Capítulo Único

Ele acordou com uma terrível dor de cabeça.
Usava apenas sua cueca preta, que parecia estar manchada com algo. Levantou-se devagar na cama, apertando a têmpora para tentar amenizar a sensação agoniante. Ela aumentava em tamanho a cada minuto que se passava. O lençol percorreu seu abdômen nu, expondo-o a um pouco de frio. Depois de alguns instantes, encontrava-se de pé. Começou a tatear a cômoda ao lado de sua cama buscando por seu óculos, e quase perdeu o equilíbrio ao fazê-lo.
Não tinha nenhuma cômoda ali.
Aquilo de alguma forma deu um estalo em sua cabeça, e prestou atenção aos arredores do seu quarto.
Na verdade, não era o seu quarto.
Ele não fazia ideia de onde estava nem como tinha chegado ali.
Tentando não entrar em pânico, começou a vasculhar o chão do cômodo desconhecido em busca de suas roupas. Percebeu que elas estavam espalhadas, junto com outras coisas que não eram suas. Conseguiu ver uma calça preta, que era claramente mais comprida que qualquer uma que ele tinha, uma camisa de botão azul petróleo com alguma estampa, que não conseguia identificar pela distância, sapatos e meias…
As meias estavam perto de si. Conseguiu ver bem a cor delas, estampada como uma denúncia.
Vermelhas vivas.
Ele conhecia apenas uma pessoa que usava meias naquele tom tão gritante de vermelho.
Arregalou os olhos e, mudando seu foco para a cama em um movimento brusco, que não lhe ajudou em nada com a dor de cabeça, percebeu que a cama não estava vazia.
E o homem nela estava completamente nu, de bruços, o lençol porcamente fazendo seu trabalho de cobrir qualquer coisa.
Foi com um baque que as memórias da noite anterior preencheram a mente do pequeno .

A decepção nos olhos de , os vários shots de tequila, vodca e… absinto? A vergonha que exalava por seus poros. E, então, dedos firmes o agarrando pelos ombros, confuso, um sussurro convidando-o para dançar, seu corpo suado movimentando-se colado em outro, as mãos buscando algum apoio, segurando-o pelos quadris, o riso leve e aquela sensação… A sensação de que ainda havia muitas outras formas de ser feliz.
Sobretudo, o calor. Lembrava-se do calor.
Que calor?
Não estavam mais no bar quando ele o sentiu. Tinham pegado um táxi? Tinha aconselhado a ir descansar, que estava divertido, mas já estava tarde. O pequeno se contrapôs, negou, queria continuar dançando e dançando até seus problemas e seus medos irem embora. Percebeu que o outro estava tão bêbado quanto ele, entretanto era mais sensato.
começou a discutir com a própria memória, já que sua parte cognitiva, no momento em que tudo aquilo ocorreu, não pareceu fazê-lo corretamente.
Por que ele estava agindo daquela maneira com ?
Por que tinha o convidado para dançar?
Por que aceitou?
Ah, claro, o absinto.
Por fim, cedeu ao desejo do outro e entrou no táxi com ele. Lembrava-se que dois endereços haviam sido dados. Como se mesclara em apenas um?
olhou para a denúncia embaixo dos seus pés.
As meias.

— Por que você sempre usa meias vermelhas? — ele indagou. Apesar da fraca iluminação dos postes na rua e da velocidade do carro, as pernas cruzadas do homem faziam sua calça subir, e as meias estavam à mostra.
Recordava-se da risada boba que recebeu como resposta.
— Por que você é tão curioso? — e olhou profundamente nos olhos de , como se buscasse uma resposta dentro da mente do menor. A intensidade daquele olhar fez o corpo de reagir de uma maneira que ele não conseguira prever suas ações em seguida.
Estava tudo tão quente.
