tudo normal.
- Devolve pra ele. - entregou o bilhete a Jim, que voltara a ter a mesma expressão divertida de segundos atrás. - E leva a taça também.
- Você vai mesmo desperdiçar isso? - Melody perguntou se referindo à bebida. - Mas é tão gostoso!
- Tanto faz. - deu de ombros.
- Aaah, !
Danny havia mandado uma bebida um tanto feminina à por intermédio de um outro barman, que ele não sabia o nome, simplesmente porque achou que mandar pela melhor amiga dela seria idiota demais. Mas mandar pelo barman desconhecido fazia alguma diferença, por acaso?
Olhara a garota de esguelha algumas vezes para tentar perceber o que estava acontecendo, mas não o fizera diretamente nenhuma vez, porque a surpresa seria mais divertida. Ele percebeu que o vulto do barman-correio estava voltando até ele. Estava prestes a descobrir o jogo dela,que excitante. Já podia se ver dando uns amassos realmente quentes nela.
Tom olhou para o barman, olhou para Danny e depois cobriu o rosto com as mãos, começando a rir de alguma coisa que Danny não sabia o que era até a bebida voltar ao remetente quando foi colocada à sua frente.
Espera aí, não estava conseguindo processar a informação. Mas como assim ela devolvera o bilhete e a bebida? Ela tinha dado o maior mole para ele segundos atrás e agora estava rejeitando um simples drinque? Mas era até de morango e mulheres costumavam gostar de morangos!
Droga, ele devia ter seguido a intuição que lhe dissera que devia arrancar mais alguma informação de antes de tomar qualquer atitude.
Tom ainda ria ao seu lado enquanto ele pegava o bilhete e lia:
Eu não bebo.
Ah, então o problema não era o morango, era a bebida em si. Que merda, um a zero para ela.
Tom arrancou o bilhete de sua mão e leu. Então passou a rir mais ainda. Ele estava achando aquilo tão engraçado que lágrimas já saíam de seus olhos e já estava começando a ficar sem ar.
- Eu... Eu não... Eu não bebo! - ele caçoou de Danny e disparou a rir novamente.
Danny estava constrangido. Certo, estava muito constrangido. Aquele tipo de coisa não acontecia com ele, porcaria, não estava acostumado! Estava sentindo-se queimar de vergonha e um pouco bravo com Tom, que devia estar o apoiando, em sua função de melhor amigo do rejeitado, mas tudo que fazia era rir de sua cara como se estivesse ali apresentando um show de "sit-down comedy".
- Dá pra parar? - Danny vociferou e Tom começou a se recuperar aos poucos.
- É, Danny Jones, parece que você finalmente encontrou alguém que pode resistir a você... - Tom debochou, arfando, dando leves palmadinhas no ombro de Danny. - Depois da Lily Allen, claro.
- Rá, você é tão engraçadinho, Thomas! Lily Allen, aquela lá é outra...
- Outra o quê?
- Nada, nada. - Danny sacudiu a cabeça como se aquilo fosse afastar os pensamentos do dia em que levara um fora da menina de vestidos de debutante e Nike.
Bom, se queria brincar, então eles iriam brincar. Eles iriam mesmo brincar, porque ele não desistia tão fácil quando realmente queria algo. Estava oficialmente no jogo agora e ainda tinha muito tempo para tentar marcar pontos. Se ela podia resistir, então queria saber até onde ela podia fazê-lo.
- Hey, David! - debruçou-se no balcão e chamou pelo rapaz loiro de franja, que chacoalhava um copo prateado com um tipo de tampa.
David a escutou, embora não muito bem, e virou a cabeça, para ter certeza de que alguém o chamava. Viu que era e fez sinal para que ela esperasse. Parou de sacudir o copo, foi até Jim, que estava andando em sua direção, falou algo em seu ouvido, entregou-lhe o copo que antes sacudia,dando um tapinha nas costas do rapaz e foi andando até ela,parando à sua frente e apoiando um braço no balcão que os separava.
- Manda, . - David disse em um tom divertido.
- Oi, Dave! - abriu um sorriso um tanto alegre e largo demais, o que o fez começar a sacar as intenções dela. - Que camiseta legal! É nova? - ela elogiou, tentando soar o mais espontânea possível e ainda sorrindo da mesma maneira enquanto analisava a camiseta pólo verde-clara dele, que pôde perceber que era Lacoste ao notar um mini-jacaré bordado do lado esquerdo, na altura do peito. - E esse alargador verde-limão, cara? Aumentou a milimetragem? - ele abriu a boca para responder, mas ela não o deixou falar. - Uau, você é mesmo corajoso e--
- , o que você quer, nanica? - ele perguntou, rindo um pouco.
- Nanica? Eu no sou nanica! Quero dizer, só porque você um britânico de um metro e oitenta e cinco não--
- , bonitinha, o que você quer? - David repetiu, dessa vez olhando-a nos olhos e apoiando o outro braço no balcão, aproximando-se dela.
- Ah, Dave, sabe o que... É que... Bem, será que você não podia liberar a mais cedo hoje? - ela perguntou, com os olhos brilhando extremamente pidões, mas cautelosos. - Por favor?
Dave consultou o relógio de pulso prateado, olhou torto para e respondeu:
- No way, babe.
- Aaaah, Dave! Claro que pode! - ela fez birra, desmanchando o que ainda havia de sorridente em seu rosto. - Nem ia ter tanto problema, sabe...! - Dave arqueou uma sobrancelha. – Ah, qual é, você e Jim são machos ou duas bichonas? Vocês podem sobreviver sem ela pelo resto da noite!
- Pra que, ? O que eu ganho com isso? - Dave a olhou, um tanto maliciosamente, entortando os lábios em um pequeno sorriso.
sabia que ele tinha uma quedinha por ela; eles já haviam ficado por umas duas noites, mas nada passara de bons amassos em um canto super escondido daquele mesmo lugar. E bem, Dave era uma gracinha, tinha estilo, era divertido e ela sabia disso, mas realmente não estava muito a fim de se esconder com ele por ali no momento.
- Bem, você eu não sei, mas a ganha! - ela voltou a sorrir, desta vez com os lábios fechados e inclinou a cabeça para o lado, fazendo o cabelo deslizar por um dos ombros.
Ele a olhou, como se a estivesse mandando-a prosseguir e ela o fez:
- Tem um cara suuuuuper hype aqui, dando o maior mole pra ela! E ela tá meio que usando o trabalho pra escapar dele, sabe. - gesticulava de uma maneira um tanto exagerada. - Então, se você resolvesse poupá-la de mais trabalho por hoje, a noite poderia terminar um pouco mais legal pra ela!
- Quem é o cara? Aquele loiro, ali? - Dave rapidamente,com o olhar,indicou Tom, que ria de algo que Danny dizia. Ela assentiu. - , aquele cara não é nada hype. - Dave tinha um certo desdém no olhar. - Eu sou mais hype que ele! - ela mostrou-lhe a língua.
- É claro que é! Ele é uma celebridade, Dave! - falava como se Tom fosse o David Beckham ou algo do tipo ,sendo fotografado por paparazzi disfarçados e escondidos enquanto se embebedava.
- Jura? O que ele faz, dança nos Backstreet Boys? - Dave zombou, rindo. A garota o olhou com desprezo e esclareceu:
- Ele é o Tom, vocalista do McFly, seu imbecil.
- Mcwho?
- McFly, Dave, como não sabe quem eles são? - ela o olhava como se estivesse cometendo algum tipo de crime ao não saber quem era McFly, morando no Reino Unido. Se ele fosse uma pessoa acostumada a ler revistas teen para garotas e ver muita TV, isso soaria estranho, mas como ele não fazia nenhuma das duas coisas, então estava okay.
E era claro que sabia quem era o McFly, mas não daria o braço a torcer para ela. Muito menos diria que tinha umas duas músicas deles em seu iPod porque bem, ele já notara que o amiguinho de banda do tal Tom estava dando em cima de .
- Seja lá o que eles tocam, , eu escuto NOFX!
Ah, era verdade, Dave escutava NOFX, ela havia se esquecido. E se perguntava, toda vez que o via, o que uma pessoa como ele,que escutava NOFX, fazia trabalhando em um lugar como a Hellish, mas estava mais interessada em tirar a amiga detrás do balcão, então voltou a insistir:
- Que seja. Mas, então, sobre a ...? - Dave arqueou a sobrancelha mais uma vez. - Ah, Dave, vaaaai! Só hoje!Eu nunca te pedi na-da! -ela fez um biquinho e começou a ajeitar a gola de sua camisa, que nem desajeitada estava, mas, de qualquer forma, ela precisava de um artifício.
Sim, ele sabia que ela estava certa, nunca lhe pedira nada; quem havia pedido fora ele mesmo. E além do mais, ela tinha que fazer aquele bico idiota?
A menos de um metro dali, Danny observava alisar o barman enquanto batia um dos pés no ritmo da música frenética do ambiente e aquilo o deixava um pouco irritado. Bem irritado. Era de ferir o ego do ser humano!Do ser humano ele, claro. Ela estava dando mole pro barman e dispensando Danny Jones? Ele tinha que agir, afinal, não perderia a garota gostosa para o barman nem em última hipótese e isso era sinônimo de: nem lascando, nem sob tortura chinesa.
- Está bem, , está bem, você venceu. - David cedeu, segurando as mãos dela, que lhe dera mais um de seus sorrisos que chamava de "Sorriso Scarlett", em homenagem à Scarlett O’Hara.
- Eu sabia que você não ia me decepcionar! - Dave revirou os olhos e abaixou as mãos dela, ainda as segurando.
- Eu vou lá falar com a . - ele soltou suas mãos. - Mas você ainda tá me devendo uma!
- A gente conversa sobre isso depois. - ela disse e piscou para ele. - E, ah ,não diga que fui eu que pedi, diga que está fazendo porque resolveu ser bondoso uma vez na vida! - ele semicerrou os olhos e depois sorriu, retribuindo a piscadela dela.
Como se ele fosse o cara mais mau do mundo!
- , como assim você mandou o Dave me liberar mais cedo? - entrou em um dos banheiros femininos da Hellish, falando alto, e desta vez não era por causa da música que vinha de fora enquanto a porta se fechava vagarosamente.
- Eu? - arregalou os olhos, parando o que fazia. Encarou , que parou atrás dela com uma mão na cintura, pelo espelho. - Eu não mandei nada! Eu tenho cara de quem manda alguma coisa nesse lugar?
- Não seja cínica, ! Eu te conheço bem demais pra saber que você teve uma forte influência nisso tudo.
ignorou totalmente enquanto passava os dedos em volta dos olhos , ainda se encarando no espelho preso ao mármore negro da parede, como se estivesse realmente arrumando alguma coisa de errado, parecendo bem convincente.
- ! - estava irritada com a cara de sonsa que a outra fazia.
- Tá bom, tá bom, , fui eu! - bufou, virando-se para a amiga e apoiando as costas no mármore igualmente preto que sustentava as pias. - Mas, se eu não fizesse isso, você ia ficar arranjando desculpinhas até a cerveja desse lugar acabar!
- Não ia não! - defendeu-se, cruzando os braços e olhando a outra, enfezada.
- Cala a boca, eu sei que ia. - disse mais rápido que o normal, em um tom divertidamente ameaçador. - Agora, eu vou falar sério-ela aproximou-se de e a segurou por um dos ombros e colocou o dedo em riste. - Se eu sair daqui e não vir você tomar uma atitude em relação à celebridade da craterinha...
“Craterinha? Cada hora essa menina me vem com uma pior!", pensou.
-... Em cinco minutos, eu enfio a mão na tua fuça, coisa que não fiz em anos, escutou? - não se moveu e continuou olhando feio para . - Vou levar isso como um sim, te encontro mais tarde! - piscou e saiu andando em direção à porta por onde entrara minutos antes.
- Ou seria mais cedo? - parou no meio do caminho,com uma expressão sapeca, e perguntou à amiga, que estava distraída demais sendo arrastada por uma onda de pensamentos sobre a celebridade da craterinha, enquanto sua cabeça parecia latejar mais à medida que a música que antes estava abafada se tornava um pouco mais alta, fazendo-a sair subitamente do transe em que se encontrava.
- O quê? - ela disse, de repente, olhando para onde estivera segundos antes, vendo que a garota já não estava mais ali.
Por que as coisas estavam parecendo tão mais complicadas? E por que ela estava sendo tão difícil; por que se sentia mais insegura do que jamais havia se sentido em muito tempo? Talvez estivesse sofrendo por antecedência, colocando problema onde não havia e prestes a perder uma oportunidade legal.Não era dessas, não era aquele tipo de garota, não mesmo. E com esse pensamento, ela abriu seu esconderijo pessoal de maquiagem debaixo das pias, retocou a base, o rímel e cruzou a porta do banheiro feminino mais uma vez, com a intenção de aproximar-se de Tom e dizer, ou fazer, simplesmente o que lhe parecesse mais verdadeiro e convincente para o momento. Não tinha muito o que temer, afinal. Ele estava lhe dando mole (demais)!
estava deixando o pequeno corredor que levava aos banheiros da boate quando seus olhos se espremeram automaticamente ao trombar com alguma coisa. Mas bem, ela percebeu que aquilo com que trombara não se parecia nada com uma coisa como os pilares onde costumava enfiar a testa quando estava andando distraída (como fizera três vezes em seguida nos postes da antiga cidade onde morava, pensando que fosse realmente ter algum tipo de amnésia ou problema mental enquanto tentava abaixar o galo protuberante que havia sido conseqüência dos acidentes, sentindo-se tonta demais); era mais macio e cheirava bem, muito bem. E A Coisa até estava a segurando pela cintura! Pilares não tinham mãos, muito menos mãos quentes. Então A Coisa provavelmente era alguém.
Ela estava parada em uma posição um tanto ridícula, com as mãos supostamente espalmadas no peito do Alguém e os olhos ainda espremidos, como se ainda esperasse que algo fosse lhe atingir em cheio e partir seu frágil crânio em mil.
- Nossa, me desculpa! - ouviu o Alguém falar em uma voz roucamente atrativa e seca, ainda sentindo um cheiro bom e tipicamente masculino invadir suas narinas.
Percebendo que devia estar parecendo uma idiota daquele jeito, provavelmente na presença de um homem, e que ainda havia a possibilidade deste ser bonito, ela abriu os olhos e tirou suas mãos de onde elas estavam. Aí, constatou que o Alguém que tinha um cheiro agradável de homem e tinha a possibilidade de ser bonito, era deveras muito bonito e alto e... Era Danny Jones.
E Danny,ao perceber em quem esbarrara,se sentiu tão sortudo quanto no dia em que conseguira o telefone da Kimberly Walsh das Girls Aloud.Claro que isso fora antes da tal sorte escorrer pelo ralo quando ela lhe deu um fora dos bons.
- Ah, eu estou bem! - afirmou, parecendo ainda mais idiota do que minutos antes, ao balançar a cabeça e as mãos repetidamente, talvez sorrindo mais do que deveria.
Quando notou que Danny ainda não tirara as mãos de sua cintura, ela amenizou o sorriso e sentiu seu corpo inteiro congelar. E Danny, por sua vez, também realizou que ainda segurava delicadamente a cintura dela e puxou as mãos para trás como se tivesse acabado de levar um choque. Aquilo era um tanto constrangedor, afinal, ela o havia dispensado de certa forma minutos antes, e ficar segurando sua cintura não aparentava ser algo muito aceitável naquele momento; se bem que ele não se importaria nem um pouco em estar fazendo aquilo se a situação fosse outra.
Os dois olharam para baixo e riram, sem-graça; ela colocando atrás da orelha uma mecha do cabelo que voltou a cair sobre seu rosto, o que ele achou gracioso.
- Desculpa. - ele pediu novamente, esfregando uma das têmporas.
- Tudo bem. - ela sorriu amistosamente, enquanto se afastava para o lado dando espaço para uma garota passar no mesmo instante em que Danny.
Já que a sorte resolvera trabalhar ao seu lado, mais uma vez, Danny dirigiu seu olhar para , que o retribuiu, e resolveu dar continuidade ao seu plano ‘Never Gonna Stop 'til I Got You.’
- Hum, , acho que estamos no caminho! - Mas que atrevido ele era! Ela teve a leve impressão de qualquer outro cara em seu lugar fingiria que não havia ocorrido nenhum incidente com bilhetes e bebidas, a chamando por qualquer outra coisa, menos pelo nome. - Você bebe Coca-Cola ou qualquer coisa dessas, pelo menos? - ela estava gostando daquela atitude dele. E também gostava da maneira como ele estava coçando a nuca, parecendo procurar as palavras certas para dizer; um ponto para Danny em seu medidor de conceito. - A gente pode ir para um lugar onde não atrapalhamos ninguém e eu te pago uma bebida.
BIMBIMBIM! O alerta de duplo-sentido piscou na cabeça de quando Danny disse algo sobre o lugar onde não se atrapalhava ninguém. Talvez ele tivera mesmo a intenção de soar ambíguo, coisa que ele tinha certeza que sim, mas ela não. ignorou tudo aquilo e simplesmente perguntou:
- Mas você não estava indo ao banheiro?
Mas que praga de garota relutante era aquela? Se ele fosse um loser de merda, responderia qualquer coisa como: “Ah, ia mesmo, que cabeça a minha! Tchau.", depois desapareceria da frente dela com o rabo entre as pernas e faria de tudo para não vê-la novamente em duzentos anos. Mas aquilo o impulsionava a continuar e, embora nem ela estivesse muito certa do queria com aquela relutância toda, ele tinha a impressão de que ela queria que ele não desistisse, então voltou a olhá-la e replicou:
- Na verdade, eu não tinha nada de muito relevante pra fazer lá, acho que te conhecer seria mais aproveitável. - ele investiu mais uma vez, sorrindo de lado e sentiu alguém lhe socar o estômago em cheio, quase até voou para trás.
Bem, ele não podia ter dito: “Estava indo ao banheiro para ver a aparência do meu cabelo no espelho e pensar em como voltaria a abordar você, até você aparecer, trombar em mim e tornar o trabalho mais fácil!". Talvez garotas nem soubessem que homens iam ao banheiro para dar uma olhada no cabelo e aquilo podia soar um tanto afeminado demais.
Certo, então o tal do Jones Celebrity sabia jogar. De que forma ela se faria de difícil, mais uma vez, agora? Ele ganhara aquela etapa dizendo aquilo, de fato, então ela resolveu ceder:
- Está bem, então! - sorriu e ele sentiu vontade de fazer uma espécie de dança da vitória ali mesmo,mas se controlou, contentando-se apenas em colocar as mãos nos bolsos frontais do jeans. Havia sido mais fácil do que pensara, já nem sabia como agiria se ela construísse mais uma barreira.
Quando Danny retribuiu seu sorriso, pareceu ver aquilo acontecendo em câmera lenta, como naqueles filmes todos iguais de menininha que, querendo ou não, ela adorava assistir de vez em quando. Enquanto ele indicava o caminho para saírem dali, com a cabeça inclinada e levantando as sobrancelhas, ela percebeu que, a partir daquele momento, não conseguiria voltar atrás nem se quisesse muito; totalmente vidrada no sorriso extremamente cativante que ele ainda exibia enquanto fazia sinal para que passasse à sua frente.
- O seu sotaque é tão legal! Você não é daqui, é, ? - Danny perguntou à garota à sua frente, que brincava com os canudos meio enfiados na lata de Coca-Cola que segurava ao mesmo tempo que batucava os dedos sobre esta, no mesmo ritmo em que batia o pé.
- O seu sotaque é um pouco diferente dos outros também! - ela comentou.
- Ah, na verdade, eu sou de Bolton. Fica na Grande Manchester, sabe? - ele levou os lábios ao gargalo da garrafa verde de sua Heineken e deu três goles seguidos.
Manchester tudo bem, mas ela não fazia idéia onde ficava Bolton ali no meio. Provavelmente era uma cidade pacífica e perfeitinha, como as que apareciam nos filmes europeus; com famílias tradicionais, religiosas e tudo mais. Ela não precisava admitir que não sabia onde ficava o lugar onde ele nascera, precisava? Pelo menos ela imaginava, mesmo que fosse tudo errado.
- Ah, mas é claro que sei, Bolton!Aham! -ela afirmou, com a convicção de quem já fora guia turística de Bolton e soubesse tudo sobre o lugar de trás para frente. - Eu já visi... - Tudo bem, talvez fosse realmente estúpido mentir que já havia visitado a cidade. - Já ouvi falar. - sorriu, ainda brincando com os canudos.
- Voltando ao assunto; tenho certeza de que você não é daqui.
- Não. - ela respondeu simplesmente.
- Sabia! - ele exclamou, empolgado. Com certeza ele sabia, logo que bateu os olhos nela já soube, afinal, ela era mesmo gostosa demais para ser inglesa. Não que não encontrasse umas garotas bem boas por ali de vez em quando. - De onde você é, então? - ele levou mais uma vez a garrafa à boca.
- Adivinhe. - propôs imediatamente, com os olhos divertidos. - Quero ver se você é bom nisso.
- Uuuh, certo. - Danny torceu os lábios e arqueou uma sobrancelha em uma careta pensativa, que fez sorrir por dentro. Ele era tão gracinha! - Deixe-me ver se consigo adivinhar; hum...Serra Leoa? - chutou.
desfez sua expressão divertida na hora. Ele estava fazendo piada ou o quê? Nada contra as nações pobres do mundo, mas ela parecia tão mal-acabada, tão mendiga assim? Estava até com um dos seus melhores vestidos!
Talvez ele não fizesse idéia de onde ficava e as condições daquele país. Sim, podia ser aquilo,porque ele não estava com cara de quem estava fazendo piada. Ou talvez ela só tivesse escutado errado! Isso, podia ter escutado errado, só precisava checar:
- Desculpe, o que você disse? - a expressão dela era confusa.
- Eu disse Serra Leoa. - ele repetiu ingenuamente. - Acertei? - os olhos dele brilharam, esperançosos.
Danny parecia tão animado por talvez ter adivinhado, que ela não quis acabar com a graça dele, mas não agüentou por muito tempo e começou a gargalhar descaradamente.
- O que foi? - ele era mesmo tão imbecilzinho, ela pensava, enquanto ele aparentava não entender nada; e realmente não entendia muito bem por que ela estava gargalhando como se ele tivesse contado a piada mais engraçada do século.
- Ai... - ela inspirou profundamente, retomando o fôlego, ainda risonha. - Ai, me desculpa, mas é que... Espera aí, você tem idéia de onde fica Serra Leoa?
Danny não fazia muita idéia na verdade. Nem sabia por que diabos havia chutado aquele país, mas bem, era para ele tentar adivinhar,não era?Talvez se começasse pelos mais impopulares ficasse mais fácil depois. Não era assim que funcionava, comece sempre pelo mais difícil? Ou era o contrário? Que fosse,
ele nem tinha certeza se Serra Leoa existia em algum lugar do mapa, mas aquilo era um caso à parte.
- Pra ser honesto, eu não sei não! - ele admitiu, dando um sorriso tão inocente e bonitinho que fez sorrir também.
- Ah, certo, foi o que pensei. - ela disse e ele deu de ombros.
Ele era tão besta! E estava fazendo-a rir como maluca ali, há meia hora, contando casos engraçados, fazendo perguntas idiotas e piadas sem sentido. Ela adorava piadas sem sentido e ele parecia ser o rei delas, sem ao menos fazer esforço, porque as coisas pareciam sair naturalmente. Estava percebendo que Danny era a tendência das gracinhas. Ele era o rei de todas as gracinhas!
Tom e estavam pouco mais atrás deles, totalmente concentrados um no outro. O Electropop do MGMT agora era o que fazia as pessoas se sacudirem na pista de dança do local e soava muito mais agradável aos ouvidos de ,fazendo com que ela quisesse se juntar a multidão de corpos que se movia ali. Mas Danny estava a divertindo muito, então não queria deixá-lo sozinho. E ele era extremamente atraente, o que tornava a conversa mais difícil, porque a cada gesto que ela considerava bonito, queria esquecer todo aquele jogo besta, e inédito para si mesma, agarrando-o inesperadamente. Se no final tudo fosse uma bosta, pelo menos teria servido como um treinamento de auto-controle, porque ela realmente não sabia de onde estava saindo tanto dele. Sempre fora uma descontrolada, mas já que havia começado tudo, não ia ser ela mesma a estragar. Talvez devesse chamá-lo para dançar, mas ele não parecia muito do tipo que dançava.
- Eu ainda quero saber, ! - ele disse, tirando-a do meio de seus conflitos internos. - De que país você vem?
- Eu não vou te dizer. – ela disse prolongadamente, negando com o dedo indicador da mesma mão que segurava a lata. - É o seguinte: se até o final da noite você adivinhar a minha nacionalidade, a gente pode passar dessa conversa divertida para uma coisa ainda melhor. - ela mordeu o lábio, instigando-o ainda mais.
Ah não, mas ela já ia começar com aquela cerimônia toda de novo? Ele já estava conversando com ela há tempo demais, em sua opinião, o que mais ela queria? Um acordo pré-amasso; talvez que ele ajoelhasse e implorasse por um toque mais ousado dela? Só porque ele achava que estava ganhando, que estava no papo e eles já estavam partindo para o próximo estágio, que parecia muito mais atraente?
Certo, ele já não havia proposto a si mesmo continuar no jogo?Então ele iria até o fim e o fim significava ter do jeito que queria desde que a avistara mais cedo. Era isto que ele ia afirmar à ela quando ''Shake It'' do Metro Station começou a tocar e , um tanto afobada, entregou-lhe a lata de Coca que segurava,dizendo:
- Faça alguma coisa com isso, por favor? Eu já volto. - ela o encarou por um momento centesimal. - Ou não. - e o deixo ali, na dúvida, segurando a Heineken e a Coca, partindo em direção à , que a olhou de um jeito empolgado, disse algo a Tom e logo depois começou a caminhar com a amiga até a pista de dança.
Danny e Tom se encararam de onde estavam, ambos atônitos e não entendo coisa alguma sobre a saída repentina das garotas. Devia ser uma daquelas coisas de mulher, que eles não entenderiam nem um zilhão de anos, nem se quisessem. Tom caminhou até Danny e os dois se aproximaram mais do balcão, onde Danny colocou a Coca, observando-as se moverem freneticamente com a música agitada, gritando a letra, no meio dos outros.
Elas não estavam tentando parecer sensuais ou fazer uma coreografia complicada e ensaiada, estavam simplesmente deixando seus corpos serem guiados pelo som, totalmente avulsas ao que acontecia e a quem dançava à sua volta, trocando olhares alegremente cúmplices enquanto berravam.Eles notavam que estavam sendo elas mesmas e aquilo era muito mais atraente do que tentarem fazer o tipo diva sexual, só porque eles estavam ali.Elas nem sequer estavam olhando para eles!
- Cara, elas são tão...
- Loucamente divertidas! - Danny completou a frase de Tom.
- É, eu acho que isso serve! - o outro concordou.
Os dois voltaram a ficar em silêncio; Tom completamente absorto nos movimentos de , enquanto Danny não tirava os olhos de , a boca alternando entre sorrisos imbecis e goles de cerveja. Quando "Shake It" deu lugar à outra música emendada, abraçou , radiante, e as duas gritaram, dando pulinhos histéricos, segurando as mãos. Eles não deram muita atenção àquilo, novamente imaginando que só podia ser coisa de melhores amigas do sexo feminino, ou talvez uma saudação particular e antiga entre as duas.
As duas soltaram as mãos e começou a andar em direção aos garotos enquanto , ainda dançando, lançou um olhar extremamente provocador à Danny, que o interpretou como um convite para que se juntasse à ela na pista de dança.
Ele nem gostava muito de dançar. Nem ao menos sabia dançar! Ele só sabia dançar zoando, se é que aquilo realmente existia fora da cabeça dele. Mas bem, que mal faria? Não estava mais tentando seduzir ninguém, porque, ela se fazendo de difícil ou não, ele sabia que já estava totalmente seduzida. Não ficaria fazendo-o de palhaço, cheia de caô para cima dele. Ou iria? Como é que podia adivinhar, acabara de conhecê-la! Por isso mesmo preferia acreditar que ela estava caidinha por ele, porque era muito mais fácil, prazeroso e fazia com que se sentisse mais seguro.
- Estou indo! - Danny anunciou para Tom, sem quebrar o contato visual com , nem quando repousou sua garrafa, e saindo dali.
- Desculpa ter abandonado você do nada! - começou, apoiando o quadril no balcão, ao lado de Tom. - Mas era "Shake It", a gente não podia deixar de dançar. JIM, ÁGUA! - berrou e Jim mais algumas pessoas ao redor a olharam.
- Tudo bem, a gente se divertiu mais olhando vocês daqui. - ele sorriu e pela cabeça dela passaram-se milhares de coisas que eles poderiam ter falado sobre si mesma e minutos antes. Se ao menos soubesse que eles não tinham conseguido dizer quase nada! - Hey, o que você acha de a gente sair daqui? Quero dizer, ir pra algum lugar onde a gente não precise falar tão alto?
- Tem uns pufes ali no fundo. - ela apontou. - Ocupados.-crispou os lábios.-E bem, pelo que eu vejo, as mesas ali nos cantos estão todas ocupadas também. Mas não sei, você quer ir lá pra fora? - sugeriu.
- Pode ser, desde que a gente não precise se esgoelar pra falar, está ótimo. - Tom concordou.
- Tudo bem, então. Você se importa se eu for até o banheiro antes? - ele negou com a cabeça. - Me espera lá fora. - ela pediu e após ir até o outro lado do balcão, pegar sua bolsa e a garrafa de água que Jim estendeu-lhe, olhou Tom de relance e saiu em direção ao banheiro.
Quando saiu pela porta principal da Hellish, com a maquiagem mais uma vez retocada e não parecendo mais a suína suada que achava que estava parecendo minutos antes, trocou poucas palavras com Troll, o segurança que tinha o apelido por ser gigante e assustador, e viu que Tom não estava a esperando ali, como pedira. Será que ele havia se envolvido em alguma briga? E se alguma garota que tinha reconhecido-o decidira pará-lo? E se ele tivesse parado outra garota porque a odiara e tinha aceitado que ela fosse ao banheiro só para livrar-se dela?
Não sabia se acreditava na pior das possibilidades e ia embora dali sem esperar por , como elas geralmente não faziam, ou se voltava para dentro do local e procurava por Tom; as duas coisas pareciam erradas demais, cada uma à sua maneira. Se ela voltasse para procurar por ele, significaria que era uma desesperada carente e neste caso ele pularia fora mesmo, mas, se ela fosse embora irritada e incerta, ele poderia realmente sair dali de dentro a qualquer momento e ficar na mesma situação que ela. E se, por um acaso, perguntasse algo ao Troll, que sabia muito bem quem ela era, ele diria a verdade e então tudo estaria estragado, porque Tom ia achar que ela era maluca, insensível e bipolar.
E se ele tivesse ido embora? Ai, caramba, não havia pensado naquilo, ele poderia mesmo ter ido embora porque a achara uma otária!
Estava quase virando-se para perguntar algo sobre aquilo para Troll, quando todas as suas dúvidas foram sanadas pela mesma pessoa que as causara passando pela mesma porta vermelha por onde ela saíra poucos minutos antes e fazendo com que quase suspirasse de alívio, mas optou por prender o ar.
- Eu pensei que você tivesse me dado algum tipo de troco e tivesse me abandonado aqui! - brincou, tentando não deixar transparecer que não havia ficado nem um pouco aflita com o pequeno sumiço dele.
Ele riu, desculpou-se e enquanto se aproximava dela, explicou:
- Na verdade, eu demorei porque estava pagando a conta. Não acho que vamos voltar lá pra dentro, vamos?
- Acho que não. - ela respondeu e os dois avistaram um banquinho cinza do outro lado da rua, um pouco distante de um poste de luz, e após trocarem olhares concordantes, caminharam até lá, lado a lado.
Sentaram-se a uma distância consideravelmente segura um do outro sobre o banco gelado e encararam-se simpaticamente, reparando ainda mais na covinha da bochecha esquerda dele, que virou a cabeça rapidamente ao perceber aquilo. Já estava habituado às pessoas olhando sua covinha, principalmente as fãs que sempre queriam enfiar o dedo nela, mas o silêncio tornava aquela cena um pouco estranha demais e ela estava tão centrada naquela parte de seu rosto que ele ficou com medo de ela querer enfiar o dedo ali também. Vai saber?
- Você está com frio? - ele perguntou, quebrando o silêncio um tanto constrangedor e tentando amenizar a conseqüência do movimento brusco que havia feito segundos antes, como houvesse alguma.
- Na verdade, estou, mas eu esqueci meu casaco em casa. - bateu um punho na testa, para indicar a própria burrice, e entortou os lábios vermelhos.
- Eu te emprestaria um casaco. Isto é, se eu tivesse trazido um. Estou tão despreparado quanto você.
Ficou aliviada por ele não atacá-la com a cantada do ‘posso aquecer você?’ ou algo do tipo porque, sinceramente, não sabia se queria beijá-lo tão cedo assim. Não havia nada de errado nisso e não seria a primeira vez que faria uma coisa daquelas, mas ele não aparentava ser tão descartável daquela maneira.
- Mas você mora em Londres! - o repreendeu, em um tom brincalhão e ele ficou boquiaberto, fingindo indignação.
Os dois estavam querendo competir, mas ambos sabiam que eram burros por saírem sem casaco em plena primavera no lugar onde moravam. Tudo bem que dentro da Hellish era quente, mas eles tinham que ser prevenidos, afinal.
- E você mora onde? - Tom retorquiu, franzindo a testa.
- Em Londres! - ela sorriu abertamente e entrelaçou os dedos enquanto piscava os olhos mais rápido do que o normal, como uma criança que acabara de aprontar e tentava esconder, provocando uma breve risada em Tom. - Mas oras, e se eu ainda morasse longe daqui e estivesse visitando a cidade?
- Você estava trabalhando, . - ele lembrou.
- Ah, bem, é verdade. - ela corou e ele riu, encarando-a.
- O que você quis dizer com ‘ainda morasse’? - ele indagou, curioso, e ela abraçou os joelhos sobre o banco, virando-se para olhá-lo também.
- Eu sou do Brasil. Na verdade, faz uns quatro anos que moro aqui.
Agora as curvas e os traços um tanto diferentes dela estavam suficientemente claros para ele.
Tom perguntou algo sobre o Brasil e os dois ficaram em silêncio novamente, observando algumas pessoas que conversavam na frente da boate e ouvindo o barulho das rodas dos poucos carros que passavam por ali contra o asfalto.
Ele estava sendo tão legal com ela que era como se todo o receio e medo que sentira antes de tudo aquilo nunca tivessem existido. Não queria parecer presunçosa ou precipitada, mas Tom parecia estar a achando tão simpática e agradável quanto ela estava o achando legal. Como mudava de opinião rápido!
Ele realmente estava, mas ela precisava saber e descobriria aquilo em dois segundos:
- Eu não quero parecer grossa, mas eu sou terrivelmente sincera. - quebrou o silêncio,chamando a atenção de Tom, mais uma vez, para seu corpo encolhido no banco. - Qual é a sua? Digo, não acho normal ter um rockstar no meu pé sem motivo aparente. Eu nem fiz nada que pudesse te interessar, aliás, eu quase te matei no mercado!
Ele analisou atentamente a expressão dela, de quem não sabia se devia ter dito aquilo ou não, e riu com sua última afirmação.
não havia feito nada de muito diferente. Mas se ele parasse para pensar, havia sim, porque ficou fugindo como uma criança assustada dele antes de dar-lhe atenção completa. Aquilo com certeza tinha contado alguma coisa, porque geralmente as pessoas corriam atrás dele, não contra. E ela também era bonita. Não era estonteante, mas também não era nada parecida com as outras garotas por quem se lembrava de ter sentido-se atraído. Aliás, quando fora a última vez que ele prestara atenção ou se sentira atraído por uma garota assumidamente?
- Sabe, ... Posso te chamar assim? - ela assentiu.-Faz muito pouco tempo que eu terminei com a minha namorada. E eu realmente não achei que fosse fazer isso, de realmente me interessar por alguma garota estranha, tão cedo. Eu não costumo fazer isso. - ele começou a explicar. E como poderia ser acostumado a algo como aquilo, se teve olhos somente para sua ex-namorada por tanto tempo e se achava digno demais para traí-la mais de uma vez, na qual tudo havia quase ido para o ralo?
- Mas hoje que eu pude reparar mais em você, eu te achei realmente bonita e não pensei que seria digno de um cara como eu não fazer nada em relação à isso. - continuou. Nem ele mesmo sabia de onde havia tirado aquela última e convencida parte, mas parecia ter funcionado, pela cara dela. - Eu só percebi que, agora que não tenho mais nada com a minha namorada do período jurássico, eu podia fazer algo que não fazia há muito tempo.
franziu um pouco a testa e olhou para baixo, ainda tentando entender o que ele quisera dizer com ‘namorada do período jurássico’. Qual é, Tom fora gentil e educado o tempo todo e agora estava chamando a ex-namorada de dinossaura na frente dela? Tudo bem que era ex-namorada, mas ele precisava mesmo dizer indiretamente que a mulher era tão chata, ou talvez feia, que lembrava um dragão soltando fogo pelas ventas, ou algo daquele tipo? Nenhuma garota merecia aquilo, nem ex-namoradas! Certo, talvez algumas, mas ela não gostaria de saber que qualquer ex-namorado seu andava chamando-a de tiranossauro rex pelo mundo afora.
já começara a viajar tanto quanto Dougie Funnie, imaginando a ex-garota de Tom, quem quer que fosse, como um dinossauro tão enorme e assustador quanto o Godzilla, grunhindo enquanto o carregava, na boca cheia de dentes afiados e inquebráveis como pedra, pelas ruas de Londres, até que, estranhando o novo silêncio, ele inclinou a cabeça para baixo, numa tentativa de cruzar seu olhar com o dela e perguntou:
- O que foi? - ela voltou a olhá-lo.
- Desculpa, mas... O que você quis dizer com ‘namorada do período jurássico’?
Ele recuou um pouco o corpo e ao perceber o tanto de coisas horríveis que ela devia ter imaginado quando disse aquilo, começou a gargalhar alto e ela sorriu sem-graça e confusa, porque não soube o que fazer no lugar. Ele foi parando de gargalhar aos poucos e ainda risonho esclareceu:
- Eu quis dizer que eu namorei a Giovanna - então aquele era o nome da namorada, ela concluiu. - Por muito tempo! Nós ficamos juntos por uns quatro anos.
- Ah, sim! Foi exatamente o que eu pensei. - mentiu.
Como se alguém tão sã quanto ela fosse imaginar cenas com ex-namoradas Godzillas e coisas do tipo.De jeito maneira.
Ah, então tá.
Do lado de dentro da Hellish, , que aos olhos de Danny parecia se empolgar mais a cada música que tocava, ainda não havia relado um dedo sequer nele. Não porque não tivera oportunidade e não que ele não tivesse tentado várias vezes, mas era o ‘trato’, não era? Ela sempre chegava muito perto, com os olhos fixos nos dele, somente para provocar e, quando ele estava prestes a pôr suas mãos sobre a cintura dela, ela se afastava, acelerando os movimentos e sorrindo marotamente, deixando-o totalmente frustrado, revirando os olhos e depois voltando a medi-la de cima a baixo descaradamente.
E tinha mesmo muito motivo para aquilo até onde sabia, porque as pernas, a bunda e aquele vestido curto dela estavam o tirando do sério.
Danny era sexy, atraente de uma maneira que ela não sabia explicar. E sabia que se ele a tocasse mais ousadamente uma vez, ela mesma quebraria as regras de todo jogo que havia criado. Ele ainda nem acertara sua nacionalidade; pensava até que ele já havia se esquecido, porque não tinha dado mais nenhum palpite, tentando ganhá-la por outros métodos. E não, com certeza a dança não era um desses métodos.
Como dançarino ele era mesmo um ótimo guitarrista. Ela achava graça em cada movimento desengonçado que Danny fazia e quando, por um momento, parou de dançar e começou a gargalhar, ele parou também e perguntou inocentemente:
- O que foi? Eu também quero saber qual é a piada! - Na verdade, estava achando que a piada era ele mesmo.
- Não foi... Nada. - ela disse, arfando. - Eu só estou rindo da... Do... - ela avistou a garota bêbada e parecida com o BJ que vira mais cedo, de relance, no bar e agradeceu qualquer coisa de outra dimensão por aquilo. - Estou rindo daquela garota bêbada ali atrás. - ela apontou discretamente para esta. - Ela não é realmente engraçada dançando?
Danny virou-se para olhar a garota e riu também.
- HAHA, ela é mesmo MUITO engraçada dançando! - concordou.-Ainda por cima bêbada!
Se ele ao menos soubesse que ele era muito mais engraçado e a piada era mesmo ele...
A música que tocava deu lugar à "Everyone Nose", do N.E.R.D e mudou o ritmo de seus movimentos, começando a se aproximar vagarosamente de Danny, mais uma vez, mas parando à uma distância que considerava segura.
Por que é que o provocava tanto se não queria nada? Aquele lugar estava cheio de meninas bonitas e ele com certeza já estaria aproveitando muito mais com outra se não estivesse perdendo seu tempo tentando algo com ela. era muito atraente, mas tudo tinha limites, inclusive sua paciência!
Iria dar o fora dali e deixá-la sozinha, porque ela era uma chata total. Até aquela música que ele achou divertidamente maluca parecia entender a situação dele quando Pharell cantava:
‘You got somethin' boys can't deny
(Você tem algo que os garotos não conseguem negar)
(...)
You ain't tired, wanna cause a riot
(Você não está cansada,quer causar um tumulto)
Who can say no to you?
(Quem consegue te dizer não?)’
Sairia dali naquele momento. Sairia mesmo, se ela não o olhasse de uma maneira tão instigante e estivesse chegando cada vez mais perto.
Estava ouvindo trombetas e o coro de aleluia sobreposto à música ou era só impressão?
FINALMENTE! Finalmente aquela garota tinha resolvido colocar um pouco de bom senso em sua cabeça e iria beijá-lo, estava até aliviado só de pensar que descarregaria todo aquele desejo reprimido. E já que era ela quem havia começado, deixaria que terminasse. Deixou-a se aproximar cada vez mais, desacelerando seus movimentos que antes iam de acordo com a batida da música, enquanto as luzes do local começavam a piscar de uma forma mais rápida e diferente e ela, prestes a tocar o rosto dele, já sentia o ar parecer mais pesado.
sabia que aquilo era um alerta de blackout e tinha certeza que quando ficasse tudo escuro, ele a pegaria de surpresa se ela se mantivesse tão próxima quanto estava. E, como ainda queria que tudo ocorresse como havia proposto, não deixaria isso acontecer.
Abaixou a mão que antes erguera para tocá-lo. Provocaria até o último minuto.
A última imagem não muito nítida que Danny teve antes de ouvir uma sirene e tudo ficar completamente escuro, foi de se afastando, de costas para ele e o olhando sobre o ombro, com um sorriso explicitamente malicioso. Ele não ia deixá-la escapar, não novamente. Rapidamente inclinou o corpo e estendeu o braço na direção onde ela estava, às cegas, tentando alcançá-la.
E conseguiu.
Pegou-a pelo pulso e um tanto bruscamente levou-a de encontro a si, colocando uma das mãos em sua cintura e passando os dedos da outra por seus cabelos.
Meu Deus, aquilo era tão bom que ele até estava sentindo seus músculos se relaxando quando deviam estar se retraindo. Ou ela era realmente muito boa naquilo, ou ele estava mais aflito do que pensara antes de tudo acontecer.
As luzes voltaram ao normal, a música passou para um ritmo mais lento e ele estava quase descendo suas mãos para baixo da cintura dela quando sentiu-a socando-lhe o peito incessantemente.
Qual é a dela?, Danny pensou, ficando irritado. Primeiro ela retribuía maravilhosamente e depois começava a bater nele? Era para entender alguma coisa? Pelo amor de Deus, qual é a dela?
Ele abriu os olhos e a soltou, pronto para atacá-la perguntando-lhe se era maluca ou algo do tipo, quando levou um susto. Tinham colocado drogas em sua cerveja e estava alucinando ou o cabelo de e sua roupa tinham mudado drasticamente?
Ficou totalmente paralisado ao perceber que a garota que havia beijado não era e sim uma outra que nunca vira na vida, três vezes mais feia do que a que ele intentara ter até aquele momento. E quase desmaiou ao ver um cara muito mais alto que ele e extremamente musculoso se colocando atrás da menina, que parou de berrar injúrias para ele e agarrou-se ao cara enorme,que gritou:
- VOCÊ AGARROU MINHA NAMORADA, SEU FILHO DA PUTA!
, não muito longe dali, percebeu o que estava para acontecer quando viu o cara se desvencilhando da namorada e se aproximando de Danny, que tentava caminhar para trás entre as pessoas que agora pareciam prestar atenção exclusivamente naquilo.Ela gritou um ‘Ah,meu Deus!’ agudíssimo, tentando passar pela pequena aglomeração que estava se formando, para chegar até ali.
- Você vai ser só, seu bostinha! - o homem o ameaçou, aproximando-se cada vez mais.
- NÃO! - Danny começou a se explicar, sentindo o desespero crescer rapidamente em suas veias. Ele não tinha a mínima chance de ganhar uma briga com aquele cara. - Quer dizer, eu agarrei,eu agarrei... Mas eu não quis, sabe e...
- Ele estava comigo! - chegou, afobada, entrando na frente de Danny. - Pelo amor de Deus, ele estava comigo, ele é meu namorado! Ele só se confundiu com o blackout, pensando que fosse eu, não foi, amor? - ela sorriu, tentando fazer uma cara que transparecesse simpatia e não desespero em sua atuação.
Danny, que já estava quase pulando por cima das pessoas para sair dali, se borrando de medo e pedindo silenciosamente para algum humorista aparecer anunciando que aquilo era uma brincadeira, afirmou freneticamente com a cabeça e soltou um suspiro aliviado quando o cara parou um tanto distante dele e de . A distância era perigosa, mas mesmo assim o cara havia parado. Pela graça do universo, já estava até vendo a cena do seu funeral acontecendo no dia seguinte.
Talvez fosse aquela coisa de força do pensamento funcionando, afinal, ele estava pedindo muito, quase ajoelhando, para não apanhar.
Mas e se usasse um daqueles golpes que tinha aprendido quando treinava boxe? Ele podia tentar! Nunca dava para trás em uma briga. Isso era quando ele tinha alguém para brigar ao lado dele ou quando o cara não tinha o dobro do seu tamanho. Aí ele era o valentão do século. Mas naquele momento talvez fosse melhor deixar toda sua marra empacotadinha.
- É verdade, cara, tudo verdade! - Danny recomeçou a falar. - Foi exatamente isso que aconteceu e...
O cara avançou em direção à eles e interrompeu Danny, dizendo à :
- É melhor você sair da frente, mocinha, eu não bato em garotas.
Repentinamente o homem a pegou pelo braço e tirou-a da frente de Danny, que pensou ter visto algo muito parecido com a luz no fim do túnel ao sentir uma pancada surrealmente dolorida e cair no chão desacordado, depois de ouvir gritar:
- ALGUÉM SEGURA ESSE CARA!
Danny abriu os olhos, sentindo tudo rodar. Observou o teto vermelho, não tendo idéia de onde estava e se lembrou do que havia ocorrido, supondo a última parte, ao se dar conta do tanto que seu nariz, que estava estranhamente gelado e quente ao mesmo tempo, latejava e doía tanto que quase o cegava. Nada nitidamente, enxergou Tom, e parados à sua esquerda, a última segurando um saquinho cheio de gelo sobre seu rosto.
- Ai, graças aos céus você acordou! - ela disse, enérgica e suspirando.
- Como está se sentindo? - ele ouviu Tom perguntar, se aproximando.
- Grogue. Muito grogue. - Danny respondeu com a língua enrolada. - Aquele troglodita me socou, não foi? - Todos afirmaram com a cabeça. - Filho da puta, bastardo! - xingou.
- Agora não adianta nada você se lamentar, devia ter pensado antes de tentar agarrar alguém no escuro! - Tom o advertiu, tão autoritário quanto uma mãe dando bronca no filho.
- Não foi culpa minha! - defendeu-se Danny. - Eu tenho lá culpa se ela. - apontou para . - Me provocou a noite inteira e... -calou-se, percebendo que poderia magoar a garota, que ainda segurava o gelo delicadamente sobre seu nariz. - Deixa pra lá.
- Tá tudo bem, Danny. - se intrometeu, tentando acalmar os nervos de todos. - O Tom disse que dirige seu carro, ele veio de táxi. Ele vai te levar para um pronto-socorro e depois para casa.
- Eu te ajudo a se levantar. - propôs, segurando-o e passando a mão pelas costas dele, que forçou o corpo para cima.
Ela estava se sentindo tão culpada que sentiu que aquilo era o mínimo que poderia fazer. Não pensara que ele ainda fosse tentar beijá-la depois que a visse se afastando! E agora ele estava ali, com a camisa manchada de sangue e o nariz, se não quebrado, pelo menos trincado, por causa do jogo idiota dela.
Agora que ela decide me tocar?, Danny pensou ao sentir os dedos de contra sua camisa, mesmo que não do jeito que ele quisera a noite toda. Só naquele minuto ela decidira tocá-lo? Ele tivera que apanhar para aquilo? Estava puto da vida, indignado, irritado e queria gritar com ela, mas não tinha o direito de fazê-lo.Na verdade, até tinha,mas preferiu tentar parecer calmo.
- Eu vou pegar o carro, te espero lá fora. - Tom disse e saiu, seguido por .
Danny e permaneceram dentro de uma das salas restritas à funcionários da Hellish, para onde Dave e Jim o carregaram ao mesmo tempo que ela os seguia, incrédula, agradecendo mentalmente por não terem precisado chamar a polícia, e dois seguranças, incluindo Troll, levavam o tal troglodita-defensor-de-namoradas para fora do local.
- Pode deixar que eu seguro isso, obrigada. - Danny agradeceu à , tentando não soar tão ríspido quanto queria e tirando o gelo das mãos dela.
- Eu sinto muito, eu realmente tentei impedir, mas foi tudo tão rápido! - ela se desculpou, lembrando-se de outros três homens tentando segurar o ogro antes de os seguranças chegarem, e de si mesma tentando acordar Danny ao mesmo tempo.
Ele tentava imaginar como diabos ela achara que ia impedir algo, do tamanho e da finura que era, se nem ele, que nem era tão mirrado, tinha como enfrentar o cara e estava quase empurrando qualquer outro cara ao seu redor para apanhar em seu lugar. Se bem que agora estava morrendo de vergonha por ter parecido uma biba que não agüentava uma briga na frente dela. Devia ter enfrentado o cara, mesmo que fosse para sair de lá dentro de uma ambulância no final.
Não, não, pensando bem, não devia.
encarava Danny em silêncio, esperando por uma resposta, que não tardou a vir em forma de pergunta e grosseira:
- Qual é a sua? - ele finalmente fez a pergunta que o cutucava desde o minuto em que ela lhe respondera o bilhete. Cerrou os olhos e franziu a testa, mas não manteve a expressão por muito tempo por causa da dor no nariz. - Qual é a sua? - ele repetiu.
Ela permaneceu parada e muda, ainda o encarando e sem saber o que responder enquanto a música abafada que vinha do outro lado continuava a palpitar.
- Vozê ze vaz de divícil a noite todã, vaz gom gue eu veije umã garotã veia gue dói gom eze zeu joguinho, guer dar umã de Bulher Bãrãvilhã valando gue me namora, bãs besmo azim depois eu ainda me vodo, levando um buta sogo no nariz? - ele disparou a dizer, com a voz ficando totalmente embargada, não sabendo mais se estava mais atordoado por causa da situação ou por causa de seu nariz que doía mais do que qualquer coisa que ele conseguia se lembrar. Se a situação não fosse tão feia e não estivesse tão chateada, ela riria da mistura do sotaque dele com a voz nasalada. - Tudo izo vaziã barde do zeu blano?
Ele viu que os olhos dela passaram a brilhar de um jeito diferente, um pouco marejados, enquanto ela ainda o olhava e balançava o corpo de um lado para o outro, consternada.
- Olha... Só me desculpa, okay? - ela pediu novamente. - É claro que não fazia parte dos meus planos. Eu não pude prever o que ia acontecer! Eu só estava esperando que você fosse atrás de mim e aí realmente eu ia mandar tudo se danar e beijar você!
Foi a vez dele encará-la em silêncio. Se não estivesse tão puto e com o nariz tão destruído, provavelmente cheio de sangue seco, teria a beijado ali mesmo, só por causa da forma bonitinha que ela havia dito aquilo.
- Tudo bem, . - ele tentou sorrir, mas foi novamente impedido por seu nariz. - Ai, berda!
- Não fique falando tanto! - ela pegou uma caixa de lenços sobre uma prateleira próxima dali. - Olha, tá sangrando de novo!
se aproximou dele,colocando alguns lenços contra seu nariz e ele se sentiu como uma criança. Seu olhar se encontrou com o dela e eles se encararam por uma fração de um segundo, até que ela sentiu a mão quente e grande dele sobre a sua, como um pedido para segurar os lenços que começavam a se encharcar, o que fez com que os pêlos do braço dela se arrepiassem.
- ‘Brigado. - Danny agradeceu, pegou mais um lenço da caixa que ela segurava, deixando um pouco de sangue escorrer, enrolou-o e enfiou-o na narina que sangrava. Apesar de tudo, ela tentara mesmo o defender e estava sendo muito legal em tentar cuidar dele.
- Vamos, o Tom deve estar te esperando lá fora. - ela disse, achando o lenço pendurado no nariz dele engraçado e pegando os outros, sujos, de suas mãos, jogando-os em uma lixeira próxima e colocando a caixa sobre a mesma prateleira de onde a tirara.
Abriu a porta da sala e deixou que ele saísse primeiro.
Quando atravessaram a aglomeração de pessoas e chegaram do lado de fora, viram Tom e parados na frente de um carro, sorrindo um para o outro.
- Pensei que tivessem morrido lá dentro! - Tom brincou, malicioso, passando a olhar para Danny e .
Ele se despediu de com um beijo na bochecha e um ‘a gente se fala!’ e ela deu espaço para que ele entrasse no Range Rover enorme e grafite, onde se apoiava antes, que era o carro de Danny.
No momento em que Danny abaixou-se para beijar a bochecha de , um pouco menos irritado, ela virou o rosto propositalmente, dando-lhe um beijo na trave, que fez com que ele sentisse um estranho formigamento no lugar. Ela era mesmo legal por dar um beijo na trave de um cara que estava nojentamente sangrando como um mutilado pelo nariz, ele pensava.
Mutilado?
viu que trocava algumas últimas palavras com Tom; pegou uma das mãos de Danny e abriu a própria mão esquerda, que antes estava fechada, sobre a dele, soltando um papel nela e fechando-a logo em seguida.
Ele a olhou mais uma vez, não entendendo nada e tentou sorrir, mas na tentativa obteve uma careta de dor, o que acabou provocando um sorriso na garota. Ao parar do outro lado do carro e abrir a porta, ouviu chamando-o. Ele levantou o olhar para ela, que disse:
- Do Brasil.
- Oi? - ele perguntou, confuso.
- Eu sou do Brasil.
Ao ouvir aquelas palavras ele automaticamente pensou que devia ouvir mais atentamente quando diziam à ele que brasileiras, além de gostosas, eram problema.
- Tchau! - ela acenou para ele e segurou o braço de , que agora estava ao seu lado.
Entrou no carro, fechou a porta e Tom arrancou, enquanto ele colocava o cinto de segurança ainda segurando o papel que lhe dera e logo depois abrindo-o.
Era um bilhete que continha o nome dela, embaixo seu número e depois dizia:
Me liga, se você achar que ainda tem algum motivo pra isso.
xx.
Já passava das 3 da manhã quando sentiu um vento gelado bater em suas costas descobertas. Inconscientemente encolheu-se na cama e, ainda desacordada, tentou puxar o edredom para cima de seu corpo, o que por algum motivo pareceu muito difícil. Foi quando se arrepiou ao sentir outro vento, ainda mais gelado, incomodá-la e despertou. Sentou-se, passou uma mão nos cabelos, sacudindo-os, e olhou para o lado esquerdo da cama, onde o namorado repousava com uma cara meio emburrada, um braço sobre a testa e a franja provavelmente toda amassada coberta por este.
Dougie era tão bonito aos olhos dela. Mesmo com o cabelo desgrenhado e infantilmente babado daquele jeito, ele parecia um bebê. Mas não era um bebê qualquer, era um bebê da Anne Geddes, como os das milhões de fotos emolduradas que sua mãe colecionava, porque era um bebê de classe. Só aos olhos dela mesmo. E talvez aos olhos das milhões de fãs dele, não muito longe e muito longe dali, se estivessem vendo a mesma coisa que ela. A única coisa não bonita era a possessão dele com o edredom que dividiam, aquilo não era nada legal e ela tratou de ensaiar sua própria cara de emburrada sonolenta ao perceber que a força toda que não deixava-a se recobrir era a do peso dele e que, ainda por cima, ele havia deixado metade da janela aberta naquele frio, inutilizando parcialmente o sistema de aquecimento. Tinha que se lembrar de pegar um edredom só para si da próxima vez.
Calçou os chinelos extremamente fofos e cor-de-rosa, vestiu o robe de mesma cor sobre a camisola de seda lilás e caminhou até a janela. Antes de fechá-la por inteiro, observou a rua vazia e as luzes amarelas dos postes se misturando com a neblina. Meio sinistro.
Foi até o banheiro da suíte caminhando cautelosamente no escuro, mesmo já conhecendo aquele cômodo de cor, como se morasse ali. Quando acendeu a luz, antes de fechar a porta e girar a pequena chave embutida no trinco, pôde sentir Dougie se mexendo na cama. Encarou a si mesma no espelho sobre a pia e sorriu, satisfeita em saber que seu cabelo estava perfeito como sempre e o reflexo de seus dentes no objeto a cegaria se continuasse a sorrir daquela maneira radiante para si mesma. Era um tipo de obrigação seu cabelo estar sempre perfeito e sua pele sempre impecável, tão macia quanto bumbum de nenê, graças à shampoos, condicionadores, cremes milagrosos de marcas famosas e tratamentos estéticos nos quais ela fazia questão de gastar uma boa grana. Uma boa grana plastificada e sem limites que ela tinha a qualquer hora que quisesse - não que ela realmente precisasse. E nem precisava suar ou mover um dedo para tê-la!
Pegou o elástico de cabelo que havia deixado sobre o mármore preto que sustentava a cuba, e tinha alguns perfumes, pós barbas e outras coisas do namorado, juntou parte dos fios longos sobre um dos ombros e, quando estava prestes a prendê-los, através do espelho viu uma coisa marrom se movendo pela parede atrás dela. Automaticamente, ao identificar aquilo, largou o elástico no chão e começou a gritar estridentemente, saindo do banheiro e deixando a luz acesa, mas lembrando-se de fechar a porta.
-Pelo amor de Deus, o que é que foi? - ela pôde ouvir a voz de Dougie, que acordara de supetão, se confundindo com seus gritos agudos - que só não quebravam os vidros porque isso raramente acontecia fora dos filmes de comédia - enquanto pulava de qualquer jeito na cama e se agarrava a ele, às cegas. -Pára de gritar, , pára de gritar, você está me assustando! -ele quase implorou, ainda soando roucamente doce e desafinado por causa do sono que ainda dominava sua voz enquanto a abraçava.
E ela continuava com o escândalo. Para que parar?
-, PÁRA DE GRITAR AGORA! - ele conseguiu berrar mais alto que a garota e a sacudiu pelos ombros, fazendo-a parar de gritar. Sacudida milagrosa! Aquilo o fez se sentir muito, mas muito autoritário e pensar que realmente mandava em alguma coisa ali. Não que ele não mandasse, ali era sua residência, mas estava presente, então era um caso a se pensar. - O que foi? Você quer me fazer enfartar precocemente aos dezenove anos, é isso?
-Dougie,... no seu... banheiro - ela arfava e tremia, envolta nos braços dele. Ele pegou as mãos dela e apertou-as fortemente, tentando passar algum tipo de segurança, como se não estivesse começando a se cagar de medo só de pensar que um grupo terrorista do oriente médio; algum bandido da máfia chinesa faixa-preta em todas as artes marciais; o bandido-aranha; o Tarado da Machadinha ou qualquer ladrão de esquina (talvez todos eles juntos) tinha invadido sua humilde residência - que de humilde já não tinha mais muita coisa- e estaria prestes a matá-los ou seqüestrá-los. Já estava até vendo a notícia de sua morte em todos os noticiários do Reino Unido, seus amigos e fãs chorando em seu funeral, o McFly indo para o ralo ou até mesmo contratando uma baixista novo e melhor do que ele para substituí-lo. Não gostou desta idéia, queria ser o único memorável e excelente baixista da sua banda. Poderia até ganhar um ‘Tributo à Dougie Poynter’ quando ficasse mais velho. Ou se morresse, claro.
Podia visualizar fãs desoladas fazendo vídeos em sua homenagem e filas imensas para prestarem o último adeus, com cartazes, faixas, cantando músicas compostas por ele e todo aquele tipo de coisa que acontecia quando alguém famoso morria. Transylvania até que era bem compatível com funerais!
Ele não pensou que, se realmente houvesse um bandido-aranha que escalava edifícios ou um terrorista por ali, não daria tempo nem de ele contar até três, ou pensar na possibilidade de existir mesmo um, porque o cara os surpreenderia e os mataria antes mesmo que ele pudesse pensar ‘morte’.
-O que tem no banheiro, ? Ele te machucou? Ai, meu Deus, você levou um tiro, é por isso que está arfando? - Dougie já começava a ficar desesperado.
-Vá matá-la, Dougie, por favor! - disse, ainda atordoada, ignorando espontaneamente a pergunta imbecil de Dougie.
Então era uma mulher? Como ele ia matar uma mulher, mesmo ela sendo de um tipo descarado, sem-vergonha? O lado bom de tudo era que poderia ser mais fácil para ele então, se a mulher não fosse um tipo de Sra. Smith ou Beatrix Kiddo, claro, e só uma esfomeada-sem-teto de Londres. Pensando bem, ele não tinha a mínima possibilidade de matar alguém, nem se quisesse. Primeiro, porque nem era tão forte. Segundo, que para os padrões britânicos de altura ele era um baixinho mirrado, conseqüentemente, fosse homem, mulher, ou hermafrodita, trancado no banheiro, tinha fortes possibilidades de ser maior que ele. Terceiro: não tinha pulso, muito menos estômago, para isso.
-Vá logo, Dougie, antes que ela saia! - a garota insistiu, ainda agarrada à ele.
Tudo bem, ele era capaz, era totalmente capaz de deter uma maníaca. Estava em vantagem porque a pessoa não estava tentando arrombar a porta ainda e ele já havia sido treinado de forma bruta, rígida e intensa antes. Pelos filmes, claro. E, se não fosse capaz, pelo menos morreria como um mocinho-herói tentando livrar a namorada do perigo, como nos romances de Hollywood que ele às vezes fingia odiar quando estava com os amigos e com a namorada, mas assistia escondido quando queria. Eram inspiradores, lhe davam idéias de como ser romântico, já que não era muito especialista no assunto e era completamente o contrário. Era aquela a desculpa que ele tinha formulado e que usaria se resolvessem zoá-lo por aquilo um dia qualquer.
A primeira coisa que ele precisava fazer era desvencilhar-se dela e pegar qualquer coisa que pudesse acertar na cabeça da psicopata. Mas quando soltou-se de , insinuando que ia levantar-se, paralisou.
Não era tão fácil quanto ele estava pensando, ou queria que fosse, afinal. Na teoria e na vibrante tela de LCD parecia tudo lindo e fácil, mas ele não se sentia tão confiante assim agora que fizera o primeiro movimento rumo à ação total. Ação total, parecia função de pasta de dente.
-Você a prendeu lá dentro? - perguntou, engolindo em seco.
-Como se adiantasse alguma coisa! - zombou, amedrontada e começando a ficar nervosa com a falta de agilidade dele. - Vai, antes que ela saia por baixo da porta!
O que ela queria dizer com sair por baixo da porta? Por acaso a psicopata tinha algum tipo de poder mutante que a transformava em rata - uma versão Ratwoman para o Ratman do Danny -, ou se transformava em uma daquelas coisas gosmentas e elásticas, como o Flubber do filme? Talvez um cocô mutante que havia voltado pela privada e podia muito bem passar pelo vão da porta? Tudo estava começando a soar irreal demais em sua cabeça e ele não conseguia pensar no que fazer daquele jeito, como se cada idéia maluca que aparecia congelasse uma parte de seu cérebro. Nem ao menos sabia que aquelas coisas existiam de verdade, embora tivesse desconfiado várias vezes.
Ele podia enfrentar um Flubber talvez, ou uma rata, mas e quando a coisa resolvesse virar humana, o que diabos ele faria? Nem um revólver ele tinha, nem um clandestino! Muito menos um bastão de críquete para dar na cabeça da perturbadora de paz alheia. Sabia que devia ter aceitado a sugestão de Harry sobre ensiná-lo um pouco daquele esporte. Se não fosse útil para nada mais, pelo menos seria útil para golpear a bandida. Por que não morava mais com os garotos? Harry com certeza teria um bastão de cricket e todos os outros meninos poderiam ajudá-lo, mas o que ele faria com as próprias mãos e sua namorada feita de porcelana?
Que burro, por que não pensara antes? Havia sido só a tensão do momento, tinha certeza. Era só ligar para a polícia, afinal! Que idéia de gênio! Pelo menos alguém estaria realmente preparado para enfrentar o plano maquiavélico que a psicopata devia estar armando, quietinha, trancada em seu banheiro. Porque marginais armavam planos depois de invadir os lugares, obviamente e porque quando as pessoas ficavam muito quietas, boa coisa não era e disso ele sabia muito bem.
Enquanto Dougie tateava o criado mudo em busca do celular, , percebendo que ainda permaneciam totalmente no escuro porque estavam eufóricos demais para se lembrarem de acender a luz, levou a mão ao interruptor embutido na cabeceira da cama e, quando a luz se acendeu,se perguntou por que diabos ele estava analisando o celular e estralando os dedos.
Mal sabia ela que o namorado estava tentando desembaralhar os números de emergência em sua cabeça e se lembrar qual era o da polícia.
Ela franziu a testa, ainda não entendendo coisa alguma, e repetiu:
-Caramba, vai logo! Nunca vi enrolar tanto pra matar uma barata!
Dougie sentiu seu rosto começar a pinicar e os olhos de repente pareceram querer saltar das órbitas. Desviou o olhar do telefone e virou-se para encarar . Depois de quase meio minuto em silêncio, ele perguntou, atônito:
-Como é que é?
-A barata, porcaria!
Como assim 'a barata'? E a psicopata mutante que ia levá-los para uma masmorra, submetê-los à tortura chinesa e exigir 100 milhões de libras de Tom Fletcher como resgate?
-Caralho, você fez esse estardalhaço todo por causa de uma porra de uma barata? - ele levantou-se da cama, gesticulando exageradamente com as mãos, o rosto se ruborizando gradativamente, totalmente irado. - Puta que pariu, você não sabe as coisas que eu pensei, não sabe como me deixou preocupado e é tudo A PORRA DE UMA BARATA!
Conhecendo-o tanto quanto conhecia, já podia ter uma noção das coisas que ele devia ter imaginado, envolvendo uma forte dose de fantasia, ficção científica e outras coisas que ela preferiu ignorar não comentando nada.
-Não fala assim comigo, Dougie! - ela fez biquinho e cruzou os braços, como uma criança de 5 anos que não ganhara o que queria, encostando-se na cabeceira da cama. - É claro que fiz um escândalo, estamos nos referindo a uma ba-ra-ta!
-Você é muito frescurenta mesmo, eu devia ter previsto que não era coisa grande, já que você faz escândalo pra tudo! - ele se queixou, irritado, apagando a luz novamente e voltando a se deitar na cama. - Baratas são amigas, , elas não fazem mal a ninguém. Além do mais, quando você acordar, ela já terá ido embora.
Como se ela fosse conseguir dormir novamente, estando vulnerável a uma barata detestável praticamente no mesmo lugar que ela! Dougie não sabia nada sobre o que falava, absolutamente. Baratas faziam muito mal à maioria das mulheres existentes em todo mundo e eles provavelmente não eram os únicos no planeta tendo uma discussão exatamente como aquela, naquele momento. Se ela supostamente conseguisse dormir, provavelmente iria acordar com a barata caminhando sobre seu rosto e aquilo seria traumatizante, ia até precisar de tratamento psicológico intensivo depois. E baratas também se escondiam muito bem, ela poderia dar de cara com a nojenta quando entrasse no banheiro para tomar banho pela manhã. E sair correndo pelada pelo apartamento dele (não que ele já não tivesse a visto nua...) como uma descontrolada em potencial, era algo totalmente fora de cogitação. Descontrolada e vestida era aceitável, mas descontrolada e pelada, no way!
Fazia tanto tempo que Dougie não via uma barata que nem se lembrava que elas existiam. E por que bulhufas a porcaria da barata decidira aparecer com um tempo frio daqueles?
-Espera aí - reacendeu a luz, retomando a discussão que ele já havia dado por encerrada. - Você fala que não é coisa grande porque ainda não viu o tamanho daquela coisa no seu banheiro! - ele revirou os olhos. - Meu Deus, não gosto nem de falar, só de lembrar já sinto arrepios. - ela cerrou os dentes e moveu as mãos como se estivesse espantando algum tipo de maldição.
-Boa noite, . - Dougie cobriu-se novamente e tornou a apagar a luz, ficando de costas para ela. - Se sonhar com baratas ou se aquela tornar a aparecer, chame os bombeiros, o papa e até os Ghostbusters, mas não me acorde de novo, por favor. - ela bufou.
Que inferno na Terra! Baratas eram amigas e ele não iria matar aquela super nojenta alojada, provavelmente trabalhando em um novo ninho, em seu banheiro, certo? Sentindo uma agonia enorme e quase saindo da cama para começar a saltitar retarda e histericamente, ela lembrou-se do motivo que tinha a feito ir até o banheiro, além de olhar-se no espelho e encontrar a maldita barata, claro. Suspirou e passou uma mão pelos cabelos, decidindo apelar para o vocabulário de emergência. Apesar de estar se habituando, ainda não gostava muito de usá-lo, era nada fino, mas usar o ‘dialeto’ dele dava certo às vezes. Respirou fundo, acendeu a luz novamente e gritou:
-Caralho, Dougie, eu preciso muito fazer xi... mijar naquela bosta e, se você não levantar essa porra dessa bunda pra matar aquela merda daquela barata neste exato minuto, eu não vou dormir e farei você dormir em cima do meu mijo a noite toda, entendeu?
Dougie virou a cabeça vagarosamente e a encarou em silêncio, os olhos azuis arregalados.
-UAU, surpreendente! - ele estava surpreso e ao mesmo tempo contente por ela ter se manifestado daquele jeito. - Isso foi fantástico, andou treinando? Está melhorando, lindinha.- ela revirou os olhos quando ele insinuou apertar sua bochecha e somente apontou um dedo para a porta do banheiro. - Mas escuta, se você precisa tanto mijar, por que simplesmente não usa outro banheiro? Nós temos mais de um nesta habitação, sabia?
-Seu ridículo, vai logo! - ela bateu duas vezes com seu travesseiro de penas de ganso, fronha rosa e cheiro de jasmim, na cabeça dele, que deu um pulo da cama com as mãos sobre esta.
-Cadê a merda do veneno? Eu nem ao menos me lembro se compro essas coisas! - ele resmungou mais para si do que para ela.
-Que mané veneno, seu imprestável, tem que matar com um chinelo ou algo do tipo, senão ela não morre! - Dougie bufou. Já estava decidido que ia matar a barata depois de ela quase botar o caso na justiça e a maluca ainda queria discutir maneiras corretas para fazê-lo? - Elas são resistentes até à bombas atômicas!
Ele balançou a cabeça negativamente e soltou um muxoxo, esfregando uma das têmporas enquanto pegava um tênis do par que estava jogado em um canto aleatório do quarto. Não queria acreditar que estava mesmo deixando interromper seu prezado sono às três e meia da manhã, como ele podia ver no relógio sobre sua mesa-de-cabeceira, para falar sobre baratas e suas relações íntimas com a radioatividade.
Ele abriu a porta do banheiro e ela se encolheu na cama, com medo de que a barata saísse voando cômodo afora e, por muita sorte, pousasse em seu cabelo e grudasse ali. Ela no mínimo, depois de ter uma barata no cabelo, teria que tosá-lo, porque lavar não seria suficiente em sua opinião. Iria estar infectado por completo!
-Fecha a porta pra fazer isso! - ela ordenou em tom autoritário e pode ouvi-lo batendo a porta com raiva.
Após alguns minutos escutando atentamente várias onomatopéias que envolviam Dougie e seu Etnies na luta contra a barata, ele abriu a porta e saiu segurando a barata por uma de suas antenas em uma mão e o tênis na outra, o que obviamente quase fez vomitar e sair correndo. Isto se não tivesse que passar por ele para sair dali. Mas como isso não era possível, apenas encolheu-se na cama, cobrindo os olhos com os mãos.
-SAI DAQUI, SAI DAQUI COM ISSO, DOUGIE POYNTER, SEU NOJENTO! - ela gritava, sua voz sendo abafada pelo edredom, que agora a cobria até a cabeça enquanto ele ameaçava jogar a barata sobre ela. - SAI! Jogue-a na privada, pela janela, na lixeira lá de fora, mas não venha com essa maldita pra cima de mim! - ela descobriu metade da cabeça para ver se ele já tinha dado um fim na bicha, mas ele ainda continuava balançando-a em sua frente.- SAAAAAAI COM ISSO, DOUGIE, E NÃO RIA!- ela voltou a cobrir-se desesperadamente.
Dougie gargalhava cada vez mais alto ao vê-la se descontrolar mais ainda quando ameaçava chegar mais perto com a barata e ela estava descoberta, olhando. Bem que podia jogar a barata na cabeça dela mesmo, só para ela aprender a ser menos birrenta e frescurenta. Mas provavelmente ia querer dar um fim em seu relacionamento se ele o fizesse.
-Eu vou comer a barata, então! - ele ameaçou, insinuando colocá-la na boca.
-Não ouse fazer isso, ou você vai ver pra onde vai o nosso namoro! - ela voltou a se cobrir por inteiro.
Dougie pôde ouvir algumas fungadas vindo debaixo do edredom e pensou que estava ouvindo-a chorar, mas não, com certeza não chegaria àquele ponto.
Voltou ao banheiro, largou o tênis no chão, jogou a barata na privada, deu descarga e saiu, aproximando-se de . Quando estava prestes a encostar as mãos nela, esta se descobriu rapidamente, fazendo com que ele voasse para trás e caísse sentado no chão com a mão sobre o peito nu, assustado e sentindo uma dor aguda incomodá-lo no cóccix, esfregando a parte com a outra mão.
-Sai daqui com essa mão nojenta de barata! - ela disse com a voz embargada e endireitando-se na cama enquanto ele a olhava perplexo. Ela estava mesmo chorando! Cada dia aquela menina lhe aparecia com uma surpresa nova sobre si mesma.
-Tá louca, você quer me matar?! - Dougie esbravejou, levantando-se vagarosamente ainda com a mão nas costas. - Eu podia ter quebrado minhas costelas! E por que porra você tá chorando? - ele estava vermelho de raiva. Ela realmente se superava a cada dia!
-Você estava ameaçando jogar uma barata em cima de mim, pior, estava ameaçando comê-la! Foi uma situação extrema, muito extrema! - ela defendeu-se, com a ponta do nariz vermelha e as bochechas corando também, mas não sabendo se era por vergonha ou por nervoso. Ele até podia achar aquilo bonitinho se não fosse pela cena ridícula em que se encontravam.
Situação extrema? Ou ela não sabia distinguir uma coisa extrema de uma não extrema ou a linha entre as duas coisas era tão tênue em sua cabeça que a deixava confusa. Como era mimada! Aquilo estava deixando-o completamente indignado. Escândalos noturnos por causa de baratas não estavam nos seus planos quando começou a namorá-la, de modo nenhum.
-Você não acha que eu merecia pelo menos um obrigado, depois disso? - ele reclamou, querendo amenizar a situação. - Um beijo, sei lá,qualquer coisa? Pelo amor de Deus, reconheça o trabalho que eu tive pra matar aquela barata!
Tinha que omitir que havia levado um tombo ao tropeçar nos próprios pés e só havia conseguido matar a desgraça em forma de inseto depois de três tentativas. desfez a cara emburrada e sorriu docemente.
-Que lindinho! É,acho que merece, sim. Obrigada, Dougie. - agradeceu. - Você não é tão imprestável quanto parece - ele abriu a boca para prostestar - Às vezes. - ele repetiu o gesto mas ela não o deixou prosseguir novamente. - E você merece também um beijo. -ele mudou a expressão em seu rosto, sorrindo, aliviado por ela colocar um pouco de sensatez na cabeça, mesmo que tarde, e foi se aproximando rapidamente para beijá-la.- Tsc, tsc, de jeito nenhum! - se esquivou dele quando este estava próximo demais. - Vá lavar essas mãos primeiro, coloque-as no desinfetante, aliás. Você acabou de pegar numa barata!
Ele grunhiu de raiva e bufou mais uma vez, afastando-se dela bruscamente e caminhando em passos largos e pesados até o famoso banheiro novamente, para lavar a porra das mãos. Como se pegar numa barata fosse tão fatal quanto aqueles golpes mortais do Kill Bill ou levar um tiro na cabeça. Por que, de todas as garotas que tivera em sua vida de uma forma ou de outra, até aquele momento, lhe parecia a mais insuperavelmente irritante de vez em quando? As outras perdiam feio quando ela queria atormentar!
-Ah, bonitinho, não esquece de limpar a caca de barata também, pelo amor que você tem por mim!
Opa, por agora, acho que sumiu!
Esperar o cara ligar. Ninguém em pleno Século XXI, seja homem ou mulher, na verdade, espera pela ligação de uma pessoa com quem trocou amassos por uma noite. O mundo inteiro já sabe que isso é furada, perda de tempo, cilada, uma fria. Isso é para garotas otárias e certamente não se encaixava no grupo desse tipo, ela não passava nem perto das encantadas e apaixonadas que ficavam horas esperando um qualquer, que não fora qualquer só por uns minutos, ligar, porque ela com certeza, até onde sabia, tinha muito mais o que fazer. Como se concentrar em fritar hambúrgueres sem botar fogo na casa e em si mesma como via nos programas de vídeos incríveis, por exemplo, que era o que ela fazia enquanto tinha todos aqueles pensamentos sobre a política de relacionamento dos one-night stands* na cabeça.
Ela sabia de tudo aquilo e ainda sabia muito mais: pior que esperar por um cara que você tinha beijado, se atracado, transado, ou qualquer coisa que fosse, por uma noite, era esperar por um cara que somente havia te feito companhia e não tinha relado a mão em você, pelo menos não daquele jeito e ainda por cima por por sua culpa, fazer seu telefone tocar. não faria aquilo jamais, porque ia totalmente contra a sua índole. Não esperaria por nenhum cara ligar, mesmo se ele fosse tão lindo e encantador quanto Danny Jones, do McFly. Nem se ele fosse o próprio Danny Jones do McFly. E com certeza não era aquilo que ela estava fazendo cada vez que olhava para seu celular roxo e rosa repousando no balcão de mármore ao lado do fogão. Não estava esperando-o gritar "Are You Gonna Be My Girl" do Jet ensurdecedoramente, causando-lhe um susto, e piscar um número desconhecido, há exatamente uma semana. Não faria aquilo nunca em sua vida porque... Era exatamente aquilo que estava fazendo, havia feito a semana inteira e não queria fazer nunca mais.
E então se lembrou de uma frase em particular que escrevera no papelzinho em que havia colocado seu número de telefone: “Me liga, se você achar que ainda tem algum motivo pra isso". Talvez ele não tivesse motivos, então. Sendo assim, meia culpa era dela por lhe dar mais “desmotivos" do que motivos.
-, VOCÊ TÁ VENDO? - irrompeu pela porta do apartamento da amiga, correndo diretamente para a pequena sala do recinto, fazendo-a pular de susto e causar um estrondo ao quase derrubar a frigideira cheia de óleo quente.
-PUTA QUE PARIU, ! - berrou, assustada, nervosa e automaticamente levou o dedo indicador à boca, ouvindo o som de sua tentativa de cozinhar sem queimar a si própria escorrer pelo ralo.- Porra, não se entra assim na casa dos outros e...Ai! - ela girou a torneira para o lado que tinha uma pequena bolinha azul e colocou o dedo sob a água fria e corrente.
-Desculpa, , eu não sou dessas, você sabe. Mas corre aqui pra ver isso! - gritou do outro cômodo e fechou a torneira, chupando o dedo novamente, fazendo careta. Aquilo parecia só piorar o ardor.
-A gente ganhou um milhão de libras no sorteio da loteria com aquele jogo da semana passada? Quem morreu agora? - ia perguntando enquanto ia para onde estava.
-Nada disso, veja com os seus próprios olhos bonitinhos! - apontou para a TV. parou de chupar o dedo e começou a sacudi-lo lentamente enquanto olhava pra televisão sem piscar. A câmera focalizava Danny Jones mostrando seus dentes incrivelmente grandes e tortos enquanto ria de alguma piadinha que Paul O’Grady fazia sobre uma confusão que envolvia uma briga em uma boate badalada de Londres, há uma semana, e logo depois se explicou,dizendo: ‘Não passou de uma confusão. O cara achou que eu fosse outra pessoa e quis me socar, mas na verdade tudo foi resolvido antes que ele conseguisse encostar a mão em mim!’ e finalizou com: ‘Eu teria acabado com ele também, você sabe, golpes de boxe e tal, haha!’, gesticulando como um lutador e fazendo com que todo o auditório, Paul e os outros meninos da banda rissem, mas os últimos riam de deboche ao trocarem olhares cúmplices, mesmo não tentando desmentir a história do amigo.
