Capítulo Único
“Você reparou, o tempo parou pra nós
A melhor canção é o som da sua voz
No horizonte o céu faz um show de cores pra nós dois
E deixa eu te falar que o melhor eu guardei pra depois”
Outubro de 2017
Enquanto penteia os longos cabelos castanhos, a mira pelo reflexo do espelho. A luz da manhã naquele fim de verão parece deixa-la ainda mais bela.
Após 25 anos de casamento, ele ainda vê todo o brilho do primeiro encontro refletir em seus olhos. Suas pequenas rugas que começam a se concentrar nos cantos dos olhos parecem deixa-la com o ar maduro que ele sempre sonhou no dia em que se casaram.
Envelhecer juntos.
Ele sonhou todos os dias com isso, e agora, de repente, aquilo estava se tornando realidade. Mais de duas décadas juntos. Dois filhos brilhantes. Um neto encantador. Suas bodas de prata chegando em dois dias. Tudo parece perfeito.
― O que você tem, hein? ― pergunta , quebrando o silêncio. Retira a escova dos cabelos e olha o marido nos olhos através do espelho.
― Nada, estava apenas pensando no nosso casamento ― ele responde, pegando sua escova de dentes.
o observa com o semblante duvidoso, as sobrancelhas unidas.
― Isso tudo não é por causa da festa, é? ― indaga ― Eu sei que tem sido estressante planejar tudo, mas estamos quase lá, faltam apenas dois dias. As pessoas logo vão começar a chegar e está tudo sob controle ― ela sorri ― Por mais que eu tenha brigado com você nos últimos dois meses por causa das cores dos guardanapos ou as flores, fico agradecida que você mantenha certa paciência...
― Eu entendo o seu estresse, querida. Mas não quero ter que decidir entre guardanapos creme ou brancos, ou flores vermelhas e amarelas ― ele dá de ombros antes de terminar de enxaguar sua boca ― Eu só quero que nós tenhamos uma boa festa... Afinal, são vinte e cinco anos.
― Vinte e cinco anos de muita discussão por conta de guardanapos ― ela ri.
― Você sempre tem que citar os problemas.
― Você sempre tem essa ideia de que nosso relacionamento é perfeito e não tem conflitos...
― Quer se divorciar? ― ele brinca.
― Não, de forma alguma ― ela ri e o abraça de lado. Ambos observam seu reflexo juntos ― Vamos envelhecer juntos. Esqueceu?
No instante em que ela o relembra os votos de casamento de vinte e cinco anos atrás, seu coração se acalma. Está tudo bem. Ela se lembra da promessa.
― Vamos envelhecer juntos ― ele repete, e se retira para o quarto após depositar um beijo na testa da esposa, com talvez a ideia mais brilhante e arriscada que já tivera na vida.
Enquanto veste sua roupa, pensa em cada ponto daquele plano que poderia dar errado, e começa a unir todas as amarras. é um estrategista nato, e nada dará errado. Ele tem a certeza de que nada dará errado.
Não existiria festa alguma, e nenhum guardanapo cor de creme, ou rosas vermelhas.
De: bcamilo@gmail.com
Para: antoniorbcamilo@gmail.com; claracamilo@gmail.com ; ceciliaramires@gmail.com e + 84.
Assunto: Bodas de Prata (cancelamento)
Queridos convidados,
É com extrema tristeza e alegria simultânea que lhes envio este e-mail. Serei direto: não haverá mais uma festa de bodas de prata.
Sem alardes!
Preciso que mantenham este segredo para a minha esposa, pois pretendo fazer uma surpresa ao invés de irmos à festa. Não comentem com ela, de forma alguma, não por enquanto! Conto com a colaboração de vocês.
Como sei que grande parte já cancelou outros planos para o fim de semana e uma parte dos convidados da estão vindo do Rio de Janeiro, continuaremos oferecendo uma pequena recepção para os convidados, que serão recebidos pelos meus filhos Clara e Antônio. O local é o salão de festas do nosso prédio, estou enviando o novo endereço como anexo. Aproveitem o fim de semana! Festejem por nós!
Iremos viver uma segunda lua de mel, juntos, apenas nós dois, enquanto vocês celebram nossa união.
Obrigado pela compreensão e volto a reforçar: não comentem nada com a minha esposa!
Qualquer dúvida, me telefonem.
Atenciosamente,
Boaventura.
suspira de nervoso após enviar a mensagem à lista de convidados. Já imagina quantas ligações irão pipocar em seu telefone, sem contar nos xingamentos dos convidados revoltados com o fim da festa, principalmente seus filhos – que inclusive agora são os anfitriões da nova recepção.
Antes mesmo de pensar em pegar o telefone para ligar para eles, o mesmo vibra incessantemente sobre a mesa de seu escritório. Antônio.
― Alô.
― Pai, o senhor está maluco?! ― Antônio exclama do outro lado da linha.
― De forma alguma. Apenas quero ter uma festa de casamento com sua mãe que seja só nossa!
― Mas o senhor está cancelando uma festa com dois dias de antecedência! Ninguém em sã consciência faz isso!
― Não estou cancelando a festa de fato... Estou recriando a festa. Ainda haverá uma recepção, caso você não tenha prestado atenção no e-mail...
― Sim, prestei atenção suficiente para saber que, inclusive, eu serei responsável por essa recepção! Como faz isso sem me comunicar antes?
― Por algum acaso você planejava faltar à festa?
― Não!
― Então. É muito simples: você ainda irá à festa, porém sem a presença minha e de sua mãe. Vai ser tudo normal, você só vai precisar receber os convidados...
― Sim, e falar com todo mundo, e aguentar todas as perguntas sobre essa MALUQUICE que o senhor está fazendo!
― Não é uma maluquice!
― É sim, eu acho que é. O que vão fazer no lugar da festa? Vão pra um motel?!
ri da reação do filho.
― Quase isso.
― Como assim?! ― ele soa desesperado.
― Iremos a Noronha. Onde nos conhecemos. Surfar...
― Vocês têm quarenta e cinco anos, não têm mais idade para fazer essas loucuras, muito menos uma viagem para surfar!
― Sim, nós temos. Felizmente você apareceu na nossa vida pouco depois de fazermos uma incrível viagem pelo Havaí e pela Tailândia, e desde então nós diminuímos o quanto surfávamos. Paramos de fazer viagens com esse único objetivo. Paramos de nos aventurar...
― Eu atrapalhei?!
― De forma alguma, nós te amamos incondicionalmente. Mas agora você é um adulto, sua irmã é adulta, vocês são independentes e finalmente eu e sua mãe podemos voltar a viver nossa vida de recém-casados. Vinte e cinco anos depois. E nada melhor para reviver essa fase do que uma viagem surpresa para surfarmos no lugar onde nos conhecemos...
Antônio demora alguns instantes para responder. Estava absorvendo toda aquela informação.
― O senhor precisa se aposentar, esse trabalho está te deixando um pouco insano...
― Não, meu filho. Ainda faltam dez anos para me aposentar. A vida continua...
― Eu ainda não estou de acordo com isso.
― Você vai sobreviver.
Ao contrário de Antônio, que deu um telefonema, Clara apareceu no escritório do pai. Ainda terminava seu curso de Engenharia Civil no mesmo prédio em que o pai trabalhava, então para ela bastava andar alguns metros e estaria presente para falarem sobre aquele e-mail. Ela entra na sala sem nem bater na porta, espalhafatosa como sempre. Seus cabelos cacheados tomam toda a atenção do pai.
― Oi, minha filha! ― ele sorri ao vê-la.
― Pai! O que foi aquele e-mail?!
― Eu e sua mãe vamos viajar. Você e seu irmão revoltado vão ficar aqui e cuidar da nova festa!
― O Antônio está revoltado?
― Muito, como sempre.
― Ele não tem jeito mesmo. ― ela dá de ombros ― Eu estou um pouco assustada, mas muito curiosa com essa história. O que vocês vão fazer de tão importante assim para não poderem participar mais das bodas?!
― Nós vamos a Noronha.
― Noronha?!
― Sim.
― Onde se conheceram?!
― Sim.
Clara dá um grito, e corre para abraçar o pai.
― A mamãe vai ficar tão feliz!
― Sim, mas tem que ser surpresa. Eu preciso da sua ajuda...
― No que quiser! Quer que eu finja que vou com vocês?!
― Sim, isso é interessante. Fale que o Antônio vai também, e levará o Pedro... Dessa forma ela não vai poder recusar.
― Sim! Uma viagem em família! Ela não vai desconfiar de nada...
― Vamos cuidar disso. Agora, as passagens... Preciso que procure para mim.
― Sim. Vou procurar assim que sair da faculdade e já compro. Para que dia?
― Depois de amanhã.
― Ok... E o que eu falo sobre a festa?
― Fala que essa viagem em família vai ser mais importante do que a festa... Vou contar a ela durante o jantar. Pode ir jantar conosco? Chamarei o Antônio também...