Aproximou-se do outro, quebrando o contato visual e inclinando-se para tocar no algodão vermelho. Subiu os dedos levemente, passando pelo tornozelo dele. Não notou a forma com que o homem reagiu ao súbito toque de . Continuou pela perna, chegando ao joelho, até que o outro descruzou as pernas e ajustou sua postura. Esperou para ver o que faria em seguida. Este, por sua vez, sentiu os músculos tensos de sua coxa, até que finalmente voltou seus olhos novamente para ele.
Tudo o que via era inebriado.
Apertou a carne dele, puxando-o para ainda mais perto do seu corpo, e manteve aquela mão ali, enquanto a outra agarrou na gola da camisa de .
— Porque você é gostoso como o inferno com essas meias.
Impulsionou-o contra si pelo colarinho e beijou-o como se, de alguma forma, aquele calor pudesse cessar se o beijasse o suficiente.
Descobriu em pouco tempo que não havia como mensurar o que seria o suficiente.
Beijava-o profundamente, sentindo os dedos de na nuca dele em algum momento. O maior puxava seu cabelo, apertava-o no quadril, enquanto não parava de sentir os lábios contra os dele, aplicando mais pressão, mordendo-os. Seus corpos chocavam-se com os movimentos irregulares do carro, e só queria mais, mais e só via mais .
As mãos fortes de sobre si, o pescoço imaculado, a orelha sensível, a camisa irritantemente ainda para dentro da calça, os cabelos macios e com um cheiro narcótico, as coxas firmes, que de alguma forma serviram de colo para ele. As meias…
Porra, as meias… Vermelhas ardentes, que complementavam a boca de .
A boca de nele. No seu colo, no seu pescoço, subindo para o lóbulo, descendo novamente para seu tórax, mordiscando e lambendo seu mamilo, arrepiando-o, esquentando-o.
Não era mais um carro, era uma cama. Não estavam mais vestidos, não tinham mais calças, não tinham mais inibições. Roçavam-se um no outro, buscando saciar o desejo que crescia e nunca chegava em qualquer limite. Exploravam-se, tocavam-se, engoliam com ardor cada pedaço de pele exposto.
Calor. Tudo queimava dentro dele.
E, ao longo de toda aquela bagunça de sensações, via somente e o que fazia com ele.
Da mesma maneira com que, naquele momento, apenas via a bunda de .

O maior dormia profundamente, ainda sem ciência da ressaca que teria quando abrisse os olhos. Estava sonhando com figuras sem forma, que falavam coisas que não entendia. Perguntava-lhes o que queria dizer aquilo, mas nada fazia sentido. Então, no meio das figuras sem forma, havia uma pessoa em pé, parada, de costas para ele.
foi atrás daquela pessoa, logo notando a diferença de altura entre ambos. Sorriu, lembrando-se de…
A pessoa virou de frente para ele quando chegou mais perto e abriu um sorriso. Usava óculos redondos e pretos, que não deixavam seus olhos em destaque.
Porém, queria olhar para seus olhos.

adorava os olhos dele.
— O que é?
A voz do menor era doce, suave, como se sussurrasse.
, tire os óculos.
Tocou na bochecha esquerda de , passando o polegar sobre ela. Ele parecia confuso.
, acorde.
O que ele queria dizer com isso? Não queria que fizesse carinho?
Ele sempre quis fazer carinho no outro, mas nunca conseguiu chegar perto o bastante.
— Seus olhos, . — disse delicadamente, sem completar muito bem o pensamento.
Aproximou a mão da haste na orelha esquerda do menor, tentando tirar devagar, mas foi impedido por uma agarrada firme em seu pulso.
, acorde. — disse, mais forte, ecoando no subconsciente de e provocando seu sonho a se encerrar.

acordou com uma terrível dor de cabeça.
Também estava frio, e sua reação imediata foi buscar pelas cobertas.
No caminho, sem querer bateu no tronco de alguém, o que o deixou confuso. Subitamente levantou a cabeça para olhar para o seu lado esquerdo, tentando entender quem estaria ali, em seu quarto, junto com ele.
