07. Start Over

Última atualização: 06/08/2018

Capítulo Único

Let's start over
Let's give love their wings
Stop fighting about the same old thing
Let's start over
We can't let our good love die


❥❥❥


Maybe we can start all over
Give love another life


— Hyuna, você, por obséquio, poderia emprestar a bateria do seu carro? É urgente e quando digo urgente quero dizer que estou diante de um código vermelho!
Hyuna, que estava finalizando os últimos detalhes no HQ ao qual iria entrar no ar nesse fim de semana, girou o pescoço largo e curioso em direção à null, que estava transpirando baldes e lhe fitando com um teor de pânico explosivo.
— E o quê especificamente você faria com a bateria do meu carro?! — A amiga orquestrou uma dança de sobrancelhas que só serviu para reduzir a pouca paciência que restara no subconsciente de null.
— Uma chupeta! Eu não tenho tempo para compartilhar o infortúnio da minha vida neste momento. — null esticou os dedos para Hyuna, chacoalhando as unhas pretas com uma sensibilidade quase teatral. — Mas a minha bateria morreu e preciso ir para o hospital porque null está tendo uma crise e null não entrou em detalhes.
Hyuna arregalou as duas orbes com ultraje ao ouvir a notícia e logo após o nome “null” ter sido trazido à tona, a amiga lançou o chaveiro de pompom vermelho nas mãos de null, encenando uma oração digna de ser rezada em alguma Catedral.
— Oh, sister, se foi necessário que o null te ligasse é porque a coisa deve estar complicada mesmo. — Hyuna levantou-se da cadeira para abraçar null e ela, com uma finca de confusão talhada na testa, não entendeu o porquê Hyuna agia como se estivesse anunciando o óbito da filha. — Tenha força, null. Espero que eu não veja nenhuma notícia no jornal das nove informando que certo hospital pegou fogo depois da briga de um ex-casal. — O rolar de olhos de null foi a única resposta que Hyuna recebeu de imediato. Com as chaves nas mãos de null, Hyuna voltou a se sentar na cadeira, ajeitando o coque mal feito no topo da cabeça, retomando aos detalhes do HQ. — Pode ir com o meu carro, eu volto para casa de táxi hoje.
— Você é a melhor de todas! — null correu para o elevador retirando o celular do bolso e constatando que não havia mais nenhuma ligação de null.
— Diga isso para o chefe, quem sabe ele finalmente me dará um aumento! — A voz de Hyuna saiu fragmentada e distorcida quando null já estava dentro do elevador, descendo para o subsolo do prédio, torcendo para que neste meio tempo as duas barrinhas que ainda sobraram do seu sinal não viessem a falhar e ela não precisasse usá-las.
No segundo em que a porta se abriu, null só tinha duas certezas: A primeira é que ela precisava correr o mais rápido possível para chegar ao hospital.
E a segunda era que, de algum lugar profundo e amargurado do seu ser, ela precisaria tirar muito autocontrole para conseguir encarar null sem o seu conhecido humor debochado aflorar pelo ambiente e estragar tudo mais uma vez.

❥❥❥


Quem quer que gastasse um minuto prestando atenção em null poderia ter a total certeza de que o rapaz estava por um triz de sofrer um ataque cardíaco. Seu corpo todo respondia com nervosismo e o seu psicológico estava passando por um turbilhão de emoções.
Ele parou próximo à porta de entrada do hospital porque queria testemunhar o momento em que null cruzasse o recinto e demonstrasse a sua típica confusão com o meio exterior. null não conseguia entender como a ex-namorada tinha a enigmática capacidade de ser infinitas vezes menos aérea do que qualquer outro ser humano. Geralmente era ele quem tomava as rédeas da situação para solucionar os problemas, mas era null quem vinha tomada de leveza e calmaria para fazê-lo desacelerar.
E ele quase poderia dizer que odiava esse fato.
Deve ser por isso que null não conseguia simplesmente parar quieto em um metro quadrado, suspirar por um momento e relaxar os seus sentidos.
Ele estava enlouquecendo.
null, você poderia parar quieto por um minuto, meu Deus? — null fitava o rapaz com um ar incrédulo e assustado, chegando até mesmo a se preocupar com ele por poucos segundos até que voltasse a realidade e acabasse batendo palmas em frente à fisionomia do ex-namorado para ver se ele conseguiria agir como um ser humano normal. null pulou pelo susto, arfou alto e levou as mãos para o peito, murmurando alguma coisa que null não pôde decifrar. Ele ficou de olhos fechados por alguns segundos, recuperando a respiração, voltando a se comportar como o excelente responsável que ele se cobrava tanto a ser.
— Por que você demorou tanto, null? — É claro que o null que bem conhecia despertaria em uma fração de segundos, null pensou. Ela repousou as mãos na altura da cintura e suspirou derrotada porque o seu dia estava sendo um total inferno e ela não teve o significante momento para parar em seus pés e respirar. null remexeu os espessos fios de cabelo e bagunçou-os em um tufo adorável, se null tivesse nos humores para provocá-lo, mas não era aquele tipo de ocasião em que se deparava.
— A bateria do meu carro acabou e precisei pegar o carro de Hyuna emprestado. — null resmungou baixo, odiando a sensação de dar alguma explicação para null. Ela sabia que ele logo soltaria aquele tipo de olhar julgador e autoritário, querendo abrir a carteira e lhe oferecer um cheque para “arrumar aquele probleminha”. — Economize saliva e me diga o que está acontecendo com a nossa filha!
— Não sabemos ainda. — null foi pontual na resposta. — Ela reclamou de dores no abdômen quando estávamos saindo de casa e eu achei que poderia ser alguma coisa renal, sei lá como é que nomeiam esse tipo de coisa… — null levantou as mãos em afobação pedindo para null acelerar a sua fala e o rapaz assentiu de imediato, engolindo em seco. — Mas ela me deu um daqueles olhares suplicantes pedindo para irmos ao hospital e você sabe como eu sou. Cheguei aqui em menos de dois minutos.
— E ninguém sabe o que pode ser? — null choramingou só querendo atravessar aquelas portas e encontrar a sua filha. — Onde ela está agora? Preciso vê-la, ela provavelmente está sentindo a minha falta e…
— Os médicos pediram para esperarmos aqui enquanto eles terminam os exames. — null segurou o cotovelo de null quando viu que a mulher estava prestes a invadir a área restrita do hospital, tentando mantê-la em um equilíbrio mental estável. null tombou um olhar doloroso para null, o mesmo que ele contemplou quando se viu sozinho, naquele corredor, cogitando todos os problemas que a sua filha poderia ter. — Ela é uma menina de 11 anos, eles estão tentando decifrar os sintomas que ela está relatando. Pode ser apenas uma besteira, mas eles precisam ter certeza.
— E é melhor que tenham! — null bateu os pés começando a se sentir sufocada pelo cheiro do ar. — É do meu bebê que eles estão cuidando!
— Calma, null, vai dar tudo certo. — null tentou acalmá-la. — Nossa garotinha é saudável e vai tirar isso de letra. Você verá.
null demorou a encarar null e consentir com o seu encorajamento. Ela cruzou os braços num aparente sinal de cisma, o que null antigamente considerava a coisa mais amável e cativante que seus olhos viam, mas ali, naquela circunstância, tempos depois, com uma filha de 11 anos e uma separação no relacionamento, só demonstrava que eles não tinham mais preocupações fúteis para lidar.
— Nunca torci tanto para você estar certo uma vez na vida, null.