― Manda ele levar o Pedro. É impossível a mamãe se estressar perto do neto!
― Sim. Espero que dê tudo certo...
― Vocês vão levar as pranchas de surfe? Se levarem, vai dar certo. Elas são um amuleto!
― Lógico que vamos levar. Afinal, foi lá que nos conhecemos! Mas vou dar um jeito de manda-las em outro avião, para que sua mãe não desconfie.
― O que está planejando que ela não pode desconfiar sobre o surfe?!
Clara convence o irmão a levar o filho de três anos para o jantar na casa dos pais, e diante disso, não é muito difícil que eles convençam sua mãe de que uma viagem em família é muito mais importante do que uma festa para que outras pessoas se divirtam e eles tenham dores de cabeça resolvendo problemas no Buffet. Clara sempre fora muito criativa e ótima com argumentos, e o ar infantil de Pedro não deixa que os pais discutam ou coisa parecida. Antônio, por fim, cede e resolve ajudar Clara na compra das passagens e na nova festa. Seu pai reserva a pousada em que ficou quando se conheceram, e cuida dos convidados que o telefonam com as dúvidas sobre o e-mail que receberam. Tudo corre bem, até demais, e mal consegue dormir nas duas noites que se seguem antes de embarcarem em direção ao paraíso.
No dia da viagem, seis da manhã, Clara vai ao aeroporto com os pais, para levar o carro de volta para casa.
― Filha, o que acha de irmos até o balcão da empresa aérea solicitar uma troca de passagens? ― pergunta, quebrando o silêncio dentro do veículo ― Não é possível que eles não tenham três vagas em um avião...
― Não, mamãe, fica tranquila... Nós vamos à noite, no próximo voo. ― Clara a responde, tentando manter a compostura enquanto mente para a própria mãe.
― Eu ainda acho que podemos tentar! Queria tanto que o Pedrinho estivesse comigo quando o avião pousasse e ele pudesse ver a paisagem!
― Ele vai ver no dia que voltarmos, durante o dia ― se intromete na conversa.
― Mesmo assim... Ainda queria que fôssemos juntos!
― Mãe, fica tranquila, são poucas horas de diferença! ― Clara reforça ― Vai com o papai, é bom que vocês conseguem curtir a praia juntos sem a gente... Lembra o quanto o Pedro joga de areia nas pessoas quando está na praia? Vocês serão poupados disso!
― Não me importo que o Pedrinho jogue areia em mim!
― Querida, você se importa sim... ― a olha de lado, sem desviar os olhos da rua, enquanto procura uma vaga no estacionamento do aeroporto.
― Tudo bem, eu me importo um pouco, mas que mal faria? Nenhum! Areia não mata!
― Esperar algumas horas também não. ― Clara complementa ― Pai, olha ali aquela vaga!
“A nossa praia é amar, beijar
Ficar de boa em frente ao mar”
Janeiro de 1989
arrastava sua prancha em direção ao mar. O sol de verão queimava sua pele já bronzeada, e ela sentia a brisa quente vinda do horizonte bater contra seu rosto. Durante duas semanas sua vida seria daquela forma: na praia de Cacimba do Parque, com as melhores ondas do litoral brasileiro, o sol forte e muita, muita água salgada levando todas as energias negativas do ano anterior embora. Ela precisava daquilo. Precisava refazer sua vida, principalmente após terminar seu colegial.
Eram as primeiras férias fora da escola, e últimas antes da faculdade. Ela iria aproveitar ao máximo, e nada melhor do que em cima da sua prancha, deslizando sobre a água do mar.
estava sentado na areia, observando o vai e vem das pessoas na praia. As ondas beijavam a areia de forma suave após se quebrarem, sem denunciar toda a força que tinham alguns metros antes. Ele vivera toda a sua vida ali. Dezoito anos sentado na areia, com os pés enterrados e a prancha de surfe fincada ao lado, desenhando sua sublime sombra ao lado dele. Havia crescido em Fernando de Noronha, com sua família, mas algo em particular fazia daquele verão o mais especial: ele estaria se mudando para Maceió no fim das férias. Era seu último verão sendo um morador da ilha mais famosa do Brasil. O clima nostálgico tomava conta de seus pensamentos, trazendo lembranças sublimes de todas as vezes em que foi ao mar aprender a arte de surfar junto a seu velho pai. A primeira prancha. A primeira aula. A primeira onda que surfou perfeitamente.
Enquanto devaneava, acabou tendo a atenção atraída por algo não muito comum: uma mulher caminhando em direção à água com sua prancha.
Uma mulher surfando.
Aquilo o prendeu completamente. Raríssimas vezes havia visto uma mulher na água. Estava certo de que o esporte não era exclusivamente masculino, visto Margot Rittscher equilibrando-se sobre uma prancha nos anos 40, e até presenciado algumas pequenas moças em Noronha. Mas aquela era especial. Ele observava a destreza com que a garota com longos cabelos castanhos remava na direção das ondas mais altas e se levantava rapidamente para realizar suas manobras. O mar parecia estar a seu favor: logo na primeira tentativa, conseguira realizar um drop completo sem cair.
Um sorriso brotou instantaneamente em seu rosto, sem que ele percebesse. A partir dali seu corpo parecia agir por instinto, sem que ele controlasse suas atitudes: se levantou, bateu a areia do corpo, pegou sua prancha e caminhou rapidamente em direção ao mar. Ele queria vê-la de perto.
Em instantes, tentava realizar suas manobras, mas em todas as tentativas, perdeu a crista da onda e caiu na água. Uma péssima maneira de tentar chamar a atenção daquela menina.
Pelo menos na cabeça dele.
Porque, por parte dela, aquilo estava divertido. Havia pausado suas manobras apenas para observar aquele rapaz desengonçado tentando ficar de pé em sua prancha por mais de quinze segundos. A maneira com que ele remava e se jogava sobre a superfície entregavam que ele não era nenhum iniciante no esporte, e sim parecia estar em uma maré de azar. Literalmente.
O jeito como ele insistia no seu drop a chamava a atenção. Ele parecia não estar disposto a desistir tão cedo, até que, finalmente, conseguiu se equilibrar, e a forma com que ele deslizou sobre a água cristalina quase tirou dela o fôlego para viver. Seus pés se apoiavam sobre a prancha e guiavam os movimentos que ele fazia na borda da onda, como se já soubesse de antemão tudo que a maré o traria. Aquela manobra parecia ter sido ensaiada por meses, tamanha perfeição.
Assim que ele voltou à superfície após se jogar na água, olhou em todas as direções, procurando por ela. E, ao encontrar, seus olhares se chocaram como se o momento já tivesse sido planejado pelo universo.
Ela o observava profundamente, sem conseguir desviar. Ele a observava profundamente, sem conseguir desviar.
subiu em sua prancha e não hesitou em remar calmamente na direção dela. Ao se aproximar, sentou-se, a encarando.
― Meu nome é ― disse, finalmente.
― ― ela sorriu. O sorriso que ele jamais se esqueceria na vida. ― Gostei da sua batida...
― Obrigado. Foi muito difícil conseguir ― ele riu, sem graça.
― Sim, eu vi quantas vezes você caiu na água. Mas no fim, valeu a pena.
― Você viu? ― ele se assustou. Não chegou a imaginar que ela iria notá-lo antes de realizar um movimento perfeito.
― Sim. Perdi a conta na oitava vez em que você caiu. Depois disso, passei a torcer para que você continuasse caindo e eu continuasse me divertindo.
Ele franziu o cenho, encarando-a.
― Desculpe se no fim eu consegui fazer a manobra e você não pôde mais rir... ― deu de ombros.
― Tudo bem, você está perdoado. Mas pode voltar a ser prego novamente, para eu voltar às gargalhadas...
― Engraçadinha ― ele riu ― De onde você é? Seu sotaque não é daqui...
― Eu sou do Rio. Mas vou me mudar para Maceió em um mês, para fazer faculdade na UFC...
O coração de parou por alguns instantes, fazendo com que um gelo atravessasse seu peito. Aquilo só podia ser o destino pregando-lhe uma peça.
― Eu também!
― É mesmo? ― ele não sabia ao certo se era o reflexo da luz do sol na água, ou os olhos dela realmente brilharam ― O que você vai fazer?
― Física ― ele sorriu ― quem sabe assim eu melhoro minhas manobras, após aprender os ângulos certos...
― Interessante. Se descobrir como usar a física à favor do surfe, não deixe de me contar.
― E você?
― Fisioterapia. Assim posso tratar as lesões do esporte!
riu.
― Que coincidência, estou com uma dor bem aqui nas costas ― ele apontou ― Será que pode me ajudar?
― Levando em consideração que eu não cursei nenhum semestre ainda, é muito provável que eu te deixe aleijado, mas podemos tentar!
― É, vamos deixar isso para daqui uns anos ― ele riu.
― Você vai ficar aqui até quando? ― perguntou ela.
― Até o início das aulas. Eu moro aqui, em Noronha ― ele respondeu ― E você?