Quando viu o abdômen esguio e as calças jeans, sentou-se na cama em um pulo. Não foi uma boa ideia, porque automaticamente percebeu que não tinha cobertas e muito menos uma cueca.
Puxou o lençol rapidamente e encarou em extrema confusão.
— Mas o que diabos…
parecia mortificado e evitando olhar para o corpo de . Manteve seu rosto fixo com o chão, a voz meramente um murmuro.
, me desculpa, vou embora. Só não queria que você ficasse deitado assim, talvez vomitasse.
Tudo estava nublado na memória de . Ele nunca tinha se dado bem com tequila, e aquilo parecia ser as consequências de algumas doses da bebida. O que estava fazendo no seu quarto? O que fazia sem roupas?
E aquela terrível latência em sua cabeça.
Viu o menor pegando uma camisa que estava jogada no chão.
Roxa.
Gostava de de roxo.
Talvez não existisse uma só cor que não gostasse de usando, mas o roxo iluminava a sua pele.
Um flash veio, de algo roxo sendo retirado às pressas, algo azul bem escuro sendo puxado para fora de suas pernas, algo preto… Óculos pretos. Retirados com um cuidado que não cabia ali, pois estava tão rápido, agitado e emaranhado.
Ardente.
Ardia, sobretudo ardia.
Então, lembrou-se do resto. Recordou-se por que ardia, assim como a forma com que os dois lidaram com aquilo. Pele contra pele, desejo contra desejo. A sucessão dos acontecimentos, especialmente a realização do que ele próprio tinha feito, o fez ficar petrificado na cama.

vestiu a camisa e logo notou seus óculos não tão distantes, em cima de uma bancada colada à parede. Pareciam ter sido colocados ali com cautela, não simplesmente jogados.
Minimamente estranho.
Colocou-os e juntou sua coragem para se despedir de sem olhar fixamente para o piso do quarto dele.
Quando viu a expressão que o outro portava, sabia que ele já havia se relembrado dos eventos.
Não quis usar muitas palavras e apenas dar um fora dali.
— Tchau, .
Já estava com os sapatos calçados e andou rapidamente na direção da porta. Abriu-a, porém a voz do maior o conteve.
— Espere.
Relutantemente, obedeceu-o. Fechou a porta e uniu as mãos, em um movimento nervoso, virando-se para olhar para .
Se, na noite passada, tudo o que ele via era , naquele instante, tudo o que não queria ver era ele.
— Eu não… — balbuciou, limpando a garganta e tentando novamente. — Eu não quero que você vá embora antes de deixarmos claro o que quer que tenha sido isso.
Claro, ele odiava manter as coisas em caixinhas. Sempre escolhia o confronto direto a guardar algo que o agoniava.
Ajeitou os óculos no rosto e juntou as mãos novamente, ponderando sobre como responder aquilo.
— Estávamos bêbados, . Foi isso que aconteceu.
O baque surdo das suas costas contra uma parede, seu pescoço sendo beijado e provocando calafrios que ressoavam por todo o seu ser. O cheiro do cabelo de próximo ao seu nariz, suas pélvis roçando-se em uma dança torturante.
Os gemidos que saíram de sua boca.
É claro que aquilo havia sido impulsos de dois homens fora de suas capacidades lúcidas, afirmava enfaticamente em sua cabeça.
Não tinha mais nada a ser dito ali.
— Você… — colocou a mão na testa, como se tentasse forçar a memória a sair. — Você falou das minhas meias.
Sentiu seu rosto ficar total e completamente vermelho.
Irônico, para dizer o mínimo.
— Esquece o que eu disse. Misturei muitas coisas fortes.
Ah, não ia escapar assim, pequeno .
… — prosseguiu , retornando seu olhar atento para o menor, naquele momento com um quê de foco que não tinha ainda apresentado antes. — Você falou que…
Não, ele não falou. Não, estava delirando.
