Capítulo 1
A luz do luar não era uma estranha para mim. Ela dava a minha pele pálida e sem vida um brilho que só o sol já havia dado. O vento frio da noite já me parecia uma brisa quente como vinda de um deserto quando comparada ao local em que eu moro. As luzes da cidade em sua vida noturna eram as minhas únicas companhias já que as estrelas eram tão intimas de mim que sabia o nome e quantas todas elas são ali no meu recorte de céu que a pequena janela do meu quarto mostrava.
As pessoas eram estranhas para mim. Ora como formigas se eu olhasse para o chão, ora como invisíveis. De qualquer forma, eu não mais era um ser deles. Por quê? Porque eu sou uma zumbi.
Todos os dias eu me sentia a mesma. Presa e nunca podendo mudar. A única parte boa era nunca envelhecer, sempre ter cara de jovem, o que fazia muito sentido por conta da minha idade de quando parti.
Ironicamente das poucas coisas humanas que tenho flashes de ter vivido a que eu tinha mais clareza e detalhes é a minha morte, o momento que deixei de existir.
Luzes coloridas. Música alta. Pessoas suadas e dançando amontoadas no centro do estabelecimento. Ar pesado pela mistura de ar seco e fumaça que denunciava presença de fumantes. Esse era o ambiente que a menina de vinte anos completamente ingênua aos perigos que um ambiente desses poderia oferecer. O que eu saberia dos perigos da vida?
A última coisa que fiz como humana foi aceitar a bebida de um homem muito atraente. Um copo alto com um líquido doce, gelado, colorido, alcoólico e misturado com alguma coisa que me matou.
Lembro de beber tudo com um sorriso no rosto sem me importar com a minha vida e por pensar que estava finalmente vivendo alguma coisa longe das garras do meu pai. O absurdo foi descobrir que fui envenenada. Eu morri de proposito para atingir meu pai que eu só descobrir ser um mafioso depois que acordei como sou atualmente.
Eu não tinha culpa de ter morrido, entretanto estava. O que quer que tenham me dado era forte porque só deu a eles tempo de me levar daquele ambiente. Eu morri nos braços de um estranho em um beco escuro. Meu fim por um mero jogo de poderes.
Não sei como foi o meu enterro, se houve velório ou qualquer outro ritual que possam fazer quando alguém deixa a vida.
Lembro da sensação do meu coração disparar e depois dele parar abruptamente. Era como se ele tivesse corrido em sua máxima capacidade em direção a um precipício, como se quisesse testar se era capaz de voar, e por mais puro e leve que fosse, caiu como pedra no chão.
Ali no cômodo que me colocaram era muito escuro e relativamente vazio se não fosse pela pequena janela e a superfície que me serve de cama.
Macchiato fui eu. já andei por vastos campos verdes em dias ensolarados em que apenas um banho de piscina era capaz de refrescar-me. Já vi flocos de neve tão brancos que contrastavam muito com o preto de roupas minhas que usei. Vi as flores mais belas e de perfumes inebriantes. Vi também as folhas mais alaranjadas despencarem do alto de seus galhos com os ventos gelados do fim de tarde. Eu vi tudo, porém não vivi tudo, mesmo enquanto humana. Agora não tinha mais jeito era somente sentir profundo arrependimento por não ter feito mais. Às vezes eu me questionava o que a zumbi que sou queria acordada todas as noites. Para mim não havia nada além da morte, era uma “vida” completamente vazia de esperança e brilho.
Eu vivia escondida na cobertura do prédio da família rival a de meu pai, vigésimo segundo andar do prédio dos Frappuccino. Como morta viva, a luz solar era prejudicial, pois denunciava meu estado quando fazia com que o meu corpo queimasse levantado um cheiro fétido. Não envelheceria, não poderia ter filhos e incapaz de ter sentimentos, enfim completamente desconectada de qualquer sentimento e atividade que seres humanos vivos normais têm em seu cotidiano.
Ser cativa ate depois de morta pela máfia rival era a punição que meu pai pagava. O que os Frappuccino queriam e agora tinham através dessa chantagem era o poder para mandar em toda a corja criminosa que estava espalhada pela cidade de Skyville.
A peculiaridade de minha existência vai além de ser esse ser que sou. “Acordar” somente a anoite era a minha sina, depois de descobrir sobre o sol, meu próprio corpo me dava os sinais de quando ele precisava se esconder da janela para que o dia chegasse a todas as criaturas vivas em paz. No início, logo depois de me contarem sobre minha atual condição, eu me desesperei. Toda essa experiência de acordar após a morte, inicialmente me deu a sensação de ter acordado de um daqueles cochilos de meio de tarde em que você não sabe se vai dormir só cinco minutos ou dois séculos, pois é, dessa vez eu literalmente acordei morta e não somente com essa sensação. Esse sentimento era tão forte e real que por uns instantes era como se estivesse tão viva quanto antes.
Frappuccino tinha sido o escolhido pela sua família para me contar sobre tudo o que levou até aquele momento. Eu teria chorado com as barbaridades que ouvi, mas meu corpo não produzia mais lágrimas. Aparente passei vinte anos sem saber que meu pai, até então um político e empresário de sucesso, era na verdade o chefão de uma máfia que comandava tudo, ou quase todos, os criminosos. Isso explicava o motivo para que eu crescesse em colégios internos bem longe da família, também explicava o porquê ele tinha tanto cuidado comigo. A única vez que sai escondido após uma discussão com ele sobre sua superproteção, eu morri. Acho que não teve modo mais eficaz de alguém aprender uma lição, não é mesmo?
