Última atualização: 01/07/2018

Manhã no hotel

Os dedos de corriam pela tela do celular. “Tô no hotel”, digitou. “Vou pra casa depois do almoço. A colação é no final da tarde.

ainda não sabia ao certo como deveria se sentir.

Imaginou que após o baile de formatura estaria completo, foi um bom aluno no highschool, afinal. Conseguiu boas notas, participou de todas as atividades extracurriculares que seu cronograma permitiu e conquistou ótimas cartas de recomendações para enviar para as universidades, além de ter construído uma ótima amizade com , seu melhor amigo, mas a resposta que seu pai encaminhou no whatsapp não o deixou com a sensação de dever cumprido.

Ah, garotão! Espero que tenha usado camisinha ;)

Lia e relia a mensagem, um incômodo tomando as entranhas. Não foi o cara que o pai pensava que tinha sido. Não conseguiu entrar para o time de futebol americano, nem aproveitou as noites de sábado se acabando em festas – ele sequer era convidado para elas. Passava os finais de semana na casa de , isso sim. Jogavam Leage of Legends e Magic madrugada à dentro e mesmo sabendo que essa programação era muito mais produtiva, não podia negar que, no momento, estava se sentindo estranho, quase como se não tivesse vivido a adolescência da maneira como deveria.

Seu pai estava em casa orgulhoso por ter um filho garanhão que ia para um quarto de hotel acompanhado no final do baile de formatura, e não, não era nada disso. Ele realmente estava no quarto que o pai insistiu em reservar e tinha uma garota dormindo no outro lado da cama, mas a realidade era completamente diferente daquela que seu velho idealizava.

Olhou por cima do ombro, vendo a menina com a boca entreaberta e filete de baba escorrendo pelo canto dos lábios. Vestia o mesmo vestido curto, dourado e de paetês da noite passada, um dos cílios postiços estava colado na bochecha e a maquiagem não poderia estar mais borrada. A única coisa que fez ao coloca-la sobre a cama foi cobrir seu corpo com um dos cobertores disponibilizados pelo hotel. No mais, estava tão apagada quanto no momento em que a catou do chão do banheiro masculino do colégio, na noite anterior.

Mason jamais teria ido para qualquer lugar ao seu lado se estivesse em sã consciência. Ela sequer sabia onde estava naquele momento.

O rapaz levantou-se, largando o celular em cima da cama. Tinha água no frigobar, mas não encontrou nenhuma aspirina ou qualquer remédio para a dor entre as bugigangas que as camareiras deixam para os hóspedes. Ele estava bem, o sangue completamente livre de álcool, mas a garota com toda a certeza acordaria com a cabeça latejando – se não com sintomas piores. Ia pedir que o serviço de quarto trouxesse alguns analgésicos e qualquer coisa para que ambos pudessem comer antes de fazer check-out na recepção.

***

A pontada atingiu-lhe na cabeça antes mesmo que pudesse abrir os olhos. sentia o colchão macio abaixo de seu corpo, sabia que seus braços estavam em torno de um travesseiro e a julgar pelo calor em seu rosto, acreditava que raios de sol vinham em sua direção. Mas para haver sol era preciso estar de dia e para ter colchão, ela tinha que estar em uma cama – coisas que não estavam presentes em suas últimas lembranças, no baile de formatura.

Lembrava-se da música alta, do ponche batizado por Kronemberg, dos muitos copos que virou enquanto dançava sozinha – já que Kevin, seu par, resolveu deixa-la de lado na metade da festa e todas as suas amigas estavam muito bem acompanhadas –, e não ia negar, haviam também os vislumbres do banheiro onde passou mal. Ainda era capaz de sentir o chão gelado abaixo de seus joelhos, enquanto estava debruçada sobre a privada. Para o seu entojo, lembrava-se também do cheiro desagradável que compunha o cenário. Urgh.

Mexeu as pernas, então. Todas as sensações atuais poderiam ser fruto de um sonho e talvez ela ainda estivesse no cubículo gravado em suas últimas memórias, mas assim que sentiu a pele raspar contra tecido fino que certamente pertencia a uma roupa de cama, convenceu-se de que não estava mais ajoelhada no piso frio do banheiro – ela realmente estava deitada em algum lugar bastante confortável.

Não queria abrir os olhos. A cabeça doía demais para isso, mas, veja, é curiosa e a vontade em descobrir onde estava era maior do que qualquer dor que estivesse martelando. As pálpebras começaram a subir aos poucos – a cada centímetro era uma dose de arrependimento por estar fazendo aquilo –, e tudo o que sua visão encontrava, inicialmente, era borrão. Merda de ressaca, pensou vendo tudo embaçado.

Identificou os lençóis brancos e um espaço vazio deveras grande – grande demais para ser apenas um colchão de solteiro. Levantou o pouco que ainda restava das pálpebras exasperada ao perceber que a cama em que estava deitada era, na verdade, de casal. Arrependeu-se mais do que em qualquer outro instante pelo movimento brusco, é verdade, e isso também não a impediu de sentar em um pulo e olhar para os lados, atordoada.

Estava em uma maldita cama de casal e não tinha a menor ideia de quem a trouxera até ali.

“Antes de mais nada, tá tudo bem”, escutou uma voz masculina dizer de algum canto do quarto, o que a fez dar outro pulo em cima da cama. O rapaz estava em pé próximo à porta. Aparentemente estava arrumando comidas em uma mesa, já que tinha um pedaço de pão em uma das mãos e outras opções de guloseimas sobre o móvel. Não prestou atenção no que vinha acima de seu pescoço. Depois de ver o pão, percebeu que a pessoa que a acompanhava estava sem camisa. Vestia apenas uma calça social preta.