❥❥❥


null poderia ter só 11 anos, mas o seu cérebro engenhoso a transformava em um prodígio ainda não descoberto.
A garota amava o pai e a mãe, mas odiava ter de viver a vida se dividindo entre as duas casas, entre os dois cantos da cidade e as duas realidades. Lembrava-se vividamente dos dias em que eles eram uma só família, um só lar e uma só felicidade. Agora, anos mais tarde, centímetros maior e próxima a entrar na puberdade, null só queria aquele mundo encantado novamente.
Foi por isso que ela teve o plano genial: Precisava unir os pais novamente. Como? Não fazia ideia. Os dois não conseguiam ficar no mesmo lugar sem trocarem farpas, o que dificultava a sua missão.
Então, inteligente como sempre fora, null encontrou a solução de saída em sua última instância: forjaria uma doença porque só assim os pais se tolerariam e aceitariam conviver próximos um ao outro em prol de sua princesinha.
O Google não era devidamente capacitado para fornecer instruções sobre como forjar uma doença por tempo indeterminado, então null precisou apelar para as artimanhas que adquiriu nos vídeos do Youtube e criar uma “doença inexplicável”. O primeiro passo seria dizer que estava com dores no abdômen porque a área é suspeita demais e indicaria um nicho de várias hipóteses. Depois disso, ela falaria que estava se sentindo zonza e com ânsias, o que agravaria a situação e faria os médicos procurarem por um caminho mais estreito. Após esse passo ela simularia desmaios ou coisas do tipo. Qualquer coisa que fizesse o seu plano durar mais que uma semana.
— Isso dói? — O médico perguntou ao apertar com mais vigor a lateral da barriga de null. Ela sentiu cócegas, quase desatando em risos, mas estava concentrada em colocar as suas aulas de teatro em prática e encenar o seu plano. Ela concordou com a pergunta, fingindo estar sentindo-se triste. — E aqui?
— Também. — Ela respondeu baixinho porque achou que poderia estragar a sua “dupla identidade” se falasse como geralmente falava, espontânea e risonha. — Ai, ai! — Ela não sentiu completamente nada quando o médico tocou na sua coluna. — Está doendo.
— Certo. — O médico soltou um suspiro inaudível entre as frestas dos lábios e apoiou o estetoscópio na maca onde null estava sentada. — Vamos trabalhar a partir disso então. — Ele sorriu sereno para a garotinha, acariciando os seus cabelos. Caminhou até a sua mesa e sentou-se colocando o dedo sob o telefone e esperando que alguém o atendesse. — Chamem os pais de null null, por favor.
null endureceu no assento ao ouvir a menção de “pais”. A sua mãe provavelmente já estava lá, esfumando raiva em cima do pai, ou achando que null deveria estar, realmente, fazendo cena para fugir da aula. Enquanto deduzia as hipóteses que tinha em mãos, o seu pai adentrou no quarto como um raio, sendo acompanhado por sua mãe, ambos tentando arrumar um espaço para apertar null, sufocá-la, beijá-la e sussurrar promessas de amor eterno.
— Como você está, filhotinha? — null olhou com atenção para a filha. null ficou cabisbaixa, apoiando o rosto na curva do pescoço da mãe e gemendo fraco. — Oh, meu amorzinho, aposto que são só gases! Mamãe não te ensinou a ficar em posição fetal na cama para facilitar? Você sabe que funciona! — O médico sorriu largo pela brincadeira da mãe tentando descontrair o ambiente, mas null rolou os olhos porque sabia que null estava falando sério. Ele entrou na frente da filha e da ex-namorada, mirando um olhar angustiado e desesperado por respostas, confrontando o semblante impenetrável do médico.
— E então, doutor? O senhor chegou a um diagnóstico? — Aquela era a parte mais difícil de sua carreira, o doutor pensou. Quando um paciente morre, ele sabe que todos os seus recursos e trabalhos se esgotaram, não havendo mais nada a ser feito, mas, quando ele está diante de um caso que é totalmente curioso e peculiar, o médico tem ciência de que as suas mãos estão atadas e ele precisa arrumar uma brecha para desatá-las.
— Os resultados não saíram ainda, mas null precisará ficar sob observação nos próximos dias e terá que passar por uma nova bateria de exames. — null acenou em concordância. — Os relatos dela não foram conclusivos e, embora possa ser só um problema renal fácil de sanar, só concluiremos isso quando tiver certeza de que não há chances de ser nada diferente.
— Com “sob observação” o senhor quer dizer ficar internada? — null sentiu náuseas só em idealizar a sua filha em um quarto de hospital.
— Não precisamente. — O médico respondeu. — Caso ela tenha mais um pico de dores vocês precisarão trazê-la de volta imediatamente, mas agora ela precisa descansar para continuar seguindo com os exames pela parte da manhã. Poderá voltar para casa.
null conversou mais um pouco com o médico, pegando todas as dicas válidas para cuidar da filha, revezando o olhar entre o homem e a garotinha acolhida nos braços de null. Depois de acertar a papelada do hospital, null caminhou com as mãos para trás, desconfortável, sondando o olhar curioso de null.
— Podemos voltar para casa? — null o indagou. null limpou a garganta.
— Acho que é melhor levá-la para a minha casa. — null encarou null inexpressiva no primeiro segundo e, no próximo, projetou um riso nasalado.
— Inacreditável, null! Você é inacreditável. — null fechou os olhos e se encolheu nos braços da mãe, ciente de como a conversa se destrincharia.
— O que você quer dizer com isso? Não insinuei completamente nada, null! — null levou as mãos para o peito e tentou se defender.
— Se você não estivesse insinuando nada nem ao menos precisaria argumentar que não há nenhuma insinuação na sua frase, null. — null rolou os olhos e ajeitou a bolsa nos ombros, ajudando null a se levantar. — Você acha que eu não tenho condições de cuidar da nossa filha, exatamente como eu já faço há 11 anos?
— Eu jamais disse ou diria isso, null. — null pediu para que ela desacelerasse os passos e o olhasse. — Eu só acho que seria melhor null ficar na minha casa porque é mais próxima do hospital e, se você me deixasse terminar a minha... — null tampou os ouvidos de null para ela não ouvir a próxima palavra. — bendita frase, ouviria que eu iria dizer para você também ficar na minha casa.
— E por que você acha que eu estaria interessada em ficar na sua casa, null? — null tentou controlar o seu tom discriminatório e defensivo.
— Porque nós precisamos ficar unidos nesse momento para cuidar da nossa filha e ajudá-la a se sentir o menos assustada possível. — O argumento de null era ótimo e null só o odiou um pouco mais por ter razão. — E na minha casa você poderá usar o quarto de hóspedes para ter a sua privacidade. É temporário, você sabe.
— É claro que eu sei. — null empurrou null com os ombros e partiu em sua frente com null de mãos dadas. — Ou você acha que eu iria querer passar o resto da minha vida naquela sua mansão sem personalidade, tendo que dividir o mesmo teto que a sua namorada? Um verdadeiro retrato da família tradicional e feliz de um comercial de manteiga? Eu tenho a minha própria casa, null, e apesar do meu cantinho não se enquadrar na sua visão perfeita de propriedade, com vários quartos de hóspedes, eu e null vivemos confortáveis e felizes lá.
— Eu não tenho mais namorada. — null deu de ombros, incomodado pela menção de Dahyun ter vindo à tona. null olhou de soslaio para ele, aparentemente nem um pouco interessada em saber o porquê da separação. — E eu também gosto do seu apartamento! Quem disse o contrário?
— Sinto muito por vocês. — Ela não tinha um tom genuíno na fala, mas null não se importou. null ignorou a extensão do outro assunto porque não era o que mais lhe chamara atenção naquele segundo.
— Ela não gostava de mim, mamãe. — null achou que aquele momento era ótimo para fazer a mãe sentir menos ciúmes. A menina conhecia bem o humor da mãe e sabia que quando ela remexia os cabelos como cascatas e mordia os lábios com força era porque estava lutando contra si mesma para não soltar nenhum comentário que realçasse o seu ciúme.
— É claro que não, filha. — null abaixou-se na altura da filha e massageou a bochecha da menina, sorrindo terno para ela. — Ela gostava de você, não pense o contrário, tudo bem? O nosso término não teve nada a ver com você, não se preocupe. — null não iria se preocupar de toda forma porque não gostava da ex-namorada do pai. A mulher tinha uma péssima mania de tratar null como uma mascote ou, às vezes pior, achando que a garota era um acessório temporário na casa. Quando null percebeu que a mulher não era tão maravilhosa quanto aparentava, assim como na época em que a conheceu, ele não tardou em colocar um fim na relação. A sua filha viria em primeiro lugar sempre e todos os próximos envolvimentos amorosos que ele venha a ter na sua vida precisarão ter certeza disso. — Então está decidido? Vocês irão ficar comigo? — null lançou um olhar embasbacado para null, esperando que a mulher retribuísse com piscadelas doces e consentidas, mas a conhecia bem para saber que deveria se sentir satisfeito com um mero aceno de cabeça e um olhar amolecido. null, que havia se pendurado no pescoço do pai, sorriu largo quando ele a levantou no ar e correu para o lado de fora do hospital, tirando a chave do carro do bolso e esperando por null.
— O papai vai pedir por uma pizza de frango diplomata com recheio de catupiry nas bordas, não é? — null anunciou a ideia do jantar para que a mãe e o pai pudessem ouvir. null, que vinha logo atrás, sorria carinhosa e apaixonada para a garotinha, sabendo que nenhum dos dois conseguiria negar o pedido da filha.
— Você está saindo do hospital, pentelha, quem disse que pode comer essas porcarias? — null tentou soar autoritário só para não expor o fracasso que era dizendo não para a filha. null afastou o rosto do ombro do pai e o encarou com aqueles adoráveis olhos brilhantes e ovais, uma mistura perfeita dele e de null, sabendo que a filha conhecia bem aquela peripécia perfeita para derretê-lo.
— Estou com dor no abdômen, não no estômago, papai!
— Por que não fico surpreso por ver que a minha filhota herdou da mãe o brilhante dom de me fazer aceitar o que quer que diga? — null abaixou o tom de voz, para que null não pudesse ouvir, mas null memorizou a revelação do pai como mais um motivo para fazê-la persistir em seu plano mirabolante.
A frase só encheu o seu coraçãozinho com mais um pouco de esperança. Ela tinha apenas algumas horas para mostrar a eles que ainda podiam ser a família feliz que antigamente eram.
E que o plano, finalmente, entrasse em ação.