Do outro lado da tela, ficou boquiaberta e hipnotizada enquanto ele falava e depois riu de incredulidade, junto com .
-Mas que filho da mãe descarado e pretensioso ele é! - falou , voltando a ficar vidrada na TV, com os olhos tolamente risonhos e o dedo na boca. somente concordou balançando a cabeça e ainda rindo, os olhos semicerrados.
-? - chamou propositalmente após alguns segundos, ao notar que a amiga estava mesmerizada e esta desviou seu olhar da tela para ela, que sorria dissimuladamente, sentada em um sofá-cama futon lilás.
-Por que você tá me olhando com essa cara? - ela cutucou , que se afastou um pouco para o lado para que a outra pudesse se sentar ao seu, e voltou a olhar para a televisão.
-Por que é a única que eu tenho? - disfarçou, olhando para a TV também. - O que fez no dedo?
-Queimei e a culpa é toda sua.- deu de ombros, sem desviar seu olhar.
-Depois te dou uma pomada para queimaduras, se isso serve como perdão. Agora presta atenção no programa.
Elas ouviam atentamente os garotos falarem sobre planos futuros, o novo single e videoclipe, onde eles tiveram que se vestir de mulheres medievais, alegando que aquilo tinha sido cansativo e incômodo. As duas garotas estavam rindo exatamente disso enquanto um trecho do clipe onde eles fofocavam sentados à uma mesa farta e flertavam com eles mesmos na versão masculina e também medieval era exibido, comentando sobre o quanto os quatro ficavam horrorosos de perucas e batom e como Danny e Tom estariam no ranking oficial
das mulheres mais feias do mundo se realmente fossem feitos para menstruar, quando fugiu do assunto:
-O nome dessa música é legal e... Que cheiro é esse, ? - ela empinou o nariz e o franziu levemente. - Estou sentindo há algum tempo! Tá tudo meio enfumaçado ou é impressão minha?
E de repente pôde-se ouvir o barulho agudíssimo do sensor de incêndio da cozinha soar pelo apartamento todo.
-Aaai, merda, os hambúrgueres! - praticamente pulou do sofá como uma rã e correu para cozinha, tropeçando nos próprios pés no meio do caminho, o que fez rir e balançar a cabeça em sinal de reprovação. era o destrambelho em pessoa, mas ela também não ficava muito longe quando queria.
-Precisa de ajuda aí? - berrou, sem tirar os olhos da TV, ao perceber que fazia mais barulho e xingava mais do que o necessário para suas ações no outro cômodo.
-Não, está tudo bem! - a outra menina berrou em réplica, como se o fogo não tivesse quase alcançado as gradezinhas da coifa, provocando um, talvez, calamitoso incêndio se ela não tivesse chegado a tempo. Por que nunca conseguia cozinhar decentemente ou pelo menos estar atenta às coisas que poderiam provocar acidentes? - Hoje meu jantar vai ser hambúrguer flambado, só isso! Hambúrguer cremado, cremado define bem melhor.
retornou à sala sem um prato com hambúrgueres flambados, ou cremados, e visualizou os meninos fazendo uma performance de Transylvania. A câmera deu um rápido close no baterista ao que ela se sentava no futon e comentava:
-Uau, esse baterista é muito lindo. Qual o nome dele mesmo; Harry? - apenas assentiu e passou a balançar a cabeça de um lado para o outro, ao mesmo tempo em que tamborilava os dedos na perna, batendo um dos pés no chão. - Ainda bem que ele não apareceu com o Dougie naquela noite, porque eu com certeza ia ficar zonza!
-É, ia ser muito garoto bonito numa paulada só. - concordou e riu brevemente. - Olha como o Tom é lindinho cantando, !
-Lindinho?- a outra desdenhou e arqueou uma sobrancelha. a ignorou. - E uau, olha, o Danny tá usando a mesma camisa bonita e legal do dia que eu o encontrei! Será que ele lavou antes? Rárárá... - ela fez rir com o comentário. - E tá igualmente sexy, é claro. - A amiga riu novamente, revirando os olhos. - Esse Jones realmente tem atitude no palco. Mas o Tom parece que tá possuído, olha só como ele não pára! Tem o capeta dentro do corpo!
-É muita energia pra uma pessoa só! - se empolgou. A outra franziu a testa e perguntou:
-Tem algo que você queira me contar, ? - ela deixava todos os sinais maliciosamente brincalhões transparecerem em seu rosto.
a olhou de rabo de olho, um pouco aflita. Será que descobrira alguma coisa por meio de outra pessoa? Mas de quem, se somente ela sabia sobre o que tinha para contar?
-O que você está insinuando com isso, ? - retrucou.
-Ah, você sabe, tá aí falando da energia fora do comum dele, vai que você rolou na cama do Tom essa semana e --
-! - a repreendeu, arremessando uma almofada púrpura que atingiu em cheio o rosto da melhor amiga e a fez espirrar enquanto ria, intensificando a graça da cena para as duas.
-Eu quase beijei esse cara. - lamentou-se, com a voz desafinando levemente, fazendo uma cara de falsa (ou nem tão falsa) frustração e espremendo um lábio contra o outro, vendo a câmera focalizar Danny se despedindo de Paul O’Grady.
-Quem, o Paul O’Grady? - riu e lhe deu uma cotovelada de leve na cintura.
-Ai, ele era realmente muito bonito, sabe. E encantador. - ela agora ouvia Paul anunciando o intervalo, os garotos começando a trocar algumas palavras entre si enquanto saiam, e logo depois chamada do programa cobriu a tela. - Eu quase peguei o cara da TV, .
-Não fica me olhando com essa cara de destino cruel! - advertiu .
-É, moving on, né. Por isso que nós vamos sair pra comemorar amanhã!
-Desculpa, amor, mas comemorar o quê? - olhou a amiga, confusa.
-Ah, não sei, qualquer coisa. - disse, mordendo o lábio, pensativa, e virando-se totalmente de frente para a outra garota, colocando os pés sobre o futon. - Nossa solteirisse, talvez? - arqueou uma sobrancelha. - É! É um motivo plausível. Aí a gente pode ir até o...
-... - interrompeu A Faladeira.
-Oi?
-Não vai dar pra‘gente sair amanhã.
ficou em silêncio por uma fração de segundo enquanto inclinava a cabeça para frente e abria as duas mãos na altura dos ombros, denotando dúvida.
-Mas amanhã é tipo... Sá-ba-do!
-Eu sei, mas.... Tem uma coisa que eu realmente preciso te contar.
-O que, você dormiu com o Tom? EU SABIIIA, SUA GOLPISTA! - pulou do sofá, apontando para a amiga acusadoramente, e começou a saltitar freneticamente, sacudindo a almofada na outra mão, esquecendo-se totalmente da queimadura em seu indicador. - Eu sabia, sabiiiia!
-Nããão, , se acalma, eu não dormi com o Tom! - A animação da garota pareceu se esvair tão rápido quanto tinha chegado e ela voltou a sentar-se no futon, soltando um muxoxo de decepção. - Ainda. - Um sorriso malicioso despontou nos lábios de .
-Mas eu sei que os seus motivos devem ter a ver com ele, de qualquer modo. - contou vantagem e sorriu do mesmo jeito que a amiga - "Ainda". - ela imitou com uma voz safada e a outra riu.
-Que seja. Mas vai demorar pra isso acontecer, de qualquer forma, tá bom? - tentou resgatar um pouco de seu juízo e dignidade depois do que tinha dado a entender.
-Mas fala logo o que aconteceu! - bateu na perna dela, impaciente.
-Eu não posso sair com você amanhã porque, apesar de ser meu dia de folga, eu não estarei tão solteira assim. Eu vou sair com o Tom.
-Huuum, espertinha! - estava feliz pela amiga, mas sentiu uma sensação de frustração mais forte do que a que já hospedava dentro de si bater à sua porta ao saber que Tom havia se lembrado de e Danny não havia nem se importado em dar sinal de vida. Não que ele tivesse a obrigação, mas...
Ele devia estar a odiando ainda, por causa de toda a confusão. Aquele garoto devia ser um poço de remorso!
-E aonde ele vai te levar? - ela continuou.
-Eu não sei ainda, ele preferiu não citar. Na verdade, ele me pediu pra sugerir um lugar, mas eu o mandei escolher. - deu de ombros.
-E por que não me contou antes? - levantou uma sobrancelha duelista e cruzou os braços, com o dedo queimado tenuamente elevado sobre um deles.
-Ah, , na verdade ele me ligou antes de ir para o programa, sabe? Então eu nem --
-Não foi por isso, . Eu te conheço muito bem. Por que foi que não me contou? - bufou.
-Porque o Danny não te ligou, ! - ela confessou.
-Como você sabe que ele não me ligou? - descruzou os braços, indignada. - E o que isso tem a ver, afinal?
-Eu sei por que você simplesmente não veio toda quicante como uma doninha me contar! -ela replicou, fazendo alusão à uma fala de um dos livros de Harry Potter. - E eu não queria que você ficasse se sentindo mal porque o Tom me ligou e o Danny não deu as vozes a semana toda. - Deu as vozes?, pensou. - Não está se sentindo mal agora?
-É claro que... Não. - negou e desviou o olhar para as próprias unhas que agora cutucava.
-Demorou demais para responder, eu sei que está. Mas eu não quero que você fique assim, tá certo?
não sabia ao certo porque esperara Danny ligar até o último minuto; nunca havia feito ou sentido nada igual e aquilo a incomodava. Talvez até tivesse sentido, mas há algum tempo atrás, quando tinha quinze anos, achava o mundo mais bonito e mais cheiroso até ter sua primeira desilusão amorosa quando o garoto que ela gostava evitou-a por um mês inteiro depois de beijá-la. Ela só se deu por vencida e o mandou para o inferno quando ele apareceu com outra para encerrar o caso sem conversas maiores ou maiores explicações. que interpretasse como quisesse, afinal.
No fim, era ela quem pegava o telefone dos caras e nunca dava o dela, simplesmente para não ter que passar por esse tipo de agonia. Sabia que havia dado seu telefone para Danny sem relutar porque sentira culpa, mas agora se sentia duplamente corroída pela culpa e metade desta era justamente pelo fato de ter que ficar esperando-o ligar. Mas ela achava que aquilo era só porque queria estar informada sobre o estado do nariz dele e nada mais. Tinha que saber daquilo, no fim das contas, se havia causado tudo.
Mas agora que já sabia o que queria, por que aquela sensação estranha não se esvaíra no momento em que o close no rosto dele mostrou que não havia nenhum tipo de curativo "no meio de sua fuça"- como ela mesma pensou-, deixando tudo mais estranho? Por um momento ela até quis que um curativo realmente existisse ali, então poderia passar a achá-lo mais feio, se desencantar completamente e não fazer seu cérebro perder tempo se perguntando tanto sobre motivos que ela nem sabia se havia existiam ou não. Porque, hipoteticamente, seu subconsciente podia ter tirado conclusões precipitadas sobre o cara e estava pinicando sua consciência com aquilo.
-Ficar como? Como se eu estivesse alguma coisa, me poupe. - submergiu de seus privados pensamentos, vendo que esperava por uma réplica. - Olha aqui, quem é Danny mesmo? - defendeu-se - Não creio que eu me lembre de algum Danny e...
-E é o cara que te deixou vidrada na TV agora há pouco, sua tonta. - completou, imponente. - Mas nem se preocupa, o Tom falou que o nariz dele continua no lugar, só está dolorido. Acho que você constatou isso há alguns minutos atrás, né? O médico só passou uma pomada e disse que ele tinha ossos bem resistentes.
Quem havia dito algo sobre a maldita fuça do Jones? se perguntava por que tinha dito aquilo se ela nem havia se pronunciado sobre seu interesse no estado de saúde de Danny naquele dia nem na semana toda.
O mais engraçado é que devia ter falado dele para ela a semana toda, mas não descolou os lábios com essa intenção uma vez. E respeitara isso completamente, embora devesse estar morrendo de vontade de cutucá-la.
-E quem foi que perguntou? - ela tentou disfarçar. - Quer dizer, legal saber. - Tentou soar menos rude e impassível, mas denunciou a si mesma ao olhar para cima e coçar a nuca.
-Se entregou, . - percebeu a atitude da amiga. - Você ficou esperando-o ligar, não foi?
-E se não fosse? - a outra tentava resistir. - Aliás, e se fosse também?
-Eu sinto muito por ele não ter ligado, . Eu falei com o Tom umas duas vezes esta semana e...
-E não me contou.
- ... a última foi agora, um tempinho antes de quase derrubar a sua porta. - ignorou o comentário da melhor amiga, que a fuzilava com o olhar. - Desculpa, mas estava destrancada. - ela ergueu os braços como quem se rendia. - E o Tom não me disse nada sobre o Danny, a não ser que ele prefere mensagens de texto a ligações diretas e sobre o nariz, claro. Eu também não perguntei muito; a única informação adicional que ele me deu sobre isso foi que o Danny não aparentava ainda estar bravo com você.
Mensagens de texto? Interessante, talvez, mas preguiçoso. De qualquer forma, ela também não havia recebido nenhuma que insinuasse algum tipo de flerte até aquele momento. se perguntou se Danny alguma vez havia falado dela para Tom durante a semana. Mas , como a boa amiga que era, não ia citar a parte em que Tom disse que Danny não havia falado mais nela depois do sábado sucessor à pseudo-briga. Porque quem visivelmente brigou ali foi somente o brutamontes; Danny brigou só se foi para escapar.
-E é só disso que eu sei, o Tom não foi mais longe sobre o assunto.
-Tá tudo bem sobre isso, mesmo. - afirmou, já se sentindo melhor, mas ainda incomodada sem motivos claros.
Odiava toda aquela bosta de suscetibilidade que carregava nas costas desde que descobrira que podia sentir, quando ainda estava descobrindo que o mundo era mundo.
Talvez sentia aquele incômodo porque, visivelmente, Danny estava cagando e andando para ela e nenhuma garota gostava de saber que um cara tão aparentemente interessante quanto ele estava agindo daquela maneira?
-Eu fico feliz por você sair com o Tom. Afinal, eu adoro me divertir ouvindo o que aconteceu, depois. Você sabe que eu fico tão feliz quanto como se fosse comigo. - ela completou e sorriu, complacente.
-Eu tenho que ir, menina. - esta última informou, levantando-se rapidamente. - Você sabe, o dever de Super Barmaid me chama! - ela fechou um dos punhos e estendeu o braço ligado ao mesmo acima da cabeça. - E ainda tenho que terminar de me arrumar. Vê se arranja alguma coisa pra fazer amanhã, sei lá. Não quer ir comigo hoje? Quem sabe não acha alguém melhor que o Jones? - perguntou com uma expressão sugestiva e deu um meio sorriso, negando com a cabeça. - Está bem então, qualquer coisa, me liga. Tchau! - beijou a amiga na bochecha e esta pôde ouvir o clique da porta se fechando depois.
Não era como se ela precisasse de homens para viver e mesmo se sentisse uma pequena necessidade de tê-los, sempre arranjava um estepe de última hora. Não que ela fosse algum tipo de puta barata que fazia isso freqüentemente; ela adorava aquela liberdade de estar sozinha, de não ter nada sério e não precisar dar satisfações para alguém, mas era mais ou menos daquele jeito que as coisas funcionavam quando ela queria que daquele jeito fossem.
E, além do mais, ela podia sair com o pessoal da faculdade no dia seguinte. Ou podia sair com Reddie e todos os seus amigos gays, que sempre tinham casos e descasos entre si mesmos e eram melhor companhia do que muita gente ensinando-a seu palavrório engraçado.
Estava decidido: era com Reddie que sairia no sábado à noite; ligaria para ele mais tarde.
Horas depois, deixou o lap top de lado e pegou o copo cheio de água onde repousava seu indicador queimado com a mão ‘utilizável’. provavelmente se esquecera da pomada que prometera, mas depois ela vira no Google que não era recomendável aplicar pomadas em queimaduras e que devia-se colocar o local queimado em um recipiente com água na temperatura ambiente. Não que pomadas já houvessem lhe causado problemas com as queimaduras, porém, talvez fosse legal experimentar algo novo após anos aplicando-as nas mesmas.
Foi até a cozinha e pegou o celular –que não ainda não dera sinal do número desconhecido de um cara de rosto famoso mandando uma mensagem e sugerindo algum programa de última hora- no mesmo lugar em que o deixara minutos antes de sair para ver o McFly na TV, abriu o flip e apertou o número quatro, que era o de Travis na discagem rápida.
-Reddie? Oi, sou eu! - ela disse assim que ele atendeu o telefone.
-Eu sei que é você, . Tecnologia, já ouviu falar?
-Onde você está? - ela o ignorou, ouvindo muito barulho abafado tentando se sobrepor à voz de Travis.
-No banheiro da casa de alguém. Tá rolando uma festa, GLS, you know. Mas eu nem ao menos me lembro de como vim parar aqui, você sabe, o José não me permite lembrar.
-Ah, grande Cuervito! - brincou. Como se bebesse muita tequila! - Que bom que está se divertindo.
-Estou, muito! - ele afirmou e ela percebeu o barulho aumentando do outro lado. Travis gritou algo para alguém que não era ela, mas que a fez afastar o aparelho do ouvido, e riu escandalosamente. - Aiai, me desculpe, . - o barulho voltou à mesma intensidade de antes. - Mas e aí, o que o oráculo manda?
-O oráculo quer saber se nós podemos fazer alguma coisa amanhã.
-Ah, eu realmente gostaria. - ele respondeu prontamente. - Você sabe que eu te amo.- caminhava até seu quarto enquanto ele falava, sentindo um vestígio de animação surgir. - Mas não vai dar, sabe.- ela se jogou na cama, de barriga para cima, sentindo o mesmo vestígio de animação sumir tão rápido quanto aparecera. - Eu encontrei um bofe aqui, sabe. Eu já te falei dele uma vez, é o cara rico e cheiroso de Chelsea, lembra?
-Uhum.
-Então, ele é realmente um bonitinho e acho que nós vamos sair amanhã, isto é, se eu ainda me lembrar de alguma coisa! - ele terminou e riu do mesmo jeito escandaloso que era parte dele quando estava alcoolicamente alterado.
-Tudo bem, então, a gente se fala depois. Boa sorte com o seu carinha aí, tchau! - ela fingiu animação e apertou o botão que cancelava as chamadas.
Que história era essa? Todo mundo tinha um bofe para o sábado, mesmo que temporário, e onde diabos haviam escondido o bofe dela?
Parando para atentamente analisar o seu lado e vasculhar bons conceitos do sexo oposto em sua memória, ela tinha um com quem poderia contar para não se sentir tão diferente assim dos outros no dia seguinte...
*Termo em inglês usado para definir uma relação fortuita que ocorre somente por uma noite.
Fazia pouco tempo que o sol havia decidido fugir por entre as nuvens e o céu de Londres tinha uma mistura maluca entre o azul claro e escuro –daquelas que faziam parecer que todos enxergavam roxo - e já passava das seis e meia da noite quando delicadamente beijou Tom na bochecha, ao mesmo tempo em que ele segurava a porta do lado do passageiro de seu Mini Cooper S para que ela entrasse.
-Legal a cor do seu carro - ela comentou ao tirar o casaco roxo de botões pretos que vestia, colocando-o em seu colo, e logo depois ajeitou o cinto de segurança com um sorriso e olhar cordiais em seu rosto.
-Obrigado - ele sentou-se no banco do lado direito e bateu a porta, sorrindo da mesma maneira em agradecimento. - As pessoas geralmente dizem que é uma cor bem gay para um cara, mas eu gosto.
No momento em que ele fechou a boca, deu uma risada quase imperceptível pelo nariz e lembrou-se de . Provavelmente ela diria que a cor do carro era legal também, mas no fundo estaria pensando exatamente aquilo que ele acabara de se queixar sobre, e levantaria mil hipóteses sobre o cara ser gay e estar saindo com ela somente para fazer fachada para os amigos, a família ou sabia-se lá quem. não pensaria isso se não tivesse passado por uma situação relativamente parecida e traumatizante uma vez.
-Belo vestido, a propósito, já que estamos trocando elogios - ele disse depois que travou o cinto, olhando para o vestido preto e que quase chegava aos joelhos -cobertos por uma meia fina da mesma cor - de e girando a chave na ignição. - Eu gosto do laço. - ele apontou com a cabeça o laço preto e não muito chamativo costurado na frente do vestido, entre a cintura e o quadril.
Reparando nos detalhes das roupas? Mais uma vez ela se lembrou de , supondo que a essa hora ela já teria 80% de certeza de que ele era gay e quase riu sozinha ao imaginá-la abrindo vidro da janela do carro e pulando para fora como se fosse mergulhar no asfalto como se este fosse uma piscina.
Ela podia dizer que ele era muito cheiroso também, agora que reparava mais atentamente no aroma de perfume e sabonete que exalava do corpo dele?
-Ah, eu espero que eu esteja adequada para a situação. Sabe como é, você não me disse para onde está me levando - ela fez um bico divertido, inclinando o rosto um pouco para baixo e Tom riu. - Embora tenha me aconselhado, mais ou menos, para que eu pudesse escolher uma roupa decente. Mas pelo que estou vendo em você, eu não estou tão destoante assim - disse, medindo Tom até onde podia.
Ele vestia uma camisa branca social e por cima um paletó de corte em ‘V’ na gola, que ia até o começo do tórax, somente com um botão fechado. Pelo que ela se lembrava de ter visto antes de entrar no carro, ele estava usando sapatos sociais também. Agradeceu aos céus por ter feito aquele coque de lado e colocado salto dez.
-Não se preocupe, você está mais do que adequada. - Tom mencionou e sorriu, agradecida.
-Parece que vamos ser um dos casais de preto hoje. - ela supôs espontaneamente - porque sempre existiam milhões de casais de preto em qualquer lugar -, mas logo depois se arrependeu, desmanchando qualquer vestígio alegre em seu rosto e substituindo por seriedade.
Como assim ela acabara de sugerir que eles eram um casal? Não eram um casal. Talvez até fossem um, mas não era uma coisa totalmente oficial para que ela dissesse aquilo com uma dose de convicção a mais do que a necessária. Aliás, e se ele não tivesse mais interesse nenhum nela e só quisesse sua companhia como amiga? E se ele tivesse voltado para a ex-namorada?
Se fosse o caso, com certeza ele não estaria saindo com ela, até um desconhecido podia confirmar aquilo somente olhando para a cara de sonso dele.
Estava tudo indo bem demais para que ela pudesse salvar ou, talvez, disfarçar a história, dizendo à si mesma e para os outros que o começo da noite havia sido agradável, pelo menos, se tudo acabasse em merda. Se ele ao menos não tivesse escutado aquilo...
-Desculpa, o que você disse? - ele perguntou, despertando-a de seu transe hipotético.
sorriu internamente. Ele não havia escutado, quanta sorte! Ou pelo menos tinha fingido que não, o que ocupava uma parte de 50% no gráfico de possibilidades segundo seus cálculos ineficientes e apressados.
-Nada, eu só disse que... que... que estou pensando em pintar as unhas de preto!
Belo raciocínio.
-Legal. - Tom disse sem tirar os olhos do caminho que seguia, não entendendo muito o propósito daquele comentário. Será que ela era aleatória daquele jeito sempre?
A conversa que se seguiu durante o trajeto foi descontraída, com ocasionais comentários sobre o trânsito por causa do horário, e provocou risadas em ambos, apresentando um clima muito mais leve do que pensou que fosse enfrentar, porque ele não aparentava ser do tipo falador e divertido, embora tivesse sido muito simpático todas as vezes em que se falaram . Quando Tom estacionou seu carro e abriu a porta do carro para ela pela segunda vez naquela noite, ela ficou perplexamente encantada, mas logo tratou de por o pé no freio.
Era fato que quase nenhum homem àquela altura da humanidade, principalmente na média de idade deles, abria a porta e puxava cadeiras para a acompanhante. De duas uma: ou ele estava se esforçando demais para impressioná-la, ou ele era mesmo um gentleman. Na melhor das hipóteses, era melhor pensar que ele não abriria a porta do carro para ela para sempre, afinal, manter um pé atrás para não parecer uma garota tola e inocente que se impressiona com tudo de bonito que um homem fala e faz (quando, na maioria das vezes, está só bancando o conquistador cinematográfico e em sua testa há um anúncio chamativo dizendo ‘você está entrando numa fria’) era sempre estar um passo à frente. Isso mesmo, manter um pé atrás para estar um passo à frente, que conclusão cheia de maturidade! Mas o "para sempre" só servia no caso de eles terem algum tipo de futuro, é claro, ela pensava enquanto começava a caminhar ao lado dele para um local mais iluminado e movimentado.
-West End, Tom? - perguntou, surpresa e reconhecendo o local que era iluminado por luzes anunciando peças de teatro e letreiros indicando cada local. Ela tinha certeza de que região era aquela porque bem, era um dos seus lugares preferidos na cidade, mas tinha que perguntar para bancar a... a... a qualquer coisa que conviesse.
-É. – ele sorriu para ela em confirmação. - Gosta de teatro?
-Tá brincando? - ela riu pelo nariz. - Eu amo teatro!
-Musicais? - ele acrescentou, com mais uma pergunta.
-Uma das minhas coisas favoritas no mundo! - ela contou, empolgada, com os olhos brilhando.
-Ufa, você não sabe o alívio que é ouvir isso. –ele suspirou, dramático, e sorriu logo depois.- Hm...O Rei Leão?
-Ai, é realmente emocionante, saí do teatro com a maquiagem toda borrada de tanto que chorei. - ele riu. - A Bela e a Fera?
-Fantástico, a riqueza dos detalhes é realmente impressionante. A cena em que ele canta na chuva é tão natural que parece até que a gente pode se molhar se chegar mais perto! - aquiesceu, totalmente empolgada.
-Chicago é inesquecível, realmente uma das melhores coisas que já vi na vida. Eu assisti na Broadway, na semana que passei em Nova Iorque. Foi um presente de aniversário do meu padrinho. - ela comentou, com um olhar nostálgico e sonhador. - Foi inacreditável, porque eu quero ser a Velma Kelly desde que tinha uns doze anos! - ele riu novamente com o comentário inusitado dela. - Mas eu queria mesmo é ver Peter Pan, deve ser fantástico!
-Quem sabe não assistimos juntos um dia? - ele sugeriu, parando de caminhar, e ela sorriu timidamente, parando também, de frente para ele e corando. - E... Wicked?
-Na verdade eu nunca... - ele arqueou as sobrancelhas, indicando alguma coisa atrás dela. - UAU! - ela exclamou, arregalando um pouco os olhos, no nível máximo de excitação ao ver as luzes em neon azul do teatro Apollo Victoria reluzindo sobre um enorme cartaz verde, entre pilares com neons da mesma cor, que tinha a imagem das bruxas Elphie e Glinda em um círculo centralizado. Estava tão absorta na conversa que nem percebera para onde estava indo; que já estava na Wilton Street e que a movimentação à sua volta aumentara. - Wicked... Isso é tipo wicked! - Ele riu novamente, ladino, do trocadilho que ela fizera e ela fez o mesmo.
-Acho que é melhor entrarmos na fila - ele consultou seu relógio de pulso. - Antes que as portas se fechem, você sabe, pontualidade britânica. - ele piscou para ela, fez sinal para que fosse à frente e os dois seguiram para a fila - que estaria um pouco maior se eles tivessem chegado antes - sob uma parte coberta da entrada do teatro.
Que toda precaução fosse à merda. Ela agora estava super encantada com ele e aquilo era o que tornava tudo mais colorido e agradável aos seus olhos.
Já acomodados nas poltronas vermelhas da segunda fileira do meio e bem em frente ao palco, Tom e -um ao lado do outro - estavam vidrados na peça, cada um à sua maneira, e se juntavam ao resto do público quando a cena exigia risadas, entreolhando-se espontaneamente. Ela achara muito polido da parte dele comprar as entradas deles para aqueles lugares absolutamente privilegiados e às vezes, quando o olhava de esguelha, achava-o mais bonitinho ainda porque não era a primeira vez que ele assistia àquele musical, como havia dito para ela logo que se sentaram, mas estava tão atento quanto se fosse. É claro que o olhar dela passava o foco para as linhas que contornavam cada traço do rosto dele também e em como ele podia ser ainda mais encantador sob a meia-luz que vinha do palco.
Ele a olhava mais furtivamente do que ela o fazia e reparava no quanto parecia muito mais absorta no espetáculo do que ele mesmo; em como ela tinha um brilho diferente no olhar para quando sorria, ria ou se concentrava enfaticamente em alguma cena. Pelo menos era aquela a impressão que tinha olhando-a de perfil. A verdade era que ele estava muito mais vidrado na garota sentada à sua esquerda, compenetrada na cena de "I’m Not That Girl", do que na própria garota verde que a cantava sob o foco de luz e para a qual ele devia olhar mais, porque tinha pagado para ver e deveria ser a verdadeira atenção da noite. Mas ele já sabia aquele espetáculo praticamente de trás para frente, então seu tempo e dinheiro seriam muito mais bem gastos reparando no que fosse possível em , através da semi-escuridão que cobria o recinto. E ele também agradeceria se ela não estivesse percebendo sua atitude.
E ela não estava, porque tinha que se focar em se controlar para não olhar mais para Tom do que para a peça; para não olhá-lo quando não parecia apropriado e quando não havia o risco de ele fazer o mesmo com ela, claro.
Algum tempo depois, as luzes do teto e dentro dos pilares laterais -que pareciam leques abertos, diminuindo de tamanho de cima para baixo, um dentro do outro- se acenderam vagarosamente e as cortinas se fecharam, exibindo o logo comercial da peça no centro. se espreguiçou timidamente em sua poltrona e Tom fez o mesmo, desencostando-se um pouco do encosto da sua, esticando os braços e cruzando as mãos à frente de seu tronco, os dois com os olhos semicerrados por causa da recente claridade que os invadira subitamente. Algumas pessoas se levantavam e saiam para o saguão principal do teatro enquanto ambos se olhavam e sorriam, aparentemente agradados com a peça e com a presença um do outro, embora procurassem não mostrar isso efusivamente para não parecerem enérgicos demais. Só para fazerem os educadamente controlados e simpáticos, o que era uma regra dos primeiros encontros. Pelo menos até aquele momento era e ambos estavam se saindo muito bem.
-Então, o que tá achando? – Tom perguntou, agora podendo vê-la clara e diretamente.
-Nossa, é o máximo! - ela respondeu, animada. - É tão divertido! E faz nós enxergarmos as bruxas de outro modo, eu tô adorando!
-É legal que esteja gostando. - ela sorriu em réplica. - Acho que temos uns quinze minutos de intervalo agora, quer se esticar um pouco lá fora?
-Pode ser. - a garota balançou a cabeça afirmativamente e ele se levantou, oferecendo a mão para ajudá-la a fazer o mesmo.
Seria agradável se esticar lá fora, mesmo que acabasse não sendo do jeito que ela queria se esticar, pensava enquanto segurava a mão dele e sentia-a mais quente do que a sua.
-Quer beber água ou alguma outra coisa? - ofereceu Tom, quando eles já estavam no saguão estrategicamente iluminado e suntuoso, que era dominado pelo burburinho de gente comentando o primeiro ato da peça.
-Água, por favor. - disse, obviamente não revelando que estava matando a grito para ter uma gota de água em seu corpo e ele murmurou um ‘OK’ em resposta, pedindo para que ela o esperasse ali, indo para a pequena fila que havia se formado no bar.
Poucos minutos depois ela o viu arrancar o lacre dos dois copos de água mineral, o dela e o dele, jogá-los na lixeira mais próxima e virar-se para andar até onde ela estava, segurando um recipiente em cada mão. Tom estendia o braço para entregar um copo à menina, agora mais próximo dela, quando um senhor que usava óculos fundo-de-garrafa e estranhamente lembrava o Mr.Magoo, sem nem ao menos perceber esbarrou nele, fazendo com que o copo voasse de sua mão e todo o seu conteúdo caísse no vestido de , antes de alcançar o chão e antes mesmo que os dois pudessem se dar conta do que ia acontecer.
Ao sentir o líquido gelado molhar sua roupa, ela automaticamente afastou as mãos do corpo e fechou os olhos, ligeiramente boquiaberta. Sentiu um dos mais intensos déjà vus de toda sua vida ao abrir os olhos e perceber Tom encarando-a, indeciso entre xingar o senhor e auxiliá-la, tão boquiaberto quanto ela mesma estava, ainda com a mão estendida à sua frente. Lá estava novamente, em sua versão número dois de vítima de afogamento na frente de Tom Fletcher, os dois roubando as atenções de algumas pessoas educadíssimas em volta, que fingiram nem ver nada, com exceção de algumas descontroladas rindo abafado e outras que infortunadamente perceberam que ele era uma celebridade e ficaram apontando.
E, aliás, o que demônios da Terra um senhor daquela idade fazia ali para assistir Wicked? Ele devia estar assistindo Os Miseráveis! Não tirando seu direito de assistir Wicked por causa de sua idade, mas...
-! Desculpa, desculpa, mas ele esbarrou em mim e... - ele finalmente tomou alguma atitude convicta, tão corado e assustado quanto na primeira versão daquela cena, as mãos agora abertas na frente do próprio corpo, com medo de que tudo acontecesse mesmo igual a em um filme e ela saísse correndo dali para a rua, “emputecida" e xingando-o de todos os nomes possíveis, dizendo que nunca mais queria vê-lo, nem em sua quinta reencarnação, nem pintado de ouro com duas entradas para a primeira fila de Peter Pan, logo depois começando a chorar litros enquanto ele corria atrás dela e ela entrava no primeiro táxi que avistasse.
, com as bochechas tão vermelhas quanto as dele, começou a rir da situação, porque estava visivelmente constrangida. Não mais que ele, que estava duplamente constrangido por ter derrubado água na garota. Completamente desastroso, não planejado e fora das regras dos primeiros encontros.
Ele repetiu o gesto dela, como se aquilo fosse ajudar a aliviar um pouco mais a tensão.
-Tá... Tudo bem, eu acho. Eu vi que ele esbarrou em você, acho que ele era mesmo cego, você viu as lentes dos óculos dele? - ela brincou, compreensiva e tranqüilizando-o. - Pelo menos foi água desta vez!
-Talvez você possa se secar de algum jeito, eu não sei... - ele sugeriu. - Realmente, me desculpa, eu nem sei onde enfiar a cara. - ela riu e mais uma vez afirmou que estava tudo sob controle. Ele suspirou. - Vou buscar outro copo de água para você, então.
-Certo, eu vou até o banheiro tentar dar um jeito nisso. - ela apontou para o próprio vestido, ainda sem graça, mas risonha.
-Te espero ali no bar, pode ser? - ele apontou e ela balançou a cabeça afirmativamente. Saiu na direção contrária a dele, esperando que o banheiro não estivesse tão cheio e pudesse usar algum secador de mãos para a secar a umidade em seu vestido.
Entrou no toalete feminino que, por pura sorte, estava ficando cada vez mais vazio, carregando seu casaco roxo. Apoiada na pia, esperou que só uma senhora, que aparentava ter uns sessenta anos e lavava as mãos, ocupasse o banheiro além dela. Entrou em uma das poucas cabines e tirou o vestido, ficando somente de meia-calça, sutiã e sapatos. Espiou o lado de fora da cabine pela porta entreaberta e saiu, logo depois e rezando para que ninguém mais decidisse entrar ali.
Colocou o casaco sobre um dos secadores de mãos, a parte mais úmida do vestido sob um destes e ficou balançando-o levemente, às vezes encostando-o rapidamente no tubo por onde o ar saía para que talvez o processo se acelerasse e ela pudesse jogar na privada e dar descarga naquela situação vergonhosa. Que se tornou mais vergonhosa quando uma mulher que parecia ter trinta e poucos anos entrou pela porta do banheiro rindo horrores com outra mulher que aparentava ter a mesma idade, as duas ficando em silêncio ao verem uma garota-pimentão que sorria sem graça para elas, de calcinha transparecendo pela meia fina e sutiã cor-de-rosa em um banheiro semi-público, enquanto secava um vestido no secador de mãos. Secador de mãos, não de vestidos, o olhar estarrecido delas dizia mudamente à , além de: ‘ninguém é obrigado a ficar te vendo como uma prostituta sobre saltos!’.
Vestiu-se novamente, bufando e sentindo mil solavancos de constrangimento no estômago, ajeitou o cabelo, passou os dedos sob os olhos e depois saiu, vestindo o casaco por cima do vestido, tentando engolir a idéia de que só passara por aquilo porque estava realmente interessada em Tom. Jamais faria uma coisa daquelas se o momento fosse outro. Pagaria rios de dinheiro para alguém prever cada vez que uma coisa como aquela fosse acontecer e ela impedir a situação humilhante muito antes.
Aliás, por que não pensara em colocar o casaco para não ter ficar seminua no banheiro também? Burra.
-Conseguiu se secar? - Tom perguntou, atencioso, entregando o copo de água substituto à ela.
-Consegui. -ela bebeu a água para ver se conseguia se refrescar do calor da humilhação lhe causava e fazer suas bochechas pararem de corar tanto quanto sentia que estavam corando. - Um pouco, por isso coloquei o casaco por cima. - ela colocou o copo sobre o balcão.
Ela tinha todo o direito de pular a parte intensamente vergonhosa do processo de secagem do vestido.
Ele sorriu retraidamente para ela, também corando, e se desculpou novamente. O saguão agora estava ficando cada vez mais vazio porque as pessoas estavam entrando novamente no auditório, embora nenhum dos dois estivesse notando muito isso porque estavam mergulhados em constrangimento-silencioso-compartilhado.
-Parece que somos um casal um pouco mais desastrado que o normal. - brincou, encostando-se no balcão, ao lado dele, tentando quebrar o silêncio incômodo que agora lhes fazia companhia e engoliu em seco.
Cometera o mesmo equívoco pela segunda vez na mesma noite: insinuara que eram e estavam ali como um casal. Mas por que porcaria a cabeça dela tinha que ficar lhe empurrando aquela idéia? Sugerir aquilo uma vez e ele não escutar tinha sido um golpe de sorte, mas aquilo não aconteceria outra vez e ela tinha certeza de que ele havia a escutado claramente.
-Quer dizer que... Nós então somos um tipo de casal, agora? - ele perguntou, um pouco confuso, tenso e ao mesmo tempo estranhamente aliviado por ela aparentemente ter aberto uma brecha para ele.
Tom sentia-se estranhamente confortável e desconfortável ao mesmo tempo. Desconfortável porque estava receoso sobre agir em relação à ela, por enquanto, porque aquilo podia ser um teste e ela não abrira brecha alguma. Simplesmente, dependendo da atitude dele, queria saber se ele era um rockstar galinha e pervertido em busca de sexo rápido e fácil, que só queria seduzi-la com aquela história toda afável e cult de musicais para tê-la na cama no fim da noite, ou qualquer uma daquelas coisas exageradamente doidas que as mulheres imaginavam e supunham dentro de suas cabeças incompreensíveis. Estava realmente gostando dela para não se incomodar com a idéia de que ela poderia ter aquela impressão errada dele no futuro. Também desconfortável porque fazia muito tempo que não tentava conquistar alguém, ou começar alguma coisa. Ultimamente ele só se lembrava de sua experiência com comodidade duradoura, discussões sem nexo e términos de relacionamento.
Confortável porque se sentia atraído por ela de uma forma um tanto inédita e queria beijá-la desde que ela entrara no carro naquela mesma noite. Na verdade, queria beijá-la desde aquele dia na Hellish, mas esta noite parecia muito mais apropriada e na outra ele também não quisera agir diretamente justamente para não parecer tão apressado, desesperado ou talvez tarado, como já havia suposto antes. E agora ela parecia estar dando oportunidade para que aquilo pudesse acontecer dali a uns poucos segundos. Não era do tipo que beijava as garotas no primeiro encontro, não até onde se lembrava, mas arriscar não parecia errado embora... Propriamente arriscado. E aquilo não era um primeiro encontro se ele parasse para analisar, era só um primeiro encontro oficial, uma coisa absolutamente teórica e abstrata.
-Nós somos somente se você achar que somos. - ela explicou, agora olhando diretamente nos olhos de Tom um pouco surpresa por ele não estar tentando pular fora, achando-a uma desesperada e sim, querendo chegar no mesmo ponto que ela talvez quisesse chegar com aquilo, pelo menos em seu subconsciente.
Era 'talvez' porque no fundo não conseguisse identificar claramente o porquê de tanto querer beijá-lo, já que não era tão afoita quando o assunto eram homens. Parecia somente querer tocá-lo porque a pele dele era branquinha e parecia ser macia como bumbum de nenê. Talvez quisesse tocá-lo e apertá-lo porque ele se tornara ainda mais gracioso e ‘apertável’ quando suas bochechas ficaram rosadas de vergonha. Talvez ela só quisesse saber se ele a beijaria de uma forma tão amável quanto a sua aparência e lhe causaria aquelas sensações tão agradáveis que ela adorava sentir.
Mas e se ele quisesse somente tirar uma dúvida perguntando aquilo?
Sustentando o olhar de , Tom aproximou seu rosto do dela lentamente, fazendo com que o cheiro gostoso de sabonete que ele tinha entrasse pelas narinas desta e aguçasse seu olfato agora misturado com outro aroma que ela estava ansiosa para identificar.
Sempre achara aqueles segundos cheios de tensão de algum tipo que antecediam o primeiro beijo melhores do que o próprio beijo. Estava tão entusiasmada que mal conseguia piscar ao sentir seu sangue correr mais rápido enquanto prendia o ar e seu coração liberava uma quantidade a mais de expectativa por todo seu corpo ao percebê-lo cada vez mais próximo.
-Então eu digo que nós somos. - Tom concluiu e puxou-a suavemente pela nuca, encostando seus lábios nos dela e beijando-a delicadamente, mas passando-lhe a certeza de que estava tão curioso e ansioso quanto ela. colocou uma de suas mãos na nuca dele também e a acariciou levemente, causando-lhe arrepios e sentindo-se totalmente alegre ao identificar completamente o cheiro dele. Tom cheirava a sabonete com perfume masculino, mas não aquela coisa totalmente agressiva e machona que lhe despertava uma vontade irreprimível de arrancar as roupas dele ali mesmo, de uma forma mais agressiva que o próprio perfume. Era um cheiro único, de um homem do tipo dele, tão amável quanto ele lhe parecia até aquele momento e o beijo que trocavam; um cheiro que a faria ter certeza de que ele estava por perto se o sentisse em qualquer lugar.
A primeira parte de toda a curiosidade que os envolvia já estava sanada. E a fazia querer mais porque tinha sido muito melhor, mais aprazível e gracioso do que ela esperava, por isso beijou-o novamente segundos depois de desgrudarem os lábios, sentindo-se mais uma vez entorpecida com o cheiro dele que agora misturava-se com o seu, assim como ele se sentia ao reconhecer o aroma de baunilha que inconfundivelmente vinha dela.
Ela partiu o beijo e sorriu, mantendo os olhos fechados. Ele fez o mesmo, ainda com o rosto muito próximo do dela, e acariciou uma de suas bochechas com a palma da mão.
-Acho melhor nós entrarmos. - sugeriu, percebendo o quanto haviam se distraído um com o outro. - Olha só, não tem mais ninguém aqui!
notou o saguão vazio e riu, esfregando uma das têmporas, visivelmente constrangida. Ele segurou a mão dela e os dois seguiram para a entrada do auditório destinada ao setor em que eles antes estavam sentados.
-Será que você poderia abrir para nós entrarmos? - Tom perguntou ao segurança alto que guardava a porta. A porta fechada.
O segurança somente apontou a placa pregada na porta, que dizia: ‘Não é permitida a entrada após o início do espetáculo.’
-Mas como assim? Quero dizer, o segundo ato nem deve ter começado há muito tempo e eu paguei caro para assistir, sabe, sem querer ser pretensioso ou qualquer coisa do tipo. - ele sugestionou, um pouco consternado e ainda segurando a mão de , que somente olhava a cena e não acreditava que haviam se distraído tanto a ponto de se atrasarem.
-Sinto muito, já começou há exatamente - o homem consultou o relógio do saguão. - Três minutos, vocês não podem entrar. - Tom suspirou.
Ele não podia desistir. Não que a culpa por se atrasarem fosse exclusivamente dele, mas havia levado-a até ali para assistir ao espetáculo e sabia o quanto ela estava gostando, não podia deixá-la perder a outra metade assim.
-Por que não? - o segurança revirou os olhos e bateu o indicador na mesma placa de antes, impaciente com a petulância do rapaz à sua frente. - Por....favor? - Tom insistiu, franzindo a testa e inclinando a cabeça para frente.
-Não. - o segurança resistiu e Tom bufou, cedendo e passando a olhar para .
-E agora, o que a gente faz? - ela indagou e ele somente deu de ombros, coçando a cabeça com uma expressão perdida de dar pena.
-Eu não sei, você quer comer alguma coisa, sei lá? - ele sugeriu, um pouco atordoado, ainda segurando sua mão e guiando-a em direção à saída do Apollo Victoria. - Tem uma deli bem legal nesta rua, uma Pizza Hut ali mais à frente... Se você preferir a gente pode ir até a Picadilly e comer um hot-dog, você é quem sabe.
-Na verdade, eu não estou com muita fome. - ela disse, sem admitir a real verdade, que era o fato de ela não querer comer aquele tipo de coisa e nem mais nada na frente dele. Era vergonhoso comer na frente dos novos affairs! E não havia problema algum em sentir aquilo porque tudo não passava de sensatez. - Mas acho que aceito um algodão doce. - apontou para um moço que tinha uma tenda com uma máquina de algodão doce ao lado esquerdo da porta do teatro.
-Você é quem manda. - Tom sorriu e foram aonde ela indicara.
Minutos depois os dois voltaram para a frente do teatro e sentaram na pequena escadaria antecedente às portas do saguão principal, cada um segurando o seu algodão doce. A brisa que batia, apesar de um pouco gelada, era deliciosa e parecia deixar a cena mais agradável -pelo menos para ela, que mordia o lábio enquanto reparava no jeito bonitinho que a covinha dele se revelava enquanto ele mastigava -, embora fizesse com que um pouco do açúcar voasse para seus rostos e derretesse, deixando tudo melado.
-Eu realmente sinto muito por termos perdido o segundo ato, é a melhor parte, na minha opinião. - ele começou, encarando-a enquanto ela olhava vagamente para algum ponto do outro lado da rua. - Talvez a gente possa voltar outro dia pra você assistir ao resto, eu pude perceber o quanto você estava gostando.
-É, seria legal fazer isso. - ela voltou seu olhar para ele, encantada com seu excesso de tato, e sorriu.
Realmente estava gostando do espetáculo, mas naquele momento parecia muito mais divertido ficar com ele ali, sem fazer nada de especial.
-Tem açúcar bem aqui. - Tom informou a , indicando o local no canto da própria boca. - Deixa eu limpar pra você. - ele disse e em seguida beijou-a novamente, desta vez entre risos da parte dela.
Wicked ainda ficaria muito tempo em cartaz e tinha paciência suficiente para esperar pelo fim e somente se importava com o que estava começando ali, de uma maneira totalmente contrária e muito mais legal do que qualquer outra que houvessem planejado, muito agradável; arremessando todas os mitos e regras sobre primeiros encontros para o espaço entre risadas, beijos açucarados, rostos melados e uma pequenina margarida amarela comprada de uma estranha senhora por duas moedas de vinte pence.
Longe de toda a atmosfera de romance que cobria as escadarias de um certo teatro em Wilton Road, envoltos por junk food, garrafas vazias de Heineken e capas de DVD, Dave e compartilhavam o espaço da sala decorada em tons de roxo, branco e alguns detalhes em verde limão do apartamento dela. sentada de cabeça para baixo no futon, deixando que um pouco da sua calcinha aparecesse sob a enorme e larga camiseta de malha azul escura,que dizia: ‘I Love London’, o 'Love' simbolizado por um coração, e ele descalço e sentado no chão, fumando e tentando prestar atenção no filme que havia escolhido para assistir primeiro, alegando que devia ser assustador, sangrento e que eles iriam se divertir porque ela ia chorar litros e se borrar de medo enquanto ele ria de sua cara, porém não estava obtendo muito sucesso.
Primeiro, porque o filme era uma bosta completa (embora ele nunca fosse admitir isto para ela). Segundo, porque era uma tagarela e essa característica somada ao péssimo andamento do filme faziam que ela não calasse a boca por um minuto sequer, falando pelos cotovelos sobre mil assuntos aleatórios com os quais ele concordava ou discordava monossilabicamente e sem encará-la. O tópico do momento era o cara que apanhara por causa dela na Hellish, na semana anterior.
-Dave, você está prestando atenção no que eu estou dizendo? - ela torceu o pescoço para encará-lo.
-É claro que estou, , você sabe que eu consigo acompanhar seu raciocínio melhor do que ninguém! - ele respondeu e bebeu o último gole de cerveja da garrafa sorrindo ironicamente, sem desviar o olhar da televisão.
-Seu merdinha descolorido e cínico! - ela riu também, fazendo alusão ao cabelo loiro quase platinado dele, que caía sobre seus olhos em uma franja, e sua pele branca de doer os olhos. Rapidamente ela se pôs de pé, pegando o controle remoto que antes estava ao seu lado e batendo-o contra a cabeça dele.
-AI, PORRA! - ele berrou, massageando o lugar atingido, e riu mais ainda, desligando a TV. - Qual é, ? Eu tava assistindo, você notou?
-É claro que não estava assistindo, é impossível assistir à essa merda. - ela pegou a capa do DVD, bateu o indicador insistentemente sobre ela e largou-a de qualquer jeito no mesmo lugar em que antes estava, depois. - Quem aluga uma coisa chamada ‘A Vila’? É o nome do fracasso disfarçado! - revelou seu desprezo pelo filme, abaixando-se para apertar o botão que desligava o aparelho de DVD sem ao menos apertar stop, ato impensado dela que fez com que ele automaticamente reparasse em sua bunda. Não que ele estivesse fazendo aquilo de propósito, mas era meio impossível não olhar...
Quanto custavam passagens de avião para o Brasil mesmo? Aliás, por que estava pensando em passagens para o Brasil se a própria representação de Brasil, até onde sua cultura lhe permitia saber, estava bem ali na sua frente, encurtando o caminho?
Dave acompanhou os movimentos dela enquanto tragava o cigarro, olhando para o mesmo ponto em seu corpo, quando ela se levantou para ligar o iPod Classic preto, que estava encaixado no dock do i-speaker de mesma cor e depois protestou:
-Maroon 5, nanica? - ele soltou a fumaça do cigarro pelo nariz e desviou o olhar da bunda para os olhos dela, piscando rapidamente para disfarçar sua ação anterior quando ela se virou para encará-lo depois que escolheu "Kiwi" para tocar. - Maroon 5 é tão...
-Tão o que, Dave? Gay? - ela colocou uma mão na cintura, arqueando uma das sobrancelhas. - Você me irrita, às vezes, com esse seu jeito, sabia? - bufou. - Faz parte da playlist que eu montei ontem à noite, deixa tocar, okay?
-Desculpa, nanica. Prometo que vou evitar manifestar a minha opinião sobre o seu gosto musical.
-Acho bom. - ela disse, se sentando ao lado dele no chão e em seguida mudando de posição, deitando a cabeça em seu colo. - Mas voltando ao que eu dizia, a disse que o Tom, aquele loiro, sabe, que está em algum lugar com ela agora e é amigo dele? Então, ela disse que ele disse que o Danny não estava dando a mínima pra mim. Não com essas palavras, é claro, mas com a noção de mundo que adquiri ao longo dos anos eu tenho certeza de que...
Involuntariamente a parte do cérebro de Dave que tinha a função de fazê-lo acompanhar toda a matraquice de se desligou quando ela chegou na parte do ‘dando a mínima’, embora ele continuasse analisando cada traço de seu rosto. Com todo respeito, ele também não estava dando a mínima para o que aquele Danny da banda voadora e maricas pensava ou deixava de pensar sobre ela. Era seu sábado de folga, ela mesma havia o convidado para estar ali e ele não ia ficar a aturando falar sobre uma sub-celebridade que não sabia nem brigar como homem (não que ele fosse enfrentar um cara daquele tamanho, mas mesmo assim) quando ele a tinha ali, irrevogavelmente atraente, quase nua por baixo daquela camiseta folgada, e os dois podiam estar fazendo coisas muito mais proveitosas e deleitáveis.
Deu um último trago no cigarro e inclinou-se por cima de para apagá-lo no cinzeiro sobre a mesa de centro à sua frente. Soltou a fumaça para o lado e voltou a olhar para ela.
-Nanica. - ele chamou e ela automaticamente parou de falar.
-O que foi? - ela repousou as mãos sobre os peitos e retribuiu o olhar completamente verde, abaixo das sobrancelhas grossas, dele.
-Por que você não deixa esse otário pra lá? - Dave arqueou uma sobrancelha. - Quero dizer, ele não te ligou; eu estou aqui agora e sou muito melhor do que ele. - gabou-se e sorriu arrogantemente, o que ela achou absolutamente sedutor quando devia achar detestável.
-É talvez, mas eu não tenho como saber, entende, porque... - E mais uma vez se calou, mas desta vez com o gosto forte de cigarro e cerveja que a boca de Dave tinha.
Não tentou impedi-lo e muito menos se sentiu incomodada por ter sido interrompida em seu raciocínio novamente. Apenas retribuiu o beijo e deixou-se levar por ele, inclinando o corpo para cima e pendurando-se em seu pescoço para tomar impulso e sentar-se em seu colo, sentindo-se instantaneamente febril. Afinal, sabia que aquilo não passava do efeito que a mistura entre uma noite de sábado, um sofá muito perto, proximidade corpórea excessiva com o sexo oposto, carência, pseudo-raiva, um cheiro intensamente masculino misturado com cigarro e hormônios poderiam causar num sistema nervoso humano, feminino e heterossexual. Era tudo instintivo, sem dúvidas, embora ela também quisesse aquilo, um pouco. Mas só um pouco!
Dave suspendeu a garota e deitou-a, de uma forma não muito tenra, sobre o futon, mordendo seu lábio inferior e passando a beijar seu pescoço ao mesmo tempo em que ela dava espaço para que ele se posicionasse entre suas pernas e continuasse a provocá-la com uma mão em seus cabelos e a outra descendo cada vez mais por seu corpo, fazendo-a se esquecer completamente sobre o que falava antes de tudo aquilo começar, como se nunca tivesse se sentido incomodada pelo fato de o tal Jones não ter se importado com ela. Quem sabe ele não estivesse com outra garota também, fazendo o mesmo que ela estava prestes a fazer com Dave, naquele momento?
Ele apertava a cintura dela, que arfava de uma forma que ninguém além dele poderia ouvir se estivesse ali, enquanto ela subia a camiseta dele numa tentativa de tirá-la o mais rápido possível. Dave facilitou seu trabalho e tirou-a por completo, logo em seguida dando o mesmo fim para a dela, deixando-a somente de lingerie. Nem estava mais se importando se a música que começara a tocar era boa ou não.
Quando o sentiu colocar uma das mãos debaixo de seu sutiã e puxá-la cada vez mais contra si com a outra mão um pouco mais abaixo de seus quadris e enquanto mordiscava o lóbulo de sua orelha, fez questão de começar a deixar a situação bem clara na cabeça dele (mesmo que ele já tivesse álcool no sangue, ela estava certa de que ele continuava totalmente consciente do que estava fazendo):
-Dave. - ela o chamou e ele gemeu algo em resposta, sem paciência para parar o que fazia para observá-la. Ela demorou mais algum tempo para continuar a falar, tentando ter controle suficiente sobre sua voz, entre as breves arfadas e gemidos que dava. - Isso não significa que... -ela parou mais uma vez, quando ele levou uma mão ao fecho de seu sutiã, fazendo-a se enrijecer e todos os pêlos de sua nuca se arrepiarem. - ... Não significa que nós temos alguma coisa, de maneira nenhuma.
Dave riu baixinho do comentário preocupado dela, mais uma vez levou os lábios próximo à sua orelha e sussurrou:
-Absolutamente, gata.
07 She's a Lady
As bochechas de já doíam e endureceriam, parecendo ter litros de botox injetados, como as de várias mulheres dentro de sua casa naquele momento, se ela tivesse que ficar fazendo a Barbie no meio daquela gente que brilhava mais que diamante no sol –e mais que os diamantes que possuíam em algum dedo, nas orelhas, ou no pescoço- por mais um segundo; sorrindo para pessoas que nunca vira na vida, outras que detestava e que tinham um perfume enjoativo, homens e mulheres com vestidos e smokings costurados a mão pelas equipes dos estilistas mais renomados ao redor do mundo, a maioria deles brega, mas ainda assim podendo custar o valor de uma casa.
Não que ela não fosse um tipo de Barbie, mas a sua cota de tempo como a princesinha simpática e receptiva da família já havia se esgotado por aquela noite, mesmo que tivesse passado por aquele tipo de situação a vida inteira. Tudo tinha limites!
Menos ela.
A Família Cunningham, que tinha como membro mais jovem, era parte da alta-sociedade Londrina e sempre exigia sua presença nas mil festas que dava em sua mansão no norte da cidade. Festas muito chatas, em sua maioria, e segundo a opinião dela; que nem sempre tinham um motivo merecido de comemoração, mas que mesmo assim ocorriam só para todos terem para quem ostentar seus tesouros seculares e tradicionalmente britânicos.
Pegou uma das taças sobre a bandeja que Javier, um de seus empregados, segurava na altura do peito e sorriu para este em agradecimento, quase trombando em uma velha que sustentava uma escultura de pêlos com uma pena azul-turquesa e decorativa sobre a cabeça, o que todos insistiam em chamar de penteado. Realmente queria saber se toda aquela gente achava que tinha tanto senso do ridículo quanto pensava que tinha. Sentiu seu fino celular rosa bebê vibrar em sua outra mão e subiu o slide com o polegar, vendo que havia uma nova mensagem e a foto de Cedric, seu irmão quatro anos mais velho, aparecia na tela. Tocou o visor no botão para visualizar e leu:
‘Hora da fuga, pirralha. Te espero na árvore secreta.’
Ela sorriu, virou todo o champagne da taça cilíndrica em um gole, sem se importar se alguma madame tão educada em escola para garotas quanto ela estava observando, e devolveu-a na bandeja que Judy, uma de suas outras empregadas, segurava. Esquadrinhou o salão sobre as cabeças dos convidados o mais rápido que pôde, em busca das silhuetas esguias de seus pais, para se assegurar de que eles não a veriam escapar, e paralisou o olhar sobre os mesmos rindo no estilo milionário enquanto conversavam com um homem que ela julgava ser importante, porque seu pai já lhe falara sobre ele uma vez (ainda que ela não se lembrasse exatamente a função dele no mundo em que fezes cheiravam a suco de maçã e brownie de chocolate), e a Sra. Cunningham analisava o anel na mão da esposa deste, provavelmente comentando alguma futilidade sobre os quilates, o brilho e a joalheria em algum lugar do planeta de onde aquilo saíra.
Sorrateiramente, subiu a escadaria de madeira escura e polida que começava no canto da enorme sala, onde todos estavam, e ia para o segundo andar da casa. Seguiu até o final do corredor passando por inúmeros retratos de família pintados a mão, com tinta a óleo ou fotografados, sempre exibindo seu melhor sorriso de menina -plenamente - feliz -de- informes- publicitários- do –horário- nobre- na- tevê, em diferentes idades, e entrou na última porta à direita, que se abria para seu enorme quarto, enjoativamente rosa e branco. Mais rosa do que branco, claro, porque toda garotinha do papai tinha um mundo cor-de-rosa cheirando a morango, ou talvez cereja. O dela cheirava a morango, porque mandava Frida, sua empregada favorita, borrifar aquela essência no quarto 3 vezes ao dia.
Deslizou uma porta branca, intimidadoramente alta e larga, ao lado esquerdo da cama, que ficava no centro e tinha a cabeceira encostada na parede listrada ao fundo do quarto, revelando um espaçoso closet cheio de prateleiras, gavetas, vãos cúbicos e retangulares que abrigavam todo tipo de coisas, que iam de grandes e pequenos baús de coisas antigas; tutus e sapatilhas de balé -o qual ela praticara praticamente a vida toda e havia abandonado há dois anos- a vários vestidos de festa, roupas casuais e uns duzentos pares de sapatos caríssimos, de grife e outros não tão de grife assim, como o par de All Stars brancos (que sua mãe não a visse usando aquilo!) que ela estava calçando, sentada no carpete do chão ao lado da bolsa em que colocara o celular e outras coisas dentro. Pensou em escolher uma outra roupa mais confortável, mas Cedric provavelmente a mataria se ela demorasse demais, então continuou com seu vestido impecavelmente branco de alça larga em um ombro só, com um laço nesta, mais apertado depois dos quadris e que acabava um pouco acima de seus joelhos.
Pendurou a pequena bolsa em um dos ombros, desamarrou as cortinas penduradas no dossel da cama e as fechou, precavendo-se do fato de um de seus pais possivelmente abrir a porta no meio da noite para checar se ela estava dormindo, correu até uma porta de vidro e a abriu, sentindo o ar gelado da noite atingi-la em cheio e sentando-se no escorregador, que havia sido construído quando ela tinha sete anos -um para ela e outro para o irmão, também no quarto dele, na última porta à direita e na outra extremidade do corredor- saindo de seu quarto e dando diretamente na enorme piscina nos fundos da casa e que estava seco. Escorregou até um pouco mais da metade, segurando-se nas laterais, e antes de se afundar na piscina pulou no deque, que tinha suas portas trancadas por dentro e estava vazio exceto por ela. Correu desconfortavelmente, por culpa do vestido, até o portão que dava para um grande jardim minuciosamente conservado e estrategicamente iluminado, ainda mais ao fundo da propriedade, passando a caminhar quando o ultrapassou e avistou o irmão, com a luz incidindo sobre seus cabelos loiros- escuros, um pouco mais à frente, sob a grande árvore que escondia metade da casinha de madeira na qual eles brincaram a infância toda.
-Alguém te viu sair? -ele perguntou quando ela estava suficientemente próxima para escutá-lo.
-Mas é claro que não, já sou perita em fugas de festas da família Cunningham! - respondeu, caminhando ao lado do irmão entre flores abertas por causa da primavera e folhas cuidadosamente podadas, em direção ao portão à esquerda do jardim que levava até a rua.
-Eu pedi pro Alfred levar o meu carro para a rua dos fundos, como sempre. -ele informou, como se ela precisasse se lembrar daquilo mesmo quando estava caminhando para lá.-Aliás, por que papai e mamãe estão dando essa festa mesmo?
-Para arrecadar fundos para o hospital das crianças com alguma doença incurável e de nome difícil. -ela explicou.- Como você não se lembra, mamãe ficou repetindo isso a semana toda!
-Ah, vai ver foi por isso. Ela repetiu tanto que eu esqueci. -ele começou a se justificar.- Você sabe, , às vezes entra por um ouvido e sai pelo outro. -ela somente balançou a cabeça em concordância e deu uma breve gargalhada enquanto Cedric destrancava e abria o portão, estendendo a mão para que ela passasse primeiro.
Como se seus pais realmente se importassem com as dificuldades dos outros quando tinham toda a facilidade impressa em papéis que queriam nas mãos. Eles não tinham culpa de fazer parte da massa dos falsamente preocupados com as dores do mundo, nunca haviam chegado muito perto do outro lado da história para saberem. Pelo menos eles sabiam atuar muito bem antes de voltarem a gastar exageradas quantias em coisas nem tão relevantes assim.
Depois que seu irmão a partiu, tocou a campainha da habitação que Danny e Dougie dividiam. Sem sinal de algum dos dois para atendê-la, só conseguiu entrar porque forçou a fechadura da porta e descobriu-a destrancada. Parecia que não se podia exigir muito dos dois garotos da casa quando o quesito era segurança.
Passou direto pelo pequeno hall e subiu o primeiro lance de escadas que terminava no primeiro andar e conseqüentemente levava à enorme porta de entrada do apartamento de Dougie. Tocou a outra campainha, sem muito sucesso e até deu umas batidinhas ritmadas contra a porta para enfatizar sua chamada, mas mesmo assim não obteve resposta. Tentou o número do celular dele, mas só caía na caixa postal. Tudo bem que ela fora até ali para pegar o namorado de surpresa, mas era muita falta de sorte que ele não estivesse ali e nem atendesse o telefone. E por que motivos ele não o atendia também?
Lembrou-se que Danny morava somente dois andares acima dele e subiu outros dois lances de escada, passando pela entrada do estúdio que ficava no segundo andar. Ao chegar no último andar, pôde ouvir uma música abafada saindo do apartamento do amigo enquanto se aproximava da porta deste. Ficaria surpresa se ele ouvisse o som da campainha, que ela tocava incessantemente, no meio daquela barulheira toda.
Segundos depois ela abriu um sorriso rasgado, pronta para cumprimentar Danny e fazer um comentário sobre a música alta que ecoava pelo hall, quando a própria figura por quem ela procurava escancarou a porta gargalhando horrores de alguma coisa e arregalando os olhos de uma maneira cômica ao vê-la parada à sua frente.
-Uau, eu estava procurando por você, mas não... -ela tentava espiar o lado de dentro por cima do ombro dele, enquanto falava, e ele fechou a porta na cara dela antes que ela pudesse terminar, deixando-a estupefata e um pouco confusa sobre sua atitude.
Como assim ele achava que podia bater a porta e deixá-la plantada do outro lado, falando sozinha? Será que ele e Danny estavam com garotas lá dentro e ele estava dando um jeito de esconder a sua porque ela chegara sem avisar? Sentia-se extremamente ansiosa, irritada e seu estômago estava prestes a cavar um buraco e sair voando em alta velocidade por suas costas só de pensar na possibilidade de ele estar traindo-a. Mas e se eles estivessem com strippers? Que humilhação seria se ela encontrasse strippers prestes a lambuzar seu namorado de coisas doces e meladas e bater nele com um chicote e...
-Escondam os pornôs, minha garota apareceu! -ela acordou de seus devaneios ao ouvir o som abafado do berro dele do lado de dentro. Franziu o cenho, ficando ainda mais confusa e curiosa sobre o que eles poderiam estar fazendo. Assistir a filmes e ver revistas pornôs juntos?
'Mas que coisa de pré-adolescentes nojentos e punheteiros!', abaixou a cabeça, se sentindo automaticamente constrangida por si mesma ao pensar na última palavra dentro de um contexto que envolvia seu namorado. Ela tinha certeza de que era boa o suficiente para satisfazê-lo sem que ele precisasse ficar apelando para aquele tipo de pornografia barata.
Era mesmo?
Ouviu um clique e voltou a olhar para cima, pronta para exigir satisfações de Dougie quando este abriu novamente a porta e a encarou, com o rosto ligeiramente corado, um sorriso bobo e dizendo:
-De onde foi que você surgiu, bela dama?
-Do seu bolso é que não foi. - respondeu, sorrindo cinicamente e inclinando-se para dar um selinho em Dougie, se este não tivesse começado a rir alto. Ela franziu os lábios, notando que os olhos dele estavam um pouquinho mais vermelhos do que o normal.
Ela por acaso tinha sido tão engraçada? Talvez estivesse conseguindo aprender algo e se tornando mais agradável, o tanto que ele gostaria que ela fosse quando não estava só com ele, com a convivência.
entrou no apartamento sem esperar que Dougie fizesse o convite porque percebeu que ele continuava ocupado demais rindo do que ela dissera. Caminhou até a sala de estar, sentindo o namorado em seu encalço após bater a porta, e não soube se ria ou se chorava ao encontrar o cômodo cheirando fortemente a cigarro, com várias garrafas vazias de Heineken e algumas latas de Foster’s espalhadas aleatoriamente pelo chão e pelo sofá, enquanto Harry fumava e ensaiava uma coreografia desengonçada e dura para “Don’t Stop ‘Til You Get Enough", de Michael Jackson, que dançava na TV ao mesmo tempo em que sua voz saía quase no último volume das caixas de som de última geração do aparelho de home theater de Danny, que se movimentava desajeitadamente e fazia caretas engraçadas ao dublar a voz de Michael, fazendo do punho seu microfone ao interpretar a música. Agora ela estava começando a entender porque Dougie rira tanto de seu comentário sarcástico.
De repente, Bruce, o cão Beagle de Danny, veio correndo de algum outro cômodo do apartamento e começou a tentar pular sobre ela, que se esquivava assustada com a aparição repentina do cachorro, enquanto ele latia e rosnava incessantemente.
Ela parecia tão esnobe assim até para os cães? Bem, sua cadela Lhasa Apso, Belle, costumava gostar dela, até onde podia se lembrar. E ela mesmo a havia escolhido! se considerava uma boa dona, apesar do fato de não ser quem limpava as fezes, dava comida e dava banho na cadela. Mas pelo menos era ela quem havia encomendado a coleirinha rosa-choque escrita ‘‘Belle’’ em cristais Swarovski -seu pai não permitira que fossem diamantes -, a pequena caminha para cães lilás, com estampa de lacinhos púrpura, e deixava o animalzinho dormir em seu quarto, até mesmo ao lado de seus pés, em sua cama, quando queria, o que era um tanto freqüente.
-Bruce! BRUCE, BRUCE, BRUCE! -Danny berrava e gesticulava, tentando conter a agitação de seu cão, que parou de latir e passou a olhá-lo com os olhos tão brilhantes quanto de criança que levava bronca. -Não é assim que se deve tratar as damas, garotão, eu já não te ensinei? -ele amenizou o tom de voz e o cachorro inclinou a cabeça para o lado- Venha aqui agora, vamos conversar, Brucinho! -ele apontou o indicador para os próprios pés e o cão saiu em sua direção, ainda com a cabeça abaixada.
‘Brucinho?’, debochou mentalmente, achando aquele apelido um tanto engraçado, mas notando que Harry e Dougie estavam entretidos demais em suas ações para pensarem o mesmo.
-Na verdade, Bruce- ouviu Danny dizer quando ele se abaixou, com um indicador erguido, para ficar da mesma altura do animal, que o encarava. -Acho que a gente pode conversar mais tarde. -ele concluiu e deu dois tapinhas na cabeça de Bruce, voltando a dançar como alguém que tinha sérios problemas mentais.
O cão, que olhava o dono tão perplexo e confuso quanto , apenas deu meia volta e sumiu pelo corredor principal do apartamento, provavelmente se enfiando em algum dos quartos.
-Minha virgem santa! -ela exclamou, chamando a atenção dos outros dois garotos para si após se notar um tanto deslocada ali. -Mas isto aqui está um antro de putaria!
Já estava quase pedindo desculpas por dizer ‘putaria’ quando se lembrou de onde e com quem estava, percebendo que não precisava se reprimir ali.
-É porque você ainda não viu toda a putaria escondida! -Harry brincou e ela olhou para Dougie, lembrando-se de seu comentário antes de abrir a porta para ela decentemente. -Você sabe, nós escondemos o chantilly, os filmes e os chicotes e arremessamos as strippers pela janela.
riu, sem graça, e suas bochechas ficaram escarlates. Será que eles haviam mesmo contratado strippers e estas foram embora antes de ela chegar ou despachadas depois que Dougie fechou a porta em sua cara? Porque strippers arremessadas pela janela estavam completamente fora de cogitação. Se bem que eles aparentavam estar bem alterados, então ela morreu de vontade de olhar pela janela para ver se talvez encontrava mulheres seminuas, com fantasias em vinil de enfermeira, policial ou talvez diabinha, recém-mortas e estateladas no chão.
-Haha, Harry, você é MUITO engraçado, cara! -Danny gargalhava em seu próprio estilo estridente e escandaloso, curvado para frente e com a mão sobre a barriga.
Ele ainda recuperava o fôlego quando olhou pra , que colocava sua bolsa em algum canto, sem prestar atenção onde, e voltou a rir da mesma maneira, dizendo em intervalos:
-A namorada... HAHA, a namorada dele... veio mesmo! -Danny apontava para como se não tivesse a notado ali antes. -Mas veio do que, de tirolesa?
Os outros dois garotos explodiram em risadas, como se Danny tivesse acabado de relatar uma cena de algum seriado engraçadíssimo, esquecendo-se totalmente de que ainda estava ali, encabulada e rindo, mesmo que sem graça, para tentar entrar no clima.
-Na verdade eu fugi de uma festa muito chata da minha família, sabe, pra ficar com o Dougie. Mas ele não estava em casa e aí...
-Nhénhénhé, Dougiezinho! -Harry interrompeu-a, zombando da cara do amigo e abrindo outra garrafa de cerveja.
não concluiu seu raciocínio porque Harry e Danny já nem prestavam mais atenção no que ela dizia, voltando a dançar como dois débeis, seguindo a música de outro clipe antigo de Michael que passava em uma playlist especial da MTV Hits. Ela sentou-se no sofá, um tanto perdida, e Dougie sentou-se ao seu lado, passando um braço por sua cintura.
-Bem, isso era pra ser uma boys night out, mas já que você resolveu aparecer... -ele sorriu maliciosamente e começou a beijá-la de maneira impetuosa, deitando-a e ficando por cima dela. se assustou com a ação dele, mas logo correspondeu ao beijo, sentindo o cheiro de cigarro ficar mais forte, notando que este agora vinha de Dougie, enquanto ele amassava seu vestido ao percorrer as mãos indecisamente por todo seu corpo.
Ela passou a empurrá-lo suavemente para partir o beijo e ele resistiu até o momento em que ela o empurrou com mais força.
-O que foi?-ele parou com uma das mãos na coxa dela, sem entender sua reação.
-Você estava fumando, Doug? -ela perguntou, séria.
-É claro que não, Harry e Danny que estão fumando, você não viu? -ele se explicou e voltou a beijá-la da mesma maneira de antes.
preferiu relevar, deixando-o pensar que ela havia acreditado quando a evidência maior estava no gosto que ela sentia na boca dele. Uma das mãos de Dougie já estava entrando por baixo de seu vestido e a outra estava prestes a tentar ultrapassar os limites de sua calcinha quando ela o empurrou novamente e se sentou, obrigando-o a fazer o mesmo, ao mesmo tempo em que arrumava o vestido.
-Qual o seu problema hoje, ? -ele protestou, com a voz arrastada e irritado, ao passo em que sua mente ainda lhe permitia perguntar-se: qual era o problema dela sempre?
-Vai com calma, Dougie! -ela o repreendeu e ele bufou, revirando os olhos. -Danny e Harry ainda estão aqui, você notou?
-Só isso? -ele riu divertidamente, sentindo um pouco de sua irritação se dissolver.- O Danny tem uns cômodos mais privados aqui também, sabia, ? Afinal, é o Danny. -brincou.- A gente pode dar um jeito nisso, principalmente se você estiver com aquela calcinha vermelha que eu gosto e...
-DOUGIE! -ela o censurou, arregalando ligeiramente os olhos e dando um tapa na mão dele, que puxava a sua para ajudá-la a se levantar, o que ela não fez. -As coisas não são assim!
-É melhor você se comportar, Poyntinho. -Danny caçoou com a voz em falsete ao perceber o que estava acontecendo entre os dois, arrancando gargalhadas de Harry e depois rindo também, ambos caminhando em direção a cozinha.
-Você é muito chata, ! -ele bufou mais uma vez e repeliu-a fortemente, empurrando-a contra o encosto do sofá.- Vá à merda!
abriu a boca para protestar, mas manteve-se calada, de braços cruzados e fazendo esforço para não chorar por besteira, como sempre, porque os outros meninos estavam ali. Se eles não estivessem, com certeza ela já teria começado uma cena. E com razão, ela pensava.
Então era aquilo: ela fugia da festa para ficar com o cara que amava e que namorava há quase sete meses e o encontrava tão bêbado quanto seus outros amigos doidos (legais e toleráveis quando não estavam alterados alcoolicamente), querendo levá-la para a cama de imediato, quando sequer haviam trocado uma palavra sobre como estavam e o que haviam feito naquele dia. Francamente!
A garota sabia que havia várias possibilidades de Dougie se sentir culpado quando voltasse ao seu estado quase ou totalmente consciente, mas preferia não pensar na hipótese de que ele já não estava mais dando a mínima para ela e faria coisas para irritá-la ainda mais, mesmo que não fosse propositalmente.
-Você não disse que não estava fumando? -ela perguntou quando o viu retirar um cigarro do maço de Lucky Strike Light que antes repousava na estante, em frente à TV e ao lado de uma garrafa verde e vazia, e acendê-lo com o isqueiro que estava por cima dele.
Dougie tragou o cigarro de olhos fechados, sentindo a fumaça entrar ainda mais em seu corpo, como se aquilo fosse fazê-lo se sentir mais relaxado, enervando-a ainda mais, e soltou-a pelo nariz, abrindo os olhos.
-Agora eu estou e você não tem nada a ver com isso. -ele retorquiu grosseiramente e pegou a garrafa de cerveja que Harry lhe ofereceu quando voltou da cozinha junto a Danny. Abriu a tampa com auxílio da própria camiseta, logo depois levando o gargalo até a boca, no mesmo instante em que encarava o olhar de reprovação e brilhante de raiva dela. Após o terceiro gole, Dougie, sem parar de encará-la, soltou um sonoro e longo arroto, conduzindo os outros dois amigos à novas gargalhadas e imitações, arrotando mais alto ainda.
Naquele instante desejou mais que tudo nunca ter saído da festa monótona de seus pais. Pelo menos eles tinham champagne e prosecco!
O problema não estava em Dougie beber e fumar; estava no fato de ele beijá-la com gosto de cigarro sabendo que ela o detestava e de estar ao seu lado, tratando-a daquela maneira quando ela tinha quebrado as regras, de certa forma, para vê-lo. Com certeza quando voltasse pra casa, sua mãe começaria todo o sermão secular sobre sua suposta ingratidão, perguntando onde e com quem ela esteve, o que havia feito e agravaria a discussão colocando Dougie no meio da história, enquanto ela somente subiria para seu quarto, bateria e trancaria a porta, colocaria uma máscara de dormir como a de Holly Golightly de Bonequinha de Luxo e fecharia seu dossel, fingindo não existir.
Já abrira a boca para retrucar quando Danny, ainda rindo como uma hiena, acomodou-se ao seu lado no sofá, totalmente desequilibrado e quase derrubando cerveja sobre seu vestido se ela não o tivesse impedido ao segurar a mão dele.
-Uau, , você é rápida no gatilho! -ele brincou, enrolando um pouco a língua e deu dois tapinhas no ombro da garota. - Sabe, estava aqui pensando... Você conhece a ? - arqueou uma sobrancelha, em dúvida, perguntando-se de onde ele tirava tanta aleatoriedade. -Ah,você não conhece a , poxa. Então vou te contar queeem é a !
Minutos depois, entre pedidos de repetição dela, tragos e pausas que ele fazia para se lembrar da história claramente, na tentativa de impedir que o álcool agisse em sua mente, continuava a ouvir –mais atentamente do que deveria- e tentava entender o relato confuso que a voz engrolada e cheia de sotaque de Danny contava sobre uma confusão que havia acontecido na Hellish e envolvia a tal da , um barman, Tom, a barmaid amiga dela, um troglodita, um soco no nariz (na parte em que ele admitiu ter sido nocauteado,mas só porque ela era a polida e não ia caçoar dele. Pelo menos ela tentou ao prender o riso), um teto vermelho, um beijo no canto da boca e um número de telefone.
Ela até que estava se divertindo ao fazer parte daquela cena e gargalhava sonoramente pela enésima vez, deixando Danny ligeiramente consternado. Tinha até se esquecido de que estava no mesmo local que Dougie -exceto quando ele resolvia arrotar, ou gritar, e porque ele não trocara mais nenhuma palavra com ela, até o momento em que ela se desligou totalmente da história de Danny, que era repetida com mais ênfase e de uma forma cada vez mais bêbada a cada gole de cerveja que ele tomava- quando visualizou seu namorado e Harry vindo do corredor para a sala tão trêbados quanto Danny, com um cigarro em cada mão, por vezes tragando os dois de uma vez, outras um de cada vez, ocasionalmente tossindo e entoando uma melodia inventada na hora, que dizia: ‘Eu sou um dragão,eu sou um dragão,nós somos os dragões, hey, hey, hey!’. Perplexa com o que via, ela ainda notou que o cômodo estava ficando cada vez mais nublado e levou seu olhar às janelas, que estavam fechadas.
-O que vocês dois pensam que estão fazendo? -ela se levantou, enervada, deixando Danny com a cabeça apoiada no encosto do sofá, de olhos fechados e falando sozinho, indo em direção a uma das janelas para abri-la. -Tentando matar todo mundo sufocado? -ela levantou o vidro.
-Nós estamos, , na verdade nós estamos... -Dougie começou a falar, sem a mínima noção do que estava dizendo e arrotou pela milésima vez naquela noite, fazendo uma careta engraçada e rindo escandalosamente.
-Oi, eu sou um dragão e meu nome é Godzilla! -Harry disse, com uma voz que tinha a intenção de ser maligna, mas saiu nasalada e parecia de um guia turístico. -E esta noite eu e meu amigo... Meu amigo...-ele olhou para Dougie.
-Eu sou... Eu sou... Sou Fluffy, como vai, jovem senhorita? -Dougie disse, com a voz risonha e estendendo uma mão para que a apertasse, o que ela não fez.
-Fluffy? -Harry zombou, com a voz tão risonha quanto a de Dougie. -Isso nem é nome de dragão macho, seu viado! -Dougie deu de ombros. –Senhorita - Harry continuou, voltando-se para e tentando manter uma expressão cordial. -Nós estamos aqui para energizar este recinto, purificá-lo de suas... Purificá-lo de suas impurezas, isto aqui está cheio da aura ruim de... Rankankash – ‘Rankan quem?’ ela se perguntou- A senhorita não consegue sentir a aura negra envolvendo este nobre apartamento inglês? - Harry indagou, gesticulando com as mãos pro alto e correndo o olhar pelo cômodo enquanto Dougie rolava e se contorcia em gargalhadas no chão. -Eu quase posso tocar esta aura maligna, Rankakash está tentando reinar, temos que impedir, o lugar é da...Da Rainha Elizabeth!
