FFOBS - 08. Silver Spoon (Baepsae), por Kah-Fly

Fanfic Finalizada: 07/05/2018
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Capítulo único

Baepsae.
Traduzindo do coreano, o significado dessa palavra não é dos melhores. A origem é de um ditado antigo, que diz que a pequena ave de pernas curtas chamada baepsae, se tentar andar como a garça, vai acabar com as pernas tortas e quebradas.
Moral da história: alguém pequeno – e, se você levar para o extremo, medíocre – não deve tentar andar com os grandes e bem-sucedidos, pois logo vão identificar que é uma mentira e essa pessoa quebrará as pernas.

Então, quando alguém te chamar de baepsae, pode ter certeza que coisa boa não é.

Portanto, quando eu vi aquela moça pela primeira vez, com a pose forte e altiva, cabelos presos em um rabo de cavalo, o pirulito rosa entre os lábios, as sobrancelhas levemente franzidas emoldurando o olhar feito de fogo, usando nada além de um shorts, uma blusa branca e uma jaqueta azul meia noite de tecido cintilante com a palavra “Baepsae” bordada em prateado, escrita perfeitamente em hangul, nas costas, não consegui sentir nada além de antipatia.
Mas tudo isso já é bem mais para frente na nossa história... Bom, quando acordei naquele dia, não fazia ideia de como tudo que estava para acontecer ia mudar minha vida toda. Achei que seria somente mais um dia comum: levantar da cama, fazer minha corrida diária na praia antes do sol nascer, tomar meu banho de cinco minutos, comer um café da manhã reforçado e ir trabalhar.
Estava alocado na base do Hawaii, local onde eu nasci. Em uma das missões da Marinha no exterior, acabei me machucando de uma maneira mais séria do que o esperado. Consegui me recuperar e consigo fazer tudo que fazia antes do machucado, porém fui realocado de volta para casa. Era só uma questão de tempo até voltar com as missões em campo.
Mas, enquanto havia o perigo da minha perna se manifestar com dor, era melhor me deixar de molho durante algum tempo sem nenhuma missão muito importante. Portanto, naquela época, eu atendia mais o serviço de inteligência do que qualquer outra coisa.
Sinceramente, não me importava muito. Era bom estar em casa novamente. Meu pai era aposentado da Marinha e minha mãe coreana, sendo que ambos me incentivaram a me alistar. Nunca reclamei: fazer parte da Marinha era uma das minhas paixões. Acabei me dedicando tanto que entrei para um dos grupos de elite e mal tinha tempo para voltar ao Hawaii. Então, qualquer tempo que tinha no meu estado natal já era motivo de alegria para mim.
Naquela manhã, enquanto tomava meu chá verde na cozinha e me preparava para colocar o uniforme e ir para a base, recebi uma ligação muito peculiar do meu superior.
- , você deve ir para o endereço que eu te enviar. Me ligue quando estiver indo que te explico rapidamente o que aconteceu.
Quando você é da Marinha e recebe uma ordem dessas, você não questiona: simplesmente vai lá e obedece. Sendo assim, coloquei minha roupa de treino da Marinha – que era bem mais simples e casual – e segui para o carro, checando o endereço que meu superior me mandara por mensagem.

Um hotel. Dos mais chiques do Hawaii, diga-se de passagem.

Franzindo as sobrancelhas, liguei para ele.

- ?
- Eu mesmo, Almirante Hewson. Com todo o respeito, o que significa isso? – Eu me referia ao endereço e ele sabia disso.
- Como eu disse, a sua missão é bem peculiar. Você conhece o Almirante ?
- Conheço, senhor. Por quê? Algo aconteceu com ele? – Durante o tempo que permaneci no Hawaii, fui chamado para várias investigações, porém somente aquelas envolvendo membros da Marinha. Se estavam me chamando para atender o Almirante , era porque algo de ruim havia acontecido.
- Não foi com ele, foi com a filha dele.
- O Almirante tem uma filha? – Franzi as sobrancelhas enquanto dirigia. Aquele fato nunca tinha chegado ao meu conhecimento.
- Sim, mas ela não passa muito tempo no Hawaii. Ela é a pianista principal da Orquestra Filarmônica de Nova York e bailarina nas horas vagas, passando por aqui somente durante as férias da companhia. – Hewson respondeu com um pequeno suspiro ao fim da frase, algo que não compreendi muito bem.
- Ela deve entender bastante de música.
- Entende sim. Enfim, ela voltou para cá, pois está de férias e ia visitar a família. – O Almirante voltou a falar quase imediatamente, cortando o assunto. Achei estranho, porém resolvi relevar. Era algo que eu podia perguntar depois. – Chegou ontem e está hospedada nesse hotel que te passei o endereço.
- Por que ela não fica na casa com a própria família? – Aquela história fazia cada vez menos sentido. Havia algo muito errado que Hewson estava resistente em me contar. – É mais barato e ela ainda poderia passar mais tempo com todo mundo.
- Ela preferiu um resort. Algo sobre relaxar durante as férias. – Novamente, o Almirante desconversou. – O ponto é: o quarto dela foi invadido e revistado hoje. Quando ela desceu para informar o hotel sobre o ocorrido, houve uma comoção e começaram a persegui-la. Ela correu até o píer, onde tentaram atirar. Alguns colegas da Marinha estavam lá descansando e se preparando para sair para pescar, ouviram e trocaram alguns tiros com os homens. Ninguém saiu ferido e eles estão com ela no píer.
- Ok. Minha função é descobrir quem quer matar a pianista principal da Orquestra Filarmônica de Nova York em pleno Hawaii, certo? – Perguntei de volta, já achando aquele caso tão interessante quanto estranho.
- Exatamente. Poso contar com você, ?
- Sempre, Almirante Hewson. Chego lá em cinco minutos.

E, assim, a ligação terminou. Havia muitos pontos esquisitos naquela história que eu tinha que resolver.

A filha do Almirante parecia ser forte e destemida. Só de ouvir aqueles poucos acontecimentos, tudo que pude sentir era curiosidade. Não via a hora de conhecê-la.
Só não sabia que teria tanta preguiça dela futuramente.


- Comandante ! É ótimo vê-lo por aqui! – Fui recebido com um sorriso enorme do investigador Shaw.
- Nossa, que alegria toda é essa? Não sabia que o pessoal da Polícia gosta tanto assim de mim! – Respondi rindo e Shaw riu mais ainda.

Aquilo estava muito estranho.

- É que ela é difícil, . – Shaw suspirou e eu só ergui uma sobrancelha. – Bem difícil. O Almirante te falou alguma coisa sobre servir de escolta para ela?
- Não. – Suspirei e coloquei as mãos na cintura. Na realidade, era de se esperar que Hewson não fosse me passar o detalhe mais crítico por telefone. Assim, eu não poderia dar chiliques com ele e aceitaria a missão sem reclamar. – Eu serei escolta pessoal dela enquanto investigo toda a situação?
- Exatamente. – Shaw deu um sorriso sem humor. – E ela está louca da vida com isso.
- E eu posso saber o motivo?

- Ela não gosta da Marinha.