Fechou os olhos, cobrindo o rosto com as palmas das mãos. Eu dei pra um desconhecido de novo, pensou, abalada. Sabia que era fraca pra bebida e mesmo assim insistia em beber além do limite. Tudo bem que estava nervosa demais durante o baile, toda e completamente indignada por mais uma pisada na bola dada por Kevin, mas isso não deveria ser motivo para encher a cara de álcool.

“Ei, ”, escutou o garoto chama-la, reforçando que sua presença não era uma miragem e ela estava mesmo acompanhada por um projeto de homem.

É claro que alguém se aproveitou da sua vulnerabilidade e agora tinha a pachorra de falar que estava tudo bem. Sentiu o sangue ferver nas veias.

“CACHORRO!”, gritou, atirando o travesseiro no que ela acreditava ser a direção dele. A cabeça doeu ainda mais por fazer dois movimentos bruscos quase que ao mesmo tempo? Com certeza. Mas já deu pra perceber que as emoções falam muito mais alto do que a dor em Mason, e ela não se deixaria levar por um aproveitador de novo. Já tinha passado por situação semelhante no passado e não estava disposta a ver a história se repetir pela segunda vez. “EU VOU TE DENUNCIAR POR ISSO!”

não precisou desviar do travesseiro. Não passou nem perto de onde estava.

Já imaginava que a garota acordaria assustada, mas ainda assim se sobressaltou com a reação. Passados alguns segundos e recuperado do susto, manteve o tom que usou nas duas primeiras falas.

“Repito. Tá tudo bem”, tornou a falar enquanto via a menina arfar em cima da cama. Não escondia mais o rosto com as mãos. Parecia enfurecida. “Sou eu, , e eu não fiz absolutamente nada contigo”, continuou, as mãos erguidas em um sinal de rendição. “Se você olhar pra baixo vai ver que está usando a roupa de ontem. Eu não toquei em você. A única coisa que fiz foi te trazer até aqui porque achei que um hotel era bem melhor do que o chão do banheiro da escola, caso você não se lembre dos últimos episódios de ontem.”

Fez o que ele orientou. Olhou para o próprio corpo e o vestido estava no lugar – amassado, mas no lugar, bem diferente de como acordou na vez anterior, na casa de Kronemberg. Não sentia dores em outras partes do corpo além da cabeça, também, e se fosse quem ela pensava, um dos garotos que tocavam na banda da escola, ele realmente não teria feito nada.

Abaixou a guarda, ainda que não tenha quebrado todas as barreiras.

“O que aconteceu ontem?”, rosnou, demonstrando desconfiança. No fundo sabia que estava mais calma, mas não estava em seus planos permitir que ele percebesse.

sentou-se na cadeira junto à mesa cheia de coisas.

“Olha, essa é uma longa história...”



Na noite anterior...

observava a cena que se desenrolava ao seu redor, copo de ponche em mãos e a companhia de Justin e Nathaniel logo ao lado.

A banda contratada pelo colégio já tinha deixado as músicas lentas de lado. O que embalava a noite dali em diante eram os flashbacks e embora gostasse muito de Michael Jackson e Madonna, não se sentia animado o suficiente para fazer coro aos casais que faziam coreografias esquisitas no centro da quadra. Sabia que era o único que não tinha conseguido um par para aquela noite e aquilo o desmotivou mais do que ele próprio pensava – ah, sim, as pessoas poderiam achar que os outros dois rapazes junto de também estavam desacompanhados, mas o que as pessoas não sabiam é que um era o par do outro. Apenas e tinham aquela informação, e ambos compreenderam quando os amigos começaram a se isolar do quarteto que formavam. Estar em casal é mais legal do que com os amigos, às vezes.

E era justamente por isso que também estava incomodado com a presença dos amigos, naquele momento. Não queria que sentissem pena por ele ser o único só no local.

“Ei, caras, vocês podem ir se pegar em algum canto se quiserem”, se pronunciou, dando as costas para os tantos casais. “ pode estar aprendendo a beijar com a Perkins nesse momento, mas combinamos que ele vai pro hotel comigo mais tarde”, é só por isso que estou aqui ainda, completou mentalmente. “Vocês não precisam se preocupar.”

“Seu espaço no céu tá reservado, bicho”, Nathaniel elogiou, erguendo as sobrancelhas. Além de estar esperando o melhor amigo dar uns pegas na paixão platônica – ok, agora não mais platônica –, dava carta branca para os outros dois irem também, mesmo que isso significasse a solidão absoluta em uma festa. Até mesmo Justin estava impressionado, demonstrando com alguns tapinhas no ombro do mais velho.

“Você não se importa mesmo?”, quis garantir.

“Não, Jus. Fiquem tranquilos, podem trocar saliva em paz. Daqui a pouco eu arrasto pra fora daqui e nós levamos pra casa, tá tudo sob controle.”

Mesmo que o namoro fosse segredo para o mundo, percebeu que os amigos se permitiram ir embora de mãos dadas e ficou feliz por isso. Não era egoísta. Poderia estar só e sem qualquer possibilidade de aproximação com a garota que invadia seus pensamentos, mas estava genuinamente contente por Justin, Nathaniel e , que trocava algumas bitocas com enquanto dançavam abraçados pelo salão. Ele não se importava em ser a vela do grupo. Lumière era mesmo seu personagem preferido em A Bela e a Fera – fazer cosplay dele não parecia ser uma ideia ruim.

Aproximou-se da mesa onde estava o ponche e demais guloseimas, estranhando a movimentação atípica naquele espaço da festa. Ponche não era a bebida mais aclamada da atualidade – não quando vinha sem álcool – e não tinha qualquer coisa realmente gostosa para se comer ali em cima; não deveriam ter tantas pessoas por ali, muito menos a galera popular liderada por Kevin Kronemberg.

Espera.

Galera popular.