Não tinha dito aquilo.
— Falou que estava quente, e que eu era o próprio pecado.
Merda.
Instintivamente, deu um passo para trás.
— Eu não… — tentou argumentar.
foi mais rápido.
— Pensava que eu não reparava em você.
Que tipo de memória bizarra depois de um porre tinha aquele homem? Céus, estava tão, tão ferrado.
, de novo, eu estava embriagado e sem bom senso. Você fala as coisas mais sem noção quando experimenta absinto.
O maior levantou-se da onde estava sentado, agarrando o lençol com ele. Começou a caminhar em direção a enquanto este deu mais alguns passos para perto da porta, fugindo dele.
— Então nada do que você disse era verdade?
Tão inquisitor, tão direto. Sim, de fato, ele estava perdido.
Porque não conciliava bem com ser nítido e claro em tudo que fazia.
— Era besteira. — contornou a pergunta, não exatamente a respondendo. Tudo doía, e ele só queria sair dali.
Pensar demais estava deixando a situação ainda pior.
Por que as coisas não podiam ser simples? Por que eles só não podiam fazer um acordo silencioso de nunca mais falar sobre aquela noite?
era tão sério e correto.
Onde estavam os legítimos fuck boys quando se precisava deles?
— Você acha que eu não reparo em você?
Fale que sim. Fale que sim e só vai embora, sem olhar para trás.
Ou fale que não.
Minta.

— Porra, , por que você tem que ser assim? — fraco, um sussurro, mas foi ouvido.
O cheiro subitamente saiu de perto do seu nariz, e o outro parou de beijar seu pescoço para olhá-lo com confusão.
— Como assim?
agarrou a barra da calça do maior, puxando-o contra si e invertendo suas posições na parede. De alguma forma, não caíram no processo.
— Beija dessa forma deliciosa e ainda coloca esse cabelo onde eu possa sentir seu cheiro. Você é o próprio pecado em forma de homem. — Começou a desfazer o cinto da calça com uma mão, ao mesmo tempo em que, com a outra, agarrava na nuca dele.
Aquilo foi demais para .
— Ah, isso é injusto. Você está sendo injusto. — Deixou o menor puxar-lhe pela nuca e voltou a beijá-lo, saboreando ainda mais tudo o que estava oferecendo para ele. Sentiu seu cinto sendo desfeito e a calça caindo aos seus pés, chutando-a para fora. — Quem te deu o direito de falar isso?
não respondeu à provocação, prosseguindo no seu trabalho de dar atenção ao que chamava por ele. Passou a ponta dos dedos levemente, conseguindo sentir uma pulsação. Abriu um sorriso maquiavélico.
— Está quente, .
Deu um aperto firme, porém preciso, e soltou o ar que não sabia que prendia.
— Fui eu que te deixei assim? — indagou, em falsa inocência. Aproximou-se da orelha do maior e lambeu de leve a parte externa, assoprando em seguida e vendo-o tremer. — Foi?
Sentiu a mão que usava para segurar seu quadril apertar-lhe mais.
Gostou muito daquilo.
— Seu merda. — respondeu , pegando no rosto dele bruscamente e roubando outro beijo. beijava-o sem qualquer pudor enquanto fazia movimentos leves com a mão sobre a cueca de , às vezes apertando.
Estava levando ao seu limite de paciência e queria ver sua explosão.
Depois de alguns instantes sendo torturado, o maior resolveu agir, desabotoando o botão da calça jeans de e ele próprio arrancando-a para fora.
— Ah, parece que ficou impaciente. — ironizou , deixando-o fazer tudo aquilo. devolveu um olhar obscuro em resposta.
— Eu deveria colocar uma mordaça em você.
Aquilo fez ter um acesso de riso, até porque, de certa forma, concordava com ele.