Espantada e sem saber o que fazer no meio de três caras bêbados, incluindo seu namorado, no meio do barulho ensurdecedor que eles faziam ao gritar misturado com a música desconhecida por ela, teria começado a chorar e corrido porta afora se não fosse por Danny, que antes de pegá-la pelos ombros, observava os dois amigos com um sorriso bobo no rosto e sem entender coisa alguma, após notar que falava sozinho.
-, senta aí, eu tenho que terminar de te contar! -Danny empurrou-a levemente para que ela se sentasse novamente no sofá.
Mas ele já não havia terminado de contar a história pelo menos umas três vezes?
A garota estava quase entrando em alfa e de repente parecia mais difícil piscar. Só sentia seu corpo afundado em choque, incredulidade e calor. Ela queria reagir, mas seu estado não lhe permitia pensar no que fazer de uma forma muito clara, então ela optou por tentar prestar a atenção em Danny novamente e ignorar seu namorado, que estava aos tropeços e cantando a letra errada de ‘Hey Jude’, dos Beatles, junto com Harry, que dizia que era ‘Hey Judd’ e não ‘Hey Jude’ enquanto apontava para si mesmo a cada vez que repetia a palavra.
-O que você acha, ? -Danny perguntou e somente engoliu em seco, sentindo o nó em sua garganta ficar cada vez maior e sufocante. -?- Danny a chamou novamente.
-Eu acho que... que... -ela gaguejou, nervosa, ao ver Dougie e Harry agora tentando imitar a Beyoncé na frente da TV, caindo uma vez atrás da outra.
-Mas sabe, se ela não me ligar, eu posso mandar uma mensagem pra ela, eu posso até ligar pra ela, ! -Ela não agüentava mais ouvir seu apelido saindo da boca de Danny. -MAS AQUELA DESGRAÇADA ME FEZ LEVAR UM SOCO, SABE?- ele aumentou o tom de voz, assustando-a. -Então eu não devo ligar pra ela. Ou devo?O que você acha, ?
Ela abriu a boca para responder, mas não conseguiu, porque Danny não lhe deu o tempo necessário e desembestou a falar novamente, com um ar bêbado e pensativo, esfregando o maxilar:
-É, acho que eu vou fazer isso, sabe. Se ela não me ligar, eu ligo pra ela, sabe, , porque ela é muito chata, mas você não tá entendendo -e não estava entendendo mesmo.- Ela é MUITO, mas MUITO cool, cara. E muito gostosa também, claro.
-É, eu acho que sim, Danny. -ela concordou, ao notar que a palavra ‘gostosa’ devia estar empatando com ‘’ ao sair da boca dele, e como se realmente compreendesse a contrariedade do garoto, que agora dava mais uns goles em uma lata de Foster’s recém- aberta por ele mesmo antes de fazê-la sentar-se ali novamente.
-AH, NÃO! -ele se exaltou mais uma vez e arrotou fracamente. -Eu não dei meu telefone pra ela, cara! Caralho, então como ela vai me ligar? -ele fez uma pausa para pensar. -Ela não vai me ligar. Mas ela parecia esperta, , ela com certeza pode achar meu número na lista telefônica ou me procurar no catálogo de celebridades, porque eu sou uma muito famosa e a mais legal de todas elas, você sabe. -ele movimentou as sobrancelhas rapidamente e brincou com os mamilos por cima da camisa, gabando-se. -Eles têm um catálogo de celebridades na Inglaterra, não têm? Tipo aqueles de Hollywood e tal, onde todo mundo pode conseguir o telefone das celebridades?
, mesmo estando dura de tensão, não pode deixar de gargalhar com o último comentário e a cara de dúvida que Danny fazia, deixando que algumas lágrimas, que antes sairiam em forma de irritação, rolassem. Catálogo de celebridades? Desde quando todos podiam ter os números das celebridades Hollywoodianas? Ela não sabia distinguir se aquilo fazia parte da ignorância e lerdeza congênitas de Danny, se era efeito da bebida ou se era uma mistura de todos os fatores.
-Nunca mais vou ver a . Eu nunca mais vou ter uma namorada, , sou um imprestável! -Danny começou a choramingar manhosamente, enquanto ela ainda recuperava o ar. -Eu sou muito burro e a minha vida é um saco! Eu nunca vou me casar e ter meu filho Dylan, , o que eu faço? -ele continuou, com a voz mais embargada do que antes e inacreditavelmente começou a chorar e soluçar em alto e bom som, apoiando-se no ombro dela, que estava incrédula e agora indecisa entre abraçá-lo e dar leves tapinhas consoladores em suas costas.
Daniel Jones era mesmo uma pessoa carente em seu íntimo!
-, VOCÊ TEM PROBLEMAS? -Dougie berrou, atraindo o olhar da garota e encarando-a furiosamente, com o rosto tão vermelho quanto seus olhos. Agora sim ele parecia um dragão prestes a soltar fogo pelas ventas e incendiar a casa. -VOCÊ É TONTA, ? -ela o observava, admirada e com os olhos estáticos, assim como seu corpo. -PORRA, VOCÊ FEZ O DANNY CHORAR, SERÁ QUE VOCÊ NÃO PODE SER AGRADÁVEL COM OS OUTROS UMA VEZ NA SUA VIDA?!
-Dougie, por que você está... -ela tentou se pronunciar calmamente em sua própria defesa, mas não conseguiu porque Dougie a interrompeu antes, berrando:
-VÁ EMBORA!
Dougie era quase o tempo todo uma gracinha, super na dele. Mas quando seus surtos alcoólicos, mal-educados e nervosos resolviam dar um showzinho, a coisa não era nem um pouco aplaudível.
-ESCUTA AQUI, EU NÃO ESTOU GRITANDO PARA QUE VOCÊ USE ESSE TOM COMIGO, DOUGIE! -ela retrucou, levantando-se com o dedo em riste, largando Danny aos soluços e derramando rios de lágrimas no sofá. Harry foi para o lado deste o mais rápido que o álcool em seu sangue permitiu e o segurou pelos ombros, levantando-o para levá-lo até o quarto, enquanto fuzilava com o olhar, tropeçando uma ou duas vezes.- EU NÃO ADMITO QUE VOCÊ FALE ASSIM COMIGO!
-NÃO ESTÁ GRITANDO? O QUE FOI QUE FEZ AGORA ENTÃO? MALDIÇÃO DE GAROTA!
-Dougie, eu... Você, eu... Você tem razão,eu vou embora. -ela recomeçou, submetendo-se aos berros dele e contrariando o que dissera antes, desta vez entre soluços e deixando que cada lágrima de mágoa que queria chorar escorresse por seu rosto descontroladamente enquanto pegava a bolsa que notara ter largado ao lado do sofá.
-Onde você pensa que vai? -Dougie segurou a namorada pelo braço quando ela saiu caminhando em direção à porta. Ele a mandava ir embora e depois perguntava onde ela estava indo, era para fazer algum sentido?
-Estou indo embora, Dougie, como você me mandou fazer no meio dessa palhaçada toda! -ela esbravejou e deu um soluço sonoro e profundo, tentando se desprender dele. -Me solta, cacete!-ela deu ênfase no palavrão, o que o assustou e quase o fez soltá-la, mas ele manteve a mão presa ao braço dela. -Você é surdo? Eu.mandei.você.ME SOLTAR! -ela ordenou pausadamente e aumentando o tom de voz gradativamente, dando-lhe tapinhas na mão.
-Você não vai a lugar algum sem mim, eu vou te levar embora!
Um tapinha não dói, Cunningham!
-Como é que é, Dougie Poynter? -ela indagou, perplexa e semicerrando os olhos. -Você vai me levar embora? Mas como? Nas suas costas?
-Vou te levar embora de carro!
- Isso só pode ser uma piada! Você tem noção do que está falando, garoto? -ela finalmente desvencilhou-se dele. - É claro que não tem, está mais alcoolizado do que pobre afogado em sidra no ano-novo! -ela mesma respondeu a própria pergunta, gesticulando freneticamente. -Você nem sabe dirigir propriamente, até onde sei, se liga!
-É claro que eu sei dirigir, eu posso tudo! -ele retrucou arrogantemente, aproximando-se mais dela, que inalou o hálito forte de cerveja e cigarro que vinha da boca dele. -Não vou deixar uma garota de dezenove anos como você sair por aí sozinha a essa hora da noite!
-Sabe, Poynter, -era sempre ‘Poynter’ na hora do quebra-pau!- me surpreende o fato de que você ainda consiga se preocupar comigo depois de me tratar feito lixo a noite inteira! Mas já que você quer tanto, vai lá então, He-Man! -ela deu uma risada carregada de deboche e desprezo ainda em meio às lágrimas.- Se você quer se matar, se mate sozinho!
Era evidente que ele estava mesmo muito louco por pensar que ela entraria em um carro com um cara que nem habilidade, muito menos carta de habilitação para dirigir tinha e muito menos condições de fazê-lo depois de ingerir uma incontável quantidade de cerveja. Estava achando que ir para casa a pé às duas da madrugada era mais seguro do que entrar em um carro que ele tentaria conduzir estando para lá de Jerusalém. Estava tão magoada e nervosa com Dougie que podia socá-lo se não estivesse tremendo de tensão e não se sentisse tão fraca e incapaz até mesmo para pegar o celular na bolsa e dizer o nome de seu irmão para executar a função de discagem de voz, que infortunadamente resolveu falhar em suas duas tentativas. Por que tudo o que era eletrônico tinha que falhar nas horas mais desesperadas e impróprias?
Ela procurou pelo o número de Cedric na agenda, xingando a si mesma por não decorar os números da discagem rápida e esperou o irmão atender, enquanto ignorava Dougie, que ainda gritava, insistindo na idéia de levá-la embora em segurança para casa.
-Alô, Ced? -ela disse, tentando controlar o choro, quando ouviu a voz do irmão em meio à barulheira do outro lado da linha. -Ced pelo amor que você tem por mim, venha... CALA A BOCA, DOUGIE, CARALHO!
prometeu a si mesma que daquele momento em diante falaria palavrão quando bem entendesse, era tão bom e libertador, como fora descobrir isso somente naquela altura da vida? Só não os falaria na frente de seus pais, é claro, que obviamente a deserdariam se ouvissem sua princesinha bradando palavras de tão baixo calão mundo afora. Como se o Sr. Cunningham não berrasse alguns escondido quando estava assistindo aos jogos do Chelsea em sua TV de LCD de cinco mil polegadas. Para eles era tudo uma questão de hipocrisia socialmente correta.
-, irmãzinha, você falou ‘caralho’? Lembre-me de te dar um prêmio quando chegarmos em casa, mas olha, não posso falar agora! -ela ouviu a língua enrolada do irmão a interromper do outro lado da linha, entre ruídos e alguma biscate dizendo: ‘Ced, gostoso, pedi pra você não atender, desligaaaaa!’. -Estou em um momento. Um momentooo-Ô-Ô crítico, HAAHAHA, CRÍTICO, CRÍTICO! UM BEIJO, TCHAU! -ele desligou o telefone na cara dela, que quis se enterrar no chão e entrar em processo de decomposição imediatamente.
Se Dougie estava para lá de Jerusalém, o seu irmão estava para lá da clichê Bagdá e em condições de levá-la para casa tanto quanto seu namorado ou qualquer coisa que ele fosse naquele momento. Estava se perguntando como Cedric poderia lhe dar o tal prêmio se nem ao menos sabia se iria chegar em casa com todas as partes de seu corpo inteiras, naquela mesma noite.
As três opções restantes eram: o transporte público - que estava fora de cogitação porque com certeza já havia cessado seu horário de funcionamento e ela não poderia encarar ônibus e metrôs àquela hora, ainda por cima vestida daquela maneira, sem contar o nível da maioria da gente que os utilizava; o táxi, que demoraria mais tempo do que ela queria permanecer ali para chegar; seu motorista, Alfred, que provavelmente estava dormindo por estar sem aviso prévio e demoraria tanto quanto o táxi e, por último, seus pais, que demorariam a mesma quantidade de tempo que os outros dois para chegar, de quebra lhe dariam uma bronca e ainda por cima ameaçariam bloquear seus cartões de crédito. Nada que ela não pudesse resolver com uma boa birra, claro. Mas mesmo assim, o garoto que tentava dizer algo com sentido à sua frente já havia estourado a cota de todas as discussões daquele dia que mal havia começado e, parando para analisar, ir para casa caminhando parecia ser a idéia mais plausível que ela conseguia encontrar no momento.
-Olha aqui, eu espero que você esteja me ouvindo bem: você vai comigo nem que seja andando! -Dougie pareceu ler sua mente, despertando-a de seu mergulho no desespero para mais desespero ao terminar a frase, inclinar o corpo para frente e vomitar em seus tênis até então impecavelmente limpos.
Horrorizada era a palavra que mais se encaixava no estado dela naquele momento. Estava estática como uma múmia, ímpia, afogada em lágrimas e agora suja de vômito. Depois de tudo que havia passado e ouvido naquela noite, a coisa poderia ficar pior? Por que ela queria acreditar que não, mas sua cabeça ficava lhe empurrando que quando a coisa estava ruim, a tendência era sempre piorar?
-Seu filho da mãe, você vomitou em mim! EU VOU TE MATAR! -ela berrou e logo depois gritou estridentemente, provavelmente acordando todos os vizinhos que ainda não haviam acordado com a gritaria, e depois soluçou mais enfaticamente do que antes, a ameaça de morte escorrendo pelo seu rosto junto com suas lágrimas.- Quer saber? -ela tentou inutilmente secar o rosto com as palmas e as costas das mãos. -Eu vou andando, mesmo. ele já abrira a boca pra responder quando ela continuou- Mas vou sozinha!
Ela novamente saiu andando em direção à porta, sem mais se importar se estava com o rosto borrado, imunda e fedendo a vômito ou não, e Dougie a seguiu, tropeçando nos próprios pés no meio do caminho, quase prendendo os dedos quando ao tentá-la impedir de bater a porta, e ainda na dúvida entre berrar injúrias e embriagados pedidos de desculpas que ela fingia não ouvir ao passo em que só conseguia chorar cada vez mais. Desceu as escadas apressadamente e ouviu Dougie urrar de dor, provavelmente porque havia tropeçado mais uma vez e caído. Só esperava que tivesse sido nos últimos degraus. Não iria olhar para trás, por mais que quisesse. Estava tão irada que seria capaz de deixá-lo morrer ali se ele tivesse se esfolado inteiro.
Sentia o ar gelado da noite ultrapassar o tecido fino de seu vestido ao passar pelo portão externo, que irresponsavelmente estava destrancado quando ela chegara ali, também, quando ouviu os passos de alguém correndo desesperadamente e a voz de Dougie berrando seu nome.
-...- ela só olhou para trás para encará-lo entre as grades do portão que fechou na cara dele, acertando seu nariz e testa, e sentiu-se se feliz por causar uma parcela de dor nele que, mesmo sendo física e não equivalendo nem a um terço do desgosto que ela sentia, já valia alguma coisa.- Ai! -ele levou uma mão ao local atingido e contorceu o rosto em uma expressão retorcida, cambaleando para trás. –, me desculpa, não faz isso, olha...-ele ainda estava tentando colocar sua visão em foco, nem percebendo que já havia andado alguns metros.- ... -ele repetiu, ofegante, quando a alcançou, já um pouco afastada de sua casa e ainda chorando, mas agora silenciosamente.- Desculpa, por favor, eu não queria vomitar em você e...
Ele se calou ao perceber que ela parara de caminhar. De costas para ele, ela afundou o rosto nas mãos e virou-se para olhá-lo, revelando os lábios trêmulos e comprimidos. poderia ter iniciado um discurso irascível sobre como ele se comportara naquela noite, poderia ter perguntado se ele só sentia muito por ter vomitado no par de All Stars que ela calçava e que era o que menos importava em meio ao conflito todo, poderia tê-lo abraçado ali mesmo e o levado para seu apartamento, o colocado debaixo do chuveiro gelado enquanto chorava mais até se sentir cansada demais para fazê-lo, ou poderia ter lhe dado um cubinho de chocolate ou açúcar e caminhado com ele até a cama, mas, ao medir a silhueta embriagada, ofegante e cansada de Dougie de cima a baixo; ao analisar o vermelho se destacando mais que o azul-encantador em seus pequenos olhos, que pareciam ainda menores, e em seu rosto que costumava ser pálido, preferiu abraçar o próprio corpo, girar sobre seus próprios calcanhares e voltar a seguir seu rumo para a casa, ou para qualquer lugar, já que não sabia como voltar para o seu próprio lar andando.
Andaria mais rápido para qualquer lugar até que ele se cansasse mais e desistisse de segui-la no meio do caminho. Ele estava sendo bem resistente para quem estava tão bêbado e ela só queria que ele estivesse bem longe naquele momento, para que ela não fosse obrigada a hesitar em fazer tudo aquilo que pensara em fazer.
Os faróis de uma Mercedes CLK preta iluminaram a rua semi-deserta e quase cegaram quando dobraram a esquina. Mandando para o inferno a bronca que seus pais lhe dariam, instantaneamente ela desejou que aquele fosse o carro deles, que eles estivessem passando ali propositalmente, para salvá-la de seu medo em estar perdida, da insistência de Dougie, e para que pudesse ir para a casa, quentinha, segura e nunca mais precisasse vê-lo na vida, pelo menos não daquela forma calamitosa.
Como o ditado já diz: cuidado com o que você deseja, pois você pode conseguir. Foi exatamente isso que pensou quando, por pura sorte, talvez o único rastro da mesma naquela noite, o mesmo carro parou ao seu lado e o vidro escuro se abriu, revelando na direção a figura de um homem calvo que a encarava.
- Marie Cunningham!- o homem de estatura mediana exclamou a plenos pulmões ao sair do veículo e bater a porta estrondosamente. Era seu pai.
Ela não sabia se devia se sentir completamente aliviada ou mais desgostosa ainda por ouvir seu nome, que considerava horroroso e de muito mau gosto, sendo dito daquela maneira.
-O que foi que eu falei sobre festas dadas pela nossa família? Eu fui ao seu quarto pensando que você estava dormindo e onde é que a mocinha estava?
Droga, por que seu pai tivera que abrir a porcaria do dossel?
-Pai! -a garota saiu correndo em direção ao Sr. Cunningham e se jogou em seus braços, tentando amenizar seu nervosismo, que não devia estar pior que o dela.- Ah, papai, nunca me senti tão feliz em te ver!
Mentira. Ela se sentira mais feliz em ver o pai anunciando sua tão comentada festa surpresa de dezoito anos que ocorrera no ano anterior e onde, por ironia do destino, ela havia conhecido Dougie por intermédio da amiga da irmã dele, que também aparecera na festa querendo chamar mais atenção que a própria aniversariante.
-Princesinha, o que foi que eu te disse sobre namorar esse garoto? -ele apontou descaradamente para Dougie, que estava um pouco mais atrás, sendo atrapalhado pela tontura entre a sobriedade que queria alcançar e a embriaguez; na tentativa de encaixar os fatos em seu devido lugar, totalmente paralisado de medo ao notar a presença de seu sogro, que desejava mais que tudo não sê-lo.- Pensei que já tivesse sido claro sobre isso! Você estava chorando? -ele secou o rosto dela apressadamente com as mãos.- Isso é vômito, nos seus pés, ? Ele te fez chorar, Little ?
-Pai... Podemos conversar sobre isso depois, por favor? -ela pediu, decidindo não dar a mínima para os apelidos ridículos e em diminutivo pelos quais seu pai a chamava e para as milhares de perguntas sobre como seus pais sabiam onde ela estava e como haviam descoberto o paradeiro de seu indesejado namorado. No fundo até gostara de ouvir o reconfortante e familiar ‘Little ’.- Só me leva pra casa, okay?
O pai apenas assentiu com a cabeça e carinhosamente passou a mão pelos cabelos macios da filha, abraçando-a e deixando que ela entrasse por uma das portas dianteiras do automóvel logo depois.
-Escuta aqui, seu moleque – o Sr. Cunningham começou a falar, com o dedo em riste, em uma entonação que ficava entre o desprezo e a ameaça, passando a encarar Dougie com os olhos espremidos em uma expressão assustadoramente séria e intimidadora.- Se me disser que você...
-George!- a Sra. Cunningham gritou de dentro do carro, enquanto tentava de alguma maneira acudir a filha, após envolvê-la em um casaco felpudo e dizer que teria que desinfetar o interior do carro depois, já que entrara ali vomitada.
-O que foi, Marie?- o pai de respondeu impacientemente, sem se virar para olhar para esposa.
-Resolva isso depois, precisa ir pra casa! -ela concluiu e passou os olhos cheios de desprezo rapidamente por Dougie.
-Sr. Cunningham e-eu... Eu... -Dougie gaguejou quando George Cunningham voltou a lhe dar atenção. Se ele ao menos conseguisse pensar em palavras formais e adequadas para convencer o pai dela de que não havia nada de errado ali,só uma discussão comum entre casais que seria resolvida após uma conversa civilizada e pacífica entre ele e sua filha quando ele pudesse pensar mais claramente, que o vômito fora acidental... Mas tudo que conseguiu fazer, para mais uma vez estragar tudo e desejar não existir, foi virar-se e apoiar um braço em um muro, curvando o corpo para colocar todas as suas entranhas para fora novamente, emitindo um som nojento. Acidentalmente, também, é claro.
As últimas coisas que ele ouviu após limpar a boca com as costas da mão e antes fechar os olhos ao deslizar as costas no muro -caindo sentado mais próximo do que o adequado de seu vômito-, foram um muxoxo cheio de desdém de seu sogro, o cara a quem ele devia mais impressionar e sempre acabava fazendo o contrário desde a primeira vez em que haviam se cruzado; Marie Cunningham fazendo seu papel de mãe super protetora ao dizer: ‘, por que estava com o garoto corrompido de novo?’; um estralo da porta sendo batida e os pneus cantando rua afora.
Tudo agora parecia silencioso demais, embaralhado demais, desconfortável demais, dolorido e escuro demais. Será que Danny ainda estava chorando? Porque, se estivesse, ele queria juntar-se ao amigo e chorar mais do que ele, se agüentasse o peso do próprio corpo o suficiente para chegar até o terceiro andar novamente. Ele deveria, mas não tentou se levantar, a vergonha parecia pesar demais em suas costas para conseguir executar tal ação. Não lhe importava que ninguém estivesse observando, ele, de uma forma não muito clara e zonza, sabia que havia feito algo muito errado e aquilo era o suficiente para que ficasse imóvel ali, adormecendo não muito depois de ouvir uma voz conhecida, nasalada e desta vez acompanhada por tons de embriaguez chamar seu nome.
* Termo usado para designar a situação em que um grupo de homens sai para se divertir sem a presença de mulheres, sejam elas amigas ou namoradas.
abriu os olhos, imersa na meia-escuridão de seu quarto, se perguntando a quem pertencia a voz do além que sussurrava seu nome roucamente em seu ouvido enquanto estava parcialmente adormecida. Com um olho aberto e o outro fechado, moveu a cabeça para o lado e quase se sobressaltou ao ver um par de olhos verdes mais acordados que os seus a encarando. Desviou seu olhar para a franja loira, um pouco amassada sobre os olhos verdes, e se lembrou do que havia ocorrido. Não que ela tivesse bebido ou algo do tipo, mas seus neurônios sempre funcionavam mais lentamente após despertar.
Era só David, ela constatou. David estava deitado em sua cama, com uma mão em seu ombro e ela havia dormido com ele noite passada. Que... Divertido.
-Nanica, alguém está tocando a sua campainha sem parar - ele disse, com a voz mais grave e rouca do que o habitual e voltou a encostar a cabeça no travesseiro, sonolento.
-Estão, é? - ela perguntou mais para si mesma do que para ele. Sentou-se, passou uma mão sobre os cabelos em uma tentativa de ajeitá-los e ouviu o barulho da campainha soar repetidamente, um pouco mais alto do que deveria, provavelmente porque ela acabara de acordar. –Hum, certo.
Quem seria? Ela não estava esperando por ninguém naquele... Que dia era mesmo? Domingo, sim. Não estava esperando por visita alguma naquele domingo e, irritada, perguntava-se por que tinham sempre que acordá-la quando queria hibernar até as três horas da tarde ou mais.
Jogou o edredom para o lado, passou um dos braços por cima dos seios nus e percebeu que Dave a olhava mais maliciosamente do que deveria para quem havia acabado de despertar. Tanto ele quanto ela, que devia estar uma verdadeira cagada pós-sono. Porque ela mal conseguia abrir os olhos para reparar nele.
Será que ele tinha algum tipo de fetiche por garotas recém-despertas e que ao acordar tinham quase cem por cento de chances de parecerem mendigas assim?
Bem, pelo menos havia se lembrado de colocar a calcinha de novo.
Ela devia corar? Porque parecia estar sonolenta demais para isso e, além do mais, o quarto não estava tão claro assim para que ele pudesse reparar em cada detalhe de seu corpo. Não que ele já não tivesse feito isso há algumas horas antes, mas...
-Vai atender a porta assim? -ele perguntou, arqueando uma das sobrancelhas e a medindo de cima a baixo.
-Vou - ela respondeu, um tanto desnorteada e coçou cabeça, desgrenhando ainda mais seus cabelos que tentara inutilmente, então, ajeitar momentos antes. - Quero dizer, não vou, é claro que não vou, dã.
Cambaleando, foi até a sala, pegou a camiseta dois números maiores que estava vestindo no dia anterior e se encontrava no chão, ao lado do sofá, vestiu-a mais uma vez e caminhou até a porta. Por que a pessoa ainda não desistira de tocar a campainha e fora embora? Quanta petulância! Devia ser querendo encher o saco, ela sempre teria a liberdade para fazer aquilo e sabia disso, por isso insistia. Se fosse outra pessoa já teria dado o fora, provavelmente.
As duas conviviam juntas e eram melhores amigas há dois anos, desde quando havia se mudado para Londres aos 16, para viver com sua tia (que antes morava com ela ali, mas havia se casado e se mudado para outra cidade, também na Inglaterra, deixando o apartamento para ela) e descoberto que, coincidentemente, também era do Brasil. Haviam ficado íntimas tão rapidamente que estranharam o fato de terem que sair do país natal para se encontrarem, já que moravam na mesma cidade e não muito longe uma da outra lá.
morava em Londres há um pouco mais de tempo que , desde os catorze anos, porque seus avós paternos eram ingleses e sua avó, que também residia em Londres, ficara muito doente e seus pais optaram por mudar-se para lá para cuidar desta antes que ela falecesse, como havia ocorrido um ano antes de ela conhecer . Descobrira ser seis meses mais nova do que ela e escolhera ficar na cidade e construir uma vida ali, após a morte de sua avó, enquanto seus pais voltavam para o Brasil e seu avô, com quem ela não falava muito porque nunca desenvolvera uma afinidade por motivos que ela mesma desconhecia, continuava vivendo na casa onde até um tempo morava com sua avó. Ela não o via muito e somente o visitava ocasionalmente, como perto de datas comemorativas.
A amizade delas evoluíra tão rápido que ao completar 18 anos estava se mudando para o apartamento à frente do de . Para o apartamento à frente porque ela mesma insistira nisso - quando ofereceu dividir o aluguel-, usando uma teoria maluca de que se convivessem sob o mesmo teto a amizade ia ficar desgastada, fora que se morassem ‘separadas’ a privacidade com os homens seria maior. Mas não dava quase na mesma ela morar na frente e uma ficar enfurnada ou batendo à porta do apartamento da outra a quase todo momento?
- Bom saber que você aprendeu a tocar a campainha, hein, colega? - falou, sonolenta, ao constatar que sua hipótese era certa e pegar a caneca roxa e fumegante que lhe estendia enquanto ria de seu comentário.- Cappuccino? - assoprou o líquido na caneca e afirmou com a cabeça, sorrindo amistosamente. - Ah, legal saber que você ainda continua útil! Porém, lamento saber que você continua não tendo respeito pelo sono dos outros. - riu novamente, sarcástica. - Eu pretendia dormir até as três da tarde hoje, sabe? Tenho que ter energia para as provas finais, elas já começam na quarta-feira! - ela deu espaço para a amiga entrar e fechou a porta logo depois, andando atrás de que ia até o sofá e sentava-se nele.
- Você tá bem engraçadinha pra quem acabou de acordar! E sua camiseta está do avesso. - A mais velha deu de ombros e bebeu um gole do cappuccino em sua caneca azul.- E já são três e meia agora, .
- São? - ela franziu a testa e apontou para o relógio que ficava ao lado da TV, na estante cheia de módulos cúbicos. - Que seja.
- Você já começou a estudar? - perguntou, vendo negar e se sentar ao seu lado. - Nem eu, haha!
cursava artist management na London University e cursava fotografia na Westminster.
- Não preciso estudar, sou um gênio - gabou-se , ensaiando uma careta soberba, e revirou os olhos. - E quem se importa, baby? - perguntou. - Daqui duas semanas o verão escaldante da Inglaterra estará presente e todo lugar nessa cidade estará gritando ‘SUMMER, SUMMER!’ a plenos pulmões.
riu, sacando a ironia no comentário da amiga. Ambas sabiam que o verão na Inglaterra não era tão quente assim, embora alcançasse temperaturas bem altas às vezes. Agradeciam ao clima local por isso ao se lembrarem do quanto detestavam derreter no calor insuportável de seu país.
Bem, as coisas estavam mudando com toda a história de aquecimento global.
-O que te traz até aqui?
-O que você acha? - perguntou, levantando as sobrancelhas e olhando significativamente para a amiga.
-Aaaah, sim, você saiu com o buraquinho! - riu e fez uma careta para o apelido que a amiga ,para variar, inventara. - O que vocês fizeram? Tiveram uma noite agradável de sexo tórrido e sem compromisso, han, han? - sorriu provocativamente e moveu as sobrancelhas de uma forma divertida.
-! - a repreendeu. - Você só fala absurdos, garota!
-Isso não é absurdo! - a outra bebeu um gole do cappuccino cuidadosamente, por ainda estar muito quente. - É bem legal, pra ser sincera. - revirou os olhos novamente quando mexeu as sobrancelhas de maneira insinuante.
-Que seja, prefiro ignorar esse seu comentário. - A última sorriu cheia de desdém. - Não teve nada de sexo tórrido e sem compromisso - gemeu lamuriosamente, o que ignorou também -, ele me levou para ver Wicked!
-É mesmo? - se moveu bruscamente e por pouco não derramou o líquido de sua caneca na perna da amiga. - Mas que gracinha de menino culto! E como ele sabia que você gostava de musicais?
-Ele não sabia.
-Uau, vai ver ele tem o sexto sentido mais aguçado. Talvez ele tenha até premonições! - a encarou, cheia de desprezo, e depois balançou a cabeça negativamente. - E aí, o que aconteceu depois?
-E aí a gente não entrou pra ver o espetáculo e eu disse: “Tom, be my wicked boy tonight" e o agarrei. - parou com a caneca a meio caminho da boca e a observou, não sabendo se acreditava em tamanha besteira ou não. - É brincadeira! - sorriu cinicamente e desatou a rir.
-Foi o que imaginei - respondeu.
-Como vai, ? - escutou uma voz muito familiar dizer e olhou para trás, constatando que esta vinha de Dave e que este andava em sua direção, para lhe cumprimentar com um beijo na bochecha; cheirando a sabonete, com os cabelos parecendo mais escuros, e grudados em sua testa por estarem molhados. - Quer dizer que você tá de caso com o cara da banda, então? – ele continuou a falar, denotando que havia escutado parte da conversa.
-É o que parece - ela replicou e o viu se direcionar para a pequena cozinha. De forma indagativa, olhou para , que agora observava um ponto qualquer do cômodo e sentia as bochechas escarlates enquanto coçava nunca, sem saber muito o que dizer, desconcertada.
Ela tinha até se esquecido de que Dave estava no seu quarto - afogada em curiosidade para saber como havia sido a noite da outra garota ali.
-Estou pegando esses aqui pra mim, ! - Dave disse, fechando a porta do armário na cozinha após tirar dali um pacote de cookies de chocolate. Ele voltou até onde as duas estavam e se inclinou para dar um beijo na testa de , passando a mão por sua bochecha e riu ao notar sua camiseta do avesso. - A gente se vê. Tchau, ! - ele sorriu e passou por esta última bagunçando um pouco seus cabelos carinhosamente. – Depois quero saber sobre você e o Backstreet Boy! - finalizou antes de bater a porta ao sair do local.
-Tonto - resmungou e voltou sua atenção para , apontando para trás como quem exigia uma explicação. Ela suspirou e crispou os lábios, sem graça.
- Olha, você começou a contar primeiro, será que poderia terminar e aí a gente pensa no indivíduo que acaba de deixar o recinto depois?
“Oi, você ligou pra e eu não posso atender agora porque com certeza devo ter mais o que fazer, rá. Você pode deixar um recado e, se eu quiser, te retorno quando puder. Ah, e se você for o Poynter, eu quero que você morra antes mesmo que eu precise te matar, xoxo"
Era tarde de segunda-feira e Dougie andava de um lado para o outro na recepção dos escritórios da Prestige Management, em Londres, onde ele o resto de sua banda estavam resolvendo assuntos relativos à sua próxima turnê, que ocorreria em poucos meses.
Não sabia ao certo quantas vezes havia escutado aquela mensagem recheada de arrogância da caixa postal da linha residencial e particular de nos últimos dois dias. Na tarde do dia anterior até fizera uma tentativa de contar, riscando pequenos traços em um bloquinho de post-it, mas desistiu assim que percebeu que aquilo só estava aumentando sua agonia. Se resolvesse contar também o número de vezes em que havia escutado a mensagem da caixa postal do celular dela, que atualmente dizia: ‘Se você for o Poynter, é exatamente isso porque não estou atendendo.’, as estatísticas seriam humilhantes.
Quando acordou na manhã do domingo, por mais que quisesse se lembrar do que havia feito claramente, não conseguia. Era como se uma nuvem negra estivesse nublando tudo dentro de sua mente.
Por que ainda insistia em ligar para se sabia que ela não o atenderia nem se quisesse? Por puro orgulho, ela podia muito bem fingir que não queria mais nada com ele, mesmo quando o desejava com todas as forças, só para não dar o braço a torcer. Mas também sacara que ela devia estar se importando com ele o tanto quanto ele estava se importando com ela. Se não estivesse, com certeza não se preocuparia em reservar meias ou inteiras partes de suas mensagens automáticas para ele. E isso parecia ser exatamente o que o estimulava a ligar cada vez mais.
Devia é estar ligando para um número da ajuda espiritual, ou talvez para um onde pudesse se matricular em um curso que o ensinaria como parar de agir feito um canalha perto de sua namorada de primeira classe, talvez isso até existisse realmente. Nota mental: informar-se sobre aquilo urgentemente.
Sabia que devia ser corajoso o suficiente para ir atrás dela pessoalmente, como Tom, Danny e Harry haviam lhe sugerido. E segundo o conselho de sua irmã, devia ser corajoso o suficiente para ir até a casa dela e enfrentar quaisquer tipos de obstáculos, como o sistema de segurança que talvez havia; o mordomo caduco, mas esperto de quem ela sempre falava; e os empregados, todos provavelmente já previamente avisados que sua presença ali devia ser impedida de qualquer jeito. Não que ele costumasse aparecer na mansão dos Cunningham freqüentemente, mesmo porque ninguém ali o queria muito bem (muito menos sua namorada, no momento), mas sabia que , se a conhecia o quanto achava que conhecia, não mediria esforços para mantê-lo o mais longe possível de onde estivesse naquele momento.
Deveria ser corajoso o suficiente para enfrentar George Cunningham e talvez se redimir na frente dele, mas deixar claro que não era o merdinha que ele pensava que era e que sua filha o merecia tanto o quanto ele a merecia. Okay, talvez não tanto depois dos últimos acontecimentos vergonhosos que o próprio George havia presenciado, mas mesmo assim, ele podia dar um jeito naquilo. Não lhe faltava vontade, ele só estava sendo altamente dominado pelo medo e ainda não havia reunido forças o suficiente para ganhar a batalha contra ele.
-Dougie, está com algum problema? - Ele ouviu a pergunta de Tracey, a recepcionista que antes, por cima dos óculos de armação coloridamente divertida, o observava roer as unhas e rodar pela sala em círculos com o celular no ouvido, de forma furtiva e curiosa.
-Na verdade, Tracey - Dougie parou do outro lado do balcão onde ela se encontrava e fechou o flip do aparelho celular em sua mão, ouvindo o mesmo clique pela enésima vez naquele dia. -, estou. Estou precisando de ajuda. - ele se sentou na poltrona vermelha e confortável em frente à ela. -Você é uma garota - ele fez uma pausa e ela o encarou, sem entender nada. Obviamente ela era uma garota! - É. Até onde eu sei, você é uma legítima garota, então você pode me ajudar dizendo como--
-Dougie, você ainda faz parte da banda e nós precisamos de você, se você não se importar. - disse Tommy, um dos managers do McFly, apontando para trás antes de dar meia volta e seguir o caminho para voltar para a sala de reuniões de onde saíra.
-A gente conversa depois. - Dougie piscou para Tracey, que sorriu e seguiu as pegadas de Tommy pelo corredor.
Por mais que quisesse e tentasse ignorar, a burrada que fizera com não saía de sua cabeça. E sabia que quanto mais tentasse esquecer aquilo, mais se lembraria, porque tudo funcionava ao contrário quando o assunto eram os relacionamentos amorosos. Mas ele não queria esquecer realmente, não queria que ela ficasse magoada com ele, por mais que a detestasse e desejasse terminar tudo às vezes. Aquilo fazia parte de uma coisa muito mais complexa que ele ainda estava tentando entender. Tudo o que podia compreender no momento era que aquela história estava o afetando demais e não o deixava fazer nada direito quando se tratava de trabalho, ou até mesmo coisas corriqueiras, como tentar não vestir as roupas do avesso ou não cair ao levantar do sofá. Tinha que calcular cada passo que desse para consertar a situação e queria saber até onde poderia suportar aquilo sem acabar estragando tudo ainda mais.
Quatro muffins: dois de banana com pedaços de chocolate e dois transbordando chocolate. Quatro muffins cheirosos, fofinhos, enormes, deliciosos e com tão boa aparência que causavam pena em quem quisesse comê-los. Era isso que continha a pequena sacola de papel pardo timbrado com o logo da Starbucks que , enquanto ainda esperava seu Morango com Java Chip tamanho venti e se entretinha com um folder sobre cafés, pegara da mão de um atendente especialmente feio e desengonçado que, atrás do balcão e dentro de um avental verde, cumpria seu turno no número 289, parcialmente cheio, da Camden High Street. Aquela loja da Starbucks era uma das que ela mais gostava e sua fachada lhe lembrava um castelo, só que, no lugar da pedra fria e tosca, haviam paredes polidas e impecavelmente beges, exceto por algumas manchas e pichações em um canto ou outro.
-Obrigada! – redobrou o folder, agradecendo o atendente. Pegou seu venti sorrindo da forma mais amigável que podia e tentando não reparar ainda mais na feiúra deste. Por que pessoas feias sempre pareciam chamar a atenção das outras tanto quanto as extremamente bonitas? Era um tipo de pergunta relativa demais para que ela pensasse em uma resposta imediata.
Sua intenção, no momento, era sair dali e seguir até a estação de metrô mais próxima, acabando com o conteúdo do maior copo que a Starbucks podia lhe vender no meio do caminho e guardando os muffins para comer quando estivesse em casa, limpa e tão cheirosa quanto os mesmos, dividindo-os com entre um assunto e outro.
Teria seguido seu rumo tranquilamente se, quando se virava de costas para o balcão da retirada de pedidos, um empecilho, que ela constatou ser não tão desconhecido, não houvesse a surpreendido de uma maneira muito parecida com a da primeira vez em que entrara em seu caminho.
Como primeira reação, piscou os olhos rapidamente, mal acreditando no que –ou melhor, em quem- eles viam. Arregalou-os ligeiramente, encarando o par azul-quase-transparente da figura à sua frente, que correspondia seu olhar da mesma maneira surpresa enquanto desencostava delicadamente as pontas dos dedos de seus ombros. Sua segunda reação foi abrir a boca para dizer algo, mas falhou, fechando-a novamente, incerta sobre o que pronunciar.
Danny Jones de novo e em Camden Town? Mas o quê...?
- Desculpa - ambos disseram em uníssono e riram depois, sem graça. - Está tudo bem - repetiram as mesmas frases e ações e ele coçou a nuca.
Um silêncio centesimal, mas longo o suficiente para ser constrangedor, se instalou entre ambos.
- Então... Não achei que você fosse o tipo de pessoa que freqüenta esses lados da cidade - se decidiu por falar, tentando soar simpática e quebrar a barreira da tensão entre eles. Danny riu.
- É, bem, é legal dar as caras por aqui de vez em quando. Eu vim com o Harry procurar algo, que já nem me lembro mais o que era, pro Dougie, mas ele ainda está circulando pelas lojas e vai vir encontrar a gente depois. O Harry tá logo ali - O garoto apontou para o amigo, bonito de doer os olhos na opinião dela, que estava na fila prestes a fazer seu pedido e atraía o olhar rápido de algumas pessoas no local, assim como o próprio Danny. - Acabei comprando uns casacos bem legais em umas lojas por aí. - Eles estavam quase no verão e, enquanto tentava desviar o olhar de Harry para o cara que se dirigia à sua pessoa, a tentação de lhe perguntar por que havia comprado casacos a pinicou, mas deixou passar. Talvez ele aproveitasse liquidações ou algo do tipo, vai saber. E casacos eram sempre uma boa compra quando se vivia no clima temperado oceânico de Londres.
- E você, o que faz por aqui? – ele perguntou.
- Ah, eu vim resolver algumas coisas da faculdade aqui perto. A gente entra de férias no final desse mês, vamos ter uma semana a mais de folga. Últimas semanas, sabe como é. – Ele não sabia, pois nunca havia pisado em um campus de faculdade com a pretensão de cursar alguma coisa, mas mesmo assim optou por assentir, mostrando algum tipo de compreensão.
- E o que você cursa? – Ele parecia interessado.
-Artist Management. – Ela colocou o copo de plástico cheio de frappuccino sobre o mesmo balcão onde estava antes e percebeu duas garotas, que estavam sentadas ao lado de uma das janelas que tinham vista para o Regent’s Canal, apontando para Danny e Harry, abafando risinhos com a mão, do jeito que quase todas as garotas de sua idade faziam quando estavam cochichando sobre alguma outra garota igualmente tonta ou sobre caras lindos. Sobre caras muito lindos e famosos, mais especificamente, no caso.
- Uau, realmente legal! - Danny se empolgou, ou pelo menos era o que parecera a ela. estava mesmo se revelando tão cool quanto ele achara da primeira vez. Notou que já estava começando a sentir a mesma inquietação no estômago; adrenalina, ou qualquer coisa que fosse aquilo que o dominara antes do acidente nasal.
- E o seu, hm... Nariz? - a garota perguntou, parecendo ler a palavra ‘nariz’ em seus pensamentos.
Como se sua melhor amiga não tivesse lhe informado sobre aquilo no começo da semana anterior! Mas não era necessário que ele soubesse que ela havia falado nele mais do que devia nos últimos dias, era? Não, com toda a certeza, não e não.
- Está bem melhor. - Danny disse, levando o dedo indicador esquerdo ao nariz e franzindo-o.
- Isso é muito bom... De se saber. É, sim. É. - ela soou tensa, sorrindo amarelo.
Era bom saber que ele não estava mais tão irritado com ela tanto quanto quando ela tentara expressar a sua culpa, na noite em que se conheceram.
- Olá! - cumprimentou Harry, parando ao lado de Danny.
- Oi – respondeu, tentando não sorrir tanto quanto tinha vontade e parecer idiota em reação ao nervosismo que a beleza imponente de Harry lhe exercia.
- Hey, Harry! Essa aqui é a , a garota sobre quem eu... – Ops! Melhor omitir aquela parte para não fazê-la se sentir muito importante. Porque, até onde sabia, ou pelo menos pensava saber, garotas adoravam ter a mania de achar que, só porque um cara falara delas para os amigos, estavam apaixonados, hipnotizados, talvez obcecados, e todas as outras coisas do tipo. - Essa é a - sorriu, amistoso.
- Muito prazer – Harry disse com sua voz ligeiramente nasalada, sorrindo casualmente e estendendo a mão para a garota, que a apertou quase imediatamente.
- O prazer é meu – sorriu do mesmo jeito.
Que bom que Danny parecia distraído demais com seu próprio ponto de vista da situação para notar que ela estava tendo problemas para tirar os olhos de Harry. Isso até, numa fração de segundo, o último arquear as sobrancelhas e contrair os lábios, desviando o olhar para qualquer outro ponto aleatório que não envolvesse , como o cara que estava saindo para se acomodar nas mesas ao ar livre, ao lado da esposa, mais agasalhado do que deveria para o tempo que estava fazendo do lado de fora, dizendo a ela: ‘Eu só sou precavido! Estamos em Londres, querida, o frio e a chuva podem nos atingir como uma pesada bala de canhão a qualquer momento!’.
Bala de canhão? Turistas!...
Tão rápido quanto Harry, ela sentiu suas bochechas quase se derreterem e voltou a olhar para Danny, querendo enfiar a cabeça no saco junto com os muffins. Ótimo, agora ele devia estar achando que ela intentara dar em cima dele e era algum tipo de biscate muito da barata. Ela não tinha culpa nenhuma se ele era absurdamente lindo.
- É, certo. Hum... Legal te ver de novo, Danny, mas eu realmente tenho que ir - disse, constrangida com a anterior situação paralela e prevendo uma futura falta de assunto. Queria pular fora daquela conversa inesperada, aleatória e cortês o mais rápido possível, mas ao mesmo tempo queria permanecer ali. Disso, ela não sabia o porquê. Havia algo muito cativante pairando no ar. – Tchau!
Quer vir comigo?, ela mordeu os lábios, se controlando para não sugerir aquilo. Porque você está inegavelmente amável com essa franja pulando pra fora dessa touquinha com pompons!
Ah, o algo cativante era o próprio Danny. E seu amigo lindo também. Claro que sim, mas que idiota era, pensava.
- Não, espera! - ele pediu, falando um pouco mais alto e assentiu para Harry, que disse que ia esperá-lo em uma mesa do lado de fora e saiu, acenando em despedida para . - Talvez a gente pudesse... É... Você sabe, talvez a gente pudesse se ver de novo, qualquer dia desses. - Ele corou.
Silêncio breve para tentar não deixar seu corpo mostrar sinais de todos os seus conflitos internos se duplicando ao ouvir as palavras de Danny, ao mesmo tempo em que fazia seu cérebro trabalhar muito rápido em uma resposta plausivelmente não impulsiva.
- É, ia ser legal. – ela concordou com a idéia repentina dele, percebendo agora que, apesar de todas as suas reações cerebrais, estava mesmo era sem reação. Como assim ele resolvia fingir que nunca havia conhecido-a ou que não tinha o número de seu celular durante quase duas semanas e depois decidia sugerir que se encontrassem? Queria realmente poder compreender a mente dele, que no momento lhe parecia um pouco indeterminada demais.
não tinha noção de que, de alguma forma, ele achava que tinham que terminar o que haviam começado. Porém, ela achava que tudo já havia terminado antes mesmo de começar, naquela sexta-feira. Até ele lhe dizer aquela última frase, claro. Mas algo em sua cabeça insistia em lhe querer fazer acreditar que Danny não mais se manifestaria em sua vida se não se encontrassem novamente, por acaso, como estava ocorrendo.
Pensando bem, devia deixar toda a estranheza do caso para trás, a idéia era até razoável se levasse em consideração somente toda a graça dele.
- Você tem meu número - provocou e sorriu de canto cinicamente, ainda que tentasse disfarçar. Nem morta pediria o número dele, porque sabia que se lhe desse e não aparecesse novamente, iria querer ligar para ele. A tentação seria mais irresistível e achava que se telefonasse para o affair famoso, enquanto ele provavelmente estaria começando a pensar em qualquer outra garota, pareceria chatamente desesperada. Ou não? Porque, aparentemente, ele era o mais interessado ali.
Aparentemente.
- É, eu tenho - ele concordou, corando mais ainda e interrompendo brutalmente todos os pensamentos conflituosos pertencentes à . - Eu te mando uma mensagem ou algo do tipo. – disse, confirmando algo que dissera a ela na semana anterior.
- Ok. Vejo você então. - ela disse por fim e, impensadamente, deu um beijo de despedida em sua bochecha. Logo depois quis enterrar a cabeça no chão, invejando todos os avestruzes do planeta, ao vê-lo um tanto desconcertado e surpreso, lembrando-se de que não estava mais em seu país para cumprimentar alguém não tão íntimo daquela maneira. Ingenuamente não percebera que o constrangimento de Danny não se devia completamente ao fato de aquilo ter sido inesperado. Muito menos ele.
No entanto, talvez eles estivessem mais íntimos do que a garota podia perceber. Ou não. Mas bem, talvez pudessem entender tudo, talvez, se aquilo passasse a não aparentar ser tão estranho depois da tal próxima vez, que agora era como um ponto de interrogação verde-limão berrante quicando sobre a cabeça dela.
Previsível. Se digitasse “previsível" na ferramenta de busca do Google, alguns segundos depois palavras em vermelho e azul-itálico sugestivos apareceriam na tela, formando a mensagem:
Você quis dizer: Danny Jones.
Era uma quinta-feira e já fazia três dias desde que ela havia o trombado em Camden Town; Já fazia três dias que ele havia dito que ia chamá-la para sair; Já fazia três dias que ela saíra dali acreditando nele com um pé atrás, mas querendo muito acreditar que ele o faria de verdade, porque o achava agradável e da primeira vez ele não dissera que ia aparecer, então ele não precisava necessariamente aparecer, ela quem estava complexada demais.
Mas, agora que o universo conspirara para que se encontrassem novamente e Danny havia dito que ia dar sinal de vida, então, ele necessariamente precisava dar sinal de vida. Não queria duvidar que ele o faria, mesmo sabendo de tudo aquilo que pensara na semana anterior sobre caras ligarem ou não. Entretanto, tudo o que conseguia associar ao nome dele quando este irrompia em sua mente como uma janela pop-up era “previsível". Devia escrever cartazes que berravam “Eu Já Sabia!" em vermelho vivo e espalhá-los por todo seu apartamento. Devia até escrever aquilo na própria testa! Coisas idiotas para se lembrar do quanto estava sendo mais idiota ainda em permitir-se ficar apreensiva e se importar daquela maneira.
Falava exatamente sobre aquilo para Reddie - que já sabia a história toda de cor, podia até contá-la de trás para frente se quisesse, e estava ouvindo-a choramingar pela enésima vez desde que a vira no dia sucessor aos fatos - enquanto eles rumavam lentamente, lado a lado, para a uma estação de metrô, após encerrarem o expediente na livraria e comerem algo em uma deli próxima dali.
- , eu estou estranhando sua atitude, amorzinho. - Travis opinou enquanto atravessavam a rua. - Você nunca ficou esperando um cara ligar assim, antes! Era uma questão de distração maior pra você esquecer, mas o Danny, você nem sequer o beijou e é a segunda vez que fica na mesma situação por causa dele!
- Mas ele disse que ia me ligar! - defendeu-se , em uma tentativa de fazer a si mesma, além do amigo, achar que não estava super-reagindo. - Ele disse que me ligaria, ou que me mandaria uma mensagem.
- E quantas vezes os outros não te disseram o mesmo e você ficou tão tranqüila quanto um coala? - o outro contra-atacou com uma comparação imbecil, olhando-a significativamente.
- Tem razão - ela se rendeu, após uma pausa na discussão para refletir sobre o que ele dissera. - Você está certo, eu estou super-reagindo. - suspirou. - Só é... Igual demais e eu queria que fosse diferente, porque ele sempre me parece diferente, não sei. Ele está sendo previsível. – Travis soltou uma exclamação e colocou uma mão sobre a boca.
Não sabia exatamente o que, mas algo em Danny movia montanhas dentro dela. Não que ela ficasse tão tranqüila assim quando se tratava de outros cara, mas ele a deixava mais ansiosa do que o necessário. Talvez o fato de ele ser famoso? Nah, provavelmente era culpa do sorriso bonito dele. Mas ela já tinha ficado com outros caras de sorriso bonito. Ok, não sabia o que era e pronto.
- Jura? E qual é a novidade?
- Eu sei, todos eles são tão previsíveis - ela concluiu, ignorando o comentário dele. -E você não devia estar dizendo isso, a sua opção sexual se distingue da maioria dos seus instintos, mas você ainda produz testosterona. Resumindo: você é um deles!
- Mas aqui a previsão funciona diferentemente, tesãozinha! - ele disse e ela riu.
Estava pronta para perguntar como funcionava a previsão quando ele era o assunto quando sentiu o celular vibrar em sua enorme bolsa de tecido roxo estampado com estrelinhas douradas. Retirou o aparelho de dentro dela, passando a caminhar mais devagar e não reconheceu o número que piscava no visor externo enquanto Nic Cester cantava enfaticamente o refrão de “Are You Gonna Be My Girl?".
- Alô? - ela atendeu, após abrir o flip do aparelho, percebendo que Travis já passara a acompanhar seu passo lento e agora a observava mais atentamente.
- Oi! - uma voz rouca e masculina disse do outro lado da linha. – É a ?
Já estava pronta para ser curta e grossa dizendo que, uma vez que a pessoa discara o seu número, devia saber para quem estava ligando quando lhe ocorreu quem poderia ser. Demorou, !
-Quem é? - ela foi direta.
-É o Danny aqui.
O corpo travou, o sangue congelou em suas veias, a boca secou e os cinco sentidos pareceram estar super aguçados, tudo no mesmo segundo. Engoliu em seco e parou de andar. Reddie a imitou e ela pôde ler seus lábios, que perguntaram silenciosamente: ‘É ele?’. Ela apenas assentiu, começando a chacoalhar agitadamente a mão desocupada, com uma expressão ao mesmo tempo perdida e estupefata.
Ai, meu Deus, estava prestes a hiperventilar! Ele estava mesmo ligando! Ela duvidara o tempo todo (embora sentisse a esperança brincar com sua dúvida) e agora ele estava li-gan-do!
Mensagens de texto uma ova, hahaha.
- Hey, ainda está aí? - a voz dele soou novamente e então ela percebeu que estava em silêncio, demorando tempo demais para responder.
- ESTOU! - ela gritou sem querer, completamente eufórica, ainda sacudindo a mão que não segurava o aparelho. Travis somente ria, balançando a cabeça negativamente. - Quero dizer, estou, é claro que estou. Eu sou a , é. E Você está falando comigo e... – Okay, , hora de começar a fazer sentido. Respira direito, respira direito, porcaria! - Olá, Danny! E aí, tudo bem?
Nota mental: transferir Danny Jones para a lista dos imprevisíveis.
Segundo os cálculos longitudinais baseados pelo Meridiano de Greenwich, eram exatamente duas e meia da madrugada quando os garotos do McFly, , , Fletch e mais dois amigos dos meninos chegaram ao monumento misterioso de Stonehenge, e se depararam com uma verdadeira multidão de malucos de todos os tipos festejando a chegada da estação mais quente; esperando pelo nascer do Sol no solstício de verão, o dia mais longo do ano.
No meio da bagunça que hospedava gente de todos os lugares do mundo com seus tambores, gaitas-de-fole, rituais religiosos, hippies e druidas de verdade, celtas, bruxos, gente fantasiada só para entrar mais a fundo no clima e meros curiosos, o grupo de amigos que havia chegado ‘atrasado’ resolveu não ficar no meio de toda a aglomeração próxima às pedras gigantes e estrategicamente posicionadas sabia-se lá por quem, optando por montar seu próprio semi-acampamento na imensidão gramada que se estendia além do apinhado de gente.
Os primeiros planos de cada um dos nove naquela noite não era estar ali. e Tom, que agora se encontravam sempre que seus horários permitiam, estavam planejando seu próprio encontro individual, assim como Danny, que ligara para um dia antes e tinha os mesmos propósitos em mente. Mas Fletch, Harry – que estavam solteiros - e Dougie – que estava temporariamente ou indefinidamente solteiro - estavam reunidos e vieram com a idéia de Stonehenge, na última hora, fazendo a cabeça de Tom e Danny para seguirem seus caminhos, levarem junto às garotas e chamarem mais alguém se quisessem.
Eles acabaram escolhendo Antony Brant e Tom Hopper, que estavam cheios de fogo no rabo tanto quanto os três idealizadores e, sem nada a perder, toparam ir também. As coisas foram arrumadas e compradas às pressas e eles partiram pouco depois das onze da noite, divididos nos carros de Danny e Fletch, guiados por faróis cegantes, piadas estúpidas e aparelhos de GPS que mais atrapalharam do que ajudaram.
Quando, pelo telefone, Danny propôs a idéia à , pedindo a ela para avisar , ela relutou. Sua intenção naquela noite não era, nem um pouco, ter que se juntar a um monte de homens, gente maluca, no meio do nada e num frio do caramba, quando queria finalmente definir sua situação com somente um deles. Ele já havia adiado aquela porcaria de encontro por uma semana e ainda queria envolvê-la em um passeio em grupo? Mesmo assim topou entrar no programa-surpresa e sua amiga, que deu o cano no trabalho, acabou por fazer o mesmo.
Quase uma hora depois de chegarem, e após uma tentativa frustrada de acender uma fogueira para reforçar o aquecimento das mantas e agasalhos grossos que vestiam para quebrar o frio do clima contraditório da Inglaterra. Tom tentava fazer os amigos prestarem atenção em sua explicação das várias teorias da construção de Stonehenge, e agora contava uma de suas preferidas, que envolvia extraterrestres e seus OVNIs.
Todavia, sua tentativa não estava dando muito certo, porque as únicas que pareciam realmente interessadas eram e . Quando não estava engolindo cerveja, Danny bocejava em intervalos muito pequenos de tempo, provavelmente deixando cada palavra do amigo entrar por um ouvido e sair pelo outro ao se distrair e rir de qualquer coisa diferente que via e considerava fora dos padrões. Fletch, Hopper e Harry estavam envolvidos em algum jogo de baralho que os obrigava gritar e dar sustos em todos os outros acordados. Todos os outros acordados porque Dougie estava desmaiado na grama, sob um cobertor felpudo que as meninas haviam se preocupado em colocar sobre ele.
- Algumas pessoas acreditam que as pedras serviam como pista de pouso pros OVINIs - Tom seguia com seu discurso, com um braço contornando o pescoço de , gesticulando com as mãos. - Outros acreditam que possa servir de portal pras outras dimensões e--
- Ele está blefando, tá blefando, cara! - Hopper gritou, interrompendo Tom e apontando para Harry, que apenas bebeu um gole de sua cerveja, risonho, e arrotou alto em resposta, tragando o cigarro que segurava logo depois. , que estava sentada ao lado de Danny, se sobressaltou. - Seu trapaceirinho de meia tigela!
A última frase de Hopper despertou um ataque de risos escandalosamente sonoros em Danny e que, achando a gargalhada dele muito original e engraçada, começou a rir também. Logo ela já estava com a cabeça quase encostada na grama e ele estava rolando nela, de tanto rirem. E o cara nem tinha dito nada tão engraçado assim...
- Não acho que eles estejam muito interessados nas suas teorias, Tom - disse e Tom desviou seu olhar, que antes desdenhava sobre Danny e , para a expressão de pena dela. - Acho que vou tirar umas fotos por aí. - ela se desvencilhou dele e estendeu o braço para pegar sua mochila, onde estava sua câmera. - Quer vir junto?
Tom percorreu os olhos castanhos pelo seu grupo de amigos alterados e notou que o outro casal, ou quase casal, presente, estava iniciando algum tipo de conversa particular, ainda muito risonho, e decidiu que, no momento, seguir seria a melhor opção. Ele apenas assentiu e, segundos depois de fitá-la fechando sua mochila do Jack Skellington, foi puxado por suas mãos, tão frias quanto as dele, ficando em pé.
- Nós estamos indo para outra dimensão com os ETs, adeus. - Tom anunciou, mas novamente ninguém, nem os insetos escondidos na grama, pareceram lhe dar muita atenção. - Ah, que se fodam! - riu e ele deu de ombros, segurando a mão da garota, que passou a guiá-lo, se aproximando cada vez mais do tumulto.
- Seus olhos deviam ser câmeras! - Tom disse, um pouco atrás dela, após algum tempo a acompanhando; os dois se afastando como podiam da batalha de corpos perto das pedras, que mais parecia uma pista de show. Ela fotografava quase tudo o que presenciava, como pessoas subindo nas pedras; sendo presas e/ ou advertidas por pequenos delitos; carregando objetos estranhos e até mesmo caindo de bêbadas. Estava um tanto fascinada, e agora se ocupava em focar o céu que ficava cada vez mais claro. - Ia facilitar, e muito, o seu trabalho!
- Às vezes eu realmente queria que eles fossem! - ela riu, dando mais um clique. – Mas quem sabe eles não inventam um dispositivo do tipo? Talvez de design bem semelhante àquela coisa do Olho-Tonto Moody?
- O do Harry Potter? - ele perguntou, aproximando-se um pouco mais dela.
- É - ele riu e ela, rindo também, fotografou um cara que passava por eles vestido de Mago Merlin e posou para sua câmera. – É a primeira vez que eu presencio esse acontecimento quando eu já devia ter feito isso há muito tempo, me dá um desconto!
Eram quase quatro da manhã quando o Sol começou a sair de seu esconderijo. As nuvens se tornaram mais distintas e as pessoas começaram ir à loucura mais ainda - se é que era possível - gritando em comemoração, insanamente pulando em cima e de cima das pedras. passou um dos braços por baixo dos de Tom, que colocou um dos seus em volta do pescoço dela.
- Vamos tirar uma, juntos! - ela aproximou seus rostos e posicionou a câmera à frente deles. - Pronto? Um, dois, três. – Ela apertou o botão e eles ouviram o barulho quase imperceptível das lentes capturando a imagem.
Ela se soltou do abraço, apertou algum outro botão na câmera e imediatamente a foto recém-capturada apareceu, nítida, no visor.
- O que você acha? – pediu a opinião dele, colocando a câmera em uma posição que ele pudesse enxergar a fotografia.
- Eu acho que você é muito boa nisso, me fez até sair bonito na foto! - ela gargalhou brevemente e colocou uma das mãos sob o queixo dele, segurando-o, e descansando o braço que segurava a câmera.
- Pois eu acho que você ainda é melhor pessoalmente. – concluiu, com um olhar aliciador, e colou seus lábios nos dele delicadamente.
Não muito longe dali, Danny e haviam se afastado dos outros quatro restantes em seu grupo e pareciam dois retardados mentais dançando extravagantemente e totalmente fora do ritmo ao som dos tambores que alguém tocava por ali.
Desde que haviam se encontrado naquela noite, eles ainda não haviam, sequer, encostado seus lábios uns nos outros. Os nervos pareciam ter sido acalmados pela tagarelice aleatória e risadas de ambos – um tanto embriagadas da parte dele, -, que visivelmente se divertiam um com o outro à sua própria maneira. O mais engraçado é que ela nem havia bebido e parecia vibrar na mesma sintonia dele sem esforço algum, por pura espontaneidade.
Porém, a ansiedade passara a tomar conta dos dois e ambos estavam chegando à conclusão de que já era hora de fazer o propósito de tudo aquilo acontecer.
parou de dançar e segurou uma das mãos de Danny, exatamente como ele tinha feito com ela enquanto caminhavam até ali, chamando sua atenção para o Sol, que se encontrava posicionado com prefeita exatidão sob a pedra principal do monumento.
- Uau! – ela estava hipnotizada pela tonalidade do astro, indecisa entre o laranja e o amarelo-pálido. Ele, com uma das mãos sobre os olhos franzidos, assim como ela, sutilmente desentrelaçou a outra da dela e passou um dos braços em volta de sua cintura. Um suave arrepio percorreu o corpo de e ela sentiu o lugar formigar com o toque dele, que a puxava mais para perto, e sorriu de canto. - É mágico.
Silêncio paralelo, frio, nascer do sol. Certo, talvez fosse aquele o momento ‘perfeito’ que ele estava esperando e talvez fosse hora de beijá-la, ele pensou. Virou seu rosto para encará-la e automaticamente fez o mesmo, sorrindo fracamente.
Estava acontecendo!
Danny envolveu uma das bochechas da garota com a palma de uma das mãos, um tanto gelada, sem quebrar o contato visual, enquanto vagarosamente inclinava o rosto para baixo, em busca dos lábios especialmente convidativos dela que estavam mais do que prontos para compartilhar daquilo, assim como os seus.
Uma vez que tinham os olhos fechados, sentiam as respirações hesitantes os hálitos quentes um do outro chocarem-se contra suas peles quase tão frias quanto o tempo, se misturando. A boca dele cheirava a cerveja com marshmallows e a dela cheirava a chocolate, ambas prestes a provar o efeito que criariam juntas. Um tipo de silêncio total e imaginário, mas quase sagrado, os envolvia por completo. Parecia certo antes mesmo de se consumar, estavam quase se encaixando e...
É, quase.
- Oh, Deus! Você não é o Danny do McFly? - E lá se fora toda a magia comparável a do Disney World que os envolvia.
Tudo teria ocorrido agradavelmente bem se não tivessem sido interrompidos por aquela voz aguda e com um tom perceptível de histerismo.
olhou para a garota que tinha perguntado aquilo, provavelmente uma fã de Danny e sua banda, e abaixou a cabeça, rindo de incredulidade. Aquilo estava mesmo acontecendo? Aquela não devia ser a hora em que ela e Danny estariam em processo de aprimoramento do beijo? Tinha certeza que a garota fizera de propósito.
Danny, ainda de olhos fechados, riu da mesma maneira, tirou as mãos que tocavam do corpo dela e virou-se para a menina, que aparentava ter uns quinze anos e parecia estar incorporando uma hippie dos anos sessenta.
Ah, a inconveniência da fama!
Mas que caralho, estava demorando para aquilo acontecer. E por que tinha que acontecer justo quando ele ia beijar ? Nunca quisera tanto socar e trucidar uma fã na vida. Podia fazer aquilo agora, no meio de todo mundo mesmo? É, lamentavelmente não podia. Seria chocante e arruinaria o sucesso do McFly, por isso era melhor fazer uso de seu habitual carisma.
- Eu sou – ele afirmou e sorriu forçadamente, desconcertado e sem um pingo de afeição no olhar. , que estava fingindo estar entretida com o Sol novamente, havia tirado suas mãos dos ombros dele e cruzando os braços sobre o busto.
- Seria muito incômodo tirar uma foto comigo?
"Incômodo nenhum!", Danny pensou, irônico, e ouviu rir pelo nariz, ao seu lado, provavelmente pensando o mesmo que ele.
- Imagine - ele respondeu, com o mesmo tipo de sorriso quase imperceptível de antes.
A garota falsamente “hipponga" aproximou-se de Danny, com um sorriso feliz e imbecil estampado na cara, e cutucou , que automaticamente virou-se para os dois.
- Será que você poderia tirar a foto pra mim, por favor?
Cara-de-pau! queria gritar aquilo para a menina, mas após abrir a boca, que antes parecia querer permanecer limitadamente calada, para fazer isso, optou por concordar. Como ela tinha a pachorra de perguntar aquilo? Uma dose de semancol para aquela pobre hippie fajuta e descerebrada, por favor, incluída no pacote do curso para controlar o próprio nível de inconveniência que ela precisava freqüentar.
focalizou os dois no visor e tirou a foto para a garota. Teve vontade de ferrar com tudo e tremer de propósito só para a imagem ficar uma merda e a garota ter que exibir somente o borrão branquelo e xadrez de Danny Jones para as amigas, o que não provaria o que ela provavelmente gostaria de provar para elas no futuro, mas se conteve. Tudo bem, talvez devesse ser mais tolerante, ela devia ter só uns catorze anos.
A menina agradeceu e saiu de perto deles radiante e suspirou, sorrindo para Danny.
- Parece que alguém não quer que a gente passe de fase! - Danny brincou, em um tom carregado de sarcasmo, contorcendo o rosto em uma careta falsamente alegre e coçando a nuca.
Será que toda vez que eles estivessem prestes a se beijar pela primeira vez, ou algo do tipo, alguma fã iria aparecer ou algo aconteceria? Era algum tipo de maldição transmissível? E se todas as namoradas dele, antecessoras a ela e pós McFly, tiveram que passar por aquilo? Não, de forma nenhuma ela estava pensando em namorá-lo. Não por agora. Mas como ela ia saber? Se descobrisse pelo menos já daria o fora da história dele antes mesmo de começar a fazer parte dela mais significantemente. Isto é, se conseguisse, porque aquela idéia não lhe parecia muito plausível e isto estava soando estranho aos seus próprios pensamentos.
- É - concordou, fingindo estar levando aquilo numa boa, mas querendo correr atrás da tal fã -que agora dava gritinhos histéricos e mostrava a foto para uma amiga não muito distante dali- e arrancar-lhe os cabelos de uma vez só, após socar sua testa contra uma daquelas pedras antigas em um show de horrores agressivo e sanguinário. Sentia-se tão capaz de fazer aquilo naquele momento que provavelmente acharia deleitoso! Tudo bem, talvez não fosse para tanto. - Acho que devemos voltar. - sugeriu e Danny concordou, percebendo também que o clima por qual eles haviam ansiado tanto e demorado para criar havia se esvaído por completo. – Game Over pra gente por agora, Dan.
Dan?
O grupo de amigos - que estava em roda e novamente completo no mesmo local de antes, com Dougie desperto, de cabelo bagunçado e cara amassada e corada-, depois de ouvir uma série de músicas antigas e atuais, natalinas e outras até esdrúxulas e bregas, tocadas por Danny e Tom, se entretinha com , que tinha o violão do seu “par" em mãos e solava, antes de voltar a entoar junto com ‘Don’t Go Away’ do Oasis.
Os caras as observavam atentamente, às vezes entoando algumas frases da música junto com as duas, exceto Danny e Tom que pareciam admirados demais com as garotas para colaborarem com o andamento da música e raramente piscavam, só conseguiam bater os pés.
- Fechem a boca senão a baba vai escorrer! – Fletch brincou com os dois rapazes e eles riram, mas não se preocuparam em tirar os olhos delas.
- Você não me contou que tocava e cantava! Muito menos que fazia isso bem assim! - se queixou Danny, em meio aos aplausos que Fletch, Tom, Dougie e Hopper davam, apontando acusadoramente para .
- Que complô! - Tom moveu a cabeça em negação, parando de aplaudir e soltou um muxoxo.
Elas haviam os pegado de surpresa e aquela iniciativa só fizera aumentar o nível de atração de ambos.
- Vocês são boas! - Harry elogiou após acender um cigarro, soltar a fumaça para cima e guardar o maço e o isqueiro no bolso lateral de sua calça. Hopper e Fletch assentiram.
- Eu queria que estivesse aqui, aí ela poderia tocar o piano... – Dougie choramingou e tragou o cigarro que estava entre seus dedos.
- Ah, mas é claro! Com certeza nós traríamos um piano até Stonehenge, Dougie! - Harry, cuspindo escárnio em alto e bom som, zombou do amigo. – E essa música nem tem um piano!
- E daí? – Dougie libertou a fumaça pelo nariz e retrucou, franzindo o cenho.
- Ele está sentindo falta da namorada, pessoal, deixem o pobrezinho em paz! – Tom interrompeu o início de discussão e Harry abraçou Dougie, jogando-o contra o chão, mas este manteve a mão com o cigarro estendida enquanto o outro bagunçava seu cabelo.
- Mimimimi, Dougieeee! – Harry fez uma cara de apaixonado e os outros garotos fizeram variações de seu som meloso, caindo em gargalhadas depois.
- Eu acho que vocês deviam ajudá-lo em vez de ficarem tirando uma com a cara dele! – se pronunciou em defesa do garoto mais novo ali.
-Uuuuuh! – Danny reagiu e os outros fingiram estar com medo dela, que mostrava língua. - E o que você sugere, capitã?
- Eu sugiro que Dougie vá procurá-la o mais rápido possível porque, até onde eu sei, ele já enrolou demais pro gosto de qualquer garota! – respondeu no lugar da amiga.
- Eu também acho! - consentiu, apontando acusadoramente para ele. - São duas semanas, não dois dias, cara!
- Eu não posso fazer isso. – Dougie se pronunciou e apagou o cigarro na grama, inconseqüentemente, soltando a última nuvem de fumaça pela boca. - Primeiro porque eu não vou correr mais atrás dela se ela nem ao menos atende ao telefone pra me ouvir; segundo porque estamos aqui e terceiro porque os Cunningham vão dar algum tipo de festa do solstício hoje, só pra variar - ele enumerava os motivos nos dedos. - Aqueles lá dão festas até pro aniversário de morte das pessoas se bobear! - Todos gargalharam brevemente. - Isso significa que ela estará muito ocupada fazendo seu papel de dama da alta sociedade e nem fodendo darei as caras por lá pra, antes de conseguir encontrá-la, ter que encarar toda aquela gente de nariz empinado e cheirando a caviar com perfume francês, correndo o risco de encontrar os pais dela que têm ódio mortal do meu pobre ser.
Ele constatou e trocando olhares cúmplices e teve vontade de sair correndo ao pensar na hipótese de que o que qualquer uma das duas dissesse não seria boa coisa. Eram garotas confabulando pelo olhar, ora essa!
- Mas é exatamente isso que você vai fazer! – bateu palminhas frenéticas e se levantou rapidamente, sendo imitada por . Então Dougie estava certo. E perdido. - Está na hora de parar de bancar a vítima e admitir que errou!
- O quê? O que você quer dizer com isso? – ele se pôs de pé também, indignado. Mal se conheciam, que atrevimento dela ficar opinando sobre sua vida amorosa! - E como diabos você sabe o que aconteceu?
Sendo famoso ele já devia saber que histórias como aquela se espalhavam na velocidade da luz, mesmo que fosse entre eles todos. E também devia saber que garotas, em sua maioria, eram muito perspicazes.
- Essa parte toda nós podemos pular agora e discutir no caminho de volta – concluiu , dando uma piscadela marota.
- Acho melhor nós nos preparamos pra dar o fora... - sugeriu, colocando a mochila nas costas e Tom em seguida completou:
- Temos que ajudar o príncipe Dougie Poynter a recuperar o coração estraçalhado de sua amada em sua Missão de Amor!
Dougie soltou um muxoxo indignado e todos os outros riram da breguice desnecessariamente necessária do comentário de Tom, se preparando para seguir qualquer plano indeterminadamente minucioso que viesse a ajudar o amigo naquele mesmo dia que dava a incomum impressão de que duraria para sempre.
- De jeito nenhum! – e disseram em uníssono quando Dougie apareceu na sala de seu próprio apartamento vestindo uma bermuda preta Billabong, tênis brancos Adio, uma camiseta de mesma cor com o logo da Hurley em verde e carregando um moletom azul da mesma marca.
- Você não pode ir até lá vestido assim! – acrescentou.
Passava um pouco das sete da manhã e todos, mesmo que sonolentos e mortos de cansaço, tinham partido direto de Stonehenge para a casa de Dougie- exceto Hopper que pegou um metrô para casa porque tinha que ficar com a filha e Ant, que não estava agüentando ficar em pé e também partira - com o intuito de ajudá-lo em seu plano para se desculpar com .
Dougie era o mais elétrico ali depois de e , que pareciam se divertir muito com a situação.
Era um horário estranho para vestir-se para uma festa. Ele tinha que estar voltando de uma àquela hora e não partindo para outra. Muito menos outra regada a bebidas muito caras e cheirando a caviar. Caviar era tipo... extremamente nojento, tinha mesmo que se querer ter status para se habituar a comer aquela merda disfarçada.
Mas tudo bem, haviam lhe feito a cabeça, não podia mais demorar, caso contrário perderia de vez. É, talvez pudesse esperar algumas horas a mais e fazer aquilo devidamente dormido, não acordado por conta de excesso de cafeína e dos Red Bull que bebera ao chegar em casa. Fizera várias objeções durante o caminho -mais por medo do que por sentir sono-, mas as garotas haviam dito que ela ficaria extremamente surpresa se ele aparecesse de supetão na citada Festa do Solstício.
Os outros garotos somente concordaram porque eram duas garotas falando de como lidar com outra, então não tinham muito para argumentar contra, tinham? Não havia como concorrer. Dougie nem ao menos desvendara por que estava deixando as semi-desconhecidas interferirem em sua vida amorosa, mas o fato de elas realmente parecerem ter boas intenções ao ajudá-lo aparentemente havia sido persuasivo o suficiente. Talvez só quisessem fazer a boa ação do dia, afinal; aquela coisa toda de enobrecer a alma ao ajudar os necessitados. De uma forma ou de outra ele era necessitado!
realmente deixava-o insano em todos os sentidos e era do tipo que ele nunca pensaria em cogitar namorar se perguntassem. Eles discutiam mais do que gostariam e ela o levava ao pico da irritação às vezes, contudo não sabia que razão não permitia que ele desistisse de tudo e a deixasse ir. Esperava descobrir antes de os créditos finais daquele filme serem exibidos, no entanto.
- Por que não? – ele perguntou para as meninas, querendo sair dali o mais depressa possível para acabar com sua agonia pungente, mas ao mesmo tempo querendo ficar porque estava morrendo de medo do que iria acontecer.
- É, por que não? - Danny se manifestou, não vendo nada de errado com a roupa do amigo.
- Você está indo ao encontro de gente-milionária-festeira – começou a explicar, Tom e Harry riram -, a roupa casual de ir à festas deles, que você vai precisar usar só pra tentar entrar, com certeza é muito menos casual do que a casualidade que você está vestindo.
- Quê? - Danny perguntou, não entendendo metade do que ela dissera e os outros ficaram na dúvida se era por sono ou por sua lerdeza inata, mas preferiram não se manifestar. Na verdade, eles também não tinham compreendido muito bem.
- Tudo verdade - concordou, ignorando Danny.- Você precisa ser casual, mas social, entende?
- Mais ou menos -Dougie respondeu, entortando os lábios e franzindo o cenho.
- Você se importa se a gente invadir a privacidade do seu guarda-roupa e escolher uma vestimenta pra você? - disse , com toda a educação e formalidade forçada que conseguiu colocar em sua cara-de-pau.
Constatação momentânea de Dougie Poynter: as novatas eram mesmo descaradas. Mas pelo menos tinham seus valores!
E lá estava ele, dentro da calça jeans mais escura e menos larga que seu armário podia lhe proporcionar, uma camisa social branca de manga comprida com os dois primeiros botões abertos e um de seus únicos pares de sapatos sociais pretos, que ele raramente usava, um pouco mais à frente da mansão dos Cunningham, prestes a tentar invadir sua festa sem ser convidado.
Já havia repassado os planos ‘a’ e ‘b’ inventados pelas garotas e aperfeiçoado pelos caras pelo menos duas vezes no caminho, dentro do carro de Danny, que dirigira até ali, e a única coisa que poderia sair errada era não perdoá-lo. O que, na verdade, seria o mesmo que tudo dar errado porque aquele era seu único propósito para estar ali.
A não ser que Murphy resolvesse interferir e qualquer passo em falso virasse um bombardeio afegão, claro.
- Está entregue então, príncipe - Danny zombou de dentro do carro ligado, segurando o volante, rindo divertidamente. Os outros o imitaram e Dougie quis socá-los pela milésima vez naquela manhã. Mas nada a ser levado a sério, obviamente.
- Você sabe o que tem que fazer, não sabe? - perguntou, colocando a cabeça para fora de uma das janelas traseiras, enérgica e ansiosa por ele.
- Até que o Dougie não é tão inútil quanto aparenta quando quer, – Harry disse, cheio de escárnio. - Mas só quando se esforça!
Tom, Fletch, Danny e riram alto. Harry só fingiu não ter dito nada quando Dougie o fuzilou com o olhar.
- Será que vocês não podem calar a boca por um segundo, seus imbecis? – Dougie se manifestou, impaciente e começando a se sentir mais quente do que o normal.
-É, calem a boca, todos vocês! – se manifestou, colocando metade do corpo para fora da outra janela, do lado oposto ao de e Danny, apoiando os braços no teto do carro e tamborilando os dedos neste. - Estão abalando a autoconfiança do pobre menino! - suspirou e olhou para Dougie. - Pronto? – ele assentiu, embora não muito certo de sua própria afirmação. – Okay, nossa parte acaba por aqui. Agora se apressa porque tem uma festa no seu estágio final e, com certeza, uma garota que tá esperando por você, mesmo que insista até a morte que não, ali. - ela apontou a branca mansão de estilo vitoriano. -Boa sorte-te! Pozinho da sorte pra você! - desejou, soprou um pozinho imaginário (e purpurinado, em sua mente, porque era mais mágico) de sua mão em direção a Dougie e colocou-se devidamente dentro do veículo de novo.
- É, boa sorte na sua missão de amooor! - Tom disse.
- Você é muito gay, Tom. Isso pode não ser muito bom para a imagem da banda, sabe? - Fletch brincou e os dois passaram a travar uma briga infantil e paralela dentro do carro.
- Qualquer coisa, liga! – Harry gritou, com a voz tremelicando por causa do riso.
E foi só aquilo que Dougie ouviu antes das gargalhadas virarem a esquina mais próxima junto com o carro que as conduzia.
Ficou parado na calçada, meio desnorteado, nervoso dos pés até o último fio de cabelo e considerando a idéia de pedir para Danny voltar para buscá-lo ou chamar um táxi e acabar com tudo aquilo, até sentir o mesmo vento gelado que balançou as árvores da rua atingi-lo também, ultrapassando o pano da camisa e quase causando seu congelamento instantâneo. Desejou um lugar quentinho para se abrigar automaticamente. Sabia que devia ter levado o moletom! Devia considerar sair correndo atrás do carro também? Talvez desse tempo de alcançá-lo.