Será que Mason estava por ali? Ainda não tinha visto a líder de torcida durante a noite e se Kronemberg estava lá, deveria estar também. Era seu par. Não deveriam ter se desgrudado até então. E sim! Ele era um trouxa! Queria ver mesmo que ela tivesse sido uma verdadeira porcaria com ele durante todo o colegial, ainda mais agora que estavam se formando e ele dificilmente a veria de novo depois da colação de grau, que aconteceria no final da tarde do dia seguinte. Tinha que aproveitar as últimas oportunidades que a vida estava lhe dando para olhá-la, mesmo que de longe.

deu a sorte de se apaixonar platonicamente por uma garota bacana, como Perkins. Ele, no entanto, acabou sendo um dos muitos paspalhos que caiu no encanto da garota metida a popular. Um dos paspalhos que era rechaçado pela moça vez ou outra. Paciência. Cada um tem o coração trouxa que merece.

“Kronemberg é genial”, escutou um dos brutamontes do time de futebol falar para quem tava do lado, enquanto tentava encontrar com o olhar, sem sucesso. “Trazer vodka pra colocar nessa água suja foi a melhor coisa da noite”, comemorou.

Deu meia volta. Estava com vontade de tomar um verdadeiro porre naquela noite – ele merecia! –, mas só o faria no hotel e na companhia do amigo. Precisaria de alguns gorós para superar aquela noite e não estava disposto a começar sem . Antes de se afastar completamente da mesa, porém, escutou o gorila que comemorava falar outra coisa que era do seu interesse.

“Que horas Kronemberg vai investir na nerdzinha?”

“Ele já tentou um primeiro contato e a menina dispensou, dançando com o parzinho dela”, quem quer que estivesse do lado do jogador respondeu. “Kevin não tá nada feliz, mas tá botando fé que a bebida vai amansar a garota. A gente dá um jeito no perdedor que veio com ela depois.” e .

Não olhou pra trás. Não fez movimentos bruscos. Apenas seguiu até onde sabia que o amigo estava, com a maior tranquilidade que lhe cabia naquele momento. Claro que Kevin Kronemberg não ia aceitar o fora de numa boa. Aquela era a fama que ele precisava cuidar. Puro ego.

E eu tentei fazer parte dessa porcaria toda, pensou, enojado, localizando com o olhar.

“Vocês precisam ir embora”, falou, colocando a mão no ombro do amigo, sobressaltando-o. Foi recebido com olhares de completa confusão tanto da parte de quanto da menina que o acompanhava. Ele compreendia. Também não entenderia nada se estivesse no lugar dos dois. “Não, não sou nenhum empata foda, só sou um cara que zela pela segurança dos senhores”, explicou brevemente antes de ser bombardeado por questionamentos – sabia que faria quando passasse o choque. “É o seguinte. Kronemberg não sabe levar não e tá armando pra vocês. Pega a , leva ela pra casa e me encontra no hotel. Eu só não vou com vocês porque ainda tem uma coisa que preciso fazer – te explico depois”, adiantou para , que pareceu mais confuso ainda.

“É sério isso?”, perguntou, chocada, olhando de um para o outro. Ajudou Kevin com algumas matérias durante todo o ano. Ele tinha fama de um garoto deplorável, ela própria já tinha escutado muitos casos, mas o menino nunca demonstrou nenhuma postura condenável na sua presença. Pensou que tudo não passava de boato pra abalar a imagem de alguém que simplesmente era popular na escola.

“Eu não queria que fosse, mas uma das coisas que escutei é que ele ia usar o ponche pra te embebedar e, realmente, o suco tá batizado”, revelou. “Acho melhor não arriscar, Perkins. Eu não quero nenhum gorilão partindo pra cima do meu amigo. Eles podem não ter cérebro, mas tem músculos e tanto eu quanto não temos condições de enfrentar aquela corja toda.”

Aquilo pareceu ser suficiente para convencer , que envolveu o braço no de .

“O que você ainda quer fazer aqui?”, o garoto perguntou, sem entender. “Dane-se se você falou que explica no hotel”, cortou. “Eu quero saber agora.”

não tá com o Kronemberg”, murmurou, vendo revirar os olhos e resmungar ‘trouxa’. “Tá, eu sei que sou o trouxa do ano, foda-se, aceito a alcunha – , O Trouxa. Quero ver se tá tudo bem com ela, só isso.” Deu de ombros, despedindo-se do mais novo casal que nasceu oficialmente naquela noite.

Não tinha a menor ideia de qual era o melhor lugar a começar a procurar. Precisava ser racional. Se não estivesse acompanhado de , os dois estariam juntos. Assim, se não estava com seu par bosta, ela com certeza estaria na companhia das amigas, que eram as outras líderes de torcida. Tinha um norte.

E era atrás disso que ele iria.

***

não estava acreditando que aquilo estava mesmo acontecendo.

Sozinha. Ela estava sozinha em seu baile de formatura.

Via as amigas dançando com os dedos entrelaçados nas nucas de seus devidos pares e ela ali, sem o cara que a convidou, apenas um copo de ponche batizado em mãos. Riu, descrente. Sabia que Kevin era um babaca. Não era a primeira vez em que ele a deixava na mão em algum momento – sequer tinha dedos suficientes para listar todas as situações em que coisas semelhantes aconteceram –, mas a humilhação nunca foi assim, pública. Claro, já tinha sido humilhante o suficiente ter aceitado ir em sua companhia com todos do colégio sabendo que uma nerd qualquer o rejeitara há alguns meses, mas era assim que as coisas deveriam ser, certo? O capitão do time de futebol deveria ir junto com uma líder de torcida, e como ele a escolheu dentre todas as líderes, ela deveria aceitar.

Agora não tinha mais tanta certeza se as coisas deveriam ter sido daquele jeito. Pensar que poderia ser diferente ia mudar o presente? De forma alguma. A única coisa que lhe restava era aproveitar o pouco que tinha do baile – seu último evento no colégio. Virou todo o conteúdo do copo que segurava, amassando-o em um só aperto e jogando-o no chão antes de retornar para a mesa, para servir-se de mais.