Eu comecei a sorrir sem humor algum enquanto Shaw somente caiu na gargalhada. Realmente, minha expressão devia estar muito engraçada. Tudo que eu conseguia pensar no momento era “como vou proteger e investigar uma pessoa sendo que ela não gosta de mim já de saída”?
- Ela não gosta ou...
- Está mais para odeia. – Shaw completou, rindo mais ainda da minha expressão. – E agora ela está querendo morder qualquer um que chegue perto.
- Que legal. Já sei que vou adorar ficar com essa mulher por perto. – Rolei os olhos com a voz carregada de sarcasmo enquanto Shaw somente ria. – Mas não podemos culpá-la. Afinal, ela acabou de voltar para o Hawaii e já foi perseguida, envolvendo-se em um tiroteio com os caras da Marinha. Às vezes ela não odeia nada, somente está em choque pelo que aconteceu. Daqui a pouco, volta ao normal e vai ficar mais calma...
E foi aí que eu a vi. Exatamente da maneira que descrevi anteriormente: o olhar duro, o pirulito rosa entre os lábios igualmente rosados. Os cabelos presos em um rabo de cavalo, deixando o bordado prata escrito “baepsae” em destaque para mim.
Eu parei e fiquei olhando. Ela provavelmente nem sabia o que significava aquela palavra. Achou que era uma jaqueta legal com umas letras em um idioma asiático que nem sabia qual era e resolveu comprar, porque “fazia seu estilo”.

Já peguei ranço desde aí.

- Olha aqui... – Ela discutia com um dos policiais enquanto eu me aproximava. – Eu não preciso de uma babá da Marinha para cuidar de mim! Sei muito bem como me proteger e a última coisa que tenho necessidade é de um dos cachorrinhos do meu pai me seguindo por aí e me impedindo até de beber água!

Eu parei logo atrás dela. Ok, era oficial: eu não gostava daquela moça.

- Em primeiro lugar... Eu não sou cachorrinho do seu pai. – Comentei colocando as mãos nos bolsos da minha calça cargo bege e fiquei observando-a com o mesmo tipo de olhar que ela me lançou logo que se virou. – Em segundo lugar, não sou babá. E em terceiro lugar, quer você queira ou não, vai ter que me aguentar sim. Sua vida está em perigo, então não é uma escolha.
- Ah, sim. Porque sempre é assim com vocês da Marinha. – Ela comentou com as mãos na cintura. – A pessoa não precisa querer. Se vocês querem, enfiam a situação goela abaixo, doa a quem doer.
Nós nos encaramos durante um tempo. Parecia que ambos tínhamos labaredas no olhar e, definitivamente, não gostávamos do outro. Nem precisávamos verbalizar aquilo para entender.
- Se você quiser, posso ligar para o Almirante e pedir pra suspender a minha ordem. Minha vontade de protegê-la é zero. – Respondi retirando o celular do bolso.
- Comportem-se, vocês dois! – A voz do Almirante Hewson surgiu perto de nós, impedindo-a de falar logo que a moça abriu a boca. Nós somente mudamos os olhares emburrados para ele. – , tente entender... Estamos fazendo isso para o seu próprio bem. Seu pai me pediu para que nada de ruim acontecesse com você e pretendo cumprir minha promessa.
- Meu pai sabe muito bem que eu não preciso de ninguém me pajeando para me proteger, Hewson. Eu consigo me virar muito bem. – Ela suspirou, cruzando os braços e desafiando-o.

Aquela mulher não sobreviveria um dia na Marinha.

- Nós sabemos, mas isso foi há muito tempo atrás. Você é uma musicista agora e considerada civil. – Hewson adquiriu sua pose de Almirante e eu não estava entendendo mais nada daquela conversa. O que ele queria dizer com “isso foi há muito tempo atrás”? – é um dos melhores Comandantes que temos e um dos mais competentes membros da Marinha. Ele irá te proteger durante esse período.
Queria dizer que me controlei e não dei um sorriso convencido, mas meu autocontrole em relação a ela não era muito bom logo de saída. Me deu vontade de esfregar as palavras do Almirante na cara de – pois, aparentemente, esse era o nome dela.
- Aparentemente, ser musicista para vocês é a pior ralé na casta da sociedade. – Ela praticamente cuspia as palavras e eu não pude deixar de ficar impressionado com o nível de desafio que ela tinha na própria personalidade. Ninguém falava daquela maneira com um Almirante, nem mesmo os civis comuns. – Ok. Ele pode ficar no meu pé, contanto que não me impeça de aproveitar minhas férias.
- Contanto que você não fique se colocando em perigo, eu posso pensar no seu caso. – Respondi imediatamente. Ela tinha que ser muito cheia de si para estabelecer regras na própria escolta. Normalmente é o contrário: a escolta que estabelece as regras.
- Sinto lhe informar, , mas suas férias acabaram. Isso foi determinação do seu pai. – Hewson respondeu como se estivesse dando um fim naquele assunto e já se virou para deixar o píer. – A partir de agora, você está sob as ordens da Marinha.
E foi embora. Eu me virei novamente para ela com um sorriso triunfante no rosto, porém encontrei-a com o olhar de ódio mais profundo que já havia visto em um ser humano. As mandíbulas de estavam travadas, os punhos cerrados e os olhos começavam a se encher de lágrimas. Ela ergueu a cabeça e fechou os olhos, respirando fundo, como para se acalmar.

Ok, eu tinha vencido aquela. Mas não podia negar que as palavras de Hewson haviam sido um tanto duras.

- Olha aqui, vou deixar uma coisa bem clara... – abriu os olhos novamente e me lançou seu olhar de fogo. – Eu não estou sob as ordens de ninguém além de mim mesma. Posso te respeitar como um Comandante da Marinha e entender o fato que você está me protegendo. Mas não se atreva a achar que pode mandar em mim. Ninguém manda em mim. Entendido?
- Entendido. – Acenei positivamente com a cabeça, dando um pequeno sorriso. Ok, eu a achava metida e estúpida. Mas não podia negar que gostara um pouco da reação dela às palavras do Almirante. – , certo?
- Certo. E você é Comandante...?
- Comandante .
- Bom, Comandante... Espero não ter que vê-lo tanto assim durante esses dias. – Ela respondeu enquanto cruzava os braços.
- Eu digo o mesmo. – Também cruzei os braços e finalmente sorrimos um para o outro.
Pelo menos concordávamos em alguma coisa.


Mas é óbvio que nada daquilo se tornou realidade.
Cheguei a dar uma investigada por cima na vida de – chequei o trabalho, com quais pessoas ela mantinha relacionamento, a rotina em Nova York e etc. – porém não encontrei nada de suspeito. Teria que começar a entender a vida dela mais a fundo e, para isso, precisaria da ajuda de .

E da autorização. Não queria que ela chamasse algum amigo da Filarmônica para me dar com uma corneta na cabeça.

Então, em menos de duas semanas, lá estava eu, na piscina do hotel, procurando por . Quando não a encontrei, fui perguntar na recepção – já que ela me assegurara que ia passar o dia todo na piscina do hotel e eu não precisaria me preocupar.
- Ela não fica por aqui, senhor. – O homem me respondeu com um sorriso. – Ela diz que não gosta da água artificial. Passa os dias na praia, aproveitando a areia e o mar.

Eu fechei os olhos e suspirei, tentando controlar a minha irritação.

Aquela mulher. Ela me prometera que ficaria somente nas dependências do hotel, que não sairia de lá por nada nessa vida. Eu caminhava pela areia parecendo que ia atravessar o chão e parar do outro lado do mundo. Era perigoso sair do hotel sem a minha presença ou de qualquer outra pessoa da Marinha e ela fazia o quê?

Ia para a praia.

O maior lugar aberto do Hawaii, com vários lugares próprios para te pegar de surpresa ou mirar em um tiro certeiro para acabar com a sua vida.

Eu queria enfiá-la dentro de um pote e trancá-la no meu carro.

