Última atualização: 31/05/2018

1


— Caralho, null, você é tão sortudo que se tu comprar um anão, ele cresce. — null comentou, observando a chuva forte que caía na estrada.
— Se essa chuva se transformasse em buceta, em você caía um pinto. — null também comentou.
— Ah, vocês não me falem de chuva, seus filhos da puta! — null ralhou.
Eles riram, mas ninguém estava realmente de bom humor.
null passou a semana inteira falando sobre ir para o litoral. O sol tinha ardido de segunda até quinta, então null conversou com os amigos e eles armaram uma viagem para a praia, onde a família de null tinha uma casa. E, com a sorte que tinha, é claro que a chuva começou antes mesmo de eles conseguirem chegar ao litoral.
Estavam em dois carros: null, null, null e null em um e no outro estavam null, null, Haylee e Bella. Era a primeira vez que os oito conseguiam se encontrar desde que... Bem, desde null e null.
null e null tinham sido melhores amigos desde sempre e os “fundadores” daquela enorme “panelinha da amizade”, como null chamava. Sempre fora possível ver que os dois eram loucos um pelo outro, mas preferiam cortar a própria mão fora à admitir que estavam apaixonados. Em uma noite de bebedeira, null reparou que null não voltou para o dormitório que dividiam. Ela foi encontrada na fraternidade de null, no quarto dele. Todos comemoraram que os dois finalmente se acertaram, mas aquilo não resistiu por dois meses. As brigas constantes por ciúmes e por motivos bobos acabaram com o relacionamento.
Desde então, havia sido quase impossível reunir o grupo todo. null conseguira fazer um milagre, mas a chuva torrencial estava acabando com seu grande feito.
— Talvez fosse melhor parar. — null comentou. Ela estava quieta dentro do carro, ligada ao seu fone de ouvido como se fosse sua fonte de oxigênio.
— Acho que a null tem razão. — null concordou — Não dá pra ver nada aqui.
null bufou, mas assentiu.
— Vou ligar pro null e avisar que vamos parar.
null e null era o casal que deu certo. Os dois se conheceram no primeiro dia de faculdade e se apaixonaram instantaneamente. Foram apresentados por null e null, o que só deixava null mais amarga. Como ela conseguia arrumar um namorado para a melhor amiga e não conseguia ficar com o que arrumava para si própria?
null? Está tudo bem? — null perguntou, a voz com um tom de preocupação — Tá uma chuva do cacete.
— Tá tudo bem, null. — null tranqüilizou — Estávamos conversando aqui e a null achou que era melhor a gente parar um pouco. Esperar a chuva passar.
— O que vocês acham de esperar a chuva passar? — null perguntou para os amigos no carro.
null tremeu quando ouviu a voz revoltada de null. Ele não sabia que estavam no viva-voz.
— É claro! Vamos parar e esperar essa merda parar! Não vai parar tão cedo, não! E eu não vou dirigir de madrugada.
null... — null começou, tentando avisá-lo que estava no viva-voz, mas null não quis ouvir.
— Não vamos parar agora, cacete. Estamos quase lá.
— Estamos no meio do nada, seu imbecil! — null gritou de volta, se irritando com a atitude dele. null era sempre assim.
O silêncio se instalou nos dois carros.
— Não vamos parar só porque você tem medo de chuva, null. — null quebrou o silêncio, falando de modo firme, como se ele fosse um pai dando ordem para o filho desobediente.
— Vai se foder, null! Não dá pra ver um palmo na frente do carro! Vamos parar, sim!
Ao que null gritou, null se assustou. Ela estava certa, não podiam ver nada na estrada a frente, mesmo com os faróis ligados na potência máxima. Porém, null viu os olhos brilhantes do animal na frente do carro quando estava prestes a acertá-lo. O grito de null no telefone foi abafado pelo barulho alto dos pneus freando de repente e derrapando na estrada molhada.
null conseguiu parar antes de atingir o animal, que fugiu antes mesmo que eles pudessem fazer sua identificação. null acabou gritando com a freada brusca, mas foi o barulho no telefone ainda ligado que a assustou.
null estava seguindo null e, por causa da discussão, também não reparou que o carro da frente tinha parado. null conseguiu ouvir o namorado gritar com null, pedindo para ele ter atenção, mas era tarde demais. null se deparou com o carro parado de null e, para se desviar, acabou jogando o carro para o lado errado, ido de encontro ao fim da estrada. null também ouviu com horror quando os quatro começaram a gritar quando o carro caiu da estrada.
Automaticamente, null abriu a porta do carro e desceu, sem se importar em fechá-la e correu e para a beira da estrada, tentando ver o que tinha acontecido.
Por muita sorte, eles estavam subindo a estrada que ia para o litoral, mas por causa da chuva não haviam avançado muito. O carro de null havia capotado e caído no andar debaixo, logo no início da estrada.
null! — null gritou, chorando desesperadamente. O carro estava capotado, mas não parecia muito danificado. Porém, quando ela chamou, não houve resposta.
— Entrem no carro. — null ordenou, a voz fria, típica de quem está tentando manter a calma — Vamos voltar.
Eles pularam de volta para o carro.