Saiu de perto de e sentou-se na beira da cama, as pernas ligeiramente abertas e as mãos atrás do seu corpo, apoiando-se no colchão. Encarou com as sobrancelhas erguidas.
— É estranho ouvir essa frase saindo de você.
chegou perto a passos lentos, como que estudando o outro.
— Por quê? Porque é verdade?
Todas aquelas olhadas secretas para a mesa de , vendo-o concentrado em seu trabalho e digitando furiosamente. Almoçando com os colegas, observando rindo com uma das assistentes do outro lado do cômodo enquanto dava mordidas em seu sanduíche. Sentindo-se cometendo um pecado ao corar ao olhar para as meias e depois para a boca quando estava sentado. Desejando boa noite, conversando amenidades, vendo-o seguir seu caminho para o lado oposto depois do fim do expediente, mas nunca, nunca chegando perto.
— Não. — disse, firme. — Porque nunca achei que você fosse me notar para sequer falar isso.
Uma parte consciente de lhe disse para que parasse o que fazia, ignorasse o homem seminu na sua cama e questionasse aquilo. Parecia algo importante, algo relevante. Entretanto, colocou as duas mãos perto dos quadris de e inclinou-se para cima dele, chegando perto de seu rosto, perto de sua boca.
E aquilo tirou qualquer pensamento racional de sua mente.
— Para de falar um pouco e me beija, idiota.
obedeceu sem qualquer ressalva. Puxou pela barra de sua cueca e sentiu seu calor sobre ele mais uma vez.

— Não. — respondeu, sem olhá-lo nos olhos.
Os lábios de percorrendo os seus mamilos em direção ao abdômen, depois abrindo-se em um sorriso ao começar a puxar sua cueca para baixo, para que pudesse se abaixar e beijá-lo onde queria que ele o beijasse.
Os mesmo lábios que via de longe, temeroso, querendo alcançar, com medo de sua reação. sempre se prontificava com tanta elegância e postura que sabia que nunca ia lhe interessar.
— Não acho isso. — repetiu, decidido. — Somos colegas de trabalho, nunca te vi de outra forma, muito menos me importei com você me notando ou não. Vamos esquecer completamente que isso aconteceu.
Não olhou para trás quando foi embora.
Não viu segurando-se um pouco mais firme o lençol que cobria seu corpo.
Não o viu sentado na cama, atônito, sem saber o que fazer.
Não viu a mágoa em seus olhos, ou a decepção, ou o ódio por ter sido tão burro, por ter acreditado que talvez, só talvez, pudesse ter algum interesse nele.

Contudo, viu na segunda-feira seguinte.
Sem suas meias vermelhas.
Eram pretas em vez disso, bem simples. Era estranho vê-lo sem alguma cor berrante que lhe caía bem.
— Bom dia. — disse, simples, cumprimentando-o como se fosse qualquer outro dia. parou o caminho que fazia para a sua mesa, que era imediatamente na frente da de , e olhou para ele. Seus olhos não continham nada além de cansaço pelo começo do expediente.
— Bom dia, . — deu um leve sorriso, da mesma forma com que sempre fazia, e sentou-se no seu lugar. Em pouco tempo já estava concentrado no trabalho que precisava fazer e não falou mais nada.
O que esperava, afinal? Que parecesse destruído? Ele era profissional o bastante para não trazer conflitos para o ambiente de trabalho. Claro que não ia começar uma briga por um simples “bom dia”. E ele tinha qualquer direito de exigir que se importasse, depois de ele próprio falar que não se importava?
Controvérsias, controvérsias.
Não conseguia fazer a papelada direito, estava muito distraído. Aquilo o deixou nervoso. Não queria outro olhar de como o da sexta passada, nem lhe dar motivos para mudá-lo de departamento ou até demiti-lo por incompetência. Tentou ao máximo não desviar seu foco.
Por algum motivo, as meias pretas estavam chamando mais a sua atenção do que as vermelhas. Queria entender por que, logo hoje, decidiu comprar meias novas.