― Fico duas semanas.
― Você já esteve aqui antes?
― Na verdade, não... Sempre sonhei em surfar por aqui, mas nunca tive a oportunidade... Como passei no vestibular, meus pais me deram essa viagem de presente...
― E você está sozinha?
― Com minha irmã mais velha e o namorado dela. Ou seja, basicamente sozinha ― aponta na direção da areia, onde um casal está sentado sob o sol, conversando.
acompanha seu dedo, e enquanto volta a olhar para ela, tem a ideia perfeita. Se conhecer fazia parte do seu destino, ele iria colocar essa possibilidade à prova naquele instante.
― Se quiser, posso te mostrar a ilha... Ou acompanhar você com aquele casal, assim você não precisa ficar sozinha todo o tempo ― ele sorri, sentindo a pele do rosto queimar, e não era por conta do sol.
O rosto de se abre num novo sorriso.
― Eu adoraria!
― Pra começar, vou te mostrar as melhores ondas dessa praia.
― Desde que você continue a cair algumas vezes para que eu me divirta, você pode mostrar quantas ondas quiser!
― Você é bem engraçadinha, ein ― ele rola os olhos ― gostei de você!
Outubro de 2017
anda de mãos dadas a . Está ansiosa pelo momento em que os filhos chegarão e eles poderão estar naquela praia juntos, mas, de certa forma, também está extremamente feliz por ter a oportunidade de ficar sozinha com seu marido. Faz um bom tempo que eles não têm um momento desses.
Ainda mais na praia de Cacimba do Parque, com tanta gente andando pela areia e deslizando suas pranchas sobre a superfície das ondas agitadas.
O toque da areia morna em seus pés faz com que ela se encante por aquele momento. Desde que deixaram a ilha no fim do verão de 89, eles não tiveram mais tempo ou oportunidade de irem juntos até aquele lugar, que era tão deles.
Todas as lembranças do dia em que se conheceram parecem estar nítidas em sua memória. Ela pode jurar ver aquele casal jovem e alegre rindo sobre suas pranchas por quase uma hora, sem surfarem, apenas deixando com que a marola das ondas passasse por baixo deles. No dia em que se conheceram, ela teve a certeza de que aquele era o homem da sua vida. Sorri, ao se lembrar do quão encantador era o sorriso dele aos dezoito anos de idade.
― Do que está rindo? ― ele pergunta, chamando a atenção da esposa.
Ela o encara, e percebe, mais uma vez, que ele ainda tem o mesmo sorriso. As marcas de idade fazem com que ela tenha certeza de que eles chegaram juntos onde quiseram chegar, mas que, mesmo assim, o tempo parecia não ter passado para eles.
― Estou rindo de nós dois, quando nos conhecemos ― ela responde.
― Esse momento sempre me deixa envergonhado...
― Vinte e oito anos depois, você ainda sente vergonha dos tombos que tomou?
― Com toda certeza.
― Pense pelo lado bom: se não fosse isso, eu jamais te notaria. Haviam muitos outros rapazes surfando muito bem. Você se destacou!
― Acho que a maré me fez esse favor.
― Foi muito óbvio por parte do destino nos unir logo dentro da água... ― ela ri, e apoia a cabeça no ombro do marido.
Ele suspira. Fora mesmo muito óbvio.
― Foi por isso que eu tive a certeza de que, daquele dia em diante, meu coração seria só seu... ― suspira, e solta a mão da esposa. Ela ergue-se na ponta dos pés para beijar os lábios do companheiro, extasiada de felicidade. Estar ali, de frente para o mar, com aquele sol quente sobre suas cabeças e a areia entre os dedos dos pés dava a ela a certeza de que ela fizera a escolha certa ao se casar com .
Ela não percebera, enquanto se aproximavam, que haviam duas pranchas fincadas na areia logo à sua frente.
Quando finalmente nota a familiaridade daquelas pranchas, sente que o coração para por alguns instantes. Como havia as trazido sem que ela percebesse?
― Mandei trazerem ontem, para que você não desconfiasse ― ele diz, como se pudesse ler os pensamentos da esposa.
― , o que é isso?
― Nós vamos surfar, juntos, como nos velhos tempos ― ele sorri e apoia-se em sua prancha ― Ou você não quer?
ri, já retirando rapidamente o short jeans largo que vestia. observa a esposa empolgada com a situação, e seu coração esquenta.
― Quero ver o quão prego você ainda é! ― ela pega sua prancha e começa a leva-la em direção ao mar.
também faz o mesmo, largando os chinelos próximos ao short de . Corre, alcançando-a, e assim que a água morna toca seus pés, ele parece ser transportado de volta no tempo para o ano de 1989.
“Com aquela pessoa que eu escolhi pra ficar
E tudo que atrasa, deixa a maré levar
Deixa levar”
Janeiro de 1989
A noite estava quente na ilha. estalava os dedos, nervoso, temendo suar debaixo da camisa branca que usava. Esperava ansiosamente por em frente à sua pousada, para que pudessem ir ao luau que seus amigos estavam preparando na Praia do Bode. Era a primeira noite em que sairiam sozinhos, como um casal, sem a irmã mais velha da moça. Após muita insistência ela finalmente autorizou que eles dessem uma volta, mas deveria estar em seu quarto às onze em ponto. Por mais que o garoto tivesse passado vários dias ao lado de e da própria irmã, levando-as a ótimas praias e apresentando toda a ilha, ela ainda precisava ser protetora com a caçula.
Conseguir que saíssem para um luau era um grande avanço para . E ele não podia pisar na bola.
finalmente apontou no topo da escada, e se esqueceu do que era respirar. Ela estava maravilhosa com a pele bronzeada, as bochechas avermelhadas e os cabelos castanhos caídos em cachos largos pelos ombros. Usava um vestido longo de alças com flores amarelas, que destacavam a beleza do seu corpo.
― Você já pode piscar ― ela sorriu, ao se aproximar.
― E respirar também ― ele suspirou. gargalhou, aproximando-se dele e o abraçando pelos ombros. Ao se aproximar para beija-lo, ele, num reflexo, colocou o dedo indicador à frente dos lábios dela, impedindo-a.
Aquele seria o primeiro beijo deles, e ele precisou ser muito rápido para que não fosse banalizado ali, na frente da pousada.
― O que foi? ― ela perguntou, decepcionada ― Achei que estivéssemos esperando ansiosamente por esse momento.
― Eu estou esperando ansiosamente ― ele sorriu, lembrando-se do quanto Cecília, a irmã de , os importunava e não deixava com que clima nenhum rolasse entre eles ― Mas esperei tanto, que quero que seja especial ― completou.
o abraçou forte.
― Tudo bem, agora estou curiosa quanto a esse tal momento especial ― disse, e o soltou ― o que tem em mente?
― Não sei ainda, mas vamos nos surpreender ― ele deu a ela sua mão, e seguiram em direção ao buggy do rapaz.
Ele dirigiu rapidamente em direção à praia, antes que o sol terminasse de se pôr, e logo estavam com os pés descalços na areia fofa.
Uma fogueira chamava a atenção deles, com algumas pessoas ao redor. O som de alguns violões podia ser ouvido de longe, e enquanto se aproximavam, repararam em algumas tochas iluminando o caminho. Era mesmo um luau muito bem organizado. Havia comida, bebida, música, fogueira, pessoas rindo e conversando e o sol prestes a sumir ao fundo.
apresentou a todos os amigos que ali estavam, e ela pareceu sentir-se à vontade junto a eles. O assunto que trocavam era sobre o surfe, e como ela sabia muito bem sobre o esporte, não era muito difícil se enturmar rapidamente. A maioria deles, inclusive, se impressionava com o fato de ela ser uma mulher tão jovem e falar tão bem sobre o surfe, como se fosse uma profissional. se orgulhava a cada vez que ela falava qualquer coisa.
Após algum tempo conversando, sentaram-se próximos à fogueira, para observarem o sol se pôr. A luz dourada e tímida com que o sol se despedia no horizonte beijava a pele de , fazendo com que se perdesse em seus detalhes.
― Eu gostei dos seus amigos ― ela comenta, quebrando o silêncio.
― Eles também gostaram de você ― ele comenta. Eles, então, conseguem reconhecer a música que toca ao fundo, vinda do violão de alguém. “Maior Abandonado”, da banda Barão Vermelho. amava a banda, e sabia bem que também, pois já haviam conversado sobre suas bandas preferidas dias antes.
Se ele estava esperando que o universo o desse um sinal para agir e fazer daquele momento um momento especial, aquela era a hora perfeita.
Ele se levanta, estendendo a mão para . Ela sorri, e aproxima-se dele, que começa a guia-la em passos lentos de um lado para o outro. A versão acústica improvisada da canção deixa tudo mais fácil e mais romântico.
― Eu tô pedindo a sua mão ― ele cantarola baixinho no ouvido da garota ― Me leve para qualquer lado...
― Só um pouquinho de proteção a um maior abandonado ― ela complementa.