2


Demoraram cerca de trinta minutos para subir a estrada, por causa da chuva e da pouca velocidade do carro, mas desceram com tanta pressa que fizeram em mais ou menos cinco. Estavam na contra-mão, mas não se preocuparam com carros subindo a estrada, já que o carro de null estava bloqueando seu início.
Assim que avistaram o carro capotado, correram até ele.
null, null e Bella já estavam do lado de fora. null estava ajoelhado ao lado do carro, tentando puxar Haylee para fora.
— Ah, meu Deus! — gritou null, correndo para abraçar null — Você está machucado? Alguém se machucou?
Haylee finalmente conseguiu sair do carro, se abraçando a null como se sua vida ainda estivesse em risco.
— Você está bem? — null perguntou para Haylee, que assentiu, ainda assustada e chorando bastante. null a apertou com mais força contra o corpo.
null olhou para null, que limpou a água da chuva dos olhos com as costas da mão, o que não fez muita diferença, já que a água não parava de cair do céu. Porém, o movimento fez null perceber um corte aberto na bochecha de null, com o sangue escorrendo por seu rosto e algumas gotas desviavam de seu queixo e se acumulavam em seu lábio superior.
Involuntariamente, null ergueu o braço e limpou algumas gotas com a manga de sua jaqueta, pressionando de leve o tecido contra a bochecha de null. Quando o corte pareceu mais limpo, null desceu pela linha vermelha de sangue e limpou o lábio superior de null.
Eles não perceberam que estavam sem respirar, até que null gritou:
— Um carro!
Os dois se viraram para olhar o que estava acontecendo e depois voltaram a se encarar. Constrangida, null tentou se justificar.
— Seu rosto. Você estava sangrando.
— Ah. — null levou a mão para onde null tinha tocado, segundos atrás. Mesmo que tivesse sido com a manga de sua jaqueta, ainda assim era o contato mais direto que tinham desde que terminaram — Obrigado. Mas não precisava. Agora sua jaqueta vai ficar manchada.
Ela deu de ombros.
— Tudo bem. Eu nunca gostei muito dessa jaqueta mesmo.
Era mentira e null sabia disso. null usava aquela jaqueta para cima e para baixo. Mas nenhum dos dois iria comentar aquilo.
A chuva começou a diminuir e se transformou em uma fina garoa em segundos. Mesmo assim, não fazia mais diferença, porque os oito estavam completamente encharcados e, agora com o carro de null capotado, desamparados na estrada. Até que o carro que null afirmara ter visto se aproximou devagar, as luzes ficando mais fortes conforme chegava perto. Até que o carro parou e uma mulher, aparentemente da idade média dos oito, desceu.
— Minha nossa, vocês estão bem?! — ela perguntou, dando uma rápida olhada em todos ali — O que aconteceu?
— Nosso carro capotou. — null explicou de forma simples. Passou as mãos pelos cabelos, tentando se livrar de um pouco da água.
— Precisam de ajuda? — a mulher ofereceu.
— Eu vou ligar para o seguro, mas acho que vai demorar um tempo para eles chegarem.
— Estávamos descendo para o litoral. — explicou null — O carro caiu da estrada de cima.
— Ainda bem que vocês não se machucaram muito! Não tem nenhum hospital grande aqui por perto.
— Você é daqui? — perguntou null.
— Eu moro aqui na cidade. — ela apontou para o desvio de terra na estrada, quase imperceptível por causa da quantidade de árvores. Pela expressão no rosto deles, a mulher sorriu e se sentiu necessidade de esclarecer — Salenstown. Acho que vocês não conhecem, certo? É uma cidade bem pequena. E eu sou Cornélia, falando nisso.
null apresentou todos eles e depois pediu por mais informações sobre a cidade. Enquanto isso, null já estava mais longe do grupo, ligando para o seguro. Haylee ficou abraçada com null.
— Ah, não é muito longe daqui. Seguindo pela estrada de terra, dá uns quinze minutos de carro. Como a cidade é muito pequena, às vezes eu vou à cidade vizinha comprar algumas coisas para a minha avó. Ela costuma a alugar os quartos, como se fosse um hostel mesmo.
null e null se olharam, logo depois olhando para Haylee — que estava bem abalada com o acidente — e para Bella.
— Liguei para o seguro. — null avisou, entrando na conversa — Eles disseram que já está muito tarde, então só poderão mandar um guincho amanhã de manhã. Recomendaram sinalizar com o triângulo que o carro está capotado, mas não podem fazer nada agora. Principalmente por causa da chuva. Parece que ainda está chovendo bem forte lá em casa.
— Mas que merda! — null resmungou.
— É ainda mais merda porque, de repente, aqui parou de chover. — notou null, olhando para cima. A chuva fina que caía tinha sumido no pouco tempo que levaram conversando com Cornélia.
— E agora?
— Vocês podem passar a noite no hostel da vovó. — sugeriu Cornélia — Apesar de a cidade estar lotada por causa do festival, a vovó tem quartos vazios e vai adorar receber vocês.
Eles se entreolharam, considerando as opções.
— E vou deixar o carro aqui? — null perguntou, sem especificar exatamente para quem.
— Tem um mecânico na cidade, você pode falar com ele assim que chegar. Eu sou bem amiga do Chuck, com certeza ele vai vir dar uma olhada no seu carro e acho que ele pode até guinchá-lo até Salenstown.
null abraçou o próprio corpo com as mãos.
— E precisamos muito de um banho. Eu estou congelando!
null logo correu para passar os braços ao redor do corpo da namorada.
— Sim, vocês não podem ficar aí, todos molhados. Venham para o hostel da vovó, se aqueçam, comam um pouco. Depois resolvam isso.
Com mais outra rápida troca de olhares, eles concordaram.
Com certo esforço, conseguiram tirar todas as malas que estavam no carro de null e transferiram a bagagem para o carro de Cornélia, que não conseguiu comportar tudo e tiveram que espremer o restante no carro de null.
— Como eu disse, sempre vou à cidade buscar algumas coisas. Estou com um carregamento enorme de velas pretas, incenso e muitas ervas! Vovó é conhecida na cidade por ser uma ótima curandeira, do tipo que faz pomadas com ervas medicinais e coisas do tipo.
— Curandeira? — perguntou Bella, interessada — Tipo nos filmes?
Cornélia riu.
— Mais ou menos. Vocês vão entender melhor quando chegarem em Salenstown.
Eles se dividiram nos carros. Dessa vez, null levou null, null e Bella, enquanto null — conversando animado demais para quem acabou de presenciar um acidente — ia no banco da frente no carro de Cornélia e null, null e Haylee se espremiam no banco de trás. null percebeu que null estava tremendo ao seu lado.
— Tira a jaqueta. — ele murmurou em seu ouvido. null ergueu os olhos para ele, um pouco assustada — Ela está gelada, você vai se sentir mais quente se ficar sem.
null assentiu, mas o espaço era pequeno demais para conseguir tirar a jaqueta sozinha. null se movimentou, tentando dar mais espaço e ajudou-a a tirar a jaqueta pelos ombros.
— Obrigada. — murmurou.
Se fosse falar abertamente sobre null — mas ela jamais daria o braço a torcer — null diria que ainda era apaixonada por ele. Sempre fora, desde que conhecia por gente. Suspirava quando ele passava e nunca dormia tão bem quanto quando estavam nos braços de null. E o pior é que tinha arriscado a amizade deles quando se beijaram pela primeira vez. E continuou arriscando quando resolveram namorar. Até que o perdeu quando null terminou tudo.
Ainda não tinha decidido se valera a pena.
Cornélia tinha razão. Salenstown era realmente perto da estrada. Assim que adentraram a cidade — que estava mais para uma vila, de tão pequena — null reparou que não tinha nenhum resquício de chuva por ali.
— Uau! — Haylee exclamou, observando a cidade pela janela. Era a primeira palavra animada que soltava desde o acidente — O que está acontecendo aqui?
— São os preparativos para o festival. — explicou Cornélia — Nos séculos XVI e até o começo do século XVII, Salenstown foi uma das cidades que mais acusou e matou mulheres, acusando-as de bruxaria. Na época, as pessoas realmente acreditavam em magia e tudo o mais, quando, na verdade, as mulheres queimadas apenas sabiam como utilizar certas ervas de modo benéfico, tipo a minha avó. Outras eram queimadas por serem de religiões consideradas pagãs e mexerem com voodoo. Vovó diz que até escravas foram queimadas, mesmo que elas custassem uma fortuna na época, mas eram consideras bruxas só porque elas tinham uma crença diferente da católica.
— Ah, pronto. — comentou null, usando uma voz cansada, mas havia um meio sorriso em seu rosto — null ama esses assuntos de bruxa. É com ela mesma.
null já estava empolgada e louca para fazer várias perguntas para Cornélia, mas sentiu a bochecha corar quando ouviu null dizendo aquilo. Ele tinha agido exatamente como seu melhor amigo, coisa que não fazia há muito tempo.
— Me deixa em paz, null. — null respondeu, também tentando agir naturalmente. Logo, se voltou para Cornélia — Sua avó entende bastante sobre bruxas?
— Ah, se vovó entende? Vovó é a própria encarnação das bruxas que eles queimaram! As mulheres da nossa família sempre foram consideradas... Sensitivas. Vovó não acredita que é uma bruxa, no sentido literal da palavra, daquelas que fazem magia negra e tal, mas acredita no poder das ervas e feitiços e simpatias que faz.
— E você? No que acredita? — null perguntou, também se interessando pela história.
— De verdade? Eu não acredito em nada disso! Acredito nas “poções” de vovó, que nada mais são que a combinação correta de certas ervas, coisas que os índios já sabiam e já usavam, centenas de anos atrás. Saber usar ervas e acreditar em simpatias que podem ou não dar certo não é motivo para ser considerada bruxa. Como eu disse, vovó é mais uma curandeira, como uma médica natural.
A cidade de Salenstown estava sendo montada. Lojas estavam sendo decoradas com caldeirões e abóboras, como se fosse Halloween. Chapéus de bruxa estavam por toda parte, assim como as cores preto e roxo.
— É como um Halloween em maio. — comentou Haylee, também admirando tudo pela janela.
— Não exatamente. Sempre, no último domingo de maio, comemoramos a Libertação das Bruxas. O Festival das bruxas começa na sexta e vai até domingo. É uma forma de pedirmos desculpas para todas as mulheres que morreram queimadas no centro de Salenstown. E, no domingo a noite, uma fogueira é acesa, bem onde eles costumavam a queimar as mulheres. Acredita-se que, se você jogar algo que deseja entregar para uma mulher que já morreu, ela receberá o presente, desde que ele seja consumido pelas chamas da fogueira.