E onde fui avistá-la? Caminhando despreocupadamente com os pés na água e chupando um sorvete, usando uma roupa de treino de academia.
- Ei! – Chamei-a imediatamente, minha voz soando mais grossa que o normal. – O que você pensa que está fazendo?!
me olhou com um olhar emburrado, como se eu tivesse acabado de estourar a bolha na qual ela vivia. Eu queria estourar todas as bolhas dela naquele momento.
- O que foi? – E ela se achava no direito de ficar mais emburrada que eu.
- O que foi?! Você deveria estar lá dentro! – Apontei para o hotel, exasperado. – Só não estou grudado em você, pois não sei se a senhorita se lembra, mas você me garantiu que não se colocaria em risco!
- , para de surtar... Eu só tô andando na praia, não é uma situação de risco. – Ela suspirou, mas começou a caminhar de volta para o hotel. Fui atrás dela, já acostumado com o fato de que a tinha mania de me chamar pelo primeiro nome. Provavelmente para esquecer do fato de que eu era da Marinha.
- Quem avalia o que é uma situação de risco sou eu. – Respondi passando a mão pelos cabelos. Tanta coisa ruim podia ter acontecido durante aquele passeio dela que preferia nem pensar com muitos detalhes sobre aquilo. – Afinal, quem é da Marinha aqui e responsável pela sua segurança?
- Acho que você esquece às vezes que eu sou filha de Almirante. – se virou para mim logo que entramos no hotel. – Pronto. Feliz agora?
- Feliz. – Coloquei as mãos na cintura. – Vim aqui para falar com você sobre o caso.
- Você já descobriu alguma coisa? – Ela perguntou interessada e começou a fazer um caminho pela piscina, no que eu a segui.
- Ainda não e é exatamente por isso que estou aqui... – Chegamos ao restaurante externo e ela já se sentou a uma mesa, sinalizando para que eu também me sentasse. – Sabe... Eu não estou no meu horário de férias.
- Eu vou comer alguma coisa. Se você quiser, podemos nos falar depois. – deu de ombros e eu suspirei, sentando-me. – Pode me fazer companhia ou pedir algo para você, eu coloco na minha conta.
- Nossa, não sabia que você gostava tanto assim de mim. – Claro, eu tive que provocar. Ela era muito chata para que eu não a provocasse.
- Pode não parecer, mas eu tenho o coração grande... – Ela comentou enquanto lia o cardápio. Em seguida, lançou um olhar um tanto irritado para mim. – Você não vai me falar por que está aqui?
- Ah, sim... Também não precisa falar assim, ninguém nunca te ensinou a ser educada, não? – Respondi rolando os olhos, no que ela suspirou.
- Desculpa, você é da Marinha. É mais forte que eu. – balançou a cabeça e forçou um sorriso. – Diga.
- Não achei nada de suspeito na sua vida. Vou precisar saber de mais algumas coisas. – Comentei e demos uma pausa no assunto enquanto ela pedia o que queria ao garçom. Quando ele se foi, focou em mim novamente.
- Que tipo de coisas?
- Como é o relacionamento com a sua família? – Logo que perguntei, arrependi-me de ter aberto a boca. Ela rolou os olhos, com um suspiro e uma risada de escárnio logo em seguida.
- Meu pai te mandou aqui, não? – Ela apoiou na mesa de maneira ameaçadora, cruzando as mãos e apoiando o queixo nas costas das mesmas. – Ele quer que eu fique desconfortável, quer fazer com que eu sinta vergonha, não é mesmo?
- Pelo visto, não é dos melhores relacionamentos. – Suspirei e apoiei na mesa da mesma maneira que ela, aceitando o “concurso de encaradas” que havia acabado de iniciar. – E para a sua informação: não. Seu pai não me enviou aqui. Nada do que eu faço tem a ver com o Almirante , eu nem me reporto diretamente a ele.
ficou me analisando cuidadosamente, como se procurasse qualquer sinal de mentira nas minhas feições. Eu continuei a observá-la, completamente sem expressão, sem me abalar com os olhos cheios de suspeitas dela.
- Ok. Mas você já tem a sua resposta: não é bom. Próxima pergunta!
- Por que não é bom?
- Até onde eu sei, você é Comandante da Marinha, não psicólogo. Há certas áreas da minha vida que você não precisa adentrar. – comentou com um sorriso enquanto traziam a comida, suficiente para nós dois apesar de eu não ter pedido nada. – Próxima. Pergunta.
Somente suspirei. Aquele interrogatório seria um parto.


- Pela vigésima vez: eu não vou sair do hotel. – comentou enquanto me acompanhava até a saída, como se quisesse ter certeza que eu ia sumir dali.
- Você me prometeu antes e não cumpriu com a sua palavra. – Respondi, parando logo na entrada e encarando-a com as mãos na cintura. – Como poderei ter certeza que dessa vez você não está me enrolando?
- Posso te mandar fotos dos principais acontecimentos do meu dia. – Ela também colocou as mãos na cintura e tinha o sarcasmo escorrendo por entre o sorriso.
- Ok. Eu aceito. – E também comecei a sorrir, enquanto os lábios dela simplesmente caiam em choque. Ela provavelmente achou que ia me irritar com aquilo. – Quero fotos logo que você acordar, no café da manhã, quando voltar para o quarto, na piscina, no almoço, o que você está fazendo após o almoço, jantar e uma foto indo dormir. Ok?
- Você só pode estar de brincadeira. – A falta de humor na voz de fazia da minha missão de não rir uma tarefa muito árdua.
- Não estou. Acho que foi uma idéia ótima. – Respondi sorrindo alegremente. – Se faltar pelo menos uma dessas fotos, mando uma viatura policial ou venho pessoalmente até aqui. Entendido?

Ela ficou em silêncio durante alguns segundos. Em seguida, virou de costas e saiu andando.

- Eu ainda vou pedir para que algum amigo meu te enfie dentro de uma Tuba e te leve embora! – praticamente gritou, balançando a cabeça e sumindo dentro do hotel.
Eu esperei até ela estar lá dentro para rir daquele comentário.


Sabia que tinha sido uma boa decisão quando acordei às cinco da manhã e já encontrei uma mensagem de esperando ser lida no meu Whatsapp.
Logo que abri, comecei a dar risada. Ela estava completamente emburrada, com cara de sono e com um programa sobre animais selvagens passando na televisão atrás dela.
Acordei de madrugada e não consigo dormir. É a única coisa decente passando na TV nesse horário. Não se preocupe: nenhum animal selvagem vai pular da tela e me comer. Não estou em risco.
Comecei a rir enquanto checava o horário. Isso foi às três da manhã. Sendo assim, deixei o celular em um canto e fui fazer meu itinerário matinal até pegá-lo novamente para ir à cozinha comer alguma coisa.
Chequei o Whatsapp e vi que ela tinha entrado novamente dez minutos antes, sem me enviar mensagem alguma.
: Ei. Onde você tá? Consigo ver que já acordou de novo [6:41a.m]
: Espera. Eu tava me arrumando [6:48a.m]
Em seguida, recebi uma foto dela com roupa de academia, já no elevador do hotel e me lançando aquele olhar de poucos amigos que resolvera me encarar desde o primeiro dia em que nos encontramos.
Vou ficar uma hora e meia lá na academia. Se precisar falar urgentemente comigo, liga lá na recepção que eles passam a ligação. E se você me ligar só pra me incomodar, juro que falo com o meu amigo que toca Tuba.
Balancei a cabeça enquanto ria e guardei o celular no bolso.
Enquanto eu investigava, o dia se seguiu daquela maneira: me enviando fotos do que estava fazendo enquanto eu tentava descobrir mais sobre a vida dela.

Algo que, aparentemente, era muito difícil de se fazer.