Kevin não estava mais nos arredores, muito menos seus braços direitos do time. Filho da puta, pensou, colocando mais bebida no segundo copo do que havia feito com o primeiro. Mais ponche que bebeu sem dar espaço para a respiração. Deu as costas para a mesa, indo para a pista dançar mesmo sem acompanhante. Aquela era sua última noite. Kevin Kronemberg pode ter abalado com muitos momentos de seu colegial; não permitiria que a última noite no colégio entrasse para aquela lista.

Balançava o corpo em concordância com o ritmo da música, finalmente entendendo todos os conselhos que sua mãe havia dado ao longo daqueles três anos. Pra variar, não deu ouvidos pra nenhum. Amigo que é amigo não te chama só quando precisa, ela costumava dizer quando Kevin ligava tarde da noite a chamando para ir para sua casa, porque estava sozinho. Amigo. Era assim que seus pais enxergavam Kevin. Será que eles conseguiam imaginar o que costumavam fazer nessas noites em que o capitão não ia para nenhuma festa e fazia essas ligações de supetão? Não. Se suspeitassem, não permitiriam que ela fosse. Seus pais realmente acreditavam que tudo o que havia entre ela e Kronemberg era só amizade. Seus pais confiavam em sua palavra.

Ela não era digna daquela confiança.

Retornou para a mesa do ponche, servindo-se de mais bebida. Não queria pensar em todas aquelas coisas, mas elas vinham, vinham sem serem convidadas ou pedir licença. Recordava-se das festas em que Kronemberg parecia chamar meninas apenas para puro entretenimento dos amigos. As coisas que o capitão dizia quando estavam à sós. ‘Ainda bem que você me encontrou, Em. Com a sua fama de fácil, qual cara da escola ia te dar bola?’ ou ‘Você é tão bonita, menina. Pena que é tão burrinha. Tomara que consiga vaga em alguma faculdade!’ em meio à risadas e ela, no auge da ingenuidade, acreditava que tudo não passava de brincadeira e palavras mal colocadas. Talvez Kevin apenas não soubesse se expressar, iludia-se. Kevin gostava dela!

Não, via agora. Se gostasse, não a deixaria sozinha em pleno baile de formatura para importunar a menina que lhe deu um fora. Aquela menina, ela sim era esperta. Terminou o terceiro copo, amargurada, servindo o quarto. Não queria mais dançar. Estava bem ali, na companhia do ponche. Pelo menos aquele bosta fez uma coisa boa, pensou, encarando a bebida colorida sentindo o amargo do álcool na boca.

Era ali que ela iria ficar.

***

Percebendo o que estava acontecendo, os professores não deixaram que episódio da bebida passasse em branco. A festa estava rolando no ginásio do colégio, e álcool não é liberado para menores de 21 anos. Estavam todos sob a jurisdição do corpo docente e eles não iriam correr o risco de levarem uma paulada da polícia.

Foi com prazer que assistiu o time de futebol ser colocado contra a parede pelo treinador e demais professores. Desmiolados, sequer tinham se dado o trabalho de se livrar das garrafas de vodka que haviam contrabandeado para dentro do baile. Tomara que isso chegue até as universidades que aprovaram esses imbecis, desejou sem sentir culpa nenhuma. Aquilo era karma. Muitos daqueles rapazes tinham infernizado a vida de alunos como ele durante três anos consecutivos. Nada mais justo do que receberem uma bela resposta do universo por toda a nojeira feita.

O volume da música foi diminuindo aos poucos e as pessoas que ainda restavam no ginásio seguiam para a saída, uma das poucas exceções sendo a menina que permanecia em pé, apoiada em uma das mesas onde antes havia comes e bebes. . Ela ainda estava lá, então – suspeitou que tivesse ido embora, já que não a encontrava em canto nenhum.

Viu-a de longe, enfim, aliviado por saber que ela não tinha qualquer envolvimento com o batismo ilegal ou então teria sido surpreendida pelos professores também. Não iria negar, agora estava feliz por vê-la longe de Kronemberg e todos os outros populares. Ela poderia ser uma paspalha como o restante, mas afastada de toda aquela galera metida a besta parecia ser apenas a menina que ele admirava e cuja imagem moldava nos pensamentos – a menina que o inspirou a tentar entrar para o time. Na sua cabeça, se fosse um jogador teria mais abertura e status para conseguir conversar com ela.

Eu sou mesmo muito trouxa, pensou, rindo da própria cara, despertando uma coragem que ele próprio desconhecia ao se aproximar.

“Hey, ”, soltou, percebendo que a menina não estava em seu juízo perfeito assim que ela olhou em sua direção, as íris dos olhos dilatadas. Puta merda.

“Eu preciso vomitar”, foi a única coisa que conseguiu dizer, a voz mole pela bebida que com certeza tinha consumido. Por favor, que tenha sido apenas álcool a causa disso, desejou.

“... Eu te ajudo”, respondeu, incerto sobre o que deveria fazer, mas com a certeza de que ela não tinha prestado atenção em nada.

Guiou-a até o vestiário masculino da maneira mais discreta que conseguiu, para não atrair a atenção dos professores que ainda não tinham ido embora. Precisaria ser rápido. Contou com a sorte de ainda ter alguns poucos grupos de estudantes no espaço, quando abriu um dos boxes do banheiro e ajudou a se ajoelhar diante da privada. Quase passou mal junto quando o primeiro jato escapou, não sabendo se deveria ficar e segurar os cabelos da menina ou sair correndo – ele definitivamente queria sair correndo.

Segurou os cabelos dela em um rabo de cavalo.

Aquilo estava saindo melhor do que a encomenda, para não dizer o contrário. Primeiro foi rejeitado pela garota. Depois foi sozinho ao baile. Agora estava quase tendo um troço dentro do banheiro, com aquela mesma menina colocando os bofes pra fora.