Seria tolo se perguntasse aquilo para ele, e provavelmente receberia um fora. Porém, aquilo estava incomodando-o de tal maneira que não conseguiu se controlar.
— Não está usando suas meias vermelhas hoje.
parecia absorto no que fazia, e ouvir a voz de o assustou um pouco. Virando-se com certa calma para ele e mantendo um semblante neutro, respondeu:
— Decidi testar algo novo.
E voltou seu olhar para a tela do computador.
Talvez aquilo seria o bastante para qualquer outra pessoa, mas não para .
— Por quê?
Ele estava praticamente pedindo para receber um fora.
— Porque estava cansado das outras meias.
Tom calmo, expressão neutra, uma resposta razoável para uma pergunta intrometida. , já conseguiu o que queria, então largue.
— Você as usava sempre, eram sua marca registrada.
Céus, feche a boca.
— Às vezes precisamos mudar um pouco.
Algo estava lhe dando nervoso, estava muito calmo. Parecia a postura perfeita para um esquecimento completo de eventos que não deveriam nunca ter acontecido. Estava lhe tratando bem, além do que deveria. O que ele queria com aquela insistência?
— Acho que você não precisava ter feito isso.
Então, viu. Bem ali. No canto dos olhos. O incômodo.
— Eu não precisava ter feito muitas coisas, mas dificilmente isso vai alterar alguma coisa.
estava testando-o da forma mais estúpida que conseguia pensar: usando outro assunto para falar sobre o que queria falar.
Não tinha sido ele próprio que tinha pedido para que esquecesse daquilo?
— O que quer dizer com isso?
Desviou os olhos da tela pela segunda vez e encarou com uma expressão que ele nunca tinha visto antes no maior.
— Estou trabalhando, . Você pode fazer esse questionário em outro momento, tenho certeza. Me mande um e-mail com todas as suas perguntas e responderei cada uma cuidadosamente.
Com isso, se calou.

Algumas horas mais tarde, foi para a sala de arquivo para tentar encontrar um documento de cinco anos atrás que precisava. O lugar tinha um tamanho considerável, cheio de pastas e um pouco de poeira, e ele ainda não tinha conseguido achar a coluna do ano correto. Estava já há uns bons dez minutos procurando por ela quando ouviu a porta ser aberta.
Olhou despreocupadamente, esperando ver algum funcionário que talvez o ajudasse em sua procura.
Para seu horror, reconheceu o funcionário.
— Eu só quero falar com você. — disse, fechando a porta atrás de si. Aproximou-se de um parado em surpresa e manteve certa distância. — Por que você fez aquilo?
Era provável que ele tivesse desaprendido a falar.
Alguns segundos constrangedores se passaram até que encontrou sua voz.
— Aquilo o quê?
Genial.
— Por que ficou insistindo sobre as meias?
Para ser sincero, não sabia.
Para ser ainda mais sincero, sabia exatamente o motivo.
Porém, é claro, optou pela opção fácil.
— Não sei, .
O maior comprimiu os olhos, ficando ainda mais sério.
— Desculpa, , mas isso não é uma resposta decente.
Ele suspirou, sabendo que tinha razão, mas ao mesmo tempo não tendo a coragem de assumir o que estava pensando.
— Você fugiu alegando que era para eu esquecer o que aconteceu, dizendo que nunca tinha me visto como nada mais que um colega. Então, dois dias depois, fica tentando puxar algum assunto comigo, me dizendo o que acha ou não das minhas meias, sendo que nunca tinha falado nada sobre elas até sexta passada. Me diz se isso tem alguma coerência, .
Ele sabia que não tinha.
deu um passo para frente.