Sem muitas pistas, acabei no píer no qual ocorreu o tiroteio, a fim de conversar com os colegas da Marinha que a salvaram naquele dia.
Mas claro, antes disso, ainda recebi mais algumas fotos de :
Após a academia, ela me enviou uma foto completamente emburrada, encarando-me como se quisesse me esganar com a legenda: “sentada aqui, encarando o mar, sem poder ir para a praia porque você não me deixa. Obrigada, Comandante ”.
Depois, foi mais uma foto com uma expressão de poucos amigos, no restaurante do hotel, com um prato de salada à frente: “podia estar comendo ahi poke. Mas não. Estou aqui, confinada no hotel, comendo salada”.
E, por último, a minha favorita, que contava com estatelada na cama do hotel, encarando o horizonte de maneira dramática: “em crise existencial, porque o mar está lindo e não posso sair do hotel. Só me resta a minha cama. Espero que você esteja se divertindo”.

Eu não consegui ficar sem rir com as fotos que ela me enviou.

Recebi mais uma, porém tinha acabado de chegar à lancha dos colegas da Marinha. Eles me cumprimentaram alegremente, convidando-me para entrar antes que partissem para pescar. Pelo que entendi, estavam de licença, mas carregavam as armas por força do hábito. Eu não podia reclamar, pois fazia o mesmo.
- Ao que devemos a sua ilustre visita, Comandante? – Um deles perguntou em tom de brincadeira, rindo, porém sem me tratar de maneira desrespeitosa. Meu cargo era maior do que o de todos eles e, apesar das brincadeiras, mantemos o respeito pelos cargos mais altos.
- Queria fazer algumas perguntas sobre o tiroteio de outro dia. – Respondi rindo da brincadeira e me apoiando no batente da porta da lancha. – Sei que a polícia já deve ter perguntado muita coisa, porém tenho algumas perguntas próprias.
- Aquele com a ? – Outro colega perguntou e franzi as sobrancelhas, estranhando a aparente intimidade com ela. – Coitada. Ela mal chegou à ilha e já teve que lidar com armas de novo!
- De novo? – Perguntei interessado. – Vocês a conhecem?

Eles me lançaram olhares confusos, até que um deles se adiantou.

- Claro que a conhecemos. A é uma colega, assim como o Almirante e você. – Ele deu de ombros. – Ela veio aqui, pois sabia que estaríamos aqui e iríamos ajudá-la. Ela veio pedir a nossa ajuda.
- Ah, então vocês são amigos dela? Não sabia! – E aquilo era mais interessante do que achei originalmente.
- Ela conhece muitas pessoas por causa do pai. – O primeiro que falou comigo voltou à conversa. – Nós estamos inclusos.
- E vocês sabem algo sobre ela e a família dela? – Foi só eu perguntar e consegui sentir o leve desconforto que surgiu entre todos. Alguns trocaram breves e discretos olhares, que não seriam percebidos seu eu não fosse treinado para identificar aquele tipo de coisa.
- Não muito, Comandante. – Um deles respondeu e eu sabia que estava mentindo. – Mas o senhor está procurando no lugar errado. Se alguém quer matar a , não é por causa dela. É por causa do Almirante .
- E por que você diz isso? – Perguntei já tirando o celular do bolso. havia mandado mais uma mensagem e duas mensagens em um curto espaço de tempo enviadas por mera boa vontade não podia ser algo bom.
- O Almirante tem muitos inimigos, Comandante. Se alguém quer atingi-lo, a maneira mais fácil seria matar a filha dele.
- Faz sentido... – Murmurei e abri o Whatsapp. Não consegui segurar uma breve risada.
A primeira foto era do meu carro parado próximo ao hotel, com em primeiro plano encarando a câmera com um olhar suspeito: “esse é seu carro, né? O que você tá fazendo por aqui?”.
A segunda era uma foto minha entrando na lancha logo que cheguei: “ok, eu estava segurando essa foto, mas você resolveu me ignorar: eu SEI que você está aqui, . Aconteceu alguma coisa?”.
Logo que eu estava digitando uma resposta, recebi uma terceira foto. Nessa, estava colocando um par de tênis enquanto me encarava resolutamente no espelho do próprio quarto: “ok. Você vai me ignorar? Eu vou até aí”.
- Obrigado pelas informações. Preciso ir agora. Boa pesca! – Dizendo isso, saí imediatamente da lancha e já enfiei o celular na orelha, ligando para ela. Nem esperei que falasse logo que percebi que tinha atendido. – Nem pense em sair daí!
- Você ficou me ignorando! Estou preocupada, . – Ela respondeu, nem um pouco abalada pela ordem imediata logo que atendi. – Não sei se você lembra, mas tentaram me matar. Se você começa a me ignorar desse jeito, eu fico achando que já tem um monte de gente querendo te matar também por investigar meu caso!

Permaneci algum tempo em silêncio, enquanto caminhava até o hotel.

- ...?
- Você estava preocupada comigo? – É, foi isso que captei da nossa conversa. Podem me julgar.
- Não estou mais. – Ela respondeu e eu praticamente podia enxergá-la rolando os olhos.
- Bom, de qualquer maneira, estou indo aí. Tenho algumas perguntas para te fazer... Encontro com você na recepção?
- Pode ser. Meu quarto está um caos depois de ter revirado tudo para achar algo interessante para fazer. – Ela suspirou e eu comecei a rir.
Em menos de cinco minutos, encontrei com na recepção do hotel.
- Curtiu o esquema de fotos? – Ela me perguntou imediatamente com um sorriso sarcástico no rosto. – Estou me esforçando ao máximo para te dar informações sobre meu dia.
- Estou adorando. – Respondi com um sorriso igualmente cruel nos lábios. Acho que não esperava que eu fosse ser tão insuportável quando ela.
- Bom, enfim... – Ela suspirou, cruzando os braços. – Você disse que tinha algumas perguntas. Diga.
- Você conhece aqueles soldados para quem pediu ajuda outro dia.
- Isso é uma afirmação, não uma pergunta. – Ela suspirou e cruzou os braços, já entrando na defensiva.
Eu queria me bater. Se queria ajuda de , precisava que ela não ficasse na defensiva. Ela não ia me contar nada da própria vida enquanto eu não ganhasse a confiança dela.
- Ok, desculpa. – Não que eu quisesse me desculpar, mas ela precisava ouvir que eu também estava disposto a fazer concessões. – Eles me disseram que vocês são amigos e que, se há alguém querendo te matar, a questão é seu pai, não você.
imediatamente me olhou com os olhos maiores que antes. Não estava esperando por aquilo, porém seu choque parecia ter um certo alívio. Era o momento para fazê-la se abrir.
- Não encontrei nada que te desabonasse. Nenhum contato que poderia te colocar em risco, sua ficha criminal é inexistente, você teve um desempenho excelente na escola e na faculdade, com um desempenho mais perfeito ainda no trabalho. – Comentei, aproximando-me dela, enquanto ainda me observava em certo choque. Pela primeira vez, vi os olhos dela cristalinos, encarando-me como se fosse uma criança. Um olhar inocente, até. Foi aí que comecei a perceber que ela era muito mais do que eu achara antes. – Não acho que você saiba de alguma coisa e esteja escondendo da polícia, como muitos acham. Na minha opinião, você foi pega de surpresa no meio de alguma coisa que não queria estar e não vê a hora de voltar ao conforto do seu piano e da sua música.
- ... – comentou como se estivesse descobrindo como pronunciava meu nome pela primeira vez.
- Eu posso te ajudar. Mas você tem que me deixar te ajudar. – Completei cruzando os braços, parando próximo a ela, completamente contente com as minhas palavras.
- Olha... Eu achei que já tinham te falado tudo. – Ela respondeu de maneira um tanto insegura. – Que você ia destrinchar minha vida toda e achar que eu fui culpada do que está acontecendo.
- Bom... – Eu olhei para baixo e novamente lancei um olhar para . – Ainda vou precisar saber da sua vida. Mas vai ficar mais fácil se você me contar.
Ela suspirou, abaixando a cabeça. Quando a levantou novamente e me olhou nos olhos, sabia que ia me contar tudo. Senti certo alívio e fiquei contente comigo mesmo.
- ... Minha família não é fácil. Acho que...
Mas, nesse momento, tive um sentimento muito ruim. Olhei para trás de e tudo que pude enxergar foi uma arma sendo apontada na nossa direção – especificamente para ela.
- ARMA! TODO MUNDO ABAIXA! – Gritei ao mesmo momento que agarrei e me joguei no chão.
A comoção foi tão grande, que não ouvimos disparo. Saí de cima de no segundo seguinte e tirei minha arma do coldre, sentando no chão e apontando-a para o homem que agora corria em direção à saída, pego de surpresa com a algazarra.
Aí que aconteceu algo que me pareceu estranho: não permaneceu muito tempo no chão. Quando sentei para atirar, ela também se sentou e se escondeu atrás de mim, fazendo com que nenhuma parte vital dela ficasse exposta ao atirador e sem a minha proteção.
Aquele não era um comportamento muito comum em civis. As pessoas normalmente ficam atiradas no chão, em choque – não é comum se levantar e se proteger estrategicamente quase imediatamente como ela fizera.
Como não cheguei a atirar – pois o homem se perdeu na comoção de pessoas – virei para imediatamente e coloquei uma das mãos no ombro dela, olhando-a diretamente nos olhos para transmitir segurança e ancorá-la de volta na realidade, com o intuito de acalmá-la.
- Você está bem?
- Estou. – Ela respondeu imediatamente e nem um pouco abalada.