null bufou.
— É bem irônico acreditar nisso depois de matar dezenas de mulheres, acusadas de bruxaria.
— Centenas. — Cornélia sussurrou. No carro, os quatro amigos arregalaram os olhos.
— Centenas? — null perguntou, um pouco chocado.
— Nós que moramos e vivemos aqui em Salenstown, não nos orgulhamos disso. Matamos muito mais mulheres que Salem, mas também paramos a caça muito depois deles. Por isso a importância do festival. É um modo de tentarmos nos redimir. Mesmo sendo um festival alegre, com festas e músicas, ainda é uma data triste. Durante esses três dias, nós nos lembramos de todas as pessoas que morreram e de como fomos preconceituosos e machistas. É como um lembrete, para não repetirmos o passado.
Depois de uma informação tão triste, o carro ficou em silêncio. Eles passaram pelo centro da cidade, onde a grande fogueira começava a ser montada na praça. Perto da fogueira, um palco também estava sendo montado.
— Durante o festival, sempre podemos ver apresentações sobre as bruxas. Desde peças até corais. É como eu disse, é uma data triste, mas também é bem alegre. E, além disso tudo, é a época do ano que a cidade mais lucra. É muito comum encher de turistas por aqui nessa época. Os hotéis estão todos lotados, praticamente.
— E o hostel da sua avó? — perguntou Haylee, de repente preocupada com o número de quartos no hostel.
— Ah, não se preocupe. Não tem ninguém, além de vovó e eu, vivendo lá. Vovó mora um pouco afastada e não tem coisas como internet e wifi, aí fica difícil competir com os hotéis do centro.
Haylee fez uma careta de dor ao ouvir que ficaria sem internet.
— Não tem nem wifi?
— Não. — Cornélia riu — E, sendo bem sincera, a recepção de celular também é bem ruim!
Haylee já estava pronta para fazer outra reclamação, mas null a impediu. Viu um cartaz que a deixou intrigada.
— Quem é Megara Abbot? — perguntou, apontando para o enorme cartaz que estava sendo pendurado perto do palco. Reparando bem, ela tinha visto outros cartazes com o mesmo nome enfeitando a cidade. Na maioria deles se lia “vida longa à Megara Abbot”.
— Ah, claro! Bom, meu nome completo é Cornélia Sarah Megara Abbot. E o de vovó é Ruthia Sarah Megara Abbot. “Abbot” é o nosso sobrenome de família, mas “Megara” foi incluído depois de tudo que Meg Abbot fez. Ela foi a maior bruxa de Salenstown. A última a ser capturada. Dizem que ela foi queimada em um domingo, no último dia do mês de maio. Porém, ela não morreu. Megara usou seus poderes de bruxa para ressuscitar e voltar a vida, salvando toda a magia ainda presente de Salenstown. Então, ela se mudou de Salenstown e, só depois de velha trouxe suas filhas e netas de volta para a cidade, onde continuou ensinando-as bruxaria e trouxe as bruxas de volta para Salenstown. Abbot é simbólica porque foi a última bruxa a ser queimada e a primeira a voltar para Salenstown.
— Mas, espera! — null interrompeu — Seu nome é Abbot, o que quer dizer que você é descendente de Megara Abbot. Mas como pode ser descendente dela, se Abbot morreu na fogueira? Ou ela não morreu?
Cornélia suspirou.
— Para ser bem sincera, eu não sei. Quem me contou toda essa história foi vovó, que acredita em Megara Abbot com todas as suas forças. Pra mim também é confuso, porque se ela morreu, não pode ter ressuscitado. Não sou crente o suficiente para acreditar nisso, mas vovó acredita. Então, eu não contrario. Mas, na minha opinião, Megara devia ter algum outro parente que ficou sabendo de sua morte e veio para Salenstown, fazendo o nome da família perdurar. Ainda mais que, naquela época, as mulheres não mantinham seus sobrenomes depois de casar. A possibilidade é totalmente irreal.
O carro entrou em um desvio com outra estrada de terra e Cornélia avisou que já estavam dentro da propriedade de sua avó.
— E as pessoas da cidade? — Haylee perguntou — Elas também acreditam na história?
— Algumas sim, outras não. O festival está aí, para provar que elas existiram. Mas a história é muito antiga e pode se distorcer com o passar dos anos, certo?
Cornélia estacionou em frente a um sobrado alto, com várias janelinhas decorando. Uma varanda frontal com um pequeno jardim e uma escadinha de apenas três degraus que davam para a porta da frente. Para completar, um balanço de dois lugares enfeitava o jardim.
— Essa é a casa de vovó! — Cornélia apresentou, com um sorriso no rosto.
Eles desceram do carro, encontrando null e os outros no carro logo atrás. Cornélia foi na frente, abrindo a porta da casa, que apesar de bem arrumadinha, era obviamente bem velha.
— Vó! — Cornélia chamou, assim que entraram na casa — Eu trouxe convidados!
Ela fez um sinal para que todos entrassem.
A sala de estar era grande e espaçosa. Tinha um sofá grande, que acomodaria facilmente os oito. Porém, o sofá estava diante de uma lareira e não de uma televisão, como seria o comum. Uma mesinha de centro com jornais e revistas empilhados completava o aspecto antigo da sala, junto com um tapete grosso de cor escura.
A escada de madeira rangeu quando Ruthia desceu por ela. Era uma senhora bem velha — por sua aparência, seria fácil dizer que ela tinha no mínimo 90 anos — com os cabelos totalmente brancos presos em um coque alto e bem firme. Usava camadas de roupas para se manter aquecida e era tão pequenina que parecia uma criança.
— Vovó, eu encontrei com essas pessoas na estrada. Eles sofreram um acidente com o carro e precisam de um lugar para ficar. Sei que a senhora não aluga os quartos tem um tempo, mas...
Ruthia sorriu abertamente, revelando a dentadura branquinha.
— Não precisa se explicar, minha filha. Qualquer pessoa de bem é bem vinha da minha residência. E esses jovens precisam se aquecer! Está muito frio lá fora! Cornélia mostrará os quartos para vocês, enquanto vou preparar uma sopa bem quente!
Eles agradeceram e subiram as escadas atrás de Cornélia. No segundo andar, encontraram apenas duas portas e uma escada que dava para um terceiro andar.
— Lá em cima é o meu quarto e o de vovó. — Cornélia explicou — O de vocês é nesse corredor aqui. São duas suítes e são quartos bem grandes, então com certeza vai comportar vocês.
Ela abriu a porta de um dos quartos, revelando um enorme quarto, com duas camas de casal. Em uma das paredes, havia um guarda-roupa antigo com as portas abertas, mostrando que estava completamente vazio. Perto do guarda-roupa, a porta para o banheiro estava aberta também, revelando um cômodo de azulejos brancos.
O outro quarto era praticamente igual e eles se dividiram, ficando as garotas com um quarto e os garotos com o outro. Cornélia os instruiu para irem se acomodando que ela buscaria as chaves dos quartos para deixar com eles.
No quarto das garotas, assim que a porta foi fechada, Bella foi a primeira a falar.
— Tudo bem, quem mais está assustada?
— Bella! — bronqueou null, sempre a mais adulta do grupo — Essas pessoas estão nos cedendo uma noite na casa delas, sem nem saberem quem a gente é. O mínimo que podemos fazer é sermos educadas.
Bella já estava tirando a roupa, mostrando que ela tomaria banho primeiro.
— Eu estou sendo educada! Só que também estou com medo. Quer dizer, porque a tal da Cornélia nos ofereceu ajuda? Assim, do nada?
— Não foi do nada, Bella. Ela viu o acidente e resolveu ajudar. — null também defendeu Cornélia. Tinha sentido boas vibrações vindo da mulher, desde que a viu passando na estrada com o carro e parando para ajudá-los.
— Sim, mas ela resolveu nos ajudar do nada. — reforçou Bella — Eu acho muita coincidência tudo isso estar acontecendo.
— Eu to fazendo de tudo para não concordar com a Bella porque todo mundo sabe que ela é louca, mas... Olha, eu também estou um pouco assustada. — comentou Haylee — Uma cidade que comemora a morte de mulheres inocentes?
— Cacete, Haylee! Você estava no carro quando Cornélia explicou sobre o festival!
— Sim, eu estava. Mas ainda assim, eu não me sinto 100% segura aqui. Deve ser porque ainda estou pilhada do acidente. E estou super dolorida.
Bella entrou no banheiro e ligou o chuveiro, deixando a porta aberta para que não acumulasse muito vapor.
— Haylee, traz a minha toalha? Eu esqueci! — Bella gritou de dentro do banheiro.
— Se eu levar, posso tomar banho com você? Estou congelando aqui.
— Você lava meu cabelo?
— Está decidido!
Em menos de cinco segundos, Haylee já tinha tirado toda a roupa e corrido para o banheiro com as toalhas.
null também estava congelando, então tirou a blusa que usava e ficou só de sutiã, para tentar diminuir o frio.
— Você concorda com elas? — perguntou null — Acha o lugar assustador?
— No começo, eu achei. — confessou null — Eu nunca tinha ouvido falar dessa Salenstown. E quantas vezes a gente foi pra praia, passamos pela mesma estrada e nunca vimos a entrada para cá? Fiquei um pouco encanada com isso. Mas aí, quando vi esse festival...
null sorriu. Todo mundo sabia o quanto null era apaixonada pela história das bruxas na antiguidade.
— Lembra quando a gente visitou Salem? Fomos no museu das bruxas e tudo? — perguntou null, pegando as mãos de null.
— Sim, eu lembro. Não faz nem um ano.
— Você se lembra da sensação de estar lá? Aquele frio na barriga de estar em um lugar onde tantas mulheres foram torturadas e mortas só por serem diferentes? O formigamento na ponta dos pés toda vez que dávamos um passo naquela cidade? Eu sinto a mesma coisa aqui. E ver que as pessoas também sentem e acreditam... É estranho, de um jeito bom, sabe? Me passa confiança. Quer dizer, eu concordo com tudo que Haylee e Bella disseram. Também achei assustador e suspeito, mas essas sensações são as sensações certas, para mim. Acho que devemos confiar em Cornélia e em Ruthia exatamente por causa das coisas que aconteceram.
null sorriu para null, apertando as mãos da amiga.
— Se você confia nelas, eu também confio, ok? E é só uma noite. Amanhã, essa hora, estaremos rindo disso tudo na praia, certo?
— Certo!
Elas não poderiam estar mais erradas.