❥❥❥


null tinha uma incomparável qualidade de mesclar os seus sentimentos e tapeá-los para não se tornarem tão aparentes e por causa disso foi fácil engolir o orgulho e aceitar o pedido da filha, de dormir aquela noite na casa de null, porque ela queria a presença de ambos para confortá-la.
Não seria a sua missão mais fácil, longe disso. null conhecia o seu orgulho e até qual nível profundo e mórbido ele alcançaria para confrontar null, mas a verdade estava no fato que, desde o momento em que null tornou-se uma mãe precoce, com os seus recém-completados 17 anos, ela aprendeu que a maturidade não é algo ensinado, é algo conquistado. Ela foi forçada a crescer e assumir responsabilidades cedo demais. O orgulho, entre todas as coisas que null conheceu na sua transição de adolescente para uma adulta, foi o que ela mais precisou ter de engolir para prover o sustento e os mantimentos básicos para a sua filha. Ela teve de trabalhar como garçonete, balconista, instrutora de cachorros e recepcionista enquanto que o seu sonho era apenas entrar na faculdade, se especializar na área de desenhista ilustrista e criar HQs tão lendários quanto aqueles que a Marvel e a DC Comics reproduziram mundo afora.
Infelizmente ela teve de escolher: ou o seu sonho ou as fraldas, as chupetas, as roupinhas, os alimentos e as consultas nos médicos. null sempre tivera a contribuição em massa de null, ainda mais por ele provir de uma família com melhores condições financeiras e ter tido a oportunidade de ir atrás de uma vaga na universidade e um emprego que lhe ajudasse a arcar com despesas mais caras, mas nesta parte de sua personalidade o orgulho permaneceu consolidado como um concreto talhado à mão. null jamais deixaria que outra pessoa, a não ser ela e null, mantivesse null. Eles eram os pais daquela criança, ela era responsabilidade unicamente deles.
null entendia que null precisou abrir mão de grande parte de sua vida para cuidar de null, assim como aconteceu com ele, mas o rapaz também sempre esteve ciente de que, para ele, como homem, as condições sempre seriam mais favoráveis diante da sociedade. null nunca perdeu um emprego porque o seu empregador achava que ele estava saindo muitas vezes para amamentar a filha recém-nascida. null nunca precisou ter de implorar para manterem o seu emprego porque achavam que uma filha poderia atrapalhar a produtividade no trabalho. null nunca precisou perder uma oportunidade de emprego por ser mulher e correr o “iminente risco de engravidar novamente durante o período de trabalho e ter de tirar licença-maternidade”.
Era por causa dessa sequência de fatos — que tendiam a se duplicar no percurso dos anos — e de toda a história que ele compartilhou com null nos anos de namoro que ele se forçou a ser o pai mais excelente e dedicado de toda a sua existência. null precisou abrir mão de um longo período de sua vida para se dedicar ao posto de mãe e poder deixar null ir enfrentar o mundo para ajudá-la a manter null e o rapaz queria retribuir os esforços da ex-companheira e convencê-la que, agora, tanto tempo depois, ela poderia finalmente aceitar que estava na sua hora de desacelerar e descansar. Ele tinha condições para assegurar a qualidade de vida para null e queria que null continuasse batalhando pelo seu sonho, pois ela merece. null merecia ver a mãe perseguir seus almejos e null merecia estar em paz sabendo que a ex-companheira está tendo a sua oportunidade de encontrar-se no mundo.
— No que você está pensando, papai? — null repousou o queixo no peitoral do pai e inclinou os olhos em direção ao seu rosto. null remexeu-se no sofá e alinhou as mãos nos cabelos da null, lhe acariciando com amor.
— Estou pensando na vida, meu amor. — Ele desceu os olhos para o dócil rosto da filha. — E no quão sortudo eu sou por ela ter me dado você.
null sorriu até os seus olhos se reduzirem a pequenos pontos brilhantes, como estrelas, trilhando uma constelação que tinha um caminho diretamente para o coração de null.
— Você se arrepende de ter se tornado o meu pai? — A pergunta era inocente, assim como o coração de null. A menininha questionava isso desde que adquiriu uma capacidade de avaliar a situação em que os seus pais se colocavam. Eles eram consideravelmente mais novos do que os pais das outras crianças, então, na cabeça de null, os dois devem ter a “recebido em suas vidas” quando eram quase crianças. null se questionava se eles perderam muitas brincadeiras, passeios e momentos porque ela chorou muito à noite, precisava ir ao médico ou porque era um bebê chato igual o seu priminho que chora cada vez que não está nos colos dos pais.
— Jamais, null. — null se ajeitou no sofá com urgência, ficando de frente para a filha. Ele segurou em seu rostinho e acariciou a lateral dele, transmitindo a corrente de amor que o consumia. — Você me deu um propósito, filha. Você me tornou humano.
null, sentada no sofá de frente para o que null estava com null em seus braços, manteve o seu autocontrole no mais alto nível, impedindo-se de debulhar em lágrimas.
Ela, entretanto, não conteve a vontade de arremessar-se no ar e sentar ao lado da filha, envolvendo-a em um embrulho de braços e beijos. null desvinculou-se parcialmente dos braços de null para abrir espaço à null, sorrindo com as suas janelinhas expostas para a mãe.
— E você, mamãe? Se arrepende?
— Você é a minha sementinha de vida, meu tesouro. — null beijou o topo da cabeça da filha. — Você começou a existir graças a mim, bem aqui dentro — null segurou a mão de null e a levou para o seu ventre, esfregando os dedos pequenos da filha por baixo dos longos dedos dela. — Mas foi você quem me deu a vida.
null sentiu que estava finalmente no seu conto de fadas. Nada de príncipes, nada de maçãs envenenadas e nada de florestas assombradas. Estar aconchegada nos braços dos pais era ainda melhor do que um baile, um castelo, um príncipe ou qualquer coisa. Enquanto fosse a princesa de seus pais, null estaria vivendo o seu próprio mundo encantado. Era só isso que ela queria.
— Vamos, anjinho. — null se levantou do sofá, virando para o lado contrário, evitando que as duas não vissem as lágrimas que escorreram de seus olhos, batendo palmas em seguida e improvisando uma dança ridícula, aos olhos de null, e cativante, aos olhos de null. — O que você quer fazer hoje?
null não havia chegado perfeitamente bem nessa parte do plano, por isso precisou improvisar quando viu a mãe se remexer em meio às poltronas, lançando um olhar curioso para ela.
— Verdade ou desafio?! — null retribuiu as piscadelas de olhares com a esperança de agora poder começar a praticar as suas horas intermináveis de planejamento. null gargalhou porque não fazia ideia do que null poderia ter para revelar, ao passo que null choramingou baixinho porque tinha muito a revelar.
— Por mim está ótimo! — null ofereceu um high five para a filha. — null?
— O que você não pede sorrindo que eu não faço sem pestanejar, hein, dengo meu? — null apertou null entre os braços e as duas travaram uma brincadeirinha íntima, daquelas que faziam quando estavam paradas em algum lugar e não conseguiam criar uma barreira física entre elas. null encarou a cena por um deslumbre de momento, apaixonado por aquele momento. — Tudo bem, eu começo! — null se animou de repente, puxando null para sentar em cima das almofadas que null espalhou pelo chão. O rapaz prendeu os braços por trás do corpo, deixando o peito suspendido em direção à null, fitando a ex-namorada com um mistério e desafio em evidência. Ela sorriu, dando de ombros, ignorando a provocação dele. — O desafio será tomar um copo de suco de pimenta mexicana. — null arregalou os olhos e estava pronto para contestar, mas, com tom de aviso, null se acelerou: — E a pergunta é se o seu pai realmente ficou preso em uma montanha-russa na Disney porque estava tremendo de medo e o corpo de bombeiros precisou tirá-lo de lá? — null arfou de surpresa e pulou em cima das almofadas, implorando para o pai responder. null fuzilou null, sabendo que ela estava se deliciando em colocá-lo entre a cruz e a espada.
— Você está me persuadindo a manchar a reputação ilibada do meu pai?! — null cruzou os braços com falsos indícios de ira. null prendeu o riso, tampando a boca parcialmente, pedindo desculpas em seguida.
— Não, eu estou te dando duas opções, a escolha, no caso, é toda sua. — Ela sorriu forjando uma aura angelical, piscando no próximo segundo. — Verdade ou Desafio, querido.
— Meu pai que me perdoe. — null pretendeu estar falando com o próprio pai, causando um riso escandalizado em null. — Mas pimenta mexicana é coma na certa, então, não hoje, obrigado. — Ele respirou fundo fechando os olhos com vergonha. — Ele não aguentou a “Incredible Hulk” e ficou travado no assento, suando frio, xingando todas as gerações dos americanos que construíram aquela coisa e pedindo para a minha mãe ir buscar ajuda. — null caiu no riso ao contar o fatídico passeio do pai. — Você já viu vídeos daquela coisa?! São uma sequência de loopings, curvas e nenhum intervalo para respirar! Eu achei que ele até que foi bem forte de ter conseguido sentar no carrinho. — Os três desataram em risos humorados imaginando o pai de null tendo surtos por causa de uma montanha-russa. null limpou as lágrimas e escapuliu mais alguns risos. null passou o “bastão” para ele, chamando-o para o jogo. null arquitetou uma pergunta, apesar de ser imatura e besta.
— O desafio é pagar vinte polichinelos. — null apontou o bastão para null e ela fingiu-se ofendida, encostando os lábios na latinha de refrigerante. Ela ocultou o sorriso cabalístico por trás do alumínio, mas null foi sagaz ao ver o movimento corporal da mãe. — E a verdade é: Você realmente chorou no banheiro quando a sua fantasia rasgou durante a apresentação de teatro no nono ano e revelou a sua calcinha de beijinhos?! — null revirou os olhos antes mesmo de null terminar a colocação porque sabia que ele chegaria naquela pergunta algum dia. A lembrança era vergonhosa, mas null tinha aprendido a lidar com ela cada vez que alguém ressuscitava o evento.
— Eu sou preguiçosa, mas como eu sei que é o sonho da sua vida descobrir essa resposta, terei que te deixar na tentação. — null estendeu a mão com a latinha de refri para null, levando o corpo no mesmo segundo e acertando-se no canto mais distante da sala. null ficou esbaforida com a reviravolta, observando a mãe encenar os melhores polichinelos que já viu em sua vida. null arreganhou o cenho em frustração e desferiu uma sequência de palavreados nada motivadores para null desistir no meio do caminho. Quando ela chegou ao vigésimo, null caçoou do pai, fazendo-o assumir a derrota.
— Minha vez, minha vez! — null ia ter um ataque de arritmia cardíaca e mal podia esperar por aquele momento. null voltou a se sentar nas poltronas, ofegando baixo para que null não se sentisse vitorioso e aguardou a pergunta da filha. — A verdade é: Vocês ainda são apaixonados um pelo outro? O desafio é vocês se beijarem! — O choque foi o primeiro elemento que se evidenciou no ambiente. null quase criou uma catapulta com a sua língua e expeliu o refrigerante que bebia diretamente na cara de null, enquanto que as orbes do rapaz congelaram em seu rosto e ele travou o maxilar, indignado e em espanto, sem ao menos saber como agir. null oscilava o olhar entre os dois, rindo pentelha com as reações, esperando que alguém tivesse uma atitude qualquer.
— Ok, null, é hora de você ir para a cama. — null levantou, batendo as mãos uma na outra para limpá-las, dando tapinhas nas costas de null e a ajudando a pegar impulso. A menina parou no meio da sala, contrariada, esperando que o pai fizesse algo além de encará-la petrificado e como se a sua alma houvesse escapado do corpo. null, que estaria fritando de ódio se fosse outra pessoa que fizesse essa pergunta, apenas abanou com a cabeça, agindo como a única mais centralizada e consciente. null tentou argumentar que o jogo deveria seguir e que era contra as regras não cumprir nenhuma das opções, mas null usou o cartão dourado do “Sou a sua mãe e posso fazer o que eu quiser”, deixando a mais nova cabisbaixa e birrenta. — Vamos, preguiçosa, amanhã você precisa acordar cedo!
null, ouvindo os passos distantes da filha e de null se afastando da sala, conseguiu finalmente soltar a respiração que prendeu por tanto tempo e não havia notado. Seu corpo amoleceu no chão e ele despencou as costas para o piso de madeira, apoiando a mão no peito e suspirando alto enquanto vidrava o seu olhar no teto.
A princípio ele se sentiu chocado. null era uma criatura habilidosa e audaciosa, igual à mãe, e essa foi a razão pela qual ele não se surpreendeu tanto depois que a pergunta se acostumou em seus ouvidos. Depois ele se sentiu profundamente idiota e tolo, porque, nem que ele, agora, estivesse negando fervorosamente para assumir, ainda sim null sabia que, se null o fitasse por um maior ínterim segundo, a resposta criaria vida e fluiria por entre as paredes daquela casa.
E aí ele estaria oficialmente ferrado.