Ok. Aquilo definitivamente não era comum.

- Como você sabia se proteger? A maioria das pessoas não sabe disso. – Comentei enquanto a ajudava a levantar e começamos a andar rapidamente para a saída.
- Eu não sou a maioria das pessoas. Meu pai é da Marinha também, lembra? – Ela perguntou de volta, seguindo-me sem titubear até o meu carro. – Vamos para uma locação segura?
- Sim. Depois envio alguém para buscar as suas coisas. – Comentei enquanto entrava no carro, sendo que ela fez o mesmo após um rápido “ok”. Assim que se sentou ao meu lado, dei partida e ri sem humor algum. – Às vezes esqueço que você não é tão civil assim.
- Tudo bem... – E ela se segurou quando saí praticamente correndo de lá. – Há alguns momentos atrás, também esqueci que você não é tão militar assim.
E, apesar de tudo, posso dizer com segurança que esse foi o momento que começamos a nos entender.


- Então quer dizer que a sua casa é a locação mais segura que você conhece? – me perguntou logo que voltei para a sala.
Eu passara mais de duas horas em uma ligação com o pessoal da Marinha para resolver aquela questão. Pedi para que ela permanecesse na sala, pois, de todos os lugares da casa, aquele era o mais seguro no momento: atirar da rua para dentro daquele cômodo era muito difícil. Se fosse a sala de jantar, que ficava de frente para uma enorme varanda que dava para a praia, aí sim ela estaria em perigo.
- No momento de desespero... Sim. – Respondi sinceramente, colocando meu celular no bolso. – Até arranjarmos um lugar melhor, você vai ficar aqui. Vão trazer suas coisas amanhã e deixar aqui, então acho que não vai ter problemas com roupas. Se quiser, posso te emprestar uma camiseta velha minha para você ficar mais confortável para dormir.
- Eu agradeço, Comandante. – respondeu suspirando e eu só fiquei encarando-a, cruzando os braços. Ela percebeu após alguns segundos, encarando-me de volta. – O que foi?
- “Comandante”...? – Repeti e queria dizer que não fui besta o suficiente para sorrir, mas lá estava eu sorrindo.
- Não abusa da sorte. Eu resolvi ser legal pelo menos uma vez desde que nos conhecemos. – Ela se levantou, andando sem rumo pela casa. – Aproveite.
Eu ia responder, porém ouvimos a campainha tocando. Imediatamente peguei minha arma e fiz um sinal para que se escondesse, porém ela já estava virando em um corredor e permanecendo de costas para a parede, sem desgrudar os olhos da porta de entrada.
Aproximei-me do interfone que havia ao lado da mesma e observei a imagem da câmera que filmava o lado de fora. Quando vi quem era, guardei a arma e abri a porta, pegando minha carteira.
- Tudo bem, Comandante? Trouxe suas encomendas! São quinze dólares!
- Obrigado. Pode ficar com o troco, Mike! – Com isso, peguei as sacolas que o garoto me estendia enquanto ele analisava a nota que passei para ele, com um sorriso enorme estampado no rosto.
- Muito obrigado! Sempre que quiser, estou à disposição. Boa noite!
Assim, fechei a porta e, quando me virei para dentro de casa, estava tentando reprimir um sorriso e me encarando com os braços cruzados.
- E mesmo depois de tudo isso você pediu comida? – Ela estava se divertindo demais com aquela situação. Dava para ouvir na voz da moça.
- Você disse que estava com vontade de comer ahi poke, não? – Dei de ombros, enquanto ia até a sala de jantar. me seguia diligentemente. – Era o mínimo que eu podia fazer.
- Uau! E você conhece um lugar que faz ahi poke a essa hora? – Ela estava deslumbrada enquanto eu deixava as sacolas sobre a mesa. Começamos a tirar os potes de lá e nos deparamos com os cubos de atum mais frescos de toda a ilha.
- Nope. Meu amigo é dono de um lugar e sempre faz entregas em horários estranhos para mim. – Pisquei para ela enquanto falava, arrancando uma risada genuína de .
- Depois preciso conhecer essa pessoa e agradecê-la imensamente! – Com isso, ela se sentou à mesa e começou a comer sem cerimônia alguma. Somente sorri de volta e também comecei a comer. – Nossa. Isso aqui é muito bom.
- Eu sei. Meu amigo sabe o que faz. – Respondi com certo orgulho, fazendo-a sorrir.
- Eu podia dar um abraço no seu amigo agora. É a melhor comida depois de um dia puxado que nem hoje!
Enquanto apreciava seu ahi poke, eu a observei durante um tempo. Depois da conversa que tivemos na recepção do hotel, o comportamento dela mudara absurdamente. Estava muito mais acessível e menos combativa, parecendo não me odiar tanto assim.
- ... Será que depois podemos voltar na nossa conversa do hotel?

Ela parou de focar na comida e me encarou de volta, imediatamente. A moça suspirou e deu um pequeno sorriso para mim.

- Você se importa se fizermos isso amanhã?
Eu mesmo sorri de volta, compreendendo-a. Ela devia estar cansada e eu já previa que o próximo assunto seria igualmente cansativo.
- Claro que não. – E apontei para a tigela dela. – Agora aproveita seu ahi poke. Depois, vamos dormir. Você fica com o quarto e eu durmo no sofá da sala, assim você pode ficar mais à vontade.
- Ah, esses homens da Marinha e a mania de dormir em qualquer superfície... – comentou enquanto balançava a cabeça, mas com certo humor na voz.

Não consegui deixar de sorrir de volta.

Não demoramos muito para terminar de comer e ir até o meu quarto para que eu emprestasse uma blusa para ela. A mais velha e confortável que havia no meu armário era uma das minhas várias blusas da Marinha.
- Desculpa, é a melhor que tenho para dormir. – Comentei enquanto estendi a peça de roupa para . Achei que ela ia negar e se recusaria com todas as forças a usar aquilo, porém ela pegou de bom grado.
- Tudo bem... Eu não odeio a Marinha tanto assim. – respondeu dando um pequeno sorriso sem humor para mim. – Mas amanhã te explico. Estou realmente cansada de hoje e só quero dormir.
- Sem problemas, eu te entendo. – Balancei a cabeça, apontando para o criado mudo logo em seguida. – Não que eu ache que você irá precisar, mas, em uma situação de emergência, tem uma faca de combate lá dentro. Eu estarei lá embaixo com a minha arma, qualquer coisa é só me chamar.
- Ok. Obrigada, . – Quando ela disse isso, eu só fiz uma rápida continência e fui até a porta do quarto. – Pode deixar aberta.
- Ok. Boa noite, .
- -ssi jal jayo.
Eu deixei o quarto ainda sem notar direito o que tinha acontecido. Somente quando comecei a descer as escadas é que parei no meio do caminho, completamente em choque.
Ela havia acabado de me desejar boa noite em coreano.