— Já entendi que você não está interessado em mim, que não quer ter nada comigo e gostaria que aquilo nunca tivesse acontecido. — falou aos tropeços, parecendo nervoso. — Eu só queria te pedir, por favor, então, que voltasse a agir como sempre agiu comigo, que era o de sentar em frente a mim e conversar apenas o estritamente necessário. Porque as coisas aconteceram há muito pouco tempo, e ainda dói. Mas eu sei aguentar uma rejeição.
ajeitou os óculos no rosto, processando o que havia acabado de dizer.
Rejeição?
— Não vai falar nada? — insistiu, respirando de forma irregular depois do que tinha dito.
— Por que foi uma rejeição? — perguntou sem qualquer tato, confuso, buscando alguma coisa que não conseguia colocar em palavras.
Porra — soltou , incrédulo. — Eu não acredito que você está perguntando isso. Qual é o seu problema?
Começou a se afastar, não esperando qualquer outra coisa.
O que estava fazendo?
Poderia ser tão burro assim?
! Espere.
Ele devia ter continuado andando. Deus sabia que ele queria ter continuado andando. Entretanto, parou onde estava, segurando ainda mais forte as lágrimas, que teimavam em vir.
— Eu… — balbuciou. O que supostamente deveria dizer para consertar aquilo? Tinha algum jeito de consertar a sua estupidez? — Eu menti.
ainda estava de costas para ele.
— Eu acho que você não repara em mim. — Mexeu em suas mãos, tentando aliviar a tensão do seu corpo. — Sempre achei. Você… sempre pareceu tão bonito para se observar à distância, algo longe demais para se tocar. Tão certo e maduro, que… Que não ia querer saber de um idiota como eu.
Ele reparou em fechando a mão em um punho.
— E aí eu fiz aquela burrada com aquele cliente na sexta, e eu só queria esquecer de tudo aquilo, nem que fosse por umas horas, no bar com o resto do pessoal, e você vem e pergunta se eu quero dançar… — Soltou uma risada que não tinha nenhuma graça contida nela. — Devia ser o absinto me fazendo delirar. Mas era você mesmo, e eu dancei com você, e foi divertido. Não foi só divertido, eu estava me sentindo como o cara mais sortudo de todos.
Viu abaixando um pouco a cabeça, sem praticamente se mexer do seu lugar.
— E, claro, você é uma pessoa correta. Sabia que já estava ficando tarde, e que nós dois já estávamos bem bêbados. Chamou um táxi, e foi só eu ter outro relance daquelas meias vermelhas que… — parou de mirar fixamente na nuca de e encarou o chão. — Elas ficam tão bem em você, complementam a cor dos seus lábios. E eu não conseguia tirar meus olhos deles. — aquilo ele disse em um tom mais baixo, porém ainda audível. — Eu nunca consigo parar de te ver. Tudo o que me lembro de sexta é olhar para você, admirá-lo, pensar no que eu fiz, pensar no que você fez, mas principalmente no que seus dedos, suas mãos e sua boca fizeram comigo. E é sufocante. Sufocante para caralho.
estava tão absorto em suas lembranças e em encarar o chão cinza e feio da sala de arquivo que não viu quando virou em corpo em sua direção e caminhou a passos fortes para ele.
Só reparou naquilo no momento em que o braço de pressionou o seu peito para trás e, completamente surpreso, foi empurrado até uma parede que ficava em um canto escuro da sala, parecendo ser praticamente um ponto cego.
O baque de suas costas contra a parede não foi surdo dessa vez, porém não o machucou. olhava-o com uma mistura de raiva e mais alguma outra coisa.
— Você está falando sério agora? — questionou, bastante firme, e soube que se dissesse qualquer outra coisa que não a verdade, estaria perdido.
— Estou. — assegurou, com receio de encará-lo, mesmo assim o fazendo. — Estou falando muito sério.
— Não se arrepende do que nós fizemos? — sua voz era incerta, contendo ainda um pouco de mágoa.