— Valeu a pena ter feito isso? Eu realmente merecia a morte?
— Isso acontece quando você está magoado. Sua família por anos já nos tirou muito, agora foi a nossa vez.
Essa foi a interação com em que trocamos o maior número de palavras. Fico triste por de alguma forma a confusão do mundo deles ter me atingido, mas o estrago já estava feito.
Quando canso de olhar para as estrelas, volto meus olhos para o prédio da frente. Tinha a mesma quantidade de andares que o meu. Apesar de estar em uma cobertura eu só tinha a janela como minha fonte de qualquer vida fora do quarto gélido que tinha. Todas as vezes que olhava para lá sempre via as luzes acesas e nunca via ninguém. Até que hoje isso mudou. Era um homem, vivo, que estava na sacada observando as estrelas assim como eu, no entanto o seu olhar fazia parecer que eu não tinha visto algo lá. Então voltei os meus olhos para o alto e me decepcionei ao não ver nada de novo, eram as mesmas estrelas de sempre. De curiosa voltei os olhos para o local onde aquele homem estava. Seus olhos estavam em mim, e eu soube disso porque mesmo a distância que nos separava não escondia a mão do desconhecido que acenava para mim.
Ele me via. Ele é amigável. Eu sou uma zumbi. Aquilo que eu gostaria que acontecesse nunca poderia.
Rapidamente me escondi. Abandonei o meu único momento de conexão com o que me sobrou do mundo externo para que ele não me visse mais. Ele teria que entender que eu era uma alucinação dele e nada mais. Seria a fantasma que já sou. Sem problema algum.
Naquela noite mesmo sabendo que não iria adormecer até que o sol raiasse, deitei-me na cama. Lá fechei meus olhos e fiz muita força para lembrar de como era ser uma pessoa viva. Em minha mente apenas os poucos momentos marcantes de internato e a minha morte vinham à tona. Todavia aqueles momentos não eram os que eu queria lembrar. Queria recordar-me de um beijo, de algum momento em que estive apaixonada, dos rostos de homens bonitos que já havia visto, porém nada disso eu tinha em mente, apenas as ruas vazias da noite e as estrelas eram as coisas que me lembrava porque era o que eu ironicamente vivia agora.
Antes vivia morta, pois mesmo com toda a saúde que tinha não aproveitava o que o mundo tinha a me oferecer. Antes fingia que estava morta porque era dessa maneira que a minha vida vazia de experiências me fazia sentir. Contudo agora que estou de fato eu tinha que fazer o que mais me doía: me sentir viva quando já estava morta.
— Então, , eu obviamente ainda tenho coisas para refinar nesse texto, mas ainda quero a sua opinião sobre ele. O que acha? — eu o pergunto enquanto estamos sentados em um Starbucks abarrotado de gente como o esperado em uma de rush.
— , eu não tenho muito o que dizer. Eu sou um cara dos números e não das palavras. — Ele recebeu de mim uma virada de olhos bem merecida por não ter me dado uma resposta de verdade. Isso porque eu não abri a boca para lhe lembrar que ele foi alfabetizado, portanto era capaz de ler e interpretar o que eu tinha produzido. Dessa vez só esse gesto meu foi o suficiente para tirar uma resposta mais completa dele. — Quero dizer que é a sua história sobre como você se sentia antes da terapia em relação a sua vida. Eu que te conheço bem sei que tem muito de você ali.
— Toda história minha tem partes de mim e você tem razão em ver isso. — Vi que ele iria abrir a boca para falar o que sempre dizia e mesmo assim o deixei falar. Até hoje ele me cobrava isso mesmo sabendo que nunca tinha acontecido o episódio que narrava.
— Espero que até a data de entrega desse seu trabalho de escrita criativa, você consiga alterar os nomes dos personagens aí. A última coisa que eu quero é descobrir que algum professor seu leu meu nome em voz alta para a faculdade toda.
— mas deixa eu te contar que a minha parte favorita de tudo são os sobrenomes dos personagens, eu coloquei Frappuccino e Macchiato. Como as nossas bebidas favoritas e...
Ele riu e deu um gole em seu macchiato. Eu continuei contando da história, pouco depois ele quis me explicar a parte da matéria de cálculo que ele antes estava perdido e que agora tinha entendido e eu ouvi mesmo sem ter ideia do que metade das palavras que ele tinha dito significava. Momentos como este eram o que realmente me faziam me sentir viva. Estar com o homem que eu gosto, fazendo o que eu gosto, sendo amada e vivendo a vida com seus amores, dores e todas as experiências que ela pode me dar.
Fim.
Nota da autora: Oi! Mais uma vez tô aqui salvando um ficstape! Essa música da Marina é muito importante para mim, fala diretamente com um momento que vivi e quis dar a ela um ar mais leve! Espero que tenham gostado da minha pequena aventura num universo sobrenatural. Não tenho muito jeito nessa área, mas ainda chego lá! Não se esqueçam de comentar!
Para as meninas organizadoras, o meu maior carinho por todas vocês!!!
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Nota da Scripter: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
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