3


— Puta merda, minha cara tá ardendo pra caralho! — reclamou null. Ele tinha acabado de sair do banho e estava com a toalha enrolada na cintura. Depois do banho quente, o frio que estava sentindo por causa da chuva tinha passado e, na verdade, ele até que sentia calor.
— Passa uma pomada, ou põe um esparadrapo. — sugeriu null — A null trouxe essas coisas pra machucado.
— Lógico. Você é praticamente um animal de três pernas andando por aí. — resmungou null, que estava escovando os dentes. Os três riram, porque era verdade. null era muito desastrado e sua perna era toda cheia de cicatrizes. Já tinha quebrado todos os ossos do corpo e levado pontos no queixo, nos dois braços e na sola do pé. Era o único dos quatro que não estava no time de futebol. null até tentara e ele não era ruim no esporte. O problema era que tinha dois pés esquerdos.
— Vai se foder, null. — null devolveu.
— É, cara, o null tem razão. — null gritou do banheiro. Era o último a tomar banho — Passa alguma coisa aí, porque tá inchado e feio já.
null se olhou no espelho da penteadeira do quarto — era uma casa tão antiga que ainda tinha penteadeiras, nos dois quartos. O corte parecera pequeno, mas, assim que limpou todo o sangue, conseguiu ver o tamanho real. Tinha mais ou menos uns dez centímetros e pegava toda sua bochecha, saindo da ponte do nariz e indo em direção à orelha. Lembrava perfeitamente do momento que bateu o rosto com força total no volante, sentindo o corte se abrir. Na hora, a dor foi tão grande que ele sentira que ia desmaiar, mas ouviu as meninas gritando no banco de trás e se forçou a agir. Depois, tudo aconteceu tão rápido que não teve tempo de pensar na dor.
— Pede lá, null. A namorada é tua. — null pediu, ainda olhando para o corte no espelho.
— A null passou aqui enquanto você estava no banho. As meninas já desceram para comer. É só ir lá e pegar.
— Ah, caralho, null! E vou lá, mexer nas coisas dos outros?
null fez uma careta.
— Que coisas dos outros, o quê? É a null, caralho! Para de ser bundão e pega lá a porcaria da pomada.
null resmungou, mas acabou indo. null disse que as meninas já tinham descido, então ele só precisaria entrar no quarto, pegar a bolsa de null e achar a bolsa com as tranqueiras de primeiros socorros. Fácil.
Entrou no quarto e fechou a porta atrás de si. Ficou impressionado com a organização das meninas. Enquanto no quarto deles todas as malas estavam abertas e bagunçadas em cima de uma das camas e a outra eles usavam para jogar as roupas, a das meninas estavam perfeitamente arrumadas, com as roupas molhadas separadas em sacolinhas plásticas, as bolsas dentro do guarda-roupa e os lençóis de cama que trouxeram de cama já estavam estendidos, dois em cada cama, já que os lençóis eram de solteiro e a cama era de casal.
null conhecia null desde quando conhecia null, e, por conseqüência, conhecia a bolsa de viagem de null, que era a mesma desde que eles tinham 15 anos e viajaram com a escola. Pegou a mala de null de dentro do guarda roupa e jogou-a na cama, começando a fuçar lá dentro.
E aí, do nada, ele ouve o barulho da porta do banheiro abrindo. Antes que conseguisse olhar quem estava saindo de lá, sua cabeça foi atingida por um frasco de xampu, o que o fez desviar o olhar.
— Ai, caralho! — null gritou, com o frasco de xampu em uma mão e a outra na cabeça, onde havia sido atingido.
— Eu que grito “ai, caralho”! O que está fazendo aqui?!
null — novamente — virou para olhar quem estava na porta do banheiro. Não que precisasse, conheceria aquela voz mandona em qualquer lugar, a qualquer distância.
— Eu só vim pegar um troço que o null pediu na bolsa da null! — explicou.
Ele olhou para null, para ali, na porta do banheiro. Estava envolvida por sua toalha cor de rosa, segurando o nó da toalha com toda a força do mundo, para que não caísse. Outra toalha envolvia seus cabelos no alto da cabeça, fazendo null se lembrar de quando estavam juntos. Foram no jantar de bodas dos pais deles e ele se lembrava de ver null sair do banheiro de seu quarto na fraternidade exatamente daquele jeito.
— E precisa vir pelado?! — ela perguntou. null notou que ela estava vermelha e ficou se perguntando se era pela falta de roupas dele ou pelo vapor quente que saía do banheiro.
— Eu não to pelado! Eu to de cueca! — ele rebateu, abrindo a toalha e revelando a boxer preta que vestia. null tapou os olhos teatralmente.
— Não precisa mostrar!
— Ah, não fode, null. Você não viu nada de novo, por aqui.
Ela tirou a mão da frente dos olhos, com uma carranca no rosto e se aproximou de null, que fechava a toalha no quadril.
— E o que você tá procurando?
— Hm... Preciso da bolsa de remédios. null disse que a null trouxe uma bolsa só com pomadas para machucados, esparadrapos e essas coisas.
null o analisou de cima a baixo, com o olhar questionador. Conhecia null a muito tempo e sabia muito bem lê-lo.
— E é pro null?
— Hm... É.
— Não é pra você e pra esse corte horrível na sua bochecha, não?
null suspirou.
— É, foda-se. É pra mim. Minha cara tá ardendo.
— Doeu admitir? Acho que não. — null sorriu diante a careta de null — Senta aí. Vou pegar para você.
Ele estranhou, mas não a questionou. Sentou na cama.
null foi até a penteadeira e pegou a maleta das Princesas Disney que estava lá e depois voltou para null.
— Você nunca iria achar. null já tinha tirado a maleta da bolsa. Haylee está com muita dor no corpo e precisou de um analgésico. Bella também estava com um cortezinho na perna, então fiz uns curativos.
null estava cursando enfermagem, então sempre que alguém deles se machucava, ela corria para fazer curativos.
— Ah. — foi tudo o que null disse.
null se sentou na cama, de frente para ele. Abriu a maleta e pegou um algodão, embebedando-o na água oxigenada.
— O que vai fazer com isso? — null perguntou, olhando para o que as mãos de null fazia. Tinha plena consciência de que ela estava completamente nua por baixo daquela toalha.
— Fica calmo. — null pediu, segurando o rosto de null com uma mão, enquanto a outra se aproximava com o algodão — Vou limpar o corte com água oxigenada 10 volumes. Pode ser que arda um pouco, mas vai garantir um corte limpo. Você tomou chuva nesse corte, é bom garantir que nenhum vírus ou bactéria consiga se instalar por aqui.
null encostou o algodão no corte, que apesar de não estar mais sangrando, estava bem vermelho. null sentiu arder e o chiado da água oxigenada em contato com a ferida aberta o incomodou.
— Está ardendo. — null murmurou, mas manteve o rosto imóvel. Até porque a mão de null estava em seu queixo, garantindo que seu rosto ficasse no lugar.
— Se está ardendo, quer dizer que os bichinhos estão morrendo. — ela respondeu, sorrindo. null sorriu de volta. Quando eram pequenos e se machucavam perto da mãe de null, ela sempre aparecia com remédios para passar nos joelhos ralados. Eles reclamavam que ardia e ela dizia aquela frase.
— Ela perguntou de você. — null comentou — Perguntou se você está bem e tal.
null assentiu. Os pais deles ficaram bem chateados quando ficaram sabendo que os dois tinham terminado.
— E o que você disse?
— Disse que você está ótima. Está indo bem na faculdade e está estagiando numa clínica perto da faculdade.
De repente, null estava aplicando um cuidado especial e uma atenção redobrada no machucado. Porque, de repente, ela estava corando e não conseguia olhar para os olhos de null.
— E o que mais? — ela perguntou. null notou que sua voz estava rouca, apesar da indiferença fingida. Ele também reparou que a toalha dela estava escorregando pelo corpo e agora ele podia ver a parte de cima dos seios dela.
— Se você estava feliz. Eu disse que não sabia. Disse que não tinha falado com você direito, a não ser que fosse para brigar e gritar contigo como um idiota.
null sorriu de lado, apenas para demonstrar que sabia exatamente do que ele está falando.
— Então... — null continuou, quando null não respondeu — O que você acha que devo dizer quando ela perguntar de você?
null foi obrigada a erguer os olhos e encarar os de null, pois os sentia queimar em seu rosto. Por um milésimo de segundo, desviou o olhar e encarou aqueles lábios que ela descobrira que amava beijar. Fazia mais ou menos um mês, mas null sentia tanta falta que não conseguia nem explicar.
— Você pode dizer para ela que não somos mais amigos como éramos antes. Mas que também não precisamos ser inimigos.
null assentiu e null pegou uma pomada na maleta, junto com um cotonete. Dessa vez, ela não precisava segurar o rosto de null, então apoiou a mão livre no joelho dele. Começou a passar a pomada no corte.
— Nós não precisamos ser como Ross e Rachel, sabe? — null tentou, fazendo referência ao casal da série Friends, que eles tinham assistido juntos mais de uma vez — Que, quando se separaram, separaram quase todo o grupo de amigos. Podemos ser como Rachel e Joey.