Cada passo que dava pela calçada até o portão da entrada frontal da casa era uma tentativa que seu estômago, que parecia estar pulando em uma cama elástica, fazia de abrir um buraco em suas costas e sair por ali, ganhando vida própria. Talvez devesse começar a fazer anúncios procurando seu estômago e, se não o achasse caso ele fugisse, alguns pedindo por um transplante, se tivesse que enfrentar aquele tipo de situação mais vezes no futuro. Podia lhe ser muito útil.
Ao chegar ao portão, quase sobressaltou-se ao lembrar-se um detalhe importante que quase o fez girar nos calcanhares e voltar para casa pela enésima vez: no caminho havia se esquecido que, como se não bastasse ter que enfrentar toda a gente chata e por si mesma, ainda teria que dialogar com os seguranças e talvez persuadi-los para conseguir entrar na festa. Primeira falha em detalhes no plano perfeito, ele não estava habituado a tal “desregalia".
Mas a primeira tentativa seria se arriscar a entrar na cara dura mesmo.
- Espere um minuto, espere um minuto... - o segurança à direita da entrada, que lembrava um buldogue, espalmou a mão sobre seu peito e quase o derrubou no chão ao pará-lo em sua tentativa de ultrapassar os limites do portão. - O seu convite, senhor? - o mesmo brutamontes perguntou, já estendendo a mão e o encarando, em dúvida se devia chamar Dougie de senhor ou de qualquer outro pronome de tratamento ou substantivo que lhe parecesse mais adequado, como “pigmeu", ou talvez “Rumpelstiltskin".
- Eu não preciso de convite - Dougie o enfrentou, começando a tremer por dentro. Seria muito bom e ele ficaria eternamente agradecido se a coisa demorasse a se externar.
- Ah, sim, você precisa - o segurança da esquerda insistiu.
- Mas é claro que não! Desde quando... Claude... Claude Rousseau precisa de convites para entrar nas festas dos Cunningham? – Dougie replicou, fingindo indignação e usando o primeiro nome francês e sofisticado que lhe veio à cabeça, utilizando-se de um tom pomposo e presunçoso inexistente em sua usual voz.
Os seguranças riram em deboche após checarem a lista de convidados, obviamente não acreditando nele.
- Não consta nenhum Claude Rousseau aqui na lista – um deles disse, arqueando a sobrancelha em desafio. - Muito menos um que chegue no fim da festa.
- E aí que você está muito enganado - Dougie teimou, agora começando a revelar a tremedeira através das mãos. Só faltava começar a suar frio, cair por causa das pernas bambas, talvez dar uma molhadinha nas calças, e aí o começo bem sucedido estaria completo! - Eu sou o namorado de , não preciso de convite ou nome na lista pra entrar, por isso não estou aí.
- Um momentinho - o segurança da direita se aproximou mais do outro e cochichou algo em seu ouvido, ambos encarando Dougie desconfiadamente.
- Certo – o segurança da esquerda, que era mais baixo, se pronunciou novamente, aproximando-se vagarosamente dele e retirando algum tipo de papel do bolso, por vez observando este e outrora Dougie. – Você é Dougie Poynter?
Ele congelou. Como assim aquele cara sabia quem era ele? Ah, havia se esquecido, era uma figura pública que tinha a cara estampada em alguma revista teen para garotas, cheia de frufrus, dicas de como se maquiar e sobre “como conquistar aquele gatinho descolado e veterano do colégio" quase toda semana. Por que garotas eram cheias desses nhénhénhéns paranóicos?
Mas e agora: era ou não Dougie Poynter? Ele era Claude Rosseau no momento, não? Como ia saber por que o cara queria aquela informação? E por que estava sentindo aquele medo exorbitante?
- Eu... - ele murmurou.
- Desculpe? – o da direita falou, não compreendendo seu murmúrio.
- Eu... - ele prendeu o ar, fechando os olhos e abrindo-os ao expirar gás carbônico. Era melhor dizer a verdade, sabia-se lá o que poderia acontecer se não o fizesse. - Sim, eu sou. Eu sou Dougie Poynter.
- Ah, sim... Essa história de Claude, poxa, que engraçado, haha! Não estava te reconhecendo, sabe. Seu cabelo está diferente nesta foto –disse o da esquerda.
- Como é que é? – Dougie arregalou os olhos, incrédulo.
O segurança acompanhava todos os cortes de cabelo que ele fazia e deixava de fazer também? O papel que ele estava segurando era uma foto?
Era. Foi o que ele constatou quando o mesmo cara quase esfregou sua própria imagem impressa e com o cabelo entre o loiro e castanho com franja, que ele se lembrava de ter tirado no ano anterior, em sua cara. E se ele tivesse aquela aparência bruta somente por fora e fosse um maníaco gay e tarado por ele que estava atuando para conseguir sequestrá-lo?
- Mas que dia... Pra que porra vocês têm uma foto minha? - ele perguntou, perdendo as estribeiras.
- Peraí, meu amigo, devagar! - advertiu o homem que segurava a foto. - E se eu fosse você, tratava de dar o fora agora. Os patrões nos deram ordens e elas diziam claramente que não podemos autorizar nenhum Dougie Poynter a entrar - ele começou a explicar. - A foto, -ele a balançou- sabe como é, parceiro, tenho uma filha. Descobri sem querer que ela era sua fã, eu precisava saber como era a sua cara, então fizemos uma troca. A propósito – o homem mudou seu tom para um mais simpático. - Será que poderia assinar a foto pra mim? Já dei muito dinheiro meu pra você, rapaz!
- Desculpe, o quê? – disse Dougie, expressando toda a perplexidade que o assolava.
Quer dizer que a família de , e talvez a própria, estavam dando ordens para seus leões-de-chácara o repelirem como se ele fosse uma espécie de pernilongo rondando ouvidos alheios em noites sonolentas de verão? E, conseqüentemente, para um dos mesmos agora era tipo: “vá embora, mas antes autografe a foto da minha filha que, por um acaso, é sua fã"?
Preparado para mandar o cara tomar naquele lugar com toda a grosseria que adquirira, e muitas vezes enrustira, durante sua vida, ele enxergou uma brecha para contornar a situação. Talvez, se autografasse a foto, o cara autorizasse sua entrada. Parecia genial.
- Tudo bem – concordou, pegando a foto que esperava ser seu passaporte da mão do brutamontes menor.- Tem uma caneta?
- Tenho – o último disse, tirando uma caneta do bolso do paletó e lhe entregando.- É a banda com nome de hambúrguer do McDonald’s, aquela sua, não é? - ele brincou, acotovelando seu companheiro de trabalho, que começou a rir baixinho enquanto Dougie assinava e os olhava ameaçadoramente por causa da piadinha infame e manjada. O problema era que, para os dois caras ali, ele não era nem um tiquinho ameaçador.
Pelo menos um deles colocava dinheiro em seu bolso, como dissera, já que tinha uma filha fã. Não que pensasse desta maneira sempre, não pensava, mas o cara estava despertando aquele instinto nele.
- Pronto – ele entregou a foto e a caneta para o segurança novamente, um pouco mais bruscamente do que o movimento exigia, jogando-os no peito do mesmo, que só conseguiu segurar a foto antes do outro objeto se chocar contra o chão - Com licença, agora.
Ele até que tentou ir adiante no espaço de tempo em que o da esquerda se abaixou para recuperar a caneta e o outro se distraiu com tal ação, mas o brutamontes maior o parou novamente antes que ele pudesse seguir além dos dois primeiros archotes paralelamente pregados ao chão, que se multiplicavam e seguiam assim até a entrada da casa.
- Pode ir parando aí! – o buldogue disse. - Já dissemos pra você dar meia volta e voltar pro lugar de onde saiu!
- E eu já disse pra você que sou o namorado de Cunningham! – Dougie retorquiu.
- Não interessa, rapaz, estamos aqui para impedi-lo de entrar, entre outras coisas, então você não vai entrar! – o brutamontes-mini entrou em cena novamente.
- Eu assinei a foto pra você, seu infeliz, me deixa entrar! – ele tentou mais uma vez avançar, mas os dois o repeliram de novo; desta vez tão eficazmente que o suspenderam pelo ombro ao segurá-lo pelos braços.
- Se você não quer sair por vontade própria, então, nós iremos arrastar você.
Dougie bufou, balançando a cabeça descontroladamente em todas as direções possíveis, sentindo a frustração quase transbordar por seus poros e ao mesmo tempo se cagando de medo dos caras que mantinham seus pés fora do chão.
– Está bem então, está bem, está bem, caramba! - ele se debatia. - Me coloquem no chão, merda!
- Bom saber que estamos entendidos, agora. - disse o segurança maior, com um sorriso amistoso afogado em ironia, colocando-o no chão. Quase caiu ao sentir seus pés tentarem sustentar suas pernas bambas neste.
Estavam entendidos o cacete. Não tinha chegado até aquele estágio para desistir. Restava uma última tentativa que fazia parte do plano ‘a’ antes que ele o fizesse.
E partisse para o plano seguinte, claro. Estava mais determinado a chegar ao fim com aquilo do que a zerar qualquer jogo de videogame que já quisera zerar na vida.
- Espera, estamos entendidos porcaria nenhuma.
- O que você quer, moleque? – um segurança disse, mais impaciente do que antes.
- Ele quer é apanhar, Ernie! – o cara-de-cachorro se pronunciou, identificando o guarda de estatura menor e fechando o punho, mostrando-o para Dougie.
- NÃO, nãão! Por Deus, não quero apanhar, ‘cê tá maluco? Sai pra lá! – ele andou dois passos para trás, erguendo os braços em sinal de rendição, ao receber a ameaça do cara sem identidade. - O negócio é o seguinte: já que vocês não querem me deixar ir até , então tratem de trazê-la até mim!
- Como? – perguntou Ernie, arqueando as sobrancelhas.
- Foi isso que vocês ouviram. Eu não vou sair daqui até ouvir Cunningham dirigindo a palavra diretamente a mim!
Ô porcaria, ele era famoso, as coisas tinham que vir fáceis!
Na verdade, nem sempre, Dougie Poynter. Não importa o quão famoso você é, algumas coisas ainda têm que ser ganhas na garra. Mas, pensando bem, sempre há uma coisa reluzente aos olhos de qualquer humano que atende pelo nome "dinheiro". E se usufruísse da tal regalia chamada “propina" que seu bolso, graças a muito suor no palco, podia bancar?
Não parecia que ia precisar agora. Percebeu que persuadira os guardas ao ouvir Ernie falando com outro segurança no walkie-talkie:
- Bill, procure pela senhorita . Tem um maluco aqui fora dizendo que é o namorado dela e querendo falar com a menina qualquer custo. Sim, senhorita Cunningham - Dougie se virou de costas para os guardas e sorriu para si mesmo, vitorioso. Que mané dinheiro, nada substituía um bom diálogo perseverante! - É, BILL, ACHE A SENHORITA , A MENINA CAÇULA, E A TRAGA ATÉ AQUI, HOMEM, SEU INCOMPETENTE! Você é surdo ou...
- O que vocês querem comigo? – Uma voz muito mais fina e doce, que descia pelo caminho propositalmente enfeitado com flores amarelas entre pedrinhas brancas nas laterais, e emoldurado por archotes, soou, interrompendo uma de todas as outras que haviam feito parte da cena até aquele momento. Uma voz que o cérebro de Dougie já havia gravado em todos os tons e volumes e programado seus ouvidos para reconhecerem no meio de outras milhões similares. - Não precisam me chamar, estou aqui.
Todo o sono que deveria estar sentindo não existia, ainda que ele se sentisse extremamente entorpecido. Externamente, seu corpo era pura inércia, mas seu coração ricocheteava a todo vapor e o seu propósito estava às suas costas, então, querendo ou não, ele tinha que se virar para enfrentá-lo.
- Ah, senhorita ! – Buldogue exclamou, aliviado, ao passo que Ernie cancelava a ordem via walkie-talkie. - Tem um rapaz aqui querendo...
Girou sobre os próprios calcanhares em câmera lenta, como interpretou sua mente, e encarou o detestavelmente amável propósito, ouvindo sua mesma voz doce brincar de ser estridente, como adorava fazer:
- O QUÊ?
Havia algo estranho naquela cena. Seu propósito – impressionantemente, para aquela hora da manhã, deslumbrante em um vestido vermelho e apertado, sobre saltos tão finos que ele se perguntava como era possível caminhar sobre aquilo- estava ao lado, próximo demais, na opinião dele, de outra pessoa do sexo masculino que não tinha nada a ver com a seqüência em ação e não devia estar ali. Não era ele e não eram George nem Cedric Cunningham, então não tinha que estar ao lado dela, sozinho, com seu cabelo de corte comportadíssimo, suas roupas impecavelmente passadas, provavelmente limpas e engomadas por uma de suas milhares de escravas domésticas, e sua cara de quem jogava golfe e críquete com os familiares depois de um brunch todo final de semana. Não que George e Cedric devessem estar ali também, só devia. Mas o engomadinho, com certeza, não. Era um assunto privado!
E não que ele tivesse algo contra golfe e críquete. Harry, seu amigo, jogava golfe. E Harry jogava críquete. E Harry fora criado sob as doutrinas da Seita Posh. Mas Harry era Harry e Harry sempre dizia a que viera. O engomadinho, não. Só se fosse dizer que queria levar umas bofetadas, no caso.
- O QUÊ? – Dougie, então, fez a mesma pergunta, surpreso por encontrá-la acompanhada.
- O que o quê? – ela retorquiu com uma pergunta tonta e sacudindo a cabeça, atordoada demais por encontrá-lo ali, no portão de sua casa. - Eu quero dizer, eu que tenho que fazer essa pergunta! O que você pensa que está fazendo aqui?
- Eu não penso que estou fazendo, , eu estou fazendo. Eu estou aqui e você está me vendo - ele replicou, mais grosseiramente do que pretendia fazer se o engomadinho que o analisava de cima a baixo enquanto ele fazia o mesmo, não estivesse ali também. – Já endoideceu tanto a ponto de ver almas por aí ou não consegue viver sem mim?
- Aí é que você se engana, queridinho, eu não estava ansiando por inalar o ar com 95% de álcool da sua desgraça tão cedo, nem depois de morta e velada! – ela o insultou.
Não que fosse cedo, ela pensou. Já fazia duas semanas que ela estava o esperando.
Mentira, não estava esperando-o porcaria alguma.
- Como é que você ia inalar algo depois de morta? – ele riu em deboche. – Sua porta! Você está vendo alguém bêbado aqui?
- Não, o que me prova que milagres podem realmente acontecer, não é mesmo?
- Não me venha falando isso como se eu fosse algum tipo de alcoólatra que bebe durante as vinte e quatro horas do dia, sete dias por semana! – ele berrou, cuspindo raiva, aproximando-se dela, que recuou dando um passo para trás.
- Mas naquela noite eu realmente pude te confundir com um! – ela imitou o tom dele. Agora um tinha a cabeça inclinada em direção ao outro, como se estivessem prestes a se atacar.
Os outros três personagens presentes somente observavam a cena como se aquilo fosse algum tipo de novela ou o final crucial do filme mais esperado do ano. Só faltava a pipoca. Estavam tão atentos e entretidos que nem lhes ocorreu reagir de alguma maneira. Era só uma briguinha de casal, afinal.
E , tão submersa na própria raiva e espanto, nem se preocupou em expulsar todos dali aos berros como fazia com maestria.
A respiração pesada de Dougie se tornada claramente audível. tivera razão no que dissera, ele não tinha argumentos contra. Mas não ia dar o braço a torcer, embora estivesse ali com o intuito de fazer exatamente aquilo. Não podia largar mão de seu orgulho próprio na frente do engomado-perfeitinho, fosse ele quem fosse. Já que não tinha uma réplica por aquela não ser a situação certa para revelá-la, então ia contra-atacar com o alvo mirado bem no meio daquela carinha limpinha de merda dele. Limpinha de merda? Certo.
- Quem é esse cara? – ele apontou acusadoramente para o engomado. - Eu não posso dar as costas por um segundo que você já cai pra cima de outro, não é? – ele inclinou a cabeça para trás e riu de um modo repleto de escárnio. - Eu já devia saber.
- Do que é que você está falando; o que é que você está insinuando? – ela inquiriu, ofendida. – Foram duas semanas, aliás, um segundo é o caramba! Você sabe que não sou nenhuma qualquer!
- Não dê ouvidos a ele, - intrometeu-se o Rei do Golfe, colocando as mãos nos ombros de , o que enervou Dougie de uma maneira fora do comum. - Ele não merece, vamos voltar lá para dentro.
CORTA! O engomadinho não tinha direito a falas naquela super produção Hollywoodiana, era um mero figurante! E talvez aquilo nem fosse uma super produção Hollywoodiana...
- Cale a boca e tire as essas suas mãos manicuradas de cima dela, seu otário! – Dougie avançou para cima do garoto, que soltou e colocou-se a frente dela prontamente, estufando o peito para enfrentar Dougie, assim como este fizera. - Você não sabe nada sobre a gente!
- Devagar, rapazinho! – Ernie, o segurança, se manifestou, segurando Dougie pelos ombros.
- Eu sei muito mais do que você imagina! – o engomado provocou, berrando no mesmo tom.
- Me solta, eu não preciso que vocês me segurem, eu não vou bater nele! - Dougie disse, enfezado com a resposta que tivera e as bochechas escarlates, na defensiva, enquanto Ernie o soltava aos poucos. Ouviu o outro garoto rir entre dentes, em zombaria. - Embora eu devesse - completou e o rival avançou para cima dele novamente, mas Buldogue o segurou antes que ele o alcançasse.
E podia bater no perfeitinho sim, se quisesse. Ele não era um páreo muito difícil e não o intimidava de nenhuma maneira (ele tinha um rosto de porcelana, só um murro o quebraria em mil caquinhos!), mas o ofendia de muitas tocando e saindo em defesa de sua namorada como se esta fosse alguma propriedade dele e interrompendo sua discussão, que devia ser reta, somente entre ele e a garota.
O perfeitinho não lhe representava nenhuma ameaça, contudo, contraditoriamente, era a maior ameaça do mundo. Com certeza os pais de o aprovavam e gostavam muito mais dele do que jamais fizeram consigo. Só porque ele provavelmente, repetindo, ia à brunchs, jogava golfe, adorava canapés e sorria hipocritamente mesmo quando tinha merda debaixo do nariz? Porque dinheiro na conta bancária Dougie também tinha!
Ainda tinha muita coisa pendente para resolver com ela para se arriscar a estragar a oportunidade saindo na porrada com o Ken.
Mas já que Murphy resolvera mesmo interferir, que tal, então, estragar o resto da oportunidade por si mesmo, sem a ajuda dele?
- Quer dizer, então, que você conta até a intensidade do último gemido que dá quando eu te... –ele se refreou, fechando os olhos e engolindo em seco. - A gente transa, pra esse idiota?
- Não fale sobre o que você não sabe, Dougie - se colocou à frente de Buldogue e Engomado e aproximou-se do namorado, ex-namorado, ou qualquer outro tipo de definição (ela não sabia exatamente o que ele era naquele momento), com o indicador em riste quase roçando o nariz dele, o rosto retorcido em raiva absoluta. Os dois agora se encaravam furiosamente, vermelhos, nem ao menos ousavam piscar. - Embora eu não tenha nada com Sean, eu o conheço desde que usávamos fraldas, e ele merece muito mais a minha consideração do que você jamais mereceu.
Então Engomado, que agora sorria vitoriosamente, de canto, fora nomeado ao sair da materninade. Bom saber.
Ao ouvir aquilo, Dougie sentiu-se um personagem da Acme, como se mil toneladas de ferro tivessem caído sobre sua cabeça, amassando-o tão facilmente quanto uma latinha de alumínio no chão. Ficou em silêncio, assim como ela, os dois se encarando o mais profundamente que podiam. As respirações de ambos estavam tão tensas que faziam todos os outros prenderem as suas também.
E ela tinha consciência de que havia pegado pesado.
As pupilas dilatadas de Dougie, se destacando por entre o azul claríssimo habitual em seus olhos, e seu cheiro característico, quase fizeram ter o ímpeto de abraçá-lo ali mesmo e perdoar tudo, fingindo que nada acontecera, querendo somente sentir o corpo dele em contato com o seu novamente. E ele quase tivera o ímpeto absurdo de agarrá-la em beijá-la sem pudor algum, sem se importar com quem observava ou deixava de observar, para ver se colocava um pouco de bom senso na cabela dela, porque sabia que estavam piorando seu estado ainda mais por muito pouco. Era para irem de mal a melhor, não de mal a pior!
Involuntariamente os corpos deles sentiam saudade um do outro. Isso era para ser bom, mas agora lhes parecia perigosamente ruim.
Ela não agiu por impulso. Ele muito menos. Dougie apenas quebrou o silêncio quase tão duro quanto concreto ali presente, ao dizer:
- Jamais? Se você nunca me considerou ou respeitou, se você nunca teve a mínima intenção de fazer isso, o que você fez ficando comigo durante todo esse tempo, então? – perguntou, ressentido. - Você vai defender o bostinha, agora? Só porque o seu papai o ama? É assim, então?
- É, Dougie. Eu vou defender o Sean, é exatamente assim – ela afirmou, com o tom de voz mais seguro que conseguiu forjar e os olhos começando a marejar.
- Ótimo, que se dane, então. Que vocês se fodam. Que se fodam até até ruir a cama, pombinhos! – Dougie concluiu, rude, arrancando uma exclamação de horror da garota antes de afastar-se abruptamente dela, que voltou à mesma posição ereta que mantinha sobre seus stiletto antes de tudo aquilo se iniciar. No fundo, queria desabar no chão duro sem se importar com qualquer tipo de dor conseqüente ou arranhão externo. Sentia-se desgastada demais para isso
Ela comprimiu os lábios e Sean a envolveu com os braços novamente, o que fez Dougie os fitar com repulsa e querer arrebentar a cara dele novamente. O laço em volta do corpo dela era direito só dele, e aquele nariz ficaria muito melhor pintado de sangue. Podia arrancar-lhe o nariz e deixá-lo como o Michael Jackson!
Mas, querendo admitir ou não, Sean, estraçalhado ou não, quebrara todo seu escudo de segurança, imperceptivelmente, a partir do momento em que se tornou presente em sua visão e ele percebia isso agora.
estava errada sobre . Ela não estava o esperando como a garota dissera, afinal, ela tinha todo o conforto que precisava dentro dos braços idiotamente malhados de Sean. Ela podia afundar a cara na porra do peitoral de modelete dele enquanto ele a consolaria afagando-lhe os cabelos e diria que Dougie era um idiota quando ele desse o fora dali. E isso zumbia em sua mente de maneira irritante. Ela não dava a mínima sobre continuar tentando.
Ainda que tivesse contado as duas semanas.
- Eu me cansei de você, . – Os olhos silenciosos, mas ao mesmo tempo indecisamente expressivos dela, pareciam substituir a raiva pela mágoa. - Eu totalmente me cansei.
Dougie virou as costas para Ernie, Buldogue, Sean Engomadinho e, principalmente, , passando pelas mesmas fronteiras tivera sucesso em ultrapassar, embora sem conseguir ir tão longe quanto intentara, com as mãos nos bolsos.
Caminhando na direção oposta a todos eles, Dougie pôde ouvir um soluço resguardado por durante toda a discussão ecoar em seus ouvidos antes de outros o sucederem quando ela caiu em prantos e Sean iniciou uma tentativa de dizer coisas cabíveis e reconfortantes. O imbecil devia estar abraçando-a também, provavelmente, porque o som do choro se abafou, exatamente como imaginara. Mas não se viraria para assistir a tamanho ultraje.
Era , frágil e precisando de consolo nos braços do engomadinho e não nos dele, aquilo estava completamente fora de contexto! Mesmo quando tinha sido ele a provocar a dor. Isso lhe dava muito mais direito de ser o único a tirá-la de dentro dela.
Ao virar a esquina, sentou-se no meio fio da calçada e deslizou uma mão pelos cabelos freneticamente, bagunçando-os e bufando em seguida. Queria gritar, mas somente soltou um grunhido estranho. Queria se levantar e chutar o hidrante que estava ao seu lado, mas ainda gostaria de poder andar pelo resto de sua vida. Queria voltar lá e dar um pontapé no traseiro do engomadinho, mas não queria afundar ainda mais no conceito dela. Queria chorar, mas não sabia o porquê de as lágrimas não quererem se manifestar no momento. A única opção aparentemente preferível era encarar o asfalto cheio de partículas impuras que ele não conseguia identificar. Analisou a própria roupa e riu frustradamente, pensando em como tudo poderia ter dado certo se não fosse pelo mauricinho otário.
Porque não havia se precipitado, de maneira nenhuma. Nananinanão.
Na meia-hora seguinte que passou sentado ali, vendo alguns poucos carros que, afortunadamente, não haviam passado por eles no momento da discussão, saindo pelo portão da casa de e seguindo todas as possibilidades direcionais, ele tentava decifrar por quais motivos ainda permanecia quase na mesma posição, sem ter tomado atitude nenhuma para se ver bem longe dali, daquela rua milionária e, principalmente, dela.
Que queimasse no inferno a porcaria do Plano B, ainda que se perguntasse incessantemente se deveria voltar atrás e tentar mais uma vez se acertar com ela como conclusão deste.
Já não era hora de os créditos finais, os clichês caracteres brancos sobre o fundo preto, estarem sendo exibidos?
Nem a amava tanto assim para se submeter àquilo! Ele podia largar mão, mandar tudo às favas e... Não, não podia. Simplesmente não conseguia. Sempre fora absurdamente covarde quando se tratava de garotas, sempre as perdia porque não se importava em demonstrar preocupação em fazer as pazes. Porém, não fazer aquilo agora parecia impossível, um insulto a sua própria imagem, e era exatamente isso que afixava sua bunda naquela calçada.
Descoberta feita, só lhe restava agir. Tinha que executar o Plano B. E agir como um príncipe mais decente dessa vez, que era o que ela possivelmente esperara dele em muitos momentos, como lhe dissera naquela manhã, alegando ser a essência do sucesso de tudo no final. Podia soar cafona, infantil e absurdamente imbecil da parte dela e não tinha idéia de como agir daquela maneira, mas estava disposto a tentar.
"Certo, sou um príncipe então", pensava enquanto levantava sua bunda parcialmente congelada da calçada em igual temperatura e caminhava em direção à parte dianteira da mansão. "Ela quer que eu seja um príncipe imbecil, vou tentar ser um príncipe imbecil, se é o que ela quer. Eu consigo ser um príncipe. Sua majestade, Dougie Lee Poynter, esse sou eu. Como um príncipe agiria agora?", ele tropeçou nos prórprios pés e quase caiu de joelhos. Ah, que se fodam todos esses príncipes de merda, eu nunca vou conseguir ser como eles... Mas posso improvisar!
In.so.len.te: adj2g. Ofensivamente desrespeitoso em atos e/ou palavras; atrevido, arrogante, grosseiro, malcriado; Dougie Lee Poynter.
- INSOLENTE! – Cunningham, a cortesia e classe sobre saltos agulha, mandava pro inferno toda a pose de young lady que já nascera exibindo por aí e era involuntariamente parte dela. - APODREÇA NO INFERNO! - Ah, claro, Dougie Poynter - que fazia careta na foto presa por um imã de pelúcia roxo em seu mural pink feito sob medida, merecia essa sentença. Aquele momento poderia ter sido amável, com ele sentado no chão de seu apartamento, sobre um tapete, enquanto ela fazia de seu colo um assento, de costas para a câmera e com as pernas envoltas em sua cintura; os braços finos enlaçando seu pescoço e o rosto afundado em uma de suas omoplatas. Mas ele merecia nada menos do que aquela sentença.
De que maneira ele conseguira ficar em pé e encará-la minutos atrás, carregando o peso de toda insolência existente no mundo dentro de si? Como ele se atrevia a ir até ali, àquela hora da manhã, depois daquela noite em que se comportara vergonhosamente na frente de seus pais, ainda por cima? Se não estivesse ocorrendo uma festa, se os seguranças não estivessem ali e George o houvesse visto ultrapassando os limites de sua propriedade, sabe-se lá o que poderia ter acontecido!
Não com ele, claro. Com ela. Leve egoísmo.
Com o rosto evidenciando as lágrimas que havia chorado minutos antes no ombro de Sean, , gritando e com os olhos agora embaçados de raiva, arrancou a tal foto do mural e a jogou para trás, assim como fez furiosamente com outra onde Dougie estava deitado de bruços no sofá de um backstage qualquer, quase caindo no sono, e ela deitava por cima dele, da mesma maneira; e com mais outra onde ele pulava no palco durante um show, segurando seu baixo amarelo. Isso sem parar de gritar injúrias contra o garoto um segundo sequer.
De debaixo da cama, retirou uma caixa medianamente funda e larga, branca, toda decorada com lacinhos e corações vermelhos. Era sua caixa de fotos especial, onde mantinha todo o resto das fotos que havia tirado de e com Dougie durante os sete meses de namoro que estariam prestes a completar se estivessem juntos (eles estavam juntos?). Surpreendentemente, de forma relativa, não eram poucas. Tirou a tampa do objeto e o virou de cabeça para baixo, fazendo com que todas as fotos ali dentro caíssem e se espalhassem pelo chão desorganizadamente. Deixou a caixa de lado, chutou algumas fotos e passou a pisar sobre outras, tentando danificá-las, deixando a marca de seus saltos nas mesmas, amaldiçoando-o incansavelmente e falando com as fotos como se ele pudesse ouvi-la através destas, mesmo estando estaticamente impresso nelas.
Tinha um impulso enorme de rasgá-las, mas algo maior que isso parecia não deixar que ela o fizesse. Talvez faltasse coragem, porque ainda havia muito sentimento atado a cada uma delas.
Ela tinha mantinha um vício enorme em revelar fotos e, as que incluíam Dougie, haviam voltado para seu mural no meio da semana, numa tentativa maluca e masoquista de fazer a lei da atração, sobre a qual ouvira uma vez no programa da Oprah, funcionar. Não sabia exatamente por que não organizava tudo em um álbum, mas elas pareciam mais legais e manuseáveis livres de plásticos ou coisas do tipo.
Era orgulhosa demais para correr atrás de Dougie e tentar fazer as pazes, mas queria - mesmo tentando severamente se enganar por algum tempo que não - que isso ocorresse de qualquer jeito. O sentimento que carregava por ele ainda a aquecia e permanecia ali, balançado, mas ainda existente. Mesmo quando o repelia até através de mensagens gravadas na secretária eletrônica ou na caixa-postal do celular e dizia a todos em casa que ele era passado (como se ela fosse conseguir tirar meses de relacionamento da cabeça em apenas duas semanas). Mentir para os outros quando estava mentindo, também, para si mesma era sempre a primeira opção, automática.
Não esperava que tudo fosse realmente acontecer antes que resolvesse engolir o orgulho - quase engasgando -, atender a uma das mil ligações que ele insistia em fazer, mas que haviam diminuído nos últimos dias, e marcasse um encontro para que pudessem se resolver. Queria encontrá-lo, mas não como ocorrera. Ainda mais, acidentalmente, estando ao lado de Sean.
Primeiro, porque, obviamente, ele iria pensar o que ela não gostaria que ele pensasse, como ocorreu de fato. Segundo, porque sempre evitava entrar em detalhes sobre Dougie para Sean, então não queria nem em um milhão de anos que este último tivesse que presenciar tal cena que deveria ocorrer particularmente, entre quatro paredes, se possível. Muito menos que ele dissesse que sabia muito mais sobre os dois do que Dougie pensava, ele não sabia de quase nada! A não ser que ficasse xeretando sua vida sem que ela soubesse. Não estava ansiando por uma platéia de seguranças, tampouco.
Ao reparar que seu laptop, sobre a delicada escrivaninha do lado oposto da cama, estava ligado, exibindo várias fotos de Dougie e seus diferentes baixos em shows como proteção de tela, tratou de caminhar até ele e passar um dedo sobre o mouse, talvez a internet a distraísse. Não foi uma atitude muito inteligente, já que o wallpaper pulou diante de seus olhos e ela sobressaltou-se de susto ao ver uma foto dela e do garoto fazendo careta. Não soube o porquê do susto, já que as caretas eram bem inofensivas e fora ela mesma quem havia escolhido a imagem para decorar o desktop algum tempo antes de brigar com ele, mas não tivera coragem de mudar mesmo quando tiveram a discussão mais feia de todas, na semana anterior. Por que ela tinha que ser obsessiva daquela maneira e fazê-lo presente em seu quarto como se ele fizesse parte da decoração, ainda que ele nunca houvesse pisado ali em sete meses?
Abaixou bruscamente a superfície da máquina, que exibia o contorno de Sininho e emitiu um estalo seco ao encaixar-se com a parte inferior.
Onde diabos ela estava com a cabeça quando pensou em toda aquela baboseira de lei da atração? Se fosse assim, todas aquelas fãs desmioladas de seu namorado, que a odiavam simplesmente por ser namorada dele, seriam namoradas dele, e Dougie seria... Poligâmico. A maioria delas tinha três vezes mais fotos dele espalhadas por todos os cantos do que ela, se bobeasse. Que idéia absurda, odiava pensar nessas coisas! E ele nem era mais seu namorado, por que não conseguia fazer sua mente se habituar a isso?
Três batidinhas em sua porta roubaram sua atenção e logo em seguida ela ouviu a voz de Sean anunciando sua própria presença do outro lado. Bufou. Mas que porcaria de garoto, será que ele não poderia considerar a idéia de deixá-la surtar em paz? Privacidade, cadê você? Alooou!
- , você está bem? Estou preocupado, não precisava ter saído correndo daquele jeito! - ele disse, sua voz chegando aos ouvidos dela tão abafada quanto a música chillout que vinha do núcleo da festa no andar de baixo. Ela se aproximou da porta. - Tem algo que eu possa fazer por você? Quer conversar?
Quem era ele para dizer que ela não precisava sair correndo? Ela corria para onde, quando e como quisesse, ainda mais quando estava no pico da segunda fase de seu ataque de nervos!
A primeira fase de um ataque de nervos de Cunningham consistia em chorar até os olhos começarem a doer. Na segunda, ela era tomada por uma vontade de destruir tudo ao seu redor e bem, às vezes ela realmente seguia a regra à risca, de diferentes maneiras. Ela podia comprar tudo de novo depois, afinal.
- Infelizmente, não, Sean. E não precisa se preocupar, tá tudo bem comigo – respondeu, aproximando-se da porta, tentando pôr algum tipo de controle e firmeza na voz tremelicante.
- Tem certeza? Você não quer que eu entre pra’ gente conversar? – ele insistiu.
- Não, eu juro que tá tudo bem! – reassegurou, utilizando um pouco de grosseria, pensando em uma desculpa rápida para que ele não insistisse mais. Se havia desvencilhado-se dele para se trancar no quarto, sozinha, era porque queria ficar no quarto sozinha, não havia ficado claro? – Você não poderia entrar de qualquer maneira, eu estou só de toalha, sabe. Vou entrar na banheira agora, preciso relaxar, meus músculos estão tão tensos, você nem imagina!
- Uou, sério? – ele reagiu, um pouco animadinho demais pelo que indicara o tom de sua voz.
Talvez a desculpa da toalha não tivesse sido tão boa assim, afinal, ela pensou. Por mais educado que Sean fosse e independente do tempo que o conhecia, ele ainda continuava abrigando um pênis entre as pernas e tinha hormônios masculinos e apressadinhos controlando seu corpo. Sem contar o fato de que ele fora seu namorado durante um ano e meio antes de Dougie entrar em cena depois de terminarem e, bem, ele a conhecia sem roupas também. Não que Dougie soubesse disso, nunca haviam parado para ter uma conversa sobre relacionamentos passados que fora levada à sério. Ainda bem, senão a situação teria sido muito pior.
- Quer dizer, tudo bem, então – ele tentou disfarçar ao perceber o quão assanhado soara. – Liga, se precisar de mim. Estou indo embora. A gente se vê, okay?
- Okay. Obrigada, mesmo. - "Educação em primeiro lugar, ", ela pensou consigo mesma. - A gente se vê – retorquiu polidamente e se afastou da porta. Não que fosse precisar dele realmente, o que menos queria no momento era gente à sua volta, fosse pessoalmente ou por telefone.
Suspirou, sentindo-se um pouco sonolenta, e caminhou até sua cama convidativamente macia e cheirosa como já sabia de cor, deixando-se cair de costas sobre o colchão, que agora tinha os lençóis um pouco amarrotados.
Queria chorar. De novo.
Aquela ceninha estava digna de um programa da Supernanny, que tratava de crianças e bebês, não de garotas de 19 anos entojadas. Bem, talvez se os pais dela tivessem contratado Jo Frost quando ela era mais novinha, ela não fosse tão exagerada e muitas vezes insuportável. Talvez ela ainda tivesse jeito se seus pais chamassem A Domadora. Mas eles tinham coisas mais importantes com que se preocupar para sequer pensarem em desmimar os filhos criados por babás até o meio da adolescência em frente às câmeras.
Tateando a cama com um dos braços acima da cabeça, agarrou um de seus travesseiros, virou-se de bruços, afundou o rosto no último e gritou, esperneando, até sentir a garganta arder e o pulmão começar a reclamar por ter perdido todo o ar que armazenava de forma arrebatada. Virou-se novamente, voltando a encarar o teto branco e entediante respirando descompassadamente. As lágrimas então retornaram, grossas, rápidas, escorrendo livremente pelo canto de seus olhos. Não havia maquiagem que resistisse a tanto choro e estava até com medo de se olhar no espelho esperando ver e gritar de horror ao dar de cara com o Tio Chico dos Addams.
Por que sentia-se tão magoada, surpresa, frustrada, ou qualquer raio que fosse aquela mistura de coisas desagradáveis dentro dela, quando devia estar feliz e aliviada? Ela tivera sua resposta: Dougie se importava, caso contrário, não se daria o trabalho de chegar tão longe.
Talvez o sentimento se devesse às palavras ríspidas trocadas ou o jeito que as coisas foram mal-interpretadas. Não sabia definir, mas nada havia saído à sua maneira. Aquilo era mais que o suficiente para fazer qualquer garota como ela perder o controle.
Se tivesse um pouquinho mais de paciência para esperar o real desfecho e fosse um tantinho menos mimada, perceberia de imediato que a situação não exigia aquele escândalo todo.
A verdade era que drama queens seriam sempre drama queens, no fim das contas, com ou sem Dougie Poynter para bagunçar suas mentes contrastantes, aparentemente bem estruturadas, mas, em sua essência, confusamente desestruturadas.
Lanças, jardim. Jardim, lanças. Seu olhar alternava entre as duas coisas, tentando ajudá-lo na decisão sobre fazer aquilo ou não. Já estava quase ficando estrábico.
Suava frio novamente, até pelas mãos, e precisaria de um balde de água, ou melhor, de bebida isotônica, para repor a quantidade de líquidos que estava gastando só em suor frio naquele dia. Se tivesse o sexto sentido muito aguçado e soubesse o que lhe esperava naquela manhã, teria encomendado uma Roupa Adequada para Missões Impossíveis, ou talvez até mesmo uma de explorador de florestas, bosques ou algo assim. E um guia chamado “Como Se Tornar Um Príncipe Encantado Em Poucos Minutos" também seria bem vindo. Aqueles programas de compras que passavam na TV de madrugada com certeza vendiam pelo menos desses itens, eles vendiamvárias invenções malucas, deviam ter coisas úteis como aquelas com certeza.
Seria muito grato, também, a qualquer tipo de força sobrenatural se não acabasse morto com alguma parte de seu corpo enfiado naquelas lanças afiadas ou até mesmo um de seus braços espetado em alguma delas, como vira naquele programa dos vídeos mais incríveis do mundo que tinha um narrador com a voz super cafona, uma vez.
Não havia como pensar em coisas menos arrepiantes ao se deparar com os fundos do jardim daquele exagero de casa. As árvores maiores, típicas do país, eram imponentes o suficiente para ele considerar o fato delas criarem vida própria e fazerem careta, como as do desenho da Branca de Neve e, quem sabe, atacá-lo, como o Salgueiro Lutador de Harry Potter. Só faltava sair a bruxa Malévola em forma de dragão dali do meio e ele ter de espetá-la com uma espada. Ele nem tinha uma espada! Imaginações férteis que levam a sério o que vêem na tela criam essas fantasias, afinal.
Nada era tão assustador assim se analisasse a situação por outro ângulo. Talvez seu medo se devesse só à sua incerteza sobre como reagir na frente da garota que fizera chorar, de novo, há minutos atrás, quando a encontrasse, e estava colocando-o em forma de nervosismo ao pensar em pular as cercas. Sem ambigüidade! Já estava tudo ferrado demais para encarar o outro sentido da sentença. Mas era tão imprevisível quando queria! Ele pensava que estava no caminho certo e aprendendo a lidar com ela quando, sem mais nem menos, ela decidia virar tudo de ponta cabeça e fazê-lo constatar que não sabia lidar com o temperamento dela porcaria nenhuma.
Por um segundo, notou que seu bolso frontal parecia mais leve a apalpou-o. Droga, se não havia perdido o celular, tinha deixado-o em casa ou no carro de Danny.
As barras de ferro negras e elegantes que emolduravam a casa, e tinham as tais lanças cravadas em suas pontas, não eram de altura tão intimidadora. Ele poderia pulá-las facilmente, até, se tivesse destreza suficiente para passar por cima das partes pontiagudas sem se machucar.
Aí estava a preocupação maior: ter a necessária destreza para não esfolar gravemente alguma parte de seu corpo quando era bem desastrado. Por que mesmo levara em conta o Plano B? E o que aquela gente toda tinha na cabeça pra concordar com tal coisa?
E quanto a ele, o que tinha na cabeça para estar à beira de executar aquilo?
E se as barras tivessem algum tipo de sensor ou alarme que era automaticamente acionado quando alguém ultrapassava os limites que não deveria ultrapassar ao tentar invadir a casa, se é que aquilo existia, ou qualquer outro dispositivo eletrônico maluco de última geração em segurança? Que porra ele faria? Não havia considerado essa hipótese.
Mas também não consideraria mais. Não quando já estava ajeitando suas mãos e pés nas melhores posições possíveis sobre as barras para poder pular para o outro lado e de alguma forma adivinhar qual era a janela do quarto de , supondo que ela estaria lá dentro.
O previsível podia ser a opção correta às vezes, não? Para quem estava sendo imprevisível, um pouco de previsibilidade tinha que funcionar. Além do mais, não queria ter que encarar os pais dela mais uma vez por um tempo relativamente grande em sua vida.
Suas pernas cambalearam, quase o fazendo-o ceder, e suas mãos ainda tremiam quando pôs os pés no gramado bem aparado, diferentemente das árvores, do outro lado, cambaleando. Ainda bem que não havia ficado preso em algum emaranhado de plantas. Estava aliviado, até que havia sido moleza. Tinha certeza de que tentar fazer ouvi-lo e convencê-la de que a merecia de volta seria dez vezes mais difícil.
Agora que já estava dentro, não podia cair fora. E nem queria, pois teria que enfrentar Ernie e o cara-de-cachorro ou ‘repular’ as cercas de segurança, cenas as quais não desejava ver em reprises, muito menos estrelá-las.
E foi essa pontinha de confiança que cutucou Dougie que o fez respirar fundo e começar a caminhar a passos largos e determinados em direção à casa, pensando que de uma maneira ou de outra aquilo terminaria bem, já que ainda estava inteiro e conseguia pensar claramente o suficiente para fazer dar certo desta vez.
Isto antes de tropeçar nos próprios pés, cair no chão e fazer um buraco em sua camisa ao ralar um dos cotovelos, que instantaneamente começou a arder e sangrar. Realmente esperava que ninguém tivesse escutado seu grito esganiçado de dor e fosse verificar quem era o desgraçado gemendo no jardim dos fundos, porque seu joelho que havia se chocado fortemente contra o chão doía tanto que ele até alucinou ao ver todas as estrelas do universo pintadas no céu já amanhecido.
Afinal, era para ele tentar ser um príncipe encantado ou o James Bond?
“Porra, não acredito que tô fazendo essa merda toda.", pensou, surpreso consigo mesmo.
Todo aquele filme de ação não fazia parte de sua índole. A Terceira Guerra Mundial poderia começar a estourar a qualquer momento e ele continuaria sentado no sofá comendo Doritos, bebendo Red Bull e assistindo Friends, como se nada estivesse acontecendo, isso sim era uma parcela inseparável dela.
Não fora à toa que ele levara duas semanas e precisara do empurrão de duas garotas para fazer algo a mais do que se lamentar, rediscar os mesmos número de telefone ou tentar mandar recados por meio de mil maneiras que a Internet oferecia.
Se conseguisse se levantar novamente e encontrar , onde quer que ela estivesse enfiada naquele lugar, esperava desesperadamente - aliás, adoraria- que ela não estivesse mais com Sean, fazendo coisas que ele os mandara fazer impensadamente e se arrependia horrores, e também que ela não resolvesse acabar com ele de uma vez, como pregara em sua mensagem gravada, ao percebê-lo por perto.
Se algumas suposições de sobre os vários significados do dia do solstício estivessem corretas, então alguém havia jogado uma maldição poderosa sobre ela, porque tudo estava ocorrendo antagonicamente.
Afinal, o amor entre ela e Dougie estava beirando o ódio, mesmo que momentâneo, mesmo que ilusório. A única energia que tinha era para chorar de desgosto, e não enxergava nenhum brilhinho de sorte naquela situação.
Muito menos em ter sua casa invadida por estranhos desconhecidos àquela hora da manhã. Era só o que lhe faltava: ter sua residência roubada ou ser seqüestrada pelo bandido supostamente maltrapilho que se aproximava cada vez mais dela, caminhando pelos corredores de plantas extremamente bem podadas da parte menos "selvagem" de seu jardim.
Não estava nem louca de ficar ali onde estava, esperando o bandido vê-la - se é que já não tinha visto - apoiada sobre o parapeito de gradil branco e ornamentado da sacada, na tentativa de conseguir obter uma sensação peculiar de tranqüilidade ao sentir o ar gelado e puramente poluído se aquecer em suas narinas e estufar seus pulmões quando, na realidade, o que estava conquistando cada vez mais era a falta dele.
Correu para dentro do quarto e fechou as portas de vidro impecavelmente limpo e laqueado que separava os dois espaços. Rapidamente apanhou seu celular onde o deixara depois de usá-lo pela última vez e, pronta para discar o número da polícia a qualquer instante muito próximo, se posicionou atrás das portas para observar a ação do meliante que estranhamente mancava e tinha uma das mãos em um dos cotovelos.
Agora que ele estava quase chegando ao deque da piscina, podia observá-lo melhor e notar que ele era um meliante até que bonitinho.
Espera aí, talvez estivesse mesmo louca e precisasse de uma rehab ou coisa parecida. Cunningham nunca simpatizaria com nenhum tipo de meliante maltrapilho. De três uma: ou sua saúde mental estava deploravelmente debilitada e ela estava alucinando; ou haviam colocado droga em sua bebida; ou o invasor era extremamente parecido com seu namorado.
Não, ex-namorado.
Namorado.
Ex-namorado.
O que fosse!
Desde quando Dougie realmente se envolvia com gente mau-caráter e perdida em uma vida rebelde sem causa fora da cabeça de seus pais? Aquilo não lhe parecia certo.
E pareceu menos ainda quando ela pôde confirmar, incrédula, que não se tratava de um bandido qualquer, mas realmente de Dougie-Odiado-Amado-Namorado-Ex-Namorado-Poynter completamente amassado, do cabelo até as calças, e com uma pequena folha enroscada no primeiro. Ele contornou uma das bordas laterais da piscina, parou de mancar em frente à sua varanda, ao lado do escorregador, e atravessando os vidros da porta com seus olhos para alcançar os desacreditados dela, gritou desafinadamente:
- Eu já vi você aí, , não adianta tentar se esconder. Aliás, quem é que se esconde atrás de coisa transparente?
Merda, havia se esquecido de puxar as cortinas! Que burra, ela mesma pensou.
Percebendo que ela continuava tão paralisada quanto uma estátua, e sua boca estava propícia a servir de pista de pouso para qualquer microrganismo que resolvesse passar por perto, ele gritou novamente:
- Se eu fosse você, escolheria a espertíssima opção de sair daí e vir aqui fora falar comigo. Ou talvez me deixar entrar, quem sabe...
Desde que ele não precisasse enfrentar os pais da garota, tudo valia.
- Como é que é? – ela pronunciou-se e soltou todo ar de uma vez pela boca, indo apoiar-se no parapeito novamente, após empurrar as portas com tanta força que os vidros quase racharam ao baterem na parede. - Você acredita mesmo que eu te deixaria entrar depois dos seus showzinhos? Você não é muito bem-vindo aqui, não achei que fosse precisar te alertar.
- Sabe, – ele apoiou um dedo indicador sobre seu lábio superior e apontou os olhos azuis para uma direção qualquer -, não seria uma má idéia, de todo. Eu poderia te provar isso se você me deixasse entrar... - ele sugeriu mais uma vez, voltando a olhá-la, fingindo que nada do que ela o acusara tinha realmente acontecido.
Somente ela tinha o direito de fazer showzinhos? Folgada.
- Hm, esta é a parte em que eu rio pra não chorar? – replicou ela, satírica.
- Não exatamente. Esta é a parte em que você permite que eu adentre sua humilde-nobre residência de alguma forma. – ironizou Dougie, insistente.
Não que ele fosse pobre e gostasse de viver num muquifo, mas, francamente, quem precisava de uma piscina enorme como aquela morando numa geladeira como Londres? Mesmo que tivesse aquecedor e as temperaturas fossem mais amenas durante verão. Fazia trinta graus durante o verão, pelo menos durante um dia ou dois... Mas era ridiculamente desnecessário 98% do tempo! Na opinião dele, aquilo era não ter onde gastar dinheiro!
- Até onde notei você já está dentro da minha humilde-nobre residência sem permissão alguma – ela o atacou, soberba. - Como foi que você entrou aqui, o que você pensa que está fazendo?
- Você adora dizer isso, não é? – ele soltou o ar pelo nariz e piscou os olhos, imersos em desprezo, lentamente. - “O que você pensa que está fazeeendo?" - ele imitou a voz fina e aguda dela com um falsete cômico, sem muito esforço. – É um fenômeno, você devia entrar no Guiness com o recorde da pessoa que mais disse essa frase na vida! – Ela fechou ainda mais a cara para ele. - Já disse que não estou pensando, estou visivelmente fazendo. - Até porque, se tivesse realmente pensado, no estilo de gente sã, não estaria ali. - E bem, você está falando com um invasor de propriedades privadas profissional, aqui.
Com certeza o profissionalismo dele se exibia, indiscutivelmente, em sua aparência, tão intacta quanto a de um sem-teto. Ele parecia um sem-teto galã e menos acabado, pelo menos.
- Você... Passou por cima das lanças e tudo? – baixou seu escudo por um momento, não acreditando que ele realmente houvesse chegado a tal ponto por causa dela. Seus olhos quase brilharam.
- Lanças? Aquelas merdas de barras tinham lanças? Desculpe, nem reparei que elas estavam ali, pontudinhas e prontas para me esquartejar – ele se vangloriou falsamente, cuspindo escárnio. – Talvez seu pai e os amigos dele fossem se deleitar em deliciar minha carne em algum de seus jantares espalhafatosos e exclusivos!
Que porcaria de garoto petulante!
- Idiota! Que seja. – Ela inspirou o ar rapidamente, estufando o peito, e retomou a postura de garota impassível, mas com cara de quem havia chorado desesperadamente, depois de quase ceder aos cutucões dele. - O que você acha que me faria te deixar entrar depois de tudo o que aconteceu? Eu não estou muito a fim de ouvir suas desculpinhas infantis. Talvez quando você aprender a se justificar direito...
Como ela podia julgar as justificativas dele sem sequer ouví-las?
Na verdade, ela estava bem a fim de ouvi-las, sim; de mandar tudo às favas, berrar:
“Dougie, me segura que eu vou pular!’’ e executar tal ação. Não era gorda, era? Talvez ele agüentasse o impacto sem arrebentar o chão e parar na astenosfera!
Ainda estava morrendo de raiva, mas bem, ele havia invadido os limites de sua propriedade ilegalmente e em dobro. Ele estava rasgando todo o seu orgulho em mil pedaços para fazer as pazes com ela, e duvidava muito que ela própria faria isso um dia. Aquilo derretia um pouco a falsa armadura de gelo- e tão frágil quanto- que ela vestia e contava uns pontos no placar dele.
- Se você acha que é a dona da verdade, pode ir baixando a bola, querida. Olha aqui – ele estendeu um dos braços e apontou o cotovelo deste na direção dela propositalmente, para que esta visse seu ferimento cheio de terra em meio a sangue, que se mostrava pelo rasgo que sua camisa tinha. Ela franziu os lábios, agoniada ao olhar para aquilo. Olá, pressão psicológica! - Se você não me deixar entrar pra cuidar do meu machucado, que eu consegui tentando arranjar uma maneira de falar com você, ele vai ficar gosmento, cheio de pus e bactérias monstruosas e verdes – o rosto dela começou a se contorcer em uma careta que ficava entre o nojo e aflição, fazendo-o engolir o riso para conseguir continuar argumentando hiperbolicamente, enquanto sua voz vacilava porque estava achando a careta muito bonitinha e ela estava ficando muito beijável -, depois vai necrosar e meu braço cairá bem aqui, na sua frente...
- Eeew, Dou... – Oops! - Poynter! – ela interrompeu-o, hesitando em chamá-lo pelo nome. Não seria favorável a ela se quisesse manter a impressão que estava querendo passar. - Chega, já ouvi nojeiras suficientes!
- ...Daí eu posso até te processar por negligência. E você vai se culpar até o fim da sua vidinha! - concluiu, ignorando a interrupção dela, mas não por completo. Ele havia percebido que ela quase o chamara pelo nome e uma faísca de vitória começou a se acender gostosamente em seu peito.
Era mais fácil ela mandá-lo para a cadeia, com toda a influência que tinha, antes que ele conseguisse processá-la, na realidade, mas tudo bem.
respirou fundo e fechou os olhos, tentando tirar a imagem dela e Dougie gritando, aterrorizados e desesperados enquanto metade do braço dele se desprendia do resto de seu corpo, caindo no chão com um baque surdo e depois os dedos da mão começando a se mover sozinhos, antes de litros de sangue começarem a jorrar, espirrando para todo lado, da metade que restara grudada. Aquilo a lembrava do desenhozinho infame que ele mostrara a ela uma vez, por puro prazer em vê-la horrorizada, Alguma Coisa Tree Friends.
Quando abriu os olhos novamente, viu que ele a observava e esperava por alguma reação sua, com o rosto sereno, talvez quase sorridente ou divertida. Só não sabia o motivo, porque não estava vendo graça alguma em tudo aquilo.
Ele também não estava. Tudo bem, estava, porque algumas reações super femininas dela eram graciosas. Mas a agonia que a pressa de ver o fim daquilo e poder tocá-la lhe causava ainda era maior. Ele não sabia até onde sua paciência suportaria mais manhas dela naquele dia, embora tivesse se comprometido a insistir.
- Você não está com muita vantagem no jogo pra argumentar desse jeito, muito menos pra pôr seus pés aqui dentro, Poynter. Ainda mais tendo uma folha no seu cabelo – a voz de se sobrepôs ao som dos passarinhos cantando e se juntou ao som dos batimentos cardíacos dele, acelerando e pulsando estranhamente em seus ouvidos enquanto rapidamente tratava de tirar a folha do seu cabelo, bagunçando os fios, meio constrangido. Ela ria abafadamente. Não era legal tentar ganhar sua garota de volta tendo uma folha presa no cabelo, isso tirava totalmente sua seriedade.
- Então é um jogo pra você? - indignou-se o garoto, desconsiderando o último comentário dela, franzindo o cenho, a impaciência querendo dominá-lo de novo.
- É um jogo pra você? – ela replicou rapidamente com a mesma pergunta, arqueando uma das sobrancelhas bem feitas.
- Na verdade, não. Eu não sou a garotinha orgulhosa e prepotente aqui - ele devolveu no tom quero-quebrar-suas-pernas com uma pitada de acidez que ela também usara e conseqüentemente a fez murchar sua expressão arrogante para rir cheia de desdém, depois subitamente suspirar irritada e sonoramente ao revirar os olhos.
- Okay, Dougie, chega dessa brincadeira de perguntas e respostas azedas. - A faísca da vitória reacendeu-se no peito dele e começou a queimar lentamente. o chamara pelo nome e nem ao menos havia percebido dessa vez. - Eu já te repeli de todas as maneiras possíveis, mas já que você está aqui e insiste em achar que ainda tem alguma coisa pra me dizer, então, responda: o que diabos você quer de mim?
Sem que se desse conta, sua respiração tornou-se mais rápida por causa da expectativa que tomou conta de seu corpo instantaneamente ao pensar na resposta que poderia receber. Poderia ser boa ou ruim, óbvio, mas não queria que ele dissesse algo como: “Eu só queria te informar que arranjei outra garota muito melhor que você e finalmente posso te dar um pé na bunda agora. Ufa, nunca pensei que conseguir uma chance de fazer isso fosse ser tão difícil!"
Nem havia terminado diretamente, afinal, só deixara tal fato um tanto implícito para ele. Ainda assim, isso não lhe dava direito de sair comendo qualquer biscate por aí.
Por outro lado, Dougie quase ofegava, sem muito esforço físico, porque aquele era exatamente o momento certo para tentar agir como um príncipe e apresentar a ela uma resposta que fosse tão convincente e mágica quanto a de um de conto de fadas. Porém, tudo o que conseguiu fazer foi rir pelo nariz, incrédulo, do que ela acabara de perguntar. Será que era tão difícil assim para ela acreditar no óbvio?
- ...
- Sabe, Dougie - a garota o chamou pelo nome, de novo, impaciente. Mais um ponto em seu placar. -, eu não tenho todo o tempo do mundo e você já gastou demais o meu por hoje, não tenho tempo nem vontade de ficar te vendo rir da minha cara.
Não estava adiantando mais tentar usar de toda sua rispidez. Ele percebia claramente que seus olhos brilhavam demais e sua cara de quem comeu e não gostou se amenizava por vezes, mesmo que ela percebesse e voltasse a atuar depois. Isso significava que ela estava suscetível a ceder muito em breve.
Porcaria, seu corpo estava a entregando.
- , eu não acredito que você está me perguntando isso - ele recomeçou a falar, balançando a cabeça em negação.
Mordeu o lábio inferior, fechou os olhos e abriu-os novamente milésimos de segundo depois, respirou fundo e continuou:
- Será que você é tão lerda assim a ponto de não ter percebido ainda que a única coisa que eu quero de você, fazendo tudo isso, é você mesma, inteirinha, de volta? - completou e sorriu discretamente de canto, sagaz.
Ao ouvir aquilo e reparar no sorriso não intencional que recebeu de brinde, o estômago dela pareceu ir até os pés e voltar ao seu devido lugar, abrindo espaço para as malditas borboletas voltarem a habitá-lo de maneira diferente da dos segundos anteriores, ao mesmo tempo em que suas pernas amoleceram tanto que ela quase vacilou, virou o pé sobre os saltos, e caiu vergonhosamente.
Ótima resposta de príncipe, então, ele concluiu, percebendo que ela se abalara.
abriu e fechou a boca várias vezes com o intuito de dizer alguma coisa, mas o mais longe que chegou foi engolindo ar. Palavrinhas mágicas nocauteadoras, aquelas! E ele não tinha nada que dar um sorriso sacana; era fragilizador, era golpe, baixo poxa!
- Então, não vai dizer nada? - Ela somente continuou encarando-o. Como ele conseguia atingir os dois picos do insuportável em um espaço de poucos minutos? Como conseguia ser insuportavelmente irritante em um e insuportavelmente amável no próximo?
E será que ela não percebia que agia exatamente da mesma maneira?
- Estava esperando que eu dissesse o quê? Acha que eu cheguei até aqui pra dizer que eu estou com outra garota e vim te dar um pé na bunda?
- Talvez – ela pensou alto, assustada pelo fato de exatamente aquilo estupidamente ter passado por sua cabeça momentos antes e ele arregalou os olhos, estranhando sua resposta. - Quer dizer, não. Não, absolutamente - corrigiu-se, gesticulando freneticamente com as mãos. - Eu sei lá, Dougie, analise todas as suas atitudes até agora, você realmente acha que eu poderia adivinhar qual seria a próxima? - Ele deu de ombros.
- Igualmente, pra você, linda. Mas, olha só, meu machucado tá doendo e eu tô com frio. Será que você poderia me deixar subir agora? – Voltou a insistir, convicto de que receberia um sim depois daquilo.
Ela sorriu cinicamente e depois fechou a cara, antes de dizer:
- Não, pra ser franca com você – contrariou-o pela milésima vez naquela manhã.
Não tão facilmente, Dougie! Coitadinho. Mas bem, que diferença fazia se já estava sendo difícil? Por que ela tinha que ser tão aborrecedora?
- O quê? – ele berrou, descrente.
- É isso aí, você me ouviu muito bem.
Não sabia exatamente por que não havia cedido ainda. Havia a amolecido totalmente com sua resposta encantadora, mas tinha a estranha sensação de curiosidade em saber o quão mais longe ele estava disposto a ir por ela. Estava comendo na mão dele, mas gostava de fazê-lo crer no contrário.
- Ótimo. Você não vai me deixar subir, então?
- Não – ela sorriu roboticamente e moveu as pálpebras como se estas fossem asas de borboleta, para provocá-lo ainda mais.
PIPIPIPIPIPIPIPI! O placar em sua cabeça, já que aquilo era mesmo um jogo pelo jeito, apitava, indicando que acabara de perder todos os pontos adquiridos.
Sem pânico, ainda podia recuperá-los. Sabia que no fundo ainda tinha todos os pontos dos quais precisava e que ela estava testando-o.
- , eu entrei neste lugar sem a autorização de ninguém daqui, duas vezes. Você acha mesmo que eu preciso que você me autorize a subir?
- Se você é TÃO malandro, O espertão, por que está perdendo seu... Dougie, o que é que você está fazendo? – Ela arregalou os olhos, sentindo uma onda gigante de atordoamento inundar seu corpo ao lhe ocorrer o que Dougie pretendia com seus novos movimentos.
- Uau, ela mudou a pergunta! – ele debochou, com uma expressão tão forçadamente divertida quanto a de um apresentador de game-show, enquanto escalava o escorregador que ia do quarto até a piscina em sentido contrário, segurando-se nas bordas.
- Ai, meu Deus. Ai, meu Deus, ai, meu Deus...! – repetia, um tanto desesperada, com uma mão entre os cabelos e a outra, que ainda segurava o celular, nas têmporas. Qualquer um que a visse naquele momento acharia que ela estava presenciando um bombardeio que destruía a cidade toda.
- Então, você não vai destrancar essa adorável e estreita porta e me ajudar a entrar para pedir desculpas decentemente? – ele falou quando estava quase alcançando o nível da varanda.
- Dougie, você vai se lascar todo e... Oh, eu não vou ficar aqui pra ver isso, eu vou chamar o Ernie! - ela virou as costas para ele e passou a caminhar apressadamente para dentro do quarto murmurando baixinho:
- Meu Deus, ele não está fazendo isso...
Passou pelas portas de vidro, puxou-as para dentro, causando um baque trêmulo, rapidamente girou o pequeno trinco que havia no puxador de uma delas, cobriu-as com as cortinas e virou-se, encostando as costas na divisão entre as duas e espalmando uma das mãos na superfície enquanto a outra arremessava quase que erroneamente o celular na cama.
Claro que não chamaria Ernie. Era certo que estava surpresa e assustada com a atitude dele, de forma idiota, mas não queria que ele se metesse em confusão de novo por causa daquilo porque, apesar de querer manter o orgulho e fazê-lo implorar até o fim, estava achando tudo simplesmente o máximo. Era uma das coisas mais arriscadas e lindas que alguém já havia feito por ela!
Ainda bem que ela reconhecia pelo menos isso, imagina se não.
Talvez não devesse ter sido tão mesquinha. E se ele se machucasse ao tentar fazer algo mais arriscado do que bater na porta que dava para o escorregador até ela resolver abri-la como fazia?
Duas batidinhas no vidro e a presença de Dougie do outro lado, com os olhos azul-penetrantes entrando pela fresta não coberta pela cortina, grudados nela como notou ao se virar, foram suficientes para fazerem-na sobressaltar-se, levando uma das mãos ao peito após seu coração parecer querer sair voando boca afora.
- Que porra--
Ahoy! Era política do palavrão libertador em ação!
- Eu pulei do escorregador pra sua varanda, achei que você fosse supor! – Dougie a interrompeu com um sorriso sapeca e infantil brilhando em seus lábios e ela continuou a encará-lo, sem dizer uma palavra.
A distância do topo do escorregador para o parapeito da varanda era bem estreita, na verdade, mas ainda assim ele sentiu receio e uma leve vertigem antes de pular. Também não saberia responder como havia feito aquilo sem o equipamento apropriado para missões idiotamente impossíveis (que agora eram idiotamente possíveis) vendidos na TV, se lhe perguntassem.
Aquela parte nem estava incluída no plano! Ainda bem que o Plano A não havia o apetecido muito, nem dado certo. Quer dizer, ele teria que entrar na festa que estava no fim e, se isso acontecesse, os pais dela o veriam. Bem, mas o Plano B, inicialmente, também incluía entrar na festa, mas de outra maneira, que era ultrapassando as ‘barreiras de proteção’ da casa, não importando se havia um sistema de segurança maluco e 24 horas. Ele só não pularia se houvesse arame farpado e cerca elétrica, e haviam o feito prometer aquilo porque eram totalmente insanas, lelés da cuca e doidonas, segundo seu conceito. E ele no momento se achava mais insano ainda por ter concordado e ter ido além, mas se havia chegado até ali...
Das duas maneiras, provavelmente ele teria que enfrentar os pais dela, e essa idéia não lhe chamava atenção nem forçadamente. E era exatamente por isso que estava agradecido a todas as coisas possíveis, principalmente a ela, por estar à toa na varanda no momento em que ele precisara. Até o poupara de precisar tacar pedrinhas ou algo do tipo nos vidros, correndo o risco de quebrá-los! É, mas bem, não o poupara de ter que se virar para subir até lá. Ele estava totalmente refazendo o Plano B.
- Então, não acha que já fiz demais? Não acha que você já me deu o troco o suficiente e pode me deixar entrar agora que facilitei tudo? Sabe, não é legal ficar me humilhando desse jeito, embora isso faça bem pro seu ego – ele alfinetou.
Ela não abriu a boca e continuou encarando-o, atônita. Dougie estava sendo tão incrível e aquilo estava sendo tão filme da Disney que ela não conseguia nem desgrudar os lábios, somente encará-lo. E se ele tivesse escorregado e caído dali de cima? Podia ter morrido por ela (não que ele tivesse pensado nisso)!
Nunca se perdoaria se tal coisa acontecesse. Certo, era melhor tomar uma atitude e falar algo antes que--
- Okay, chega pra mim! Você está sendo uma desgraçada de primeira! – ele vociferou, visivelmente perdendo todo seu controle, assustando-a, mesmo que sua voz estivesse chegando um pouco abafada até ela. - Aliás, quando é que você não é uma desgraçada de primeira? – ele disse, sem pensar muito bem no que estava falando. Se ela queria fazê-lo chegar em seu limite de paciência, então também teria que aguentar as consequências. – Agora, sou eu que pergunto: que porra você quer de mim? Eu sinceramente não consigo entender isso! – virou-se de costas para ela, afastando-se das portas. - Eu devia estar mais bêbado quando resolvi vir atrás de você e me submeter a tudo isso do que quando nós brigamos naquela noite!
Opa, não deu tempo!
Ele passou as mãos pelos cabelos e puxou-os para cima de forma enérgica ao mesmo tempo em que se voltou para ela, com o rosto escarlate, e aproximou-se das portas novamente.
Talvez tivesse sido melhor usar os métodos convencionais, clichês, como mandar um buquê de rosas com um cartão ou encher a casa dela de suas flores preferidas. Ou não. Talvez nem isso ela merecesse, pelo que parecia.
Percebeu que ela ainda o encarava, sem piscar ou se mover, apenas atônita, e continuou a falar, quase a furando com os olhos raivosos e magoados - ela até sentiu todos os buracos na alma-,num tom de voz revoltado:
- Eu tentei ser um cara legal, garota. Eu passei por cima de todo meu orgulho próprio pra vir até aqui, encarar aqueles leões-de-chácara infelizes e evitar socar aquele mauricinho de merda que ficou me provocando. Eu tentei ser um cara legal e mostrar que estava arrependido e merecia ter você de volta ao me foder inteiro pulando por cima daquelas porras de lanças e subindo aqui, escalando esse seu escorregador inútil como um macaco imbecil pra arranjar um jeito de te pedir desculpas sem que você ficasse me repelindo. - ele não se decidia entre apontar para si mesmo ou acusadoramente para ela. - Eu esperei que você fosse esperta ou sensata o suficiente pra notar isso! – ele esbravejou, atropelando as palavras, com o rosto esbanjando vermelho. - Mas não, você sempre tem que ser uma filha da... - ele se reprimiu, sem saber exatamente o porquê. - Caralho, ! - Dougie socou um punho do vidro, que vibrou, fazendo-a piscar por impulso, finalmente. - EU TENTEI SER A PORRA DE UM PRÍNCIPE PRA VOCÊ! PERCEBE O QUÃO IMBECIL, BREGA E NADA-A-VER-COMIGO ISSO SOA?
Ela esperava que a música lá embaixo ainda estivesse alta o suficiente para impedir quem quer que estivesse na sua casa de ouvi-lo e ir assistir o dramalhão. Provavelmente só restavam os empregados e seus pais comentando o sucesso da festa lá embaixo, mas eles sempre deixavam a música ligada até que se sentissem satisfeitos e subissem para descansar.
Perdera todo o impulso que tivera de falar alguma coisa antes de ele começar a gritar. Sabia que tudo o que ele dizia era verdade e ela merecia escutar, como poderia argumentar em sua própria defesa?
Será que “desculpa" não serviria, ? Talvez fosse sua vez de tentar e um ótimo começo.
- Tudo que você consegue fazer, sempre, é ser a porra de uma garotinha mimada e sem limites. Ainda tem a pachorra de ficar me encarando com essa cara, como se estivesse com pena de mim! – percebeu que as veias dos olhos dele de repente estavam mais destacadas e estes um tanto marejados. Só não sabia se era de raiva ou porque ele queria chorar.
Na verdade, era os dois. Mas não choraria, inegavelmente frustrado, na frente dela. Tinha que sair com um resto de dignidade dali, afinal.
- Não fique olhando pra mim assim, eu não quero nem a sua pena – ele acrescentou, com a voz estranhamente mais grossa, rangendo os dentes. – E você não merece minhas desculpas. Quem sabe você não queira sair correndo pros braços daquele mauricinho? Quem sabe ele não é otário o suficiente pra fazer metade do que eu fiz por você, porque só sendo muito idiota, mesmo! Eu não vou mover mais um dedo pra consertar nosso relacionamento. Que você morra sozinha e afogada nesse seu orgulho de merda, . - concluiu e num piscar de olhos ele sumiu da visão dela e subiu no escorregador novamente, descendo-o, ridiculamente agachado, o mais cautelosamente que conseguia com toda a pressa de ir embora dali de uma vez por todas, pulando para o chão quando a altura se tornou favorável.
Tudo bem, ela tinha que admitir que aquelas últimas palavras a tinham machucado. Mas fora ela mesma que cutucara a própria ferida e a fizera sangrar ainda mais, no final das contas.
Dentro do quarto, permaneceu firme na mesma posição que mantivera durante todo tempo em que Dougie falara; com os braços rentes ao corpo e apertando os punhos com tanta força que suas unhas quase perfuravam a palma de sua mão. Voltou a piscar os olhos e deixou uma lágrima grossa rolar, finalmente se dando conta da realidade. O arrependimento foi instantâneo.
O que havia feito? Ele havia se esforçado tanto, não merecia que o tratasse da maneira que fizera! Dougie estivera absolutamente certo ao dizer tudo que dissera segundos antes, porque ela era uma vaca egoísta que agora se sentia culpada, com razão e plena consciência disso, por fazê-lo ir embora arrasado daquela maneira. Não precisava tê-lo testado exageradamente, o simples fato de ele ir até ali já era o suficiente e ela conseguia admitir isso agora.
Ele só havia exagerado na bebida e eles haviam discutido, por que ela sempre tinha que fazer um escarcéu por tudo? Aquele tipo de coisa devia acontecer com 90% dos casais de todas as idades no mundo inteiro! Não que a atitude dele tivesse sido aprovável, mas ela enxergava que já havia levado tudo mais longe do que o necessário. Não sabia como injetar controle em seu temperamento muitas vezes superficial, mas, pelo jeito, teria que começar a aprender o mais rápido possível.
Se ele realmente estava tentando ser um príncipe, conseguira, mesmo que da maneira mais destrambelhada possível. Ela não queria, nem pediria por um melhor, porque sabia que não acharia um que fosse como ele em todos os defeitos e qualidades.
Acabara de extrapolar os limites novamente, só que desta vez não se sentia nem um pouco bem ou confortável com isso. E não obtivera nada da situação além deixá-lo puto da vida
Deveria... Ir atrás dele e deixar de ser orgulhosa? Talvez estivesse na hora de pôr a mão na consciência e tomar uma atitude madura em relação àquilo. Não havia mais necessidade de continuar agindo infantilmente como agira até ali.
Era hora de trocar seu curativo indiferentemente falso e cicatrizar a ferida por inteiro.
Não era tarde demais, era?
Desesperadamente correu até a portinhola escondida e exclusiva para o escorregador, destrancou-a e abriu–a abruptamente, quase imediatamente voando para a superfície lisa e escorregadia que o revestia.
Não deslizando ali tanto quanto esperava, ajudou seu corpo a chegar até onde queria impulsionando-o ao empurrar as duas mãos contra as bordas, antes de quase cair de cara no chão e torcer um dos tornozelos ao pular e tentar sair correndo ao mesmo tempo, sobre os saltos.
Por pura sorte só caiu de bunda contra o chão gelado e áspero, impressionantemente não se importando se seu vestido fora danificado ou não, mas pensou que devia ter pelo menos trincado um dos tornozelos e quebrado a cara, pela segunda vez e no sentido mais literal, naquele dia. Por puro mérito.
Aliás, que diabos ela ainda estava fazendo com aqueles sapatos imbecis?
Enquanto constatava que Dougie não estava ao alcance de sua visão, ela descalçou os pés e atirou os sapatos para trás sem ao menos prestar atenção onde foram parar, só ouviu o baque surdo destes batendo contra o solo ao mesmo tempo em que se levantava e começava a correr em direção ao jardim, sentindo o a textura áspera e gelada sob seus pés mudar para úmida e pinicante quando eles alcançaram a grama, pouco antes de entrar no “labirinto" de pequenos arbustos bem podados em diversas formas. Desviou do caminho que levava até a fonte, indo para a parte de trás daquela área livre, que era como um mini-bosque onde ele provavelmente estaria se já não tivesse dado um jeito de sair dali.
Seus pulmões quase estouraram de alívio como dois balões quando o avistou de costas para ela, curvado, com as mangas da camisa arregaçadas até o meio dos braços e com um deles sobre a testa, apoiado no tronco da Árvore Secreta, que era a maior dali. Sua caixa torácica se movia perceptivelmente em sintonia com sua respiração cansada.
Por um momento parou e apoiou as mãos sobre os joelhos, ofegante. Seu nariz doía e ardia ao mesmo tempo, por causa do ar gelado; seu rosto estava ligeiramente suado; o coração pulsava tão forte e tão rápido que parecia querer arrebentar seu peito, e não se lembrava de sentir sua garganta seca daquela maneira há muito tempo. Nem de ter corrido a maratona em tão pouco tempo alguma vez na vida. Precisava, urgentemente, entrar em forma.
Sempre tão exagerada!
Inclinou a cabeça para cima e olhou-o mais uma vez, antes de voltar à mesma posição ereta de antes e começar a caminhar lenta e sorrateiramente até onde ele se encontrava. Ele não soluçava nem nada parecido, mas, por tudo que era mais sagrado no mundo, esperava que não estivesse chorando ou algo do tipo.
Próxima o suficiente para tocá-lo e prendendo a respiração por um segundo, hesitante, estendeu o braço vagarosamente e jurou que sentiu as pontas de seus dedos formigarem ao encostá-los sutilmente na pele gelada, talvez pela temperatura que fazia, do braço de Dougie, rente ao corpo dele, que ao sentir seu pulso ser enlaçado sutilmente pelos delicados e finos dedos, surpreendentemente quentes, dela, sobressaltou-se automaticamente, como se tivesse sido atingido por um choque. Virou-se tão rápido que causou o mesmo efeito nela e a fez recuar sem ao menos se dar conta.
Um pouco perturbado e ligeiramente ofegante pelo susto, ele franziu o cenho e a encarou, sem entender nada. Não estava esperando que ela fosse correr atrás dele. Pelo menos não tão rápido assim. Ela o encarava de volta, na mesma intensidade, e a tensão que pairava entre eles parecia pesar cada vez mais sobre ambos os corpos.
O peculiar som dos passarinhos, junto com mais algum outro não identificável, mas que era restritamente matutino, não lhe parecia tão calmante assim quando estava se tornando muito irritante vê-la fazer a mesma cara de dó de minutos antes ao encará-lo. Por que ela simplesmente não abria a porra da boca e dizia alguma coisa? Qualquer coisa! Era assim tão difícil?
Era. Não sabia o porquê exatamente, mas no exato momento em que as íris de Dougie alcançaram as suas, todas as palavras bagunçadas que pensara em dizer durante todo o seu percurso até ali pareceram se esvair tão rápido quanto um piscar de olhos e todo seu sangue pareceu congelar em suas veias, deixando-a tão estupidamente estática quanto uma estátua de cera em exposição no Madame Tussaud.
Droga.
- Você é... Maluca? – Dougie quebrou o silêncio, perguntando a si mesmo se a palavra “maluca" conseguia englobar todos os adjetivos que ele gostaria de dar a ela no momento.
Ela não reagiu. Dougie, então, ainda cego de impaciência, pegou-a fortemente pelo braço, empurrou-a contra o tronco da árvore abruptamente e aproximou tanto seus rostos que a fez fechar os olhos, assustada, e agora podia sentir a respiração entrecortada dela roçar seus lábios. Quase perfurando os olhos dela com o olhar que lhe lançava, repetiu a pergunta:
- Você é maluca, garota?
Sem lhe dar tempo para elaborar mais algum pensamento embaralhado e indagativo, rapidamente jogou seu corpo contra o de Dougie- tão repentinamente que quase o derrubou no chão- e enlaçou os dois braços magros em volta de seu pescoço, afundando o rosto na curvatura que ali havia e começando a chorar desesperadamente, deixando-o um tanto comovido e completamente sem reação.
Tão sem reação que agora quem estava congelado era ele, que nem ao menos conseguia se mover para tentar abraçá-la de volta. Somente sentia seu coração bater agressivamente dentro de seu peito, como se fosse rasgá-lo a qualquer momento.
- Eu sinto muito... – ela finalmente disse, com a voz mais aguda que o normal e soluçou. – Sinto tanto... – Soluçou novamente e depositou um beijo no pescoço dele, que agora estava levemente úmido por causa das lágrimas que escorriam pelo rosto dela. - Me desculpa, eu sou tão tola, Dougie, me desculpa...
Certamente o que sentia naquele momento era uma das coisas mais indefiníveis que já sentira em toda sua vida. Era como se a raiva se misturasse com o desejo, o conforto, o alívio de tê-la tão próxima novamente e a necessidade de aprofundar o toque, de entrar em sintonia, ao mesmo tempo em que queria empurrá-la para longe bruscamente, sair correndo dali e nunca mais vê-la novamente.
– Eu não devia ter te tratado daquele jeito, não devia ter ignorado suas ligações, não devia ter te afastado como fiz, não devia ter te feito pensar que o Sean e eu... Sou tão mesquinha às vezes, sabe, Dougie, eu... – ela pausou seu discurso para respirar. Queria dizer tanta coisa para ele que nem sabia se estava usando as palavras certas. Com a voz chorosa, continuou: - Você não vai... Me abraçar de volta?
Hum, devia? Não conseguia chegar a uma conclusão exata. Bom, ele não sabia que, naquele momento, para ela, era um tanto incômodo não ter as mãos dele embrulhando-a.
Sem saber exatamente que tipo de impulso o atingiu ao ouvir aquilo, Dougie precisamente segurou pela cintura e a suspendeu no ar durante alguns milésimos de segundo antes de prensar firmemente o corpo dela contra o tronco da árvore, de forma agressiva, chocando seus lábios ansiosos contra os quentes, úmidos e ligeiramente salgados, por causa das lágrimas, dela de forma inesperada e urgente.
E, sem precisar pensar duas vezes - mesmo porque não teve tempo para isso-, , que tinha tanta pressa quanto ele em ir mais fundo com aquilo e sentir o gosto tão conhecido da boca dele misturar-se com o da sua, cedeu espaço suficiente entre seus lábios para que isso acontecesse. Passou a retribuir o beijo afoita e apaixonadamente, ao mesmo tempo em que sentia uma das mãos dele se enroscar em seus cabelos e puxá-los com certa força enquanto a outra apertava sua cintura com um toque um pouco mais veemente do que o de início, se é que era possível. Doeria, se não fosse deliciosamente bom e até mesmo reconfortante.