Antes que pudesse tomar fôlego para cantar qualquer outro refrão, ela é surpreendida pelo choque dos lábios de contra os seus. Eram quentes, macios, e pareciam se encaixar perfeitamente nos dela.
Foi um primeiro beijo maravilhoso. Um primeiro beijo cheio de sentimento e de expectativas atendidas, embalado pela melhor trilha sonora, com o mar de testemunha e o sol se escondendo para que tivessem privacidade. Um primeiro beijo que eles jamais se esqueceriam. Um primeiro beijo arquitetado pelo destino.
Enquanto se beijavam, e tinham plena certeza de que aquele não seria o único beijo de suas vidas. Mas que seria sempre o mesmo: como se fosse a primeira vez.
Outubro de 2017
e passam a tarde inteira no vai e vem das ondas daquele mar tão amado por ambos. Após retornarem à pousada, aquela em que ele esperou por ela na porta ansiosamente durante todos os dias em que se hospedou ali em 1989, estavam prontos para sair. tinha o mesmo bronzeado de quando se conheceram, e estava igualmente deslumbrante em um vestido longo. As flores amarelas eram agora azuis, e ela ficava linda da mesma forma.
― Nós não devíamos buscar os meninos no aeroporto? Não deram notícia até agora... ― pergunta, enquanto cruzam o caminho de pedras que leva a recepção à calçada.
― Nós não iremos ― ele diz, ao abrir a porta do buggy que alugara mais cedo. Voltar a pilotar aquele veículo parece leva-lo diretamente para os dias que passaram juntos na juventude. São poucas as lembranças, de apenas duas semanas, pois logo que ele iniciou as aulas na Universidade Federal, sua família também se mudou para a capital do Alagoas. Nunca mais voltara a Noronha junto a , em vinte e oito anos: escolhiam sempre destinos mais aventureiros como as ondas do Havaí, Thailândia e Ilhas Fiji...
― O que você quer dizer com isso? Lógico que iremos ― retruca ― Trate de pilotar esse carro em direção aos meus filhos!
― Amor, calma ― ri, e liga o motor. Antes de arrancar, retira o celular do bolso, e abre um vídeo que preparara com antecedência para aquele momento ― Assista no caminho.
― Caminho de onde?
― Você vai ver!
― Amor, eu quero meus filhos! Eu vou ligar para a Clara agora!
― Assista ao vídeo, ! Aproveite a brisa e assista ao vídeo, cuidaremos dos meninos depois ― ele tenta pela última vez convencê-la a assistir ao vídeo.
Enquanto dirige pelas ruas, o vento bate forte no cabelo de , fazendo com que o perfume inebriante vindo deles atinja os sentidos do marido. Ele sorri, ao observa-la finalmente concentrada na tela do celular.
“Então, acho que agora deu tudo certo” Clara e Antônio apareciam na frente da tela, como se tentassem arrumar a gravação “Oi, mãe!” dizem, em uníssono. Logo consegue perceber Pedro no colo de Antônio, enquanto eles se ajeitam em frente à câmera “Então, pra início de conversa, não tente matar a gente. Nós não vamos mais para essa viagem. A verdade é que a gente nunca ia” Clara ri “Desculpa, mãe... A culpa é toda desse marido louco que a senhora arranjou” Antônio ri “Louco por você, no caso. Olha o que ele fez!” Clara complementa. “Sim. O papai é louco, mas no fim das contas é louco por você. Estamos aqui, agora, arrumados para recebermos as pessoas na adaptação da festa de bodas de prata de vocês! E é tudo culpa dele” Antônio mostra as vestimentas, e finalmente consegue perceber o quanto os filhos estão bem arrumados “Espero que tenha gostado da tarde de surfe. Foi tudo minuciosamente planejado... E espero que tenha gostado também de ver suas pranchas aí, esperando por vocês. Tudo obra do papai!” Clara sorri “Ele pediu que a gente te contasse o quanto ele te ama, e o quanto está feliz por passar vinte e cinco anos casado com você. Veio com um papo doido de realizar o sonho de envelhecer ao seu lado e coisa parecida” Antônio sorri, e abraça o filho no colo “Vocês viveram uma vida juntos. E nós somos muito gratos por isso! Sem ela, nós não existiríamos” Clara limpa o canto do olho, prestes a chorar. faz o mesmo involuntariamente, e tem vontade de gargalhar ao perceber “Nem o Pedrinho existiria. Então, nós três somos gratos!” Antônio ergue o braço do filho “Muito gratos, principalmente, ao mar. Por ter juntado vocês dois. A gente sabe que tudo começou por culpa dele” ele completa. “Já ouvimos essa história mil vezes e nunca vamos nos cansar de ouvir novamente. Mas, agora, ta na hora de atualizar ela um pouquinho, não é mesmo?” Clara sorri. “Esse seu marido maluco tá cheio de surpresas. E a gente quer que vocês vivam essas surpresas juntos!” Antônio levanta a mão de Pedro novamente e acena. “Aproveitem. Vocês merecem! Tchau, mãe. Tchau, pai!” Clara acena. “Tchau, meus velhos. Diz, tchau, Pedrinho” Antônio olha para o filho “Tchau, vovó e vovô” E então Clara se levanta para desligar a câmera.
O carro já está estacionado sem que perceba o tempo passar. a observa, sorrindo, emocionado. Ela limpa as lágrimas que insistem em escapar de seus olhos. Colocar os filhos para dizerem aquilo foi um golpe muito baixo por parte de .
― Você é ridículo ― finalmente diz, e gargalha ― O que tá aprontando?
― Nossas bodas de prata. Na nossa praia. ― ele sorri e desce do carro. Dá a volta e abre a porta para a esposa ― Pronta?
Ela, ao descer do veículo, finalmente consegue observar o que os espera: um luau, na praia que ela conhecia muito bem. Praia do Bode, onde deram o seu primeiro beijo. O cenário era praticamente uma viagem no tempo: as tochas guiando o caminho, a fogueira, o céu colorido pelo pôr do sol ainda recente, a comida, a bebida. Faltavam as pessoas, pois parecia ter sido planejado apenas para os dois, mas havia uma dupla com um violão em mãos.
Os dois corações estão disparados, batendo tão fortemente que ambos conseguem sentir a pulsação em suas mãos entrelaçadas.
― , o que...
― Shhh ― ele sussurra, e, assim que se aproximam, o violão começa a tocar a melodia tão conhecida pelos dois. Barão vermelho. Maior Abandonado. ― Escute a música...
― Eu n...
― Eu preciso fazer uma declaração aqui ― ri, interrompendo a esposa. Ela gargalha junto ― Deixa eu falar, porque estou nervoso.
― Até parece que não me conhece há vinte e oito anos!
― É que há vinte e oito anos você me deixa nervoso com esse sorriso ― ele ri ― E eu sou grato por isso. Por todos os frios na barriga, por todos os medos, por todas as risadas. Por todos os momentos bons e ruins. Sou grato a você. Sou grato ao mar... Ao destino. À toda essa trama que ele nos criou. Às ondas que me jogaram fora da prancha naquele dia de janeiro. À nossa praia...
― Eu também ― ela pisca algumas vezes, tentando conter as lágrimas.
Não acredita que o marido fora capaz de cancelar uma festa de bodas de prata para passar aquele momento junto a ela.
― À meia noite faremos vinte e cinco anos de casados. Estou com medo. De que esses vinte e cinco sejam nossos únicos vinte e cinco anos casados...
― Não tenha medo...
― Eu tenho. Eu tenho medo de te perder pois você é a mulher da minha vida. Você foi um presente. E, nesse instante, eu quero garantir que passemos mais vinte e cinco anos juntos... No dia do nosso casamento, fizemos nossos votos dizendo que iríamos envelhecer juntos. Mas parece que o tempo parou pra nós! ― ele ri, e se ajoelha. O coração de dispara no peito ― Então, eu quero garantir que esses votos se estendam. Se, a partir de hoje, envelhecermos, que seja juntos... E aqui, na nossa praia, de frente para o mar, com a pessoa que eu escolhi pra ficar o resto da vida, eu tenho uma proposta ― retira do bolso uma caixa aveludada preta ― Quer casar comigo novamente, ?
Antes mesmo de contemplar o anel de brilhantes dentro da caixa, se joga na direção do marido, fazendo com que caiam na areia juntos. Eles gargalham, e ela o abraça forte. Aproxima-se, e beija-lhe os lábios. Como na primeira vez em que se beijaram, com aquela água como testemunha.
― Eu caso com você pro resto da vida!
A melhor canção é o som da sua voz
No horizonte o céu faz um show de cores pra nós dois
E deixa eu te falar que o melhor eu guardei pra depois”
Outubro de 2017
Enquanto penteia os longos cabelos castanhos, a mira pelo reflexo do espelho. A luz da manhã naquele fim de verão parece deixa-la ainda mais bela.