Bailes de formatura, eles pareciam mais legais nas histórias que seu pai contava.

Mais uma mentira que ele acrescentaria à lista do Papai Noel, Coelho da Páscoa e Fada dos Dentes. Se um dia tivesse filhos, não iria iludi-los desse jeito. Ia falar a verdade e nada além da verdade.

Parou de delirar quando viu a mão da menina tatear em busca da descarga. “Tá tudo certo. Você vai se sentir melhor”, agora se eu vou ficar bem depois disso são outros quinhentos, considerou acrescentar, afastando-a da privada e dando ele próprio a descarga. Ajudou-a a se levantar também e acreditou fielmente que tudo estava caminhando bem, enfim, até se desenvencilhar de sua ajuda e tentar andar sozinha, cambaleante.

“Olha, não acho que essa seja uma boa-”

Viu-a cair estatelada no chão.

“- ideia.”

É sério mesmo que isso tá acontecendo? Estava tão descrente quanto e , quando abordou os dois. Constatando o desmaio de , pegou-a no colo, torcendo o nariz.

“Meninas bonitas também são capazes de cheirar mal. Parece até que é gente de verdade”, brincou, falando sozinho. Já tinha ficado só boa parte da noite. Falar sabendo que ninguém escutaria era o de menos – e se pudesse ser otimista em uma situação como aquela, dos males o menor, levar no colo com certeza seria mais rápido do que tentar conduzir uma bêbada em uma quadra de esportes recheada de professores.

Ela iria com ele para o hotel.

Já estava ensaiando as explicações que daria para o taxista, para os recepcionistas do hotel e para , que provavelmente já estava a sua espera.



Retornando à manhã pós-baile

escutou toda a história, atenta, ainda sem acreditar que a humilhação conseguiu ser maior do que ela imaginava. Não lembrava de ter alguém ao seu lado naquele momento, mas sabia que tinha mesmo se ajoelhado diante de uma privada e parou naquele hotel de algum jeito. O rapaz – – não deveria estar mentindo.

Ergueu os olhos, enxergando-o finalmente, mesmo que à distância. Conhecia aquele rosto. Se sua memória ainda estava de acordo com a realidade, era o mesmo menino que tentou entrar para o time de futebol nos testes daquele ano e um dos rapazes que a convidou para o baile em algum momento – e que foi mortalmente zoado por todos, inclusive por ela, nas duas situações. Não era o garoto que tocava na banda. Qualquer que fosse o nome do músico, não era . era o nome do nerd mais loser do colégio, naquele ano.

“Por que você ajudou logo alguém como eu?”, quis saber.

“Ué, por que eu não ajudaria?”, rebateu, recebendo um revirar de olhos em resposta. “, o erro de um não justifica o erro do outro”, respondeu, então. “Você foi uma escrota comigo e se acaba de me fazer essa pergunta, é porque tem consciência disso. Mas não é porque você me tratou mal que eu deixaria uma menina desmaiada no chão de um banheiro, sem amparo nenhum.” Deu de ombros, como se aquilo fosse óbvio.

Ruminou aquela resposta, sentindo-se menor do que realmente era, a cabeça ainda doendo. Massageou as têmporas, sem conseguir raciocinar. Teria preferido que ele fosse uma pessoa tão escrota quanto ela e a xingasse, ou a zoasse por ser uma bêbada descontrolada.

“Preciso de um banho”, disse, por fim.

“Precisa mesmo”, concordou, passando manteiga no pão. “Joga uma água no corpo e depois vem comer. Tem remédio pra dor de cabeça, também, mas você só toma quando o estômago estiver cheio”, orientou. “Agora anda, vai banhar. Escova os dentes também, tem escova decente no banheiro e não aquelas mequetrefes que geralmente colocam nos hotéis”, tagarelou. realmente gostava de falar.

seguiu para o banheiro ainda cambaleante, mas não tanto quanto quando estava bêbada. Tirou o vestido sem qualquer cuidado, escorregando assim que colocou os pés dentro do box. Xingou, mentalmente.

“Tá tudo bem aí?”, escutou perguntar do lado de fora.

“Tudo ótimo!”, gritou, certa de que agora também iria sentir dor na bunda e nas costas. Maravilha. “Pode ficar de boa aí comendo.” Podia contar nos dedos das duas mãos quantos caras a tinham visto nua até aquele momento. Mesmo que fosse apenas para ajuda-la a se levantar no box de um banheiro, o nerd loser da escola não precisava entrar para essa lista.

Nerd loser que te ajudou, sua babaca, repreendeu-se, notando o quão péssima conseguia ser. “É o nome”, sussurrou para si mesma. “.”

Foi um dos melhores banhos de sua existência. Sentiu a água quente relaxar os músculos, levar o cheiro ruim embora e até aliviar um pouco a dor que martelava em sua cabeça. Ali, com o jato aquecido percorrendo todo o corpo, permitiu-se repassar tudo o que lembrava da noite passada e deixou que o banho levasse consigo as lágrimas que tinha acumulado durante todo o período. Não chorava em público, mas ali, sozinha, ela permitia aquela fraqueza. Ali, sem plateia, ela tinha mais certeza ainda do quanto tinha errado durante todos aqueles meses – errado com os pais, errado com pessoas como e, principalmente, errado consigo própria.

Ao menos tudo iria acabar no fim daquela tarde, com a colação de grau.

A colação de grau.

Sentiu o peito apertar ao lembrar-se dela. Ela sim indicava o fim do Highschool, não o baile da noite passada. Pegar o canudo era assumir que não era mais uma estudante nem do colégio, e nem de nenhum outro lugar. Não tinha recebido nenhuma carta de aceite das universidades.