Dormi menos que três horas naquela noite. Qualquer barulho do lado de fora já era suficiente para me acordar. O que quer que fosse – quem quer que fosse – que quisesse matar , não o faria na minha casa. Apesar de tudo, levantei, como de praxe, às cinco da manhã já descansado, pronto para minha rotina normal.
Começo sempre com uma corrida de uma hora pela praia. Passei pela cozinha para beber uma caneca de chá verde, enquanto pensava o que faria em relação às minhas roupas.
estava no andar de cima, dormindo. Eu não queria incomodá-la tão cedo – afinal, acordar no horário que acordo é uma mania que vem da Marinha. Não queria forçá-la a viver aquele estilo de vida que, sinceramente, ela devia estar cheia de ter que aguentar. Provavelmente tivera que conviver com esse tipo de comportamento desde pequena, odiando com todas as forças.
Suspirei, enquanto deixava a caneca dentro da pia. fora pega repentinamente no meio de uma situação ridícula. Fiquei imaginando o quanto ela devia desejar somente voltar para seu piano, trazendo música para o mundo e colorindo a vida dos outros com algo belo – ao invés de correr pela própria vida em meio a tiroteios.
Foi com esses pensamentos que cheguei à varanda da minha casa, observando a praia no dia que ainda estava escuro. O sol ainda não tinha se aventurado a surgir do meio do mar, que embalava a madrugada com seu relaxante som de vai e vem.

Quando finalmente coloquei meus pés na areia fofa é que meus olhos perceberam algo muito estranho. Estaquei em meu lugar e fiquei observando com curiosidade.

já estava acordada. Ainda usava minha blusa da Marinha e os shorts do dia anterior, os cabelos presos em um rabo de cavalo alto. Na parte dura da areia, fazia uma série de exercícios que já deixava minha blusa manchada de suor.

Mas o que mais me impressionou não foi aquilo.

Os exercícios que ela fazia eram da Marinha.

Sentei em uma das minhas cadeiras de praia ainda na área do quintal da minha casa e continuei observando. Chutaria que o pai dela a ensinara aqueles tipos de exercícios, mas eram muito específicos. Nenhum pai ensinaria aquela rotina para um filho ou filha, por mais interessada que a pessoa fosse.
Você tinha que fazer parte da Marinha para saber aquele tipo de coisa. E para aguentar o tranco daqueles exercícios.
Ela fez flexões, abdominais, corridas, pranchas, exercícios de força, de resistência... E no meio do caminho, incorporou exercícios de flexibilidade e resistência típicos de ballet.

Aquela mulher era uma contradição ambulante.

Nem percebi o sol se erguendo por entre o mar cor de esmeralda. Somente fui notar que o tempo havia passado quando estava próxima o suficiente para ouvir a minha voz, banhada pelos raios dourados de sol que pintavam seus cabelos e sua pele que brilhava com o suor.
Ao me notar na cadeira, ela estacou no lugar, observando-me com grandes olhos surpresos.
Após alguns segundos me encarando, olhou para baixo. Quando voltou seus olhos para mim novamente, tinha um pequeno sorriso nos lábios.
- Acho que eu tenho muita coisa para te explicar.

Eu somente sorri de volta. Finalmente iríamos nos entender.

- Pode me explicar enquanto tomamos café da manhã. – Comentei enquanto me levantava. – Consegue me ajudar a trazer as coisas pra cá?
- Você só quer que eu te ajude porque tem medo que eu fique sozinha em um local aberto, não é mesmo? – Ouvi suspirando atrás de mim enquanto me seguia e imediatamente comecei a rir.
- Mas é claro. Não sei se a senhorita se esqueceu, mas alguém cogitou seriamente atirar em você ontem.
- Ok, tenho que admitir... – E ela suspirou, parecendo cansada. – Você tem razão.
Achei aquele tipo de comportamento muito estranho. Ela não parecia o tipo de mulher que concordava facilmente. O espírito de era como o próprio sol, irradiando uma força própria. Mas, naquela manhã, ela parecia adormecida. Parecia que o sol dela ainda não havia nascido naquele dia.
Voltamos para a varanda com algumas frutas e mais canecas de chá verde, sentando nas espreguiçadeiras nas quais eu me encontrava anteriormente. permaneceu em silêncio, saboreando suas frutas em cubos, enquanto eu somente a encarava.

Eventualmente, ela teria que falar comigo.

- Então... Acho que já está na hora de você me explicar algumas coisas. – Comentei finalmente, já que parecia que ela sabia lidar muito bem com alguém encarando-a intensamente.
- Eu sei... – Ela suspirou e se virou para mim. – Eu sou uma desertora, .
Acho que o choque ficou estampado no meu rosto de uma maneira estupidamente clara, pois começou a sorrir. Um sorriso apagado e levemente triste. Um tipo de sorriso que não gostei de ver nela, por mais que não tivesse ido muito com a cara de desde o primeiro dia.

A cada segundo que se passava, me mostrava que eu sempre estive errado sobre ela, desde o início.

- Como assim...? – Perguntei com cuidado, para que ela não fugisse de mim.
- Meu pai queria que eu seguisse os passos dele, que eu fosse para a Marinha. Eu sempre amei a Marinha: os porta aviões, navios, uniformes, outros soldados... Quando era pequena, gostava de me apoiar na janela de casa e observar os soldados da Marinha treinando pela ilha, correndo para lá e para cá sem camisa, suando embaixo do sol escaldante, enquanto cantavam qualquer música com qualquer letra que o Comandante da unidade inventava na hora. – encarava o mar, com um sorriso distante. – Eu sempre quis ser como eles. Meu pai colocava o quepe dele em mim, prendia suas medalhas em meu peito nas premiações. Não havia mais nada na minha vida além de querer ser uma Almirante como ele.
Ela começou a brincar com os pés na areia fofa, jogando-a para lá e para cá. Eu ficava cada vez mais chocado com aquela história. Sinceramente: cada palavra dela era um tapa na minha cara por tê-la julgado tão cedo e tão rapidamente.
- Mas, conforme eu fiquei mais velha, outro tipo de... Amor... Foi surgindo na minha vida. Eu só via a parte boa da Marinha quando era pequena. Tive um choque de realidade quando descobri tudo de ruim que vinha das Forças Armadas e das guerras. Queria ficar longe de tudo aquilo, queria fazer do mundo um lugar melhor... Queria trazer beleza ao invés de destruição... E foi aí que eu achei as artes e, principalmente, a música. – finalmente olhou para mim novamente. Eu sinceramente não tinha nem palavras. – Quando meu pai percebeu, quis reprimir isso em mim ao máximo. Eu era escoltada por todos os cantos por alguém da Marinha, principalmente de patentes mais baixas que as dele. Era proibida de frequentar lugares com “gente estranha”, sendo que qualquer lugar relacionado a artes era terminantemente proibido.
Ela parou de falar, voltando a encarar o mar. A brisa que vinha da água fazia com que os cabelos de ondulassem em volta dela, reluzindo com o brilho dourado do sol nascente.
- ... Não precisa falar tudo se você não quiser. – Comentei finalmente, quando ela não voltou a contar sua história. – É algo muito pessoal. Eu entendo o seu tempo.

fechou os olhos e respirou fundo, como se estivesse tomando coragem.