Após 25 anos de casamento, ele ainda vê todo o brilho do primeiro encontro refletir em seus olhos. Suas pequenas rugas que começam a se concentrar nos cantos dos olhos parecem deixa-la com o ar maduro que ele sempre sonhou no dia em que se casaram.
Envelhecer juntos.
Ele sonhou todos os dias com isso, e agora, de repente, aquilo estava se tornando realidade. Mais de duas décadas juntos. Dois filhos brilhantes. Um neto encantador. Suas bodas de prata chegando em dois dias. Tudo parece perfeito.
― O que você tem, hein? ― pergunta , quebrando o silêncio. Retira a escova dos cabelos e olha o marido nos olhos através do espelho.
― Nada, estava apenas pensando no nosso casamento ― ele responde, pegando sua escova de dentes.
o observa com o semblante duvidoso, as sobrancelhas unidas.
― Isso tudo não é por causa da festa, é? ― indaga ― Eu sei que tem sido estressante planejar tudo, mas estamos quase lá, faltam apenas dois dias. As pessoas logo vão começar a chegar e está tudo sob controle ― ela sorri ― Por mais que eu tenha brigado com você nos últimos dois meses por causa das cores dos guardanapos ou as flores, fico agradecida que você mantenha certa paciência...
― Eu entendo o seu estresse, querida. Mas não quero ter que decidir entre guardanapos creme ou brancos, ou flores vermelhas e amarelas ― ele dá de ombros antes de terminar de enxaguar sua boca ― Eu só quero que nós tenhamos uma boa festa... Afinal, são vinte e cinco anos.
― Vinte e cinco anos de muita discussão por conta de guardanapos ― ela ri.
― Você sempre tem que citar os problemas.
― Você sempre tem essa ideia de que nosso relacionamento é perfeito e não tem conflitos...
― Quer se divorciar? ― ele brinca.
― Não, de forma alguma ― ela ri e o abraça de lado. Ambos observam seu reflexo juntos ― Vamos envelhecer juntos. Esqueceu?
No instante em que ela o relembra os votos de casamento de vinte e cinco anos atrás, seu coração se acalma. Está tudo bem. Ela se lembra da promessa.
― Vamos envelhecer juntos ― ele repete, e se retira para o quarto após depositar um beijo na testa da esposa, com talvez a ideia mais brilhante e arriscada que já tivera na vida.
Enquanto veste sua roupa, pensa em cada ponto daquele plano que poderia dar errado, e começa a unir todas as amarras. é um estrategista nato, e nada dará errado. Ele tem a certeza de que nada dará errado.
Não existiria festa alguma, e nenhum guardanapo cor de creme, ou rosas vermelhas.
De: bcamilo@gmail.com
Para: antoniorbcamilo@gmail.com; claracamilo@gmail.com ; ceciliaramires@gmail.com e + 84.
Assunto: Bodas de Prata (cancelamento)
Queridos convidados,
É com extrema tristeza e alegria simultânea que lhes envio este e-mail. Serei direto: não haverá mais uma festa de bodas de prata.
Sem alardes!
Preciso que mantenham este segredo para a minha esposa, pois pretendo fazer uma surpresa ao invés de irmos à festa. Não comentem com ela, de forma alguma, não por enquanto! Conto com a colaboração de vocês.
Como sei que grande parte já cancelou outros planos para o fim de semana e uma parte dos convidados da estão vindo do Rio de Janeiro, continuaremos oferecendo uma pequena recepção para os convidados, que serão recebidos pelos meus filhos Clara e Antônio. O local é o salão de festas do nosso prédio, estou enviando o novo endereço como anexo. Aproveitem o fim de semana! Festejem por nós!
Iremos viver uma segunda lua de mel, juntos, apenas nós dois, enquanto vocês celebram nossa união.
Obrigado pela compreensão e volto a reforçar: não comentem nada com a minha esposa!
Qualquer dúvida, me telefonem.
Atenciosamente,
Boaventura.
suspira de nervoso após enviar a mensagem à lista de convidados. Já imagina quantas ligações irão pipocar em seu telefone, sem contar nos xingamentos dos convidados revoltados com o fim da festa, principalmente seus filhos – que inclusive agora são os anfitriões da nova recepção.
Antes mesmo de pensar em pegar o telefone para ligar para eles, o mesmo vibra incessantemente sobre a mesa de seu escritório. Antônio.
― Alô.
― Pai, o senhor está maluco?! ― Antônio exclama do outro lado da linha.
― De forma alguma. Apenas quero ter uma festa de casamento com sua mãe que seja só nossa!
― Mas o senhor está cancelando uma festa com dois dias de antecedência! Ninguém em sã consciência faz isso!
― Não estou cancelando a festa de fato... Estou recriando a festa. Ainda haverá uma recepção, caso você não tenha prestado atenção no e-mail...
― Sim, prestei atenção suficiente para saber que, inclusive, eu serei responsável por essa recepção! Como faz isso sem me comunicar antes?
― Por algum acaso você planejava faltar à festa?
― Não!
― Então. É muito simples: você ainda irá à festa, porém sem a presença minha e de sua mãe. Vai ser tudo normal, você só vai precisar receber os convidados...
― Sim, e falar com todo mundo, e aguentar todas as perguntas sobre essa MALUQUICE que o senhor está fazendo!
― Não é uma maluquice!
― É sim, eu acho que é. O que vão fazer no lugar da festa? Vão pra um motel?!
ri da reação do filho.
― Quase isso.
― Como assim?! ― ele soa desesperado.
― Iremos a Noronha. Onde nos conhecemos. Surfar...
― Vocês têm quarenta e cinco anos, não têm mais idade para fazer essas loucuras, muito menos uma viagem para surfar!
― Sim, nós temos. Felizmente você apareceu na nossa vida pouco depois de fazermos uma incrível viagem pelo Havaí e pela Tailândia, e desde então nós diminuímos o quanto surfávamos. Paramos de fazer viagens com esse único objetivo. Paramos de nos aventurar...
― Eu atrapalhei?!
― De forma alguma, nós te amamos incondicionalmente. Mas agora você é um adulto, sua irmã é adulta, vocês são independentes e finalmente eu e sua mãe podemos voltar a viver nossa vida de recém-casados. Vinte e cinco anos depois. E nada melhor para reviver essa fase do que uma viagem surpresa para surfarmos no lugar onde nos conhecemos...
Antônio demora alguns instantes para responder. Estava absorvendo toda aquela informação.
― O senhor precisa se aposentar, esse trabalho está te deixando um pouco insano...
― Não, meu filho. Ainda faltam dez anos para me aposentar. A vida continua...
― Eu ainda não estou de acordo com isso.
― Você vai sobreviver.
Ao contrário de Antônio, que deu um telefonema, Clara apareceu no escritório do pai. Ainda terminava seu curso de Engenharia Civil no mesmo prédio em que o pai trabalhava, então para ela bastava andar alguns metros e estaria presente para falarem sobre aquele e-mail. Ela entra na sala sem nem bater na porta, espalhafatosa como sempre. Seus cabelos cacheados tomam toda a atenção do pai.
― Oi, minha filha! ― ele sorri ao vê-la.
― Pai! O que foi aquele e-mail?!
― Eu e sua mãe vamos viajar. Você e seu irmão revoltado vão ficar aqui e cuidar da nova festa!
― O Antônio está revoltado?
― Muito, como sempre.
― Ele não tem jeito mesmo. ― ela dá de ombros ― Eu estou um pouco assustada, mas muito curiosa com essa história. O que vocês vão fazer de tão importante assim para não poderem participar mais das bodas?!
― Nós vamos a Noronha.
― Noronha?!
― Sim.
― Onde se conheceram?!
― Sim.
Clara dá um grito, e corre para abraçar o pai.
― A mamãe vai ficar tão feliz!
― Sim, mas tem que ser surpresa. Eu preciso da sua ajuda...
― No que quiser! Quer que eu finja que vou com vocês?!
― Sim, isso é interessante. Fale que o Antônio vai também, e levará o Pedro... Dessa forma ela não vai poder recusar.
― Sim! Uma viagem em família! Ela não vai desconfiar de nada...
― Vamos cuidar disso. Agora, as passagens... Preciso que procure para mim.
― Sim. Vou procurar assim que sair da faculdade e já compro. Para que dia?
― Depois de amanhã.
― Ok... E o que eu falo sobre a festa?
― Fala que essa viagem em família vai ser mais importante do que a festa... Vou contar a ela durante o jantar. Pode ir jantar conosco? Chamarei o Antônio também...
― Manda ele levar o Pedro. É impossível a mamãe se estressar perto do neto!
― Sim. Espero que dê tudo certo...
― Vocês vão levar as pranchas de surfe? Se levarem, vai dar certo. Elas são um amuleto!
― Lógico que vamos levar. Afinal, foi lá que nos conhecemos! Mas vou dar um jeito de manda-las em outro avião, para que sua mãe não desconfie.
― O que está planejando que ela não pode desconfiar sobre o surfe?!