Céus, ela era mesmo uma caçamba de lixo que andava e falava. Talvez Kronemberg não estivesse tão errado ao chama-la de burra. Ela tinha sido, realmente.

?”, escutou chama-la. “Sem querer te apressar, mas já apressando, temos hora para sair do quarto e você ainda precisa comer. Na sua casa você pode acabar com a caixa d’água tranquilamente, mas aqui, pela falta de tempo, é melhor correr.”

Ele estava certo.

“Já vai!”, garantiu.

Desligou o registro, enrolando-se no roupão que tinha disponível. Escovou os dentes e saiu do banheiro com os cabelos molhados, pregados no tecido felpudo. Sentou-se na cadeira vazia de frente para , reparando em seu peitoral pela primeira vez enquanto se servia de pão, manteiga e queijo.

“Sou mó gostoso, não sou?”, perguntou, sobressaltando a menina. “Ah, danadinha, achou que não ia reparar que você tá me secando?!”, brincou, arrancando um sorriso de .

“Olha, pra alguém que provavelmente só levanta controle de vídeo game, você até que tá bem”, ah, ele tava bem mesmo. Tinha algumas gordurinhas, mas tinha também os braços mais convidativos do que praticamente todos os garotos de quem ela já havia se aproximado. tinha ares de segurança e aconchego.

“Queeeee mané controle de vídeo game, garota, aqui também tem muito levantamento de garfo e uns pesos de 2 quilos na academia!”, exclamou, forçando um músculo praticamente inexistente no braço. “Vê? Mais um pouco e eu já vou poder até concorrer nesses concursos de fisiculturista.” Dessa vez não conteve as risadas. “Agora vai, toma um suco e tá aqui o remédio pra dor”, aproximou a cartela de comprimidos da menina. “Tem chocolate também. Não sei como é a dieta de líderes de torcida, mas tá mó gostoso, recomendo.”

sorriu, agradecida, pegando tudo o que ele havia indicado – principalmente o chocolate.

“Obrigada”, soltou, surpreendendo-o. “Que foi? Também sou capaz de demonstrar gratidão, tá.”

“Nunca disse que não era”, ergueu as mãos, rendido e sorrindo também. “Preparada pra mais tarde?” Arrependeu-se da pergunta, vendo a expressão dela fechar.

“Nem um pouco”, negou. “Pra onde você vai em setembro?”

“Universidade de Chicago”, riu por vê-la arquear as sobrancelhas, surpresa. “Pois é!”, exclamou, animado. “Vou nadar contra a maré. Diferente de todo mundo que tá até indo pra outros estados, eu resolvi ficar por aqui mesmo. Sou filho único”, encolheu os ombros. “Não tô afim de ficar muito longe dos meus velhos, então decidi não ir embora. Só a distância de casa até o alojamento já tá de bom tamanho.” assentiu, compreendendo. “E você?”

“Lugar nenhum.”

“Como assim?” O que ela estava dizendo? Ninguém sai do Highschool sem pelo menos um aceite. Pode não ser a universidade dos sonhos, mas algum canto sempre acolhe.

“Não recebi nenhuma carta, ”, esclareceu. “Meu único ponto forte é ser líder de torcida, e isso tem de monte. Minhas notas foram péssimas e não me dediquei o suficiente nas atividades extracurriculares ou trabalhos voluntários. Me fodi”, riu, amarga.

“Certo”, soltou, reorganizando os pensamentos. Ok. Talvez as pessoas pudessem sair do Highschool sem universidade. “Nada te impede de aplicar ano que vem. Eu posso te ajudar, se você quiser.”

sorriu, descrente. Claro que um garoto de faculdade iria ajudar uma líder de torcida fracassada a estudar – uma ex-líder de torcida que só o destratou durante os anos, corrigiu. Com certeza. Ela já estava certa de que todos os seus sonhos haviam escorrido pelo ralo depois dos resultados obtidos ao longo dos três últimos anos – e a culpa era toda dela.

“Terminei de comer”, anunciou. “Vou colocar meu vestido fedido e aí já podemos ir, tudo bem?”

apenas assentiu, tornando a pegar o celular enquanto a menina voltava para o banheiro. Estava conversando com antes do despertar de .

“Desculpa o vácuo, ela saiu do banho”, gravou o áudio, enviando-o. “Muito obrigado por ter me ajudado ontem a trazer a garota pro quarto e mais ainda por entender a situação e voltar pra casa, quando o nosso combinado não era esse”, mandou o segundo áudio. Ia entupir a conversa no whatsapp com eles, era desses que enviava vários de poucos segundos cada. “Aparentemente ela tá bem, então tá tudo certo”, sim, outro áudio. “Nos vemos na colação, brother. Até!”



A Colação de Grau

Cadeiras de plástico foram enfileiradas em frente a um palco improvisado no gramado do campo de futebol. O púlpito vinha no centro da estrutura mais alta e as famílias dos estudantes que subiriam ali em cima para receber o diploma começavam a se acomodar nos lugares demarcados, enquanto os formandos do dia se organizavam em uma fila para pegar a beca e o capelo que teriam que vestir para a cerimônia.

“Alguém aqui perdeu o bv onteeeeem!” Foram com essas palavras que Nathaniel recepcionou assim que o garoto se aproximou dos três amigos na fila para a beca. Tanto quanto Justin desataram a rir, especialmente quando a expressão do recém-chegado se fechou em uma carranca.

“Corrigindo: alguém aqui tirou as teias de aranha da boca. E daí que eu tava sem beijar desde os 13 anos?!”, entrou na brincadeira, mesmo carrancudo. Todos riram, inclusive. “Deu tudo certo?”, perguntou, voltando-se para após acalmar as risadas. Pararam de conversar assim que o amigo deixou o hotel na companhia da líder de torcida. Não estava a par de tudo o que aconteceu após isso.

apenas assentiu, atraindo olhares confusos do casal de namorados. tinha pleno conhecimento do ocorrido entre ele e , mas o mesmo não se pode dizer sobre Justin e Nathaniel.