❥❥❥


null demorou a dormir, o que não havia sido exatamente surpreendente. A filha ainda estava com os níveis de adrenalina no céu, assim como a sede de justiça que não a deixava parar de falar o quanto a mãe estava sendo injusta e não respeitando nem as regras do jogo — o que era errado, afinal, sempre lhe ensinaram a seguir as regras! — e nem o regime democrático do país fazendo uma coisa daquelas, claramente um absurdo que ela denunciaria a alguém mais tarde, mas null só não sabia quem, uma vez que null estava sendo conivente com seu ataque totalitário.
Sinceramente, após o que a garotinha havia feito, teve vontade de simplesmente trancá-la no quarto um pouquinho, só para ter alguns minutos para respirar sozinha no corredor e se recuperar do fato de estar buscando oxigênio de forma completamente exagerada e desnecessária para bombear seu sangue, coisa que não tinha que estar acontecendo de forma alguma porque null era um assunto passado que não tinha que lhe afetar daquele jeito. Não aceitava e nem mesmo admitiria que aquele calor exacerbado no ambiente era por nervosismo de ter que tocar no assunto de seus sentimentos em relação ao homem ou relembrar do gosto dos lábios dele. Gosto esse que lembrava tão bem mesmo após praticamente dez anos, o que era assustador…
Balançou a cabeça para os lados exageradamente e resolveu se convencer que, talvez porque aquele questionamento houvesse vindo de null, a sua tão doce garotinha que às vezes se esquecia de que era um ser tão inteligente quanto os adultos, as reações haviam sido diferentes e mais exageradas. Era só por isso, e não porque de vez em quando achava que havia um passado mal resolvido com null, porque o passado deles havia sido bem resolvido quando resolveram colocar um ponto final no relacionamento! Infelizmente não teve a opção nem de respirar no corredor e muito menos de especular muito sobre a situação, pois tinha que ser a boa mãe que sempre era e colocar a filhinha para dormir, a perdoando no mesmo momento que os olhinhos de pedras preciosas reluziram em sua direção quando ela sentou na cama, de braços cruzadinhos em frente ao corpo e um bico extremamente bravo nos lábios.
null, não faça assim! — null demonstrou ser tão criança quanto a filha, imitando a pose dela com os braços também se cruzando ao abaixar a frente da cama para ficar frente a frente com a criança. — Você precisa descansar, bebê, o médico disse, lembra? E é melhor não passar por nenhuma emoção forte e nem nenhuma situação de estresse!
— Mamãe, por que você e o papai se gostarem seria uma situação de estresse? — A menininha ergueu os olhos de gatinho sem erguer a cabeça, olhando para a mãe com aquela expressão típica de criança contrariada, mas de forma tão adorável que nem mesmo parecia manha, e então null percebeu que tinha que vigiar ainda mais as palavras enquanto estivesse naquela casa porque a filha era esperta o suficiente para não deixar nada passar.
— P-por que… — Tentou começar, pensando em alguma desculpa que não a magoasse, mas que também não lhe colocasse em uma situação de perigo a ponto de null sair gritando naquele mesmo segundo que ainda era apaixonada por null. Não que fosse, claro, mas a criancinha podia deduzir que sim se deslizasse apenas um pouquinho… — Porque, nenê, isso é uma coisa que adultos precisam conversar antes de responderem para as crianças! — Não percebeu o quanto aquilo abria uma brecha enorme para a menor, que foi obrigada a guardar o seu sorriso cheio de artimanhas para si mesma, ouvindo uma frase daquelas. — Eu e o seu pai não… Nós nos gostamos como amigos, entende? — Mesmo que não fosse exatamente o que aparentava, mas estava se esforçando para que sim, ao menos na frente de sua menininha. — Então falar disso é desconfortável para nós.
— Quer dizer que vocês vão poder falar para crianças depois de conversarem entre vocês? — null respondeu de uma forma tão natural, pura e inocente que não parecia que sua mente girava em cinquenta direções diferentes de tanta ansiedade em falar aquelas palavras. — Por que se vocês conversarem vai deixar de ser desconfortável!
null… — null arregalou os olhos em completo choque com como aquela garota conseguia ter o raciocínio mais rápido que o seu.
— Promete que vocês vão conversar, mamãe?! Promete pra mim! Eu posso aceitar qualquer resposta se vocês realmente conversarem! — Até porque null tinha plena convicção que, se os pais conversassem, nunca haveria resposta alguma que não fosse que a eles se amavam assim como quando eram pequenos como ela. Então, não tinha medo algum em pedir aquilo porque sabia que quando eles simplesmente conversassem, todo o amor que eles guardavam iria sair dos coraçõezinhos e ser falado, porque, demonstrado, ele já era, mesmo que de forma peculiar e que os adultos não entendiam, mas fazia completo sentido na cabeça da garotinha.
null, eu… — Encarou a expressão da filha, que brilhava tanto em alegria com a possibilidade de que não teria outra opção a não ser soltar o ar de seus pulmões, frustrada, e assentir com a cabeça. — Mas só se você me prometer que não vai perguntar mais sobre isso, ok? Quando a mamãe tiver a resposta, a própria mamãe vai falar pra você!
null ergueu o mindinho da mão direita para a filha e ela só faltou começar a rodopiar no quarto decorado com rosa e unicórnios no mesmo segundo, sabendo que uma promessa de mindinho nunca era quebrada. E, por isso, sem pensar duas vezes, envolveu seu dedinho com o da mãe entre risadinhas e um esporádico bocejo, que foi a deixa perfeita para a mulher beijá-la na testa e cobri-la carinhosamente, ligando o carrossel de luzes brancas com bichinhos que rodavam, iluminando o quarto.
— Eu te amo, minha filha. — Sussurrou ao tocar na maçaneta da porta, suspirando baixo em vê-la tão feliz estando ali.
— Eu também te amo, mamãe!
E então saiu, fechando a porta atrás de si e encostando o corpo contra ela para respirar fundo. null tinha formas muito persuasivas de conseguir o que queria, e null não conseguia dobrá-las nem mesmo se esforçando. E o pior de tudo era saber que, se ela quisesse fazer o mesmo com null, conseguiria da mesma forma! Será que estava criando uma política?
E em falar em no ex-namorado… Não era como se realmente quisesse voltar para a sala e correr o risco de encontrá-lo após a pérola que sua garotinha havia soltado, mas a realidade é que estava sim com vontade de encontrar-se com um null null em estado de choque, apenas para ter o prazer de vê-lo tentando disfarçar que havia ficado petrificado quando ouviu a verdade e desafio da filha.
Riu para si mesma com a lembrança, mas não teve o prazer de vê-lo com a cara de tonto porque o homem já havia deixado o ambiente. Isso foi motivo para que a própria null então desabasse em descrença com a situação que havia se metido, precisando de uma água para recobrar a postura, sanidade e calma em seu coração que ainda estava estranhamente acelerado.