Sentiu os lábios de Dougie em sua mandíbula enquanto ele agilmente escorregava a mesma mão que antes se ocupava com sua cintura para uma de suas coxas, cravando intensamente seus dedos nela e puxando sua perna para cima. Entendendo o recado, , que agora tinha os olhos fechados e a respiração irregular, envolveu cintura dele com a mesma perna, o que fez com que seu vestido subisse consideravelmente e, ainda com o auxílio da última, colou ainda mais seus corpos, incentivando o garoto a aumentar os estímulos. Deus, aquilo era quase surreal depois de dolorosos dias de agonia masoquista, e como!
Uma mão se ocupava em puxar os cabelos dele da mesma forma que ele fazia com os seus, agora com mais força entre os dedos, como se todo seu apoio para se manter firme estivesse ali - já que suas pernas davam sinais de que poderiam ceder a qualquer momento, pegando-a de supetão, mesmo não estando mais sobre saltos agulha -, e as unhas da outra trilhavam um caminho completamente irregular nas costas do garoto, causando uma certa ardência no local e fazendo com que os músculos dele se retraíssem involuntariamente, por vezes, com os calafrios que passeavam por sua espinha.
Ele não precisou de muita cêrimonia para chegar a seu pescoço e começar a beijar e chupar a delicada pele que o revestia, mordiscando-a eventualmente. A cabeça dela pendeu para o lado, facilitando seu trabalho, enquanto ela mordia o lábio, tensionando os ombros por alguns segundos por causa da sensação deleitosa que a demora e a atenção especial dele com aquela parte sensível de seu corpo lhe despertava.
Certo, como diabos ia explicar o uso de cachecóis e lenços no verão? Okay, pensaria nisso depois que o lado bom da coisa tivesse chegado ao fim.
Aliás, ela tinha maquiagem das mais caras, por que estava pensando em cachecóis?
Cada gesto de Dougie tinha uma carga tão grande de desejo que era como se ele precisasse daquilo para continuar vivo. Bom, não era como se fosse o contrário, depois de duas semanas. Duas semanas talvez não matassem, mas podiam incomodar bastante e ele bem sabia.
Pobre das pessoas ou dele mesmo quando tinham que permanecer muito mais tempo com a vida sexual inativa!
Rapidamente suas as mãos desesperadas desceram para parte recém abandonada pelo vestido, um pouco abaixo dos quadris razoavelmente expressivos dela, e ele colocou-as dentro da peça íntima que a ocultava, ao mesmo tempo em que seus lábios tomavam o sentido contrário, buscando o encaixe sob-medida que tinha com os dela.
estava infinitamente agradecida por seus pais, como não era de costume, terem decidido não dar aquela festa no jardim. Caso contrário, nada daquela situação quase ilusória não estaria acontecendo.
Dougie não se lembrava de estar desejando-a tão impetuosamente antes de toda aquela sequência de tentações se iniciar e os pêlos de sua nuca permanecerem em estado de arrepio constante por causa da conexão entre ambos os corpos, cada arfada quase silenciosa dela se tornar um estímulo para ir cada vez mais além, e a coisa lá embaixo começar a dar sinal de vida. Percebeu que ela se dera conta disso, porque estava começando a provocar demais ao descer sua mão para uma região muito, muito perigosa e suscetível ao mais ingênuo toque que ficava entre suas pernas, mesmo que por cima da calça.
E ele não conseguia evitar se perguntar: quais eram as malditas intenções dela? Competir para ver quem explodiria de tesão primeiro? Até o machucado em seu cotovelo, que antes ardia que era um inferno, como se tivessem espirrado álcool ali, parecia nem existir mais. Segundos depois seus dedos já brincavam de puxar a alça da calcinha dela para baixo, deslocando-a e dando passagem para que estes estudassem a àrea mais livremente, fazendo com que a garota inconscientemente reagisse movimentando seu quadril contra o do rapaz uma vez atrás da outra, prendendo a respiração.
- Acho que... – Dougie sussurrou e mordiscou lentamente o lóbulo da orelha dela, que sentiu algo muito semelhante a cócegas no lugar. Pressionou mais seu corpo contra o de , se é que era possível e ela sentiu que poderia derreter tão facilmente quanto sorvete sob o sol ardente. – Estamos começando a resolver as coisas – concluiu.
- E eu acho que há um lugar – Ela retirou a mão atrevida dele de onde estava antes que não respondesse mais por seus atos e não conseguisse mais impedi-lo, e em seguida, em sincronia com a a outra, correu-a pela lateral de seu torso antes de colocá-las em seu rosto, uma de cada lado, obrigando seus olhares a se encontrarem. Capturou seu o lábio inferior delicadamente entre os dentes, prendeu-os ali e puxou-os vagarosamente, fazendo Dougie fechar os olhos e apertar com um pouco mais de intensidade seus glúteos, denotando sua aprovação sobre tal atitude. - Muito mais aconchegante para terminarmos de resolver essas coisas – ela soltou o lábio dele e terminou de sussurrar em resposta, no mesmo tom baixo e provocante que ele usara, depositando um beijo na curva entre o maxilar e o pescoço dele logo depois. – Então, sossega o seu brinquedinho aí - finalizou, divertida, e deu dois tapinhas em seu traseiro.
Dougie não conseguiu se conter e riu pelo nariz, levando-a pelo mesmo caminho enquanto apoiava testa em uma das omoplatas da garota, relaxando e aliviando a força de seus dedos na mão que havia subido para os cabelos dela momentos antes, percebendo que o clima se esvaíra quase totalmente com o que ela dissera ao senti-la desenlaçar a perna de sua cintura.
- Você vai ver o brinquedinho - ela riu. - Sua estraga prazeres – ele reclamou, risonho.
Não era porque ela não estava a fim de continuar com aquilo no jardim que não queria fundir todos aqueles arrepios em um, magnífico, só, em outro lugar mais apropriado.
- Hm, tem mesmo certeza disso? – ela retrucou, torcendo os lábios e arqueando uma sobrancelha de uma forma que o seduzia por completo.
- Vai me deixar entrar? – ele perguntou, com um quê de animação na voz e passou a afagar os cabelos dela enquanto a encarava, como se nunca tivesse a olhado com aquele peso da angústia e raiva contidas minutos antes.
- Uhum – ela afirmou, balançando a cabeça preguiçosamente, sorrindo de lado e cerrando os olhos de maneira adorável. – Onde você quiser – concluiu, soando ambígua. Um breve silêncio se fez presente enquanto ela corava involuntariamente antes de rir de novo, dessa vez de forma mais sonora, na sua vez de causar o mesmo efeito nele, que inclinou a cabeça para trás ao fazer isso.
Era bom ouvir aquele riso ecoar só para ela.
Ficaram abraçados por poucos minutos, acariciando um ao outro tenramente, e entre uma crise de risinhos idiotas deram tempo suficiente um ao outro, no caso dela para ajeitar seu vestido e no de Dougie, para que ele esfriasse os hormônios e pudesse caminhar confortavelmente até a casa. Ele beijou estaladamente o canto da boca da, com certeza e novamente, namorada (por acaso ela tinha seriamente deixado de ser?), antes de surpreendê-la passando um dos braços pelas dobras de seus joelhos e segurar firmemente sua cintura com o outro, suspendendo-a e pegando-a no colo. Graças a Deus ela era menor que ele e magra o suficiente para que ele conseguisse aguentá-la.
- Vamos rápido com isso – ele disse, começando a caminhar enquanto a carregava. – Já perdemos tempo demais nos odiando, temos que recuperá-lo.
- Dougie! – ela exclamou, repreendendo-o de forma não muito convincente e segurando-se no pescoço dele.
- O quê? – ele perguntou dissimuladamente, pensando que ela o censuraria pela piadinha.
- Você me pegou no colo!
- Ué, é isso que os príncipes geralmente fazem nas histórias, não? Achei que estava agindo certo... – ele fingiu estar confuso. Não era tão ignorante ao ponto de não saber que era exatamente aquilo, entre outras coisas, que a maioria dos príncipes fazia com a mais belíssima, perfeitíssima e sofrida amada nas histórias encantadas. Hm, se bem que ele estava mais sofrido do que ela ali! Argh, ele só podia estar tomado por outro espírito para fazer aquilo.
Ela o mirou, com as íris brilhando tanto quanto os anéis de brilhante e diamante que guardava em sua caixa de jóias e, sorrindo apaixonadamente, deitou a cabeça no peito dele, fazendo com que toda a sensação de "isso é uma besteira total" dentro dele se dissipasse.
- Você é tão, tão, mas tão lindo! – ela disse baixinho, com um tom de voz calmo. Como era bom ouvir, finalmente, um elogio depois de quase perder um... braço e uma perna, talvez.
- Certo, me diga algo que não sei – ele se gabou, fazendo uma cara de galã irresistivelmente presunçoso que a fez querer apertá-lo inteirinho, o mais dolorosamente possível.
- Você se esqueceu do cavalo branco! – ela implicou em tom debochadamente autoritário, subindo e descendo as unhas carinhosamente na nuca dele. – Você tinha que me carregar até o cavalo branco e depois nós fugiríamos, plenos, cavalgando em direção ao horizonte enquanto o narrador diria que viveríamos felizes para sempre!
Ah, é claro, o cavalo branco, clichê dos clichês quando se falava em príncipes encantados.
- Espera aí, sua precipitadinha. Como é que você sabe que eu não trouxe o cavalo branco? – Ele arqueou uma sobrancelha, baixando o olhar para ela.
- Não estou vendo nenhum! – o desafiou, observando ao seu redor o máximo que sua posição permitia.
- Você e essa sua mania de só acreditar vendo! Eu vim voando no cavalo branco, porque não era um cavalo, era um unicórnio! Mas ele voou de volta para casa depois, aquele imprestável. Ele detesta Londres.
Unicórnios voavam? Ah, nenhum dos dois tinha certeza, logo, não importava.
Ela caiu na gargalhada e ele riu, tornando a dizer:
- Ok, na verdade, você está certa, eu não trouxe o cavalo branco – admitiu, derrotado, jogando uma dose de pesar na voz. – Não adianta essa história de unicórnio, não deu tempo de aprender a cavalgar e essa é a dura verdade, , desculpa!
- Não tem problema, gracinha – ela sorriu, complacente, em resposta, sem mostrar os dentes.
- Mesmo porque esta não será minha função quando nós estivermos em cima da sua cama e entre quatro paredes, se é que você me entende... – ela soltou uma exclamação horrorizada, desenlaçando um braço do pescoço dele e dando um soquinho em seu peito, corando e enfezando a cara.
- Dougie! Será que isso é tudo no que você consegue pensar o tempo todo? – censurou-o. Ela bem o conhecia para dizer aquilo!
- Não, na verdade. – ele ensaiou uma expressão pensativa. - Consigo pensar no que vamos fazer pra chegar nessa parte da história e onde vamos chegar depois dela! – ele continuou a brincar, deixando-a cada vez mais vermelha e quente, ainda que com o olhar risonho. – Ah, que linda você, toda coradinha, mimimi, aí! – ele beijou o topo da cabeça dela, achando aquilo demasiadamente encantador. - Não precisa ficar com vergonha, boba! Eu sei que você está vermelha porque prefere fazer em vez de--
- Okay, já chega! – ela voltou a adverti-lo com a voz mais divertida do que séria. – Você está cheio de piadinhas, hoje, né?! - Revirou os olhos ao vê-lo brincar com as sobrancelhas.- E quando é que não está?
- Eu? – ele perguntou, descrente, encarando-a. – Você tem certeza absoluta? Foi você que começou com essa história toda de “onde você quiser" ! – provocou-a, sorrindo de canto.
- Ah, meu Deus! – ela escondeu o rosto, apertando-o contra o peito dele. – Não precisava me lembrar disso, tá bom?
- Nunca vou te deixar esquecer disso!
- Cala a boca - ela disse, rindo pelo nariz e pondo um dedo em riste em frente aos olhos dele. - Nunca vi príncipes atrevidos e assanhados assim, como você!
- Essa é a parte que eles omitem, tolinha – ele piscou marotamente para ela, que inclinou um pouco o rosto com a intenção de ganhar um selinho e, após recebê-lo, sorriu abertamente.
Era impossível parar de sorrir quando estava se sentindo, literalmente, uma princesa boba e completamente apaixonada. E aquela sensação era tão gostosa! Tão confortável quanto colo de mãe depois de ver algo assustador, ou ao ficar com preguiçinha quando se tem cinco anos de idade. Além de deixá-la mole, todo aquele conforto a aquecia gostosamente por dentro e lhe dava a impressão de causar até sonolência, por isso fechou os olhos e passou a ouvir o som dos pés dele batendo contra o solo junto com o farfalhar das folhas dançando com o vento, e respirou fundo, sentindo-o também brincar com seus cabelos.
- , não acredito que você está dormindo! – Dougie protestou, um minuto depois, em voz alta o suficiente para fazê-la abrir os olhos e dirigi-los, preguiçosamente, aos dele. Mas ela não estava dormindo, na verdade. Não ainda.
- Qual o problema? – perguntou, num tom tão preguiçoso quanto a sua boca se movendo para falar e seus olhos se fechando novamente.
- Que você está dando uma de Bela Adormecida! Não era pra levar essa história de contos de fada tão longe assim, você veio com essa história de “onde você quiser" aí; nós ainda nem terminamos o que começamos e eu já vou ter que te acordar!
- Do que você tá falando? Como assim vai ter que me acordar? Eu não estou nem--
- Eu vou te fazer perder o ar, meu amor – ele a interrompeu em um tom bregamente provocante, tanto quanto o de um bonitão de novela mexicana.
- Que você...?
E antes que pudesse concluir sua frase, sentiu algum tipo de estrondo atingir seus ouvidos. Tudo estranhamente silenciou e cada músculo seu se retesou, endurecendo como pedra, ao passo que ela quase se afogava ao sentir todo o seu conforto quentinho se perder na água fria de sua piscina - que mais parecia estar recheada de gelo. Constatou, então, que ele havia pulado nesta com ela junto, porque ainda sentia os braços dele segurando-a firmemente nas mesmas partes de antes.
- Você quer... me... matar? – ela disse em meio a tosses, assustada e espremendo os olhos, logo após emergirem, enquanto Dougie só fazia rir, tossindo também. Havia engolido um bocado d’água com um gosto horrível de cloro e agora tentava, com um pouco de dificuldade e várias caretas boquiabertas, recuperar o ar.
- Não, na verdade – ele a soltou e ela sentiu seus pés descalços tocarem os azulejos escorregadios do revestimento enquanto ele passava os polegares por seus olhos, tirando o excesso de água sobre eles, levando junto alguns fios de seu cabelo que haviam grudado ali, para que ela pudesse abri-los. – Estou tentando manter nós dois conscientes, já que eu também estou zumbizando hoje.
- Bem, poderia ter pensado em outra maneira de fazer isso! – ela retrucou, na dúvida entre achar aquilo divertido ou ralhar com ele, já que estava tomada pelo frio. – Eu tenho cafeína em casa, sabia? Vamos pegar uma gripe e ficar de cama por um mês, agora, isso se não morrermos de hipotermia com os lábios roxos como os daqueles dois no final de Titanic, antes. Parabéns! – Preferiu por ralhar, só para não perder o costume, e sentiu as mãos dele envolverem cada lado de sua cintura por baixo d’água, ao passo em que ele começava a caminhar lentamente contra ela, forçando-a a andar de costas.
Ele estava mesmo fazendo jus àquela coisa de não perder tempo! Sentia todo o frio se esvair de sua pele só de ser atacada pelo olhar penetrante dele, um pouco coberto pelo cabelo encharcado, que dava a aparência de estar mais escuro e lhe presenteava com um ar mais sexy, fazendo seu coração começar a bombear sangue mais rápido do que o habitual.
Sentiu sua coluna bater levemente contra uma das bordas da piscina e percebeu Dougie descendo o olhar para os seus seios, sorrindo, pervertido, automaticamente. Ela abaixou um pouco a cabeça e o olhar para saber o que de tão inédito ele estava vendo ali.
Ah, não.
Na mesma hora desejou se afogar, literalmente, de tanta vergonha. Mesmo que ele fosse seu namorado e tivesse visto ‘pior’, Que porcarias de sutiãs caríssimos e de última geração eram esses que não disfarçavam aquele tipo de reação?
Ambos nunca haviam visto antes um conto de fadas envolvendo uma dose tão grande de sexualidade, pelo menos não da forma que lhes foram contados, mas não podiam ser tão fiéis a eles, não é?
Dougie voltou a encará-la fixamente de maneira mais ardente do que a de antes, quase rindo de seu embaraço. Não sabia se o aquecimento de seu corpo estava sendo acelerado por culpa de seu constrangimento ou por perceber as intenções que o olhar de seu namorado guardava.
Ele mordeu o lábio inferior e pressionou seu corpo contra o dela, de uma forma tão imponente que ela não conseguiria escapar se quisesse.
Não que ela quisesse, é claro. Ele podia sentir e ver isso para comprovar.
Nos instantes seguintes, também se tornou muito difícil saber se os arrepios que corriam por seu corpo e a sua dificuldade em respirar eram provocados pela água extremamente gelada que a cobria, pelo toque atrevido dele em seus seios, ou pela mistura das duas coisas. Pelo menos podiam concluir que de hipotermia é que eles não morreriam, definitivamente.
Dougie segurou a ponta de seu queixo delgadamente esculpido entre o indicador e o polegar, puxando seu rosto para mais perto, e sussurrou, com os lábios tentadoramente próximos aos dela - contrariando o que o seu olhar passava-, cheio de ternura:
- Sabe, estava aqui pensando... Eu poderia passar milhões de anos de cama se eu tivesse você ao meu lado pra passá-los comigo. Eles seriam tão mais intensos e bem aproveitados assim.
Então, sorriu serenamente por um milésimo de segundo e capturou os lábios dela num beijo gelado, entre a delicadeza e a luxúria, assim que ela fechou os olhos, esperando prontamente para recebê-lo e correspondê-lo com os mesmos sentimentos que ele lhe transmitia, sentindo todo o seu corpo se render aos braços dele.
Onde é que diabos ele havia aprendido a falar aquelas coisas? Em um curso que ensinava como parar de agir feito um canalha perto de sua namorada de primeira classe?
É, bem... Não era como se ele não tivesse pensado em recorrer a algo do tipo.
Tão rápido quanto amoleceu, se enrijeceu de novo, juntamente de Dougie - que de repente abriu os olhos e os arregalou, assustado, antes de desgrudar seus lábios dos dela bruscamente emitindo um estampido esquisito-, ao escutar uma voz que provavelmente fora a que mais ouvira em sua vida chamá-la da mesma forma enfeitada de sempre:
- , minha florzi-nhaa!
Os dois soltaram uma exclamação de susto e Dougie rapidamente inalou todo o ar que pôde pela boca antes de desaparecer sob a água. Uma vez submerso, agachou-se e deixou que ficasse totalmente à sua frente, escondendo-o da melhor forma que podia.
- O que faz na piscina a essa hora, com um Valentino, querida? – Marie Cunningham perguntou, saindo de dentro da casa com as mãos na cintura e uma expressão programada de mãe preocupada. - De vestido, meu amor? E o aquecedor nem está ligado, mas que coisa!
- Não faço nada, mamãe. Só achei que seria legal, você sabe... É... – Ai, caramba, que porcaria de história inventaria? Seu namorado era o bom nisso, não ela (tudo bem, era só um pouquinho, quando necessário)! Mas no momento ele estava fingindo não estar ali para se ocupar formulando respostas criativamente mentirosas.
- O quê, querida? – Marie perguntou, arqueando uma sobrancelha e se aproximando cada vez mais da piscina.
“Ai, mamãe, por favor, não, não!... Fique onde está! Ai, caramba, não se aproxime mais!"
Droga, tinha que dar um jeito de fazer sua mãe voltar para dentro de casa antes que Dougie se transformasse num cadáver de um afogado com a pele habitualmente pálida sendo colorida por qualquer tom de roxo mórbido, como havia mencionado anteriormente.
- ... Me refrescar enquanto refletia! Está um calor e tanto, você não acha? – ela tentou soar convincente, dando um sorriso espontaneamente forjado que não mostrava os dentes. – Este verão maluco, chegando desta forma! Estava com tanto calor que fiquei até com preguiça de vestir roupa de banho!
Queria, do fundo da sua alma dócil e gentil, que sua mãe não desconfiasse que qualquer tipo de calor que sentira até aquele momento não fora causado pelo verão recém-chegado.
- Calor, florzinha? Estou congelando! – a mais velha, que era uma versão mais madura e cheia de botox de , indignou-se, levando à bochecha uma das mãos e apoiando o cotovelo no braço ligado à outra. – Os convidados já foram embora, por que você não entra, querida? Vou pedir à Frida para preparar um banho quente para você e levar o seu café-da-manhã no seu quarto. Você precisa se alimentar, se aquecer e descansar, ou ficará doente! – Marie continuou, em seu mesmo tom afetadamente preocupado – Vamos, saia já daí.
- Já sairei, mamãe, você pode ir na frente. – deu o sorriso mais amável que conseguiu.
- Por que não vai comigo? – Marie perguntou, desconfiada, levando às mãos à cintura, novamente, tentando discretamente olhar por cima dos ombros dela.
- Porque eu quero, hm, refletir mais um pouco. Capturar as boas energias que uma nova manhã traz. Você sabe, ensinamentos do mestre de yoga! Foi ele quem recomendou tudo isso na nossa última aula, como você pode não se lembrar? Foram recomendações... Fundamentalíssimas!
- É, realmente não me lembro, querida. – sua mãe afirmou com uma expressão confusa, se perguntando se já estava começando a caducar, mesmo desconfiada das circunstâncias contadas pela filha. Talvez precisasse de um neurologista imediatamente! Ou talvez fosse excesso de colágeno paralisando seu cérebro, vai saber. – Está bem, meu amor. Vou atrás de Frida, não demore muito.
- Não demorarei. – reassegurou e quando achou que sua mãe já havia se afastado o suficiente, sumindo pela lateral da casa depois de pegar as sandálias que ela abandonara mais cedo, deu um chutinho em Dougie, que afoitamente voltou à superfície, mais ofegante do que ela jamais conseguira deixá-lo, quase causando ecos ao tentar puxar todo o oxigênio do mundo pela boca de uma vez só.
- Meu recorde, uau! Porra, eu não sabia que conseguia segurar o fôlego tanto assim. – ele falou, em meio a frases preocupadas de , quando sua respiração já estava quase normal. - Garota, você é muito especial, mas não sei se volto mais na sua casa, acho que morreria se viesse de novo. Se eu tiver que voltar, me lembre de fazer um treinamento de resistência muito intensivo antes, sério! Eu sabia que as pessoas aqui dentro queriam me matar, mas não sabia que era tanto!
- Não corremos mais perigo. – informou a Dougie com um meio sorriso, carregando uma toalha pendurada nos braços ao entrar em seu quarto pela porta do corredor principal, trancando-a. Jogou sua toalha na cama, caminhando até ele, que estava só de cueca e secava o cabelo com outra toalha tão felpuda quanto a dela. Uma toalha felpuda e rosa-choque, ha, ha, ha. A culpa não era dele se não havia encontrado uma que não estivesse entre os mais variados tons de rosa e lilás.
Se ele não estivesse tão amável esfregando os cabelos com esta enquanto a olhava, cheio de insegurança, e esses dois fatores somados à sua beleza ao mesmo tempo inocente como a de um garotinho da propaganda de jujubas, e sexy como a de um modelo do comercial de perfumes internacionais não ofuscassem completamente o fato de a toalha ser rosa, tornando-a um mero detalhe, poderia até achar engraçado. Estava mesmo era querendo mordê-lo todinho.
Os dois haviam subido até o quarto pelo escorregador, minutos antes, deslizando várias vezes e caindo na piscina de volta, espirrando uma grande quantidade de água para fora enquanto riam como os dois adolescentes idiotas que eram, antes de obterem sucesso e conseguirem adentrar o cômodo, encharcando completamente o assoalho de madeira escura.
Ao passo que desfazia-se de sua roupa molhada e vestia um de seus robes de seda, Dougie também se despia do outro lado da porta - livrando-se primeiro dos sapatos e meias encharcados, deixando-os em algum canto que não fizesse ninguém tropeçar -, perguntando a ela se estivera tentando organizar algum tipo de exposição de fotos deles ao ver um monte delas espalhadas por ali. Ela se limitou a gargalhar brevemente e soltar um muxoxo ao sair para o quarto e, enquanto enrolava uma toalha na cabeça, retrucou que ele não gostaria de saber por que as fotos estavam daquele jeito. Antes que Dougie pudesse dar sua réplica, ela o interrompeu, deixando-o sozinho no cômodo, dizendo que iria “checar a segurança do território" e lhe indicando o local onde ficavam as toalhas para que ele pudesse se secar.
- Tem certeza? – perguntou um tempo depois que ela retornara, receoso, torcendo os lábios, arremessando a toalha na mesma direção que ela arremessara a dela segundos antes.
- Absoluta – ela assegurou, enlaçando os braços em torno de seu pescoço e esfregando a ponta de seu nariz em uma das bochechas dele, sentindo um cheiro ameno de cloro que se fixara ali por causa água da piscina. - Papai e mamãe já estão no quarto, eu disse a eles que também ia dormir. Pedi para Frida nos dar cobertura e guardar meu café. Não sei exatamente por que, mas Frida sabe de nós e nos ama. E, gato, ela sequer te viu pessoalmente!
Sorriu para o namorado, que passava a mão em seus cabelos, antes de dar-lhe um selinho que teria se tornado mais um beijo para a lista dos incontáveis e variados beijos de reconciliação, inclusive os que estavam por vir, pertencentes àquele dia, se não tivesse descolado seus lábios antes, alegando que acabara de se lembrar do machucado no cotovelo dele e precisava procurar uns band-aids para pôr ali. Soltou-se de Dougie, antes de pegar as toalhas sobre a cama e caminhar até o banheiro sob seu protesto:
- Gatinha – ele variou o apelido utilizado ocasionalmente por ambos, que de forma um tanto inexplicável se equilibrava entre o ridículo e o sensual e dito daquela forma ficou mais sensualmente ridículo ainda -, eu não preciso de band-aids! Nem tá doendo mais, argh, volta aqui!
- Precisa sim! – ela teimou e um tipo quase imperceptível de eco acompanhou sua voz, talvez por causa dos azulejos distribuídos pela dimensão nada ínfima daquele banheiro. - Ai, droga, me esqueci! Ia pegar umas roupas secas pra você no armário do Ced!
Dougie caiu deitado de costas na cama dela e bufou, contrariado, fechando os olhos, sem se dar conta de que poderia molhar a cama dela porque sua cueca ainda estava meio úmida. Mas talvez... Talvez não estivesse tão contrariado assim. Era bom ser mimado, tratado com tanto zelo, depois de se arrebentar tentando ter a atenção dela de maneira pacífica. Não pôde impedir que um sorrisinho sonhador brotasse no canto de seus lábios ao pensar nisso. Sentia-se recompensado, debilmente alegre, e era tão bom! Contudo, essa sensação estava parecendo se encaixar nessa palavra de outro jeito agora. Já não era bom como há alguns tempos atrás, ou quando a conhecera. Parecia estar em outra categoria da palavra, mais elevada. Era um bom melhor do que o bom de antes, "bonitinho" demais, mais consistente e que lhe causava um tipo de felicidade e instantânea. Parecia meio... Fantástico.
Abriu os olhos ao ouvir berrar que "não estava encontrando as porcarias dos band-aids" e sentou-se, passando a encarar os próprios pés e duas fotos, das muitas largadas no chão, em que havia pisado em cima. Ele nunca tivera realmente curiosidade em vê-las, mesmo sabendo que ela tinha mania de revelar muitas. Inclinou o corpo para baixo e tirou-as de debaixo dos seus pés descalços.
Na primeira foto que pegara, eles estavam sentados no chão do estúdio e estava sentada entre suas pernas, segurando seu baixo amarelo de forma um pouco insegura enquanto ele tinha a cabeça apoiada em seu ombro e envolvia as mãos dela, que estavam sobre as cordas do instrumento, com as suas, numa tentativa frustrada de guiar seus movimentos. Frustrada porque nunca conseguiam sincronizar o movimento de suas mãos para que aquilo tivesse sucesso e porque aquela cena terminou com ela alegando ter dedos curtos e delicados demais para tocar as cordas grossas daquele “troço", como chamara, até onde ele se lembrava.
Ele riu brevemente quando seus olhos caíram na segunda foto, ao mesmo tempo em que gritou ‘Achei!’ do banheiro e fez o caminho de volta até ele.
- Senta, rapidinho, e me dá seu cotovelo pra eu colocar os band-aids, Doug – ela pediu, rasgando a embalagem de um dos curativos que tinha em mãos com os polegares e indicadores.
Ele deixou as fotos de lado e seguiu suas instruções. fazia aquilo da maneira mais zelosa possível, semelhante à de uma mãe. E aquilo o fez pensar nela cuidando de seus filhos, se é que um dia chegariam a etapa de ter filhos. Aquilo não era normal, ele não tinha aqueles tipos de pensamento, aquele Dougie não lhe pertencia!
Não demorou muito para que ele estivesse com dois band-aids cruzados em seu cotovelo ferido, onde ela depositou dois beijinhos estalados antes de piscar para ele e se levantar para jogar os papeizinhos fora.
- , eu descobri porque a Frida nos ama! Olha só como nós somos bonitos! - disse, divertido, enquanto ela se sentava ao seu lado na cama, cruzando as pernas na posição borboleta, e mostrou a foto da qual rira para ela.
Nesta, ela piscava e fazia um biquinho sexy, apontando para ele, que a olhava, encolhido e com a face mais retorcida impossível, fingindo se esquivar e achá-la muito estranha e horrorosa.
- Eu sei muito bem disso, mas eu ainda ganho! – ela entrou no clima presunçoso dele e enrugou o nariz, gesto que ele achou adorável e convenceu-o do que ela dissera, levando-o a roubar um selinho dela. E outro. E mais outro. E mais outro, até que seus lábios grudaram-se definitivamente e se envolveram em um beijo calmo e tenro, sem língua.
O beijo foi finalizado com um baixo estampido e Dougie, encarando , escorregou os dedos por sua franja, que caía em sua testa, e acabou por colocar uma mecha do cabelo dela, ainda ligeiramente úmido, atrás de sua orelha. A mesma mão então repousou em uma das maçãs rosadas de seu rosto e seu polegar passou a acariciar a região sutilmente.
tinha plena noção de que seu cabelo estava desgrenhado, que seus olhos deviam estar envoltos por borrões horrorosos de rímel e sua pele provavelmente estava ressecada por causa da água da piscina, já que ainda não haviam tomado banho, mas mesmo assim percebeu o olhar de Dougie mergulhado em algum tipo de transe, parecendo esquadrinhar seu rosto, detalhe por detalhe, e fixando-se alguns segundos em seus lábios, onde sua respiração pesava, ainda acariciando sua bochecha.
Era meio instigante e estava começando a ficar assustada. Não se lembrava de ele ter analisado-a tão profundamente assim alguma vez antes.
Ele se perguntava como ela conseguia ter todos traços em sua face tão bem esculpidos, tão bem delineados, tão tênues. Eram tão harmônicos. Por que o contorno dos lábios dela lhe remetia a um coração? E por que diabos ele só estava notando tudo isso daquela maneira acentuada depois de tanto tempo se tivera tempo o suficiente para perceber aquilo aos poucos e não de uma vez só? Ele sabia que ela era bonita, claro, mas agora ela parecia algo além disso.
- Por que você tem que ser tão... – Dougie quebrou o silêncio pairante, prendeu os olhos dela nos seus,e fez uma pausa, em busca da palavra certa para continuar a falar. - Bonequinha?
E por que ele tinha que resolver dizer aquelas coisas afáveis quase nunca e reservá-las todas para um dia só? Achava que causar taquicardias em série fazia bem para o seu coração? enrubesceu automaticamente e sentiu uma espécie estranha de formigamento percorrer todas as extremidades de seu corpo, que quase derreteu completamente ao ouvi-lo dizer aquilo.
Sem dúvida, seu olhar agora denunciava o quanto havia sido afetada por aquelas palavras. Devia estar tão apaixonado e brilhante quanto aqueles exagerados da tevê, só faltava ela suspirar audivelmente. No entanto, preferiu sorrir de forma amorosamente estúpida em substituição.
- Desculpa por tudo, eu fui mais do que um idiota com você – ele disse, finalmente de forma direta, porque simplesmente achou que deveria. - Não queria ter te magoado, juro.
- Não importa mais, eu já esqueci. Sei lá, sabe... Você fez todas as suas atitudes daquela noite parecerem absolutamente nada, hoje – ela disse e também tocou o rosto dele. – E isso me faz gostar ainda mais de você – finalizou antes de entortar os lábios por sentir-se um tanto envergonhada ao dizer aquilo, fechar os olhos e sentir o início da sua viagem encantadora ao país das maravilhas começar novamente. E esta prometia chegar até o destino final.
Dougie espalmou as mãos em seus ombros e empurrou-os levemente para baixo, a obrigando a se deitar, enquanto ela ajeitava as pernas apressadamente para que ele pudesse se encaixar precisamente no espaço que se fizera entre elas. Sem dar tempo para que ele a dominasse novamente, inverteu as posições o mais agilmente que conseguiu, já que ele era mais forte, e sentou-se sobre a pélvis do garoto, que prendeu o ar na mesma hora. Espalmou as mãos sobre a cama, uma em cada lado da cabeça dele, deixando que as pontas dos fios de seus cabelos roçassem a pele alva de seu rosto, provocando-lhe leves cócegas. Ele reagiu lançando-lhe um sorrisinho surpreso e depravado e ela fixou seu olhar caloroso no dele, que o correspondeu na mesma intensidade, antes de voltarem a se beijar com a mais vontade das vontades.
Estava muito mal dormido e ela estava muito pior. Provavelmente os relógios marcavam, ainda, um pouco mais de nove da manhã e eles estavam no terceiro round consecutivo de amassos. Esse tipo de coisa não costumava ser feita naquelas condições, mas no ritmo do “onde você quiser" que seguiam, qualquer hora era hora.
Isso não poderia ser justificado como algo além das conseqüências de sentir falta de uma pessoa e ter que reprimir tudo o que ela lhe provoca por bastante tempo. A energia que tudo isso acumulava parecia não desaparecer nunca e era a mesma que fazia um certo robe de seda deslizar e ser lançado em qualquer direção no ar, revelando uma nudez certamente especialmente estonteante à sua visão naquele momento, que apagava qualquer cenário oblíquo ao redor; que dentro de ambas as consciências criava um mundo onde não existia nada além de todos os seus sentidos sendo mutuamente aguçados.
Sentindo-o deslizar os dedos por sua barriga de forma deliciosa, enquanto a boca dele passeava por seu colo, já por cima dela novamente, agarrou a única peça de roupa que o garoto vestia e puxou-a bruscamente para baixo, fazendo-o murmurar um ‘uou’ seguido de um risinho como reação enquanto parava de beijá-la por alguns segundos para poder arrancar a peça íntima por inteiro.
estava com pressa, sim. Haviam brincado demais um com o outro naquele dia e não era justo só ela ficar nua por inteiro.
- Doug – Ela o empurrou-o fortemente, arfando, quando já estavam quase partindo para a ação final, e colocou seu olhar repentinamente tenso no dele. Não entendendo coisa alguma, ele iria perguntar o que havia feito de errado quando ela continuou - Preservativo?
Não acreditava que quase havia deixado aquele detalhe passar! Não estava levando a história dos filhos a tão a sério!
- Droga – ele murmurou, frustrado, e soltou todo o ar retido em seus pulmões. – Eu juro que tinha uma no bolso da calça. – Ela riu por dentro. Então ele estava planejando chegar até ali desde o começo, o espertinho. - Mas a calça tá lá do outro lado –ele prosseguiu, dengoso. - E sabe-se lá se aquela merda de camisinha ainda tá lá depois disso tudo....
- Ah, quer saber, foda-se!– ela falou inesperadamente e ele arqueou as sobrancelhas em resposta, não conseguindo evitar estranhar tais palavras na boca dela. Só teria sido pior se ela tivesse dito ‘foda-me’, claro. – Eu não agüento mais, pelo amor, tô quase explodindo, vamos acabar logo com isso!
Até onde sabia, Dougie não carregava nenhum tipo de DST (só esperava que ele não tivesse contraído alguma com alguma biscatezinha nas semanas em que estiveram separados, mas falariam sobre aquilo depois) e quanto aos outros riscos, ela tinha a ajuda da tecnologia contraceptiva para impedi-los, por misericórdia! Aquilo era o suficiente para puxá-lo de volta e fingir nunca ter cortado a cena no ato mais importante.
Algum tempo depois de voltarem do paraíso, os dois, cobertos de suor e com as respirações escandalosamente descompassadas, sentiam a onda de calor que os invadira ir se esvaindo aos poucos, começando a relaxar, um ainda sobre o outro, enquanto suas funções corporais voltavam ao normal na mesma velocidade.
- Como senti sua falta... – ela balbuciou, encarando-o de forma íntima, antes que ele afundasse o rosto na saliência entre seu pescoço e ombro depois de retribuir a frase com um sorriso, e antes de cair ao lado dela. Ela aconchegou-o em seus braços, de forma contrária do que geralmente acontecia, e passou a afagar seus cabelos.
Tudo o que ele sentia no momento era... Doce. Doce talvez fosse o adjetivo que chegasse mais perto de definir aquele conjunto de sensações e o gosto que ela havia deixado em sua boca. Mas era um doce novo, que parecia mais colorido, mais gostoso, bonito e intenso de uma forma singela, como se pudesse realmente possuir todas aquelas características e como se ele não precisasse de mais nada no mundo além de poder estar ao lado dela da maneira que estavam: tendo um ao outro.
Queria poder definir o turbilhão de emoções que vinha o assolando naquelas últimas horas de maneira clara, mas só conseguia pensar que aquilo, de certa forma, era novo, porque era tudo o que já chegara a sentir por outras garotas de um jeito assustadoramente mais impetuoso e até superior. Gostava daquilo, fazia-o sorrir. Não sabia de onde vinha toda aquela onda nauseantemente romântica, mas não era tão ruim agora que a permita se instalar dentro de si.
Depois de esforçar-se tanto por ela e, por fim, ser levado às nuvens, chegava à conclusão de que tudo o que vinha sentindo por , apesar de todas as grosserias e defeitos que acabavam sendo iguais de maneiras diferentes e os faziam tropeçar enquanto aprendiam a se tolerar aos poucos, só podia ser...
- ? – Ele a chamou e ouviu-a manifestar-se ao gemer, sonolenta. Interpretou aquilo como uma resposta, supondo que ela estivesse prestando atenção.
- Sabe, eu estava aqui tentando pôr algum sentido em toda essa coisa estranha que eu venho sentindo por você e, sei lá, concluí que... – suspirou. - Eu te amo. Não consegui descobrir um jeito melhor ou mais inovador de resumir.
...o que costumavam chamar de amor. Esperou ouvir a voz dela em resposta, mas não se pronunciou no primeiro minuto. Nem no que se seguiu. E nem no que veio depois do seguinte.
Com certa falta de destreza, moveu-se delicadamente em seus braços e, da melhor forma que conseguiu, levantou a cabeça, direcionando seu olhar para o rosto dela, que exibia uma expressão tranqüila. Ela respirava calmamente, com as pálpebras cansadas escondendo-lhe as íris hipnotizantes.
A garota-boneca estava adormecida e, por fim, após depositar um beijo ameno na lateral de um dos seios dela, ele decidiu imitá-la, prometendo a si mesmo se empenhar para fazê-la cada dia mais feliz e esperando fazer jus a beleza que repousava ao seu lado sem insultá-la.
- Então quer dizer que já está com namorada nova? - uma voz feminina nada desconhecida por ele perguntou do outro lado da linha e este a assimilou à dona no mesmo instante, sentando numa das almofadas do sofá, que afundou com o peso de seu corpo.
- Desculpa, o quê? - perguntou Tom, se fazendo de desentendido.
Se no mundo dela iniciar uma conversa por telefone querendo uma resposta imediata àquela pergunta, sendo a ex-garota mais recente dele e causando tensão em cada célula de seus músculos, era adequado, conclusivamente este era ocupado por uma legião de diretamente indelicados.
- Você não quer mesmo que eu repita, quer? – ela retrucou, cheia de impaciência para cima dele.
Ah, Deus, o que quer que fosse que ela havia descoberto, como o havia feito? As coisas nos dias atuais se deslocavam tão rápido que ele mal as acompanhava.
- Eu não tenho uma namorada nova, Giovanna – ele afirmou, sério e a garota do outro lado riu seca e sarcasticamente.
- Sendo assim, quem era a ‘garota misteriosa’ que você estava beijando em Stonehenge na última sexta-feira? Um espírito celta? Ou talvez um holograma? – ela o colocou contra a parede, carregando sua voz com munição extra de ironia.
Tom coçou a cabeça e contorceu seu rosto numa careta que se assemelhava a uma de dor, franzindo tanto as sobrancelhas e o nariz que mais um pouco a ponta deste seria capaz de alcançar as duas primeiras - ao mesmo tempo em que jogava todo o peso de seu corpo para um dos lados e caía de cara no assento fofo, bufando.
- Como está Aurora? – ele mudou bruscamente de assunto, questionando-a sobre o estado de uma das gatas que costumavam criar juntos quando viviam desta maneira e que havia ficado com ela quando se separaram.
- Está ótima, obrigada. Não vou perguntar sobre Leia se é isso que você quer – ela respondeu, citando a outra gata, que ficara com ele -, porque já percebi que você está querendo mudar de assunto. – Tom bufou e revirou os olhos, levantando metade do seu corpo e voltando a apoiar as costas no encosto do sofá.
Por que diabos ele atendera ao telefone sem olhar o identificador de chamadas mesmo?
Só agora, depois de um tempo considerável que já haviam decidido romper sua relação amorosa amistosamente, o que havia restado de laço afetivo entre os dois estava começando a ruir e ficar insuportavelmente “desafetivo" na opinião dele.
De qualquer maneira, não havia por que tentar omitir algo do qual ela já tinha conhecimento, então resolveu ser direto e explicar tudo o que talvez conviesse a ela, de uma só vez:
- O nome dela é e não é minha namorada. Nós só estamos saindo há algumas semanas, eu ainda estou a conhecendo e nós fomos ver o dia do solstício amanhecer em Stonehenge com os caras. Só isso.
- Só isso? Hm, certo. Onde você a conheceu? – ela aprofundou mais o nível de seu interesse no assunto.
- Não creio que isso te diga respeito, sinceramente, Giovanna – ele replicou, áspero, passando a acariciar os pêlos macios e bicolores de Leia, que agora repousava em seu colo. – Mas o que me convém nessa história toda é: como é que você descobriu isso?
- Por quê? Você não queria que eu descobrisse, por um acaso?
“Mas. Que. Porcaria. De. Garota. Petulante", pensou pausadamente antes de inspirar o ar profundamente, esfregar o rosto com a mão que antes acariciava a gata e tornar a falar:
- Isso não vem ao caso, bosta. Anda, fala logo, como você ficou sabendo?
- Você e essa tal estão aos beijos na primeira página do The Sun de hoje! Não é fantástico? – ela o informou, absurdamente irônica. - E você nem me deu tempo de duvidar das novidades, já que você me esclareceu tudo! Tarde, talvez, mas esclareceu. Você não ia me contar até que eu descobrisse, não é? Tome cuidado ao se amassar com uma garota em público da próxima vez que quiser ter um romance secreto!
O quê? Como assim estavam na capa do The Sun? Desde quando ele era famoso a ponto de ser capa do The Sun e de sua vida amorosa ser tão externamente interessante assim a ponto de vender tablóides? Era o menos cobiçado do McFly até onde sabia, ela só podia estar brincando. E o que ela pensava estar fazendo ao ler aquela birosca completamente fútil e, na maioria das vezes, mentirosa?
- Eu não estava me amassando com ela, nós estávamos nos beijando! Você está brincando com a minha cara, não é? – Ele estava indignado. Odiava quando o lado ruim de ser famoso resolvia dar as caras.
- Mas é claro que não!
- Giovanna, olha –-
- Será que dá pra você parar de me chamar de Giovanna? – ela o interrompeu, o que enervou-o instantaneamente. - Eu não sei por que você começou com isso quando terminamos, você nunca me chamou de Giovanna desde que eu te disse que –-
- E nós nunca precisamos chegar ao ponto de nos tratar desse jeito ridículo antes de você começar a agir de maneira infantil! Já faz quase três meses, quando é que você vai aceitar que acabou? – ele disparou, irritado, quase berrando e sentindo seu rosto queimar.
- Nunca – ela disse com as pregas vocais embargadas pela amargura.
Por mais que Giovanna não viesse favorecendo sua situação, não queria que ela ficasse magoada e que toda aquela rispidez se tornasse mais pesada a cada vez que se falassem dali em diante.
- Gi - resolveu aliviar a tensão e atender ao pedido dela -, isso não tá certo. Eu poderia te pedir desculpas, mas não faz muito sentido, porque só estou seguindo em frente! Você sabe que eu te amo, mas não da mesma maneira de antes, e você não pode –
- Você não poderia estar mais correto, Tom – ela o interrompeu pela segunda vez, ainda usando o mesmo tom de voz. – Isso não tá certo, porque meu destino é ficar ao seu lado e construir uma vida junto a você, porque você quer isso tanto quanto eu, e eu te amo da mesma maneira de sempre. Não gosto de te ver com outras garotas porque é falso. – A voz dela ficava mais trêmula a cada palavra que pronunciava e ele, do outro lado da linha, percebeu o que estava por vir. Não seria a primeira vez. – Sei que é um pretexto seu pra dizer com muita convicção que me esqueceu, enganando a si mesmo; sei que você ainda me ama, do jeito que sempre amou, Tom! O que Deus uniu, meu amor, o homem não separa! Por que você não pára de negar isso?
O fim da última frase bastou para que ela desabasse em lágrimas e começasse a fungar baixinho, onde quer que estivesse, provocando absoluto silêncio da parte dele. Ela finalmente o atingira, então, se era o que pretendia. Sempre o atingia, porque ainda tinha muita consideração por ela dentro de si, construída em anos, para que ignorasse suas lágrimas e seus soluços agudos que mostravam o quanto ela sentia não tê-lo por perto como estava habituada a ter.
Giovanna não precisava ter tocado naquele assunto de novo, saco! Agora solavancos extremamente desconfortáveis não deixavam seu estômago em paz e sentia que a qualquer momento engasgaria com o nó que se formava em sua garganta. Com os lábios crispados, olhou para sua gata de estimação, que piscava os olhos preguiçosamente, e quando abriu a boca para responder ouviu a campainha soar, o que o levou a dizer:
- Escuta, a campainha tocou. Eu acho que é o Harry – ele supôs, já que o amigo dissera que passaria ali para buscá-lo e irem juntos ao estúdio testar uma música nova com os outros garotos, que provavelmente já estavam lá. – A gente conversa depois, tá? Por favor, não chora... Fica bem, tchau.
Sabia que estava sendo, de fato, insensível ao interromper a conversa daquela maneira e apertar o botão do aparelho que dava fim à ligação, meio que desligando na cara dela e ainda pedindo que ela ficasse bem. Mas se sentira extremamente sem saída, confuso e tenso demais para que pudesse tomar uma atitude mais madura.
No entanto, esperava ter tempo o suficiente para pensar numa mais plausível até a próxima vez que sua ex-namorada decidisse ligar.
- Ei, , olha só – chamou a atenção da amiga enquanto mascava um chiclete e tirava um exemplar de junho da revista Elle de uma das prateleiras da revistaria onde ela e a outra garota estavam. - Até que eu achei a Keira Knightley bonita nessa capa. Eu acho essa mulher tão sem sal, mas conseguiram colocar uma graça nela. – levantou o olhar da gigante matéria sobre Amy Winehouse na Rolling Stone para a capa que a amiga, segurando um exemplar da Cosmopolitan na outra mão, lhe estendia.
As duas haviam se encontrado na estação de metrô que suas linhas tinham em comum, naquele final de tarde, para percorrerem o resto do trajeto até em casa juntas já que seus horários haviam mais ou menos coincidido, e pararam na revistaria da rua de trás da qual moravam para checar as últimas futilidades e não-futilidades impressas.
- Hm, é verdade, ela tá bem bonita – concordou, tirando um pirulito de morango da boca para falar e logo que terminou voltou a chupá-lo.
- E olha só a Ashlee Simpson, aqui, na Cosmo - voltou a comentar e levantou seu olhar mais uma vez, para a outra capa, onde a cantora aparecia de vestido azul.- Tá parecendo a Barbie Malibu bronzeada desse jeito e com essas luzes californianas!
- Ela tá outra pessoa depois que operou o nariz, ficou até mais bonita que aquela irmã tonta dela, na minha opinião. A Jessica é uma porta, que tipo de pessoa não sabe que atum é peixe?
- E não é? – concordou e começou a rir descontroladamente.
- O que foi? – perguntou, segurando o pirulito em uma mão e voltando a atenção para a Rolling Stone, mas ainda assim querendo saber no que a amiga via tanta graça. Na Jessica Simpson, que ela citara, é que não seria.
- Eu sempre morro de rir com essas revistas, olha só – fez uma cara sensual e ensaiou uma voz de mesmo timbre ao ler um dos tópicos em destaque na capa – “75 truques de sexo! Advertência: eles são tão quentes que talvez essa revista exploda em chamas."
a encarou, prendendo o riso e as duas explodiram em gargalhadas sincronizadas segundos depois, chamando a atenção do rapaz que ficava no caixa e estivera as olhando de canto o tempo todo porque elas falavam em português, com exceção da leitura (não que ele já não estivesse acostumado a ouvir idiomas estrangeiros inúmeras vezes ao dia).
- Não, não, calma! Olha só essa: “Um tipo de carícia que pode aproximá-lo ainda mais de você" – ela leu, risonha, semicerrando os olhos e movimentou a cabeça e as sobrancelhas de um jeito insinuante, fazendo rir mais escandalosamente ainda e fechar o exemplar que segurava. – Aposto que tem nada a ver com fazer seu pretendente sentir a carícia de um soco no nariz vindo de um cara três vezes mais forte que ele quando você está tentando instigá-lo – concluiu, provocando a amiga e voltando a prender o riso.
-Ha, ha e ha, ! – iniciou sua réplica, parando de rir automaticamente, tentando ensaiar uma expressão por inteiro séria, mas não obtendo muito sucesso. – Aposto que tem muito menos a ver com... com... – ela tentava se lembrar de algum motivo aceitável, mas não conseguia encontrar nenhum que viesse facilmente à tona em sua mente.
- Com o quê, menina? – cutucou ao perceber a clara falta de argumentos dela.
- Ah, eu sei lá, tudo isso é passado. Agora somos todos Digimons evoluídos! – a outra se deu por vencida de forma brincalhona, arrancando mais uma explosão de gargalhadas da amiga e rindo com menos ênfase antes de voltar a chupar seu pirulito e deslizar os olhos pela prateleira à sua frente em busca de outra coisa interessante.
O rapaz de dentes amarelos, óculos e postura curvada que comandava o caixa, e agora segurava um exemplar aberto do The Sun, pigarreou e somente involuntariamente desviou seu olhar para ele - já que parecia concentrada demais em folhear a Elle enquanto mascava seu chiclete- notando que este olhava a melhor amiga de maneira curiosa por cima dos óculos e que provavelmente seu pigarreio fora proposital. Em um milésimo de segundo seu olhar caiu na primeira página do jornal que cobria parcialmente o rosto feio do homem e arregalou os olhos, não conseguindo prender uma exclamação ao boquiabrir-se.
“Ai, meu Deus!", ela gritou internamente, e levou uma mão ao peito, aproximando-se do caixa com o olhar fixo no canto superior direito da mesma página.
- Com licença – pediu ao homem, que não fez nada além de observá-la quando ela tirou-lhe o exemplar das mãos e percorreu as íris pela manchete que mais lhe chamava a atenção justamente por ter duas imagens de Tom e juntos em Stonehenge, uma ao lado da outra. Na primeira eles estavam de mãos dadas e na segunda ela segurava a mandíbula deste enquanto o beijava. Logo abaixo, vinha uma manchete em letras grandes e quadradas:
“McLOVE: GAROTA MISTERIOSA CAI NA COVINHA MAIS FAMOSA DO REINO UNIDO!"
Agora ela entendia o olhar curioso do homem sobre .
- AH, MEU SENHOR! – finalmente reagiu de forma própria para ela, prendendo o pirulito entre os dentes e a bochecha, o que criou uma pequena elevação nesta e uma alteração em sua pronúncia, enquanto caminhava até a amiga, que colocou a Cosmo e a Elle no mesmo lugar em que estavam antes, segurando o jornal.
- O que foi, Escândalo? – perguntou, nada surpresa com o berro da garota, ainda mascando seu doce grudento.
- , você é o escândalo! – parou em frente a ela, que arqueou uma sobrancelha, não entendendo nada. – Tão falando aqui que você caiu na cova do Tom, olha só!
- O QUÊ? – parou de mascar seu chiclete e berrou, fazendo o homem do caixa se sobressaltar de susto e desviar seu olhar para o movimento da rua tão barulhenta quanto elas do lado de fora, fingindo não ver o que ocorria em seu ambiente de trabalho. Sorte que não havia mais nenhum cliente além das duas. – QUE É QUE EU TÔ FAZENDO NO THE SUN? – ela estava em dúvida entre rir e ficar séria, mas a surpresa que sua imagem em destaque num dos tablóides mais famosos do Reino Unido lhe causava só lhe permitia fixar uma expressão estupefata com olhos que quase saltavam das órbitas em seu rosto. – AH, MEU DEUS, NÃO ACREDITO! – Arrancou o exemplar das mãos de bruscamente, para olhar mais de perto, como se aquilo fosse ajudar seu choque a se dissipar e seu corpo a descongelar mais rápido.
- NEM EU, AMIGA! – gritou na mesma altura, dando pulinhos exaltados enquanto balançava a mão que segurava o pirulito freneticamente e tinha seu par sobre a boca aberta. - VOCÊ TÁ FAMOSA!
“McLove", mas que coisa absurdamente cafona, pensava. Será que eles não tinham uma definição melhor para pôr não?
Admitia para si mesma que vez ou outra quisera ter seus 15 minutos de fama, mas como uma atriz de musical da Broadway ou algo assim, nunca ganhando um canto em evidência na página do The Sun com uma manchete de extremo mau gosto como aquela!
“Caiu na covinha. CA-IU–NA–CO-VI-NHA! QUE GENTE BREGA É ESSA, MEU DEUS?!"
- Não há nada sobre você e Danny? – perguntou, receosa sobre a resposta que poderia obter.
- Não que eu tenha visto – respondeu, percebendo que a cor da pele da amiga parecia estar mais pálida. – Talvez tenha algo aí dentro e, , você—
- Vamos descobrir isso em casa!
Agora estava tão indignada que nem sorrir queria mais. Não havia nenhum sentido em só terem metido a cara dela e de Tom ali, sendo que Danny e também estavam relativamente juntos no dia. Qual era o problema em achar aquilo estranho e querer que a amiga compartilhasse de sua “empolgação’’ também?
Foi andando até o balcão do caixa a passos furiosos e apressados, sentindo uma onda de calor que já devia ter aparecido há muito tempo invadi-la, morta de vergonha porque o homem provavelmente havia a percebido impressa no papel também. Jogou a goma de mascar na pequena lixeira que havia próximo ali, tirou de um dos bolsos frontais de seus jeans skinny os exatos trinta pence que o jornal custava e tacou-os no balcão, antes de sair do estabelecimento sem olhar para trás, levemente amassando sua mais nova aquisição “tabloidística" por segurá-la com uma força mais que necessária, tendo em seu encalço.
- Tá aberta! – berrou e invadiu seu território cheirando a sabonete e loção hidratante, com os cabelos molhados caindo-lhe sobre os ombros e molhando seu camisetão de dormir estampado com macaquinhos coloridos que ela achava adorável, segurando duas caixinhas de comida chinesa que cheiravam deliciosamente bem.
- Tá mais calma agora, ? – perguntou , rebolando ao som de D is For Delightful dos Arctic Monkeys que saía dos alto-falantes acoplados ao laptop até a cozinha. Repousou as caixinhas aquecidas ao lado de três bonequinhos de Luke Skywalker, Chewbacca e Darth Vader que ficavam sobre uma espécie de mureta que separava a sala daquele cômodo.
havia surtado, há mais ou menos meia hora antes, ao constatar que não havia nem uma notinha sobre Danny e como um casal entre as notícias, surpreendentemente, na opinião desta última, já que uma fã havia os interrompido num momento muito delicado, ainda por cima segurando uma máquina fotográfica.
A única coisa que o artigo contava era que os meninos do McFLY haviam passado a madrugada em Stonehenge na companhia de amigos - entre eles duas garotas, e que uma delas, a tal misteriosa, havia sido flagrada “em clima de romance" (outra coisa que elas acharam cafona) com Tom, ao amanhecer. Havia algo também sobre o término do namoro duradouro deste antes de o texto terminar com uma indagação sobre quem seria a ‘garota misteriosa’.
- Mais ou menos – respondeu, rolando os dedos sobre o mouse de seu MacBook branco que estava sobre a mesa de centro da sala de estar, sem desprender o olhar da tela ofuscante dele.
Estava morrendo de medo de acessar seu profile no Facebook ou entrar no MSN e milhares de mensagens pularem alucinadamente e preencherem toda a extensão de sua tela, com gente dizendo que havia visto-a no Sun com o membro de uma das bandas mais famosas do país na atualidade.
Ela mal sabia que o McFly era tão famoso, já que não se inteirava sobre o mundinho desses garotos simplesmente porque não lhe interessavam, até começar a sair com um deles e conhecer todos os outros. Por isso quase caíra para trás ao digitar o nome da banda na caixinha de busca do Google e milhares de resultados, muitos vindos até do Brasil, se revelarem em poucos segundos.
Antes de conhecer Tom, ela só sabia quem eles eram e nada mais!
- O Tom me ligou enquanto você tomava banho – informou à , depois que esta perguntou se ela gostaria de mais molho de soja em seu frango xadrez e ela respondeu que sim.
- E aí, que vocês conversaram? – perguntou, curiosa, pegando alguns guardanapos e desembalando os dois pares de hashi.
- Nada de mais, ele só lamentou por ter me exposto tanto e me pediu desculpas, mas eu disse que tava tudo bem, que não era culpa dele. Depois ficamos rindo da tonteira toda que escreveram e ele disse que me ligaria essa semana pra gente fazer alguma coisa.
Ela começou a cantarolar a nova música que envolvia o ambiente e tinha um ritmo extremamente acelerado, uma vez que acabara sua explicação. se sentou à sua frente, também no chão, porém do outro lado da mesinha de centro, e colocou os dois recipientes preenchidos pelo frango xadrez, que parecia saboroso, sobre ela.
– Não é como se pudéssemos fazer muito, afinal. Minha mãe ficou meio besta com essa história toda, mas ela até que riu no fim das contas. – continuou a contar e fez uma careta surpresa. – Ela acabou de sair do MSN.
- Você não vai comer? – perguntou, apoiando as costas no sofá atrás de si, pegando os hashi e a sua caixa novamente, apontando a comida de com eles.
- Vou – respondeu, totalmente absorta na em uma página da internet particularmente interessante. – Espera só um pouquinho.
“Oh, Deus, procure o que quer, encontre o que não quer", era o que pensava ao clicar em cada link daquele site que armazenava incontáveis fotos dos garotos do McFly editadas por fãs.
A maioria continha comentários sobre as imagens, às vezes alguns desenhos malfeitos, uns de caráter humorístico e outros de caráter maldoso. Outras eram print screens ou montagens com fotos das próprias fãs, às vezes acompanhadas de textos enormes quase cobrindo-as por inteiro, onde uma garota atacava outra de uma forma que chegava a ser quase selvagem, mesmo que via internet.
Na internet, todo mundo era corajoso, simples assim.
Como se não bastasse, no meio dessa bagunça toda, encontrou fotos dos garotos com antigas namoradas e até mesmo de Dougie com quem ela deduzira ser , seu relacionamento atual, pelos comentários das fãs cobrindo as fotos, se assustando cada vez mais a cada palavra que lia. Isso quando não estavam as namoradas, e até mesmo ficantes, por si só, sendo xingadas até suas últimas gerações, de todos os nomes possíveis, e esculachadas com os mais variados truques que programas editores de imagem ofereciam.
Ao mesmo tempo em que sua visão tinha acesso a tudo isso, não conseguia evitar ter um pouco de medo ao pensar no quanto sua vida seria exposta e, de certa forma, invadida se quisesse continuar se relacionando com Tom. Não imaginava que as coisas tivessem essas proporções. As garotas falavam do McFly como se eles fossem algum tipo de propriedade privada, o The Sun parecia fichinha perto daquilo.
Não só a vida dela seria afetada, mas a da garota que estava sentada à sua frente, mastigando demoradamente e batendo os pés contra o chão no ritmo da música, provavelmente sem imaginar que metade do que a melhor amiga descobrira existia, também.
Talvez devessem começar a considerar proteger mais suas informações na internet. Aquelas fãs deles pareciam meio... Insanas? Sem limites? Possessivas? Descontroladas?
Não importava, só sabia que se estava assustada. Não sentia que as fãs eram uma ameaça a sua relação com Tom, mas do jeito que elas aparentavam agir, tinha medo do que poderia vir a fazer caso algo mais grave que as envolvesse acontecesse.
- Sabe, , tô aqui pensando... – quebrou o silêncio que havia se instalado entre elas durante os minutos em que tinha seus níveis de choque e tensão elevados por causa de amantes platônicas e loucas. - Se eu e Danny progredirmos, sabe... Se a coisa começar a ficar séria, quanto tempo você acha que levará até descobrirem? – ela fez uma pausa ao perceber que a mais nova não parecia prestar atenção no que ela dizia. – Hey, , tá me ouvindo? Eu tô aqui, olha! – ela acenou velozmente em frente aos olhos da amiga.
- Sim – obedeceu-a, desviando seu olhar, antes petrificado no monitor, para ela.
- Quanto tempo você acha que vai demorar pra eu e Danny estarmos no The Sun, no Mirror ou algo do tipo, se formos pra frente? – voltou a perguntar, dessa vez de forma mais específica. – É meio estranho.
- Não sei , mas acho que muito pouco tempo. Os caras descobrem o inimaginável muito, muuito rápido hoje em dia, de formas mais inimagináveis ainda, às vezes, você sabe – refletiu, ainda tensa, e fechou o laptop para dar atenção completa à outra garota. – Mas nem se preocupa com o The Sun ou com o Mirror. Perto do próximo inimigo que irá nos atacar, mesmo que não diretamente, acho, em um futuro muito breve, eles serão ínfimos. Se nós quisermos continuar com os garotos, , a gente tem que se preparar para se tornar vítima constante dessas fãs doidamente apaixonadas que eles têm. E, também, de um site extremamente engenhoso chamado McFly Secrets.
Quando ela desligara o telefone dois dias antes daquele e saíra dando pulinhos por todos os cômodos, era porque ele era adorável. E ele valera toda a demora na escolha de roupa para acabar em algo moderno-e-sexy-mas-não-vadia-quero-dar-pra-você que se seguiu, envolvendo e Anka, sua colega polonesa da faculdade que estava em sua casa quando Danny telefonara chamando-a para um encontro.
Um Encontro, oficialmente um encontro! Somente os dois, e sem gente falsamente hippie, teenie e maluca para atrapalhar! Pelo menos era o que ela esperava.
Assim como esperava não derrubar molho, ketchup ou qualquer outra coisa na camiseta branca oversized que vestia: lisa, de meia-manga e levemente decotada, deixando um pouco à mostra um de seus ombros. Manchar roupas brancas era uó quando se tinha que lavá-las. Ela ia até o começo de suas coxas e cobria parte do jeans super skinny, preto assim como as ankle boots, completamente fechadas, que vinham logo depois, em seus pés. O cabelo estava solto, e o único acessório que ela usava e se sobrepunha sobre a camiseta era uma corrente prateada, bem fina, no pescoço.
Parecia adequada para um jantar. E estava torcendo para que fosse um jantar normal em um restaurante casual, não aquela cafonice toda de velas e outras frescuras pelas quais ela tinha aversão e a faziam querer fugir sem se dar o trabalho de olhar para trás. Ela detestava caras românticos ao extremo ou que faziam questão de impressionar garotas através do dinheiro.
Nah, pelo que conhecera de Danny, ele não parecia ser desse tipo. Seu faro não a guiava para homens assim.
Quando o garoto lhe enviou uma mensagem de texto perguntando se ela não se importaria se ele pagasse uma corrida de táxi porque ocorrera um problema de horários e ele não poderia buscá-la em casa, ela achou amável da parte dele se preocupar em não fazê-la usar o metrô, mesmo quando não podia ir até ela. Também achou bonitinho da parte de Danny que ele fizesse surpresa sobre o lugar que escolhera para reservar uma mesa para dois, dizendo que não lhe contaria mesmo que sua curiosidade estivesse “vazando pelos ouvidos", como ele mesmo dissera quando ela insistiu em saber.
Sair para comer não era um programa dos mais originais, mas ela quase tremeu de excitação e abriu um sorriso rasgado quando o taxista a deixou no lugar combinado, no horário combinado, o que era um acontecimento quase extraordinário na vida dela. Achou muito considerável da parte dele querer levá-la para jantar ali. Significava que ele havia utilizado de sua perspicácia e estava prestando atenção na conversa de várias vertentes que eles haviam tido em Stonehenge, mais especificamente na parte em que ela revelara uma de suas inabilidades - que era cozinhar -, dissera que adorava o Jamie Oliver e sempre quisera provar alguma das coisas gostosas que ele preparava, no Fifteen, já que ele era o único que conseguia provocar nela uma genuína vontade de comer e de se arriscar no ramo delicado da culinária, também.
Ela até gostava de assistir o programa onde ele tentava embutir uma alimentação saudável nas escolas da Inglaterra, o que fazia dele, de fato, quase um milagreiro em sua vida. Só seria melhor se ele cozinhasse para ela todo dia, em todas as refeições, já que quando ela tentava imitá-lo algo sempre dava errado e ela acabava quase incendiando a casa inteira ou o cabelo e tudo acabava numa gosma nojenta ou pedra incinerada e não comestível.
Até prendeu a respiração quando entrou no restaurante e disse ao maître que sua reserva estava no nome de Daniel Jones. Ele perguntou se ela era ‘’ ao checar a tela do computador antes guiá-la até a mesa, que ficava perto das janelas (uma escolha ingênua, na opinião dela. Mas inteligente se ele quisesse ser flagrado por bisbilhoteiros. Ou talvez ele nem tivesse escolhido o posicionamento da mesa), dizendo que Danny ainda não havia chegado e pedindo para que ela aguardasse.
Animada, ela aproveitou para girar sua cabeça nos cento e oitenta graus possíveis para reparar na decoração aconchegante e moderna dentro dos padrões ingleses, que muitas vezes eram um tanto arcaicos para ela, pelo menos naquele quesito.
O mais estranho era que ela estava levando aquilo tudo numa boa, sem suar frio e querer sair correndo dali ao pensar em si mesma comendo na frente dele. Assim como , ela era super paranóica sobre comer na frente dos caras com quem saía, no início de tudo, mas não se sentia tão incomodada no caso. Era como se a imagem de Danny em relação a isso lhe passasse algum tipo de descontração que simplesmente não a fazia querer vomitar antes mesmo de comer ao pensar em todos os desastres que podiam acontecer durante um jantar que era para ser romântico, ou quase isso, e acabava em comida no dente e vexames do tipo.
Se bem que, do ponto de vista dela, nem a descontração mais descontraída do mundo apagava o constrangimento de um episódio de comida no dente na frente de um pretendente.
Avaliando melhor, estava começando a ponderar que talvez essa história de comida no dente deixasse-a nervosa e a obrigasse a se levantar para ir ao banheiro checar sua limpeza dentária de cinco em cinco minutos enquanto estivessem comendo. Droga, se ela não ficasse pensando no quanto estava estranhamente relaxada com isso, não teria ficado aflita.
Até aquele momento ela não precisara disso para ficar nervosa ou insegura. Havia outras coisas com as quais se preocupar. E ele não precisava nem estar presente para provocar uma onda de nervosismo crescente dentro dela e era aí que morava o perigo. Ela não estava apreciando muito aquilo. Nem um tantinho.
No noroeste da cidade, o grande sofá da sala de estar de uma casa que incontáveis meninas ao redor do mundo arrancariam uma parte do corpo em troca de uma permissão para adentrar confortava a silhueta desajeitada de Danny, iluminada somente pelos tons azulados e esverdeados que compunham a fraca luz saída da tela da tevê, que exibia um documentário sobre os elefantes africanos e o perigo de sua extinção.
A voz do narrador era um sussurro devido ao volume, que estava quase no mínimo, e este falava para nenhum telespectador. Pelo menos não naquele recinto, já que o homem deitado no sofá, com a boca entreaberta, o braço pendendo sobre uma garrafa vazia de Foster’s no chão e correndo o risco de derrubá-la ao fazer qualquer movimento brusco, não tinha as mínimas condições de prestar atenção nas informações passadas uma vez que ressonava tranquilamente, mergulhado por completo em um sono profundo há poucas horas.
Sentiu-se incomodado quando algo vibrou e começou a emitir uma musiquinha estridente o suficiente para perturbar seu sono, mesmo que esta estivesse sendo abafada pelo estofado e seu corpo, que repousava em cima do aparelho celular. Num gesto preguiçoso e inconsciente, ele tirou o aparelho que fazia cócegas em sua barriga de debaixo dela e, sem ao menos se dar o trabalho de olhar para o visor e ver quem estava lhe contatando, pressionou a tecla vermelha que cancelava a ligação e virou-se de barriga para cima, colocando o celular em cima dela.
Não muito tempo depois, o toque irritante começou a chamá-lo novamente e ele repetiu o ato de cancelar a ligação, com a mente no piloto automático. Repousou o objeto no mesmo lugar antes de jogar o braço esquerdo sobre os olhos, movimentar suavemente os lábios e continuar a dormir como se não tivesse sido importunado. Quando a terceira tentativa de obter alguma resposta dele foi feita por quem quer que estivesse ligando, o que denotava uma certa urgência vinda da pessoa, seu subconsciente se preocupou em fazê-lo rejeitar a chamada novamente e virar-se de lado, segurando o aparelho na mão displicente sobre o peito.
Somente a quarta vez foi suficiente para fazê-lo recobrar a consciência num ímpeto e, em vez de apertar o botãozinho vermelho automaticamente, Danny abriu um olho só, checou o visor e pressionou o verde ao enxergar turvamente o nome ‘Antony Mate’ piscando.
- Seu bastardo! Eu ‘tava dormindo, cacete – ele xingou o amigo, com uma voz sonolenta, mais rouca e grave do que o habitual. Limpou a baba que milhares de garotas gostariam de lamber e escorria por um dos cantos de sua boca com a palma da mão, piscando os olhos vagarosamente. Será que perdera até os direitos de descansar em paz? Não que estivesse morto, era evidente que não, já que acordara. Nada de memórias póstumas. – Que é que você quer?
- Agora não tá dormindo mais e... TOCA ESSA BOLA DIREITO, SEU PUTO! BATE DIREITO!
- Quê? – Danny indagou com a voz preguiçosa, não compreendendo onde o contexto da bola se encaixava na resposta à sua pergunta, e bocejou em seguida. Antony por acaso achava que ele estava mentindo e, em vez de dormindo, estava se masturbando ao falar com ele no telefone? O que suas bolas tinham a ver com aquilo, afinal?
- Arsenal contra o Liverpool, aquele último jogo que terminou empatado, sabe? – Ant começou a explicar do outro lado da linha e Danny suspirou, aliviado. Não lhe apetecia a idéia de fazer sexo por telefone, ainda menos com Ant. - Tô vendo a reprise porque não consegui pegar ao vivo e me esqueci de gravar.
Que tipo de pessoa vibrava com a reprise de um jogo de futebol do qual já sabia o resultado? Danny até teria gargalhado disso se não o conhecesse ou, talvez, se sua mente não estivesse ainda sendo manipulada pelos efeitos do sono, mesmo que parcialmente no momento.
– Danny, cara, não acredito que você estava dormindo quando poderia estar fazendo coisas muito melhores!
- Tipo? – Danny perguntou e bagunçou os cabelos, totalmente ciente dos modelos de resposta que poderia obter de uma pessoa como Antony Brant.
- Tipo encoxando um monte de gostosas comigo na festa que tá rolando na casa de um amigo e eu acabei de descobrir! – Ant exemplificou num tom de voz animado e afirmou os pensamentos de Danny. – É uma festa pequena, sabe – especificou. - Mas ele me disse que tem uma loira lá com uns peitões daqueles que parecem duas colinas, perfeita pra mim. Ele disse que ela disse que são completamente naturais, cara! Quem sabe você não encontra uma pra você também, se for comigo!
Uma festa com loiras peitudas? Não era de se dispensar. Mas ele não podia, já que sairia com outra garota. Os peitos dela não eram lá duas colinas, mas ela aparentemente compensava no resto.
- Não posso sair com você, tenho um encontro hoje – ele respondeu com a voz um tanto enrolada, fingindo ignorar a parte dos peitões da mulher, e grunhiu sutilmente, espreguiçando-se ao esticar as pernas e o braço desocupado.
- Encontro? Hmm, tá mais esperto que eu, então, garanhão? – Ant brincou e riu de forma breve e engraçada logo depois. – Quem é a bella Donna da vez?
- É a , lembra dela?
- Claro que lembro! Ela é gente fina! Ótima escolha, a propósito, se não te disse isso antes. Ela é bem gata, cara! – Ant empolgou-se nos elogios. Na verdade, ele gostaria de ter utilizado qualquer palavra mais forte, como “gostosa" e sinônimos, mas por um milagre da mente humana teve a impressão de que não seria apropriado.
Homens e suas manias. Mulheres podiam ser completamente sinuosas, ou magras, mas ainda assim possuírem algumas curvas, como ; podiam ser um bicho pau ambulante ou terem somente o rosto bonito, mas parecia que eles simplesmente não conseguiam ser sutis e dizer “ela é bonita!" ou “ela é linda!". Noventa e cinco por cento das vezes eles pareciam preferir se expressar através da frase “ela é gostosa!" acrescentada de mais algumas palavras enfatizadoras ou não. Se não eram o capeta em forma humana, eram gostosas e ponto.
- Que seja – Danny se manifestou num tom que ficou entre o desinteressado e o mal-educado, e Ant se perguntou se o amigo estava o censurando por dizer que a garota dele era gata ou se era somente o peso da sonolência em sua voz. - Tenho um encontro com ela às oito.
- Espera aí. Que horas? - Ant disse e Danny imaginou que ele fosse chamá-lo para ir à festa acompanhado de , depois que a encontrasse, ou algo do tipo, porque ele era desses. Claro que ele nunca seria tão sem noção ao ponto de levá-la a uma festa regada a cerveja, que ela não gostava, e um monte de loiras peitudas para intimidá-la. Pelo menos achava que não. E se ela quisesse e acabasse beijando uma das loiras peitudas na frente dele? Okay, aquela realidade já era alternativa demais já que ele era completamente leigo no assunto e seus limites sexuais.
- Às oito – ele repetiu. - Marquei com ela num restaurante lá no centro, e tal –mencionou enquanto coçava a cabeça e voltava a bocejar.
- HAHAHA, depois de mim, só você mesmo, cara! – Ant o gozou e passou a rir escandalosamente.
- Do que você tá falando? – Danny perguntou entre seu bocejo com uma voz lerda que lembrou a Ant o Zé Colméia. – Caramba, responde logo! – Danny insistiu, notando que ele não parecia querer parar de rir tão cedo.
Não entendia a gargalhada escandalosa e em execução de Ant. Por que uma pessoa riria daquela forma de coisas que não carregavam um pingo de graça?
Ele compreendia até certo ponto, porque também sempre ria de coisas que as outras pessoas não achavam engraçadas. Mas aquilo era zero na escala do engraçado.
Considerou a idéia de Antony estar sob o efeito de narcóticos. Por acaso estava fora de moda levar garotas para jantar e ele não sabia ou teria que internar seu amigo na reabilitação para fazer companhia à Amy Winehouse porque ele andava se drogando pelos cantos e becos e guardava segredo para todos sobre isso? Bem, talvez Ant só estivesse rindo porque sua voz soara engraçada ou algo do tipo. Essa última opção lhe pareceu mais plausível.
- Do que você tá rindo, porra? – Danny fez mais uma tentativa, dessa vez usando um tom mais imponente, na esperança de que isso o fizesse parar de rir.
Dali a pouco ele já estaria rindo também, só por causa do amigo!
- Se eu fosse você, criaria asas e ia voando pra esse encontro – Ant finalmente voltou a se manifestar com palavras e riu por um breve momento novamente. - São oito e quarenta, seu idiota!
Antony era um de seus melhores amigos e costumava ser anormalmente divertido. Quando estavam juntos, parecia que competiam para ver quem era o mais palhaço e quem provocava mais gargalhadas nas pessoas, porém, desta vez, Danny não estava vendo humor algum na peça que ele estava tentando lhe pregar. Nem era primeiro de abril, que, aliás, já tinha passado há quase três meses, francamente! Aquele homem não tinha limites?
- HAHA, seu imbecil, pode parar porque eu já saquei que você tá tirando uma comigo - Danny disse. Tudo bem que seu estômago estava a se revirar somente por pensar na possibilidade do que ele dissera ser verdade, e estava morrendo de medo de consultar o relógio preso a seu pulso, mas ele conhecia Ant muito bem para cair na dele de primeira.
- É claro que não tô, veja você mesmo, imbecil! – Ant foi mais sério, porém estava claro em sua voz que ele ainda se divertia com a situação. - A garota deve tá puta da vida, já deve ter até dado o fora do restaurante!
Danny trocou o telefone de mão e levou o braço esquerdo à frente de seus olhos. Os ponteiros realmente conspiravam com a brincadeira de Ant, que não era brincadeira no final das contas. Tal constatação foi suficiente para fazê-lo ficar de pé num átimo, batendo a mão vazia na testa e arregalando os olhos. Parou-os nos elefantes que caminhavam em fila na tevê, se perguntou por que demônios ela estava sintonizada no Animal Planet, e foi invadido por um desespero crescente que queimou cada célula de seu corpo. Era como se o calor produzido, que deixava seu rosto sardento cada vez mais ruborizado, estivesse se transformando em energia bastante para lhe fazer sair correndo na velocidade da luz até o Fifteen dez vezes, mas ao mesmo tempo aumentando a ação da força da gravidade em seu corpo, prendendo-o ao chão e impedindo-o de mover qualquer parte dele que não fosse a boca, para berrar:
- CARALHO, NÃO ACREDITO! PORRA! Depois falo com você!
- Depois você me fala como consertou essa cagada toda, se conseguir, seu conquistador de quinta! HA, HA, HA! Dan, não acredito que você...
Ele não deixou que Ant terminasse a frase e finalizou a chamada, apertando o botão vermelho várias vezes, como se uma não fosse o suficiente. Subiu as calças que se encontravam no meio de sua bunda, deixando à mostra a cueca azul, arremessando o celular sobre o sofá ao mesmo tempo.
De repente, se viu caminhando apressadamente para qualquer canto da casa, praguejando alto, tão desnorteado que não sabia nem o que fazer primeiro. A única coisa que sabia era que estava completamente amarrotado e fedendo a sono e cerveja.
Ele havia chegado de uma reunião na gravadora no começo da noite e decidira tirar um cochilo antes de ir para o encontro. Cochilos eram saudáveis e ele não tinha culpa se dormira muito pouco na madrugada anterior, o canal de filmes é que tinha!
Havia sido tão cauteloso ao avisá-la que não poderia ir buscá-la! Estava com medo de que algum imprevisto acontecesse com as coisas da banda por causa de pequenos problemas que estavam enfrentando e não queria ter de atrasar o horário do encontro, justamente por saber que ela tinha compromissos no dia seguinte, então, se algo o pegasse de surpresa, ele não passaria em casa antes de seguir para vê-la, ou talvez pudesse cancelar antes.
Porém, nenhum imprevisto havia ocorrido, então, ele aproveitou a brecha do “não posso te buscar" para descansar um pouco e não parecer mais desligado do que já era quando estivesse na frente dela, conseguindo prestar atenção nas coisas que ela dissesse. E mais importante ainda: no que ele mesmo iria dizer. Estava inconformado consigo mesmo por ser tão burro e descuidado a ponto de se esquecer de acionar o despertador.
Como se o despertador fosse realmente acordá-lo...
Mas por que diabos ela também não havia ligado? Pelo menos a situação estaria um pouco melhor e ele poderia ter formulado qualquer desculpa instantânea! Agora estava agradecendo tudo que era agradecível por Ant ter telefonado. Sabe-se lá em que horário teria despertado de seu sonho com microfones voadores se isso não tivesse acontecido.
- Merda, merda, merda! – Ele disse, parando no meio da cozinha e puxando os cabelos para trás com as duas mãos, mas não sabendo exatamente por que estava ali. – Primeiro, um banho muito rápido. Depois, uma camisa limpa... – Ele enunciava para si mesmo, voltando a se mover e caminhando o mais rápido que o espaço permitia em direção ao banheiro, agilmente arrancando a camiseta branca que vestia pela cabeça. – Não posso esquecer a carteira hoje, não posso esquecer a carteira e... AI, PORRA! – voltou a xingar quando tropeçou num par de tênis Vans, não fazendo idéia de como eles haviam ido parar no seu caminho.
Uma hipótese era ele mesmo ter largado-os ali, não?
Teria arrebentado os dentes e o nariz no chão e não somente caído de lado, com um baque, se não tivesse se segurado na parede ao seu lado. Como se não bastasse ter os dentes todos tortos e o nariz arrebentado uma vez em um mês!