Ele não resistiu e fez uma careta.
— Como? Sem química?
null sorriu e deu um tapinha no joelho de null. Ela tinha adorado ver Rachel e Joey, mas null dizia desde o começo que eles não combinavam em nada.
— Não, seu bobo. Quando eles terminaram, continuaram amigos. Na verdade, eles terminaram porque eram amigos demais, certo? Talvez, esse seja nosso caso.
Ela terminou de passar a pomada no comprimento do corte e pegou gaze e esparadrapo, começando a cobrir o machucado.
— E você não me respondeu. — null continuou, sem olhar para null — Você está feliz?
null tremeu. Terminou de colocar a gaze sobre o ferimento de null e riu com a ironia daquilo. Ela era perfeitamente capacitada para cuidar dos ferimentos dos outros, mas não conseguia impedir o próprio coração de sangrar toda vez que pensava em null.
— Nunca vou ficar feliz estando longe de você, null.
null... — null murmurou, como se estivesse arrependido por ter feito a pergunta.
— Não me pergunte como eu me sinto se não quer ouvir a verdade. — ela rebateu, ficando de pé e cruzando os braços, lembrando que estava de toalha — Eu não vou mentir só para que você se sinta melhor com a escolha que fez, null.
— Eu não escolhi nada! — ele devolveu, ficando de pé também — Nós dois sabemos que não daríamos certo. Íamos acabar pior do que estamos agora!
— Não existe “nós dois”. Existe você e seu medo ridículo de compromisso! Você mandou “nós dois” pra puta que pariu quando resolveu terminar depois da nossa primeira briga!
— Só porque eu não suporto ficar brigando com você!
null riu ironicamente, querendo jogar alguma coisa na cabeça dele. Dessa vez, o contêiner de xampu estava muito longe.
— Que bom, ainda bem que não estamos mais brigando! — null gritou de volta. Entrou no banheiro e bateu a porta com toda sua força, querendo descontar ali o ódio que estava sentindo.
Ela odiava null, por ser tão covarde. Odiava a si mesma por ter se apaixonado por seu melhor amigo e por não conseguir controlar seu temperamento. Odiou até as lágrimas que ameaçavam escorrer de seus olhos, porque aquele não era um momento para chorar. Apoiou-se na porta do banheiro e se sentou no chão, escondendo o rosto entre as mãos, piscando com força para não chorar.
Alguns minutos se passaram e null ouviu uma batidinha leve na porta onde ainda estava encostada.
null... — null chamou baixinho, mas ela ouviu. Mesmo assim, preferiu continuar quieta e fingir que não tinha ouvido — Eu sinto muito.
Com aquelas três palavrinhas, null foi obrigada responder.
— Eu não preciso das suas desculpas. Não preciso que você tenha pena de mim. — retrucou — Só... Vai embora. Me deixa sozinha.
null ouviu quando null se afastou e ficou esperando mais alguns segundos antes de ficar de pé. Se encarou no espelho embaçado do banheiro. Tirou a toalha dos cabelos molhados e penteou os fios com os dedos. Então, respirou fundo. Seus olhos não estavam vermelhos — ainda bem! — e ela não precisava demonstrar que estava chateada. Afinal, desde essa história com null, ela estava sempre chateada. Podia sorrir um pouco, só para variar.
Treinou alguns sorrisos no espelho do banheiro, mas todos pareciam extremamente falsos.
Exasperada, saiu do banheiro.
Encontrou null sentado na cama, no mesmo lugar que estava quando null fizera o curativo em sua bochecha.
— O que ainda está fazendo aqui? — ela perguntou, na defensiva.
null ficou de pé assim que a viu. Dessa vez, havia algo diferente em sua postura. Ele não estava incomodado e não parecia deslocado no quarto das meninas. Era um homem com um objetivo e determinação para cumpri-lo. E, pelo seu olhar intenso, null parecia ser seu único objetivo.
Principalmente quando ele andava daquele jeito calmo, predatório, como se estivesse tudo ocorrendo como havia planejado. A toalha estava presa perigosamente baixa em seu quadril e seu peito continuava exposto. O cabelo estava levemente bagunçado e molhado, devido ao banho que tomara há pouco tempo. E devia ter sido um banho bem quente, porque sua pele ainda estava corada com o calor. Ou era o banho, ou...
null se aproximou tanto de null que ela pode sentir o cheiro do perfume dele. Era tão comum! Ela conhecia cada detalhe dele.
— Eu terminei com você porque estava puto, não porque deixei de te amar. — ele sussurrou, próximo demais. null sentiu seu corpo todo se contrair e se forçar contra o de null, mas lutou contra o impulso e manteve os braços segurando a toalha.
— Eu não acredito em você. — ela respondeu no mesmo tom baixo. Em um impulso, levou a mão para o lado esquerdo do peito de null, posicionando-a sobre seu coração — Diz outra vez, agora. Porque eu não quero te ouvir dizer isso, se você não está falando a verdade.
O coração de null batia com força contra a palma de null. Ele levou as mãos para a cintura dela, terminando com a pequena distância entre eles.
— Bom, vê se acredita agora. — null murmurou e então se aproximou do ouvido de null, onde sussurrou baixo, apenas alto o suficiente para que ela ouvisse: — Eu não parei de amar você.
Eles se olharam por apenas dois segundos. Depois, já se encontravam um sobre o outro, com as bocas coladas e as mãos puxando para perto o que já não podia mais se aproximar.
Quando null beijou null pela primeira vez, foi como se, depois de passar anos sem oxigênio, finalmente pudesse respirar. Ela pensou que nada poderia ser melhor do que beijar null. Agora, beijando-o outra vez depois de passar um mês longe, era a mesma sensação. O fogo começava a consumir seu corpo aos poucos, conforme o beijo se intensificava.
null deslizou as mãos que estavam na cintura de null para o quadril dela, encontrando aquela bunda maravilhosa, puxando-a de encontro a si. Era incrível como seu corpo conseguia reagir ao de null com tanta facilidade.
null... — null gemeu, soltando a respiração que nem tinha percebido que estava presa. null reagiu àquilo descendo a boca para o pescoço da mulher em suas mãos, dando mordidas na pele que fazia tanta falta. Na verdade, ele sentia falta dela toda.
Por causa do movimento entre os corpos, a toalha de null caiu, deixando-o somente com a boxer preta. Sem pensar direito, null aproveitou que suas mãos estavam no peito de null e as correu por seu tronco, apreciando todas as curvas perfeitas daquele corpo que a deixava completamente perdida. Enroscou os dedos no elástico da cueca dele, sentindo o corpo de null tremer com a expectativa.
Eles caíram sobre a cama, null por cima. A toalha que ainda escondia o corpo dela estava bem frouxa, mas continuava presa. Ela se posicionou sobre o quadril de null de um modo que fez os dois gemer. null jogou a cabeça para trás, deixando sua garganta exposta e null não perdeu tempo em se abaixar e lambê-lo ali, sentindo o gosto perfeito dele. Às vezes, ela achava que aquela pele tinha sido feita para que ela pudesse beijá-la e lambê-la quando quisesse.
— Caralho, eu senti sua falta. — ele murmurou, puxando null pela nuca para que pudesse beijar sua boca outra vez.
Ainda beijando-a, null empurrou null para o lado, virando-os na cama. Eles ficaram de frente um para o outro e a toalha de null finalmente se soltou, porém os dois estavam embolados nela. null apertou com força a coxa de null, mostrando o quanto a queria, depois a levou para o seu quadril, intercalando-a com as pernas dele.
E foi no meio dessa confusão de corpos que null encontrou os amigos.
— Misericórdia! — ela gritou e, tão rápido quanto abriu, fechou a porta. null e null não tiveram nem tempo de tentar se esconder.
Depois do susto, eles se olharam, ambos sentindo o coração martelar com força contra o peito.
— A gente não deveria estar fazendo isso, null. — null afirmou, se desprendendo dele e puxando sua toalha para se cobrir. Tentou não olhar para o enorme volume entre as pernas de null, mesmo que estivesse bem evidente.
— Por quê? — ele perguntou e null se arrepiou com aquele tom rouco. O tom que null usava quando estava tomado pelo desejo e, na maioria das vezes, ela não conseguia negar nada que ele pedia com aquela voz.
— Porque eu ainda sou a mesma pessoa. — null suspirou. Depois de garantir que sua toalha estava bem amarrada, ela pegou a de null que estava no chão e a jogou para ele — Eu ainda sou a mesma pessoa com quem você terminou. Eu não mudei e você também não. As razões que você dizia existirem antes ainda existem agora.
null não disse nada, mas entendia o que ela queria dizer.
— Se você terminou comigo há um mês, vai terminar de novo se voltarmos. Enquanto você não ver que seus motivos foram bobos, nós não vamos ficar juntos.
Ele se levantou e enrolou a toalha na cintura. Caminhou até a porta lentamente, pensando em tudo que null estava dizendo.
— A gente tem algo especial, null. — null murmurou, antes de ele sair — E isso deveria ser o suficiente.
Ele apenas assentiu e deixou o quarto, se sentindo um idiota por ter terminado com null há um mês.