Clara convence o irmão a levar o filho de três anos para o jantar na casa dos pais, e diante disso, não é muito difícil que eles convençam sua mãe de que uma viagem em família é muito mais importante do que uma festa para que outras pessoas se divirtam e eles tenham dores de cabeça resolvendo problemas no Buffet. Clara sempre fora muito criativa e ótima com argumentos, e o ar infantil de Pedro não deixa que os pais discutam ou coisa parecida. Antônio, por fim, cede e resolve ajudar Clara na compra das passagens e na nova festa. Seu pai reserva a pousada em que ficou quando se conheceram, e cuida dos convidados que o telefonam com as dúvidas sobre o e-mail que receberam. Tudo corre bem, até demais, e mal consegue dormir nas duas noites que se seguem antes de embarcarem em direção ao paraíso.
No dia da viagem, seis da manhã, Clara vai ao aeroporto com os pais, para levar o carro de volta para casa.
― Filha, o que acha de irmos até o balcão da empresa aérea solicitar uma troca de passagens? ― pergunta, quebrando o silêncio dentro do veículo ― Não é possível que eles não tenham três vagas em um avião...
― Não, mamãe, fica tranquila... Nós vamos à noite, no próximo voo. ― Clara a responde, tentando manter a compostura enquanto mente para a própria mãe.
― Eu ainda acho que podemos tentar! Queria tanto que o Pedrinho estivesse comigo quando o avião pousasse e ele pudesse ver a paisagem!
― Ele vai ver no dia que voltarmos, durante o dia ― se intromete na conversa.
― Mesmo assim... Ainda queria que fôssemos juntos!
― Mãe, fica tranquila, são poucas horas de diferença! ― Clara reforça ― Vai com o papai, é bom que vocês conseguem curtir a praia juntos sem a gente... Lembra o quanto o Pedro joga de areia nas pessoas quando está na praia? Vocês serão poupados disso!
― Não me importo que o Pedrinho jogue areia em mim!
― Querida, você se importa sim... ― a olha de lado, sem desviar os olhos da rua, enquanto procura uma vaga no estacionamento do aeroporto.
― Tudo bem, eu me importo um pouco, mas que mal faria? Nenhum! Areia não mata!
― Esperar algumas horas também não. ― Clara complementa ― Pai, olha ali aquela vaga!
“A nossa praia é amar, beijar
Ficar de boa em frente ao mar”
Janeiro de 1989
arrastava sua prancha em direção ao mar. O sol de verão queimava sua pele já bronzeada, e ela sentia a brisa quente vinda do horizonte bater contra seu rosto. Durante duas semanas sua vida seria daquela forma: na praia de Cacimba do Parque, com as melhores ondas do litoral brasileiro, o sol forte e muita, muita água salgada levando todas as energias negativas do ano anterior embora. Ela precisava daquilo. Precisava refazer sua vida, principalmente após terminar seu colegial.
Eram as primeiras férias fora da escola, e últimas antes da faculdade. Ela iria aproveitar ao máximo, e nada melhor do que em cima da sua prancha, deslizando sobre a água do mar.
estava sentado na areia, observando o vai e vem das pessoas na praia. As ondas beijavam a areia de forma suave após se quebrarem, sem denunciar toda a força que tinham alguns metros antes. Ele vivera toda a sua vida ali. Dezoito anos sentado na areia, com os pés enterrados e a prancha de surfe fincada ao lado, desenhando sua sublime sombra ao lado dele. Havia crescido em Fernando de Noronha, com sua família, mas algo em particular fazia daquele verão o mais especial: ele estaria se mudando para Maceió no fim das férias. Era seu último verão sendo um morador da ilha mais famosa do Brasil. O clima nostálgico tomava conta de seus pensamentos, trazendo lembranças sublimes de todas as vezes em que foi ao mar aprender a arte de surfar junto a seu velho pai. A primeira prancha. A primeira aula. A primeira onda que surfou perfeitamente.
Enquanto devaneava, acabou tendo a atenção atraída por algo não muito comum: uma mulher caminhando em direção à água com sua prancha.
Uma mulher surfando.
Aquilo o prendeu completamente. Raríssimas vezes havia visto uma mulher na água. Estava certo de que o esporte não era exclusivamente masculino, visto Margot Rittscher equilibrando-se sobre uma prancha nos anos 40, e até presenciado algumas pequenas moças em Noronha. Mas aquela era especial. Ele observava a destreza com que a garota com longos cabelos castanhos remava na direção das ondas mais altas e se levantava rapidamente para realizar suas manobras. O mar parecia estar a seu favor: logo na primeira tentativa, conseguira realizar um drop completo sem cair.
Um sorriso brotou instantaneamente em seu rosto, sem que ele percebesse. A partir dali seu corpo parecia agir por instinto, sem que ele controlasse suas atitudes: se levantou, bateu a areia do corpo, pegou sua prancha e caminhou rapidamente em direção ao mar. Ele queria vê-la de perto.
Em instantes, tentava realizar suas manobras, mas em todas as tentativas, perdeu a crista da onda e caiu na água. Uma péssima maneira de tentar chamar a atenção daquela menina.
Pelo menos na cabeça dele.
Porque, por parte dela, aquilo estava divertido. Havia pausado suas manobras apenas para observar aquele rapaz desengonçado tentando ficar de pé em sua prancha por mais de quinze segundos. A maneira com que ele remava e se jogava sobre a superfície entregavam que ele não era nenhum iniciante no esporte, e sim parecia estar em uma maré de azar. Literalmente.
O jeito como ele insistia no seu drop a chamava a atenção. Ele parecia não estar disposto a desistir tão cedo, até que, finalmente, conseguiu se equilibrar, e a forma com que ele deslizou sobre a água cristalina quase tirou dela o fôlego para viver. Seus pés se apoiavam sobre a prancha e guiavam os movimentos que ele fazia na borda da onda, como se já soubesse de antemão tudo que a maré o traria. Aquela manobra parecia ter sido ensaiada por meses, tamanha perfeição.
Assim que ele voltou à superfície após se jogar na água, olhou em todas as direções, procurando por ela. E, ao encontrar, seus olhares se chocaram como se o momento já tivesse sido planejado pelo universo.
Ela o observava profundamente, sem conseguir desviar. Ele a observava profundamente, sem conseguir desviar.
subiu em sua prancha e não hesitou em remar calmamente na direção dela. Ao se aproximar, sentou-se, a encarando.
― Meu nome é ― disse, finalmente.
― ― ela sorriu. O sorriso que ele jamais se esqueceria na vida. ― Gostei da sua batida...
― Obrigado. Foi muito difícil conseguir ― ele riu, sem graça.
― Sim, eu vi quantas vezes você caiu na água. Mas no fim, valeu a pena.
― Você viu? ― ele se assustou. Não chegou a imaginar que ela iria notá-lo antes de realizar um movimento perfeito.
― Sim. Perdi a conta na oitava vez em que você caiu. Depois disso, passei a torcer para que você continuasse caindo e eu continuasse me divertindo.
Ele franziu o cenho, encarando-a.
― Desculpe se no fim eu consegui fazer a manobra e você não pôde mais rir... ― deu de ombros.
― Tudo bem, você está perdoado. Mas pode voltar a ser prego novamente, para eu voltar às gargalhadas...
― Engraçadinha ― ele riu ― De onde você é? Seu sotaque não é daqui...
― Eu sou do Rio. Mas vou me mudar para Maceió em um mês, para fazer faculdade na UFC...
O coração de parou por alguns instantes, fazendo com que um gelo atravessasse seu peito. Aquilo só podia ser o destino pregando-lhe uma peça.
― Eu também!
― É mesmo? ― ele não sabia ao certo se era o reflexo da luz do sol na água, ou os olhos dela realmente brilharam ― O que você vai fazer?
― Física ― ele sorriu ― quem sabe assim eu melhoro minhas manobras, após aprender os ângulos certos...
― Interessante. Se descobrir como usar a física à favor do surfe, não deixe de me contar.
― E você?
― Fisioterapia. Assim posso tratar as lesões do esporte!
riu.
― Que coincidência, estou com uma dor bem aqui nas costas ― ele apontou ― Será que pode me ajudar?
― Levando em consideração que eu não cursei nenhum semestre ainda, é muito provável que eu te deixe aleijado, mas podemos tentar!
― É, vamos deixar isso para daqui uns anos ― ele riu.
― Você vai ficar aqui até quando? ― perguntou ela.
― Até o início das aulas. Eu moro aqui, em Noronha ― ele respondeu ― E você?
― Fico duas semanas.
― Você já esteve aqui antes?
― Na verdade, não... Sempre sonhei em surfar por aqui, mas nunca tive a oportunidade... Como passei no vestibular, meus pais me deram essa viagem de presente...
― E você está sozinha?
― Com minha irmã mais velha e o namorado dela. Ou seja, basicamente sozinha ― aponta na direção da areia, onde um casal está sentado sob o sol, conversando.
acompanha seu dedo, e enquanto volta a olhar para ela, tem a ideia perfeita. Se conhecer fazia parte do seu destino, ele iria colocar essa possibilidade à prova naquele instante.