Levantou-se o mais rápido que a dor na perna que havia batido bruscamente contra o assoalho permitiu e, entre gemidos e mancadas, retomou seu caminho, postulando manhosamente para a força superior mais pop do mundo:
- Deus, sei que errei deixando-a lá, esperando por mim; sei que sou meio pecador – Por acaso era possível ser meio pecador? -, mas, por favor, Senhor, DÁ PRA COLABORAR SÓ UM POUQUINHO?
Nos primeiros dez minutos, ela achou normal, porque ele devia ser uma pessoa comum nos padrões do mundo, não nos britânicos-pontualíssimos - ainda que para muitos isso fosse nada além de um estereótipo. Ela também sempre se atrasava um pouco para tudo, era campeã em tal modalidade. Pelo menos tinha a desculpa de não ser nascida nos terrenos Ingleses.
Nos outros dez minutos que se seguiram, ela procurou se distrair com o cardápio que Johnny, o homem baixinho e de óculos que se apresentara como o garçom que a serviria naquela noite, lhe entregara. Que porcaria era “gremolata"? E como alguém conseguia permitir que colocassem bochechas de porco fritas com o macarrão? Talvez ela até deixaria se não houvesse a explicação do que “guanciale" era entre parênteses, mas não lhe apetecia a idéia.
Nos cinco minutos seguintes, estava se segurando para não virar de uma vez toda água que a garrafinha que pedira durante os dez minutos anteriores continha. Suas mãos estavam inquietas, em dúvida entre segurar a taça, permanecer sobre a mesa ou esfregar-se em seus joelhos, sob a última.
Nos outros cinco que vieram, já começara a ficar preocupada com Danny, pensando se deveria ligar para ele ou não, e sua mania de checar o relógio de um em um minuto estava quase a fazendo ficar caolha permanentemente. Mais um pouco e jogaria uma moeda dentro da taça de água para tirar a cabeça da demora de Danny e distrair-se com a refração.
Decidiu então ir até o banheiro para esvaziar sua bexiga. Enquanto fazia isso, e depois checava duas vezes se o zíper do jeans estava fechado ao terminar, considerou a idéia de ligar para Danny para saber se havia lhe acontecido algo. E se ele tivesse ido parar no hospital ou algo do tipo, ela perguntava a seu próprio reflexo no espelho enquanto lavava as mãos.
Com certeza não seria ele a atender o telefone, nesse caso.
Estava com medo de parecer chata, no começo. Mas desde que era ele quem lhe devia uma ligação e explicações acreditáveis para deixar-lhe a par de sua situação, e até então não o fizera, o chato era ele. Isso estava levando-a para outro contexto da palavra “nervosa", irritando-a profundamente. Jurou para si mesma que se ele não chegasse logo, seu lado maníaco se manifestaria, ela faria dele um homem sem testículos e ainda os cortaria com uma peixeira furtada da cozinha daquele restaurante.
Suas pernas logo começariam a doer se ela não parasse de chacoalhá-las. Seu limite de paciência, que era muito fácil de ser atingido e parecia estar sendo testado, foi alcançado quando uma hora de espera se completou. A esse ponto ela já havia escutado a mesma voz feminina dizer ‘A pessoa para quem você está ligando se encontra indisponível no momento. Por favor, deixe sua mensagem após o sinal.’ três vezes seguidas; sua inquietação estava sendo inconveniente até para si mesma; todos já estavam olhando para a moça solitária que não comia, só bebia água e ia ao toalete; e não agüentava mais repetir para a Johnny que “iria esperar mais um pouco por ele" quando este lhe perguntava se ela queria fazer seu pedido.
Sem contar que o olhar de pena dele que caía sobre ela a cada vez que dizia aquilo era inquestionável, e extremamente justificável, então, achou mais adequado pedir a conta, que devia incluir três garrafinhas d’água, quando ele parou à frente dela de novo.
Incontestavelmente, naquele momento, para , Danny Jones era um homem sem testículos, sem moral e passara de apaixonante a “aquele-conquistador-barato-e-filho-da-mãe".
Se ele achava que, só porque tocava guitarra, era famoso, sedutor e tinha uns dentões e umas sardas bem simpáticas, podia marcar um encontro com ela para deixá-la plantada, esperando por ele durante a eternidade que cabia dentro de sessenta minutos, sem dar sinal de vida para se justificar como se ela fosse alguma fã idiota que faria isso com a maior vontade e prazer do mundo para dizer que valera a pena depois, ele estava tão enganado que até se engasgaria com sua própria enganação depois.
- Obrigada, Johnny, você foi muito gentil – agradeceu o garçom e sorriu de canto. – Se um cara chamado Daniel Jones aparecer por aqui - ela se perguntou quantos não apareceriam por causa popularidade do nome e sobrenome dele -, por favor, diga a ele que ele é um imbecil! – Ela quase murmurou e o homenzinho limitou-se a assentir com a cabeça, os lábios tortos em um sorriso piedoso.
Estava tão sem jeito que tinha até vergonha de se levantar. Começou a imaginar todos apontando para ela e rindo abafadamente, caçoando de sua situação. Mas foi corajosa o suficiente e tirou toda aquela cena maluca de filme da cabeça antes de alçar a bolsa no ombro e levantar-se para caminhar em direção à saída após pagar o que devia.
Por acaso ela parecia tão inocente ou tonta assim? Eram os traços de seu rosto que lhe davam uma aparência de boba? Porque se ele pensava que ela era, não, ela não era! Tinha uma vida para tomar conta e muitos outros caras para levar em conta para acabar perdendo seu precioso tempo de vida esperando por Danny, o Rei da Falcatrua, numa quinta-feira, às nove da noite.
Porque aquilo era, sim, pura falcatrua da parte dele. Ele estava lhe dando um bolo. Ela estava LEVANDO UM BOLO, isso era uma das piores coisas do mundo se tratando de qualquer relacionamento! Deixava-a extremamente irritada, magoada e feria profundamente sua moral, ela querendo admitir ou não.
Principalmente se ela gostava da companhia do cara como gostava da companhia de Danny. E, mesmo que estivesse lutando contra si mesma, fingindo que não, o fato de ele ser extremamente disputado, que antes lhe afagava imensamente o ego, lhe causava uma sensação ainda pior.
Primeiro ele a levava pra sair com seus amigos depois de adiar tal encontro, depois, dois encontros tiveram de ser cancelados: um por culpa dele e outro por culpa dela, dando-lhes a impressão de que seria quase impossível se verem novamente se não fosse por acaso. E, quando finalmente conseguiam combinar os relógios de suas rotinas, ele tinha a ousadia de dar uma daquelas.
Seria preciso muita persistência se ainda quisesse progredir com ele, o que a desanimava só de pensar, e durante aquele espaço de tempo parecia não mais lhe fazer a cabeça com o mesmo entusiasmo. No entanto, mais incômodo ainda era constatar que, de acordo com o caminho que a última atitude dele trilhara em sua mente, querer conhecê-la mais a fundo era algo que havia sido arrancado indelicadamente dos planos de Danny e fazia sua cabeça dez vezes menos do que no caso dela.
Será que ele não tinha tato o suficiente para perceber que deixá-la saber disso do modo como ocorrera a magoaria pelo menos um pouquinho? Seria ele tão avoado a ponto de nem mesmo ter pensado em dizer que não estava mais interessado nela de forma menos indireta e mal-educada? Por que ele não poderia simplesmente admitir isso em vez de marcar um compromisso e fazê-la passar vergonha?
Pelo menos, uma vantagem havia: estava terminando quando mal acabara de começar e, diante disso, as conseqüências teriam proporções menores e a superação ocorreria muito mais facilmente. Não era como se estivesse morrendo por Danny, não tivera tempo suficiente para perder a noção de quem era por ele. Só estava bem a fim dele, como seus amigos lhe jogaram na cara.
Fazia um tempo que ela não se animava tanto por causa do sexo oposto e todos que viviam ao seu redor perceberam que a intensidade de sua agitação estava sendo muito maior. Até sua mãe, em outro continente, notara que havia algo de diferente.
Tudo bem, ela estava , muito, completamente a fim dele. Mais do que se lembrava de ter estado de qualquer garoto que viera depois de ter terminado pacificamente, há um ano e meio, seu namoro de 6 meses com Dean, que conhecera praticamente ao por os pés na Inglaterra.
Havia o encontrado no aeroporto, no dia de sua chegada, quando ele abordou-a inesperadamente – porém, gentilmente -, oferecendo-se para pagar seu cappuccino enquanto ela aguardava, ansiosa, a chegada de sua tia, que se atrasou o suficiente para que uma conversa descontraída acontecesse sem que os dois precisassem se esforçar muito, o que foi praticamente fatal para que quisessem se ver mais uma vez. Isso aconteceu antes que seu vôo fosse anunciado e ele embarcasse numa viagem de uma semana para a Nova Zelândia, ficando com um de seus endereços eletrônicos, já que ela ainda não sabia o número que teria naquele país.
E ela e Danny, o que exatamente, nas definições de todos os tipos de relacionamento “com benefícios", eles tinham? Havia quase um mês que haviam se trombado pela primeira vez e sequer haviam se beijado! O quão ridículo era isso, quando as intenções de ambos eram claras como água, desde o início, na Hellish?
Sua mente trabalhava fervorosamente em respostas que justificassem precisamente as inúmeras perguntas que brotavam ali sem que ela ao menos se desse conta, e lhe causavam a impressão de que sua cabeça teria as estruturas rompidas se não deixasse que algumas poucas lágrimas bobocas e desnecessárias -uma solução de raiva e outros mil sentimentos confusos - que lhe embaçavam a visão fugissem de seus olhos naquele momento.
Por mais que a frustração de não encontrar respostas completas e que fizessem sentido se misturasse em seu estômago com angústia de ter se deixado enganar pelo falso interesse dele comparecendo a um encontro que não era para deveras acontecer lhe provocasse uma enorme vontade de vomitar alguma coisa, nem que fosse água e bílis porque estava sem comer há mais tempo do que o recomendável por todos os médicos do mundo, não derramaria uma lágrima. Elas nem deveriam ter surgido. Primeiro, porque Danny estava mostrando não ser digno de qualquer sentimento vindo dela e, segundo, porque ela não queria que as pessoas na rua a olhassem com compaixão ao vê-la chorar.
Por que ela tinha que ser tão sensível a ponto de querer transbordar por qualquer insignificância? Maldição, era assim desde sua tenra infância. Será que existia algum tipo de cura? Quiçá fosse só uma TPM, apesar de seus peitos ainda não terem inchado.
Se não, quando acordasse no dia seguinte, procuraria por um psicólogo para ajudá-la a controlar tal comportamento. Devia existir algum remédio contendor de lágrimas ou algo do tipo, do jeito que as coisas evoluíam desenfreadamente no século XXI. Só precisava se informar melhor. Mas, por aquele momento, deixar escapar só uma lagrimazinha talvez não lhe trouxesse tanta culpa. E duas? Não lhe faria mal, desde que as outras não decidissem sair também.
Eram somente lágrimas iradas, o que mais ela poderia fazer quando não tinha a chance de sair amaldiçoando-o para todo mundo ouvir, no meio da rua, sem que chamassem o carro do manicômio para ir buscá-la? Não gostava de todo aquele calor, que parecia provir da rejeição ou qualquer coisa semelhante que estivesse se alojando temporariamente dentro de seu corpo, lhe invadindo sem seu consentimento enquanto caminhava a passos lentos até a estação de metrô e limpava as duas fugitivas que deslizavam por seu rosto. Odiava ter a impressão de que estava mergulhando em uma noite depressiva. Pior ainda era o choque em descobrir que, realmente, estava.
Enquanto tirava e abria um doce japonês que havia comprado no começo da semana de dentro da bolsa, viu seu celular abrigado em um bolsinho interno e ponderou a idéia de retirá-lo dali para ligar para e perguntar a ela que sabor de Ben and Jerry’s ela gostaria de tomar enquanto a acompanhva na Sessão Descarrego.
No fim das contas não haveria nada com o que se preocupar além da gripe com a qual ela provavelmente acordaria, por excesso de sorvete. Tinha para lhe acolher e dizer o quanto Danny havia sido canalha. E, quando passassem a xingá-lo em conjunto, todas aquelas sensações inconvenientes se esvairiam parcialmente para que ela pudesse esquecê-las em muito pouco tempo.
Não era desperdiçável daquela maneira e tinha consciência disso. Indo um pouco mais além, ela enxergou que a ridícula da circunstância não era ela, e sim, Danny, que não tinha cacife o suficiente para jogar com integridade.
Um vestígio de sorriso passou por seu rosto quando se lembrou de seu irmão mais velho, que ela não via há algum tempo, dizendo: “Não sabe brincar, não desce pro play!", sem saber de onde ele tinha tirado tão frase.
O cara era ridículo o suficiente para perder por W.O!
“Posso ter esquecido o celular na gravadora e voltado para buscar."
Ele batucava no volante e tinha os olhos presos no sinal vermelho enquanto raciocinava. Seria aquela uma boa desculpa?
“Não."
Se fosse um médium ou qualquer antena captadora de sinais sobrenaturais que lhe renderiam uma vaga para ser queimado em uma fogueira na época da inquisição, Danny com certeza sentiria a presença do corpo de Murphy sentado ao seu lado esquerdo, no banco do passageiro, reforçando suas famosas teorias em um papo tão descontraído quanto o de Joss Stone com Graham Norton no último programa dele que havia visto.
Deus não ouvira seu chamado porque, com certeza, tinha ocorrências mais desesperadas a atender no momento. Então, as leis mais pessimistas já inventadas na história da humanidade resolveram aproveitar para preencher a única brecha que não engolia uma pequena parcela da culpa que carregava nas costas com três ligações perdidas de em seu celular. Como se o serviço de fazer aquela situação embaraçosa ficar ainda pior fosse grátis! Aquelas leis idiotas pouco se importavam se ele teria que pagar caro depois por não ter atendido as ligações dela, além de não ter aparecido no encontro!
Com certeza achavam divertido o fato de ele ter que bolar trezentas mil desculpas enquanto dirigia, até achar uma plausível para desenrolar o nó de marinheiro que havia criado se tivesse a sorte de encontrá-la no restaurante. O que tinha uma probabilidade muito remota de acontecer porque sua sorte parecia ter tirado uma folga de sua companhia para descansar de pernas pro ar no Caribe Supersticioso, talvez.
Ainda não entendia o fato de ter ignorado as ligações dela sem ao menos se dar conta disso, e ainda por cima não se lembrar assim que acordou que havia as recebido. Com certeza aquilo era culpa da cerveja que havia ingerido antes de cair no sono. Deviam tê-la misturado com algum sonífero ou sossega-leão dos fortes na fábrica para que levasse sua mente a tal estado. Iria processar a Foster’s!
Não que fosse um acontecimento inédito, mas geralmente ocorria quando ele havia ingerido álcool mais do que era saudável antes de dormir. Costumava ignorar o despertador e qualquer barulho vindo de telefones celulares entre outros dispositivos eletrônicos, até mesmo pessoas gritando para que acordasse, quando ingeria álcool demais antes de adormecer. Sem contar que muito menos se lembrava do que havia o feito, ao acordar.
Acontecia somente quando havia ingerido uma GRANDE quantidade de álcool, não uma long-neck de cerveja que nem fazia cócegas em seu controle mental!
“Eu poderia estar em reunião até às oito e ter ficado tão compenetrado no que discutíamos que me esqueci de sair para ligar pra ela", analisou, antes de ouvir uma buzina atrás de si e se tocar de que o sinal havia aberto.
Pressionou o pé na embreagem e apertou o botão para mudar de música nos controles embutidos no próprio volante de seu carro, já achando aquela desculpa não boa o suficiente. Sabia que deveria estar focado no trânsito, mas sua ansiedade em consertar o erro que havia cometido com ela, antes mesmo que a visse, corroía de sua memória todas as aulas de direção que tivera, onde lhe ensinaram que a atenção era tão fundamental quanto a prática na hora de dirigir.
E a prudência, onde ficava esta na hora de respeitar o limite de velocidade?
“Ou talvez eu tenha notado algo de errado nos captadores da minha guitarra durante um ensaio que não ocorreu." A eureca se acendeu em sua cabeça mais uma vez quando ele girou o volante ao fazer uma curva. “Aí, eu tive que passar no luthier, que era longe de onde estava e por isso me atrasei, porque achei que daria tempo. Mas acabei encurralado no tráfego". Ele parou novamente, em outro sinal vermelho. Será que os semáforos idiotas não entendiam que ele não tinha tempo de bobeira para ficar parando a cada dois minutos? “Não, essa é ridícula, cacete! Ela vai achar que eu ligo mais pras minhas guitarras do que pra ela. Não que eu não me importe com as minhas guitarras, mas ainda assim. Não é como se eu tivesse só uma guitarra e isso fosse urgentíssimo. Porra!"
- So hurry up and wait, but what’s worth waiting for? – Danny entoou o refrão - que parecia ironizar a situação não dele, mas dela, e tentando enfiar pensamentos otimistas em sua cabeça à força para seguir o resto do trajeto dentro da velocidade permitida antes que levasse uma multa ou se matasse, talvez levando outra pessoa junto.
“E se eu dissesse que esqueci o celular dentro do carro?" pensou antes de frear bruscamente em um cruzamento e afundar a mão na buzina, assim como o outro motorista com o qual quase colidiu e cujo carro estava a poucos centímetros de distância do seu.
- PORRA, PRESTA ATENÇÃO NESSA MERDA!! APOSTO QUE COMPROU A CARTA, OTÁRIO! – Berrou como se o homem no outro automóvel compacto, pudesse vê-lo e escutá-lo e como se não fosse o culpado pelo quase acidente.
Qual era o problema da maioria das pessoas em conseguir a prestar atenção no trânsito e dirigir cautelosamente? Era tão difícil assim notar que havia outros veículos na rua e respeitar as leis? Se ele fosse um guarda de trânsito, apreenderia a carteira de todo mundo para largarem de ser egoístas.
Não que quisesse ser um guarda de trânsito, claro. Eles geralmente eram umas chaminés, grossos, e mal amados, que multavam todo mundo por qualquer porcaria ínfima que talvez não incomodasse ninguém além deles. E talvez isso só acontecesse porque faziam um trabalho muito ingrato e eles saíam descontando sua insatisfação com isso em várias pessoas que não tinham nada a ver com sua amargura. Ainda bem que ele era muito bem pago por tocar no McFly. E também era muito bem amado de quebra, obrigado.
Entrou à direita na Westland Place, uma rua que chegava a ser quase um beco, e desacelerou o automóvel enquanto seu olhar varria a estreita área em busca de uma vaga para estacionar, ainda que contra sua vontade. Porque, se pudesse, invadiria o restaurante com o carro, mas não estava a fim de ferir outras pessoas, muito menos sair no noticiário e destruir sua carreira. E provavelmente estava machucada o suficiente com sua atitude involutariamente displicente – não precisava ser muito inteligente para saber disso - para acabar a noite numa maca de hospital em vez da cama dele. Não que ela necessariamente fosse dormir com ele, mas ainda assim, era uma ótima idéia a se considerar.
Optou por um lugar vazio à esquerda, em frente a uma fábrica antiga e desativada, e manobrou o carro do jeito mais cauteloso que sua aflição apressada permitiu, tentando não bater na caçamba transbordando entulho que ocupava a vaga de trás. Estacionou um pouco torto, mas sua prioridade no momento não era ser o Rei da Baliza.
A força com a qual bateu a porta do carro produziu um estrondo que pôde ser escutado até no canto mais remoto da Antártida e sua corrida de dez segundos até a porta frontal do restaurante por um momento pareceu levar dez minutos. E ele ainda nem sabia o que diria a ela. Isto era, se ela fosse boazinha o suficiente para estar ali, esperando-o.
Não possuía habilidades de vidente nem bola de cristal para saber, mas adoraria que ela fosse extremamente paciente e indulgente para ainda estar sentadinha em seu lugar na mesa reservada, aguardando ansiosamente a chegada dele. Se ela também sorrisse assim que o visse, ficaria extremamente agradecido, porque significaria que ele não teria que dizer nada além de “desculpe-me pelo atraso, tivemos alguns probleminhas lá na gravadora".
O que ele queria mais? Que ela estivesse segurando um cartaz que dissesse ‘I <3 Danny Jones’, tivesse um ataque de histerismo, começasse a gritar, pular e chacoalhar as mãos quando o visse e, para encerrar, pedisse um autógrafo nos peitos?
Era de - seu mais novo caso não consumado esperando para ser consumado - que aquilo se tratava, não de um jantar com uma adolescente de treze anos obcecada por sua imagem sexy e imaturamente divertida que havia ganhado uma promoção da Heat Magazine!
- Boa noite, senhor. – O maitrê, que estava ao lado do balcão de madeira escura à sua esquerda, recepcionou-o, sorrindo educadamente. – Tem uma reserva?
- Ah, claro. Está no nome de Daniel Jones – ele respondeu, esquadrinhando o salão à procura de entre as muitas pessoas que riam, conversavam e saboreavam suas refeições.
Qualquer alheio à situação que o observasse teria a impressão de que ele estava a analisar a decoração rústica e aconchegante do local, percebendo como ela se chocava com os detalhes mais contemporâneos de outros objetos, exatamente como fizera ao chegar ali. Como se ele realmente tivesse alguma noção dos pormenores na área de design de interiores...
Seus olhar se fixou em um ponto relativamente interessante no meio das iguarias expostas no balcão iluminado que escondia o bar. Se alguém ali tivesse habilidades sobre-humanas para ler sua mente, poderia opinar sobre ele comprar ou não um dos livros de Jamie expostos ali de presente para , na esperança de compensá-la com algo mais do que palavras hesitantes e indistintas.
Ela havia lhe dito que era péssima na cozinha e não sentia fome como deveria, mas que Jamie sempre despertava nela uma grande vontade de reverter tais situações. E também havia comentado que adorava ler. Algum daqueles livros poderia ser o recurso perfeito para fazê-la baixar a guarda, caso ela decidisse atingi-lo com um golpe Brutality.
Entretanto, ele não a conhecia tão bem quanto gostaria até o momento para saber como ela reagiria. Muito menos como lidaria com qualquer uma das reações que ela pudesse ter e que perambulavam desgovernadas por sua mente.
Talvez ela fosse complacente e o perdoasse sem que ele precisasse dar-lhe maiores justificativas ou um livro do Jamie Oliver, sorrisse gentilmente e dissesse “Ah, tudo bem, isso acontece! Então, na minha casa ou na sua?". Mas era muito pouco provável.
Também havia a possibilidade de ela estar soltando fogo pelas ventas e querendo carbonizá-lo, mas imediatamente atenuasse as chamas assim que ele tirasse o livro da cartola. Essa era até um pouquinho mais provável.
Nunca havia tentado, mas já ouvira falar que mimos eram um ótimo artifício para distrair mulheres raivosas enquanto se pensava em uma desculpa. Excluindo a possibilidade de ela jogar o presente na cabeça dele ou começar a esbofeteá-lo, a opção restante era a de ela surpreender-se e amolecer instantaneamente, esquecendo o quiproquó que ambos tinham em mãos por tempo indeterminado, considerando perdoá-lo instantaneamente e até mesmo entornar o balde cheio de culpa na própria cabeça.
Porém, nada impedia que ela fosse uma descontrolada - que também soltava fogo pelas ventas - capaz de armar um escândalo colossal e, ao receber o livro, em vez de atacá-lo com um Brutality, arrematasse-o com um Fatality, se retirasse do recinto pisoteando seu corpo carbonizado e deixasse todos os presentes em estado de choque e sufocados com a fumaça que nublaria o local. Ou talvez os presentes adquirissem uma personalidade canibal súbita e resolvessem provar do churrasquinho dele. Quem sabe não venderiam sua carne e esqueleto no eBay? Ainda que não vendessem essas coisas no eBay, viviam no século XXI e o ser humano era doido a ponto de tornar qualquer coisa que quisesse possível!
OK, essa era uma possibilidade 99,9% improvável. Além disso, ele tinha que parar de ver filmes que incluíam uma dose gigante de ação e de associar golpes de sua infância regada a Mortal Kombat às reações femininas perante às burradas masculinas. Não era como se adiantasse alguma coisa imaginar o que ela faria sem ao menos tê-la encontrado.
Era isso! Ele não era obrigado a encontrá-la! Podia fugir e resolver aquilo por telefone – o que reduzia as possibilidades de agressão física à zero - e lhe dava tempo de pensar e até ensaiar algumas respostas antes, caso ela exagerasse na intensidade das palavras. Podia mandar um telegrama. Isso ainda existia?
Quase riu ao notar a idiotice que havia sido essa última hipótese.
- Senhor? – Sua mente foi subitamente resgatada pela realidade e suas pupilas se desprenderam dos livros de Jamie para se fixarem nas do homem que provavelmente considerava-o como portador de alguma deficiência mental a julgar pela sua expressão, e esperava por uma resposta sua. Ele até responderia se tivesse uma pista de qual fora a pergunta.
- Hm, sim? – Danny se manifestou. – O que você disse? Desculpe, eu me distraí.
- Perguntei se marcou com a Srta. , porque ela já chegou há uns – O maîtrê consultou o relógio, e por um segundo Danny teve a impressão de que ele ligeiramente arregalara seus globos oculares durante tal ação. Qual era o problema? Todo mundo se atrasava um pouquinho de vez em quando! Ainda que isso fosse mais compreensível nos casos femininos. – Um tempinho – o homem finalizou com um eufemismo e sorriu cordialmente.
- Ela está aqui? – ele soltou o ar pesadamente, em evidente sinal de alívio. Ou será que deveria prender a respiração porque era chegada a hora do Mortal Kombat?
- Na verdade, ela não está – Danny escutou o homenzinho que usava óculos de armação negra e retangular e que chegara sabia-se lá de onde se intrometendo na conversa falar. – O senhor é Danny Jones, certo?
- Eu sou – Danny afirmou, levemente apreensivo. – A não tá aqui?
- Não, senhor – Johnny, como Danny pôde ler na plaquinha pregada à camiseta preta de seu uniforme monocromático, confirmou.
- Você só pode tá brincando com a minha cara!
– Creio que foi o contrário, senhor – Johnny ousou dizer - Ela esperou um tempão pelo senhor, e já saiu faz uns dez minutos. – Danny praguejou baixinho, emitindo um baque ao espalmar a mão grosseira no balcão.
- Você sabe pra onde ela foi?
- Não, senhor, sou só um garçom! – Johnny negou enfaticamente, transmitindo o óbvio em sua frase. Danny acoplou-a com a afirmação anterior e tomou aquilo como um enfrentamento.
Uma vez que possuía instintos masculinos, não era muito difícil se sentir ameaçado por qualquer besteira como aquela e querer partir para o ataque, ainda que fosse muito paciente. Seus amigos e família podiam caçoar de sua demora na assimilação de informações, talvez suas fãs, mas não um homem qualquer que nunca havia visto antes! No entanto, ele tinha controle sobre algumas de suas ações e sua prioridade era resolver seus assuntos pendentes com .
– Mas, por favor, permita-me acrescentar que ela solicitou que eu lhe passasse um recado.
- Recado? Que recado? – Danny indagou, sério.
- Ela me solicitou que eu lhe dissesse que o senhor é um imbecil, senhor – Johnny informou, repetindo o pronome de tratamento pela enésima vez e fazendo aquilo parecer, para Danny, mais um seriado de comédia da TV do que sua própria vida. O homem baixinho torceu o lábio, indeciso entre começar a se recuar para não levar uma bolacha na cara ou não.
- Como é que é? – Danny indignou-se, franzindo ao cenho ao falar e permaneceu com a boca aberta quando terminou.
- Eu só faço o que me é pedido, senhor! – O garçom se defendeu, erguendo os braços em rendição.
O maître, que somente escutara o diálogo dos dois e tornara-se alheio à conversa enquanto os observava com uma expressão de quem não estava entendendo patavinas, deu uma cotovelada em Johnny e murmurou entre dentes algum tipo de advertência que Danny não compreendeu. O homenzinho franziu o cenho para ele, em resposta.
Quem sabe o serviço de atendimento ao cliente do Fifteen London não fosse se interessar por uma reclamação envolvendo a ousadia de um garçom chamado Johnny?
- Se você diz – Danny carregou ainda mais sua expressão e adicionou um peso extra ao seu tom de voz -, Johnny.
- Eu não digo nada, senhor, quem disse foi a Srta. , assim como eu lhe informei! – o outro caiu na defensiva novamente.
- Que seja. Cancela essa porcaria de reserva! – Danny encerrou o assunto antes de puxar a maçaneta longa e prateada da mesma porta pela qual entrara. Não havia necessidade de cancelar uma reserva que já estava cancelada. Saiu caminhando rapidamente em direção ao seu carro, abandonando os dois funcionários perturbados do restaurante e puto da vida por simplesmente não saber o que devia fazer.
A vontade de encontrá-la se sobressaía a todos os seus receios, mas onde diabos ela estaria, no momento? Não havia tido tempo suficiente para chegar em casa, baseando-se nas informações do garçom, e do mesmo modo que ele não podia estraçalhar um restaurante com seu carro, não podia dirigir sobre os trilhos do metrô com ele. Muito menos sair perseguindo táxis aleatórios na expectativa de ela estar em algum deles, o que seria uma idéia de extrema tolice e filme de babaquice romântica. Não que ele não gostasse de um bom filme de babaquice romântica de vez em quando, mas não fazia questão de imitá-los.
Havia a possibilidade de ela ter ido caminhando até o metrô ou saído em busca de um táxi, e isso significava que ela poderia estar em algum ponto da avenida por qual ele passara antes, ainda despreocupado em vasculhar calçadas em busca dela. Talvez, se por algum milagre sua sorte resolvesse voltar do Caribe, ele encontrasse-a por ali.
Ao menos que ela estivesse a bordo de um ônibus no momento. Se fosse o caso, então, não lhe restaria nenhuma opção além de voltar para casa e pensar em mil jeitos de resolver aquilo. E, no final, acabar escolhendo o mais desgastado e clichê de todos.
O tráfego na City Road aparentava não ter sofrido nenhuma alteração significante durante o pouco tempo em que seu carro permanecera estacionado na travessa onde ficava o restaurante, e isso ele percebeu assim que os dois pneus frontais do veículo frearam sobre o limite entre ambas.
Não foi preciso muito tempo para que o nível de sua inquietação aumentasse e começasse a se expressar através de seus dedos a tamborilar no volante e palavras não muito educadas que saíram de sua boca ao constatar que não tinha idéia se ela havia seguido para sua esquerda ou direita. Segundo a sinalização da extensa avenida, ele só tinha a opção de virar para a esquerda, mas seu lado supersticioso desconfiou do óbvio e tomou conta de seus movimentos, levando-o a cometer uma das maiores barbeiragens desde que fora aprovado no teste de direção ao atravessar com o carro para o outro lado da avenida e fazer uma curva para a direita, assustando e provocando a ira do motorista que vinha logo atrás e enfiou a mão na buzina, sem dó. Não que ele tivesse se incomodado com isso, já que ignorou tal alarde.
E não que ele tivesse se incomodado com a sinfonia de buzinas que se sucedeu quando ele diminuiu a velocidade para que sua visão pudesse assimilar melhor as presenças pedestres na rua, em busca de , irritando ainda mais os motoristas nos carros atrás do dele. Tampouco. Seus ouvidos eram imunes a todos os tipos de barulheira.
OK, talvez não fossem todas. Ele detestava barulho de obra, assim como o toque do despertador soando quando ele acordava com este ainda precisava de mais algumas horas em inatividade. Sem contar que, talvez, ele nunca fosse se acostumar às diarréias verbais das mulheres, principalmente quando elas estavam bêbadas ou gritando com ele.
Sabia que estava sendo extremamente folgado. O limite de velocidade era de cinquenta km/h, tinha cabimento ele ficar andando a trinta? Tinha, ainda que ele não tivesse um adesivo de “Prole a bordo" no vido traseiro. Ele estava dentro das leis, aquilo não era uma corrida da Nascar e quem quisesse ultrapassá-lo poderia fazê-lo à vontade. A pista da direita também estava bem disponível pra quem estivesse com pressa e pelo menos estava tendo o bom senso de andar à esquerda.
Não era como se ele estivesse tentando procurá-la em Camden-Formigueiro-Town ou na Oxford Street num sábado à tarde, mas se ele acelerasse mais nunca distinguiria , ainda que o movimento por ali não estivesse intenso. E além do mais, seu sistema ocular não funcionava como uma máquina.
- Por que essa porra de GPS não pode simplesmente dizer onde ela tá se eu programá-lo pra isso e pronto? – Danny bateu a mão contra a direção. - Bosta de tecnologia inútil do capeta! – queixou-se para si mesmo, indignado com o fato de a tecnologia servir para muita coisa e para nada ao mesmo tempo.
E por que as pessoas tinham que usar a buzina tão desnecessariamente? Já estavam ultrapassando-o, não estavam satisfeitos? Tinham mesmo que buzinar como se a Inglaterra tivesse acabado de ganhar a Copa do Mundo cada vez que passavam à frente? Elas que eram sem noção ali, não ele!
O aparelho de som estava desligado, talvez por isso a sonoridade fanhosa das buzinas, que pareciam ter dado uma folga em seu carnaval, estavam tão evidentes. Apertou o botão liga-desliga no controle acoplado ao volante sem precisar desviar a atenção para o movimento de sua mão, e quase instantaneamente seus ouvidos foram tomados por uma melodia serena que acompanhava a voz rouca pertencente ao vocalista do Stereophonics. Percebeu que não estava mais no clima para escutar aquilo assim que seus ouvidos automaticamente rejeitaram a calmaria da música por ela contrariar seu atual humor cheio de ânsia e perturbado pela culpa.
Precisava de algo mais enérgico se quisesse manter sua motivação em procurar pela garota quando podia parar de tentar consertar a burrada daquela maneira, voltar para casa e sonhar com a melhor justificativa do mundo para dar a ela, de preferência de algum jeito que envolvesse a maior distância física possível. Seria muito menos desgastante.
Não que não quisesse avançar com ela, ele queria. E isso era relativamente claro, apesar dos pesares. Pelo menos para ele. Duvidava que ela partilhasse do mesmo conceito depois de tudo. No entanto, era muito mais difícil e constrangedor mentir ao encarar alguém; mentiras transpareciam pelos olhos, na maioria das vezes, principalmente pelos dele, que não era bom ator. E se fosse especialista em linguagem corporal? Sem contar os Fatalities!
A Absolute 80’s precisamente lhe deu o refrão do que ele queria, levando-o a aumentar o volume assim que resolveu sintonizar o rádio e deixar a música que antes tomava conta do ambiente, e saía de seu iPod ligado ao aparelho, para outro momento.
- Gotta hold on you a new sensation, a new sensation, RIGHT NOW! – Ele entoou o primeiro refrão de New Sensation do INXS, um famoso clássico dos anos 80 como ditavam o nome e a pauta da rádio, balançando o corpo no ritmo agitado da música.
Todo o entusiasmo grudado às ondas sonoras que penetravam seu corpo foi suficiente para fazê-lo ter um súbito e confiante choque de realidade, mudar de idéia, e pensar:
“Caia na real, Danny Jones! Você é Danny Jones!"
Estava decidido: voltaria para casa, comeria qualquer coisa de rápido preparo enquanto assistisse uma porcaria qualquer que o fizesse rir e o distraísse na TV, descansaria tranquilamente e só resolveria o pepino no dia seguinte. Era definitivamente a melhor escolha a se fazer. Ainda que procrastinar a resolução lhe desse a impressão de que seria como pressionar o interruptor que a deixaria ainda mais fula.
Por isso mesmo, porque aí ela ligaria para ele para se queixar e ele não precisaria mover um dedo! Não era uma atitude muito cafajeste, era?
Continuava a cantar e agora se perguntava como tinha sido capaz de ser tão inocente e ridículo sentindo-se tão aflito ao ficar pensando em todas aquelas xaropices estrambóticas. Provavelmente era uma garota como outra qualquer, e não era especializada em linguagem corporal porcaria nenhuma, muito menos uma princesa Fiona pós-graduada em golpes do Mortal Kombat. A maioria das garotas nem jogava ou jogara Mortal Kombat, elas brincavam com panelinhas e Barbies na infância! Claro que isso não anulava a possibilidade de ela ser portadora do Escândalo Natural Feminino, mas fazia sentido.
A certeza de que conseguiria driblar o problema estufava seu peito. Podia até dizer que tinha experiência no assunto. Se não conseguisse lidar com mulheres, lidaria com mais o que em sua vida? Não era tão loser assim! Eram as garotas que comiam na mão dele, não o contrário.
Pisou mais fundo no acelerador, e estava a embicar o carro para a faixa da direita quando a silhueta de uma garota magra e não muito alta sustentando-se sobre um par de saltos altos do outro lado da avenida chamou-lhe atenção. Dentro de um jeans bem apertado e uma camiseta que aparentava ser alguns números maior do que ela habitualmente usava, mas nada exagerado, ela caminhava a passos lentos, e parecia absorta demais em tentar abrir a embalagem de algo que ele não soube identificar para que notasse qualquer tipo de movimentação ao seu redor. O horário já não era tão propício para que ela caminhasse distraidamente daquele jeito!
Ela parecia atraente, pelo menos de costas. E ela o lembrava exatamente quem ele havia desistido de procurar segundos atrás: .
Não havia memorizado-a o suficiente para reconhecê-la precisamente de costas, e a fraca iluminação amarelada dos postes não lhe permitia reparar mais a fundo, mas quais seriam as possibilidades de uma mulher se parecer com e estar exatamente onde ele queria que ela estivesse naquele exato momento?
Isso foi o bastante para fazê-lo abaixar o volume da música e estacionar desleixada e irregularmente sobre a faixa listrada atrás de uma ilha rodeada de grades que abrigava alguns semáforos, câmeras monitoradoras, servia para facilitar a travessia dos pedestres e dividia os dois lados de sentidos diferentes da avenida. Não havia problema algum em permanecer cinco minutos parado ali, havia? Era uma emergência, o que fazia de tudo justo, ainda que sob o olhar áspero de outros motoristas.
Franziu o cenho e aproximou a cabeça do pára-brisa, por cima do volante, involuntariamente semicerrando os olhos em busca de uma análise melhor, e da resposta que procurava. Como saber se era mesmo ela, ali, sem sair do carro e se aproximar?
Desligou o rádio e recostou-se no banco, sem tirar os olhos de seu foco. Talvez pudesse ligar no celular dela e, se a garota estranhamente conhecida atendesse, ele definitivamente entenderia o sinal. Aliás, por que não havia pensado em ligar para ela antes de sair buscando-a? Por que não o fizera antes de sair de casa e pedira para que ela o aguardasse no restaurante, avisando que estava a caminho? Ah, estava se cagando inteirinho de receio, somente isso.
Porém, era inegável que tal ato faria de toda situação muito menos complicada e quem sabe até o favoreceria, mas não, ele não podia ter pensado no mais simples. Porque, afinal, ser burro e ficar idiotamente preocupado com o que ela estaria pensando dele e nas reações que ela teria ou deixaria de ter, criando quinhentas maluquices por minuto, era muito mais legal e sagaz.
Estava considerando bater a cabeça no volante quando ouviu o segundo toque da chamada que fizera para soar e viu a moça na calçada parar de caminhar para, sem soltar o pacotinho que já segurava, deslizar a alça da bolsa que carregava de seus ombros até um de seus pulsos e começar a vasculhá-la em busca de algo que tirou dali segundos depois. Algo que ele julgou ser um telefone celular, já que ela havia acabado de inclinar a cabeça para baixo para possivelmente checar o que estava em sua mão e com certeza não era o mini-pacote não-identificado.
Ela ao menos não podia ter se virado para o lado dele quando fora mexer na bolsa? Porque ela não havia ajudado muito se virando para o lado oposto.
O clone de pareceu hesitar por um momento e, não muito depois, decididamente guardou o celular no mesmo lugar em que estivera anteriormente, antes de voltar a caminhar no mesmo ritmo, sem mudar sua direção.
Na verdade, não era o clone de . Ele não precisava de muito mais que aquilo para ter certeza de que aquela garota era, definitivamente, .
Esqueceu-se completamente do fato de que seu carro estava estacionado em lugar proibido e assim que a movimentação de veículos sobre o asfalto diminuiu, ele pulou para fora e correu até a calçada com o celular em mãos.
Uma vez em solo seguro para pedestres, passou a segui-la, caminhando na mesma velocidade que ela e deixando que um sorriso sapeca possuísse seus lábios e dissesse a seus olhos para compartilharem da mesma expressão.
E não era que aquilo estava ficando divertido?
“Sou Danny Stalker, hahaha", ele inventou um apelido missionário para si mesmo, de forma infantil, como era do feitio de sua personalidade piadista a maior parte do tempo.
Por um segundo, sua atenção pareceu ignorar seu objetivo principal e se concentrar na coisa rosa, fofinha e estranha que o pacotinho bege que ela segurava conservava, perguntando-se o que diabos era aquilo. Desvendar a coisinha rosada tornou-se desinteressante quando seu olhar desceu alguns níveis para reparar no movimento que os quadris nem tão expressivos dela faziam em sincronia com seus glúteos enquanto ela andava. Aquilo sim era expressivo! E ele até havia se esquecido o quanto até aquele momento.
Seu descaramento teve que parar por ali, assim como ele, para prestar atenção no tráfego, já que o movimento das pernas dela - nas quais também não pôde evitar reparar como se fosse a primeira vez - igualmente cessou pelo mesmo motivo. Durante os poucos segundos da sua permanência inerte ali, ele não pensou duas vezes em tornar a situação mais divertida ao pressionar o botãozinho verde que rediscaria o número dela, por pura pirraça, enquanto ela movia um dos tornozelos de um lado para o outro e encarava as próprias unhas, dando-lhe a impressão de estar impaciente, ao contrário do que seus passos mostravam, esperando os últimos carros passarem e a luz vermelha do semáforo dar sua vez à verde. Nem se preocupou em levar o objeto ao ouvido. Será que ela atenderia dessa vez?
Ouviu uma música desconhecida por ele sendo abafada pelo revestimento e toda a parafernália de mulher que a bolsa dela devia conter ao passo que atravessavam a rua e notou que ela havia mudado seu ringtone. Não lembrava qual era o anterior, somente sabia que não era aquele a soar, já que tinha certeza que conhecia o antecedente.
- Argh! Que merda! – ele a ouviu praguejar num volume relativamente alto, perceptivelmente irritada por ouvir seu celular tocar mais uma vez e ter certeza de que era ele fazendo mais uma tentativa de invocá-la, nos dois sentidos da palavra. Ela não fez nenhuma questão de tirar o celular da bolsa. Danny ficou indeciso entre sentir-se atingido com o desprezo dela e rir. Qual é, era sim divertido, de uma forma ou de outra!
Não que o que fizera com ela tivesse sido engraçado, mas...
Por que um cara passara olhando desconfiadamente para ele? Estava tão na cara assim que ele estava seguindo ?
Cancelou a chamada e acelerou os passos até que estivesse suficientemente perto dela para não precisar falar tão alto. Então, voltou a caminhar mais lentamente, resolvendo, por fim, anunciar sua presença:
- Ignorando minhas ligações?
Danny quase riu, novamente, quando ela sobressaltou-se, levou uma mão ao peito e quase jogou a coisa rosa para trás ao puxar o ar mais rápido do que o necessário, ficando completamente dura por causa do susto.
, de olhos fechados, vagarosamente virou-se para ele. Armazenando toda a tensão do mundo nos ombros, tirou a mão do peito e baixou o braço até que ele ficasse rente ao seu corpo, cerrando-a logo em seguida. Estava com medo de abrir os olhos.
Quase caiu para trás quando abriu somente um deles, franzindo todas as linhas em seu rosto, sem ao menos saber o porquê disso, e deu de cara com um metro e oitenta. Um metro e oitenta centímetros unidos a grandes olhos azuis, cachos castanhos, centenas de sardas e braços deliciosos parcialmente cobertos pelas mangas de uma camisa xadrez.
Sobreviveria se abrisse o outro olho? Seria melhor, não queria dar a impressão de que estava cega, tentando imitar um pirata ou algo assim, então acabou por fazê-lo.
Aquela era exatamente a união de atributos físicos pertencentes a um ser que não tinha que estar ali, mas num certo restaurante há uma hora e mais um pouco atrás. Exatamente a união de atributos físicos pertencentes a um ser que havia atraído-a imensamente e era a razão de ela estar puta da vida combinados com uma expressão inquestionavelmente incabível para a cena. Sua visão havia captado a mensagem de que era a fisionomia de Danny parada à sua frente. Porém, sua mente parecia não querer assimilar que ele estava realmente ali e não era fruto de sua imaginação irada, embora houvesse rapidamente assimilado que era ele quem ela queria esbofetear no exato momento em que libertara sua visão.
Danny faria questão de registrar através da câmera do celular a cara de indignação dela enquanto abria e fechava a boca uma vez atrás da outra na tentativa de dirigir a palavra a ele se isso não fosse somente causar mais danos ao caso. Indo um pouco mais afundo, ele reparou que a ponta do nariz dela estava ligeiramente vermelha assim como o branco de seus olhos parecia ter sido atingido bem suavemente pelo mesmo tom.
Será que ela havia fumado um baseado? E se a coisa rosa fosse algum tipo de droga do novo século, completamente ingerível? As pessoas inventavam essas doideras a todo o momento! Não, ela não parecia fazer o tipo junkie. Achava mais possível ela ter chorado ou algo do tipo, mas sentiu-se constrangido demais para perguntar, porque com certeza havia sido por mágoa, raiva ou algo do tipo, causados por ele. Ou talvez fosse somente uma impressão que a fraca iluminação da rua lhe causava.
Ao perceber o quão ridícula devia estar parecendo quando, na verdade, devia exibir uma postura de quem estava completamente segura de si, respirou fundo e relaxou os ombros. Ainda bem que ela tinha dado um fim naquela coisa de chorar antes que ele aparecesse. Seria pior ainda se ele encontrasse-a com uma cara de tacho, chorando as pitangas por ser uma pessoa mais suscetível que outras, ter tendência a expressar seus sentimentos através de lágrimas e ter sentido o pouco caso dele para com ela mais intensamente do que o necessário quando eles nem tinham porcaria de compromisso nenhum devido a esse fato.
Ele pensaria que ela estava chorando por ele e isso não seria nem um pouco apreciável, seria o começo do fim de algo que eles nem sabiam se tivera um começo considerável ou não.
Mal sabia ela o que ele pensava.
Respirou fundo e empertigou-se antes de fixar suas pupilas nas dele e fundir uma pequena parcela de sua raiva ao seu tom de voz, dizendo:
- Tem certeza de que é você quem deve perguntar isso? – ela arqueou as sobrancelhas acusadoramente.
A expressão de Danny tornou-se absolutamente séria. Okay, talvez aquela pergunta não tivesse sido apropriada, e ele só percebeu quando sentiu o impacto das palavras diretas dela atingindo-o em cheio. Não havia sido nada apropriada e ela estava começando a reagir exatamente da maneira que ele não queria que ela reagisse, a maneira pré-Brutality.
Tudo bem que não desejava aquilo e tentara soar descontraído, mas o que diacho ele esperava? Não havia a provocado? Não era o culpado por todo aborrecimento que a dominava? Não havia como ser de outra maneira, tinha de se conformar.
Isso fez com que ele se lembrasse da noite em que a conhecera e invertesse os papéis. Não ficara nada feliz com as atitudes dela que levaram as coisas a fugir do controle, e naquele momento nenhum vestígio de que ele ponderaria encontrá-la de novo um dia passou por sua cabeça. Se analisasse por esse ponto de vista, estavam quites e tinha que dar toda a razão à moça diante de si.
achou que havia se saído bem para quem estava completamente estupefata alguns segundos antes. Ainda assim, mal podia acreditar na puta cara-de-pau dele em chegar de repente e abordá-la sem um pingo de delicadeza, no meio da rua, ostentando uma expressão atrevidamente incabível. Sem contar a pergunta que ele havia lançado sem qualquer tipo de rodeio e estava no mesmo nível de atrevimento e “incabimento" da sua expressão atrevida e incabível.
Danny demorou mais tempo do que ela esperava para responder e sua ira, que curtia cada vez mais cutucar sua inquietude até que ela explodisse, não hesitou em sugar todo seu autocontrole. Não demorou muito tempo até que suas mãos estivessem movendo-se energicamente enquanto sua face reproduzia o contexto formado por todas as palavras que ela dizia:
- Escuta, você vai ficar olhando pra mim com essa cara de... de... – “raciocina, , raciocina!". Não era culpa dela se os olhos quase surreais de Danny estavam querendo puxar todo o foco dela para si enquanto ela formulava frases cabíveis para dizer a ele. -... de olhos... – “Cacete!" - de merda por mais quanto tempo? - ela levou a mão desocupada à cintura e arqueou a sobrancelha novamente. – Porque, eu não sei se você está ciente disso, então, eu vou te informar: eu tenho uma vida pra cuidar – fez uma pausa para respirar. - Além do mais, no momento eu não tenho todo o tempo do mundo disponível pra ficar esbanjando por aí e você já gastou demais o meu.
Nos breves segundos que se seguiram os dois se encararam em silêncio. esperando algum tipo de manifestação da parte de Danny e Danny esperando que ela continuasse a falar. Ela estava se esforçando para manter um contato estritamente superficial com o olhar atento dele porque sabia que estragaria tudo uma vez que permitisse se perder ali.
- , mil vezes desculpa. Mesmo. – Ele suspirou ao perceber que seu tom não a comovera nem um pouco, já que ela continuava a encará-lo cheia de desdém. - Estou falando sério! Eu não queria te deixar esperando, mas aconteceu um imprevisto e...
- Você é muito cara-de-pau, já te disseram isso? – Ele se assustou com a quantidade maior de agressividade que ela usou ao interrompê-lo. – Cara-de-pau pra cacete. Oitocentas vezes cara-de-pau, você não deve ter idéia. Me deixou uma hora plantada naquela porcaria de restaurante – não que tivesse achado o restaurante uma porcaria, mas a palavra dava mais ênfase à frase, então achou apropriado usá-la para que ele entendesse claramente -, e agora surge do nada, sem mais nem menos, com essa sua cara lavada e como se nós não estivéssemos no maior climão, pedindo desculpas e dizendo que aconteceu um imprevisto!
Uau! Ela estava apreciando aquela coisa de jogar os sentimentos em relação a ele diretamente na cara dele em vez de ficar se lamentando com a melhor amiga, formulando mil paranóias por segundo sobre o que supostamente acontecera para ele furar. Esquecera-se do quão bom era. Muito mais aliviador do que ficar fungando pelos cantos! Ela sabia que se fosse pega em um momento no qual o sentimento já não estivesse mais tão pulsante dentro de si, não diria metade do que gostaria de dizer justamente como estava fazendo.
Se ele achava que umas desculpinhas esfarrapadas como as que havia acabado de dizer consertariam o malfeito feito, então ele era mais inocente do que ela imaginara. Se parasse para se aprofundar no estudo da situação, com certeza chegaria à conclusão de que tudo que acontecia ali era uma sessão de cretinice pura. Estavam discutindo uma relação que nem ao menos havia se consumado como se já estivessem juntos há tempos! Bom, pelo menos ela estava, e aquilo tornava tudo nada menos do que ridículo!
Porém, não podia silenciar-se no meio do seu discurso de mil páginas imaginárias que a deixava cada vez mais leve para pensar que mal havia escutado qualquer asnice que Danny tinha a dizer, ou toda sua coragem escorreria pelo o ralo.
- Sinceramente, meu querido, qual o seu problema? Você por acaso é aleijado, surdo, mudo, ou alguma coisa que te faça incapaz de atender a merda do seu celular ou discar meu número pra avisar que você não ia poder se encontrar comigo?
Ela estava bombardeando-o com suas palavras-dinamite tão rápido que suas pálpebras mal piscavam. Danny não sabia se devia assustar-se com tamanha franqueza ou achar tudo muito cômico. Não faltava muito para que seu cérebro começasse a ignorar aquele frenesi verbal involuntariamente por não conseguir mais mastigá-lo, quem diria digeri-lo. Pelo amor, seria impossível que ela fechasse a matraca e lhe desse o direito de replicar?
- ! – ele advertiu-a com mais veemência e a técnica pareceu funcionar, já que ela engoliu todo o ar que usaria para continuar a atingi-lo e o encarou. - Olha, juro que meu celular não tocou. Deve ter sido alguma coisa com a operadora, você sabe que...
- Como é? –ela boquiabriu-se e franziu o cenho em uma careta desacreditada. – Só um minuto, preciso rir disso – ela colocou a mão sobre seu colo e no segundo seguinte seus olhos miravam qualquer lugar acima de sua cabeça e seu rosto abrigava uma nova expressão sarcástica e dissimuladamente afetada. – HA, HA, HA E HA! – ela riu sem vontade e em um segundo recuperou seu muito bem ensaiado ar de desprezo. - Danny, essa é muito clichê, sabe? Então, não vai colar!
Danny só conseguia mirá-la, tão assustado e incrédulo quanto achou que não ficaria. Quer dizer, ele havia praticamente previsto aquela atitude dela, mas a partir do momento em que passou acreditar que tais coisas seriam muito improváveis, achou que tinha mesmo caído na real. Agora, sentia-se completamente iludido por si mesmo duas vezes.
Ela realmente estava dando um show para qualquer um que quisesse ver, apesar de não estar gritando ou berrando. Os poucos pedestres que passavam por aquela cena na calçada assistiam aos dois protagonistas curiosamente e até viravam a cabeça para aproveitar um pouco mais a atração grátis. Provavelmente supunham que eles eram um casal em confronto, e tudo por causa dela, quando eles nem ao menos eram um casal de verdade.
Danny se considerava uma pessoa muito pacata, mas a garota em sua frente tagarelando sem parar estava colocando toda a paciência que lhe restara depois do incidente no restaurante em teste e ele tinha de admitir, ela estava a um triz de estraçalhá-la completamente. Apesar de ter razão, ele começava a desconsiderar tal fato, e seu sangue aquecia um grau a cada segundo. estava enervando-o mais do que o esperado e ele estava se empenhando muito para não gritar com ela.
- Francamente, cara! Você acha que eu sou alguma imbecil que vai cair nessa e está a sua mercê, que sai correndo pra te atender assim que você estala os dedos? – Ela congelou o rosto em um trejeito revoltado e largou a bolsa sobre um muro baixo ao lado deles. - Você me deu um bolo. UM BOLO!
Ainda podia dizer aquilo? Porque ele estava ali agora, então não era especificamente um bolo. Era meio bolo. Ou talvez um ex-bolo. Aquilo existia? Bem, quando Danny Jones está envolvido, quem sabe? Que se danasse essa história de bolo, tinha que parar de pensar naquilo, afinal, não estava ditando receita nenhuma para ele!
Danny pensou se seria muito grosseiro da parte dele berrar algo como “Cala a boca, porra!". Era melhor não, porque ela poderia se ofender ainda mais e o tiro sairia pela culatra se ela começasse a chorar. Aí sim, ele estaria lascado. Garotas chorando eram uma das coisas mais desnorteantes da humanidade em sua opinião.
Não havia nem como ele se ofender mais, já que de tudo que ela dizia ele entendia, no máximo, um meio de um terço. A decisão de virar as costas e deixá-la falando sozinha era apelativamente atraente, dançava nua na frente dele e podia jurar que fazia seus pés formigarem. Mas ela poderia ficar mais maluca ainda e atirar alguma coisa na cabeça dele pelas costas se ele o fizesse, então preferiu ficar por ali mesmo e tentar enfrentá-la.
Por que sua habilidade de dominador de mulheres resolvera deixá-lo na mão justo agora?
Sua mente lhe deu um peteleco, e de novo ele lembrou-se da noite em que havia visto o rosto de pela primeira vez. Não havia agido de forma muito diferente da dela quando seu efeito nocaute resolveu abandonar seu corpo e também havia perdido a cabeça, acabando por dizer umas poucas e boas para ela. Em menos quantidade, mas ainda assim, tinha que considerar que era do sexo feminino e falar era um tipo de hobby. Pensando por esse lado, era até plausível deixá-la continuar e isso foi suficiente para ele resolver exercitar um pouco mais de sua paciência com ela. Respirou fundo e tentou se impor mais uma vez:
- ! Você, por favor...
- Deixa eu te dizer, eu não sou isso que você estava pensando. – Ela parecia determinada a não permiti-lo dizer suas falsas justificativas. Ou talvez nem tivesse percebido que ele havia chamado sua atenção. - Achei uma puta falta de respeito, um tremendo descaso você me deixar esperando e passando vergonha, como se eu fosse simplesmente ignorar isso e quando você resolvesse fazer contato, como agora, eu fosse abrir um sorriso radiante e dizer: “Ah, relaxa, Danny, eu te entendo. Deixa esse jantar pra lá, o que você acha de a gente ir pro seu carro e trepar a noite inteira?"
Não que ele não tivesse considerado tal hipótese! Mas ela podia ter passado sem o “trepar".
estava perdendo a noção do que dizia. Estava sendo exagerada, absolutamente exasperada, tomando o lugar dele de incabível da situação e percebera isso ao completar sua última frase.
De repente, cada onda da descarga de alívio que ela sentia começou a se transformar em onda de embaraço. Estava querendo se matar por simplesmente não conseguir colocar freios em si mesma e calar a boca. Não se lembrava de ter agido daquela maneira com um cara que era relativamente nada dela uma única vez em toda sua vida, e odiava a idéia de parecer uma barraqueira barata de primeira, sem um pingo de comedimento e respeito por si mesma.
- É claro que não! Sabe, se você não está mais interessado em mim, era só dizer! Talvez eu compreendesse muito mais se você tivesse ligado e dito “Olha, , não quero mais nada com você, tá certo? Você é insuportável. Tchau, passar bem".
arrancou mais um pedaço do seu algodão doce explosivo importado do japão, - o qual Danny ainda não havia identificado e continuava chamando de coisa rosa - e enfiou-o na boca, ignorando totalmente sua neura em não comer qualquer coisa na frente dos possíveis e novos affairs. Ela estava nervosa e não respondia muito bem pelos seus atos, era uma exceção! Como se não estivesse com a boca cheia do doce que se desfazia e estourava em sua boca, embora este não atrapalhasse muito sua dicção, ela foi ainda mais além de seu preceito e desembestou a falar novamente:
- Se você é vingativo e seu plano era me enrolar esse tempo todo para me castigar porque eu fui culpada por você ter levado um murro bem dado no nariz, pois bem, você me enganou direitinho, satisfeito? Tá gostando dessa merda toda?
Ele gargalhou brevemente e meneou a cabeça em negação por ter conseguido interpretar o que ela havia dito. Pelo menos aquilo. Bem dado? Era melhor pensar que ela não queria ter dito aquilo, só estava raivosa. Aquele murro não tinha sido nada virtuoso.
- O quê? – Ele manteve um sorriso admirado no rosto que a fez engolir em seco e sentir uma pontada atormentadora no estômago. Sorrir daquele jeito inegavelmente desarmador também era trapacear na cara dura!
Filho da mãe!
- Não ria! - ela fez uso de um tom mais manhoso e brando antes de pôr mais um pequenino pedaço de seu doce estranho, que Danny começou a ter vontade de provar, na boca. - Poxa vida, Danny...
Ele contraiu os lábios e seus ouvidos cessaram sua generosidade em captar todas as palavras que se seguiram no falatório dela depois da última que ela pronunciara seu nome. Era evidente que não tinha argumentos e, no fim das contas, não tinha noção de como reagir propriamente àquele estouro verbal, então, pensou que se talvez tomasse uma atitude que envolvesse algo além de palavras talvez conseguisse solver a dificuldade que estava tendo em calar a boca dela.
Suas íris rolaram para baixo e pararam sobre os lábios dela que pareciam estar mais corados do que o normal, só não sabia se era por ela estar falando tanto, por causa do doce ou algum item de maquiagem. Ficava até agoniado de ver como eles se moviam tão rápido e reparou que um barulhinho peculiar, vinha da boca dela. Parecia que algo estava se quebrando ali dentro, como se estivesse mastigando, mas ela não fazia isso já que o negócio rosa parecia somente derreter na boca. Que doce alienígena era aquele, pelo amor de Deus?
Voltou sua visão para os olhos caídos de chateação dela, mordeu o lábio inferior e tomou sua decisão. Era sua única saída. Além do mais, ele estava doido para experimentar o gosto da iguaria não identificada e, claro, da boca dela. Não seria nada mal se ele matasse dois coelhos em uma só tacada. Esperava somente não levar uma bofetada ao sugerir isso da maneira mais objetiva possível.
A aproximação dele foi tão rápida e inesperada que sequer teve tempo de sentir e preparar sua boca, que permaneceu minimamente entreaberta. Os ombros se encolheram, cada célula de seu corpo parecia ter virado pedra e ela notou que os olhos dele estavam fechados, diferentemente dos dela, arregalados e estarrecidos. Como, se há um segundo atrás ele tinha as mãos no bolso, não denotando a mínima intenção de tocá-la?
O que os lábios de Danny faziam no canto de sua boca e de onde aquelas mãos grandes sobre suas bochechas haviam surgido? Por que sentia que seu corpo parecia ter esquentado em um curtíssimo espaço de tempo numa velocidade alucinante?
Danny percebeu a tensão dela devido à sua inatividade durante alguns segundos e deu-lhe deu tempo o suficiente para que se desse conta do que estava acontecendo, acariciando sua bochecha com o polegar antes de ajeitar cuidadosamente seus lábios sobre os dela e pedir permissão para ir além.
não demorou a ceder, para a surpresa dele, embora tivesse hesitado no começo. O tão ansiado primeiro beijo, o momento que até então parecera que nunca iria acontecer, finalmente os envolvia.
Ela tinha alguma outra opção? Estava tão atônita, sem reação, que nem fora capaz de pensar em apresentar qualquer tipo de resistência. Nem conseguia mais se lembrar do que estava fazendo ou falando antes de ele tocá-la!
Sua mente deixou de controlar seu corpo no momento em que ela fechou os olhos, soltou os ombros e toda a tensão que a assolava repentinamente evaporou-se, abandonando primeiro suas pernas quando sua boca passou a ser guiada suavemente pela dele. Até ali, nada além de seus lábios havia trabalhado, mas ela teve a leve impressão de que todo o equilibro que a mantinha em pé tinha pressa em abandonar seu corpo de forma pululante. Teria atingido o chão se Danny não houvesse sido mais rápido em deslizar sua mão por um dos braços dela até que esta atingisse sua cintura e seu braço enganchasse ali, convidando-a a se aproximar ainda mais.
automaticamente sentiu a textura levemente áspera da camisa de algodão que ele vestia ao espalmar a mão vazia em seu torso assim que foi movida pela força dele. Deixou que a mesma mão passeasse tranquilamente pelo pescoço de Danny antes de acomodar os dedos em sua nuca e acariciá-la ao sentir que a língua dele começava a dar os primeiros sinais de que queria fazer parte da experiência.
Danny estava descobrindo que o doce alien de tinha um gosto artificial que ele não conseguia desvendar precisamente, mas possuía um sabor levemente ácido que era quase totalmente disfarçado pelo açúcar que também o compunha, quando sentiu repetidos pequenos estalos cutucarem o céu de sua boca e sua língua no momento em que esta entrou em contato com a dela. Não era algo que o incomodava, muito pelo contrário; aquilo só tornava o beijo o mais peculiar que ele havia experimentado em toda sua vida, e até um tanto engraçado.
Ele não conseguiu se conter e começou a rir. Logo ele estava rindo mais do que um beijo permitia, o que levou a parti-lo e desnecessariamente afastar Danny, empurrando-o para trás sem muita força. Não que quisesse, mas pelo menos tinha que atuar, em nome de sua moral.
Ela abriu os olhos e encarou-o, confusa, sentindo a temperatura começar a cair.
Só não sabia se sua confusão havia sido causada por ela ter finalmente saído de transe ou por não entender o porquê de ele estar rindo. Será que tinha feito algo errado? E se ele estivesse rindo porque ela beijava mal?
Ai, Jesus, ele ia acabar com ela, ia dar o troco e largá-la sozinha ali dizendo que ela era maluca e não sabia beijar. Mas o que ele queria, também? Nem havia dado tempo para que ela se preparasse psicologicamente! Devia perguntar a ele o que dera errado ou...
- O que é esse negócio explodindo? – Danny perguntou, risonho, causando uma pausa no turbilhão de questões que inundavam a mente de .
- Ah, sim. – ela soltou seu o ar restante todo de uma vez e em seguida respirou alívio. Então ele só estava curioso sobre o doce que estava de intruso no beijo, menos pior. – O negócio explosivo, certo. É só um algodão doce do Japão, que tem essas coisinhas que explodem na boca – ela explicou calmamente, pela primeira naquela noite desde que ele aparecera, e mostrou a ele a face frontal da embalagem, que continha uns desenhos malucos e umas letras japonesas. – Por que você fez isso?
- Que legal! É gostoso quando explode! – ele ignorou a pergunta dela. – Um beijo explosivo, ha, ha, ha, eu nunca tinha dado um beijo explosivo, pelo menos não desse tipo e...
- Por que você fez isso, Danny? – ela repetiu, alterando o tom de sua voz para um mais exigente.
Não devia ter cedido. Aquele garoto estava muito mal acostumado se achava que podia beijá-la sem consentimento prévio da parte dela, perguntar o que era aquela porcaria explosiva e deduzir que estaria tudo bem, numa nice, como se um beijo simplesmente consertasse as coisas sem ressentimentos.
- Se você tá achando que esse seu artifício me comoveu, pode ir tirando o seu cavalinho da chuva!
Ele não precisava saber que ela estava tão comovida que seu corpo até parecia uma amoeba, de tão molenga que se sentia.
- Você correspondeu! – Foi a vez de Danny sentir-se indignado, jogando a responsabilidade para cima dela. Ela era bipolar ou o quê?
- Danny, não me enrola – replicou. – Você já exagerou na dose disso, esta noite. - Ele mal podia acreditar que ela precisava mesmo de uma explicação para aquilo. Mulheres eram tão esquisitas!
- , mas que coisa! – ele a repreendeu. – Você quer saber porque te beijei? – ela afirmou com a cabeça, cruzando os braços abaixo de seu busto. – Não acredito – ele murmurou para si mesmo e suspirou, coçando a nuca. – Tá bom, então, eu vou te dizer por que te beijei. Primeiro, foi pra fazer você calar a boca, já que eu não conseguia fazer isso de outro jeito – ele começou a enumerar com os próprios dedos e ela descruzou os braços. - Depois, porque você ainda me interessa. Eu te beijei porque, obviamente, você me atrai.
, que o escutava atentamente enquanto brincava com as próprias mãos e chacoalhava a perna, parou totalmente de se mover quando ele concluiu seu raciocínio, o que não escapou da percepção dele.
Talvez devesse ser um pouco mais enfático, para anular qualquer possibilidade de ela exigir mais alguma explicação ou dar mais um ataque de queixas. Não sabia se sua atração por ela resistiria a outro daqueles.
- E muito, se você quer saber. – Danny afirmou, denotando segurança, ainda que no fundo estivesse incerto. - Agora tá tudo claro pra você, raivosinha? – ele levantou as sobrancelhas para destacar sua pergunta.
- Ah. Hm, bem... – Ela sentiu uma onda de constrangimento pinicante quebrar em seu corpo por causa do apelido provocante que ele usara. – É mesmo? Digo, você se sente mesmo atraído por mim e tudo mais? – Ela titubeou antes de perceber como soara extremamente tola e ele rolou os olhos e riu pelo nariz.
- Quero dizer, OK, OK. É. Tá tudo claro – titubeou e Danny achou aquilo bonitinho. - Eu acho... – ela falou consigo mesma, baixando o olhar. Não que não tivesse entendido, mas ainda estava atordoada.
“JESUS, QUE.ATITUDE.RIDÍCULA!", seus neurônios do bom senso gritaram. Não podia simplesmente ter concordado em silêncio e pronto? Por que ficar calada lhe parecia sempre tão difícil? Estava parecendo uma menininha insegura e pura que acabara de dar o primeiro beijo de toda a sua vida no garoto mais bonito do colégio!
- Melhor assim – ele levantou a cabeça de para resgatar seus olhos. – Você acha que eu teria saído atrás de você se não? – ele questionou e ela refletiu por um breve momento. Até que fazia sentido. - Deixa eu me livrar disso pra você – Danny ofereceu e tirou gentilmente a embalagem do algodão doce da mão dela e depois se afastou para jogá-la na lixeira mais próxima.
Era impressão sua ou ela tombaria, vergonhosamente, como uma jaca caindo da árvore se um vento mais forte a atingisse?
- Pronto – Danny disse assim que parou perto dela novamente, curvando os lábios em um sorriso sereno antes de tomar a liberdade de envolver uma das mãos dela na sua.
- Essa tá um pouco melada – ela disse e ofereceu a outra mão, sorrindo quase imperceptivelmente.
– Do que é que você está com vergonha? – indagou ao perceber que ela estava mais quieta do que qualquer outra vez em que havia estado ao lado dele, sem deixar de considerar os minutos anteriores, claro.
- É que... – ela hesitou e inalou oxigênio de uma vez só antes de expirar da mesma maneira. – Eu tô me sentido meio ridícula, sabe, por ter falado tudo aquilo do jeito desesperado que falei, sem nem ter te dado a chance de se explicar – confessou, cabisbaixa, seguindo os pés de uma estranha que passava por ali com os olhos. – Eu exagerei, desculpa.
- Deixa isso pra lá, – Danny sorriu e beijou a bochecha dela com carinho. - Você estava certa, no seu direito. - “Não escutei metade do que você disse, mas você não precisa saber." - Tá desculpada. – Sorriu e ela retribuiu o gesto. - Sinto muito, também, por ter te chateado, sério. Realmente não queria te deixar esperando, só que aconteceram uns imprevistos lá na gravadora, eu esqueci meu celular no carro e não retornei porque corri direto pra cá.
“AHÁ!", berrou mentalmente e espremeu os lábios para disfarçar sua vontade de rir e sufocar a desconfiança em seus olhos. Danny acabara de deixar claro que aquela história de o telefone não ter tocado era mentira. Essa nova parecia mais plausível, mas também era mentira, já que ele havia contado outra antes. Talvez a parte da gravadora ainda fosse verdade, mas ele ter esquecido o celular no carro e não ter retornado porque estava indo para lá era completamente inaceitável. Ele não poderia ter ligado pra avisar que estava indo? Ele entrara em contradição e sequer havia percebido, mas ela relevou a gafe.
Danny parecia realmente sentir muito, havia lhe dado a razão e deixado passar seu ataque de fúria. Ainda por cima, ele beijava bem, e ela gostava que a mão dele estivesse segurando a sua. E claro, ela nunca desconsideraria o fato de os olhos dele serem quase um fenômeno sobrenatural e terem um efeito tão grande sobre seus sentidos que quase a faziam desenvolver algum tipo de amnésia.
- Esquece, tá tudo bem – assegurou, e ele balançou a cabeça em concordância antes que ela descontraísse o clima ao mudar de assunto. - Hm, bom lugar para um primeiro beijo, um posto de gasolina! – ela referiu-se ao estabelecimento atrás deles. – Ambiente ultra romântico!
Ela levou uma mão até a boca ao perceber o que havia dito. Detestava sua constante falta de controle sobre as coisas que dizia! Danny, que agora parecia se divertir ao deslizar seus dedos indicadores por baixo dos dela ou balançar sua mão para cima e para baixo enquanto a olhava, estava achando muita graça no desconcerto dela. Ele a viu abrir a boca umas duas vezes antes que conseguisse dizer alguma coisa que pudesse reparar sua burrada:
- Não que nós tenhamos um romance, sabe - Danny riu pelo nariz e rolou os olhos. – Eu estava querendo dizer que...
não conseguiu terminar sua explicação. O aroma do perfume inebriante e marcante de Danny tornando-se mais forte, quando ele resolveu puxá-la para si, foi o suficiente para emudecê-la antes mesmo que ele tivesse agilmente capturado seus lábios para mais um beijo.
Ele entrelaçou seus dedos aos dela, deixando ambos os braços rentes aos seus corpos uma vez que ela ficara próxima o suficiente para que ele fizesse o que queria. Com o braço livre, Danny envolveu a cintura dela, tornando-os ainda mais próximos, e sentiu a língua dela começar a deslizar um pouco mais profundamente dentro de sua boca, convidando-o a fazer o mesmo. levou sua outra mão ao rosto dele e o acariciou-o com as pontas das unhas não tão compridas.
O gosto do algodão doce na boca dela já não era mais tão intenso, mas ainda assim se fazia presente, e ele gostava daquilo. Talvez não tanto quanto gostava de sentir a barba dele que começava a nascer pinicar a palma de sua mão, de estar finalmente experimentando um contato mais íntimo com ele e de sentir as borboletas dando a louca dentro de seu estômago, misturando-se à sensação dos arrepios causados a cada vez que ele apertava delicadamente sua cintura. Sentira tanta falta daquilo em sua vida! Não era a mesma coisa que beijar Dave quando o garoto que tinha a boca na sua fingia nunca tê-la conhecido, ou qualquer caso impensado de uma noite, como os que ela vinha tendo até então.
Danny sentiu seu interior sorrir. Problema resolvido: estava ganha, e seu ego conquistador muito satisfeito.
- Você deve tá com fome – ele supôs logo depois de partir o beijo e afagou os cabelos dela. – Também tô um pouco, se você quer saber. Quer voltar lá pro restaurante? Eu te levo.
- Claro que não! - ela respondeu com um ar completamente diferente dos que apresentara antes, mais alegre. - Há um McDonald’s quase na nossa cara, pra que voltar pra lá? – ela apontou para trás e Danny notou que havia mesmo um McDonald’s praticamente acoplado ao posto de gasolina.
- Se você não faz questão, tudo bem pra mim.
- McDonald’s é o lugar favorito das garotas e perfeito para primeiros encontros! – comentou. - É um sonho, chega a ser quase uma utopia! Sem falar da disputa pra conseguir uma mesa disponível! – ela brincou. – A melhor parte é, com certeza, é o papo suuuuper legal sobre calorias que vem de brinde, e você nem precisa comprar o McLanche feliz! – ironizou e Danny riu, olhando-a como se ela não tivesse salvação.
Mal podia acreditar si mesma. Estava sugerindo uma refeição no McDonald’s, o rei do alface e do picles no dente, para Danny! Bem, talvez não fosse tão ruim quanto ela pensava, assim como estava convicta no começo da noite. Podia convencê-lo a comer de costas para ela e tudo mais!
- Engraçadinha – ele riu ao vê-la encolher os ombros e torcer o rosto em uma careta conformada. - Acho que quero te beijar de novo.
Danny tomou o rosto dela em suas mãos mais uma vez e lhe deu um beijo, dessa vez sendo mais rápido e finalizando com um selinho.
- Danny, eu acho que estamos nos beijando demais pra quem nem “se encontrou" ainda...!
- Ué, isso aqui já não é o encontro? – ele franziu a testa, em dúvida. - Eu pensei que fosse. A gente já se encontrou um monte de vezes, tava era demorando pra eu te pegar de jeito! – ela riu.
- Esse é o seu “pegar de jeito"?
- Não provoca, . Você ainda não viu nada... – ela mordeu o lábio e mudou de assunto, um pouco envergonhada:
- É que a gente tinha que começar... Do começo, sabe?
- Não diga! – Danny debochou e sentiu um tabefe nada doloroso da garota em seu ombro. – Eu não vou levar outro soco no nariz, sai dessa!
- Não seja imbecil! – ela o censurou após uma breve gargalhada. – Se bem que você merecia, depois dessa! – ele olhou-a, incrédulo e ela mostrou-lhe a língua colorida pelo doce. - Beijos geralmente não ocorrem no início dos encontros porque... Ah, dane-se, deixa isso pra lá. – concluiu por não conseguir achar uma explicação decente. – Melhor que te beijar com boca de McDonald’s, blergh!
- Nós somos diferentes, oras, é só isso. – O outro justificou. - A gente se beijou no começo do nosso primeiro encontro oficial que, por favor, não se sinta ofendida, é uma puta de uma besteira porque a gente já se viu antes, só pra tirar o atraso, sabe – analisou. Não há problema em eu ter te beijado três vezes, já que na primeira vez que eu tentei fazer isso, levei uma surra, na seguinte, eu fui atrapalhado por uma fã maluca, e esse último... – ele fez uma pausa para pensar. - Foi pra me desculpar pelo atraso, pronto. – ele sorriu, satisfeito com a própria explicação.
- Que a gente tá fazendo parado como dois idiotas aqui ainda? Vamos entrar logo. – ela disse e pegou sua bolsa que repousava em cima do muro, colocando-a novamente em seu ombro. - Essa coisa de ficar te beijando em público é meio desconfortável e não é segura.
Ele arqueou uma sobrancelha e respondeu:
- Nossa, mas como você é mais precavida que eu... E apressada!
- Danny! – ela o repreendeu, fechando a cara para ele, mas não conseguindo esconder que um sorriso queria escapar.
- Que foi que eu fiz agora? – O garoto se fez de desentendido.
- Você veio de carro? – questionou ao passar o olhar por cima do ombro de Danny e fixá-lo em algum ponto atrás dele.
- Quê? – ele se perguntou de onde havia surgido aquela pergunta aleatória.
- Tô perguntando se você veio de carro – repetiu, sem mudar o foco de suas íris.
- Sim, mas o que isso tem a ver? – Danny virou a cabeça, curioso para saber o que ela tanto olhava, mas não notou nada anormal na rua pouco movimentada.
- Onde tá seu carro, Danny?
- Logo ali atrás – ele replicou. - A propósito, se você quiser entrar e pegar uma mesa pra gente, eu já volto, porque não podia ter parado onde parei, é melhor eu voltar e pôr em uma vaga aqui no estacionamento – indicou as vagas em frente ao McDonald’s e ao lado do posto com a cabeça.
- Então vai rápido, antes que alguém faça isso por você – finalmente apontou o que tanto olhava.
Por que sempre que ele vacilava com suas responsabilidades por um breve período as conseqüências gostavam dar uma de espertonas e sempre bater à sua porta menos tempo depois?
Ele compreendeu o fundamento da aleatoriedade dela quando viu um caminhão de guincho parado atrás de seu carro e um funcionário descendo do caminhão para rebocá-lo.
Qualquer um que estivesse passando por ali, fosse vira-lata ou humano, pôde ouvir Danny Jones sair correndo depois de berrar:
- Senhor Dempsie, eu realmente não estou disponível agora – fez uso de seu tom cordial, mais uma vez contra sua própria vontade, e passou por baixo dos braços de um homem no máximo sete anos mais velho do que ela, que tentava mantê-la presa contra a parede. – Eu tenho milhares de coisas pra fazer até que sua banda entre no palco. Se me der licença...
- Bom saber que você é comprometida com seu trabalho – o homem a seguia pelos apertados e agitados corredores da estrutura montada para abrigar o backstage do Wireless Festival, no Hyde Park. – E a senhorita está trabalhando pra mim, isso significa que...
- Senhor Dempsie...
- Você poderia parar de me tratar como senhor?
- Senhor Dempsie – fez questão de ressaltar o pronome. Não com a intenção de provocá-lo, mas com a de enfatizar a única relação que havia entre eles: a profissional. - O senhor sabe muito bem qual é a minha função e, com todo respeito, ela não tem nada a ver com esta que o senhor acaba de insinuar – continuou a caminhar, tentando não deixar a ofensa transparecer em sua voz, com o empresário dos The Pigeon Detectives rindo marotamente em seu encalço.
Há duas semanas havia largado seu emprego na livraria da Morcega Velha para praticamente ser babá de artistas na Live Nation UK, ocupando uma vaga de estágio que havia surgido. O garoto que a ocupava, um colega seu estudante de jornalismo, conseguira uma experiência em sua área, na Rolling Stone, e a indicara para substituí-lo.
Ela não poderia ter ficado mais agradecida. Tudo ocorrera muito rápido, mas não podia ser em melhor hora. Na verdade, havia demorado até demais em sua opinião. Ela sabia que aquela vaga havia surgido para ser sua e de ninguém mais.
Um dia antes de sair para jantar com Danny, haviam telefonado da agência convidando-a para uma entrevista marcada para a próxima segunda-feira, às onze da manhã. A resposta foi tão rápida que a assustou. Nunca pensou que pudesse ser admitida para um estágio daqueles, na maior empresa de entretenimento do mundo naquela velocidade, ainda que com indicação. Na quarta-feira de manhã ela já estava sendo avisada de que deveria comparecer ao escritório em Westminster no começo da próxima semana para regulamentar sua situação e começar a trabalhar. Sem nenhum processo seletivo ridiculamente cheio de dinâmicas e papéis, pelo qual ela teria de passar se não tivesse sido indicada e se Simon, seu colega, não tivesse deixado o estágio num momento crítico.
A recomendação mais importante que havia recebido de sua nova chefe havia sido “Não foda com a nossa reputação e a sua continuará intacta". Bem, era o que ela faria, então. E faltando um dia para completar sete na nova etapa da sua vida, naquele domingo ela já era parte da equipe de produção de um dos festivais de música mais populares da Inglaterra.
Era sua primeira vez trabalhando num evento daquelas proporções. Sempre descolava um jeito de conseguir trabalhar em pequenos shows e pequenos festivais de bandas independentes, mas nunca havia experimentado nada daquele tamanho. A sensação era indescritível. No começo, quando a expectativa quase a engolia, sentira medo. Tinha tudo para se estressar com coisinhas que davam erradas aqui ou ali, com sua chefe a apressando e com Ella, uma outra estagiária que achava saber de tudo, ser mais eficiente que todos e que queria competir com ela o tempo todo. Mas acabara descobrindo nesses detalhes o impulso e adrenalina que precisava para se esforçar cada vez mais.
A parte rotineira não era tão estressante. Ela passava o dia na Argyll Street, no escritório, respondendo e-mails e atendendo a ligações de empresários, negociando cachês de acordo com as ordens que lhe eram dadas e recebendo exigências destes para suas bandas, entre outras coisas. Só precisava de muita atenção, ter o poder da conversa e saber contornar situações indesejáveis com a cordialidade necessária para não parar no olho da rua.