4


— Entendi, agora me explica de novo por que vocês terminaram. — pediu null, obviamente tirando sarro de null.
Cornélia riu.
— Eu não ia dizer nada, juro! — ela começou, hesitante — Mas eu também queria que você explicasse de novo, null. Não consigo entender. Vocês não podem ficar juntos porque são amigos?
null bufou.
Eles estavam no carro de Cornélia, voltando para o local do acidente, sendo seguidos por Chuck, o mecânico. O sol estava se pondo e eles precisavam se apressar se quisessem chegar até o local do acidente antes de escurecer totalmente.
— Olha, é isso aí mesmo. Eu e a null sempre fomos melhores amigos e nunca brigamos. Quer dizer, a gente brigava igual amigos brigam; era normal. Mas no pouco tempo que a gente namorou, era briga todo dia. Ou então dia sim, dia não. E por uns motivos de merda. Uma hora era ela com ciúmes, outra hora eu. Tivemos uma briga por causa do tamanho do salto alto dela!
— Como assim?
— Ela queria sair com um salto muito alto e eu disse que era melhor ela colocar outro sapato. Ela ficou puta.
— Com todo o respeito, mas eu também ficaria. — Cornélia comentou — Você não pode escolher com qual roupa ela vai sair.
— Eu não estava tentando escolher nada! Mas null é o desastre em pessoa, vive tropeçando, com o joelho ralado. Nunca que ela conseguiria ir para uma festa, beber e ainda por cima andar com aqueles saltos. Eu falei pra ela trocar. E outra: eu não mande ela trocar, só recomendei.
Foi a vez de null bufar, fazendo careta e dando um tapa na cabeça de null.
— Você consegue ser bem babaca quando quer. Tenho certeza de que a null ficou com raiva com motivo.
— Olha lá, o escravoceta, que faz tudo o que a mulher quer! — null já começou a apelar — A null manda muito em você.
— Caralho, o que isso tem a ver?! — null elevou a voz, mas não gritou. Afinal, Cornélia estava perto — Eu só gosto de agradar a minha mina. E o resultado disso é um namoro longo de quase três anos. Olha aí o que você ganhou, sendo machão! Um pé na bunda!
null ia rebater, mas Cornélia interveio.
null, null! Vocês não podem ficar comparando os relacionamentos. Cada um é de um jeito. Talvez você e null ainda não tenham descoberto como o de vocês funciona.
— Aí é que está o problema, Nelly. — ele a chamou pelo apelido — Eu não quero tentar descobrir, se isso significar que vou ter que brigar com null. Ela não acredita em mim porque eu terminei tudo, mas eu realmente amo ela. E não como mulher, mas como melhor amiga também. Não sei como é a vida sem a null. E, se continuássemos daquele jeito, acabaríamos nos afastando de verdade. Eu disse coisas e ouvi coisas. Tenho certeza de que ela também se arrependeu de dizer algumas coisas, mas disse. Acho que ainda não estamos prontos para sermos mais que amigos. Ou então, talvez nunca sejamos mais que amigos. O fato é que eu prefiro ter null comigo como amiga a não tê-la de jeito nenhum.
Cornélia suspirou, finalmente saindo de Salenstown e encontrando a estrada de terra.
— Olha, null, sei que acabamos de nos conhecer e nem temos intimidade para isso, mas você me contou tudo e eu preciso te dizer o que eu acho. Na minha opinião, você só tem medo de compromisso.
null arregalou os olhos.
— O quê? É claro que não!
— Eita, porra! É claro que sim! É isso mesmo! — null concordou, comemorando como se tivesse encontrado a cura para uma doença terrível — Você tem medo de compromisso, cara!
— Por quê?!
null, você nunca namorou sério. Nunca ficou com uma menina por mais de um ano. Você sempre foi um cara de festas, sempre com uma diferente por noite. Ninguém nunca foi interessante o bastante pra você. Só a null. Você tem medo de compromisso.
— Isso não é verdade. Eu sou muito compromissado.
— Cara, você nunca nem apresentou nenhuma menina para os seus pais. Nem aquela lá que você ficou com ela quase um ano. Wendy, não era? Você nunca levava ela para sair com a gente, nem nada. Nem pode ser considerado um compromisso de verdade.
— Você tá falando merda.
Cornélia estava apenas ouvindo a discussão e rindo com os comentários dos garotos, mas parou e prestou atenção redobrada na estrada quando notou o céu enegrecido.
— Ei, me escutem. — ela chamou, interrompendo a discussão deles. null, que estava no banco de trás, se inclinou para frente para poder ver melhor o que os dois estavam vendo — Olhem como o céu está preto!
— O sol acabou de se pôr. — comentou null, olhando para o relógio no painel do carro — Isso é nuvem de chuva, não é?
Cornélia assentiu.
— Não acredito que vai chover de novo. Achei que o mundo já tinha caído na nossa cabeça quando estávamos subindo a estrada. — comentou null, lembrando do acidente. Precisou tomar alguns analgésicos para curar as dores no corpo, mas não mais que isso.
— Como assim? Não choveu quase nada. — Cornélia contradisse — Só vi uma garoa bem leve, quando encontrei vocês.
— Você não pegou chuva, voltando da cidade?
— Não, a chuva que eu peguei foi a mesma que eu encontrei vocês. Não entendi por que estavam tão molhados, mas tinham acabado de sofrer o acidente, então não comentei nada.
Pela primeira vez, null olhou para Cornélia com suspeita.
Ela tinha resolvido ajudar oito pessoas molhadas no meio da estrada, ao lado de um carro capotado, oferecendo casa, comida e ajuda, sem nem questionar. E, agora, dizia que não tinha sentido a mesma chuva que eles, apesar de as duas estradas serem próximas.
null não tinha nada concreto contra ela, mas sentiu a desconfiança crescer em relação à Cornélia. null estava certa. Ninguém era tão boa assim, só por ser.