Concentrou-se em ir para trás do balcão da cozinha e então buscar um copo d'água para auxiliar em seu processo de acalmar-se. Após abrir o armário e encaixar o copo de vidro no purificador de água, apertou o botão e observou o líquido cair como se sua vida dependesse disso. E, mesmo se soubesse que a presença do null era iminente no ambiente em que estava, teve que controlar o instinto de colocar a mão acima do coração quando a voz dele soou do outro lado da divisória de ambientes.
— Ela já dormiu? — Ele questionou tão calmo quanto sempre tentava aparentar ser, mesmo que por dentro provavelmente estivesse extremamente surtado, tentando não transparecer o fato de que tivera de ficar alguns minutos na varanda para recobrar a sanidade ao enfrentar o perigo de frente e, pedindo para tudo o que mais amava, que null não houvesse percebido o quão nervoso ficara quando seus sentimentos foram colocados em cheque.
— Sim, acabou desistindo depois de um tempo e pegou no sono. — null respondeu levando o recipiente até os lábios para tomar um gole e desviando os olhos da figura do homem às suas costas.
— Ótimo. — Ele soltou entre um suspiro cansado. Depois de tantos eventos naquele dia e tantas emoções, null só queria um bom banho, sua cama e saber que a filha estava bem e protegida. Esse último tópico muito provavelmente acabaria com o seu sono.
null pressionou os lábios escondidos pelo reflexo do vidro, lembrando-se da promessa que fizera para a filha sobre conversarem. O seu orgulho nunca seria maior que as vontades e promessas para null, mas era grande o suficiente para que se tornasse um tanto complexo e incômodo abordar aquele assunto tão abertamente. Abriu e fechou a boca algumas vezes, engolindo a saliva e tomando todo o resto da água para tentar ver se isso ajudava em sua situação.
— Então… Quer dizer que nossa filha não vai ter mais sessões de compras incessantes de roupas no shopping, cabelo e aulas de maquiagem? — Não era uma novidade null falar com esse tom sarcástico sobre o recém-terminado namoro de null, pois ela falava do mesmo jeito enquanto ainda não havia terminado.
Não que achasse que era ciúmes, mas era bem suspeito o fato de null detestar qualquer mulher que chegasse perto de si. Sempre pensou que era porque tinha medo delas se aproximarem de null, e nunca discordou, sabendo que ela tinha todo o direito de defender a filha como a leoa que era. Mas, a verdade é o que null podia dizer além de que ele sempre tivera o dedo podre para escolher namoradas, com exceção da primeira e melhor, claramente si mesma? E, apesar de fingir que não, a última que ele se envolvera parecia achar que null não era uma pessoa de verdade e sim uma boneca de pano a qual podia brincar de vestir e de pentear os cabelos.
A filha sempre lhe dissera que não ia muito com a cara dela e não era realmente uma surpresa que o null houvesse acabado com o relacionamento. Ele faria aquilo cedo ou tarde, quando descobrisse que a mulher não era tão fã de crianças quanto demonstrava ser. Devia admitir, pelo menos para si mesma e nunca para ele, que null sempre prezou o bem estar da filha acima de qualquer sentimento próprio. Ele sempre buscou encontrar alguém que gostasse de null tanto quanto dele e isso era algo que admirava.
— Não, não vai. — Ele respondeu, sentando em uma das banquetas e preguiçosamente escorando o corpo no mármore branco, ignorando todo o deboche nítido na voz da mulher para responder como a pessoa civilizada que tanto se esforçava e fingia ser.
— Ótimo. Ela não suportava aquela mulher, acho que ela vai se sentir melhor agora. — Comentou, virando novamente de costas para o null e pegando uma esponja para lavá-lo e enxaguá-lo logo após, fingindo que não estava sentindo o olhar fixo do ex-namorado em sua nuca.
— Só ela, null? — null cruzou os braços e arqueou uma das sobrancelhas com um sorriso cínico que a mulher nem mesmo precisava encará-lo para saber que estava lá, tão natural dele que o infeliz parecia ter nascido com aquela expressão que null conseguia mentalizar perfeitamente, por tê-la decorado há muitos anos atrás.
null, se poupe de passar vergonha, meu querido. — null soltou uma risada harmônica e gostosa, se divertindo com a forma direta que ele sempre tentava tratar as coisas, e que com ela, nunca dava certo. Talvez o null pensasse que fosse lerda demais para pegar as coisas no ar, e por isso preferia agir daquela forma. — Chegamos ao pico da montanha e não há mais nada para subir. Nós perdemos a parte mágica, e nós dois somos muito cegos para encontrar de novo. — Finalmente girou o corpo, deixando os olhos intensos pousarem sob o rosto tenso do homem.
Por alguns segundos, sua mente retornou para quando eram dois adolescentes não tão responsáveis quanto null queria passar que eram para os seus pais. Eles acabaram se descuidando e, disso, veio o maior presente da vida dos dois, o laço que os mantinha conectado para o resto de suas vidas, a preciosa filha do casal. Após null nascer, eles tentaram, de alguma forma, ajeitar a situação, mas o relacionamento entre os dois estava oco e saturado. null não parava de trabalhar nem mesmo por um minuto, e, apesar de null saber que era porque ele queria dar o melhor para a filha deles, ela sentia falta de ter um companheiro.
Estava frustrada em diversas áreas da sua vida. A financeira, a profissional, a amorosa… Decidiu então que limparia tudo o que não estava lhe fazendo bem e seguiria com sua vida, assumindo a sua responsabilidade e se esforçando para ser a melhor mãe que o mundo já viu. Infelizmente, seu relacionamento com null estava na categoria eliminatória, e foi assim que acabou. Não era que o amor havia ido embora, era só que as prioridades se tornaram diferentes para cada um deles, e no caso, para nenhum dos dois os novos objetivos envolviam um ao outro e sua vida como um casal.
— É realmente isso que você acha? — null se manteve tão calmo e apático quanto normalmente demonstrava ser e null não entendeu o porquê ele estava insistindo tanto na situação, arqueando uma das sobrancelhas em dúvida. O homem percebeu e rapidamente mudou de assunto, se esforçando para relaxar os ombros tensos ao virar o corpo em direção ao corredor. — Eu vou ao hospital amanhã de manhã, você pode ficar descansando com a null.
— O que? E deixar você cuidar disso sozinho? Esquece, eu vou junto. — null interrompeu os planos do null e revirou os olhos com aquele costume que ele tinha de sempre achar que podia fazer tudo sem ninguém por perto. Também estava preocupada e null também era sua filha! Como ele queria que dormisse enquanto ele saberia ou não se tinha algo de errado com a sua menininha?
E foi ao se espreitar no corredor para ouvir o que os pais estavam conversando que null soube que teria de intensificar um pouco mais a sua doença inexistente se quisesse que eles se amolecessem mais porque tanto o pai quanto a mãe eram dois cabeças duras.