Esta última era justamente a habilidade que estava sendo testada pela insistência de Neil Dempsie, empresário de uma das bandas mais esperadas do dia, em querer seu telefone pessoal além de tentar persuadi-la a abandonar seu trabalho por pelo menos dois quartos de hora para ir se pegar com ele em algum canto não muito vistoso, talvez entre as árvores.
Péssima sugestão.
Estava tornando-se quase impossível não mandá-lo ir tomar naquele lugar. Durante as duas vezes em que tivera de tratar de assuntos com ele por telefone, Neil havia parecido estar mais interessado em elogiar sua voz do que discutir assuntos profissionais, o que ela tinha de solucionar com agradecimentos educados e mudanças delicadamente bruscas de assunto. Agora, ele decidira achar que ela era muito mais bonita do que sua voz e não parava de encher o saco que ela nem tinha, abordando-a e perseguindo-a sempre que tinha a oportunidade quando devia estar colaborando com ela de outra forma: exercendo sua função de empresário de banda que colabora com a produção do festival.
- OK, desculpe. Isso foi rude. – Ainda bem que ele sabia. – Mas, escuta, quando nós acabarmos nosso trabalho – NÓS? Ela tinha escutado bem? Porque a única pessoa tentando trabalhar e sendo constantemente atrapalhada ali, era ela. – Será que a gente podia sair pra começar outro?
Mas o quê?
- Não creio que será possível, sinto muito. – negou o convite, não sentindo muito porcaria nenhuma. Que grosseria a dele! De novo. Começar outro trabalho provavelmente envolvia conotações sexuais, nem que fosse o mínimo. E, apesar de estar começando a tomar um gosto até então adormecido por algumas bebidas alcoólicas, ela ainda não saía para beber com estranhos tarados. Mais além, ela tinha Danny, que aparecia em sua cabeça com muita frequência e lhe causava sorrisinhos e friozinhos na barriga bem idiotas, como se ela tivesse dez anos e estivesse apaixonadinha pelo garoto bonitinho da sexta série novamente. Sem nenhum tipo de compromisso, mas, ainda assim, ele era o único cara com quem ela planejava se envolver no momento. – Acho que não sairei daqui tão cedo.
- Não tem importância, eu preciso pelo menos do número do seu celular. – Argh! Ele estava quase a obrigando a usar seu olhar com lasers cegantes e inflamáveis! Não que Neil fosse feio. Ele era até muito atraente. O que estragava tudo era sua atitude ridícula que permanecia desde a primeira vez que havia conversado com ela, e mais um monte de cantadas idiotas que ele parecia não conseguir parar de usar como um babaca pedreiro. E Danny bloqueando seu interesse maior por qualquer outro cara, claro. – Você não vai me passar mesmo?
- Não – negou pela enésima vez, esperando que fosse a última. Sorriu internamente ao lembrar-se de uma canção da Lily Allen que lhe deu a resposta perfeita: - Você não pode ter meu número porque eu perdi meu celular – concluiu, deixando-o para trás, rindo sozinho de sua própria frustração. Quase gritou de alívio quando percebeu que ele tinha parado de seguir seus passos.
Oh, meu Deus, aquela que acabara de passar ao seu lado era Kate Nash? sabia muito bem se controlar, e tinha a obrigação de encarar os artistas com a normalidade com a qual se encara o carteiro ou qualquer aleatório. Mas, às vezes, não podia evitar sentir-se emocionada por chegar perto de pessoas como Kate, por exemplo. Que, até onde ela sabia, não tinha um perfil de artista estrela, mas era para ela uma das melhores da atualidade e tinha algumas músicas com as quais se identificava até o último fio de cabelo.
O walkie-talkie em sua mão tirou-a de seu transe e arrancou o sorrisinho que brilhava em seu rosto por ter simplesmente acabado de passar ao lado dos cabelos vermelhos de uma das mentes mais criativas da música britânica ao berrar:
- , pelo amor de Deus, cadê as merdas das Stellas e das toalhas do camarim do Mumm-Ra? – Ella, a galinha sabe-tudo, se achou no direito de cacarejar. – Eles saem do palco em menos de dez minutos, o que significa que você tem menos de cinco pra aparecer aqui com essas coisas!
Quem ela achava que era? Sua chefe? Porque nem sua chefe a tratava daquele jeito! Aquela vaca frígida, ainda ia arrebentar aquele nariz de porco operado por um cirurgião açougueiro de esquina que ela adorava empinar.
- Já estou levando, Ella – respondeu num tom entediado, que não mostrou nenhum tipo de submissão, e morreu de vontade de acrescentar ‘enquanto eu não chego, por que você não enfia um caco de vidro no cu, sua maldita?’. Mas não o fez. Optou somente por mostrar o dedo médio para o comunicador imaginando que era o rosto daquela infeliz.
De repente, sentiu falta de Reddie ao seu lado para tornar a parte miserável de qualquer trabalho menos miserável; e até mesmo da Morcega Velha. Antes a Morcegona do que Ella, que dava a impressão de ser feita de ácido fluorídrico e beber chá de ácido clorídrico regularmente.
Respirou fundo e apertou o passo. Não adiantava se irritar. Teria de lidar com aquilo por muito tempo ainda se quisesse se manter no estágio. Não deixaria que aquela biscate acabasse com ela, não sucumbiria ao jogo dela tão cedo para acabar tendo um ataque de estresse e ir parar toda piripaqueada numa cama de hospital ou num consultório psicológico por culpa dos tais males do século XXI – Ella era um deles, com certeza. Afinal, ainda faltavam quatro bandas e mais um pouco para que ela pudesse descansar na santa paz que ausência da Tormento lhe trazia.
Aquela BRU-A- CA! Vadiazinha vil, asquerosa e sádica! Ela era tão ridícula que fazia querer se teletransportar para onde quer que ela estivesse e puxá-la pelos cabelos até que os arrancasse e ela nem sequer conseguisse pensar em pedir-lhe para parar, tamanha a dor que lhe causaria. Tudo que podia fazer, no entanto, era bater os pés no chão e grunhir de raiva, contendo-se antes que o som virasse um grito.
Porque a vida também era outra bruaca. Não que alguém fosse escutar se gritasse, pois não havia uma alma viva na rua pra isso. Já as mortas, que supostamente rondavam perdidas por ali e ela não podia ver, teriam de protegê-la, porque se dependesse de si mesma...
Continue caminhando, . Esqueça essa filha da puta.
Dado razão a sua desconfiança com certeza teria sido a melhor coisa a fazer. Para quem se mostrara desnecessariamente competitiva, mandona e irônica para cima dela durante a semana inteira, um favor oferecido devia ter sido encarado com o mínimo de dúvida. A voz de sua avó dizendo “quando a esmola é muita, o santo desconfia" não estivera pipocando em sua mente de bobeira. Sua avó sempre tinha algo a dizer e sempre estava certa sobre as coisas, incrível! Essa coisa de viver era mesmo uma grande novela. Tinha de dar mais ouvidos a esse negócio de escutar os mais velhos e gastar mais do seu bônus em ligações internacionais papeando com sua vividíssima e mais linda e amada do mundo avó que não via há mais de um ano e meio e queria abraçar até não ter mais forças.
Bem que a porta da casa dela poderia se materializar no meio da rua e ela estar ali, esperando-a com uma caneca fumegante do chocolate quente que somente ela sabia fazer, uma cama macia que cheiraria a 7 anos de idade e descanso depois de um dia inteiro de risadas e brincadeiras e suas mãos quentinhas para amassar seus cabelos até que dormisse.
Isso seria tão bom que até a fazia querer chorar! Tudo pelo simples fato de somente poder dispor de ódio no coração enquanto tentava buscar compreensão numa atitude ridícula daquelas. Sua vó poderia lhe dar alguma explicação. Sua vó a consolaria e diria algum provérbio engraçado que melhoraria não somente o momento, mas sua vida inteira. Por que não podia ter sua avó agora? POR QUÊ? POR QUÊÊÊÊ, MEU DEUS? Isso era tudo que conseguia gritar para o vento.
Ella havia sido muito boazinha - o que foi totalmente contra suas atitudes anteriores durante aqueles seis dia - ao oferecer-lhe uma carona até pelo menos metade do caminho para sua casa. Esperar-lhe em frente à saída da Knighstsbridge Green, por que não? Melhor do que pagar um taxi. Ela já daria uma carona para Liam, que morava em uma vizinhança próxima a sua, então não seria incômodo algum, segundo ela. Certo?
CERTO, SUA MALDITA SEM CARÁTER? CERTO?
Não havia feito nada de mau para que aquela víbora de cabelo cor de água de salsicha tão podre que jamais havia sido visto em qualquer água de salsicha antes a deixasse plantada, sozinha, no meio da rua, entre uma e duas da madrugada. E ainda debaixo de uma chuva que tinha nada menos do que a função de ser desnecessária e enfatizar seu drama ao encharcar as fibras de sua roupa e tê-la sapateando por poças sem sequer conseguir se achar o Gene Kelly em Cantando na Chuva porque não tinha a porcaria de um guarda-chuva, nem um garoto com capa de chuva pra beijar debaixo dele, não estava feliz nem gargalhando alto e muito menos queria sair cantando.
Cantar porra nenhuma, desejava mesmo era detonar Ella e seus pais, que haviam a colocado no mundo! Talvez mais tarde conseguisse um resfriado gratuitamente, vai saber.
Tentara ser paciente utilizando-se de paciência que nem era sua e muito menos sabia de onde ou quem emprestara, tentara ser complacente e dissolver a rivalidade, ou o que quer que fosse que aquela filha bastarda de uma égua havia criado em sua mente, mas Ella havia passado dos limites.
Qual era o problema desse tipo de pessoas que gostava de criar inimizades de graça? Com certeza algum tipo de retardo mental despertava tal índole. Tinha muito pouco tempo no emprego para aguentar alguém lhe atazanando a vida daquela maneira. Aliás, tinha muito pouco tempo no emprego mais suado de sua vida até então para estar correndo o risco de ser violentada, violada e morta madrugada adentro por um qualquer, no meio da rua, e não ter tempo de curti-lo nem mais um pouco.
Tentativa de homicídio, era isso. Isso não podia ser inimizade ou uma mera rivalidade, era um desrespeito pela vida do próximo, um desacato aos valores da porra da sociedade. Mas a sociedade já era toda desfalcada de virtudes, então não sabia nem por que pensava em valores ou esperar que Ella os tivesse. Nem amor em casa ela devia ter tido, devia ser algum tipo de abandonadinha ou rejeitada pelos pais, família e homens. Amigos ela nem devia ter. Porque uma pessoa bem amada não fazia esse tipo de coisa.
E se alguém realmente a matasse ali? E se fosse atropelada na chuva? Estava muito nova pra morrer assassinada por um mequetrefe sem teto ou atropelada na chuva! Filha de uma cafetina! Arranjaria um jeito de acusá-la por tentativa de homicídio de qualquer maneira se alguma coisa lhe acontecesse, colocaria a cara daquela vagabundazinha na porra do noticiário!
Não havia ninguém da produção que conhecesse que poderia lhe dar uma carona porque fora uma das últimas a sair dali. Não pagaria um milhão de reais em um táxi dali até sua casa porque não estava com tanto dinheiro assim e não havia nenhum caixa eletrônico disponível. A Hyde Park Corner estava ao seu lado, mas não operante. Só porque o metrô facilitaria muito sua vida. Estaria com inveja de si mesma se pudesse enxergar sua situação pelos olhos de outra pessoa e rindo como Paola Bracho se fosse Ella, porque era isso que aquela vadia devia estar fazendo. Rindo por puro deleite da cara de “eu quero morrer’’ que fazia enquanto caminhava, mal sabia para onde, debaixo da água gelada que afogava suas células.
Por sorte, ou melhor, para que sua vida não parecesse a pior do mundo, havia vários pontos de ônibus naquela rua, por esta ter acesso direto ao parque. Se esperasse, talvez algum dos ônibus noturnos da cidade passasse por ali, assim como os carros e pedestres que apareciam de vez em quando quase nunca. Afinal, era Knightsbridge Green, uma rua conhecida na cidade. Mas era madrugada de segunda-feira e estava chovendo, então sua importância e a de uma rua do interior do Uzbequistão eram a mesma coisa. Não tinha idéia se algum desses ônibus fazia um trajeto que incluía aquela rua e qual daquelas paradas atendia, mas qualquer motorista que estivesse no controle não lhe negaria o “passeio" por estar no ponto errado, porque eles haviam de ser gente civilizada. Ao contrário de certas pessoas com quem tinha de obrigatoriamente conviver.
Poderia ligar para algum amigo ir buscá-la. Dave, por exemplo. Dave era um cara legal e ele gostava demais dela a ponto de se preocupar com sua vida correndo risco no centro da cidade. Mas o tempo que ele levaria para chegar ali talvez fosse o mesmo que o de qualquer ônibus e, acima de tudo, ela não queria incomodá-lo, então preferiu esperar. Nada lhe aconteceria. Já estava abandonada e molhada, de madrugada, no centro da cidade.
A situação tinha como ficar pior, mas não iria, porque sua vida era ótima, ela tinha um Oyster Card e aquele era somente um momento de provação, o qual ela superaria com a ajuda de Deus. Porque as pessoas estavam sempre falando que superavam tudo com a ajuda de Deus, então aquela devia ser a hora em que ela passava a acreditar piamente em tal crença.
Simplesmente porque às vezes nem sabia se acreditava, ou melhor, como acreditava n’Ele direito. Mas, naquele momento, ela não tinha mais a quem recorrer. Comportamento completamente humano. Na hora do desespero, até quem não acredita em Deus enxerga seu filho dando tchauzinho em qualquer lugar. Tinha de ser positiva na situação caótica para que saísse dela.
Fechou os olhos e inalou toda a positividade que conseguiu, tentando enviá-la para o resto de seu corpo, que estava mais interessado em tremer de frio e medo debaixo do abrigo que o ponto de ônibus lhe dava, mas que já não lhe adiantava mais de nada por já estar completamente encharcada.
Não vai me acontecer nada. Minha vida é boa, eu ainda tenho muito o que fazer dela e o mundo me ama. É isso. Nada vai interferir na maravilhosidade da minha vivência, nem a vaca da Ella e essa arapuca na qual ela me pôs.
Esfregou as pálpebras e tentou se concentrar no barulho da chuva, que estava parando. Correu os olhos pelas faixas vermelhas e brancas do aviso do corredor de ônibus e trouxe sua visão ao cartaz de Billy Elliot, o Musical, em um plano mais próximo. Ela amava Billy Elliot, o filme, mas nunca havia visto o espetáculo em West End. Já demorara demais, pensou. Tinha que providenciar seu ingresso. Precisava de uma companhia. Quem sabe Danny não quisesse sê-la?
Longe de seu medo por alguns segundos, voltou a ser retesada por ele assim que a neura de que caso se distraísse com outras coisas perderia o ônibus que nem sabia se passaria a cutucou. Olhou para os dois lados da avenida. Vazia. O nó em seu estômago, depósito de toda sua ansiedade, apertou. Droga.
Batia um dos pés no chão sem nem ao menos se dar conta. Onde estava o caralho do ônibus? Nunca fora tão difícil se locomover em Londres. Nunca quisera tanto poder ligar para seu pai e dizer ‘Pode vir me buscar?’ no tom mais pidão e filhinha dependente existente. Aliás, se seu pai pudesse vê-la ali, ele estouraria seus tímpanos com uma bronca colossal.
Vai ficar tudo bem, não vai acontecer nada. Deus está olhando por mim, e ele com certeza deve me amar, porque ele tipo ama todo mundo, até quem não o ama eu acho. Porque olha essas coisas desgraçadas que acontecem, esse pessoal que vive na desgraça, então deve ser. Eles têm que ter algum tipo de amor, porque senão, o que eles vão ter, né? mordia os cantos das unhas. “Por isso, não vai me acontecer nada. Meus anjos estão me protegendo, Deus me ama e... Ai, mentira. Ele não ama todo mundo. Ele com certeza não ama Ella, aquela vaca desgramenta. Ela vai ver só, aquela...
- Não grita! – levou um susto tão grande ao ver um homem com um moletom preto tão encharcado quanto ela pular em sua frente, apontando-lhe um canivete, que a única coisa que conseguiu fazer foi engolir qualquer tipo de exclamação. – Fica quietinha, me dá sua bolsa e aí não vai acontecer nada com você!
Pera aí. Já não estava acontecendo?
- Mas... Ai, moço, não, por favor... – ela suplicou ao homem que tinha o capuz da blusa sobre a cabeça, mas este não lhe escondia o rosto. Como se o pânico a deixasse enxergar o rosto dele de qualquer maneira. Como se ele realmente estivesse interessado em escutar alguma súplica.
- Dá a bolsa, porra! – Que delicado. Ele moveu ameaçadoramente o canivete, daqueles vermelhos e suíços que se lembrava de sempre ver no porta-luvas do carro de seu avô, apontando-o para a barriga dela, chegando perigosamente perto.
- Moço, por favor, você não tá me entendendo...!
- A putinha quer morrer, então? – Abordagem de mafioso profissional, hein? Ele não devia tipo segurá-la pelo pescoço ou algo do tipo que se via na TV? – QUER MORRER?
- Não! OK, OK - respondeu, sem saber como, agitada e inconsciente das próprias ações. Tirou a bolsa de seu ombro. O cara estava quase enfiando uma faca em seu pescoço e ela ainda tinha a audácia de continuar falando. – Será que eu poderia só...
Não, não poderia. Não poderia pegar a porcaria do seu Oyster Card e dos seus documentos porque o meliante simplesmente agarrara sua bolsa como se fosse a última garrafa de água potável do mundo e saíra correndo com ela, sumindo ao virar a esquina. Seus pés hesitaram em correr atrás dele, afinal, sua vida naquele momento dependia de todos os itens que estavam dentro da bolsa. Roubada. Dependia. Vida. SUA VIDA DEPENDIA DE UMA PORRA DE BOLSA ROUBADA!
Acabara de ser assaltada. Assaltada na chuva! Ameaçada de morte com um canivete suíço! Que tipo de pessoa era assaltada na chuva com um canivete suíço? Por um bostica de um nóia que devia tê-la roubado para comprar drogas, porque nem cara de malandro da máfia ele tinha! Nem para ser assaltada decentemente tinha vocação.
Sua única sorte era o cara não estar mesmo com tanta vontade de matá-la. Tinha pronunciado mais do que o limite de palavras permitido para um assalto. Estava solta na cidade sem lenço, sem carona, sem companhia e sem documento, a informação procedia? Era isso ou estava alucinando? Se caísse num bueiro – era só o que lhe faltava – acabaria no País das Maravilhas? Encontraria uma cidade de ratos no esgoto, como no filme de criança que assistira? Porque acreditar em qualquer coisa, contando com a ajuda de seu estado atual, se tornava extremamente mais fácil.
E ela não sabia o que fazer! Era uma porcaria de uma mulher, ou pelo menos era o que diziam, e não sabia o que fazer! Não sabia se saía correndo dali, se ficava onde estava, se sentava e chorava, se ligava para a polícia, se chamava uma ambulância porque sentia que ia desmaiar e ser engolida pela alta dose de adrenalina que sentia pinicar cada parte de seu corpo, se berrava como alguém prestes a ser internado num manicômio....
Sem contar que DEUS ACABARA DE DESLIGAR O TELEFONE NA SUA CARA! Interrompera a comunicação como se ela fosse um... Um nada! Deus não podia desligar o telefone na cara dos outros assim, no meio de uma prece! Deus tinha que escutar até preces de minhocas! Isso ia tipo contra as leis do mundo que supostamente Ele criara! Tudo bem que poucos ainda as obedeciam, mas Ele era o ditador delas! Que absurdo! Nem Deus tinha mais valores ou aparentemente abandonara o controle da nave. Era o fim dos tempos.
Não conseguia nem ao menos pensar “pelo menos estou viva!". Sentou-se no banco largo e vermelho da parada e afundou o rosto nas mãos. Do que servia estar viva se estava largada na rua como uma maria ninguém e sem rumo quando, na verdade, tinha uma casa para voltar? Ter uma casa para voltar e não conseguir fazê-lo era o fator chave que deixava a situação ainda mais patética.
Lembrou-se dos The Wombats cantando 'this is no Bridget Jones' em uma das músicas que ela mais gostava. Com certeza não era como um episódio da vida de Bridget Jones, era bem pior, porque não tinha nenhum Mark Darcy pra tirá-la do aperto por livre e espontânea vontade.
Seu rosto formigava e suas pernas e braços pareciam tão líquidos quanto a chuva ou as lágrimas que começavam a brotar e queriam pular para fora de seus olhos a qualquer custo. Inspirou o ar úmido da noite, inclinou a cabeça para trás e grunhiu.
- Vai tomar no cu. VAI. SE. FODER! – utilizou-se do bom e velho português. Nada melhor do que xingar na própria língua. – Que porra é essa? QUE PORRA É ESSA? QUE POUCA BOSTA VOCÊ ACHA QUE EU SOU? VAI TOMAR NO CU, CU E CU DE NOVO, SE É QUE VOCÊ TEM UM!
Ela podia mandar Deus tomar no cu? Claro que podia, já não tinha moral alguma com Ele mesmo. Até bebendo ela andava, porque descobrira as bebidas alcoólicas gostosas da vida. Devia ser muito chave de cadeia, inventora das blasfêmias mesmo, para acabar vítima de tal descaso.
Que Ele não a perdoasse e a deixasse morrer, que trancasse a porta do paraíso como se ela fosse a Rainha das Pecadoras. E nem um enterro digno no Cemitério da Consolação ou do Santíssimo Sacramento ela teria, pois não conseguiriam identificar seu corpo, já que ela não tinha mais os papéis que provavam sua identidade e liberarem seu corpo para voltar de onde viera. Não que estivesse se importando muito com alguma coisa além de querer sair dali e assassinar Ella no momento!
Nunca havia sido assaltada em São Paulo para ser assaltada em LDN. Cacete de vida bandida. Bandida mais profissional do que o fodido até o pêlo do saco que a abordara.
Antes mesmo que começasse a chorar compulsivamente, uma parte pelo susto e outra pela incredulidade, e deixasse que o desespero a engolisse viva, puxou as próprias rédeas. Já havia água demais no cenário para que precisasse colaborar de alguma forma. Misericórdia, ela era uma garota crescida! E garotas crescidas e independentes não choram (bem, elas choram, mas não podem se permitir fazê-lo em situações nas quais precisam tomar atitudes em nome da preservação da própria vida). Como a Fergie e aquela música chata dela. Ew, aquela música horrenda!
Chorar por ter metido tal música terrível – que parecia ser a única existente no mundo, de tanto que tocava em todo maldito lugar – com um refrão mais nauseante que cheiro de bosta de nenê (criancinha e cobertor, oi, EW, EW, EW, se mata, Fergie!) em sua situação lamentável parecia um motivo a mais para cair em prantos do que pensar em usá-la para algum tipo de inspiração para ter forças.
Trazendo à tona em sua mente a única sequência de números que sabia de cor por estranhamente ser o único que não discava automaticamente no celular, passou os dedos sob os olhos e dirigiu-se a uma cabine telefônica daquelas tradicionais que todo mundo gostava de mostrar quando falava de Londres nos filmes e tevê. Ela ficava atrás do ponto e roçava as folhas de uma árvore à frente deste.
Alguns dos vidrinhos retangulares entre as linhas vermelhas estavam aleatoriamente quebrados, por inteiro ou parcialmente, e dentro da cabine, acima e ao lado do telefone cinza e velho, havia um monte de anúncios em cartazes de serviços sexuais, com mulheres nuas se tocando ou fazendo cara de “quero te dar, vem cá gostosão, rrraaaw" e suas partes íntimas cobertas por estrelinhas. Como se estrelinhas amenizassem bosta qualquer, pensava.
Discou o número, escutou a mensagem gravada, disse seu nome quando solicitado e esperou que a ligação caísse no celular de . Como fazer uma ligação a cobrar naquele país era uma coisa ridiculamente dificultada.
Caixa postal antes dos seis toques. ignorara a ligação. Bastava-lhe tentar até que ela atendesse. E ela o fez antes que pudesse analisar a especialidade do quinto anúncio de prostituta que começava a ler.
- Pára de me ligar, eu tô dormindo!
Ligação cancelada. Mas que porra de melhor amiga é essa? Esse século XXI falhava muito quando se tratava de construir relações afetivas. As melhores amigas não eram mais como antigamente.
Já não bastava Deus ter batido o telefone em sua cara, agora sua melhor amiga fazia o mesmo quando ela mais precisava. Ótimo. Felicíssimo. Joy extrema. Viva la fucking vida!
Foda-se, pensou. Uma hora ela teria de atender. Isto é, se não desligasse o celular.
- Quem é, porra? – surpreendeu-a com a pergunta agressiva e rouca. Ela tinha falado o nome pr’aquela bosta de mensagem gravada para quê?
- É a ! Que bom que você atendeu, olha...
- Mas que cacete, hein? Comeu bosta? Que merda, PÁRA DE ME LIGAR, VOCÊ TÁ ME ACORDANDO!
- Tô te acordando patavinas, você já tá acordada agora. Por favor, dá pra me escutar?
- , são... Só um minuto – supôs que ela estava consultando o relógio. – São dez pras duas da madrugada. Dez pras duas. Perdeu o respeito pelo sono dos outros? – usou a frase clássica de sua amizade. – Ah, me esqueci, você nunca teve! Por que eu te escutaria às duas da manhã de uma segunda-feira? Se você não sabe, este não é um horário apropriado para ligar...
- Cala a boca e me escuta, por favor! Você tá falando demais pra quem ‘tá dormindo’. Eu tô com o cu na mão aqui, tá tão apertado que não passa nem uma agulha! Tô quase morrendo de hipotermia, caralho, uma puta fria!
- Tem razão. Tem gente que mora PRATICAMENTE NO MESMO LUGAR QUE EU ME LIGANDO ÀS DUAS DA MANHÃ, A COBRAR, UMA PUTA DE UMA FRIA MEEEESMO! ISSO COM CERTEZA INFRINGE ALGUM ARTIGO DO CÓDIGO INTERNACIONAL DA BOA VIZINHANÇA!
- , porra!
- Fala logo, merda. Eu que tô pagando!
- Se você calasse a boca... – não respondeu. Esplêndido! – Obrigada. Se liga, não tô em casa ainda.
- Não? Tá onde? No Danny? No Dave? De qualquer forma, que eu e meu sono prezado temos a ver com isso? – Por que ela tinha de ser tão irritantemente estúpida quando acordava? Argh!
- Não, tonta. Você me pediu pra tocar a campainha pra avisar quando eu chegasse, eu não toquei – lembrou a amiga.
- Devo ter sonhado.
- Tô falando sério! Tô parecendo uma mendiga molhada na rua, sem um puto no bolso porque me roubaram! Levaram minha bolsa, tô toda fodida e largada! Aquela vaca da Ella, depois eu te conto direito, mas foi basicamente isso...
Sem mais delongas, explicou em poucas palavras a epopéia à qual sobrevivera e fez com que se sentisse até um pouco consternada por tê-la tratado de maneira tão grosseira.
- Poderia te mandar um taxi, mas eu não tirei dinheiro pra pagar, eu ia tirar só mais tarde...
- Droga. – praguejou. – Tá. Tudo bem, olha, me passa o telefone do Dave. Ele deve tá no turno dele, acho que pode vir me buscar.
- Dave vai te matar.
- Claro que não, ele não tá louco. Aquele putinho me ama, ele ainda quer me comer muito antes de me ver morta por suas próprias mãos. Do tanto que ele me enche o saco pra sair, ele vai gostar da idéia de me encontrar perdida, boladona na madrugada, e vai querer abusar de mim no carro.
- É, verdade, faz sentido. Espera um minuto, vou ver aqui qual é. Tem onde anotar? – a amiga perguntou.
- Não, vou ter que decorar.
Esperou um tempo até que localizasse a sequência dos números da salvação em sua agenda de contatos e o repetisse pelo menos quatro vezes para que o decorasse.
- Mas, hein, por que você não ligou pra polícia?
- Olha minha cara de quem quer passar madrugada em delegacia. Amanhã resolvo isso. – explicou. - Agora pára de falar senão esqueço o número. Qual o final mesmo? – repetiu.
- Obrigada.
- De nada. Avisa quando chegar, tá? Toma cuidado, não vai ser morta, hein?
- Querida, se eu fiquei viva até agora, nesse ponto da saga é que eu não morro, né.
- Vou ficar te esperando. – Dormindo, o que bem sabia. – Beijo.
discou o número de Dave, que cantava no ritmo da música do Big Mac para não esquecer, escutou a mesma mensagem gravada, repetiu o procedimento das ligações a cobrar e esperou que ele atendesse.
- Alô? – a voz de Dave respondeu do outro lado.
- Oi, boa noite! Aqui é a Loira Safada! Especializada em fantasias de colegial, 24 horas, bem amigável, faço o que você quiser, deixo você colocar onde quiser e engulo tudo. Foi você que ligou mais cedo e deixou recado na minha caixa postal? - disse, lendo um dos anúncios que pulavam em sua cara.
Não sabia como ainda lhe restava algum rastro de humor para fazer piadas, mas ele estava ali e era até melhor, para aliviar a tensão.
- Desculpa? – ele perguntou, como se não estivesse entendendo nada. Normalmente, ele entraria na brincadeira ao reconhecer sua voz. E a mensagem gravada dissera seu nome. Que ele havia feito com seu senso de humor? Ela que estava fodida e ele quem havia o perdido?
- Dave, sou eu, seu idiota!
- Dave? Quê? - ele tornou a dizer e percebeu que o barulho encobrindo sua voz era praticamente nulo pra quem estava numa boate. Sem contar que o tom era muito rouco para ser o de Dave, mas ainda assim. Ele devia estar se fazendo de idiota.
- Você ligou errado! – Não era a pessoa que ele pensou que fosse, era? Mas se a loira safada fosse gostosa e limpinha, talvez eles pudessem negociar essa história de ligação por engano...
- Pára de se fazer de tonto, você sabe que é a .
- ? Que ? A ?
- Que outra você conhece, imbecil? - Tudo bem que ela nem sabia se ele conhecia ou não, mas ele nunca tinha dito que havia outra que fosse tão íntima dele quanto ela. Ela tinha de ser a primeira a aparecer em sua mente e pronto!
- Loira e safada? - ele perguntou mais a si mesmo do que a ela. - Nenhuma. ... Ah, ! , se você for a que eu tô pensando e não for nada loira, não é o Dave! É o Danny!
Era impressão sua ou as roupas geladas de repente haviam resolvido queimar sua pele insuportavelmente?
- Jesus.
- Não, o Danny mesmo, hehe! – Oh, Deus. Ele ainda estava brincando para que ela não se sentisse tão ridícula. Por dó. Puta que pariu.
Um minuto! E se fosse Dave justamente entrando no espírito da brincadeira, querendo enganá-la com essa história de ser o Danny?
OK. E se não fosse?
- Ai! Merda. Sério? – perguntou, mais sem graça do que ficaria se estivesse com um feijão no dente enquanto conversava com a rainha. Estavam fritando nuggets debaixo de sua pele sem sua licença!
- Sério. – ele confirmou. Sua voz era o suficiente para provar que ele era o outro D, no fim das contas.
- Danny! Ai, Danny, me desculpa, olha eu... Bosta. Merda. – Do outro lado, Danny se divertia com o constrangimento dela enquanto ela só pensava que tinha de parar de falar ‘merda’ e ‘bosta’. - Eu não queria te ligar, desculpa, mesmo. Bosta, era pra eu ligar pro Dave porque, ai... Merda, desculpa. De verdade.
- Eu percebi que você não ia ligar pra mim e, sim, pro Dave, sabe... – debochou. – Tá tudo bem, tirando o fato de você não ter me contado que à noite assumia outra personalidade. Que história é essa de loira safada que engole tudo e sai com o Dave?
Incógnita: COMO uma ligação para o número de Dave tinha ido parar justamente no celular do Danny com tanto número para alcançar em Londres? Por quê? tomaria um murro na cara, uma paulada na fuça, se tivesse feito isso de propósito. Ela pedira o telefone do Dave, não do Danny, fora claríssima em seu pedido. Tudo bem, as letras iniciais eram iguais, mas o resto da grafia e a pronúncia eram diferentes! sabia ler MUITO BEM.
- , olha, eu não posso continuar saindo com uma prostituta mentirosa. – Não que a história de Loira Safada tivesse sido de todo ruim. Era, na verdade, bem instigante, ele não fazia nenhuma objeção a loiras safadas. Mas tirar uma com a cara dela era muito interessante também. – Se você precisava de dinheiro, , eu teria te ajudado, você não precisava descer tanto o seu nível. E, quem sabe, você já tenha algum tipo de intimidade muito íntima e seja cheia das fantasias com esse Dave aí, cliente fiel e tal... Acho que vai ser melhor se a gente não se vir de novo, não vai rolar mais da mesma maneira e...
- Danny, não! – soou mais desesperada do que deveria e ambos perceberam isso. Agora eram os nuggets que estavam quase carbonizando junto com sua pele. – Quero dizer, não sou isso aí que você falou, é tudo um mal entendido, vou explicar, quer ouvir? Então...
- ! Ei! – Danny a interrompeu mais uma vez. – Tá tudo bem, eu só tô te zoando!
Os nuggets já estavam pulando para fora da fritadeira dermatológica. Quando Danny Jones está te zoando, a situação já passou do nível ridículo para algo mais grave.
- HAHAHA, QUE ENGRAÇADO! Claro que eu sabia que você tava me zoando – Claro eu não. Obviamente ela só estragou mais a situação, porque toda vez que se tenta limpar uma cagada mole com uma vassoura, ela só se espalha e fede mais.
- Claro que sim – ele fingiu acreditar nela. – Você tá bem? Digo, são tipo duas da manhã e você tá me ligando, quero dizer, ligando pro Dave, a cobrar. Aconteceu alguma coisa?
Sensato da parte dele notar.
- Eu te acordei? – o constrangimento em sua voz transformou-se em culpa. Tadinho!
- Não, não, fica tranquila. Eu já tava acordado. Tô vendo um filme qualquer, aqui.
Quase que ela perguntou se era um pornô, mas sua espontaneidade já havia exagerado demais até aquele momento. Melhor deixar para depois.
- Sei.
- E você? Liga pros outros sempre nesses horários estranhos?
- Ahn, na verdade, não. Mas nas circunstâncias atuais, não é como se eu tivesse outra opção.
- O que aconteceu?
- Você não quer saber. Acho melhor eu pegar o número certo e ligar pro Dave de uma vez e...
- Se eu tô perguntando, , é porque eu quero saber – ele soou mais austero do que ela esperava. Foi sexy. – Posso saber o que o Dave pode fazer por você a essas horas que eu não possa fazer também? – Olá, calafrios!
- Danny, não me leve a mal. Não é isso que você deve tá pensando...
- Eu não disse nada. – Continua, meu filho, continua que tá sensual, ela pensava.
- ... é que eu não queria te incomodar.
- Parece que não deu muito certo, olha só – ele riu pelo nariz. – Não que você esteja me incomodando, porque eu gosto de falar com você. – Ai, eu vou derreter! Que gracinha e sufjshbsjhfjhsf! - Fala logo, , vamos.
- Certo.
Ela só queria ir embora dali e abraçar seu chuveiro e sua cama o mais rápido possível, mas ficar de papo no telefone e achar Danny um bonitinho sensual de primeira era o que tinha para hoje.
Depois de explicar, mais uma vez, a ele sua trajetória de heroína perdedora da forma mais sucinta possível, ficou agradecida ao percebê-lo tão indignado quanto ela mesma.
- Não acredito nisso, mas que puta, essa mulher! Você tinha me dito que ela era idiota, mas eu não imaginava que fosse tanto.
- Pois é.
- Tenta me explicar o mais especificamente possível onde você tá, eu vou até aí te buscar e a gente corre atrás dessa vagabunda e do drogado assaltante com o Dannymóvel. – Danny ofereceu e ela riu como uma torpe do trocadilho. Nem era tão engraçado para que risse daquele jeito, por isso mesmo que ela ria daquele jeito.
- Não! Não precisa! Você tá aí na sua casa todo quentinho, fica aí, bem bonitinho. Eu ligo pro Dave, que já tá na rua, e...
- Que mané Dave, , porra. Quem vai buscar você sou eu, não esse cara. – Ai. Meu. Deus. O JEITO com o qual ele dissera aquilo! Que possessivo! Que rouco, que lindo, que tesudo, que... – !
- Ah, oi! – chacoalhou seus sentidos para que voltassem aos seus respectivos lugares. – Você tem certeza?
- Absoluta. Já tô pegando as chaves. – pôde ouvi-lo sacudi-las do outro lado. Ai, meu Jesus, quanta atitude. Que lindo! Que herói! Que Peter Parker indo resgatar Mary Jane! Que Clark Kent prestes a resgatar Lois Lane! Que coisa de macho bronco! Que Popeye indo tirar Olivia Palito das garras do Brutus!
- Bom, se você insiste... Olha, eu tô aqui em Westminster, dentro dessa cabine telefônica em frente a um ponto de ônibus com um anúncio do Billy Elliot. Knightsbridge Green é a rua. – explicou, lembrando-se do nome que a Vaca lhe dissera e que lera em alguma placa por ali. – Perto da Hyde Park Corner station. Sabe qual é?
- Não exatamente, mas meu GPS sim – respondeu com o mesmo tom de macho alfa responsável que comia ovo puro no café da manhã, suava o dia inteiro na labuta, arrotava alto depois de tomar um pint de Ale no bar com os amigos, mas ainda ajudava a cuidar das crianças e tinha energia pra trepar no fim da noite quando chegava em casa . – Não sai dessa cabine telefônica até ver o Dannymóvel, tá? Porque qualquer coisa eu ligo aí. Tô indo te resgatar, linda.
Linda. Linda. LIN-DA. LINDAAAAAAA. Ele acabara de chamá-la de linda e ela sentia isso em suas bochechas. Puta merda, já estava quase babando de retardada. Era simplesmente a sensação mais adorável do mundo quando ele resolvia dizer algo do tipo.
- Pode deixar. Tô te esperando.
- Até daqui a pouco – Danny desligou.
- AH, LINDOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO! – ela berrou como uma teenie com voz de morsa e colocou o telefone no gancho antes de começar a tossir como uma tuberculosa e se sentar no chão para aguardá-lo. Droga, mal havia se molhado e já estava sentindo a gripe chegar.
Quando a tosse se foi, sorriu sem nem se lembrar de que o mundo inteiro era um lugar tenebroso e frio minutos antes. Não havia ninguém para lhe escutar, logo não havia motivos para se conter! Ele era incontestavelmente um lindo mesmo, oras.
Tempo depois o bastante para que percebesse que as nuvens haviam secado, para que saísse da cabine três vezes por engano ao ver outros carros passarem e para que cantarolasse algumas músicas que lhe vinham à cabeça enquanto descascava o esmalte de uma unha com a outra, mas tempo não suficiente para que suas roupas secassem por completo, , aproximando-se do meio fio da calçada, espremeu os olhos para ver o carro de Danny locomover-se em sua direção. Abriu-os quando ele parou ao seu lado e um de seus vidros escuros foi abaixado, revelando seu condutor.
Ele sorria pra ela simplesmente por sorrir e segurava o volante com uma só mão. A inquietude no canto de seus lábios que sorria de volta para ele a lembrava de somente uma coisa: do quanto era divertido simplesmente só olhar para o rosto pintado dele.
- Ei! Desculpa não ter chegado em um tempo de super-herói, o Dannymóvel infelizmente não voa – Danny iniciou uma conversa descontraída enquanto ela se sentava no banco do passageiro e fechava a porta, tremendo de frio. Coitadinha. – Mas pelo menos agora você tá segura aqui dentro, longe de qualquer Assassino do Canivete Suíço!
- Não tem problema. – Os olhos de cintilavam.
- Eu me lembrei de te trazer uma toalha, mas depois eu me esqueci. Desculpa por isso também – Danny continuou e ela torceu o nariz.
- Super-heroizinho de araque você, hein? Bem, cada um tem o super-herói que merece, né... – revirou os olhos fingiu analisar as próprias unhas. Ele fechou a cara e fez um quase-bico, ultrajado. – Tô brincando! – Segurou a mão dele. – Você é um amor por ter saído do conforto da sua casa pra vir até aqui me salvar tão tarde, nesse tempo horroroso – inclinou-se para beijar sua bochecha.
- É isso que super-heróis fazem, né? – ele ensaiou uma careta esperta. – Mas, peraí: eu fiz tudo isso e tudo que você me dá em troca é um beijinho na bochecha? – observou.
- Por quê? Por acaso eu tenho cara de quem ia te beijar de cabeça pra baixo na chuva? – o afrontou. – Você não é o Homem-Aranha. Isto não é The O.C. Pensei que você tivesse feito isso por todo altruísmo que essa sua nobre alma possui, não esperando algo em troca!
- Você é muito desaforada, não acha não? – disse ele, botando o carro em movimento.
- Cada um tem a mocinha que merece, meu amor! – ela continuou a provocá-lo, afivelando o cinto de segurança e percebendo que a música que tocava no rádio era uma que ela havia escutado em sua mente antes de entrar ali. – Olha, eu tava pensando nessa música! – mudou bruscamente de assunto e começou a cantarolar.
- E cada mocinha desaforada tem o castigo que merece! Eu vou te largar na rua de novo e fazer você voltar a pé mesmo, se você quer saber!
- Por que não fez isso ainda, então? – brincou com as sobrancelhas e olhou-o com desdém.
- Porque eu sei respeitar as damas. Até mesmo as mais ingratas como você! – retrucou, seco, sem desviar a atenção da direção para ela.
- Hmm, até Don Juan você é agora? Tá tudo incluído no pacote?
- Quem?
- Don Juan!
- Quem é esse?
- Ai, Danny, como você não sabe?
- Eu deveria? – ele franziu o cenho.
- Don Juan de Marco! – ele negou com a cabeça. - Esquece. – desistiu.
- Olha, se esse cara aí quiser ir atrás daquela Ella pra arrancar a calcinha dela pela cabeça como eu quero, tá valendo!
- Acho bom que ele queira. Sério, dá pra acreditar nessa vaca? – perguntava em um tom ainda irritado, mas um tanto descontraído.
- Não dá.
- A gente mal conviveu! Ela é completamente desmiolada. Como eu vou continuar tentando uma convivência agradável com uma pessoa dessas? – ela apertava o lábio inferior com os dedos.
- Eu acho que você deveria reclamar com seu superior – aconselhou Danny, usando um tom mais sério. – Sei lá se você tem um.
- Se até você tem... Ainda sou só estagiária.
- Hm. Ou pro setor de RH, tem esse negócio? – perguntou ele, em dúvida. – Nunca soube direito pra que serve esse negócio, mas acho que é lá que as pessoas reclamam.
- Claro que tem. É a Live Nation. – tentou não soar ríspida. – Mas eu não vou dar esse gostinho a ela. Vou dar o troco de outra maneira.
- Como?
- Ah, Danny. Vou simplesmente ser a melhor estagiária da minha área na Live Nation e ser efetivada antes dela, simplesmente isso. Ela que tente me impedir pra ver se eu não acabo com sua raça maldita – explicou vingativamente.
- Boa estratégia. – Danny concordou com uma voz analítica. – Sensual esse seu lado vilã, gostei. Onde cê comprou?
- Você tá falando que eu não sou sensual naturalmente? – ela perguntou, forjando ofensa.
- Jamais, . Impossível você não ser sensual naturalmente – Danny negou e fez aquela coisa irritante com os mamilos. – Olha só pra essa sua cara contrariada e linda.
Pausa para se sentir lisonjeada, que tal?
.- Hm, sei – ela ignorou o gentil gesto de Zé Graça dele. - Tem razão, é mesmo sensual esse meu lado. Mas ainda tem muitos lados sensuais meus que você precisa conhecer. – usou de seu tom sexy e debochado.
- É mesmo? Você não quer ir lá pra casa me mostrar? – ela gargalhou alto com a proposta indecente dele.
- Você acha mesmo que depois do dia que eu tive eu vou ter energia sobrando pra ir pra cama com você? – ela arqueou uma sobrancelha.
- Pode ser no sofá se você quiser.
- HAHA! Você é inacreditável!
- Brincadeira. Eu só vou te oferecer um chá e a gente vai dormir! – ele tentou retirar a malícia de sua sugestão. – Seria bem grosseiro da minha parte se eu tivesse a intenção de fazer qualquer outra coisa com uma bela dama trabalhadora como você.
- Aham. Tá legal – disse em tom desconfiado.
- É sério. Não que eu não te deseje, mas...
Ela começou a rir novamente, desta vez com um pouco mais de eloquência.
- Que bom saber que sua proposta não é inteiramente pudica.
- Pensei que você estivesse reclamando.
- Não estou. Não totalmente.
- Então por que não aceitar minha proposta?
- Voltando ao assunto anterior, – foi a vez de ele sorrir com a mudança de rumo da conversa. Não gostava muito de joguinhos, mas brincar um pouco de vez em quando não era de todo mal. – é uma ótima estratégia. Quero ver a cara embolorada dela enterrada na poeira! – A risada estrondosa Danny ao escutar seu desejo praticamente encobriu a música que tocava e não demorou muito para que ela estivesse contagiada também.
Por que eles dois sempre pareciam hienas descontroladas quanto estavam um com o outro?
- Não é tão divertido assim, tá? – ela continuou, tentando recobrar uma postura séria, mas não obtendo muito sucesso.
- O jeito que você falou foi muito divertido – ele disse, ainda risonho, e os olhos dela resolveram então observá-lo mais afundo.
Era tão lindo o jeito que os dentes dele se desalinhavam se mostravam desavergonhadamente, tão idiota a maneira que eles sempre chamavam sua atenção como se fossem sempre uma novidade no rosto sardento e desengonçado dele, que por um momento tudo isso pareceu desalinhar até sua linha de raciocínio.
- Que foi? – Danny se referiu ao silêncio momentâneo de , mal sabendo que este havia sido causado pelo sorriso que fazia o estômago da garota solavancar e de alguma forma sempre interferia em seu sistema nervoso, levando-a a rir, gaguejar ou calar-se. Tinha de dar um jeito nisso o mais rápido possível. Não é legal parecer uma bobalhona só porque alguém sorri ou ri. É coisa de filmes ridículos do tipo ‘Ela é Demais’ ou aquelas coisas do Disney Channel, que eram bem legais no fim das contas.
- Nada. Só tava aqui... Pensando.
- No quê? - Se alguém pode ser mais atraente do que você com esse cabelo desgrenhado, no quanto essa calça larga de pijama e essa camisa xadrez mal abotoada por baixo do moletom fazem você parecer um marido de filme que acorda gostoso todos os dias e no quanto estou com saudade te agarrar. Só nisso. Só.
- Só em como... Erm... No quanto eu fui sortuda por não ter me machucado gravemente. Nasci de novo, você não acha? Essa vida é mesmo um absurdo. Eu poderia estar morta agora.
- Não exagera, também...
- Eu quero dizer, ele estava com uma faca! – ela o interrompeu, meio afobada em não deixar que seus pensamentos impuros sobre a atração ridícula que ele exercia sobre ela até esgarçado daquele jeito não denunciassem sua vontade de arrancar suas roupas mesmo com o carro em movimento. E a sua própria, porque aquele pano molhado grudando em sua pele estava deixando-a louca desde que entrara ali. Tinha horror a ficar com roupa molhada em lugares secos.
- Era um canivete, .
- Canivete é faca, Danny! Tipo, canivetes também matam, ok? E eu tava sozinha lá! – ela se defendeu antes de espirrar e recomeçou a contar toda sua tragédia, dessa vez com mais detalhes que a ligação não permitiu, entre uma música e outra nas quais eles mal prestavam atenção. Danny uma vez ou outra dizia “saúde" porque seus espirros pareciam ter gostado de intercalar cada três palavras que dizia, ou se manifestava sobre seu discurso de algum jeito.
- Danny, você se incomoda se eu tirar meu vestido? – ela disse inocentemente, referindo-se ao tecido cinza de corte simples que estava grudado em suas curvas. Como se aquela pergunta realmente coubesse no meio de tudo que ela narrava.
- Oi? – ele se perguntou o que aquilo tinha a ver com todos os espirros, reclamações sobre Ella, o Encosto, e o assalto chinfrim.
- Meu vestido. Se você se importa se eu tirar meu vestido? – repetiu da mesma forma ingênua, fluente. – Roupa molhada me incomoda horrores e eu não paro de espirrar. Acho que tô ficando gripada, não tá dando certo. O ar tá tão quentinho – colocou as mãos em frente às frestas por onde o ar saía – e essa roupa não tá ajudando, tô toda gelada, morrendo de frio. Tem problema?
Tinha. Provavelmente ela não estava vestindo nada além de calcinha e sutiã por baixo do vestido (isso se não fosse como uma daquelas celebridades que andam sem calcinha) e dirigir com uma garota seminua no banco ao lado era uma tarefa que exigia esforço máximo para se concentrar em evitar qualquer tipo de acidente, ele pensava. Mas ainda assim, era um homem formado e ela devia estar mesmo incomodada.
Podia lidar com esse tipo de situação. Não tinha mais 13 anos de idade. Suas calças não explodiriam por vê-la quase totalmente despida porque ele tinha controle sobre seu corpo e este tinha de controlar o carro. E ele conseguiria, porque se ele mesmo não controlasse seu próprio corpo e mente, quem mais o faria?
- Se te incomoda tanto assim, vá em frente. Não quero que você fique doente, você ficaria fraca pra enfiar a cara de Ella na poeira e não quero que você perca a oportunidade - ela gargalhou brevemente - Então é claro que não me importo. – Só te acho louca e mais desavergonhada do que qualquer outra garota que já conheci. Mas eu não me importo, não. Que tipo de macho eu seria se me importasse? Mulher bonita e pelada na mesma frase combinam que é uma beleza.
- Obrigada. Mesmo. Odeio ficar com roupa molhada em lugar seco desde criança, pode perguntar pra minha mãe.
Claro, por que ele não ligava naquele momento mesmo e perguntava? Ótima idéia!
“Alô, mãe da , verdade que ela odeia ficar com a roupa molhada desde criança? Porque ela tá tirando a roupa aqui no meu carro, ela te pediu permissão? O quê? Jamais abusaria de sua filha, querida mãe da . A não ser que ela quisesse, claro. Só estou sendo sincero, senhora, não me julgue! Foi a senhora que fez e jogou no mundo!’’
- Me dá uma agonia imensa, argh – ela disse desafivelando o cinto de segurança e espirrou mais uma vez. – Que bom que você é maduro o suficiente pra não enxergar qualquer segunda intenção nisso – ela se mantinha séria, ou pelo menos tentava.
- Claro que sou – ele afirmou, mantendo o foco ocular na direção, sem tentar se importar com sua visão periférica enxergando os movimentos que ela fazia ao tirar os adidas dourados de cano alto dos pés e, pela cabeça, o vestido pesado por conta da água infiltrada. Embolou-o de qualquer jeito junto com a blusa simples de manga longa que estava por baixo e saiu em seguida, jogando tudo no banco traseiro. Sem contar as duas pausas para espirrar.
- Posso por os pés aqui? – ela indicou o painel com o dedo indicador e ele quase tirou uma com a cara dela. Querida, você já tirou a roupa e está pedindo permissão pra apoiar os pés no painel? Era pra fazer algum sentido? Danny preferiu somente assentir.
Então ela voltou a qualquer assunto corriqueiro no qual ele não conseguiu prestar mais atenção, como se não tivesse acabado de ficar somente de lingerie ao seu lado. Como se não estivesse vestindo somente um sutiã rosa-shocking e uma calcinha na cor preta ali bem perto dele, mas fora de seu alcance de alguma forma, já que estava dirigindo.
Estava orgulhoso de seu controle. Tipo, controle de primeira qualidade. Controle tão controlado que as peças íntimas mais simples do mundo, que pareciam de algodão e não tinham qualquer tipo de desenho ou detalhe, pareciam a lingerie mais provocante já inventada na história.
De verdade. Ficavam incríveis nela. Devia ter algo a ver com a cor da pele, ou com as formas de seu corpo mesmo, ele não sabia. Só estava ciente de que estava lhe causando certo desconforto, diferente do que ele gostaria. Aquela retardada iria fazê-lo bater o carro. sempre inventava uma maneira de agir para deixá-lo surpreso. Será que ela não enxergava o quanto era assustadora às vezes? Linda, uma ótima garota. Mas assustadora. Ainda que divertidamente e ingenuamente.
Já na cabeça dela, não era tão tonta assim. Era vivida o suficiente para saber que era ridículo rejeitar ir para a casa dele ou se controlar para não agarrá-lo e de repente perguntar se podia tirar o vestido no meio de um assunto que não tinha nada a ver com isso. Ele devia estar achando-a uma sequelada, sem noção, tinha consciência disso. Mas ela não conseguia evitar muito bem ser ela mesma, ainda que o surpreendesse, então talvez fosse bom pra ele aprender a lidar melhor com sua personalidade, ainda que aquilo não tivesse nada a ver com sua personalidade. Ou tinha?
E falando em ter, que culpa tinha ela se roupas molhadas realmente a incomodavam desde a infância e se estava ficando gripada? Era tudo culpa da Ella no fim de tudo. E que culpa tinha também se nunca fora do tipo que sentia vergonha de ficar em poucos trajes na frente de pessoas com quem tinha alguma intimidade? Como por exemplo na frente de seus amigos gays, tipo Reddie.
Danny não era gay. Era seu amigo. E algo mais. Portanto, isso devia incluí-lo na lista de pessoas íntimas.
Tudo bem que eles nunca haviam transado, nunca haviam passado das mãos bem abusadas, e tudo bem que estava demorando mais do que o usual para que tal fato se consumasse, mas iria rolar no momento certo. Não adiantava forçar.
Ainda que sua falta de roupa pudesse dificultar o adiamento disto pra ele – e no fundo ela queria que sim, porque qualquer garota normal gosta de se sentir desejada –, não queria que o momento fosse aquele também. Queria muito pular como uma piriguete barata em cima dele, mas estava toda quebrada e não poderia dar tudo de si. E também porque não havia mesmo segundas intenções nas suas ao tirar o vestido, ainda que ele ficasse perturbado. Era uma questão de conforto, era como estar de biquíni, eles eram jovens adultos e pronto. Não havia crise.
- Que droga! Vou tomar quinze mil antigripais quando chegar em casa – disse, calando os quinhentos pensamentos por minuto que atravessavam seu cérebro e espirrou de novo.
- Só toma cuidado pra não morrer, tá.
- Besta! – ela riu.
- Sério – ele fez uma pausa e olhou para o lado por tempo suficiente para medir sua silhueta extremamente descoberta com um sorrisinho sacana. – Seria um desperdício de mulher e tanto se você morresse. Acho que aquele Dempsie produtor dos Pigeon Detectives é um puta zicado por não ter te visto assim.
- É mesmo? – ela sorriu de um jeito superior, tentando não se abalar com o comentário, mas não conseguindo evitar que um calafrio percorra sua espinha. – Sua sinceridade me comove. Mas então, acho melhor você olhar pra frente em vez de ficar me medindo, porque senão morreremos nós dois e você não verá mais nada, quem dirá tocar.
- Você pediu por isso, sua provocadora barata.
- Não estou tentando te provocar, a culpa não é minha se você se sentiu afetado – ela retrucou, meio rude, meio divertida. – Acho que agora é melhor eu ficar calada. Quero dizer, se eu ficar falando, isso vai chamar ainda mais sua atenção pra mim e depois desse dia retardado tudo que eu quero é chegar inteira em casa.
- Você tá pelada ao meu lado e quer chegar inteira em casa? - ele balançou a cabeça analiticamente. – Certo. Vou ver o que posso fazer.
- Fica quieto, Danny, não tô pelada! – ela se sentiu esquentar, mas não perdeu o humor.
- TÁ PELADA! TÔ FALANDO QUE TÁ PELADA É PORQUE TÁ PELADA!
- Seu coração não aguenta nem um segundo de mim pelada! – ela entrou na brincadeira.
- Por que, você é tão estragada assim? Você tem uma monoteta?
- DANNY! – ela não sabia se ria ou se ficava incrédula. – PELO AMOR DE DEUS!
- É sério. . É que pelo sutiã não parece! É que vi isso num programa de TV uma vez, então achei que...- Não tenho uma monoteta! Olha as coisas que você diz! – ela tinha a mão sobre os lábios.
- Tem alguma coisa que tem debaixo da sua calcinha que tem também debaixo da minha cueca e você não me contou antes? – ele a olhou acusadoramente. – Porra, ! é seu nome de travesti? Mas eu toquei e...
– Eu vou por essa porcaria de vestido molhado de novo e acabar logo com isso, tá. – ela disse, ignorando seu último comentário, fingindo estar chateada.
Francamente, quem era pior ali dentro? Se ela dizia algo lunático, ele sempre vinha com uma coisa duas vezes pior!
- Não! Pode ficar assim! Não tem problema, eu tô adorando! – Danny se redimiu.
- Não sabia que você gostava de travecos!
- Você não é um traveco, minha querida, acabei de falar que já sei que aí embaixo tem uma coisa onde a gente pode encaixar outras coisas e não a coisa que encaixa...
- Mais uma vez sua sinceridade me comovendo!
- Já disse que a culpa é sua.
- Se o caso é esse, então vou ficar caladinha. – virou seu olhar para a rua que passava embaçada pela janela lateral.
- É melhor, você tá certa. Assim eu ignoro que você tá aí pelada – ele sentiu um tapa arder em seu braço, mas não deu bola – e consigo dirigir melhor. Peladona.
- Não vou responder! – disse por fim e começou a acompanhar a letra de alguma música que terminava na rádio. Até que a seleção estava boa para aquela hora da madrugada.
Isso porque ela disse que ia ficar calada...
A música deu lugar à Here (In Your Arms), do Hellogoodbye. deu um gritinho animado e continuou a cantarolar. Essa música lhe trazia boas lembranças.
Sem se dar conta, ela parou de repente ao botar os olhos em Danny, que dirigia enquanto se esforçava para não dar o gostinho de um olhar furtivo sequer a ela. A cara de concentração fingida dele estava entretendo-a em harmonia com a música que parecia deixar o tudo mais legal ainda. Era como se a música tivesse sido feita para aquela cena e só precisasse de mais uns detalhes adicionais para ambas se encaixarem perfeitamente, pelo menos na cabeça dela.
Mais um pouquinho e no futuro aquela música lhe traria lembranças melhores ainda.
Os lábios finos crispados sumindo abaixo do seu nariz, a testa levemente enrugada... Porra, ele era lindo! Até o jeito com que os dedos enormes dele envolviam o volante era lindo. E sexy. E gostoso. Tipo, muito, muito gostoso. A maneira com que tudo se encaixava na música era sublime, mas ao mesmo tempo lhe causava uma vontade fora do comum de engoli-lo ou chegar muito perto disso, apertá-lo bem forte mesmo que doesse ou algo assim. Não conseguia pensar em coisas menos brutas do que aquelas para descrever o que sentia.
Duas semanas sem encontrá-lo e parecia que nunca tinha relado nele na vida. Como se ele tivesse conseguido ficar mais gostoso ainda nesse tempo com algum tipo de fórmula mágica, o que fosse. Estava se sentindo a Tarada da Machadinha. Só faltava a machadinha mesmo.
Tarada o suficiente para dizer:
- Danny, pára o carro.
- Quê?
- Pára o carro! – ela disse, alterando seu olhar para um mais ameaçador sobre a cara de interrogação que ele exibia. – Agora!
- Quê? – os olhos dele se chocavam ora com o pára-brisa e meio segundo depois com os dela, incessantemente.
- Você me ouviu.
- Você é louca, pára com isso!
Pausa para reflexão: eles estavam brincando, rindo e tudo mais. Mas toda brincadeira tinha limites. Pedir para que ele parasse o carro àquela hora da madrugada naquelas ruas desertas com aquele frio estava fora deles. Que ela queria? Ser vítima de uma nova tentativa de assassinato com canivete?
- Parar com o quê? O que tem que parar é o carro! Do que é que você tá com medo? Pára o carro, Danny! – ela continuava a desafiá-lo.
Qual é, nem “por favor" ela estava pedindo! Que tipo de educação ela tinha recebido na vida? Aliás, que tipo de doente mental ela era? Dane-se se era ofensivo pensar isso ou não, com certeza ela tinha 20 parafusos a menos!
E depois perguntava do que ele estava com medo! Do que mais ele estaria com medo? Aliás, vai que ela estava o mandando parar o carro porque queria assassiná-lo ou coisa semelhante? Não seria espantoso, já que a cada 5 minutos ela tinha uma retardadice nova.
O olhar dela já não denunciava boa intenção, nem a maneira desafiadora com a qual falava.
Devia ter desconfiado que estava saindo com uma assassina fugida do manicômio o tempo todo. Psicopatas sempre se disfarçam de pessoas dóceis, agradáveis, engraçadas e quando você menos espera, eles dão o bote. era completamente inconsequente, nenhuma de suas atitudes eram normais ou condiziam com qualquer realidade a dois que ele já havia vivido.
Meu Deus, ele tinha que avisar o resto dos amigos dela. Não podia ser morto, caso contrário a psicótica assassinaria todo mundo.
- E então? – perguntou, tamborilando os dedos no braço cruzado.
- Não vou parar o carro! – Danny negou, indignado, pensando em algum tipo de escapatória.
- Vai sim! – insitiu, mais agressiva ainda. – Danny, pára a porra do carro! Isso é tão difícil assim? Pelo amor!
- Espera aí! – ele disse repetindo o tom estúpido dela.
Okay, ela iria mesmo tentar assassiná-lo. Estava em choque. Quem diabos ela achava que era pra falar com ele desse jeito? Pára a porra do carro uma ova!
Pensando bem, não estava em choque, porque ainda conseguia se mover e pensar em reverter a situação.
Era melhor parar no beco que via logo à sua frente, do lado direito, e dar um jeito de colocá-la pra fora do veículo. Que tipo de raciocínio era esse de vítima que para em beco quando está prestes ser assassinada e que tipo de homem era ele que não queria parar o carro com uma gostosa seminua dentro ninguém sabe também, mas era Danny Jones protagonizando a situação.
Ele tinha muito mais força do que o quase saco de ossos que ela era, francamente! Não precisava nem comparar. Resolveria a situação imediatamente, faria se colocar em seu lugar porque, sinceramente, quem aquela garota achava que era para querer ter algum controle sobre ele?
Ele entrou no beco sombrio, sinistro, tenebroso com névoa de filme de terror (na verdade, não era nada disso, só era bem escuro mesmo) à direita com brusquidão e sentiu seu corpo ser impedido de atravessar o pára-brisa pelo cinto de segurança, assim como o dela, que se segurou no painel.
- Uau. Isso é que eu chamo de manobra radical!
Ele havia parado mesmo o carro. Mas e ela? Não se cansava de ser abusada? Que ridícula! Esperava não tornar a vê-la nunca mais depois que a impedisse de matá-lo. De verdade. Achando-a gostosa ou não, era o fim.
- Escuta, você é um absurdo! Quem você acha que é pra falar desse jeito comigo ou pensar que tem algum tipo de controle sobre mim? – afrontou-a, ainda segurando o volante e girando o tronco para o lado. E era ele quem estava cheio das gracinhas grosseiras até então, pelo amor de Deus... Se ela estivesse um pouco mais chata, já teria dado um escândalo choroso, mas imaginar-se fazendo coisas indecentes com ele parecia melhor.
Ah, meu Deus, que pinta de galã fodelão, pensava, não sabendo se ria ou se mantinha a postura de ‘sou uma Deusa da sedução’.
Sexy Beast versão torpe e sardenta.
Não era possível que ele não tivesse notado a intenção de sacanagem! Que mais ela faria? Matar um achado como ele é que não era!
Bem...
- Eu sou a – ela desafivelou o cinto de segurança que a prendia no banco olhando fixamente para o rosto de Danny, que começava a ruborizar. – Como você bem sabe – ela continuou a falar, desafivelando o cinto dele e vendo este voltar ao seu lugar com uma rapidez que poderia tê-lo machucado. Melhor que ficasse atento. Ela estava pronta para matá-lo. Teria de dominá-la quando esta menos esperasse usando suas técnicas de boxe. Só aquele cinto de segurança deslizando poderia ter cortado sua cabeça. – E quanto a você, Dan, - E lá ia ela com o ‘Dan’. Mas esse fora o melhor de todos até então. - quem acha que é pra fingir que eu não tenho nenhum tipo de controle sobre você?
Num movimento não muito complicado, ela atravessou o espaço que havia entre seus corpos e os dois bancos e sentou-se sobre as pernas dele, dando graças a Deus pela conveniência do suficiente espaço interno do Range Rover.
- O que você tá fazendo? – ele engoliu em seco quando ela apoiou a mão no osso de seu maxilar e arrastou o nariz por seu pescoço. Parou a boca sobre a sua num sorriso fechado que retorcia para o lado e logo depois encostou suas testas.
- Provando pra você que eu sou capaz de exercer algum controle sobre a sua pessoa – ela pousou um selinho brando em seus lábios entreabertos que libertavam o ar atônito antes inspirado. – Que eu não tenho uma monoteta – torceu o lábio ao dizer a palavra e pegou a mão rígida de tensão dele e colocou-a sobre um dos bojos de seu sutiã. Danny não conseguiria rir nem se tentasse. Nunca pensou que uma palavra como aquela poderia soar tão excitante em sua vida. –, que eu não sou um travesti e também te agradecendo por ser tão legal comigo.
Então era essa o método dela? Muito bem. Falho demais. Ela precisava aprimorar suas técnicas psicopatas. Francamente, ele já tinha visto vários filmes e sabia que todas as psicopatas seduziam antes de assassinar suas vítimas. Não cairia nessa, não!
Que cobra. Enrolando a pele ainda ligeiramente gelada em seu pescoço, destilando seu veneno em sua saliva como se ele fosse uma presa, paralisando-o. Apertando o enlace até que ele sufocasse.
Não estava se deixando levar. Iria tirá-la dali assim que sua tensão sexual se aliviasse. Não estava fácil ser impassível, embora estivesse surpreso consigo mesmo por estar aguentando até ali.
Por outro lado, se sentia uma panaca colocando a língua dentro da boca de Danny, esperando que ele reagisse. E quanto à mão dele, já havia a colocado onde estava para que ele fizesse o óbvio. O problema era: tudo que ele fazia era não fazer!
- Que porra há de errado com você? – ela desgrudou a boca da dele com certa agressividade e tirou a mão dele de cima de seu sutiã bruscamente. – Você... Danny, eu pensei... Porra! – ela esbravejou, gesticulando frustradamente com as mãos.
Tal atitude fez Danny encará-la atônito e se dar conta do quão babaca estava sendo. Que idéia mais idiota a de que ela iria tentar matá-lo. Onde estava com a cabeça? Que se fodesse toda essa paranóia sem fundamento. Se ela quisesse assassiná-lo, já teria o feito há muito, e teria sido muito fácil, considerando sua inatividade de estátua e o espaço que não havia entre eles.
Sem contar que forçar-se a ficar inerte naquelas condições é que acabaria o matando no fim das contas.
Estava praticamente cometendo suicídio. Tinha uma garota seminua sentada em seu colo, ela era bonita pra caramba e estava ali, cheia de vontade, facilmente cedendo seu corpo para que ele o explorasse sem restrições. Era um cara sortudo para porra para ficar pensando que seria morto. podia ser doida, mas ele chegara à conclusão que a loucura dela jamais chegaria a tanto.
moveu uma das pernas e impulsionou-se com um dos braços no vidro ao seu lado para sair de cima de Danny, extremamente constrangida e sentindo-se a garota menos sedutora e bonita do mundo, um antônimo do que sentia minutos antes enquanto tiravam sarro um do outro. Iria se sentar no banco de passageiros novamente, colocar a cabeça para fora da janela e esperar para tê-la cortada por qualquer motocicleta que passasse ao seu lado na velocidade da luz, tudo para não sentir mais suas bochechas e o resto do corpo queimando de vergonha e não ter de encarar Danny nunca mais depois daquele fora.
Porém, antes que pudesse completar sua ação, Danny, para sua felicidade, segurou seus finos pulsos firmemente e fê-la cair sentada novamente, o rosto magoado quase alcançando um estágio de surpresa.
Ele rapidamente afastou o banco o máximo para trás usando a alavanca lateral e disse:
- Não tem nada de errado. Desculpa. - Mordeu o lábio e subiu as mãos ásperas pelos braços dela, estas carinhosamente arrastando um arrepio consigo pela região antes de pararem em sua nuca. – Vem aqui, vou consertar isso.
Sem aguardar por qualquer manifesto verbal da parte dela, Danny, não se preocupando em ser delicado, puxou-a para si e encontrou a boca dela já preparada para receber a sua.
O beijo não era guiado por um ou por outro. Havia uma compreensão mútua que se revelava em uma cadência que não era tão rápida e tampouco vagarosa. Era profunda o suficiente para que fosse sentida desta mesma forma por ambos. E ainda que assim fosse, era um beijo quase que desesperado. Era incrível como o beijo de um combinava tão bem com o do outro quando se juntavam num só.
Muito mais rápido do que o aquecedor havia feito, a mão de Danny apertando grosseiramente sua nuca e os cabelos que ali nasciam enquanto a outra descia até parar em sua cintura derretiam a camada de gelo que restava em seu corpo.
Ela sentia o sangue correr mais rápido e supunha que a cor de suas mãos voltavam conforme estas formigavam ao se mesclarem com os cachos confusos na cabeça dele.
Não mais contentes em permanecerem onde estavam, os dedos de Danny desceram pela barriga de , que se contraiu com a chegada de seu toque, e por suas costas até que se infiltrassem sem cerimônia alguma por debaixo da peça íntima que lhe cobria o busto, entrando em contato com a maciez que ali havia. Divertia-se ao massageá-la e beliscá-la, incentivado pelos silvos e princípios de gemidos que ela soltava no ar ao sentir-se cada vez mais rígida.
Devido à impetuosidade que o beijo tomara, as costas de se envergaram para trás até que se encostassem ao volante.
A língua de Danny desceu por seu maxilar antes de chegar a seu pescoço e se fixar à pele delicada dali, assim como as unhas dela faziam em sua nuca respondendo ao gesto.
Sentindo-se injustiçada pelo excesso de roupas dele, desencostou-se da direção e forçou o moletom de Danny para fora, indecisa entre isso e desabotoar sua camisa xadrez. Entendendo-a no ato, Danny soltou-a por tempo suficiente para se desfazer das duas e largá-las no banco vazio ao lado.
Ela soltou o ar pela boca de uma só vez ao ver seu tronco despido e sorriu, canalha. As coisas estavam começando a tomar proporções mais interessantes...
Sentiu suas costas baterem contra o volante novamente quando Danny voltou a beijá-la, desta vez mais voraz, ritmo que ela rapidamente captou. Ele lhe dava a impressão de estar mais extasiado do que ela mesma, agora.
Esse era um dos outros lados sensuais dela, então? Poderia pedir pelo resto, já? Para quem ia ser assassinado, estava mais do que satisfeito!
- Espera um minuto – desvencilhou suas bocas uma da outra. – Essa música é horrorooosa, tá me broxando, desliga essa droga! – pediu com toda sua espontaneidade e Danny deu um sorriso amarelo ao apertar cegamente o controle de som atrás dela para desliga-lo.
De volta à ação, enquanto o toque preciso de passeava livremente pelo peitoral desnudo e pelas costas dele, contornando calmamente as linhas não tão fundas e naturais que os desenhavam, Danny lhe mordiscava e circulava o lóbulo da orelha com a ponta morna e ágil de sua língua, causando nela um sorriso que lhe mordia o lábio.
- Tá melhor pra você assim? – soprou as palavras ao pé do ouvido dela e as sentiu serem recebidas como arrepio pela garota quando ela tremeu em seus braços e arfar sonora, breve e manhosamente como resposta.
Segurou-a pelo rosto, colocou sua língua na dela de novo para logo depois soltá-la, agarrar as alças de seu sutiã e forçá-las para baixo com urgência. Ele não podia ter escolhido tirá-lo pelo fecho? Sem se importar muito mais com isso, passou os braços pela alça e inclinou o torso para trás assim que a boca dele fez as vezes das mãos. Estas foram estrategicamente desviadas para a saliência abaixo de seu quadril, afundando-se na carne que ali havia desavergonhadamente.
Isso era o que ela chamava de tirar o atraso!
quase não conseguiu abrir o sutiã com os próprios dedos inquietos às costas e quando, para seu alívio, este se desapertou de sua cintura, deixou que Danny o colocasse de lado e apoiou as mãos nos ombros largos e nus que ele agora apresentava.
Ele era sempre gostoso assim ou era só aos olhos dela?
Passou então a forçar o quadril contra a elevação que se destacava em sua calça e sentiu cada um dos músculos em seu corpo se contraírem com os pequenos choques causados pela ultrapassagem dos limites frontais e ligeiramente úmidos da parte de baixo de sua roupa íntima.
Se aquilo era algum tipo de pecado, pois então nunca deveria ter sido posto à disposição dos seres humanos. Mal podia distinguir a qual tipo de sensações era submetida enquanto ele mantinha seus dedos grossos e compridos ocupados por lá.
Antes que perdesse total controle sobre suas reações, conseguiu se recuperar e retirou a mão de Danny dali. Com muita dificuldade, mas ainda assim venceu.
Empurrando a cabeça dele para que sua boca se desgrudasse de onde estava, ela o empurrou contra o encosto do banco de couro e ambos se encararam afoitos, corados, atônitos.
- Não me faça esquecer que isso é sobre você, Super-Herói de merda – ela disse cinicamente.
Se ela queria fazê-lo esquecer de qualquer razão que pudesse existir em sua mente, então que assim fosse.
- Você é quem manda, depravadinha – sorriu libidinosa para ele e escorregou as mãos por seu abdome até que alcançasse seus oblíquos com as pontas aveludadas dos dedos.
Definitivamente poderia dar a eles o título de heroicos. Que entradas fundas e maravilhosas, eram tão palpáveis quanto algum tipo de cicatriz grave. As mais deliciosas que já havia tocado.
Ah, meu Deus. Que vida é essa? Ela pensou ao grudar seus lábios nos dele por alguns segundos, ultrapassando o elástico de sua calça e da peça que havia por baixo. Ao invadir sua região íntima e palpar a calidez de sua excitação, sentiu a hesitação do ar que ele soltou tocar-lhe a parte superior dos lábios que separou e estremeceu por inteiro.
Envolveu o volume que ali havia com os dedos e do modo que sua experiência e os beliscões de aprovação em sua cintura e seios ditavam o manuseou.
Danny parou-a por um momento para que pudesse - ainda que com sua destreza para qualquer movimento que não incluísse tocá-la anulada por conta do desespero em tê-la estimulando-o novamente - descer as calças e a boxer até uma altura que deixasse tudo mais livre e confortável para ambos.
voltou a mão ao mesmo lugar de antes e deslizou os dedos por ali com delicadeza antes de voltar a envolver e agitar toda a rigidez que a seduzia e ansiava por mais.
Os dedos grosseiros de Danny subiram por suas costas e agarraram-se aos cabelos em sua nuca vigorosamente, como se nunca mais fossem livrá-los. Ele puxou sua cabeça com violência e encostou seus lábios novamente de forma tão agressiva quanto, iniciando um beijo afoito, inquieto, do qual ele quase não dava conta por causa de todo descontrole conseqüente do que fazia mais embaixo. Não satisfeitos, seus dedos descobriram que era possível puxar ainda mais os fios que nasciam na parte posterior de seu pescoço, o que doía nela de uma forma tão deliciosa que demoraria a perceber se eles fossem arrancados.
Com um estampido, suas bocas se desengancharam e permaneceram entreabertas. Sem largar , Danny fixou sua testa à dela, cerrando as pálpebras ao seu olhar pétreo e tão malicioso que por pouco não era malvado.
Ele crispou os lábios antes de levá-los ao pescoço dela e mordiscar a pele estirada, inteiramente à sua disposição. Em seguida, encostou-os em seu ouvido e gemeu de deleite, intercalando os sons concisos e sôfregos com mordidas que arranhavam seu lóbulo e eram anestesiados com o calor de sua língua.
Para , aquela era definitivamente a melhor resposta que poderia obter. Era inexplicável a forma como os gemidos roucos dele incendiavam-na e incentivavam-na a querer ensandecê-lo ainda mais. Eram o estímulo ideal, os mais simples e ao mesmo tempo intensos absorvidos por ela. Deixavam-na em ponto de bala.
Porém, não poderia se esquecer do que havia se proposto: naquele momento, tudo tinha a ver com a libido dele. A dela poderia esperar mais um pouquinho, somente o tempo necessário para fazê-lo perder a paciência. Querendo ou não, ela adorava provocá-lo até o último minuto e por acaso havia descoberto isso assim que o encontrara pela primeira vez.
E por falar em primeira vez, era realmente a primeira durante o tempo em que estavam juntos que ela sentia efetivamente ter algum tipo de domínio sobre ele, como ele havia esboçado duvidar, minutos antes.
Não aquela coisa boba de quando o conheceu. Era algo totalmente novo. Estava descobrindo na satisfação que crescia dentro de si o quanto isso era divertido e tornava tudo mais cativante.
Naquele momento, ambos percebiam que tinham muito que descobrir um sobre o outro. Sexualmente falando ou não, eles ainda tinham muito que viver juntos se tudo continuasse tão bem como ia. Havia muita química entre seus pensamentos, corpos e atitudes. E por agora, eles não precisavam de mais nada para seguir em frente.
Ok, mentira. Danny precisava: que ela não parasse de aumentar a velocidade de seus movimentos. Porque ela realmente sabia fazer essas coisas de adulto. Sério. Ela era muito boa, tinha as mãos muito espertas e treinadas. Era tipo a melhor da vida dele até agora em fazer aquilo.
Cara, essas brasileiras não brincavam em serviço. Devia ser do sangue. Ninguém estava mentindo quando falavam que elas eram boa na coisa. Não queria nem imaginar o resto para não estragar a surpresa quando esta viesse.
- Você é... – ele começou a dizer, mas não conseguiu terminar. Teve de parar para se concentrar em se segurar sob o controle das mãos dela.
Mas aí ela parou também.
Que porra...?
- Tão o quê? – ela perguntou bem baixinho.
- Você é boa pra cacete nisso. Agora continua, pelo amor de Deus– ele concluiu, ansioso, e ela riu pelo nariz, atendendo seu pedido.
- , é melhor você... – ele ofegou, espremendo os olhos. – É melhor você parar, eu não aguento muito mais. Eu não quero que você pare, mas... Acho que você sabe. – Ela não lhe dava ouvidos. - Deus, é sério.
- Dan... – ela sorriu. - Você acha que eu comecei pra parar bem agora?
Sua testa chocou-se contra um dos ombros dele assim que ele a apertou contra si, quase sufocando-a, gemendo alto e avidamente em seu ouvido enquanto umedecia a parte interna de uma de suas coxas.
Se Danny soubesse que aquilo estava planejado para o seu dia, ele teria dado um jeito de arranjar um daqueles controles do Click e acelerá-lo até aquele momento. Que beleza era viver. Ela podia tipo fazer aquilo - e bem mais - todo dia a partir de agora? Tinha que selar um acordo. Era bom demais pra acontecer com menos frequência. Aliás, como é que não tinham chegado nem até ali antes?
Apressar as coisas de vez em quando podia ser bom, devia ter seguido esse método com ela desde o começo!
Somente agora que seu coração machucava seu peito ao bater num ritmo desenfreado e que seu corpo inteiro pulsava todo o calor que retinha para fora ele percebia que estava suado.
Com a respiração mais calma, ele interrompeu os beijinhos molhados que ela dava em seu ombro e tirou-a dali para beijá-la carinhosamente usando exclusivamente os lábios.
Permaneceram ali, escutando as respirações um do outro, alheios à tudo ao redor de si. Ele a observou colocar seu sutiã de volta sem dizer uma palavra, até que ela resolveu se manifestar:
- Acho melhor a gente ir embora. Esse lugar não me parece muito seguro – ele concordou. O mais engraçado é que ela não havia pensado ou sugerido isso durante o tempo em que permaneceram ali fazendo coisas que tiram as crianças da sala! – Só espera um minuto. Você não tem, sei lá, alguma coisa pra eu limpar isso, tem? – ela apontou a própria perna e Danny negou com a cabeça. – Desculpa por isso então.
esticou o braço e pegou a camisa dele no outro banco. E como se esta fosse um item de higiene, passou-a em sua coxa, limpando os resquícios dele dali.
Danny não teve reação ou fez objeção alguma. Estava tentando voltar ao seu estado normal. Depois de tudo isso, que diabos ele faria?
- Antes na sua roupa do que na minha, né? – ela sorriu descarada, jogando a camisa no banco de trás.
Retirou o moletom que permanecera no banco de passageiro, entregando-o a Danny que o vestiu após ajeitar suas calças, e saiu do colo dele para se sentar ali.
Os dois permaneceram em silêncio durante quase todo resto do caminho. não sentia que devia dizer algo e Danny ainda estava extasiado demais para isso, até que resolveu fazê-lo:
- Você tem certeza que não vai querer ir lá pra casa? Pro chá? Ainda dá tempo de eu mudar o caminho!
A única resposta que ele obteve de foi um olhar semicerrado e os lábios torcidos.
- Mas a gente só vai tomar chá, é sério! – ele insistiu pela enésima vez, se segurando para não rir do que ele mesmo falava. – Relaxar os músculos e tal. Noite cansativa essa, né? – ele lançou a ela um olhar sugestivo. Ela meneou a cabeça em descrença ao que ele dizia, rindo. – Então, eu acho que tenho Earl Grey, camomila – bem relaxante esse! -, framboesa...