“Dei carona pra Mason ontem”, explicou brevemente para os amigos, sem qualquer intenção de se aprofundar no assunto e acabar expondo mais do que o necessário. Provavelmente teria omitido muitos detalhes do próprio caso o amigo não tivesse visto o estado da garota quando chegaram no hotel. “Eu era o único com locomoção segura naquela altura do campeonato e a menina topou o favor”, acrescentou, crendo que aquela última frase poderia sanar os olhares que continuavam intrigados.

“E é claro que você não ia recusar, ela sendo a musa da sua vida”, Justin brincou, percebendo o desconforto de ao falar sobre o assunto. Com toda a certeza haviam outras coisas por trás, mas se nem mesmo o mais tagarela do quarteto estava disposto a explanar, não seria ele que iria forçar a barra.

“A fila tá andando. Vão pra frente, vão pra frente!”, Nathaniel apressou sentindo o mesmo que Justin, empurrando o namorado e os amigos.

***

queria estar em qualquer lugar do mundo naquele momento, menos ali. Ainda havia um leve incômodo na cabeça e o estômago começava a reclamar por ter recebido apenas o café-da-manhã, horas antes, mas o que mais intensificava a vontade de dar meia volta e retornar para casa era o fato de que dentro de poucos minutos ela seria uma garota formada no highschool, e consequentemente, um peso morto no mundo. Sem faculdade, sem emprego, sem qualquer perspectiva de futuro promissor. Fracassada. Fechou os olhos, concentrando toda a sua força em continuar caminhando rumo à fila da beca para não mudar de ideia e realmente ir embora. Só voltou a prestar atenção no que acontecia à sua volta quando escutou uma voz familiar chama-la pelo seu nome.

“Ei, , sobreviveu à noite passada então.” Risadas debochadas acompanharam a fala de Kevin Kronemberg. O capitão do time de futebol vinha cercado pelos outros jogadores, todos com as becas abertas para mostrar o uniforme que usaram ao longo de todo aquele ano. Tentariam se aparecer em cima da imagem de atletas mesmo na colação de grau.

Ridículos.

A primeira reação de foi ignorar. Olhar para Kevin foi o suficiente para embrulhar ainda mais o estômago. Dar margem para prolongar um diálogo seria apenas um desgaste a mais. Uma das coisas que decidiu enquanto encarava o teto de seu quarto, deitada na cama, é que dali em diante tentaria se preservar mais.

Infelizmente, Kevin Kronemberg não é o tipo de pessoa que colabora com as vontades alheias.

“Ah, qual é, , ficou chateada por conta de ontem?” Forçou um bico com a boca, intensificando as gargalhadas dos amigos. “Você ainda pode abrir as pernas pra mim quando quiser, não fica de cara por tão pouco.” parou de andar no mesmo instante. O que foi que ele disse? “Inclusive já podemos até combinar o próximo encontro, gatinha”, continuou, vendo a menina girar nos calcanhares e andar em sua direção. “Quando vai ser?”, desafiou, encarando-a frente a frente.

olhou-o de baixo para cima, a bile subindo até a garganta quando chegou ao rosto de Kevin. Havia sorriso no canto dos lábios, braços cruzados e aquele olhar que brilhava malícia. O mesmo Kevin de sempre. A mesma pessoa que ela nunca quis enxergar realmente. Conteve a vontade de lhe cuspir na cara.

“Quando?” Ela própria ficou impressionada com a calma que deixou transparecer em seu tom de voz. “Agora.”

Não pensou duas vezes antes de erguer o joelho em direção ao meio das pernas do capitão. Foi com satisfação que assistiu a expressão do rapaz se contorcer em uma mescla de dor e surpresa em questão de segundos. Aquilo jamais vingaria completamente todos os meses de desaforo e abuso psicológico sofridos nas mãos daquela criatura, mas sem dúvida nenhuma foi suficiente para lhe provocar uma sensação de prazer – ficou ainda melhor quando ergueu o olhar e encontrou uma expressão tão estupefata nos rostos do restante do time que estava presente; ou como os tinha chamado quando estavam indo pra casa, no táxi, a corja de gorilas.

“A partir de agora pensa duas vezes na maneira como você fala com uma mulher, Kronemberg”, aconselhou, olhando-o de cima, dessa vez. Kevin Kronemberg encontrava-se curvado, as mãos próximo a genitália dolorida.

Deu as costas para os moleques, caminhando até a fila da beca. Ficou feliz por encontra-la praticamente vazia. Não precisaria ficar muito tempo em pé, aguardando.

***

conversava animadamente com , Nathaniel e Justin, o quarteto sentado nos lugares separados para os estudantes. Estranhou quando Nathaniel – que estava sentado na ponta da fila que haviam formado – parou de falar de forma abrupta e olhou por cima de seu ombro, os olhos arregalados como se estivesse enxergando um fantasma. Foi automático. Tanto quanto Justin acompanharam o olhar, e ele, que vinha na outra ponta, virou-se também, encontrando uma Mason com a expressão fechada, capelo na cabeça e beca cobrindo todo o corpo.

“Posso sentar do seu lado?” a menina perguntou olhando para ele. encarou-a como se uma chaleira tivesse começado a falar diante de seus olhos, total e completamente embasbacado, o que não deixou contente. “Ah, quer saber? Deixa quieto.”

Pode sim”, respondeu, falando fino devido ao espanto, mas rápido o suficiente para que a menina não lhe desse as costas. “Eu só... não esperava por isso, acho”, coçou a nuca, sem jeito.