― Se quiser, posso te mostrar a ilha... Ou acompanhar você com aquele casal, assim você não precisa ficar sozinha todo o tempo ― ele sorri, sentindo a pele do rosto queimar, e não era por conta do sol.
O rosto de se abre num novo sorriso.
― Eu adoraria!
― Pra começar, vou te mostrar as melhores ondas dessa praia.
― Desde que você continue a cair algumas vezes para que eu me divirta, você pode mostrar quantas ondas quiser!
― Você é bem engraçadinha, ein ― ele rola os olhos ― gostei de você!
Outubro de 2017
anda de mãos dadas a . Está ansiosa pelo momento em que os filhos chegarão e eles poderão estar naquela praia juntos, mas, de certa forma, também está extremamente feliz por ter a oportunidade de ficar sozinha com seu marido. Faz um bom tempo que eles não têm um momento desses.
Ainda mais na praia de Cacimba do Parque, com tanta gente andando pela areia e deslizando suas pranchas sobre a superfície das ondas agitadas.
O toque da areia morna em seus pés faz com que ela se encante por aquele momento. Desde que deixaram a ilha no fim do verão de 89, eles não tiveram mais tempo ou oportunidade de irem juntos até aquele lugar, que era tão deles.
Todas as lembranças do dia em que se conheceram parecem estar nítidas em sua memória. Ela pode jurar ver aquele casal jovem e alegre rindo sobre suas pranchas por quase uma hora, sem surfarem, apenas deixando com que a marola das ondas passasse por baixo deles. No dia em que se conheceram, ela teve a certeza de que aquele era o homem da sua vida. Sorri, ao se lembrar do quão encantador era o sorriso dele aos dezoito anos de idade.
― Do que está rindo? ― ele pergunta, chamando a atenção da esposa.
Ela o encara, e percebe, mais uma vez, que ele ainda tem o mesmo sorriso. As marcas de idade fazem com que ela tenha certeza de que eles chegaram juntos onde quiseram chegar, mas que, mesmo assim, o tempo parecia não ter passado para eles.
― Estou rindo de nós dois, quando nos conhecemos ― ela responde.
― Esse momento sempre me deixa envergonhado...
― Vinte e oito anos depois, você ainda sente vergonha dos tombos que tomou?
― Com toda certeza.
― Pense pelo lado bom: se não fosse isso, eu jamais te notaria. Haviam muitos outros rapazes surfando muito bem. Você se destacou!
― Acho que a maré me fez esse favor.
― Foi muito óbvio por parte do destino nos unir logo dentro da água... ― ela ri, e apoia a cabeça no ombro do marido.
Ele suspira. Fora mesmo muito óbvio.
― Foi por isso que eu tive a certeza de que, daquele dia em diante, meu coração seria só seu... ― suspira, e solta a mão da esposa. Ela ergue-se na ponta dos pés para beijar os lábios do companheiro, extasiada de felicidade. Estar ali, de frente para o mar, com aquele sol quente sobre suas cabeças e a areia entre os dedos dos pés dava a ela a certeza de que ela fizera a escolha certa ao se casar com .
Ela não percebera, enquanto se aproximavam, que haviam duas pranchas fincadas na areia logo à sua frente.
Quando finalmente nota a familiaridade daquelas pranchas, sente que o coração para por alguns instantes. Como havia as trazido sem que ela percebesse?
― Mandei trazerem ontem, para que você não desconfiasse ― ele diz, como se pudesse ler os pensamentos da esposa.
― , o que é isso?
― Nós vamos surfar, juntos, como nos velhos tempos ― ele sorri e apoia-se em sua prancha ― Ou você não quer?
ri, já retirando rapidamente o short jeans largo que vestia. observa a esposa empolgada com a situação, e seu coração esquenta.
― Quero ver o quão prego você ainda é! ― ela pega sua prancha e começa a leva-la em direção ao mar.
também faz o mesmo, largando os chinelos próximos ao short de . Corre, alcançando-a, e assim que a água morna toca seus pés, ele parece ser transportado de volta no tempo para o ano de 1989.
“Com aquela pessoa que eu escolhi pra ficar
E tudo que atrasa, deixa a maré levar
Deixa levar”
Janeiro de 1989
A noite estava quente na ilha. estalava os dedos, nervoso, temendo suar debaixo da camisa branca que usava. Esperava ansiosamente por em frente à sua pousada, para que pudessem ir ao luau que seus amigos estavam preparando na Praia do Bode. Era a primeira noite em que sairiam sozinhos, como um casal, sem a irmã mais velha da moça. Após muita insistência ela finalmente autorizou que eles dessem uma volta, mas deveria estar em seu quarto às onze em ponto. Por mais que o garoto tivesse passado vários dias ao lado de e da própria irmã, levando-as a ótimas praias e apresentando toda a ilha, ela ainda precisava ser protetora com a caçula.
Conseguir que saíssem para um luau era um grande avanço para . E ele não podia pisar na bola.
finalmente apontou no topo da escada, e se esqueceu do que era respirar. Ela estava maravilhosa com a pele bronzeada, as bochechas avermelhadas e os cabelos castanhos caídos em cachos largos pelos ombros. Usava um vestido longo de alças com flores amarelas, que destacavam a beleza do seu corpo.
― Você já pode piscar ― ela sorriu, ao se aproximar.
― E respirar também ― ele suspirou. gargalhou, aproximando-se dele e o abraçando pelos ombros. Ao se aproximar para beija-lo, ele, num reflexo, colocou o dedo indicador à frente dos lábios dela, impedindo-a.
Aquele seria o primeiro beijo deles, e ele precisou ser muito rápido para que não fosse banalizado ali, na frente da pousada.
― O que foi? ― ela perguntou, decepcionada ― Achei que estivéssemos esperando ansiosamente por esse momento.
― Eu estou esperando ansiosamente ― ele sorriu, lembrando-se do quanto Cecília, a irmã de , os importunava e não deixava com que clima nenhum rolasse entre eles ― Mas esperei tanto, que quero que seja especial ― completou.
o abraçou forte.
― Tudo bem, agora estou curiosa quanto a esse tal momento especial ― disse, e o soltou ― o que tem em mente?
― Não sei ainda, mas vamos nos surpreender ― ele deu a ela sua mão, e seguiram em direção ao buggy do rapaz.
Ele dirigiu rapidamente em direção à praia, antes que o sol terminasse de se pôr, e logo estavam com os pés descalços na areia fofa.
Uma fogueira chamava a atenção deles, com algumas pessoas ao redor. O som de alguns violões podia ser ouvido de longe, e enquanto se aproximavam, repararam em algumas tochas iluminando o caminho. Era mesmo um luau muito bem organizado. Havia comida, bebida, música, fogueira, pessoas rindo e conversando e o sol prestes a sumir ao fundo.
apresentou a todos os amigos que ali estavam, e ela pareceu sentir-se à vontade junto a eles. O assunto que trocavam era sobre o surfe, e como ela sabia muito bem sobre o esporte, não era muito difícil se enturmar rapidamente. A maioria deles, inclusive, se impressionava com o fato de ela ser uma mulher tão jovem e falar tão bem sobre o surfe, como se fosse uma profissional. se orgulhava a cada vez que ela falava qualquer coisa.
Após algum tempo conversando, sentaram-se próximos à fogueira, para observarem o sol se pôr. A luz dourada e tímida com que o sol se despedia no horizonte beijava a pele de , fazendo com que se perdesse em seus detalhes.
― Eu gostei dos seus amigos ― ela comenta, quebrando o silêncio.
― Eles também gostaram de você ― ele comenta. Eles, então, conseguem reconhecer a música que toca ao fundo, vinda do violão de alguém. “Maior Abandonado”, da banda Barão Vermelho. amava a banda, e sabia bem que também, pois já haviam conversado sobre suas bandas preferidas dias antes.
Se ele estava esperando que o universo o desse um sinal para agir e fazer daquele momento um momento especial, aquela era a hora perfeita.
Ele se levanta, estendendo a mão para . Ela sorri, e aproxima-se dele, que começa a guia-la em passos lentos de um lado para o outro. A versão acústica improvisada da canção deixa tudo mais fácil e mais romântico.
― Eu tô pedindo a sua mão ― ele cantarola baixinho no ouvido da garota ― Me leve para qualquer lado...
― Só um pouquinho de proteção a um maior abandonado ― ela complementa.
Antes que pudesse tomar fôlego para cantar qualquer outro refrão, ela é surpreendida pelo choque dos lábios de contra os seus. Eram quentes, macios, e pareciam se encaixar perfeitamente nos dela.
Foi um primeiro beijo maravilhoso. Um primeiro beijo cheio de sentimento e de expectativas atendidas, embalado pela melhor trilha sonora, com o mar de testemunha e o sol se escondendo para que tivessem privacidade. Um primeiro beijo que eles jamais se esqueceriam. Um primeiro beijo arquitetado pelo destino.