5


— Ah, jovem! — vovó Ruthia passou a mão pela cabeça de null, ajeitando seus cabelos molhados — Vocês, jovens, têm essa mania de sofrer muito, por muito pouco.
Estavam todos sentados na grande mesa de mogno na cozinha de vovó Ruthia, que havia feito uma grande panela de macarronada. Para beber, ofereceu taças com vinho. null, null e Cornélia tinham ido ver o carro e os outros ficaram por lá.
— Eu sei, vovó Ruthia. — murmurou null. Ela já tinha contado para vovó toda sua história com null, assim como todos os outros cinco também tinham contado algo pessoal e recebido conselhos de vovó Ruthia. Por algum motivo, aquela mulher idosa era capaz de fazer todos se abrirem com ela. Depois de todos comerem bem a deliciosa macarronada e tomado o vinho, null e null estavam ajudando com a louça — Mas, na minha cabeça, isso com o null parece ser impossível de se resolver. Como que eu faço para lidar com um homem cabeça dura, com medo de compromisso e teimoso aceitar que a gente tem que ficar junto e pronto?
Vovó Ruthia riu, secando um dos pratos que eles usaram.
— Ah, jovem! — eles já tinham reparado que vovó Ruthia tinha a mania de chamar todo mundo de “jovem” — Uma mulher sempre consegue o que quiser de qualquer homem.
null arregalou os olhos.
— É mesmo?
— É mesmo. — null concordou, apenas dando de ombro — Quando eu estava com a Eva, eu fazia tudo o que ela queria. Na verdade, ela me enrolava direitinho e me fazia pensar que ela fazia o que eu queria.
— Está vendo, jovem? Eu sei o que digo. Os homens sempre caíram aos pés das mulheres, como nós caímos aos pés da Mãe Tríplice.
null franziu o cenho.
— O que quer dizer?
— Que todas as mulheres são reflexos da deusa. Sendo assim, não tem como nenhum homem resistir aos encantos das mulheres.
null fechou o registro de água, entregando o último prato molhado para null, que o secou e já o entregou para que vovó Ruthia o guardasse no local adequado. Então, eles se sentaram à mesa da cozinha.
— Deusa? Então a senhora não é cristã? — perguntou null, que já estava na mesa, mas atenta a conversa perto da pia.
— Não, não, minha jovem. Um cristão jamais poderia acreditar nas coisas que acredito e jamais conseguiria fazer o que faço.
— Então a senhora é... — começou null, incentivando a senhora a continuar.
A casa se iluminou com um relâmpago e um barulho alto explodiu nos céus quando um trovão anunciou a chegada da chuva.
— Os mais novos nos chamam de wicca. E quando digo mais novos, me refiro à Nelly. Aquela jovem se recusa a negar suas origens!
Por causa do trovão, Haylee, Bella e null apareceram. Eles estavam conversando nos sofás da sala, mas ficaram entediados. E vovó Ruthia era uma garantia de entretenimento, com todo seu conhecimento e suas superstições.
— Acho que chegamos bem na hora. — comentou null, puxando uma cadeira próxima ao grupo à mesa de mogno — Ouvimos uma parte da conversa e estamos interessados.
Vovó Ruthia sorriu ainda mais.
— Podem se aproximar, jovens! Terei prazer em contar tudo sobre as bruxas!
— É isso que a senhora é? Uma bruxa? Tipo... Uma bruxa de verdade? — Bella perguntou, um pouco assustada, o que fez vovó Ruthia rir.
— Bom, não sou uma bruxa de acordo com os padrões cristãos que vocês conhecem. Ser uma bruxa significa apenas estar conectada com a terra. Tudo que existe hoje em dia é por causa da nossa natureza e da Mãe Tríplice.
— Por isso a senhora mora aqui? No meio da floresta, longe da cidade? — perguntou null, não tendo certeza se estava interrompendo, mas não agüentando de vontade de perguntar.
— É, sim. E também porque aqui tenho o espaço que quero para plantar todos os tipos de ervas e plantas que preciso. Eu e Nelly não vamos ao médico. Não existe nenhuma doença que nós não possamos curar com tudo que a Mãe nos oferece.
— E a senhora não é vegana, é? Vi algumas caixas de leite na geladeira, mas a senhora falou exatamente como uma amiga vegana, então... — null perguntou dessa vez, gesticulando com as mãos.
— Não, jovem. Eu acredito que os animais também estão nessa terra para nos servir, assim como nós estamos aqui para servir a terra. Quando nós morremos, somos enterradas de volta ao solo, onde iremos nos decompor e nos misturaremos com a terra e com as plantas que crescerão nela. Então, algum animal silvestre comerá essas plantas e será comido por outro animal. E seguimos nesse ciclo sem fim, onde todos elementos estão conectados.
Mais trovões e relâmpagos ecoaram na casa antiga. null olhou para a entrada da casa, mexendo os dedos inquietamente. Aquele movimento não passou despercebido por vovó Ruthia.
— Está preocupada, não está, jovem? — ela chamou a atenção de null — Eles voltarão. Está escrito que voltarão.
null achou aquilo engraçado.
— Como assim, está escrito?
— Toda a história está escrita, jovem. Nelly voltará com os rapazes muito em breve. Não precisa se preocupar. Nem você, jovenzinha!
null sorriu para a vovó Ruthia. Era tão boa em esconder suas preocupações! Não imaginou que a velha senhora seria capaz de perceber que estava tão aflita quanto null.
Haylee se ajeitou na cadeira — também de mogno, sem estofado. Suas costas estavam doendo horrores, provavelmente por causa do acidente.
— Está com dor, jovem?
Haylee assentiu.
— Estou sim, vovó Ruthia. O acidente me deixou assustada na hora e acho que a adrenalina foi tanta que não senti nada. Agora que o susto passou, não existe quantidade de analgésico que melhore minha dor.
Novamente, a cozinha foi iluminada por um relâmpago, seguido pelo estrondoso trovão. Bella tremeu. Ela odiava tempestades e aquela parecia ser uma das grandes.
— Acho que esses jovens estão tensos. E com dor. Por sorte, eu conheço um analgésico maravilhoso e natural. E conheço também os jovens, então acredito que vocês gostariam de comer algo antes de dormir? Quem sabe um brownie?
Eles assentiram e concordaram empolgadamente. Vovó Ruthia se levantou e abriu um dos seus armários: o que tinha a porta de vidro, onde se podia ver vários potes transparentes, cheios de plantas e ervas trituradas. Ela pegou que estava particularmente cheio e o levou para cima da mesa, abrindo-o no meio de todos.
O cheiro característico encheu a cozinha.
— Isso é...
— É sim, jovem! E, misturada com meu delicioso brownie, tenho certeza que vai tirar as dores e relaxar vocês para que possam ter uma ótima noite!
E então começou a receita.