❥❥❥


Mããããe! Paaaaai!
Não eram nem sete da manhã quando null e null acordaram com gritos estridentes e chorosos vindos do corredor. Na realidade, os dois nem mesmo chegaram a acordar, simplesmente pularam da cama sem raciocínio algum, praticamente derrubando as portas dos quartos e tudo o que aparecia pela frente até chegarem em uma null parada no corredor, com ambos os bracinhos envolvendo o abdômen e lágrimas tão reais e convincentes caindo dos olhos que os corações dos pais da menina praticamente saíram pela boca.
— Filha! Ai meu Deus! — null se jogou de joelhos no chão na frente da menininha, apertando-a de forma protetora contra seu corpo e acariciando seus cabelos enquanto a erguia no ar sem muitas dificuldades.
null já havia sido rápido e pego um cobertor para que a criança não tomasse friagem no caminho para o hospital, assim como duas mãos trêmulas alcançaram as chaves do carro, e agora ele abria a porta principal da casa para sair correndo e gritando para esperá-lo ali que ele traria o carro. null gemia, chorava e apertava ainda mais a mãe pelas dores, fazendo com que null ficasse a cada segundo mais angustiada com aquela situação, sabendo que não conseguia fazer muito mais do que ajeitar a manta no corpo frágil de sua bebê.
Pelo menos na situação emergencial null resolveu esquecer um pouco dos limites de velocidade e os sinais em amarelo piscante, mesmo que sempre se certificasse da segurança de todos em primeiro lugar, tendo certeza de apenas atravessar os cruzamentos se não houvesse outros carros circulando e, mesmo que o hospital fosse perto da casa do null, pareceu na mesma rua com a urgência que ele dirigia. Ele acabou saindo do carro praticamente antes de estacionar e correu em direção às portas ao pegar a filha no colo.
null seguiu atrás, não conseguindo reclamar por saber que ao menos o homem conseguia correr com a menininha no colo e partiu atrás dos dois, que entraram na emergência e foram rapidamente atendidos. Por sorte o médico do dia anterior já havia assumido o plantão e logo se manifestou para cuidar novamente de null. Os pais foram obrigados a esperar do lado de fora, o que foi praticamente a sentença de morte para a mãe, que começou a chorar desesperadamente ao observar tirarem sua garotinha dos braços de null.
O null ainda tinha a respiração descompassada ao ouvir os gritos assustados da filhinha chamando pelos dois e olhou com o coração na mão e se sentindo o mais impotente dos homens de todo o mundo quando entraram no corredor da emergência. Suas mãos esfregaram o rosto com força, tentando encontrar alguma calma no meio de todo aquele caos. E, ao ouvir os fungos vindos da parede atrás de si, guiou seu rosto para encarar null, que estava com a face completamente vermelha e as mãos cobrindo os lábios.
null… — Soltou em uma voz falha, de olhos arregalados em encontrá-la daquela forma, buscando apoio nas limitações do corredor. Sua ex-companheira sempre tentava demonstrar força e ser inabalável, mas sabia que qualquer coisa que envolvesse null tirava-a totalmente o equilíbrio e a fazia ser aquilo que era por dentro: a melhor mãe que já havia visto no mundo que se assustava com a mínima possibilidade de estar acontecendo algo ruim com a sua razão de viver. — null, não… Não precisa ficar desse jeito, vai… Vai ficar tudo bem!
Ele claramente não tinha tato com aquela situação, o que não era uma novidade vindo de alguém que sempre era tão racional. O null nunca soube bem lidar com os sentimentos sempre tão aflorados da mulher, mas quando ela o fitou debaixo com as orbes completamente encharcadas, soltou um suspiro contido, desistindo de todo o seu orgulho para puxá-la pela mão para um abraço confortador, não lhe dando a opção de se desvencilhar por saber que ela o faria se pudesse.
E ele queria que null soubesse que ainda era um bom ombro para chorar e alguém que ela podia continuar se apoiando, mesmo após todos aqueles anos, todas as provocações e divergências de opiniões.

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Estava fingindo que dormia, mas abriu o olho esquerdo quando ouviu a maçaneta sendo girada, se arrependendo no mesmo segundo, pois além de ver aquilo, também fora pega pelo homem, que a viu com um dos olhos abertos. Desistiu da ideia de fingir a inconsciência e então sentou mesmo sem o pedido, com as mãozinhas ainda abraçando o abdômen e as perninhas gordinhas balançando no ar, parecendo estar em estado de choque. E, na verdade, ela realmente estava!
null se desesperou assim que viu o médico entrando com uma seringa de agulha longa no consultório que haviam a colocado. Seus olhinhos castanhos saltaram de forma completamente assustada e um grito formou-se em sua garganta ao vê-lo fechar a porta sem nem mesmo esforçar-se para esconder aquela coisa atrás das costas. O pediatra se aproximava com um sorriso largo, mas que para a criancinha era completamente assustador e, quando ele ajoelhou à frente da maca a qual estava em cima e tocou levemente seu joelho, praticamente entrou em colapso.
null, você se lembra de mim, não é? Sou o mesmo Doutor de hoje de manhã, o Tio Jun! — Ele começou a falar animadamente e a menininha chacoalhava a cabeça insistentemente por muito mais vezes do que eram realmente necessárias. — O tio vai precisar que você seja forte, ok? — Agora a expressão dele começou a se tornar um pouco mais séria e a criança começou a se assustar ainda mais. — Eu descobri uma coisa nos resultados dos seus exames e ainda não contei para o seu papai e para sua mamãe. Preferi contar para você antes porque sei que você é uma mocinha crescidinha e vai saber lidar bem com isso.
— V-Você descobriu? — null começou a ficar ainda pior, suas mãozinhas começando a tremer, agora em cima do papel que cobria o estofado da onde estava sentadinha. Mas… Não tinha nada pra descobrir?! O que ele havia encontrado? A água começou a inundar seus olhos, pelo medo que lhe acometeu. Sua mamãe sempre lhe avisara que mentir trazia conseqüências! Será que ele ia usar aquela seringa? O que era mais importante, seu plano ou passar por cima de seu pavor?
— Sim, null. — Jun decidiu fazer suspense e o coraçãozinho da menininha parecia que iria sair pela boca, de tão forte que batia. — Eu descobri que não existe exatamente nada de errado com você! — Ele disparou de uma vez, começando a ficar com dó de deixá-la tão preocupada.
E então viu o alívio percorrendo todos os poros do corpo da baixinha e fechando os olhos com a mãozinha em cima do coração, tendo um momento para si mesmo para recuperar-se daquele ataque. O médico quase riu, mas então no segundo seguinte recebeu um olhar mortal de sobrancelhas arqueadas que até mesmo o assustou e o fez dar um passo para trás.
— Doutor, por que você fez isso comigo? — null questionou completamente ofendida, cruzando os bracinhos em uma postura tão autoritária para uma criancinha de apenas 11 anos que o corpo de Jun até mesmo se levantou, com um sorriso de nervosismo estampando sua face ao deixar a seringa, sua auxiliar no terror psicológico, acima de sua mesa.
— Sou eu que devia fazer as perguntas aqui, mocinha! — Tentou retomar o controle da situação, mas aquele bico nos lábios da menininha deixava óbvio o porquê os pais dela acreditavam tanto em suas crises de choro e picos de dores. — Não encontrei nada, exatamente nada no resultado dos seus exames e, então, nós precisamos conversar sério aqui! Você realmente está sentindo dores, null? — Se dignou a questionar, mas sabia bem que alguém que havia acabado de ter uma dor daquelas que fora encenada nunca estaria tão bem após somente cinco minutos.
— E-eu… — null mordiscou a parte interna de sua bochecha, os olhinhos indo para o chão enquanto pensava no que faria, mas o próprio homem voltou a falar antes que tirasse suas conclusões do que poderia fazer.
— Se você me disser que sim… — Ele suspirou, fingindo chateação e desânimo ao ter que ser o portador de uma notícia tão arrasadora para uma criancinha. — Eu vou ter que te deixar aqui, pequena, até nós descobrirmos o que é. Vamos ter que fazer exames mais específicos e você não vai poder ficar com seus pais por um tempo em casa.
— N-não! — Ela espalmou as mãozinhas no ar, balançando-as insistentemente como se isso fosse fazê-lo parar de falar aquelas coisas horríveis. — Não, eu só quero ficar com eles! Quero todo mundo junto como uma família! — Soltou completamente desesperada, tentando se levantar da cama para se aproximar de Jun, que a impediu.
— Ei, ei, vai com calma! — Ele instruiu, deixando-a sentadinha e se sentando do lado, segurando na mãozinha da criança e olhando nos olhinhos que voltaram a brilhar com a possibilidade de ficar longe de seus pais. — null, por que você não me conta exatamente o que está acontecendo? Se eu souber posso te ajudar! Nós somos amigos, não somos?
null observou o chão e ao seu redor, insegura e com medo de que tudo acabasse agora, enquanto ainda não havia conseguido atingir seu objetivo principal: Seus pais admitirem que ainda se amavam.
Mas ao mesmo tempo sabia que não podia ir mais fundo com aquela mentirinha, ou acabaria correndo o sério risco de ficar com uma cicatriz bem feia na sua pele perfeita de bebê no abdômen. Ponderou suas chances de conseguir continuar com o plano e foi quando uma ideia passou pela sua cabeça. A ideia de que sim, era amiga de Jun e, se eram amigos, ele podia lhe ajudar!
— Tio, nós somos realmente amigos, não é? — Ela ergueu os olhos até o rosto do homem, que sorriu e balançou a cabeça positivamente algumas vezes. — Então, você não pode dizer não ao favor que eu vou pedir! — E foi aí que o médico percebeu que estava se enfiando em uma situação muito perigosa. null estava forjando dores e fazendo os pais correrem para o hospital e, seja lá o que ela queria, estava obstinada e faria qualquer coisa para conseguir.
E havia acabado de se tornar parte do plano.