— Não, . Eu… — Tentava colocar aquilo nas melhores palavras que conseguia pensar. — Eu não sei se algum dia vou conseguir esquecer uma coisa que, pela quantidade de álcool que eu bebi, era para eu ter esquecido. Você se impregnou na minha mente, que nem uma droga, e eu só vejo você. Só penso em como você nunca vai querer ter mais nada comigo depois de eu ter agido que nem um babaca.
— Merda, era o que eu deveria fazer. — Pôde ver os olhos marejados de tão perto de seu rosto, e algo quebrou dentro de . Aquilo era culpa dele, culpa de sua estupidez. — Inferno, , era mesmo o que eu deveria fazer.
abaixou o rosto mais uma vez, tentando se acalmar e respirando fundo. Tinha que se manter são para lidar com aquilo.
Por quanto tempo ele pensou que não gostava dele? Que o achava chato? Todos aqueles meses olhando discretamente para ele trabalhando, vendo-o ajeitar sem nem perceber o óculos em sua cara, e querendo poder olhar melhor para seus olhos. Tomando sempre cuidado com o que falava, sorrindo para ele, mas não sorrindo tão abertamente, para que não achasse que ele era um maluco. Observando-o de longe enquanto prestava metade de sua atenção nas conversas durante o almoço, ouvindo-o contar piadas para seus colegas.
A coragem que teve que reunir para tentar atrair a atenção dele naquele bar. Para passar vergonha dançando de uma maneira esquisita, mas pelo menos estaria mais perto dele. Podia olhar para os seus olhos, ver aquela pintinha perto de sua boca. Chegar o mais perto que já havia chegado antes, sentir o calor do corpo dele.
Sentir aquele calor com ele embaixo de si enquanto ele o beijava, acariciava, explorava seu corpo.
De fato, ele deveria não querer ter mais nada com ele depois que agiu como um babaca. Depois que literalmente fugiu dele, fugiu da situação. O que garantia que não fizesse de novo?
Contudo, ele certamente não ouviria a razão daquela vez.
— Foda-se. — soltou ainda com o rosto para baixo, levantando-o bruscamente e agarrando a nuca de , da mesma forma que tinha feito dois dias atrás, para puxá-lo contra si. não o impediu. Os lábios dos dois chocaram-se abruptamente, mas não foi um problema. As emoções estavam borbulhando dentro deles, e aquele beijo apenas completou a bagunça da situação toda. Pressionavam-se de diversas formas, não conseguindo ficar muito afastados por algum tempo, porque queriam aquele momento.
Queriam aquela sensação deliciosa de um beijo ardente, um pouco desajeitado, mas que estava em sincronia com o desejo que sentiam um pelo outro.
Era cru e verdadeiro. Guardado a sete chaves, atormentado por medo de rejeição e de vergonha.
Agora exposto.
E, pela posição estratégica, fora do alcance das câmeras da sala de arquivo.


Fim



Nota da autora: Primeira vez que eu escrevo fanfic com temática LGBT socorro??????
Espero que não tenha decepcionado quem veio ler só por causa da música, que é, de fato, o meu maior medo no momento em que coloquei aquele último ponto final. Tentei fazer jus à... ambientação da dança de The Eve e trazer para vocês esse enredo delicioso de fazer merda depois de beber horrores.
Alguém aqui já teve o (des)prazer de experimentar absinto, aliás? Posso afirmar que tem gosto de pasta de dente. E te faz cometer más decisões.
Se bem que eu queria que a má decisão que eu cometi depois de experimentar esse troço tivesse sido conseguir um crush. Na ocasião, eu só beijei quem não devia.
Deus me dibre absinto, gente.
Beijos no core iluminado de vocês,
Caroline.





Outras fanfics minhas:
12. Tomorrow (Ficstape #060: Olly Murs - Never Been Hurt/Finalizada)
03. Where Do Broken Hearts Go (Ficstape #003: One Direction - Four/Finalizada)
His Phonecall (Outros/Shortfic)
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