“Não vi sentido em sentar perto das meninas. Não depois de ontem, pelo menos.” não iria esquecer tão cedo que foi deixada de lado mesmo por aquelas que chamava de amigas – era impressionante como, as vezes, estar com garotos vinha acima de apoiar uma amizade quando a amiga em questão está sozinha em um cenário em que não deveria estar. Ninguém se aproximou para saber como ela estava enquanto Kevin começava a dar seu jeito de acabar com o baile. Se não fosse por , sabe-se lá onde teria acordado mais cedo – a escola poderia ter contatado seus pais e aí as coisas estariam muito piores para ela. Preferia mil vezes estar ali, ao lado dele.

, por sua vez, ainda estava atônito. Pensou que o único momento que teria com aquela menina seria na manhã daquele dia, os dois no hotel longe de qualquer pessoa que pudesse vê-los juntos. Nem nos seus melhores sonhos imaginaria algo como aquilo acontecendo.

, Justin e Nathaniel se limitaram a trocar olhares, o silêncio tomando conta não só deles mas de todos os presentes quando a diretora tomou o microfone no púlpito, pronta para dar início aos discursos.

Ninguém estava ansioso por aquela parte da cerimônia. Discursos tendem a ser longos sem necessidade e, consequentemente, fontes de verdadeiro tédio. Mas faziam parte do protocolo. Primeiro veio a diretora, depois cada membro do corpo docente – todos queriam deixar uma mensagem para os estudantes com quem estiveram em sala por três longos anos. Se emocionaram, é verdade. Nunca mais seriam alunos daquelas pessoas; por mais que alguns fossem chatos e exigentes além da conta, havia uma relação de respeito muito forte e a ideia de “essa fase da vida chegou ao fim” era impactante demais. Sentiam-se como se as fichas estivessem caindo apenas ali, naquele instante.

Quando Perkins subiu ao palco para representar os alunos, muitos já estavam com lágrimas nos olhos e a garganta trancada. A própria oradora, inclusive.

“É meio assustador estar aqui e agora”, a menina começou o discurso. “Não a parte de estar aqui em cima, discursando, mas sim colando grau depois de estar aqui há três anos. Três longos anos.” Limpou a garganta, melhorando a postura. “Muitos sonhos foram construídos ao longo de todo esse tempo. Sonhamos em sermos aceitos em determinadas universidades e muitas vezes foram esses sonhos que nos impulsionaram a levantar todos os dias, pela manhã. Depois de conversar com algumas amigas, porém, percebi que nem todos os sonhos se realizaram.”

empertigou-se na cadeira, atentando-se ao discurso de mais do que em qualquer outro. Então quer dizer que mais pessoas estavam decepcionadas com os resultados pós-highschool?

“Nós somos muito jovens e estamos começando a aprender que nem tudo vai acontecer conforme nós idealizamos. Estamos sofrendo o nosso primeiro grande baque de realidade e não, não é fácil – assim como também não é fácil fazer uma escolha tão importante aos dezessete anos, como pensar na carreira que vamos trilhar no futuro, e qual universidade se adequa mais ao nosso estilo de vida. São decisões muito pesadas para se tomar quando não se viveu praticamente nada, então se o seu sonho não se realizou hoje ou ontem, eu peço para que você não deixe de sonhar mesmo assim. São seus próximos sonhos que vão continuar te impulsionando a acordar todos os dias, exatamente como aconteceu aqui, no colégio. São eles que vão te guiar mais do que qualquer resposta que você possa receber de tentativas frustradas – porque frustrações, infelizmente, vão acontecer muito. Essa só foi a primeira.”

Um soco teria doído menos. Não sabia ao certo se tinha propriedade para falar tudo aquilo – ela tinha vivido tanto quanto todos que estavam usando beca naquele instante, mas também conseguia compreender o lado da menina. Poderia ser muito inteligente e com notas altíssimas no histórico escolar, mas ainda era uma adolescente que recebeu a enorme responsabilidade de discursar para todas aquelas pessoas. Com toda a certeza tinha construído sua fala a partir de artigos lidos em blogs da internet.

O que não diminui o fato de que tudo aquilo era verdade.

acrescentou agradecimentos para cada professor, fazendo citações individuais sobre momentos que tinham passado em sala de aula, e por fim, os estudantes foram chamados ao palco para pegar o canudo. Quando todos estavam com seus diplomas em mãos, posicionaram-se um ao lado do outro para o clássico momento de atirarem o capelo para cima.

foi capaz de assistir os chapéus de papel irem para o alto em câmera lenta, sentindo uma mão envolver a sua em meio à bagunça. Pendeu a cabeça para o lado, encontrando um extremamente sorridente.

De cada instante vivido no colégio, aquele pareceu o mais certo de todos. Apesar de todos os pesares, a trajetória como estudante ganhou um bom ponto final.





FIM



Nota da autora: Ainda não tô crendo que finalmente terminei meu primeiro ficstape!

Então, pessoal, seguinte. Não estava planejando isso, mas aconteceu: 03. Everybody Knows é uma espécie de spin-off/continuação da fic MV: Dance, Dance. No MV o casal principal é outro (os melhores amigos dessa história aqui), mas o PP desse ficstape aparece um bocado lá, caso vocês queiram conhecer mais dele. Apesar de algumas explicações que aparecem apenas na fic anterior, 03. Everybody Knows funciona sozinha já que o foco do MV está em outro casal. Só fica a diquinha mesmo caso vocês se interessem <3

Comenta aí embaixo o que você achou. Vou adorar saber <3 Obrigada por tudo e nos vemos na próxima!

P.S.: antes que eu me esqueça, todas estão mais do que convidadas a participar do meu grupo de fics no facebook, e também a me seguir nos instagrans @pordeusnicolle (conta pessoal) e @nikkistories (onde divulgo curiosidades das personagens, dicas de escrita e avisos de atualização nas minhas fics).



Outras Fanfics:

Em andamento:

Questão de Tempo (Restrita)

Finalizadas:

The Royal Wedding (Restrita)
MV: Dance, Dance


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