- Não, eu tenho que falar para alguém. – Ela disse de maneira decidida. – Briguei muito com o meu pai. Mas muito mesmo. E fui para a Marinha, mesmo com meu coração em outro lugar. Tive um dos melhores desempenhos, vários colegas e era considerada a melhor da minha unidade. Sabia que viraria Comandante em metade do tempo que os outros demoravam para alcançar essa patente. Mas estava extremamente infeliz. Tive uma briga séria com meus pais e desertei. Ele disse que eu jamais me tornaria alguém na vida, que eu seria somente uma ninguém tentando andar no meio de gigantes. Sofri muito tempo com aquelas palavras, até finalmente admitir de cabeça erguida o que eu sou... Uma baepsae.
O olhar que me lançou era cheio de orgulho. Eu, por outro lado, queria me enfiar embaixo da minha espreguiçadeira de vergonha. Tudo que achei que ela era quando vi a jaqueta com a palavra baepsae caíra por terra.
Tive a impressão de que era uma mulher fútil e cheia de si, mas eu era exatamente aquilo. Fui completamente fútil e arrogante ao julgá-la tão rápido. - Claro, agora sou bem sucedida... Mas, para a minha família, não passo disso: uma baepsae. Ao invés de ter vergonha disso, tenho orgulho. Cheguei muito longe sem a ajuda de ninguém.
- Então... Você fala coreano? – Sim, parabéns para mim, depois de toda aquela conversa, essa foi a única pergunta cretina que consegui fazer.
- Sim. Você também, não? – E os olhos de se iluminaram de uma maneira diferente quando a moça sorriu dessa vez. Não estava mais vazia. Parecia que o sol dormente dentro dela naquela manhã finalmente estava nascendo. – Percebi que muitas coisas na sua casa estão em coreano.
- Ah, sim. Meu pai é americano, descendente de coreanos, e minha mãe é coreana. – Expliquei rapidamente, sorrindo de volta. – Fico feliz que você tenha me contado tudo isso, .
- Jura? Você não fica bravo por eu ter desertado? – Ela perguntou com uma risada sem humor ao fim da frase.
- Não. Você seguiu sua paixão. Não adianta ser extremamente bem sucedida em uma vida vazia que te deixa cada vez mais infeliz. Você fez certo em seguir o que achava em seu coração que era certo. – Respondi prontamente, realmente acreditando nas minhas palavras. me observava como se eu fosse uma espécie de pássaro raro em extinção. – O que foi?
- Acho que você é a primeira pessoa da Marinha que acha isso. – E um grande sorriso sincero surgiu nos lábios da moça. Acho que foi naquele momento que aprendi a apreciar aquele sorriso. – Obrigada, Comandante .
- . Pode me chamar de . – Corrigi imediatamente. Era a primeira vez que eu me sentia incomodado de ser chamado de Comandante por alguém.
- Ok. . – Ela comentou com um pequeno sorriso nos lábios, como se estivesse saboreando meu apelido. – Pode me chamar de .
- ... – Repeti o apelido dela da mesma maneira que ela dissera o meu. – Você sabe que teremos que visitar o seu pai, certo?
Ela suspirou, observando o céu por alguns segundos.
- Eu sei... Mas pelo menos você estará lá comigo.
E, assim, eu e nos conhecemos pela primeira vez.


Eu conseguia sentir o desconforto de ao meu lado.
Parada em frente à porta da casa que ela crescera, toda a pose rebelde e a atitude de “não me toque” que ela tinha constantemente e que fazia parecer com que a moça fosse, de fato, intocável, simplesmente se dissolveu como um floco de raspadinha havaiana no oceano.
Toquei a campainha e vi que ela começou, inconscientemente, a enlaçar os próprios dedos das mãos uns nos outros, observando a porta de madeira escura com olhares apreensivos.
- Calma, . Vai dar tudo certo. – Tentei ser o mais simpático possível, mas ela imediatamente me lançou um olhar de poucos amigos. – Se não der, eu tô aqui pra falar que vamos embora e só voltaremos quando ele se comportar, ok?
- Ok. – Ela respondeu com uma breve risada, porém logo ouvimos o barulho da maçaneta se abrindo.
imediatamente ajeitou a postura e ficou séria. Aquilo me deu calafrios na espinha. Era como se eu vislumbrasse a versão dela que foi ao exército e tinha tudo para virar Almirante.

E, sinceramente, eu a preferia como a alma livre e cheia de artes que pude ver que era.

Não consegui esconder quando minhas sobrancelhas se franziram no momento em que o Almirante abriu a porta. Assim como ele não conseguiu a surpresa nos olhos ao nos ver em pé frente à entrada de sua casa.
- ! Comandante ! O que estão fazendo aqui? – Ele perguntou com a formalidade do seu cargo, apesar de usar uma camisa havaiana florida e um shorts bege.
Honestamente, achei que ele receberia a filha – que estava sofrendo atentados contra a vida nos últimos dias – de uma maneira um pouco mais calorosa.
- Oi, pai. O tem algumas perguntas para te fazer sobre o meu caso... Podemos entrar? – perguntou em seguida, sendo que ele a lançou um olhar típico de Marinha quando a moça terminou de falar.
- “”? Você deveria chamá-lo de Comandante. – Ele torceu o nariz e abriu espaço para nos deixar entrar.
- Bom, eu não estou mais na Marinha, então não preciso. – Ela deu de ombros, entrando na casa e sendo seguida por mim. – Além disso, o não se importa.
- “”?! – Ouvi o Almirante murmurar com certa revolta para si mesmo ao fechar a porta atrás de mim e tive que reprimir um riso.
No mesmo momento que se virou para mim. Ela viu que eu me controlava para não rir da resposta que ela dera, lançando-me um sorriso sapeca e piscando para mim. Não pude deixar de balançar a cabeça e aumentar meu próprio sorriso. Ela era doida.
- Bom, vamos para a sala? Acho que lá podermos conversar melhor... – Assim, com essa frase, seguimos o Almirante até a sala.
Eu tinha que admitir: a casa era enorme. A sala era arejada e bem decorada, com uma varanda que dava para um lindo jardim que, ao fundo, era emoldurado pelo azul do cristalino mar havaiano. Era um lugar realmente maravilhoso e deveria ser ótimo para se viver. Olhei imediatamente para , pensando que ela deveria ter sofrido mais do que me falou para abandonar tudo aquilo e se enfurnar em um apartamentinho na cinzenta Nova York.
- Muito bem. O que você quer saber, Comandante? – O Almirante cruzou os braços e usou a palavra com uma ênfase desnecessária, claramente em ataque à .
- Bom, Almirante, andei investigando a questão e encontrei fortes evidências que as pessoas que querem matar a sua filha não são relacionadas a ela, mas sim a você. – Respondi enquanto cruzava as mãos atrás de mim, permanecendo reto e com a cabeça erguida, em uma típica pose militar. Ele queria demonstrar força? Eu também iria demonstrar força. – Precisamos que você nos conte tudo, principalmente sobre quem possa ter uma rixa com você para ir atrás da sua família.
- Comandante... Por um mero acaso você sabe a história dela? – Ele apontou para com certo descaso, em uma pose completamente arrogante.

Só naquele momento comecei a entender a gravidade da situação.

- Claro que ele sabe. Eu contei, Almirante. – E claro, não conseguiu mais ficar de boca fechada. Nem eu conseguiria.
- Olha como você fala comigo. – Ele lançou um olhar irritado para a filha. – Só fico imaginando as coisas que fez sozinha em Nova York. Tenho certeza que isso tudo é coisa dos seus amiguinhos drogados da faculdade de música.
- Claro. Porque todo mundo que mexe com música é drogado e sem rumo na vida. – Ela rolou os olhos e já começou a andar pela sala, em direção a um dos cantos da casa cheio de fotos.
- Não dê as costas para mim dessa maneira...!
- Almirante... – Tentei me intrometer na briga quando percebi que o homem começava a ficar muito bravo. Mas, logo que o fiz, ele levantou a mão para mim, em um claro gesto para me calar.