❥❥❥


— Doutor! — null chamou e se levantou do lado de null assim que viu o homem saindo daquele corredor, seu coração batendo tão forte que qualquer um que chegasse perto poderia escutá-lo.
Passara aproximadamente 40 minutos em completo desespero e medo de estar acontecendo algo grave com a sua menininha. Nunca vira null daquela forma e entrava em estado de choque quando alguma hipótese ruim passava por sua cabeça, mas, por sorte, null estava lá com ela, por pior que fosse para a mulher admitir isso. null sempre fora a esperançosa entre os dois, enquanto o homem sempre o realista.
Mas os anos de sofrimento, onde teve que abrir mão de tantas coisas em prol de uma missão maior que aceitara de forma tão plena e orgulhosa, pareceram ter sido cruéis com o mundo ao qual ela tentava cultivar em sua mente. O mundo onde sonhos se realizavam e tudo sempre acabava bem. null aos poucos deixara de acreditar nele, e ouvir quem sempre foi tanto seu oposto o incentivo de relembrá-lo, foi algo que ela não esqueceria tão cedo.
null, null. — O pediatra remexia as mãos incansavelmente nos bolsos do jaleco, e os pais da menina ficavam ainda mais ansiosos observando aquela ação com a maior atenção possível, sem entender o porquê ele parecia tão preocupado. Ou não querendo entender o porquê.
— Aconteceu alguma coisa?! A null está bem? — null questionou também em pé, não aguentando passar mais um segundo sem saber o que havia acontecido com a sua bebê para ter aquelas dores e se agora ela já estava melhor.
— Agora ela está estável e as dores foram controladas. — Jun estava precisando fazer a força de alguém que carregava um caminhão nas costas para pronunciar aquelas palavras, mas se esforçava para mentalizar que era por uma boa causa.
— E então, os resultados dos exames, eles mostraram alguma alteração? — null questionou outra vez, os olhos vidrados em qualquer músculo do corpo do médico que ousasse se mover um milímetro que fosse.
O homem teve que se lembrar do que a criança havia lhe dito quando questionou o que ela queria com aquilo, querendo saber se era um motivo bom o suficiente para quebrar seu código de ética. Ela só queria sua família de volta, todos juntos e felizes. E, segundo ela, só estava fazendo aquilo porque tinha certeza que, no fundo, os dois ainda se amavam. Olhando agora para as expressões de alívio do casal não tinha certeza se concordava com a teoria, mas como podia dizer não para um pedido daqueles? Ela só queria ter a oportunidade de não ter que fazer uma minimudança todos os finais de semana para passá-los com o pai, e nem ter escolher com qual família passaria o Natal ou o Ano Novo. Queria passar com os dois. Todos juntos.
— Os exames também não deram alteração alguma. — Bom, aquela parte ainda não era mentira e agora viu um misto de confusão e felicidade no brilho dos olhos dos dois. — Mas eu tenho ideia do que possa ser, pelas conversas que tive com a null.
— O que? Ela te falou alguma coisa grave? — null já montou mil e uma teorias em sua cabeça que começou a rodar e teve que manter um equilíbrio irreal para manter-se em pé e não se desesperar outra vez.
— Não é nada para se preocupar, quer dizer, não muito… A null parece sentir muita falta dos pais próximos. E, aparentemente, eu percebi pelas palavras dela que a relação de vocês não tem sido a mais amigável desde a separação. — De repente os dois adultos sentiram-se tão pequenos e envergonhados que isso os fez ficar com as bochechas extremamente vermelhas. Não era possível que isso estava afetando tanto a filha, era…? — Não sou psicólogo, mas sei quando um paciente está estressado quando converso com ele, e acho que isso está acontecendo com a null. Suspeito que essas dores sejam resultados dos sentimentos que ela reprime para não incomodar vocês, que é o incômodo pela forma que vocês se tratam.
Naquela hora algumas lágrimas já caiam dos olhos de null em pensar que se esforçava tanto para ser uma mãe perfeita e falhara em um dos pontos mais simples de sua missão. Eram a mãe e o pai de null, claro que a relação conturbada entre os dois iria, de alguma forma, causar um desconforto na filha!
Como nunca percebeu isso antes e deixou chegar naquele estado tão grave para a sua menininha? Tentou limpar as lágrimas rapidamente para que ninguém visse, mas não teve sucesso, pois já eram muito mais do que achou que eram. null soltou um suspiro desanimado, sabendo exatamente o que passava pela cabeça de null, e girou o corpo para trás fixando suas íris nas dela, sem esconder o brilho chateado e preocupado que as suas próprias se encontravam.
— Não se culpe, null, você é a mãe perfeita para a null. — Tentou, se aproximando um passo da mulher e timidamente segurando suas mãos, se esforçando para passar o máximo de firmeza e segurança, mesmo que também estivesse com o coração despedaçado por dentro. — Nós não tínhamos como saber, ela nunca falou nada…
— Nós somos os pais, null, nós devíamos… Devíamos ter percebido! — Apesar do tom de revolta em sua voz, a mulher não fez menção de se afastar ou desconectar as mãos que se entrelaçavam timidamente, um contato íntimo que os dois não tinham há tempo o suficiente para seus corpos se arrepiarem ao relembrar o prazer que sentiam ao estarem próximos.
— Você sabe que não, null. Nós não temos como saber tudo que passa na mente da null, ela é uma pessoa com identidade própria! Também estou chateado por ela ter escolhido esconder isso, mas… — Ele apertou os lábios um contra o outro, tentando achar as palavras certas e também controlar a enorme vontade que tinha de envolver a ex-namorada em seus braços.
— Olha… — Jun interrompeu o momento íntimo entre os dois com um sorriso nervoso, coçando a nuca sem graça e apertando a prancheta que estava em sua outra mão. — Sei que esse é um assunto particular e eu não tenho o direito e nem devia estar me metendo, mas… — Ele tentou começar o mais cuidadosamente possível, mas os olhares curiosos de null e null não auxiliavam exatamente em sua insegurança. — Vocês já tentaram recomeçar? Não dizendo pra vocês iniciarem um relacionamento ou qualquer coisa assim mais… Pessoal, mas recomeçar simplesmente como amigos, sem as mágoas do passado. Seria realmente bom para a filha de vocês. — Novamente, não estava mentindo. Se a criança chegou ao nível que estava para tentar aproximar os pais, era porque realmente seria bom para ela se eles tentassem conviver civilizadamente, mesmo se isso não envolvesse um âmbito amoroso. — Quer dizer, acho que fui muito longe, não é? Desculpem! E-eu… Eu vou deixá-los a sós.
Terminou seu trabalho ali ao jogar a sugestão no ar e então sumiu pelo corredor, finalmente podendo limpar o suor da sua testa e respirar fundo. O casal que ele deixou para trás, porém, não podia dizer o mesmo: o ar estava preso em seus pulmões como se estivessem debaixo d’água sem oxigênio e precisassem segurar a respiração para não morrer.
null… — null soltou junto com todo o ar preso, percebendo que ainda segurava as mãos da mulher, e rezando para que ela não percebesse o quão suadas as suas estavam ficando pelo desespero da situação. Logo ele que sempre fora o racional entre os dois, estava deixando seus sentimentos se aflorarem tanto que precisavam se manifestar através de reações corporais. — Você… O que você acha disso? Você quer recomeçar comigo?