6


null, null e Cornélia voltaram para a casa de vovó Ruthia várias horas depois. Chuck tinha guinchado o carro de null para a cidade, deixando o veículo em sua oficina. null ligara para o seguro e avisara da locomoção do carro, ouvindo novamente que um mecânico especializado iria socorrê-lo o mais rápido possível. Na manhã do dia seguinte.
E é claro que começou a chover bem na hora que estavam levando o carro para a oficina, deixando tudo mais difícil. Por sorte, Chuck era um homem de meia idade muito simpático, que se compadeceu pela situação de null e concordou em ajudar, custe o que custasse. É claro que ele só concordou com tudo depois de Cornélia conversar por vários minutos com o homem, apenas levantando as suspeitas de null. Eles tinham se afastado e conversado longe dos ouvidos de null e null, o que não parecia certo para null; o que ela ia dizer para Chuck — sobre seu próprio carro! — que não podia dizer em sua frente?
Estava tão irritado com toda a situação que não ouvira o barulho alto dos gritos e da música dentro da casa.
— Ah, não. — Cornélia choramingou. Ela foi a primeira a entrar na casa, seguida por null e então por null.
A voz de Frank Sinatra cantava Witchcraft e, apesar da música calma, não havia uma alma calma dentro daquela casa.
Eles estavam todos na sala e vovó Ruthia tinha ligado sua vitrola e colocado seu disco favorito para tocar. O ar estava dominado por um cheiro doce, de algo que lembrava chocolate. null estava conduzindo vovó Ruthia pela sala, onde haviam afastado os móveis para criar uma pista de dança improvisada. null dançava com Bella e Haylee estava deitada no sofá, quase dormindo. null e null estavam abraçadas em algo que deveria ser uma dança, mas elas apenas se moviam, uma jogada sobre a outra. Todos riam como se a piada mais engraçada do mundo tivesse sido contada.
— O que está acontecendo? — perguntou null. A risada na sala era tão alta que ninguém percebera os outros três entrando.
— Eu só preciso conferir, mas tenho quase certeza de que sei o que essa doida andou aprontando.
Eles correram disfarçadamente para a cozinha — não que precisasse, ninguém na sala reparava neles — e encontraram uma forma retangular completamente vazia, porém suja. Cornélia analisou a forma, mas franziu o cenho, não encontrando o que procurava. Então, foi até o armário de potes herméticos de vidro da avó, pescando um em específico.
— O que é isso? — null perguntou, espiando por sobre o ombro de Cornélia enquanto ela abria o pote. Mas assim que null sentiu o cheiro, já sabia o que tinha ali dentro — Maconha? Sua avó tem maconha em casa?
— Minha avó planta maconha. — Cornélia corrigiu — E tenho certeza de que vi esse pote cheio pela manhã. A velha drogou todo mundo!
null e null explodiram em risadas.
— Eu não acredito! — null comentou, quando conseguiu respirar, se recuperando das risadas — Sua avó não “drogou” ninguém! — ele fez aspas com os dedos ao falar — Se eu conheço meus amigos, eles devem ter implorado para usar isso aqui, assim que ficaram sabendo.
— Não, não. Vovó fez brownie de maconha. Eu tenho certeza!
Determinada, Cornélia andou até a sala, mexendo na vitrola e desligando a música. Só assim para que notassem sua presença.
null! — gritou null, assim que viu o namorado. Tentou correr até ele, mas acabou tropeçando no tapete e caindo em seus braços. A cena fez todos rirem.
Bom, quase todos.
Cornélia continuava com uma carranca no rosto.
— Vovó! — ela ralhou com vovó Ruthia — A senhora sabe que não deve ficar usando maconha assim, por nada!
— Não foi por nada! — null saiu em defesa de vovó — A vovó está nos ajudando, na verdade.
— Meu deus, vocês estão todos chapados! — null riu, ainda abraçando null, que estava com os olhos fechados, a cabeça apoiada em seu peito — Acho que vou levar essa daqui para a cama.
Todos nós devíamos ir nos deitar. — Cornélia concordou, olhando especificamente para vovó Ruthia.
— Não fale assim comigo, Nelly. — vovó Ruthia finalmente respondeu a neta — Não tem nenhuma criança aqui. Vocês, meus jovens, acabaram de chegar... Não estão com fome?
— Não, obrigada, vovó. — null respondeu primeiro, sorrindo para a senhora tão simpática e tão chapada — Eu vou levar a minha menina para dormir e já vou descansar também. Estou morto.
— Eu também. — comentou Haylee, se levantando do sofá. Bella pegou em seu braço e as duas subiram, dando um “boa noite” geral e se trancando no quarto atrás de null e null.
— Se tá todo mundo indo... — null deu de ombros — Muito obrigado por tudo, vovó Ruthia. A senhora é a vovó que eu pedi para a deusa! — ele fez a vovó rir e depositou um beijo na bochecha dela, antes de subir. null repetiu o ato.
Sobraram na sala apenas vovó Ruthia, Cornélia, null e null.
— Eu estou com um pouco de fome... — começou null, coçando a nuca, um pouco constrangido. Depois da bronca de Cornélia, o clima estava pesado na sala.
Não que vovó Ruthia estivesse sentindo aquilo, é claro.
— Venha, jovem! Tem macarronada que preparei para os jovens, mais cedo!
— Espero que não tenha... Hm, nenhuma erva especial na macarronada. Não que eu não goste, vovó! Eu gosto! Mas, hoje, eu prefiro evitar.
Vovó Ruthia riu e pegou null pelo braço, levando-o para a cozinha.
— Só tem “erva especial” no brownie, jovem. — ela zombou da escolha de palavras dele.
Cornélia continuava na sala, observando tudo.
— Vovó, vá descansar. Eu vou servir null. Pode deixar comigo.
— Você não vai ser mal educada outra vez?
— Não vou, vó. Perdão por gritar com a senhora. — pediu Cornélia, batendo os pés no chão de modo impaciente.
Vovó Ruthia abriu um enorme sorriso e abraçou a neta. Depois, abraçou null, null e então subiu as escadas barulhentas devagar, em seus passinhos de senhora de idade.
Cornélia apenas balançou a cabeça em reprovação, pela milésima vez seguida.
— Você está com fome? — ela perguntou para null — Vamos comer alguma coisa.
— Na verdade, eu também estou. — null disse, sorrindo amarelo.
— Isso que você tá sentindo não é fome. É efeito colateral da maconha.
null deu de ombros.
— A vontade de comer é a mesma.
Os três riram.
Cornélia encontrou três pratos com macarronada, um para cada um que tinha saído. Por sorte, null não estava com fome, então tinha um prato todinho para null. Esquentou as porções no micro-ondas e serviu. null contou para null o que tinha acontecido com o carro e o seguro, mas ela só fingia que entendia. Sua cabeça estava anuviada demais para conseguir entender qualquer coisa que null dissesse. Porém, não conseguia parar de analisar o contorno dos lábios dele e o quanto ela queria senti-los outra vez.
— Eu te ajudo com a louça. — ofereceu null, já levantando e colocando os pratos na pia.
Cornélia sorriu em agradecimento.
— Pode deixar. Acho melhor você cuidar da chapada ali. — ela apontou para null com o queixo. E realmente, null precisava de ajuda. Estava deitada com a testa na mesa, os dedos traçando figuras desconexas ao lado da cabeça.
null agradeceu a hospitalidade de Cornélia e se desculpou pela bagunça dos amigos. Depois, puxou null para fora da cadeira, mas ela estava com o corpo mole demais.
— Não quero ficar de pé, null. — ela gemeu, ainda sentada — Quero dormir aquiiii.
null, para de passar vergonha. Fica de pé e vamos dormir no quarto.
— Me carrega. — ela pediu de forma manhosa. null suspirou e, vendo que não teria escolha, puxou null outra vez, dessa vez conseguindo-a fazer ficar de pé, mas apenas para que ele a carregasse.
Assim que se viu nos braços de null, null soltou um suspiro feliz e agarrou a camiseta azul dele. Continuava de olhos fechados.
— Boa noite, Nelly. Eu adoreeeeeei a sua vó! — null se despediu, sem nem olhar para Cornélia, que apenas riu e se despediu de volta.
null subiu as escadas com null no colo. Ela cantarolava baixinho Witchcraft, rindo quando precisava esticar as notas na voz. null apenas balançou a cabeça.
— Você vai acabar acordando todo mundo. — ele repreendeu, mas tinha um sorriso disfarçado no canto dos lábios.
— Não vou, não! — null respondeu, como se aquele tivesse sido o melhor argumento de sua vida.
null colocou null de pé, de frente para a porta das garotas. Ela abriu a porta devagar, tentando não fazer nenhum barulho e falhando miseravelmente ao tropeçar nos próprios pés. Por sorte, ninguém acordou. Algo chamou a atenção de null.
null, tem alguém na minha cama. — ela sussurrou para ele, puxando-o para dentro do quarto.
null e null deveriam dividir a cama, mas seria impossível com null ocupando metade do espaço.
— Não acredito que eles roubaram minha cama. — choramingou null, como se aquilo fosse a pior coisa do mundo — Agora eu vou ter que dormir no chão. Falei que você devia ter me deixado na mesa da cozinha.
— Pega suas coisas. — null ordenou, empurrando null de leve em direção à sua mala.
— Por quê? Nós vamos embora?
— Não, sua lerda. Pega suas coisas e vem dormir na cama do null. Ele pegou a sua cama, agora você vai lá e pega a dele, que tal?
Mesmo na escuridão, null pode ver o rosto de null se iluminando com a ideia.
— Ah, isso vai ser bem feito pra ele! Eu vou mesmo!
Rindo, os dois entraram no quarto dos garotos, onde havia uma cama de casal vazia, esperando por eles. Juntos, dormiram bem melhor do que dormiram desde que se separaram, ouvindo o barulho da tempestade caindo lá fora.




FIM



Nota da autora: Olá pra você, que leu mais uma fic minha!
Two More Lonely People é a minha música favorita da Miley nesse álbum (porque eu não conseguiria escolher uma favorita dela!!) e a minha ideia inicial era só fazer a viagem de amigos, com os pp's sendo ex namorados e todo aquele clima estranho que tem quando reencontramos um ex. Mas aí, um amigo me deu essa ideia de colocar bruxas e eu amei! Sempre quis fazer uma fic com essa temática e achei que encaixou direitinho aqui! Espero que não tenha ficado confuso, que tenha dado para entender todas as motivações da nossa lindíssima bruxa!
Bom, é isto! Espero que tenham gostado dessa fic e que comentem o que acharam (significa muito para mim!!)!
XOXO, Flowers

E o grupo no face, vocês já conhecem? Podem acessar clicando aqui, e aí a gente pode conversar, falar sobre spoilers e tudo mais!
Também escrevo outras fics, caso você tenha interesse em conhecer um pouco mais do meu estilo como escritora! Entra aqui e dá uma olhada na minha página de escritora do FFOBS! Tem todas as minhas fics já escritas, incluindo essa que você está lendo!







Outras Fanfics:
Beautiful [Restritas — Outros/Em Andamento]
Made In The A.M. [Restritas — Outros/Em Andamento]
01. Harder To Breathe [Ficstapes/Finalizadas]
02. Animals [Ficstapes/Finalizadas]
02. Burnin' Up [Ficstapes/Finalizadas]
05. Two More Lonely People [Ficstapes/Finalizadas]
06. Woo [Ficstapes/Finalizadas]
07. So It Goes [Ficstapes/Finalizadas]
09. 3000 Miles [Ficstapes/Finalizadas]
09. Woman [Ficstapes/Finalizadas]
10. Just A Little Bit Of Your Heart [Ficstapes/Finalizadas]
11. Pacify Her [Ficstapes/Finalizadas]
12. Haunted [Ficstapes/Finalizadas]
12. I Know Places [Ficstapes/Finalizadas]
14. Lolita [Ficstapes/Finalizadas]
14. Lost Stars [Ficstapes/Finalizadas]
14. TiO [Ficstapes/Finalizadas]
16. Scream [Ficstapes/Finalizadas]
16. The Way I Loved You [Ficstapes/Finalizadas]
MV: Love Story [Music Video/Finalizadas]


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