Enquanto se beijavam, e tinham plena certeza de que aquele não seria o único beijo de suas vidas. Mas que seria sempre o mesmo: como se fosse a primeira vez.
Outubro de 2017
e passam a tarde inteira no vai e vem das ondas daquele mar tão amado por ambos. Após retornarem à pousada, aquela em que ele esperou por ela na porta ansiosamente durante todos os dias em que se hospedou ali em 1989, estavam prontos para sair. tinha o mesmo bronzeado de quando se conheceram, e estava igualmente deslumbrante em um vestido longo. As flores amarelas eram agora azuis, e ela ficava linda da mesma forma.
― Nós não devíamos buscar os meninos no aeroporto? Não deram notícia até agora... ― pergunta, enquanto cruzam o caminho de pedras que leva a recepção à calçada.
― Nós não iremos ― ele diz, ao abrir a porta do buggy que alugara mais cedo. Voltar a pilotar aquele veículo parece leva-lo diretamente para os dias que passaram juntos na juventude. São poucas as lembranças, de apenas duas semanas, pois logo que ele iniciou as aulas na Universidade Federal, sua família também se mudou para a capital do Alagoas. Nunca mais voltara a Noronha junto a , em vinte e oito anos: escolhiam sempre destinos mais aventureiros como as ondas do Havaí, Thailândia e Ilhas Fiji...
― O que você quer dizer com isso? Lógico que iremos ― retruca ― Trate de pilotar esse carro em direção aos meus filhos!
― Amor, calma ― ri, e liga o motor. Antes de arrancar, retira o celular do bolso, e abre um vídeo que preparara com antecedência para aquele momento ― Assista no caminho.
― Caminho de onde?
― Você vai ver!
― Amor, eu quero meus filhos! Eu vou ligar para a Clara agora!
― Assista ao vídeo, ! Aproveite a brisa e assista ao vídeo, cuidaremos dos meninos depois ― ele tenta pela última vez convencê-la a assistir ao vídeo.
Enquanto dirige pelas ruas, o vento bate forte no cabelo de , fazendo com que o perfume inebriante vindo deles atinja os sentidos do marido. Ele sorri, ao observa-la finalmente concentrada na tela do celular.
“Então, acho que agora deu tudo certo” Clara e Antônio apareciam na frente da tela, como se tentassem arrumar a gravação “Oi, mãe!” dizem, em uníssono. Logo consegue perceber Pedro no colo de Antônio, enquanto eles se ajeitam em frente à câmera “Então, pra início de conversa, não tente matar a gente. Nós não vamos mais para essa viagem. A verdade é que a gente nunca ia” Clara ri “Desculpa, mãe... A culpa é toda desse marido louco que a senhora arranjou” Antônio ri “Louco por você, no caso. Olha o que ele fez!” Clara complementa. “Sim. O papai é louco, mas no fim das contas é louco por você. Estamos aqui, agora, arrumados para recebermos as pessoas na adaptação da festa de bodas de prata de vocês! E é tudo culpa dele” Antônio mostra as vestimentas, e finalmente consegue perceber o quanto os filhos estão bem arrumados “Espero que tenha gostado da tarde de surfe. Foi tudo minuciosamente planejado... E espero que tenha gostado também de ver suas pranchas aí, esperando por vocês. Tudo obra do papai!” Clara sorri “Ele pediu que a gente te contasse o quanto ele te ama, e o quanto está feliz por passar vinte e cinco anos casado com você. Veio com um papo doido de realizar o sonho de envelhecer ao seu lado e coisa parecida” Antônio sorri, e abraça o filho no colo “Vocês viveram uma vida juntos. E nós somos muito gratos por isso! Sem ela, nós não existiríamos” Clara limpa o canto do olho, prestes a chorar. faz o mesmo involuntariamente, e tem vontade de gargalhar ao perceber “Nem o Pedrinho existiria. Então, nós três somos gratos!” Antônio ergue o braço do filho “Muito gratos, principalmente, ao mar. Por ter juntado vocês dois. A gente sabe que tudo começou por culpa dele” ele completa. “Já ouvimos essa história mil vezes e nunca vamos nos cansar de ouvir novamente. Mas, agora, ta na hora de atualizar ela um pouquinho, não é mesmo?” Clara sorri. “Esse seu marido maluco tá cheio de surpresas. E a gente quer que vocês vivam essas surpresas juntos!” Antônio levanta a mão de Pedro novamente e acena. “Aproveitem. Vocês merecem! Tchau, mãe. Tchau, pai!” Clara acena. “Tchau, meus velhos. Diz, tchau, Pedrinho” Antônio olha para o filho “Tchau, vovó e vovô” E então Clara se levanta para desligar a câmera.
O carro já está estacionado sem que perceba o tempo passar. a observa, sorrindo, emocionado. Ela limpa as lágrimas que insistem em escapar de seus olhos. Colocar os filhos para dizerem aquilo foi um golpe muito baixo por parte de .
― Você é ridículo ― finalmente diz, e gargalha ― O que tá aprontando?
― Nossas bodas de prata. Na nossa praia. ― ele sorri e desce do carro. Dá a volta e abre a porta para a esposa ― Pronta?
Ela, ao descer do veículo, finalmente consegue observar o que os espera: um luau, na praia que ela conhecia muito bem. Praia do Bode, onde deram o seu primeiro beijo. O cenário era praticamente uma viagem no tempo: as tochas guiando o caminho, a fogueira, o céu colorido pelo pôr do sol ainda recente, a comida, a bebida. Faltavam as pessoas, pois parecia ter sido planejado apenas para os dois, mas havia uma dupla com um violão em mãos.
Os dois corações estão disparados, batendo tão fortemente que ambos conseguem sentir a pulsação em suas mãos entrelaçadas.
― , o que...
― Shhh ― ele sussurra, e, assim que se aproximam, o violão começa a tocar a melodia tão conhecida pelos dois. Barão vermelho. Maior Abandonado. ― Escute a música...
― Eu n...
― Eu preciso fazer uma declaração aqui ― ri, interrompendo a esposa. Ela gargalha junto ― Deixa eu falar, porque estou nervoso.
― Até parece que não me conhece há vinte e oito anos!
― É que há vinte e oito anos você me deixa nervoso com esse sorriso ― ele ri ― E eu sou grato por isso. Por todos os frios na barriga, por todos os medos, por todas as risadas. Por todos os momentos bons e ruins. Sou grato a você. Sou grato ao mar... Ao destino. À toda essa trama que ele nos criou. Às ondas que me jogaram fora da prancha naquele dia de janeiro. À nossa praia...
― Eu também ― ela pisca algumas vezes, tentando conter as lágrimas.
Não acredita que o marido fora capaz de cancelar uma festa de bodas de prata para passar aquele momento junto a ela.
― À meia noite faremos vinte e cinco anos de casados. Estou com medo. De que esses vinte e cinco sejam nossos únicos vinte e cinco anos casados...
― Não tenha medo...
― Eu tenho. Eu tenho medo de te perder pois você é a mulher da minha vida. Você foi um presente. E, nesse instante, eu quero garantir que passemos mais vinte e cinco anos juntos... No dia do nosso casamento, fizemos nossos votos dizendo que iríamos envelhecer juntos. Mas parece que o tempo parou pra nós! ― ele ri, e se ajoelha. O coração de dispara no peito ― Então, eu quero garantir que esses votos se estendam. Se, a partir de hoje, envelhecermos, que seja juntos... E aqui, na nossa praia, de frente para o mar, com a pessoa que eu escolhi pra ficar o resto da vida, eu tenho uma proposta ― retira do bolso uma caixa aveludada preta ― Quer casar comigo novamente, ?
Antes mesmo de contemplar o anel de brilhantes dentro da caixa, se joga na direção do marido, fazendo com que caiam na areia juntos. Eles gargalham, e ela o abraça forte. Aproxima-se, e beija-lhe os lábios. Como na primeira vez em que se beijaram, com aquela água como testemunha.
― Eu caso com você pro resto da vida!
Fim.
Nota da autora: Olá, Brasil!!
Muito obrigada por lerem essa Ficstape! É minha primeira Ficstape no site, e eu tenho um carinho IMENSO por essa música! (caiu como uma luva para uma primeira vez ahhahaha).
Resolvi fazer uma história que fugisse do clichê jovens do século XXI e me arriscar trazendo um casal mais velho, mais maduro. Espero que tenha dado certo!
Espero MUITOOOO que tenham gostado dessa história. Não deixem de comentar!
Até o próximo ficstape!
Participem do meu grupo no facebook para conhecerem minhas outras histórias e receberem conteúdos especiais sobre elas!
Outras Fanfics:
Bride to Be (Longfic/Originais/Em Andamento)
Entre Fraldas e Guitarras (Longfic/Originais/Em Andamento)
Fale agora, ou cale-se para sempre (Shortfic/Originais/Finalizada)
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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