- Você é muito cara-de-pau mesmo, né? Não vou pra sua casa tomar chá. Embora o de camomila seja o meu favorito, não é hoje. Só quero minha cama agora.
- Pra que sua cama quando você pode ter a minha cama? Comigo e várias xícaras de chá de bônus!
- Ai, meu Jesus, Danny! Fica quieto! – ela ainda ria.
Era realmente um convite muito tentador. Mas ela era perfeccionista e só tomaria chá com ele quando realmente estivesse em condições de repetir a dose.
- Olha, isso aqui é a Inglaterra, se você tá deslocada – Danny ficou mais sério de repente. – Na Inglaterra, você não pode negar um convite pra tomar chá...
- Nem às quase três da manhã? – contestou.
- Nem às 5! – ele negou com veemência. - Muito mal educada você. Caiu no meu conceito. Não tinha necessidade disso. Não aceito suas desculpas.
- Danny.
- Não fala comigo!
- Eu não pedi desculpas, seu tonto.
- Pedindo desculpas de novo? Mas eu já disse que não aceito! Isso é um ultraje dos mais graves.
- Pobre Danny! Não aguenta um nãozinho na vida. Cadê chupeta do nenê pra ele não chorar? Mimimmimimimi – fez uma voz de Tia chata das mais ridículas.
Sem aguentar muito mais, ela explodiu de rir, levando-o no embalo. Ele ria menos, tentando manter sua postura de emburrado.
- Tá entregue. Pra sua cama. Cama fria e solitária na negritude da noite. – Danny disse se achando um poeta assim que parou o carro em frente à porta branca, quase imperceptível, que dava acesso ao interior do prédio dela.
O beijo de despedida foi o mais cheio de carinho. Ele até segurou-a pelo queixo! Foi também o que quase não chegou ao fim, mas eles conseguiram acaba-lo antes que estivessem se enrolando como duas enguias de novo.
- Obrigada por tudo – pegou suas roupas emboladas no banco traseiro e se esticou por sobre o câmbio para tocar o rosto do garoto. – Você é um amor.
- Você já agradeceu o suficiente, linda – ele sorriu e ela também, antes de ter um selinho roubado. – Obrigada você também.
- Não precisa agradecer. - Ela quase riu na cara dele. Porque francamente, que tipo de cara agradecia por uma punheta? – Vejo você logo?
- Claro. Te ligo amanhã. – ele afirmou e a viu assentir.
E surpreendentemente nem pensou em duvidar que ele o faria. Alguma coisa abstrata entre eles dizia que sim.
Já quase fora do carro, o escutou a chamando de volta.
- Que foi? – ela virou-se para ele, encostando a porta.
- Você não vai sair aí pra fora pelada, porra!
De novo essa história? Sério mesmo que ela iria? Nem havia percebido o quão encolhida ficou ao abrir uma frestinha da porta.
Danny já estava causando nela este estado de torpor? Providências precisavam ser tomadas urgentemente.
- Não tem problema, minhas partes íntimas tão escondidas – ela prendeu o riso. Agora que ele dissera, estava começando a sentir frio só de olhar pra fora.
- Você é louca? Vai ficar mais doente! E se tem outro tarado ladrão aí fora?? – ele lhe dava uma bronca, indignado. – Você é retardada? Veste a minha blusa – ele disse tirando o moletom.
- Não, Danny, não precisa! – ela disse mais alto, louca para entrar em casa, mas ainda assim não querendo deixá-lo. – Eu só vou andar meio metro!
Se ele queria tanto que ela vestisse o moletom, por que não tinha oferecido antes?
Ah, sim, estava tão torpe quanto ela para dar conta. Cavalheirismo nunca resiste à nudez feminina mesmo...
- !
- Tá, tá, tá! Saco!– ela cedeu à teimosia dele. Pensando bem, precisava sim. Tudo para ter mais um vislumbre do tronco desnudo dele. Pegou o moletom que ele lhe entregava, vestindo-o do jeito que dava pra fazer sentada.
- Melhor assim – ele concluiu assim que ela fechou o que lhe caía mais como um vestido.
Sem querer se equivocar, ela pensava, mas aquilo era algum tipo de ciúme? Ainda que fosse das almas penadas da rua, será que era? Não podia deixar de sentir-se lisonjeada ou qualquer coisa parecida que fosse ao pensar que sim.
Enquanto esperava que abrisse a porta para ela após o toque do interfone, partilhou com Danny, mais uma vez, de algum tipo de encanto, ao sustentar o olha estático e sereno dela com o seu em silêncio.
Ele tinha algo a mais que ela adorava conseguir enxergar, ainda que fosse uma coisa transparente, e latejar dentro de si. Era como radioatividade, só que com propriedades diferentes e consequências manifestadas imediatamente.
Daria tudo para saber se ele sentia algo pelo menos semelhante por ela. Era mágico demais para que ele desperdiçasse. Danny a deixava tão alegre!
Durante o banho que tomou assim que entrou em casa, após dispensar (esquecendo-se totalmente da idéia de mata-la também, porque era aparentemente era uma assassina em potencial) e adiar os babados, ela remoeu esse sentimento com gosto, mas percebeu que estava cansada até para ficar parada debaixo da água quente. No entanto, não estava cansada para sorrir.
E meio zonza de sono e de Danny, ela pensava no quanto tudo de legal que havia acontecido naquela noite superara o que havia acontecido de ruim. Ela nem imaginava que no fim das contas estaria flutuando, ainda que seu corpo insistisse em pesar de cansaço e permanecer atraído pela gravidade.
Há males que vêm para o bem. E esses provérbios não eram mesmo sábios?
E assim que se esparramou de toalha no sofá, se perguntando como suas bochechas ainda não estavam rasgadas, ela suspirou. Um suspiro daqueles saídos do fundo da alma, sonoros, longos, carregados de sentimentos leves e coloridos.
Um suspiro que denunciava a ela o óbvio antes de cair no sono: Danny a ganhara. Um jorro de júbilo inundou seu corpo, confortando-a como num abraço e causando um desconforto rápido como um flash em seu ventre. Ai, meu Deus. Estava apaixonada!
Marie Cunninghan havia acabado de chegar de viagem e estava sentada na cama de sua filha, , que tinha a cabeça deitada em seu colo e recebia de suas mãos o cafuné cujo havia aprendido a viver sem, mas às vezes tinha saudade. Fazia tempo que as duas não paravam para conversar e saber como andavam suas respectivas rotinas. , que nunca tivera a presença dos pais com a frequência que era considerada saudável, costumava sentir falta disso.
Costumava. Depois de um tempo, a falta da maioria das coisas que nos fazem falta se faz tão presente que de repente nos acostumamos e elas nem fazem mais falta.
crescera basicamente com a companhia do irmão e das babás. Pelo menos não havia se tornado uma delinquente juvenil, apesar de ter tido suas fases turbulentas. E havia aprendido com aquela que lhe acariciava como se comportar como uma dama e a lição fundamental para elas: evitar mais que o máximo falar palavrões porque era a coisa mais feia do mundo, consequentemente enfeiando a mulher que os falava.
Aquilo havia a marcado. Ela sempre imaginava, quando criança, que se falasse um palavrão se transformaria numa bruxa velha, gorda e fedida porque era isso que sua mãe vivia lhe dizendo. Atualmente ela enxergava que nada daquilo era verdade, pelo menos a parte da bruxa velha. Até um tempo atrás não conseguia não repreender o namorado por pronunciá-los de vez em quando. Ainda os achava muitas vezes desnecessários, mas sua política do palavrão libertador vinha funcionando para que perdesse o trauma, ultimamente. Nada traduzia corretamente ou dava a certa ênfase às coisas como eles, de vez em quando.
- - – a voz de sua mãe de repente ficou mais séria. – Eu sei que aquele garoto esteve aqui na última festa que demos.
congelou. Ao dizer “aquele garoto", sabia que a mãe se referia a seu namorado.
Mas como ela havia descoberto? Será que algum empregado lhe tinha deixado escapar? Ela tinha de demiti-lo já! Pensou que estivesse enganando seus pais até o momento!
Sem saber o que dizer exatamente, ela preferiu ficar em silêncio, coberta pelo rubor, e esperar que a mãe prosseguisse.
- Só eu sei, seu pai não. Eu não disse a ele porque não queria que ele ficasse furioso, ele já estava estressado com muitas outras coisas.
Atitude nobre da parte dela, achou. O pai dela vivia estressado. Era realmente muito difícil ser bilionário.
- Como você descobriu? – disparou sua curiosidade sem mais pensar.
- Eu não sou tão estúpida como você pensa, . – Marie foi direta e rude.
- Eu não disse que você era – rebateu e prontamente tirou a cabeça do colo da mãe.
- Foi muito fácil saber, com todo o alvoroço que vocês fizeram quando eu estava por perto. Eu já vivi mais do que você, .O suficiente pra não confiar neste garoto.
- Bom, então diga à sua confiança que ela não deve se preocupar, porque quem namora o Dougie sou eu.
As duas se encaravam seriamente. br>
Desde que começara a namorar Dougie, era sempre a mesma coisa quando elas tentavam manter uma conversa: elas sempre acabavam em discussões sobre ele e a visão distorcida de Marie sobre quem ele era.
- Você é minha filha, -Marie. É meu maior tesouro!
- Você nem ao menos trocou minhas fraldas, mãe. Francamente...
As palavras de atingiram a mãe como um tiro, mas esta preferiu não rebater. Sabia que, no fundo, pelo menos ao fazer esse tipo de acusação, sua menina tinha razão. E sabia que, no futuro, quando ela tivesse os próprios filhos com alguém de sangue nobre (que não era Dougie Poynter, obviamente) também não trocaria suas fraldas ou poderia estar por perto o tempo todo. Era questão de tempo.
Marie engoliu a ofensa da filha à seco e suspirou, cerrando os olhos por um breve segundo para o olhar que a encarava acusadoramente.
- Você e seu irmão – continuou ao abrí-los. – E eu não quero que você tenha que passar pelas experiências ruins que eu passei. Essa gente só está interessada em nós por causa do nosso dinheiro e status, .
- Quantas vezes eu vou ter que te dizer, mãe? – elevou o tom de voz, levantando-se subitamente da cama. – Dougie está comigo porque ele me ama de verdade! Ele não precisa do meu dinheiro, ele tem o dele! E ele sai nas revistas com matérias só pra ele, fora da coluna social, sem a minha ajuda!
se sentou à penteadeira.
- E quando a banda dele acabar, ? – Marie encarava a filha pelo reflexo do espelho. – Você sabe o futuro de todas essas bandinhas, elas nunca duram muito! Ele vai querer viver às suas custas!
- Eu e Dougie não estamos nos importando com o futuro, mãe. – fechou os olhos, buscando paciência em algum lugar dentro de si mesma. - Nós estamos vivendo o presente!
- , nós ricos não podemos nos dar o luxo de pensar que as pessoas gostam de nós simplesmente por gostar! Nós temos que desconfiar...
- Eu não quero mais escutar, mãe. Toda vez que nós vamos conversar é a mesma droga. Por favor, saia. – disse com o olhar firme.
É claro que desconfiava das pessoas que se aproximavam dela. Mas ela já era crescidinha o suficiente e reconhecia que já havia passado por experiências frustrantes o bastante com relacionamentos interesseiros de todo tipo para saber discernir os falsos dos verdadeiros.
Quando olhava para os olhos de Dougie, não via um pingo de ganância pelo dinheiro ou posto social dela neles. Ele não tinha motivos para sentir isso. Ele realmente a amava por quem ela era e muitas vezes a detestava por quem ela era também. Exatamente como ela se sentia em relação a ele.
O que ela não sabia era que, muitas vezes, o esforço que ele tinha de fazer para suportar as atitudes mimadas dela era muito maior do que aquele que ela fazia para suportar os defeitos dele.
- Eu não quero que você sofra o que eu sofri antes de me dar conta que seu pai era o melhor pra mim, filha!
- O que você sofreu de tão grave assim, mãe? – virou-se bruscamente para a mãe no banco forrado no qual se sentava. – O que é tão terrível no seu passado pra você ficar enchendo a porcaria do meu saco e o do Dougie, que nunca está presente para se defender, o tempo todo?
Do jeito dramático que ela pontuava, sempre parecia a que a mãe havia sido casada com um cara que a violentava constantemente ou algo do tipo, antes de seu pai. No fundo ela sabia que nem era algo tão horrível assim.
- Eu me arranhei e me machuquei muito antes de me dar conta de que era seu pai quem realmente me merecia.
Ela fez uma pausa e sua filha permaneceu em silêncio, demonstrando-lhe atenção.
- Quando eu tinha sua idade, um ano a menos, eu acho, tinha esse garoto... O nome dele era Keith. Keith Nichols. – continuou. – Eu tinha acabado de entrar na faculdade. Eu era bem bonita nessa época. – Não tinha como isso ser uma mentira. Sua mãe continuava linda. – E bem popular também. Ketih não era tão popular assim, mas era um cara querido. Nós acabamos juntos e ele dizia que me amava e eu... Bom, eu me entreguei a ele, totalmente iludida. – Sua mãe concluiu com certo pesar. – Isso me marcou muito. Uma semana depois de tirar minha virgindade, eu o encontrei beijando outra garota em um dos corredores da biblioteca. Nós brigamos feio e só então eu percebi que tudo que ele queria de mim era status. Ao meu lado, ele se tornava popular também. E eu sempre lhe dava presentes caros, confesso que exatamente por certa insegurança minha sobre o que ele sentia por mim, às vezes. E era exatamente isso que lhe dava prazer no nosso relacionamento.
piscou algumas vezes para o chão, considerando quais palavras seriam adequadas após aquela história de coração partido.
- Sinto muito, mamãe – preferiu dizer.
- Seu pai ficou louco com esse garoto quando ficou sabendo disso. Ele foi atrás de Keith para socá-lo, eu juro. E o fez – deixou uma risadinha escapar. Imaginar seu pai jovem, batendo em um cara nunca havia lhe passado pela cabeça. Parecia algo inventado. – Quando minha melhor amiga na época veio me contar, eu fiquei besta. De qualquer forma, eu tive de ir falar com se pai. Mas foi pra dizer que ele não tinha nada a ver com a minha vida e não tinha que bater ou deixar de bater nos garotos com quem eu me relacionava, que era pra ele parar de insistir. No fundo eu estava bem agradecida, só não queria admitir. Você sabe o que ele fez depois?
negou com a cabeça.
- Ele me disse “Eu não bateria no cara com quem você se relaciona se ele fosse eu. Eu quero ter a ver com a sua vida... Eu quero ter a ver com você. Só quero uma chance pra te mostrar que isso pode ser real".
Muito bem. Ela não sabia realmente como reagir. Pelo menos a conversa que se tornara discussão e virara uma conversa de novo - e assim seguiria - estava servindo para que ela soubesse um pouco mais da história de seus pais.
Apesar de ser uma situação comovente e um romance muito bonito, ainda lhe era estranho imaginá-los naquelas situações. Era meio constrangedor. Sentimentos comuns de filha, afinal. Era claro que seus pais se amavam, eles tratavam um ao outro muito bem, eram muito afetuosos. Porém evitavam ficar de melação extrema quando perto dos filhos, coisa que os dois não poderiam apreciar mais.
- É uma linda história, mamãe. E é ótimo saber que você deu uma chance a ele e que vocês estão juntos até hoje – foi novamente a vez de se pronunciar. Claro que pensava que era algo bom, caso contrário o mundo teria sido privado da maravilha de sua existência. – Mas a sua vida não é a minha, eu não sou você e nossas histórias de amor não tem de seguir a mesma linha.
- Mas o que é isso? – Marie indignou-se repentinamente. – Você está ousando me dizer que ser como a sua mãe...
- Eu não estou dizendo nada disso, mãe! Não começa de novo! – a cortou, raivosa. – Eu só estou dizendo que você não vai poder me proteger de tudo pra sempre! – Engoliu em seco. – Você acha que já não fiquei com caras que queriam de mim exatamente o que o Keith quis de você um dia? E, se você quer saber, muitas vezes eu deixei acontecer simplesmente porque é inevitável que isso aconteça com pessoas como nós e eu não queria ficar sozinha!
A mãe dirigia a ela o mesmo olhar atencioso que ela lhe dirigira momentos antes, porém em uma versão mais contrariada, de quem ouvia a muito custo.
- E, muitas vezes, sentimentos não estão envolvidos... – continuou.
- Essa geração de vocês...
- Mas entre eu e Dougie... Mãe, se você pudesse sentir! Ele é diferente de todos os caras que eu já conheci. Parece que ele tem tudo que falta nos outros, sabe?
Marie viu o rosto da filha se iluminar repentinamente ao começar a listar as qualidades do namorado. Estava estampado em sua cara o quanto ela o amava, isso era verdade. E parecia tanto sentimento que lhe dava mais medo ainda de vê-la desabar da beira do abismo quando descobrisse que Dougie estava somente a usando. Não queria que sentisse o mesmo que ela sentira quando jovem.
- E ele nunca, nunca, nunca, nunca – enfatizou – me pediu nada além dos meus sentimentos por ele em troca. Nunca. Eu amo ele pra porra! – Arriscou sua cabeça com o palavrão.
- -Marie! O que eu te ensino desde pequena sobre palavrões? – “Besteira", pensou. – Que horror, que desgosto! Viu só? Viu como esse garoto está te corrompendo? Você nunca disse um palavrão antes de conhecê-lo!
Marie viu a filha revirar os olhos e bufar. Também não era extremo desse jeito!
- Dougie não está me corrompendo, mãe.
- Ele está! Você é minha princesinha! Não quero que esse arruaceiro te faça sofrer, te faça falar palavrões e te drogue!
- Tá bom, mãe. Acho que você já entendeu que sou feliz com o Dougie e estou plenamente satisfeita com a minha vida amorosa no momento. Pode sair agora.
- Você me parecia mais feliz quando namorava Sean.
levantou-se, furiosa e foi em direção a porta. Ela sempre tinha que colocar Sean no meio, só porque o conhecia desde as fraldas. Nunca entendia que o namoro deles havia realmente terminado. Outras vezes era o próprio Sean que não entendia isso.
- Não ouse tocar esta maçaneta. – Marie disse e parou no meio do caminho. – Eu ainda não terminei de falar.
- PARA COM ISSO, MÃE! MAS QUE MERDA!
- Cale a boca e sente-se. Isso é jeito de tratar sua mãe? Não foi isso que eu te ensinei!
- E o que foi que você me ensinou se eu mal te vi a vida toda?
- Se você disser mais um palavrão, eu vou queimar sua língua. – A mãe ordenou austera, ignorando a acusação e dando-lhe o tratamento que se dá a uma criança, mas sem se exaltar. Era agonizante para ver como ela era profissional em manter a postura e raramente chegar ao ponto de berrar.
Além do mais, percebia que o que precisava ser controlado, na verdade, era a neurose dela com palavrões. Era pior do que ela se lembrava e em uma quantidade muito maior do que ela mesma herdara.
sentou-se onde antes estava, perto da penteadeira, e pediu a Deus um pouco mais de paciência para escutar as porcarias que já sabia de cor.
- Agora me deixe saber. Eu preciso saber o quanto esse menino ainda vai te machucar.
“Meu Deus, ela está mesmo piradaça."
- Essa bandola dele dá certo?
Ela destestava o modo como a mãe desprezava o McFly. Se ela soubesse o quanto eles eram bons!
- Mais do que isso. Eles são uma das bandas mais estouradas no país agora e desbancaram os Beatles no Guiness. Já te contei isso!
- Impossível eles terem desbancado os Beatles. – duvidou.- Quando foi que você me contou isso?
- Quando eu te disse que estava namorando.
- Hm.
Marie não havia gostado dessa história de novo namoro desde o momento em que a filha disse que o namorado era outro que não Sean, para que teria se dado o luxo de escutar o resto sobre quem quer que fosse?
– E vocês... Vocês já... Já... Você sabe...
- O quê, mamãe?
sabia o que era, mas estava se divertindo ao ver a mãe travando no meio das frases. A confiança com a qual ela recomeçara a conversa se esvaíra.
- Não me faça dizer!
- Se você não disser como eu vou saber?
- Oh, Jesus. – Marie bufou. – Vocês já fizeram sexo, -Marie?
- Ah, era isso? Não acredito que você demorou tanto pra falar isso... – fez pouco caso da pergunta de propósito, o que alertou ainda mais os ouvidos da mãe. – A gente tá junto há sete meses, é claro que a gente já transou.
Sua resposta foi a mais natural possível. Já que estava com a cara enfiada no bolo, que diferença faria a cereja no topo?
Por outro lado, sua mãe parecia ter levado um choque de realidade. Pensar que sua filha talvez já não seja mais virgem é diferente de ter isso esfregado em sua cara por ela mesma.
- Quando?
- Como assim quando?
- Foi mais de uma vez?
- Mãe... – revirou os olhos pela enésima vez. – Sério que a gente está tendo essa conversa a essa altura da vida?
- Quando foi que te desabrocharam, minha florzinha? Oh, céus, cometendo os mesmos erros que eu... Já sei como vai terminar essa novela, isso tem que parar...
- Aos dezesseis – ignorou o dramalhão.
- Aos dezesseis? – Marie chegou ao ápice da incredulidade. – Você me escondeu-o por quatro anos? Eu não te peço para ser aberta comigo -Marie?
Ela estava praticamente hipervertilando. Sua expressão e pose contidas pareciam atuação. Ela quase riu, achando que ela parecia a Senhora Bennett em Orgulho e Preconceito, o filme de 2005. sempre pensara que a capacidade que a mãe tinha de exprimir emoções de forma tão afetada faria dela uma ótima atriz se quisesse.
- O quê? – se viu confusa por um momento. – Mãe, não, espera. Que diabos você está pensando? Claro que não escondi Dougie por quatro anos, acabei de dizer que... Mãe, Não foi com ele que perdi a virgindade. Foi com Sean.
- Oh, claro. – Ela pareceu se aliviar. – Que estupidez a minha, perdi a cabeça por um segundo. Se foi assim, menos mal, então. Foi com alguém digno de você.
- Muito bem. Já terminou a ladainha ou...
- O que mais eu não sei sobre você? – Marie jorrou as palavras.
- Muito, mamãe. Você sabe o necessário. Ou quase isso.
- Ou quase isso? , eu tenho de saber tudo!
Ela podia ter se esquecido da existência da mãe se quisesse e esta ainda se via no direito de exigir que ela fosse aberta e lhe contasse tudo que acontecia em sua vida? Se a relação delas ainda fosse saudável... E já que não era, por acaso ela tinha cara de tablóide de fofocas exclusivas? Francamente.
- Não tem! Além do mais, o que deu em você pra de repente querer saber de tudo? Eu cuido do meu próprio nariz!
- Eu te sustento!
Ela estava tendo um faniquito. À sua maneira, mas ainda assim.
- Sem querer ofender, mamãe, mas é o papai...
- Somos nós dois! Nós temos de saber!
- Estou satisfeita do jeito que estamos. Fico feliz em saber que você de repente decidiu que tem que ser presente e ditar tudo o que eu faço ou deixo de fazer da minha vida, mas eu já estou grandinha agora. Então, você bem que podia parar de me incomodar e também de falar porcarias do Dougie. Voltar a respeitar meu espaço... que tal?
- Te incomodar? Florzinha, você está me ofendendo! – Marie franziu a testa dramaticamente. – Eu só estou preocupada com seu bem estar! Você tem de contar comigo, -!
O quão insuportável era toda aquela dramatização cheia de apelidinhos?
- Quando foi que você esteve aqui pra que eu contasse com você? Quando você se mostrou aberta a isso? Você não apóia nem o meu namoro e você nem conhece Dougie, mamãe! – entregava sua angústia à outra na voz embargada e no olhar ferido marejado por lágrimas. - Como espera que eu saia correndo saltitante pros seus braços e te conte até o que comi no café da manhã enquanto você estava fora?
As vozes deram lugar a um silêncio aflito e virou-se novamente de costas para a sua versão mais velha, escondendo os olhos com a mão.
- Traga-o aqui. – Marie disse após um breve minuto.
- O quê? – Elas retomaram o contato visual.
- Vou dar ao garoto uma chance. Não estou dizendo que ele merece, mas...
- É sério? - Marie assentiu para os olhos arregalados e brilhantes de seu bebê. – E quanto ao papai?
- Eu me resolvo com ele – finalizou.
levantou-se e correu empolgadamente para abraçar sua progenitora.
- Ai, mamãe! EU TE AMO! – disse antes de cobri-la de beijinhos estalados.
- Como você é comprável, -Marie! Absurdamente comprável!
- Mãe! Que ultraje!
- Vou marcar uma data e deixo você saber em breve. – Marie informou, ficando livre do abraço da filha e finalmente dirigindo-se à porta. - É bom que ele saiba usar os talheres. – disse por fim e saiu, fechando a porta atrás de si.
Céus. Ela não devia ficar tão empolgada. Quando a esmola é muita, o santo desconfia.
Sua mãe tinha algum plano e não lhe parecia bom. Era melhor checar o quanto Dougie sabia sobre a economia mundial no momento e como andavam suas habilidades ao piano antes que o jantar mais tenso do século acontecesse.
- OK. Dougs, abre o jogo – disse por cima da música que preenchia o carro, mudando o rumo da conversa que tinham até então. – Quem diabos é a sua namorada? Beatrice, A Princesa? Porque sério, olha só pra esse lugar!
se referia às mansões que se enfileiravam em cada lateral da rua que desciam. Já havia estado em lugares de alto padrão, mas aquilo era tipo o Monte Everest dos altos padrões.
- Espera só até você estar dentro da casa dela – Dougie respondeu.
- , será que não dá pra você esconder seu deslumbramento de imigrante de país subdesenvolvido por um segundo?
As risadas de Dougie, Danny e Tom se misturaram devido à piada de . deu a amiga um sorriso forçado e fez uma careta estrábica.
- Ela só pertence a uma família tradicionalmente rica – Dougie explicou.
- Podre de rica se encaixa melhor, né. – corrigiu-o e Dougie sorriu de lado.
- , cala a boca, vai! – insistia na implicância.
- Olha, , não é culpa minha se...
- Vocês duas, shiu! – Tom se meteu na discussão, calando as duas ao chamar sua atenção para o que fazia.
- Oi, sou o Tom, amigo da Louise. E estou com outros amigos aqui – ele disse ao comunicador grudado à parede, envolto por trepadeiras.
- Só um minuto, senhor – respondeu a voz obediente no outro interfone.
- Por que você não disse que o namorado dela está aqui? – perguntou Dougie, soando ofendido.
- Não me leva a mal, mas você sabe que você não é nenhum ídolo dentro dessa casa... – Tom respondeu, prendendo o riso ao contrário do resto do pessoal. – Imagina só, então, quando eles descobrirem que você pulou o portão deles!
- Idiota de merda – Dougie resmungou, tentando fechar a cara, mas falhando ao rir pelo nariz.
- Você pode estacionar o carro à sua esquerda, passando a entrada, senhor – A voz informou e o alto e negro portão à frente do veículo começou a se movimentar.
- Como alguém pode ter tanto dinheiro assim? – voltou a dizer, os olhos atentos para tudo que viam através do vidro enquanto o veículo subia o caminho inclinado. A grama que o ladeava era verde de doer os olhos e mais bem aparada do que as pontas do cabelo dela.
- Já mandei você calar a sua boca de pobre, ! – repetiu e todos riram novamente.
- Ninguém respeita mais ninguém, acabou o respeito no mundo, viu. Vou dizer uma coisa pra vocês... – disse, indignada e Danny, ao seu lado, a abraçou e beijou sua bochecha.
- Deixa os losers falarem sozinhos – defendeu-a.
- Haha. O quê? – retrucou. – Você também estava rindo!
- Eu não estava rindo! Não joga a culpa em mim se você anda ingerindo drogas alucinógenas... – Danny soltou-a e se encolheu no canto do banco de trás.
- HA! Seu falso! - o acusou e ele riu de novo, segurando-a pelo rosto com uma mão e agilmente lhe beijando os lábios à força.
- Sacana... – ela disse assim que ele lhe soltou.
- Bem-vindos à minha casa! – disse Louise, parada em frente a gigante porta frontal da mansão que habitava enquanto todos se aproximavam da casa em uma fila desorganizada.
Seu sorriso era receptivo até demais, ia de orelha a orelha. Parecia aquele sorriso congelado da Barbie e essa foi a primeira coisa que pensou sobre ela. Dava até agonia.
- Bem-vindos ao Solar Misselthwaite! – sussurrou em deboche no ouvido da amiga de quem andava ao lado, imitando o tom de Louise.
- O que é Solar Misselthwaite? – sussurrou de volta enquanto observava Louise abraçar Dougie, que ia à frente de todos, e beijar-lhe o canto da boca.
- O Jardim Secreto, o filme. Aquela casa gigante – explicou e revirou os olhos.
- Olá, meninas! – Louise moveu a boca de sorriso petrificado quando chegou a vez das duas últimas na fila cumprimentarem-na. – Sou Louise, a namorada do Dougie. É um prazer conhecer vocês!
“Será que ela não pode parar de sorrir assim POR UM SEGUNDO antes que eu tenha que mentir que tem um orégano no dente dela?" pensou após dizer seu nome e apertar a mão de Lou, que sorriu para ela após beijar-lhe as bochechas.
“Meu Deus, ela é tão cheirosa que minha rinite vai atacar em 4, 3, 2, 1..." disse a si mesma enquanto seguia o mesmo protocolo que a melhor amiga.
“Até que elas são bonitas. Mas eu sou mais rica." Lou analisava ao cumprimentar as garotas.
- O prazer é nosso! – e disseram quase em uníssono.
Mulheres...
- Vamos entrar, gente? – Lou fez o convite e todos a acompanharam. Ela liderava o caminho, unida pelo braço à Dougie, com quem conversava baixinho.
Só o hall de entrada era tão amplo e arejado que era maior do que o apartamento de e conurbados. Era como se elas estivessem no interior de uma das casas que aparecem naqueles programas que todo mundo para assistir quando está fazendo um looping pelos canais da TV na madrugada, sobre as casas mais chiques do mundo ou algo do tipo.
Não somente parecia, porque aquela casa poderia estar em algum desses programas e elas nem saberem.
O chão de mármore claro poderia servir de espelho se precisassem e se perguntou se os outros ali não seriam capazes de ver o reflexo de sua calcinha debaixo do vestido por ali se não estivessem ocupados observando tudo ao redor. Tirando Dougie, era a primeira vez de todos na mansão.
Havia também duas escadas laterais que se uniam no topo, no segundo andar separado em duas alas. A entrada não possuía muitos móveis: nada além de algumas poltronas de estilo clássico com armação de madeira, mesas de canto em madeira pura e uma central com um vaso preenchido por flores vívidas, defronte à dois arcos paralelos que serviam de entrada para outros cômodos.
Um destes cômodos era a sala de estar, onde um mordomo os esperava segurando uma bandeja de prata, na qual havia copos longos e decorados cheios de bebida verde com canudinhos coloridos e palitinhos de mexer.
- É suco de kiwi com hortelã. Eu pedi pra um dos meus empregados preparar – Lou disse, pegando dois copos da bandeja que o mordomo lhe estendeu após pedir que todos se acomodassem nos sofás creme, tão limpos que dava até medo de sujar só de sentar. Ela estendeu um copo para Dougie. – Mas vocês podem pedir outra coisa se não quiserem ou não gostarem – concluiu e sorriu cortês.
- Está tudo bem – Tom afirmou, olhando para os outros ao seu redor, que assentiram em silêncio.
se perguntava para quem era o oitavo copo que sobrara na bandeja e se este não era para o mordomo que logo sentaria com eles para confraternizar em vez de ficar parado ali como uma múmia.
- Cadê a Jazzie? – Dougie se dirigiu à namorada.
e se perguntavam quem era Jazzie e Lou abria a boca para responder onde ela estava quando foi interrompida por uma garota loira que irrompeu no cômodo.
- Surpresaaaaa! – ela berrou toda espoleta e os garotos sorriram para ela, dizendo “hey!" ou qualquer outra coisa do tipo enquanto se levantavam para cumprimentá-la. e os imitaram.
- Como vocês estãããão? Tom, estava morrendo de saudades, seu lindo!
- Eu também! – Tom usou o mesmo tom entusiasmado e copiou os trejeitos da garota, levando todos às risadas.
Ela cumprimentou primeiro Dougie, e depois de Tom foi a vez de . Na vez de Danny ela praticamente pulou para abraçá-lo e beijar sua bochecha com empenho, quase metendo o braço na cara de , que estava bem ao lado dele e desviou a tempo.
Bem que ela achava que a menina tinha cara de piriguete.
- Meninas, esta é minha irmã mais nova...
- Jazzie Poynter – ela interrompeu Dougie e apertou a mão de , olhando-a fixamente no fundo dos olhos. – Muito prazer – disse antes de quebrar o contato visual e beijar a bochecha da outra com esforço.
Por enquanto, tudo o que sabia sobre Jazzie era que ela era a irmã mais nova de Dougie e, pelo abraço que dera em Danny, tinha uma afinidade a mais com ele. Fosse o que fosse que existia entre eles, no momento em que elas trocaram olhares já soube que lidar com ela não seria nada fácil.
- Cadê o Harry? – Jazzie notou a falta do quarto membro da banda.
- Já, já ele cola aí – Dougie respondeu.
- Lou, você se importa se eu der uma olhada no seu piano? – Tom ficou de pé enquanto os outros se sentavam novamente, Jazzie entre e Danny depois de pegar um dos copos que restavam.
Ali não estava bom, mas ela que não ousasse se sentar dois lugares mais para frente, pensava ao beber um gole de seu suco. Estava tentando não fechar a cara para não deixar transparecer sua inimizade instantânea.
- Claro que não! – Lou respondeu, simpática. – Por que você não toca alguma coisa pra gente? – solicitou. – Ele é da minha mãe, mas faz eras que ela não rela nele!
- Legal! – Tom disse se dirigindo ao instrumento imponente e negro que ocupava espaço no canto da sala, próximo à parede preenchida por vidros que deixava o sol entrar e dava para um dos lados do jardim lá fora.
- Por favor, coloque seu copo aqui, senhor. – O mordomo pediu a Tom, estendendo-lhe a bandeja mais uma vez assim que ele se sentou ao piano.
A tarde seria de uma aula e tanto sobre o estilo de vida dos ricos, mais ricos ainda e mais ricos que os mais ricos ainda para as visitas.
- E então, quem vai ser o churrasqueiro de hoje? – Danny perguntou enquanto todos adentravam a casa da piscina.
- Por que você está olhando pra mim desse jeito? Não vou ser o churrasqueiro de porcaria nenhuma. De novo não, pode esquecer, meu amigo! – Tom disse referindo-se ao olhar insinuante que Danny lhe lançara ao falar.
- Haha! Não se preocupa, Tom! – Lou interviu. – Ninguém vai precisar cozinhar nada hoje! Javier já está providenciando com os cozinheiros um almoço delicioso para a gente!
Independente de quem fosse Javier, os turistas ali adivinharam a função dele na vida somente com aquela declaração.
- Que bom, porque eu não estava mesmo a fim – Tom disse, vendo Jazzie se acomodar em uma das poltronas da casa.
- Bem, fiquem à vontade – Lou disse pegando Dougie pela mão. – Ludwig já trouxe as bolsas de vocês pra cá, como podem ver. – Apontou com a cabeça as bolsas reunidas em um único sofá do cômodo em que estavam. – Eu e o Dougie precisamos conversar um instantinho, mas já voltamos.
Dougie olhou a namorada como quem dizia “precisamos?", mas preferiu não questioná-la na frente dos amigos.
- Nossa, o Harry tá demorando pra chegar! – observou. – Vou pôr no chão, tá? – disse, retirando as bolsas do sofá e colocando-as onde dissera, para se sentar. e Danny a acompanharam.
- Falando no diabo... – Tom riu, sacudindo o celular que tocara em seu bolso, piscando o nome de Harry na tela logo após falar nele.
- Macumbeira! – xingou a amiga em português assim que Tom atendeu o telefone. Jazzie e Danny não entenderam nada, mas este último preferiu não perguntar.
- De onde vocês são? – Jazzie indagou, curiosa.
- Brasil. – respondeu simplesmente.
- Legal! É verdade que tem macacos andando na rua e tudo mais, lá? Sem ofensas, claro, mas é que eu ouvi falar, e...
- Não, não é verdade – respondeu curta e grossa. – Os gringos falam muito do Brasil sem saberem metade do que realmente é. – Sorriu com falsa simpatia.
“Mas de piranha igual a você o país tá cheio!’’ se imaginou respondendo, mas preferiu emendar uma conversa particular com Danny.
Climão.
Felizmente Tom desligou o telefone no mesmo instante.
- Então, senhoras e senhor, tenho que dar uma notícia triste a vocês – disse.
sentiu uma pontada no peito. Mas o quê? Jazzie Poynter para lhe encher o saco a tarde toda não era notícia ruim suficiente?
- Harry disse que o Tommy ligou, que ele está com Fletch e que eles querem nos ver pra discutir alguns assuntos importantes que acabaram de surgir.
- Tá zoando? – Danny perguntou e viu Tom negar com a cabeça. – Que assuntos? – Tom deu de ombros.
- O que isso quer dizer? – se pronunciou.
- O óbvio, minha cara – o par dela disse. – Nós vamos ter que ir embora antes mesmo que a festa comece.
- Ah, sério mesmo? - olhou indignada para Tom e depois virou-se para Danny. - Mas que merda, é sábado a tarde e eu pensei que vocês estavam de folga e eu também tô! A só tem que trabalhar mais tarde e... Ah, que absurdo!
- É uma merda, mas não é absurdo. É vida de banda, vai se acostumando, boneca – Danny respondeu e lhe afagou os cabelos na nuca.
- Na verdade, eu bem que sei, viu... – ela olhou pra ele, os lábios em um bico franzido. – Vivo em função delas também...
- Ah, Danny! – Jazzie disse, cheia de manha e direcionou seu olhar a ela. Do tipo feroz. – E Tom... - ela se corrigiu rapidamente. notou uma faísca de maldade nos olhos dela, que perceberam seu olhar e desviaram-se rapidamente. Virou-se para Tom, mordendo o lábio, aflita. - Poxa, fiquem mais um pouco! Vocês vão ter que esperar o Dougie terminar de conversar com a Lou mesmo! Aqueles dois ainda vão demorar um pouquinho pra se resolverem!
- É, acho que a gente pode. Vou dizer para eles esperarem e explicar que tem Dougie e Louise envolvidos, daí eles entendem na hora. - Todos riram – Só tenho que avisar o Dougie que a gente tá esperando e ver se ele agiliza isso daí. E avisar o Harry também.
Ele discou o número do amigo e os outros o observaram em silêncio enquanto conversava com Dougie.
- Olha, a Louise quer que pelo menos as garotas fiquem – disse ao desligar. – Porque ela quer mesmo conhecer vocês duas. Tudo bem pra vocês?
- E como a gente vai embora depois? – perguntou. – Não é por mal, mas Deus me ajude se a gente se a gente tiver que voltar de transporte público, a gente tá completamente no outro extremo da cidade. Fora que a gente nem sabe voltar.
- Ela disse que manda o motorista dela levar as duas.
- Oh. – se limitou a dizer. Gente bilionária era gente bilionária, afinal.
Escutem, por que a gente não vai lá pra fora? – a loira piriguete, como já estava rotulada por , sugeriu.
Como se não bastasse, se levantou e tirou pela cabeça o vestidinho leve que cobria o biquíni, revelado agora juntamente com seu torso. Na frente de Danny, olhando-o cheia de intenções que só ela achava que ninguém estava percebendo.
Danny olhou para e sorriu forçadamente, tentando afastar o constrangimento no qual Jazzie estava o colocando. Ela nem percebera a reação dele, estava ocupada demais encarando enfurecida a Poynter ruim da safra.
“ELA QUER MORRER!" pensava, apertando mais a mão de Danny que estava apoiada em seu ombro.
– Tá um dia lindo, olha esse sol! É um presente pra gente!
“Claro que é. Eu podia prender você na espreguiçadeira e deixar essa sua pele branquela torrando até você virar pó."
- Tudo bem pra mim – Tom respondeu antes de começar a falar com Harry ao celular.
- Bem, eu tenho que pôr meu biquíni. – disse .
- E você, Danny? – Jazzie perguntou.
sentiu a tensão lhe endurecer os ombros por um segundo. Olhou para o lado e viu Danny responder, hesitante:
- Ah, tudo bem. Vamos, ?
Ela relutou por um momento, raciocinando rapidamente. Se ela não fosse, seria uma oportunidade a mais que Jazzie teria de dar em cima de Danny. Mas bem, Tom também iria. E ela precisava colocar o biquíni também. Além disso, uma necessidade urgente de desabafar com a amiga antes que acabasse dando uma bica na fuça da irmã de Dougie corria inquietamente por seu corpo junto ao seu sangue.
Teria que confiar na presença de Tom entre os dois.
- Eu vou colocar meu biquíni também e já vou – ela respondeu e ele a encarou, em dúvida se tinha escutado corretamente, mas percebeu que ela não estava lá amando ter de optar por deixá-lo “sozinho" com Jazzie. Devia apenas ter seus motivos.
- OK – ele respondeu e lhe deu um selinho antes de levantar. – Vamos, Tom –cutucou o amigo que ainda falava ao telefone de costas para todo mundo.
Antes de sair, Jazzie mediu de cima a baixo e saiu saltitante atrás dos garotos. Não satisfeita, apoiou as mãos nos ombros de Danny e foi andando alinhadamente atrás dele como se eles fossem o casal mais feliz de todos os contos de fada.
espremeu os lábios na mão, louca de impaciência. Se continuasse naquele ritmo, ela não chegaria inteira ao fim do dia. Porque teria que gastar forças arrebentando Jazzie primeiro, claro.
- Eu vou estraçalhar a cara desmilinguida dessa piranha! – disse entredentes para a única que restara no cômodo. – , você viu o que eu vi? Você escutou o que eu escutei?
- Preferia não ter visto e muito menos escutado.
- Como essa filha da putinha horrorosa pode ter saído da mesma barriga que o lindo do Dougie? Alguém me explica? – perguntava indignada, pegando sua bolsa com brusquidão. – Eu tô tremendo de nervoso, olha! – Esticou a mão ligeiramente trêmula para a amiga. – Eu não vou aguentar ficar aqui, a gente tem que ir embora, caso contrário eu não responderei pelos meus atos. Foda-se se ela é irmã do Dougie. Podia ser irmã da Rainha, essa insuportável, e eu ia continuar querendo matá-la.
- , calma! Eu vou pedir uma água pra você beber. – disse, prestes a largar o biquíni que apanhara na bolsa quando a amiga lhe impediu ao lhe pegar pelo pulso.
Como se água fosse resolver alguma coisa.
- , não! Vai ficar tudo bem. Vamos nos trocar.
arqueou uma sobrancelha. Como ela mudava de idéia tão rápido assim? Ou ela queria levar a confusão até o fim ou...
- A gente não pode fazer isso com a namorada do Dougie. Ela é meio fresca, mas ainda assim, ela é legal por querer que nós fiquemos. Depois eu bebo alguma coisa pra me acalmar. Com álcool, de preferência.
- Pra quem não bebia nada você anda muito bebadinha, hein? Anda bebendo por aí agora, que eu tô sabendo...
- As pessoas mudam.
- Fica calma, eu te ajudo a rasgar a cara dela se for preciso. – parou em frente a amiga e colocou uma mão em cada bochecha sua.
- Calma? Ela já passou dos limites só estando no mesmo lugar que eu e a gente tá aqui há o quê? Uma hora? - Desvencilhou-se da amiga.
- Por aí.
- As coisas que ela fica falando! – retirava da bolsa o que iria precisar para ficar na piscina enquanto falava. Com muita dificuldade, porque a raiva que a consumia parecia deixar tudo mais difícil - Você viu o jeito que ela olha pra mim? Quem essa menina acha que ela é? Ela acha mesmo que tá ganhando o Danny com essa cara de Lula-Molusco? O nariz dela é igualzinho!
ria em concordância enquanto seguia para o pequeno banheiro que ali havia com a outra em seu encalço. Sua melhor amiga era mesmo uma figura única.
- E quantos anos ela tem? Uns 16? Ela acha mesmo que o Dan tá pro bico dela? Tão pirralha e tão putinha barata meu Deus! – falava sem parar enquanto fechava a porta. Já falava demais, mas sua cota de palavras por minuto havia dobrado.
- Não adianta, , a menina já tem tendência ao piriguetismo – dizia enquanto se despia.
- Tendência? Tendência tenho eu! Isso daí é índole. É vocação!
- Ela tá adorando te provocar porque você tá ligando.
- E tem como não ligar? Fica se jogando em cima do Danny na minha frente! Bem que eu comentei mais cedo que não tem mais respeito nesse mundo! – disse, se despindo também. – A pessoa que educou isso daí não pode ter educado o Dougie, não é possível. Você acha que Danny já teve alguma coisa com ela?
- Acho difícil – opinou enquanto encaixava o bustiê ao corpo. – Mas isso você vai ter que perguntar pra ele. Agora vamos esquecer essa pirigreiça por cinco minutos antes de a gente ter que encará-la de novo.
- Ouviu esse barulho? – notou um ruído úmido vindo de fora. - Aposto que foi ela que pulou na piscina e deve tá lá se exibindo pro Dan se achando a sereia-princesa maravilhosa. Deixa ela que eu vou lá já acabar com essa gracinha.
- Falando em piscina... – anunciou a mudança de assunto.
- Espera. Amarra aqui pra mim? – a interrompeu para pedir que amarrasse a parte de cima de sua roupa de banho e foi até ela, que virou-se de costas.
– Então, eu tô passada com essa casa. Não, assim, de verdade...
- Fala de mim! Fala, pobre de país subdesenvolvido! – provocou e não lhe deu ouvidos. – Mas agora, sério, quem tem uma piscina morando em Londres? Eu acho que ela é a única pessoa da cidade, redondezas, que seja, com uma piscina em casa. E descoberta, ainda por cima!
- Vai saber se não tem uma coberta escondida por aí, né...
- Tem escorregadores saindo da casa pra piscina – obrigada. – Agradeceu quando a amiga completou seu favor - Isso chega a ser ridículo. O fato de ser Londres só torna pior. Nunca imaginei que pudesse haver uma casa desse tipo em Londres. Isso é que esbanjar dinheiro. Nós estamos em uma casa da piscina. Casa da piscina, cara. O que é isso aqui, The O.C? A casa dos Cohen?
inclinou a cabeça e gargalhou.
- Eu nunca conheci ninguém tão rico na minha vida – disse.
- E eu então? A gente nunca foi das mais pobres, pelo menos não no Brasil, mas isso daqui já é demais! – completou o raciocínio da amiga.
- Falando em casa e em Brasil, eu tenho uma coisa pra te contar e tô enrolando desde mais cedo. – mais uma vez mudou de assunto enquanto prendia o cabelo.
- O quê? – a encarou pelo espelho, trocando a calcinha pela parte de baixo do biquíni.
- Lembra que eu tinha te contado que meu vô queria voltar a morar no Brasil? – assentiu. - Então, você sabe, agora que a vovó morreu, ele tá se sentindo muito sozinho aqui, coitadinho. E disse que vai mesmo voltar pra lá, ficar com meu pai e tal. É o único filho dele. E tem a Baba e a mamãe lá, também.
Baba era o apelido para Barbara, a irmã mais nova de .
- Ah, vai ser melhor pra ele, né? – disse, pedindo espaço ao lado da amiga com o próprio corpo.
- Mas essa não é a parte mais legal. O mais lindo de tudo isso é... Adivinha?
- Hm... – disse fingindo que pensava em alguma coisa quando na verdade não pensava em nada. - Não faço idéia.
- Ele disse que, como vai deixar a casa dele em Notting Hill como herança pra mim mesmo, eu posso me mudar pra lá assim que ele for! E já tá tudo certo, já estava quando ele me pediu pra ir lá ontem!
- Jura? – virou-se para ela, entusiasmada.
- Sim! Ele já se muda no final da semana que vem, só queria saber se eu estava interessada em ir pra lá mesmo! Eu falei com meus pais ontem também e já tá tudo acertado!
- Não acredito! Isso é fabuloso! Notting Hill, naquela casa lilazinha e linda... Que sonho!
- Siiim! – concordou, contagiada pelo entusiasmo daquela que estava ao seu lado.
- Mas, , como eu vou sobreviver sem você morando na porta da frente? – disse, mudando para um tom dramático. - Quem vai invadir meu apartamento e me matar de susto? Quem vai me acordar quando eu não conseguir? – Seu rosto ficava cada vez mais franzido e sua boca envergava em um biquinho triste conforme falava. - Isso não é tão feliz assim. Eu vou entrar em depressão! Eu não sei mais viver por aqui sem você por perto o tempo todo!
- Eu sei que você vive pra me idolatrar e que é extremamente dependente da minha presença e tal... – debochou. – Mas isso vai ser necessário.
- , eu não acredito... – Os olhos de brilhavam, desolados. Ela se sentou sobre a tampa do vaso e baixou o olhar para o azulejo claro do chão. – Eu vou chorar!
- Claro que não vai! – a olhou de lado enquanto passava protetor solar no rosto e soltou um muxoxo. – Mas é uma tonta, viu! Você acha mesmo que eu ia me mudar e deixar você lá? – voltou a olhá-la, a expressão em seu rosto ficando mais leve. – Vovô disse que você pode ir junto comigo! Ele te adora, você sabe.
- AH MEU DEUUUUUS, ISSO É SÉRIO? – assentiu, sorrindo e deu um pulo, indo parar novamente em frente ao espelho.
- E aí, você quer? - propôs.
– Depois eu que sou a cretina! O que é que você acha? A GENTE VAI MORAR EM NOTTING HILL? JUNTAS?
- Aham!
- Jesus, QUE FINOOO! – a abraçou de lado e beijou sua bochecha com força. - Fiquei muito feliz agora! Só você pra melhorar meu dia com uma notícia dessas! Obrigada, obrigada, obrigada por se lembrar de mim!
- É, já chega, agora para de me abraçar – a afastou. era muito enfática, ela não tinha a mesma carga de ânimo para aguentar isso. - Mas as coisas vão ficar um pouquinho mais caras pra gente agora, né? Meu pai disse que me ajuda um pouco mais até eu achar um emprego melhor, mas que depois é pra eu me virar.
- Com esse meu estágio novo, acho que vai dar pra bancar. , isso é fantástico! Não vejo a hora!
- Nem eu! Vai ser o máximo!
- E a gente vai poder dar festinhas maiores, hehehe!
a olhou meio torto.
- Olha, isso daí eu já não sei, né...
tinha um ânimo para festas tão home life que os velhos inválidos do mundo ficavam para trás ao concorrer com ela. não sabia como diabos ela aguentava trabalhar na Hellish sendo como era.
- Chata! – resmungou e vestiu sua saída de praia.
- Vamos lá pra fora, vai. Torrar neste sol escandaloso – disse meio irônica quando também já estava pronta, fazendo a amiga rir. – Sério, agora: você viu como a piriguete até tinha razão e como tá quente? Esse povo daqui parece que achou uma mina de ouro quando faz sol assim.
- Venho pra cá procurando frio e ainda tenho que aguentar uma dessas – reclamou, ranzinza. – Não tá fácil mesmo, viu...
- Para de ser ridícula. – disse abrindo a porta. - Tá preparada?
- Pra ter meu humor novamente arrasado pela biscate? Sim. Vamos lá que eu não vejo a hora de esculhambar a festa dela com meu corpo lindo, fabuloso e escultural. – disse jogando os cabelos para trás e fazendo cara de diva.
- Olha que assim eu também vou, hein! - brincou, dando um tapa na bunda da amiga que ardeu até em sua mão, assim como o grito que veio depois ardeu em seus ouvidos.
Entregar-se àquele dia quente lhes renderia muito que falar ainda. Por dias.
- Eu não sei por que a gente discute tanto – Dougie disse no ouvido da namorada enquanto escorregava a mão por dentro do vestido fino que ela usava. – Nós somos pessoas tão melhores quando estamos assim! – concluiu, declarando toda sua satisfação pelo fato de estar sentado debaixo dela, ¬¬com um belo par de pernas esquentando seus quadris.
- Você – ela cutucou o ombro dele, que beijava seu pescoço – quis discutir comigo. Eu não tenho culpa se o Sean...
- Shhhh! – Dougie fez. – Não vamos começar a falar desse otário de novo, pelo amor de Deus. – Calou-a com um beijo. Deitou-se, trazendo-a junto, ainda por cima, sentindo a pele quente de suas coxas na palma das mãos enquanto as dela se misturavam aos seus cabelos.
- A gente subiu pra conversar e olha só onde a gente foi parar... – ela disse assim que Dougie tirou seu vestido.
- Olha só pros seus peitos – ele disse ao olhar maravilhado o torso dela coberto pelo simples bustiê branco.- “Deus, obrigada por criar os peitos.", pensou.
- O que tem eles? – ela baixou os olhos para os próprios seios, preocupada. Será que havia nascido uma estria e ela não tinha visto? Será que ele os achava tortos? Por que ele nunca tinha dito nada? Por que...
- Eles são perfeitos – Dougie disse emoldurando-os pelas laterais, os olhos petrificados. Louise expirou o ar, aliviada. – E só tem esse pedaço de pano me separando deles... Você não sabe – ele disse e invadiu o interior da peça do biquíni com uma calma que contradizia seu olhar e seu discurso. – Como eu senti falta deles.
Como se fizesse um século que eles não transavam, Louise pensava enquanto revirava os olhos e voltava a beijá-lo.
- Ah, porra, agora não... – Dougie disse assim que sentiu o celular vibrar no bolso da bermuda que usava.
Com muito esforço ele retirou as mãos do seu paraíso. Louise rolou para o lado e o observou atender a ligação, não mais feliz do que ele.
Era Tom avisando que eles tinham de ir embora dali a no máximo meia hora.
- Não acredito! – Louise disse ao escutar o que Tom dizia sem querer. - Peça pras meninas ficarem! – falou por cima de Dougie.
- Foderam com nosso rolê – Dougie desligou o telefone.
- Ah, pro inferno, esses caras! Eles não tem o direito de fazer isso! – Louise cruzou os braços, irritada.
- Não fica assim, eu volto depois... – ele se inclinou sobre ela e a beijou rapidamente. - Seus pais não voltam hoje, né?
- Não só na segunda – ela respondeu. – Mas não interessa, eu tinha planos! Eu odeio com todas as minhas forças esses pessoal com quem você trabalha! Não é a primeira vez que eles fazem isso!
- E não será a última.
- Eu não quero que você vá! – ela disse toda birrenta.
- Nem eu, Lou. Sérião. Mas eu tenho que ir e... – ele tentava convencê-la.
- Eu não quero! Que saco! – Lou sentou-se na cama de supetão, exaltada. – Isso tá estragando tudo!
Dougie detestava e queria de verdade largá-la sozinha quando ela fazia esse tipo de birra. Aí, sim, tinha motivos. Chegava a se sentir ofendido por ela fazer esse tipo de coisa.
- É claro que está, mas o mundo não gira ao seu redor, Louise! Eu já disse que volto depois! – falou um pouco mais alto. – Às vezes não dá nem vontade, viu...
- Por que você tá falando isso?
- Olha o jeito que você se comporta! Você acha que é legal pra quem tá do seu lado? Você é única que não percebe que isso é chato pra cacete!
Dougie se afastou dela e levantou-se da cama.
- Aonde você vai? – ela olhou para ele, afobada. Ele não se preocupou em devolver o olhar.
- Ao banheiro. E depois vou embora e fim.
Ela ficou sozinha, o rosto vermelho e emburrado, na cama de repente fria. Morria de raiva quando Dougie resolvia implicar com seu jeito e estava certa em se revoltar daquela maneira. Será que ele não havia entendido que ela só queria ficar o dia inteiro junto dele?
Quando ele voltou, foi até ela se despedir com a mesma cara fechada.
- Tchau, te ligo depois. – disse e lhe deu um selinho cheio de má vontade.
Louise segurou o braço dele antes que saísse de perto.
- Espera, eu tenho uma coisa pra te dizer. – O olhar dele hesitou, mas pediu que ela prosseguisse com qualquer que fosse a informação. – É a minha mãe. Ela quer que você jante aqui um dia, pra que ela e papai te conheçam melhor.
Dougie congelou. Sua pressão quase caiu. Aquilo não podia ser verdade. Os pais dela nunca quiseram sequer aceitar o namoro dos dois durante aqueles sete meses e alguma coisa. Sem contar que, segundo ela, eles não haviam superado o fim de namoro entre ela e o Engomadinho com o qual não se cansavam de lhe empurrar o saco durante as festas e jantares dados por eles, mas dessa última parte ele não sabia muito. Não fazia questão, já discutiam demais até sem o motivo ser ele e quando era, como na última discussão, era mais desgastante ainda.
- Isso é sério? – Lou assentiu. – Tá brincando! – Ele se sentou na cama, incrédulo. – Quero dizer, isso é possível? Como isso aconteceu?
Louise suspirou.
- Senta que lá vem história.
- Aonde você pensa que está indo? – Tom parou à porta casa da piscina depois de deixar passar.
- Hm, tomar sol? – ela respondeu inocentemente. – Faz bem pros ossos e faz tanto tempo que não tomo um solzinho que daqui a pouco não vou poder nem me levantar sem quebrar uma perna.
- Quer saber o que eu acho? – Ele passou o indicador pelo rosto dela, rondando-a vagarosamente. - Eu acho que o sol pode esperar.
Tom a pegou pela cintura e beijou seu pescoço.
- Na verdade, aqui na Inglaterra é a gente quem espera pelo sol – ela disse por dizer, sorrindo ao sentir os lábios dele tocarem sua pele.
- Na verdade, tem coisas mais quentes e mais divertidas que a gente pode fazer em vez de ficar debaixo do sol.
Ele passou a andar contra ela, fazendo-a tropeçar nos próprios pés. prendeu firmemente os braços ao redor do pescoço dele, que segurou firmemente sua cintura, antes que fosse parar no chão. Eles riram.
- Eu pensei que você tivesse que ir embora? – ela perguntou.
A pequena confusão em sua cabeça enrugava sua testa ligeiramente, mas seus olhos não negavam que ela estava adorando ser trancada por ele e junto com ele dentro do banheiro.
- Você achou mesmo que eu ia escapar sem antes tirar vantagem de você nesse biquininho? – ele a prensou contra o mármore da pia e fincou o olhar determinado no dela, intimidando-a.
- Desde quando você anda abusadinho assim? Mas o que é isto?
- Isto é sobre você e eu. – Ele umedeceu os lábios da garota rapidamente com os seus. - Pra ser mais específico, é sobre como eu te quero.
Seus dedos contornaram a borda do biquíni nos seios dela com a delicadeza de quem tocava uma escultura frágil e preciosa. Os olhos desceram por um momento para acompanhar.
– Você é linda e eu tô me segurando pra não te desrespeitar.
o mal conseguia piscar. Engoliu em seco, sentindo a tensão sexual serpentear por seus nervos.
- E se eu quiser que você me desrespeite? – As palavras dela pousaram bem próximo ao ouvido de Tom.
- Bem... – Ele contornou a boca dela com o olhar. - Então eu tenho que te deixar saber o quanto você é gostosa e o quanto eu tô louco pra abusar de você. - finalizou com os lábios roçando os dela antes de tomá-los em um beijo para o qual ela imediatamente se entregou.
Os olhos de se fecharam e ela se concentrou em seguir a viagem para a qual as mãos deslizando por seu corpo a levavam à força. Ansiosas, elas se fizeram de cegas ao top do biquíni e esbaldaram-se no que havia por baixo como se lhes pertencesse.
Não que fossem terras desconhecidas. Ele já sabia que ela tinha um par de peitos que fazia qualquer homem repentinamente desconhecer a existência do oxigênio. E ele adorava desafiar a si mesmo e saber quanto tempo aguentava ficar sem respirar às vezes, o que resultava numa relação saudável.
A diversão dos seus dedos já havia se desviado para a saliência às costas dela. O atrito abaixo dos quadris começou a se a gravar e ele a suspendeu pelas pernas, colocando-a sentada à borda do mármore da pia e ficando entre elas. O topo do biquíni já havia sido abandonado, então não havia mal algum no fato de ele estar usando a boca para substituí-lo.
não estava muito preocupada em se esforçar, curtir estava sendo bom o suficiente no momento. Ainda assim, ela achava que era mais adequado para a ocasião que Tom não estivesse vestindo camiseta, fazendo questão de tirá-la às pressas com o auxílio dele.
Ele já ignorava a única peça que ainda vestia quando a escutou dizer manhosamente em seu ouvido:
- Não foi assim que... – Ela gemeu ao justamente tentar conter o som. – Que minha mãe me ensinou a me comportar na casa dos outros.
- E eu aposto que a minha não marcou “sexo no banheiro" nos planos pro meu futuro – ele revidou e gargalhou espontaneamente.
- Idiota!
- Vem cá – ele disse e a puxou mais para perto pelo quadril.
Um dos laços que prendiam a calcinha do biquíni foi desamarrado por ele, que fez o mesmo com o do outro lado logo em seguida, sem quebrar o contato visual.
As maçãs de seu rosto e a pele de seu pescoço já estavam vermelho-berrante e ela não havia precisado de um único raio de sol para isso. Olhando-se no espelho, ele não se via muito diferente.
- O idiota vai te dar o que você merece – ele concluiu assim que se resolveu com a calcinha e pousou sua cabeça entre as pernas nuas dela. Um artista sempre tem de se preocupar em deixar tudo perfeito para que ocorra uma melhor execução de seu número, afinal.
Uma das coisas que mais amava na infância era a inocência. A inocência infantil permitia que tudo que se quisesse fosse real. Não importavam as circunstâncias: sua imaginação nunca a decepcionava. Qualquer situação que ela desejasse ou não viver dependia exclusivamente dela e de sua cabeça. Era tudo montável e desmontável o tempo todo.
Essa era a porcaria em não ter mais 10 anos ou qualquer idade abaixo. Era cansativo e desgastante para os neurônios ter de encarar de frente todas as situações que a vida lhe impunha, fossem elas favoráveis ou adversas. Não havia ninguém para encarar por ela e as coisas já não se montavam ou desmontavam tão facilmente assim.
Se ela tivesse 7 anos de idade, por exemplo, bastariam uns óculos escuros e uma música qualquer que ela cantasse para si mesma em sua mente para se livrar do incômodo que a garota na espreguiçadeira ao lado da sua causava.
Porém seus óculos, por mais escuros que fossem, não estavam ajudando em nada quando se tratava de torná-la invisível a tudo ao seu redor. E as músicas de Version, do Mark Ronson, que saíam dos alto-falantes conectados ao iPod de Lou não estavam silenciando em absolutamente nada a voz insuportável do cabelo loiro ao seu lado.
Entretanto, o caso de Danny, que estava sentado à ponta da espreguiçadeira na qual estava deitada, era diferente. Se lhe fizessem qualquer pergunta sobre a tensão que estava rolando entre ela e Jazzie, ele não seria capaz de responder. Não naquele instante. Afinal, sua boca já estava atarefada o suficiente ora bebendo a Stella mais gelada e deliciosa do mundo, ora beijando a garota mais quente e duas vezes mais deliciosa ao seu lado.
Às vezes ele reagia a alguma coisa ou outra que Jazzie dizia. Isso não queria dizer necessariamente que ele estava prestando atenção, porque ele não estava sinceramente. Diferentemente de , que não conseguia desligar a audição do que ela dizia.
O que era involuntário, porque ela daria uma de Van Gogh cortaria os próprios ouvidos se lhe fossem dadas a chance e a coragem. Ela mal conseguia se concentrar em beijar Danny porque a ridícula era tão lamentável que fingia não perceber e não calava a boca nem nessa parte!
- ... Dougie e Louise discutem toda hora, não é, Danny? – ela dizia. Danny concordou com um murmúrio assim que se desgrudou de . – É terrível, mas acho que é o jeito de eles se darem bem. Ontem eu e Dougie estávamos indo comprar uns cupcakes porque eu pedi a ele, mas daí a Louise ligou quando estávamos de saída e eles começaram a discutir sobre qualquer coisa, então a gente não saiu mais. Foi quando eu desci até você e pedi pra que me levasse, não foi, Danny? – ela fez uma pausa para sorrir afetadamente, mostrando toda a arcada dentária e mais um pouco. – Você é realmente um amor, Danny, eu estava louca para comer cupcakes.
“Pois devia ter aproveitado pra fazer um favor ao mundo e se engasgado", pensou.
- Tudo bem, não foi nada – Danny respondeu, constrangido.
Ele já sabia a maneira que estava os observando por trás das lentes pretas. Sorte a dele não ter que encará-la diretamente por estar usando um par dessas também.
- Foi realmente ótimo ficar um pouco sozinha com você, a gente relembrou tanta coisa legal! – ela continuava como se nem estivesse ali.
Provavelmente os óculos escuros estavam tendo efeito infantil desejado nela. Claro, até que a coisa se agravou e Jazzie passou a se dirigir diretamente a outra garota.
– Danny eu temos umas histórias legais juntos, .
Quem ela achava que era para chamá-la pelo apelido?
Danny já estava pronto para segurar a qualquer momento se ela resolvesse descruzar os braços e voar para cima de Jazzie porque não tinha como lhe tirar a razão.
- Você se lembra daquele dia que a gente viu o sol nascer, bêbados, no navio? Parece que foi ontem, eu estava tão louca e...
- Com licença – interrompeu-a rispidamente, deixando de lado a bebida que um dos empregados havia lhe servido momentos antes e levantando-se. – Eu vou até o banheiro vomitar, o cheiro de vadia de quinta por aqui está insuportável.
Sem olhar para trás, ela rumou até a casa da piscina.
Já havia chegado ao limite com Jazzie fazia tempo; e Danny que fizesse o que ele bem entendesse. Ela só não poderia ficar por ali durante mais outros cinco minutos. Dez já haviam sido o bastante. Sem contar o momento em que saíra da casa da piscina sem , porque esta havia sido raptada no meio do caminho, e Danny havia ido buscar os óculos escuros que esquecera no carro de Tom, obrigando-a ficar sozinha na presença daquela obcecada.
Elas teriam saído na mão se Danny tivesse voltado um segundo depois.
- Você pensa que ele realmente gosta de você, não é? – Jazzie disse, encarando-a fundo nos olhos em uma distância bem menor do que seria saudável entre as duas.
- Eu não preciso pensar sobre o que eu já sei. – revidou simplesmente, encarando-a de volta com duas vezes mais fúria e um sorriso falso.
Se ela queria ser durona, então fazia questão de ser a porra de uma rocha.
- É, sua cara não nega o quanto você é estúpida. – Ela parecia uma cheerleader galinha de filme americano enquanto falava. Tudo que queria era ter o prazer de jogá-la em um triturador gigante e assistir suas entranhas saírem voando direto para o bico dos abutres do outro lado quando já estivesse moída. - Você realmente acha que há alguma possibilidade de Danny estar apaixonado ou se apaixonar por uma garota como você?
- Como posso eu ser a estúpida se sou eu quem ele come enquanto você fica aí, fantasiando com ele, e ainda chega pra cima de mim com esse joguinho de piranha sem vergonha? Vai te catar, garota! Agora sai da minha frente antes que eu enfie minhas unhas nos seus olhos e você não possa nunca mais sequer olhar pro Danny.
- Você é tão engraçada! – Jazzie debochava, risonha. Os insultos estavam funcionando, mas já notara há tempos que ela era insistente. Ela queria levar umas bofetadas. Estava implorando. Tudo que ela dizia soava como “METE A MÃO NA MINHA CARA LOGO!" para . – Você é ridícula. Danny é um cara livre, espera só mais uns dias e ele vai te largar. Ele faz isso com todas!
- Só porque você não tem capacidade pra ficar com ele, isso não significa que eu não tenha capacidade pra segurá-lo. Se. li.ga!
- Se liga você! Você acha que sabe de tudo, não é? – não entendeu esta parte, mas pôde deduzir. – E o que você tem de tão precioso assim pra oferecer pra ele? Olha só pra você, tão sem graça e nada a ver!
Aquela havia sido suficiente para pressionar o botão de fúria selvagem dentro de , que tinha a impressão de estar inalando chumbo em vez de ar. Ninguém a chamava de sem graça e nada a ver. Ela era tudo, menos sem graça e nada a ver, pelo menos em comparação com quem lhe dizia.
- Uma vagina mais limpa e saudável do que a sua com certeza eu tenho, sua vadia! – respondeu sem pensar duas vezes.
A cara de Jazzie era a de quem esperava por qualquer resposta, menos uma daquele calibre. O bote de estava armado e ela estava a ponto de começar a desfigurá-la quando a voz de Danny chegando até elas interrompeu o ato.
Quando ele a segurou pela cintura, ela quase desmaiou de nervoso. Mas era melhor assim. Não queria se prejudicar esteticamente batendo em uma pessoa tão mau caráter quanto aquela que a insultava.
- Puta merda! – Danny xingou ao assistir deixá-los.
Nem estava tendo graça olhar para a bunda dela de tão angustiado que estava.
Ele se sentia tão surpreso e perdido que por um brevíssimo segundo perdeu contato com o mundo que habitava. Isto até Jazzie trazê-lo de volta.
- Danny! Oh, meu Deus, você viu o que ela disse?
Mulheres. Elas eram demônios. Todas umas loucas que iriam matá-lo desavisadamente a qualquer momento.
- Jazzie, só um minuto, eu estou tentando entender essa merda toda aqui, olha... – ele disse, frustrado.
- Mas... – ela iniciou mais uma tentativa em se fazer de vítima.
- Escuta aqui, isso não é legal – Danny a cortou. - Será que você não é capaz de calar a boca por um segundo? – ele se levantou e arrastando os chinelos foi atrás de .
Ele a encontrou sentada em uma pufe na casa da piscina, os óculos escuros no topo da cabeça e o rosto escondido pelas mãos. A expressão que elas cobriam não devia ser das melhores.
- Me desculpa por isso – ele se apressou em dizer, chegando perto dela. – De verdade, desculpa.
permaneceu na mesma posição, em silêncio.
- Eu te trouxe aqui pra gente se divertir e...
- Mas você não me disse que ia ter uma piranha juvenil pra foder com a minha paciência! – ela levantou o rosto para encará-lo. Estava mais enfezado do que ele imaginava.
- Desculpa, , desculpa! – Danny agachou-se à frente dela desesperado, tocando-lhe os joelhos. – Jazzie passa um pouco dos limites às vezes...
- Às vezes? RÁ! Tem certeza de que ela não é uma vadia psicótica sempre? – gesticulava freneticamente. – Você não escutou as merdas que eu tive que escutar quando você não estava por perto! E ela tá se jogando pra cima de você desde que a gente chegou aqui!
- Eu sei, eu sei! Mas eu não correspondi, . E eu não vou fazer isso.
Ela virou a cabeça para o lado, direcionando a visão para qualquer ângulo que não o incluísse.
- Claro que não vai, porra. Só se você quisesse me ver cuspir na sua cara.
O que ela nunca faria por não saber nem cuspir em longas distâncias.
Danny suspirou, sem saber o que dizer. Ele sabia que Jazzie tinha uma grande queda por ela e tudo mais, mas ela exagerava nas atitudes. Não imaginava que a presença de fosse desencadear toda aquela confusão.
- Vem aqui... – ele colocou a Stella em sua mão de lado e pegou-a pela nuca. Tentou beijá-la, mas ela se desvencilhou, levantando-se da poltrona e andando para qualquer canto.
- Agora não, Danny! Eu tô tentando me acalmar aqui!
Estava de costas para ele mais uma vez.
Eles ficaram em silêncio e Danny pensou ter escutado alguém gemer. Perguntou-se se não era fungando por ter começado a chorar, mas ela não parecia estar chorando. Devia ser só sua audição pregando-lhe alguma peça.
- ... Eu realmente sinto muito. O que eu posso fazer pra te deixar alegre de novo? – perguntou, preferindo ainda permanecer distante. Ele parecia bastante preocupado, no entanto, o que já valia bastante para ela.
- Afogar Jazzie na piscina seria uma ótima solução! – ela respondeu automaticamente.
Ele bem que tentou, mas não conseguiu segurar uma gargalhada.
- Não foi uma piada. – ela se virou pra ele, que ainda ria sozinho.
- Você é incrível!
- O tempo tá passando e Jazzie ainda está viva lá fora.
- Eu não posso matá-la, . Peça outra coisa.
- Então eu mesma vou ter que sujar minhas mãos, pelo jeito – ela revidou, cheia desdém. – Pára de rir e me diz: você tem um caso com ela?
- O quê? Ela mora em Essex! – Danny respondeu, indignado.
- Eu perguntei se você tem um caso com ela, não onde ela mora! Você tem ou não?
- Claro que não, ! De onde você tirou essa idéia?
- Eu estou te perguntando justamente pra não ter de tirar idéia nenhuma! – ela se justificou. Parecia cada vez mais nervosa e isso assustava Danny um pouco.
- Tudo isso é ciúme?
- Eu não estou com ciúmes, Danny.
Era claro que ela estava, mas não se sentia correta com relação a isso. Era mais o instinto natural de proteger o que lhe pertencia.
Mas Danny não era seu namorado e muito menos lhe pertencia. Eles estavam se vendo há pouco menos de um mês! E se ele fosse mesmo fazer com ela o que Jazzie dissera? Realmente gostava dele e ficaria chateadíssima se ele terminasse do nada. E se ela estivesse sendo burra em se deixar levar por ele?
Ah, que se danasse. O que ela podia fazer se gostava dele, mas, acima de tudo, se Jazzie era uma puta e queria fazê-la perder a linha plantando idéias desgraçadas em sua mente?
– Eu não estou perguntando porque quero cobrar alguma coisa de você. Eu não tenho o direito de te cobrar nada além de consideração no momento, o que você está me dando – O tom dela era extremamente sério e o intimidava. Ele achava admirável a eloquência e a maturidade que ela punha nas palavras. - Só estou tentando entender por que diabos essa menina não para de me provocar e não consegue fazer isso sem citar o seu nome uma única vez!
- Eu não tenho nada com ela – ele respondeu de uma vez só.
- Você ficou com ela, ontem, quando foram comprar cupcakes?
- Não.
- Você já teve alguma coisa com ela?
Que porcaria era aquela, o interrogatório a um réu que por acaso era ele mesmo? Danny hesitou por um segundo antes de responder:
- OK. Tudo bem. Já.
riu pelo nariz, meneando a cabeça negativamente. Não era nenhuma surpresa. Só fazia com que ela detestasse Jazzie ainda mais mesmo.
- Mas isso foi há mais de um ano atrás, ! – ele se prontificou em explicar. Ela podia notar o furor em sua voz. – Desde que começamos a banda e ela me conheceu que tem uma queda por mim. Eu e Dougie fizemos um cruzeiro juntos com as nossas famílias uma vez e eu, bêbado, acabei ficando com ela algumas vezes... Mas foram só uns beijos, nada além disso e...
- Eu não quero saber de mais, Danny. Já pode parar por aí. Obrigada pela sinceridade.
- Ah, , pera aí... Não fica brava comigo... – ele disse, se reaproximando dela, tentando atenuar a chateação tremelicante no olhar que ela lhe dirigia.
- Eu não estou brava com você, Dan. Você disse que é passado, tudo bem, eu acredito. Não posso mudar o passado. Só que isso não faz dela menos ridícula por não saber distinguir e muito menos superar as coisas!
- Esqueça a Jazzie – ele pediu e segurou-a firmemente pela mandíbula. – Ela está se sentindo afetada porque eu estou com você. E é exatamente com você que eu quero estar agora – concluiu e beijou-a antes que ela sequer pudesse pensar em algo para dizer em troca.
Ele a envolveu pela cintura e sentiu mãos subirem por seus braços.
De repente, Jazzie virou uma besteira enorme e em um segundo já não passava de uma pivete inútil e imatura na cabeça de . Por que perderia seu tempo se preocupando com as porcarias que ela havia dito sobre o futuro quando tinha o presente para escutar da boca dele exatamente o que queria e tranquilizava seus sentimentos? Não tinha por que se preocupar com o fim quando podia curtir o máximo possível para manter.
Se todos os impasses do mundo pudessem ser resolvidos com um beijo daqueles, então viveríamos em um lugar infinitamente melhor. E essa era a única coisa na qual ela pensava então.
Danny ouviu alguém gemer novamente, dessa vez mais alto. Não havia possibilidade de ter sido e definitivamente não era uma invenção erótica de seu cérebro.
– Que porra foi essa? Você escutou?
explodiu em gargalhadas, apoiando a cabeça em seu ombro.
- Isso são a minha amiga e seu amigo Tom. Eu não sabia onde eles tinham ido quando você me perguntou agora há pouco, mas eu entrei aqui e descobri que eles estão se amassando no banheiro!
- HAHAHA, MAS O QUÊ?! – Danny disse, abrindo um sorriso ao mesmo tempo surpreso e divertido. – Aqueles safados!
- Eu sei! – disse, entendendo-o somente com um olhar. – Quem vê, pensa que são dois santos!
- Roubaram nosso lugar! – Danny fingiu indignação e sentiu-a beijar sua bochecha. - Por que eu não pensei nisso antes?
- Não sei se você notou, mas a casa é enorme... Quanto tempo será que a gente tem antes de o Dougie voltar?
Ele riu e a beijou-a suavemente.
- Não sei. Mas a gente pode descobrir. Vem!
Então sua mão pegou a dela e no instante seguinte eles estavam indo a algum lugar da mansão dos Cunningham, o qual eles mesmos não viam a hora de descobrir qual era.
Continua...
Avisos Fixos: Não sou perfeita (embora quisesse), portanto minha fic também não vai ser (muito menos os personagens dela), mas estou fazendo o possível para que ela seja boa. Então, me desculpem se vocês às vezes quiserem alguma coisa de mim em relação à essa fic e eu não puder dar. Pra esclerecer um pouco mais, preciso dizer:
- Nothing But Love não terá nada de colégio, populares gostosas x geeks e coisas do gênero;
- Os McGuys, falando de personalidade aqui, talvez se pareçam bastante com os reais em alguns momentos. Quer dizer, da forma que eu, ou nós, achamos que eles são. Não posso fazer uma cópia fiel de cada guy porque não convivo com nenhum deles (embora eu quisesse, haha! E quem não quer?) e não opero milagres, I'm so sorry. Muitas vezes eles vão adotar atitudes que talvez você nunca tenha imaginado que eles poderiam adotar, mas bem, estou escrevendo uma fic e acho que a graça da coisa tá nessa liberdade do desenvolvimento de personagens, não? Sim, vão ser cheios de defeitos, todos. Afinal, por mais que seja uma fic, como eu disse, estou tratando de humanos.
- Pode acontecer de algumas situações parecerem "estranhas" demais pra que você consiga imaginá-las realmente acontecendo (nada exagerado, eu acho), como em qualquer livro, filme, ou novela. Façam um esforço, gente. Se eu fizer de tudo aqui 100% real, que porcaria eu estou fazendo ao escrever uma fic, então? Quero tirar vocês um pouco da realidade, mas não vai adiantar nada se vocês forem racionais demais. Se vocês quiserem realidade pura, procurem ler, hm... Jornais? Biografias? Usem suas adoráveis imaginações, ok?
-Às vezes pode acontecer de eu focar mais em um casal do que em outro, como já avisei no começo da fic, ou de eu não focar muito na vida estudantil e trabalhista (haha) dos personagens, ou de os capítulos ficarem grandes demais, porque quando resolvo escrever, escrevo pra valer e gosto de descrever as situações o máximo que eu puder, mas espero, ainda assim, de coração, que vocês não desistam de ler a fic porque tem história sobrando pra todo mundo, eu juro!
-Muitas músicas que aparecem durante a fic são, vamos assim dizer, atemporais.
- Minha intenção com Nothing But Love não é escrever uma coisa extremamente romântica com caras que as amem incondicionalmente e as tratem bem o tempo todo, tolerando todos os seus defeitos sem explodir pelo menos uma vez antes de aprender a lidar com eles. O mesmo vale para sua personagem em relação à eles. Claro, vai ter romance, cena "mimimi", muito diálogo, cena e capítulo amável -afinal, olhem só o título disto-, mas não pretendo exagerar na dose. Eu quero que tenha um equilíbrio na fic como um todo, espero conseguir. Se você quiser ler/ver algo do tipo romântico utópico, procure por Twilight, Um Amor pra Recordar e etc. Eu sou até que romântica, gente, juro, mas muito grude me irrita às vezes. Portanto, se acontecer dessa fic ficar 'um grudinho' por completo, é porque eu estou muito desandada. Bom, pode acontecer, né? Let me know caso isso aconteça.
Nota da Autora (04/01/12): Oi, babies! Quanto tempo! Atualização nova pra vocês, e dupla! As coisas vão acontecendo nas nossas vidas e fica cada vez mais difícil escrever e se manter ligada ao mundo das fanfics, mas aproveitei esse tempinho das férias pra dar uma andadinha com NBL. Às vezes acho que nunca vou terminar de escrevê-la porque, como eu não atualizo muito, não tenho muitas leitoras. E eu perco a vontade de escrever também. Não porque quase não tem leitoras, porque a gente fica com a cabeça em coisas novas mesmo. E tem tanta coisa pra acontecer na história que me dá até preguiça
Enfim, espero que vocês curtam os capítulos e consigam entender tudo que está acontecendo entre todo mundo, haha. Eu sei que sou meio confusa, mas eu tento escrever direitinho. Enfim, qualquer dúvida, me consultem nos comentários ou até mesmo no twitter. Obrigada às amigas que sempre me apoiam e as leitoras que nunca esquecem dessa fic boba.
Muito amor e até a próxima atualização! Thank you very much. Stay (cool and) tuned! Annie Archer.
Ps.:Não sei se vocês notaram um milagre: essa é a n/a mais curta que eu já escrevi na minha vida!
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