❥❥❥


Algum tempo depois


null se lembrava de ter ouvido certa vez alguém dizer que os flocos de neves são as lágrimas congeladas dos anjos que não caíram. Em sua cabeça de criança, tempos atrás, aquilo não fez muito sentido — Os flocos de neves eram coisas bonitas, simbólicas e felizes, então porque seriam comparadas com algo tão triste e depressivo?
Hoje, enquanto observava os flocos se amontoarem em enormes montanhas vistosas e densas entre todo o espaço físico que representava o seu jardim, a sua rua, o seu bairro e tudo aquilo que ela entendia por “lar”, null não pode se convencer do contrário.
null passou a encarar os flocos de neves de forma diferente porque o seu próprio conceito de “lágrimas” havia se modificado no passar dos tempos. A garota dedicou o seu tempo de sua vida acreditando que as pessoas só choravam porque estavam magoadas, tristes, decepcionadas ou machucadas. As lágrimas exteriorizam dores, certo?
Mas null se concentrou em não se esquecer do momento em que null lhe ensinara que depois da tempestade sempre virá o arco íris, não importando o que você tenha de enfrentar para encontrá-lo. No final o seu pote de ouro está lá, pronto para ser recolhido por alguém que foi corajoso e bravo o suficiente para percorrer toda a tempestade em busca do arco íris.
Foi assim, então, que null descobriu que por muitas vezes as lágrimas podem ser tempestades, mas em certos momentos também podem ser o arco íris. É uma simples questão de perspectiva.
Antigamente, os flocos de neves eram tempestades aos seus olhos. Hoje, os flocos de neves são o seu arco-íris.
E o seu pote de ouro, no final, estava bem ali, dentro das cercas daquela casa que ficava no seu lugar favorito de todo o mundo, representando tudo o que esse momento que acontecia diante dos seus olhos poderia significar.
null, se você der mais um passo a frente, já se considere um homem morto! — A voz de null saiu abafada e fragmentada porque o seu cachecol estava forrando os seus lábios e a breve fresta de movimento que a vestimenta fornecia só servia para null ver o sorriso sapeca se formar no rosto da mãe.
— Você pediu por um confronto e esse sou eu te oferecendo uma guerra! — null tinha sérios problemas com competitividade e é por isso que null já imaginava que o seu pai ganharia aquela briguinha sem dó ou piedade. Os passos ágeis e rápidos do homem contornaram a lentidão preguiçosa que null gastava para subir a colina de neve, colaborando para que ele pudesse pisar primeiro no monte de gelo e criasse movimento para se inclinar em direção ao alvo almejado: o rosto vermelho e irritado de null.
null nem teve tempo de ver a bola de neve se chocar contra o seu rosto porque null estava afobado demais para atingi-la e, espantalhosamente, acabou derrubando ambos pelo chão cruelmente congelado. null arfou um grito sufocado quando sentiu o frio atravessar as suas roupas pesadas, mas o riso contagioso por uma dose de alegria que null exalava era quase como um choque elétrico de infantilidade e diversão que null tanto amava.
— Você não fez isso, null! — null tentou mexer freneticamente as mãos na frente do rosto de null, mas as toneladas de roupas dificultavam a espontaneidade dos seus movimentos, fazendo-a ceder ao cansaço e bufar incrédula. Ela fechou os olhos, sentindo a chaminé quente que as narinas de null expeliam para o seu rosto, aproveitando aquela sensação reconfortante e acolhedora. Como um dia ela pode se convencer de que não sentia uma falta absurda disso?! — Eu vou te ressuscitar só para te matar de novo, seu pirralho inconseqüente!
— Oh, falou a mulher de 28 anos que está vestida em um moletom dos Monstros S&A e usando uma touca com pompons! — null abriu um largo sorriso quando null fechou a cara e cutucou o seu abdômen, empurrando o rapaz para longe de seu corpo. null, que assistia a cena com os olhos marejados e um sorriso abobalhado, correu em passos hiperativos até onde os pais estavam jogados, arremessando o seu peso em cima dos dois, quase criando um terremoto. null gargalhou, apertando a filha contra o corpo de null e criando um sanduíche humano. Os três se perderam no espaço e no tempo, apenas vivendo e sentindo aquele contato, aquela proximidade, aquele momento e aquela felicidade que parece vestir tão bem aos seus corações.
As bochechas volumosas e ruborizadas de null prendiam o que ela queria tanto perguntar para os pais. null acariciou as maçãs do rosto da filha, esperando para que ela proferisse o que estava lhe fazendo sorrir vacilosa daquele jeito.
— Esse é o nosso arco íris, mamãe? — null divagou a imensidão do seu amor através dos seus nuances brilhantes e profundos. null apoiou o rosto com a palma da mão, distribuindo beijos calorosos pelo rosto da filha, lhe fazendo sorrir. — Nós vamos ficar juntos como uma…? — A garota não terminou a sua colocação, mas o restante estava implícito. Sempre esteve.
Os olhares se encontraram e, na fração de segundos que corresponderam pela espera que null teve de aguardar para descobrir qual resposta receberia, null e null escolheriam a forma para oficializar os seus desejos.
Os dois queriam mais uma chance e prometeram para eles mesmos que, desta vez, com corações mais leves, maduros e responsáveis, o caminho de volta para o mundo que existia só a eles seria novamente trilhado.
— Sim, null. — null respondeu à filha depois de null achar que não ouviria a afirmação verbal. — Esse é o pote de ouro que encontramos no final do arco íris que foi feito só para nós.
null buscou pela mão de null, coberta pela grossa luva de algodão, mas o toque foi o suficiente para transbordar seus corpos com a sensação daquela mera conexão.
— Estamos todos juntos como uma família, null. — null completou a colocação da filha com um sorriso derretido, pronto para mergulhar naquela realidade que antigamente era tão sua e que, hoje, ainda o transmite a impressão de ser totalmente deles. — Nós vamos finalmente começar de novo.



End... For now.



Notas das autoras: LARISSA F.:
AYOOOOOOOOO SOFT BABIES! WHAT’S UP? Meu deus, SÓ EMOÇÕES COM ESSA FIC! Acho que ela acabou se tornando uma das minhas favoritas da vida todinha pelo simples fato de que foi criada juntinho com a Vick, para os conhecidos, Venus para a população ffobiana e sis para a íntima (aka eu! Hehehehe). Entramos nesse ficstape sem medir as conseqüências (e quando medimos, né, migs?) e já começamos a pleno vapor do mesmo jeito que fazemos tudo entre nós! Foi um prazer imenso compartilhar esse plot com ela, uma das pessoas que mais me entende na vida e embarca nas minhas loucuras sem ao menos hesitar. A estória fluiu tão perfeitamente que quando vi, PUFT, já estava pronta! ♥
Obrigada, amiga, por ser essa pessoa maravilhosa e por ter me proporcionado a experiência única de trabalhar com você! Start Over é um pedacinho da nossa amizade, assim como de todas as fics que, indiretamente, trabalhamos juntas. Mil vezes obrigada por existir! ♥
Muitíssimo obrigada para quem chegou até aqui e por ter clicado nesse link. Só isso já significa o mundo para nós! Esperamos que não tenhamos decepcionado a expectativa de ninguém e que vocês deixem essa estória com o coração mais gordinho de amor! ♥
Nos vemos no próximo ficstape, na próxima fic, no próximo projeto e e nos ‘corredores’ desse site maravilindo! Até muito em breve, babies! We are one ♥

Outras Fanfics: EM ANDAMENTO: ♥ Erlebnisse [Esportistas — Restritas — Em andamento]
Unbreakable Destiny [KPOP — Restritas — Em andamento — EXO]
(THE) Chairwoman [KPOP — Restritas — Em andamento]

VENUS: EU ESTOU ME SENTINDO OFENDIDA por que Larissa F. tem um bordãozinho fofo para iniciar as notas e eu estou há meia hora olhando pra página branca do arquivo e pensando em como saudar vocês, seres humanos fofíssimos e maravilhosos que chegaram até aqui! COMO LIDAR, O QUE FAZER?! Perdoem minha falta de capacidade de interação social e não desistam de mim! SUAHUSHA
Mas e então, meus diamantes brilhantes, como vocês estão, chegamos todos bem até o final? ♥ Eu espero que sim! Start Over surgiu do nada em uma oportunidade que a fofa da Nicki me ofereceu, e quem me conhece sabe que falou ficstape eu já levanto a mão e me enfio na loucura. E dessa vez eu tive o prazer enorme de arrastar essa criaturinha maravilhosa chamada Larissa pra loucura, juntinho comigo! Nós geralmente estamos loucas, mas nunca tão juntinhas, mesmo compartilhando tantas coisas nossas uma com a outra, essa foi a primeira que podemos chamar de nossa cria e foi muito especial pra mim dividir essas páginas com ela! Só tenho a agradecer por essa linda embarcar nessa história tanto quanto eu, mesmo que eu seja a culpada! USAHUSAUHSAUH Essa história é tão sua quanto minha, iniciando pela sua ideia e o processo criativo e a forma especial que a sua escrita conduz a história.
Muito obrigada por me apoiar, incentivar e ajudar sempre que eu preciso, e por ser essa pessoa que você é, me ensinando a cada dia mais a ser mais confiante em mim mesma e a enxergar coisas que eu achava que eu não conseguiria fazer! Seu exemplo como autora e como pessoa é algo que vou levar pra sempre, DO U KNOW HOW MUCH I LOVE U, RIGHT? ♥ SAUSUAUHSAUHUSHA
Estou orgulhosa do resultado, e espero que todo mundo que tenha lido tenha gostado tanto quanto nós duas! Não se esquece de deixar a sua opinião na caixinha aqui embaixo, ela é muito importante pra nós!

Outras Fanfics: EM ANDAMENTO: ♥ Kratos [KPOP — VIXX — Em andamento]
(No) F.U.N [KPOP — Em andamento — SEVENTEEN]
Trespass [K-POP — MONSTA X — Em Andamento]

Nota da beta: Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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