E eu senti a raiva começando a subir pela minha espinha em uma onda de calor.

- Olha o que você virou! Eu falei que se fosse pra essa vidinha, ia acabar quebrada e sem um tostão no bolso! Se tivesse permanecido na Marinha, hoje teria uma patente até maior que a do Comandante! Mas não, você resolveu abandonar a segurança que quis te dar, um futuro certo, pra viver uma aventura e se ferrar da maneira que você está agora!
- O quê?! – E agora estava vermelha como o pôr do sol. Nada de bom podia sair daquilo. – Eu não sei se você percebeu, pai, mas a situação atual do país é bem diferente de como era há trinta, quarenta anos atrás! Eu nunca vou ser capaz de pagar por uma casa como esta e dar para a minha família a mesma condição que você deu para a gente, nem se eu estiver na Marinha! Simplesmente porque a situação econômica do país é completamente diferente da situação em que estava quando você tinha a minha idade! Eu terei que trabalhar a minha vida toda pra poder comprar uma casa! Minha geração inteira é ferrada!
- Isso é tudo invenção que seus amiguinhos artísticos ficam enfiando na sua cabeça pra justificar o fracasso de vocês! – Ele respondeu em tom alto, já quase gritando. Eu só o encarei de volta, em choque. Entendia muito bem o que acabara de falar, pois eu mesmo teria dificuldades de manter o padrão de vida do Almirante e provavelmente não conseguiria proporcionar aquilo para minha família, não importa o quanto trabalhasse. – Sabe o que é isso? Falta de esforço. Vocês querem viver suas vidinhas no bem bom da arte e da música, sem fazer nada que presta e sem se esforçar! Vocês são folgados e querem tudo caindo no colo!
- Sem me esforçar?! Você nunca se dignou a querer saber o que eu passei pra chegar ao posto de pianista principal da Orquestra! – deu uma risada seca de escárnio. – Eu passei noites ensaiando na faculdade, madrugadas! Sentia dor nos pulsos, ficava repetindo a mesma música de quarenta a cinquenta vezes até meus dedos se cansarem e meu corpo pedir para descansar! Eu fiquei doente, quase fui internada para poder me tratar, mas abandonei minha saúde pra continuar treinando. Passei dias e noites compondo e compondo e compondo, escrevendo minhas músicas, gravando e mixando em estúdios que pedia emprestado para o pessoal de Produção Musical! Entreguei vários para vários lugares, levei muitas portadas na cara, fiquei chorando sozinha naquele apartamento medíocre e gelado de Nova York pensando em largar tudo e voltar pra casa, mas meu orgulho não deixou! Pra melhorar, estava com febre no dia que fiz o teste pra Orquestra e fui parar no hospital logo que terminei a prova! Você acha que isso não é esforço?!
O Almirante somente a lançava um olhar duro, enquanto eu a encarava de maneira pasma. Estava acostumado com os treinamentos da Marinha, com pessoas querendo te quebrar e te levar ao limite a cada segundo... Mas aquilo? Nunca ia imaginar que, para conseguir seguir seus sonhos e se tornar uma musicista, tinha passado por tudo aquilo.
Eu tinha que sentar com ela uma noite toda e ouvir sua história inteira. Cada hora que eu passava com , descobria coisas novas e engolia cada vez mais o meu erro de tê-la julgado como uma pessoa arrogante.
- Eu duvido. Você e sua mãe só ficam falando essas coisas para que eu tenha dó. Isso tudo de que você nunca vai conseguir pagar uma vida como essa é uma mentira e mantenho que é tudo preguiça e falta de esforço! – O homem bateu sobre a mesa que havia a seu lado e eu arregalei os olhos, imediatamente me virando para ele. Não esperava que as coisas chegassem àquele nível, mas estava pronto para proteger , se necessário.
- E eu digo que nunca conseguirei, porque jamais a minha geração vai conseguir viver de acordo com as expectativas da sua! Graças a vocês, a gente é uma geração que desistiu de tudo, preguiçosa e sem futuro! – cruzou os braços e ergueu a cabeça, uma das poses típicas de militares. Eu ficava cada vez mais desconfortável ao vê-la se comportando daquela maneira. – Você nunca consegue ver nada de bom no que eu fiz, só acha que eu sou uma pessoa que tenta eternamente imitar os outros e acabei me ferrando por causa disso!
- E isso é culpa de quem? Exclusivamente sua, ! Se você quisesse e se esforçasse somente um pouco...
- Ah, chega de falar de esforço! Se fosse só isso, mas não é! Essa sua retórica só serve pra me irritar! – Ela finalmente explodiu e o homem bateu novamente na mesa, começando a gritar. Eu me coloquei imediatamente ao lado de .
- Olha como você fala comigo! Quando eu estou falando...!
- Ela não é obrigada a escutar. – Respondi imediatamente, cruzando os braços e impondo o respeito que ele claramente não tinha por nós somente com a minha postura. olhou para mim, pasma. – Nenhum de nós dois é obrigado a escutar. Eu vim aqui para fazer meu trabalho, Almirante, não para ouvi-los discutir sobre as decisões que a tomou na vida dela. Essa conversa de vocês e seus ataques não vão levar a nada. Eu voltarei sozinho mais tarde, já que claramente não vou conseguir informações com ela presente, pois o senhor não consegue permanecer sem fazer comentários desnecessários enquanto a está aqui, e isso atrapalha o meu trabalho. Se está interessado em achar quem está querendo matar a sua filha, mais tarde teremos uma conversa entre cavalheiros. Vamos?
Olhei para e abri caminho para que ela fosse até a porta antes. Em seguida, bati continência para o Almirante e deixei aquele lugar.
A casa poderia ser linda. Mas, realmente, o ambiente era sufocante e insuportável. teve toda a razão de sair de lá.


permaneceu estranhamente silenciosa durante todo o caminho de volta. Arrisquei alguns olhares para ela, mas a moça parecia estar em outra dimensão. Por diversas vezes, notei que seus olhos estavam laminados com lágrimas, mas logo ela os fechava e, quando abria novamente, já estavam secos e decididos como antes.
tinha muita dor contida dentro de si. Eu senti uma vontade repentina de fazer algo bom por ela, somente para tirar aquela angústia que a moça claramente estava sentindo.
Sendo assim, estacionei em um lugar qualquer, saindo do carro em seguida e abrindo a porta para ela.

ficou me encarando sem entender nada.

- ... Onde estamos? – Ela franziu as sobrancelhas, encarando-me com suspeitas.
- Em um lugar legal. Você vai ver. – E sorri para ela, estendendo a mão para que segurasse. Eu tinha certeza de que ela não o faria, mas não custava tentar para arrancá-la de lá.
- Estamos no meio de um monte de containers de exportação e com vários navios cargueiros ancorados em volta. Por favor, esclareça como esse pode ser um lugar legal. – Ela comentou sem humor algum, porém se virando de frente para mim, ainda enfurnada dentro do carro.
- Você não vai saber se não vier comigo. – Apoiei na porta do carro, porém não recolhi a mão: ela permaneceria estendida pelo tempo que precisasse para tirar de lá de dentro.
- Ou será que você é a pessoa que quer me matar e agora finalmente irá me revelar seu plano pra depois esconder meu corpo no píer? – Ela me lançou um olhar cheio de suspeitas e eu não pude deixar de ficar em choque com aquela frase.
- Sério? – Perguntei sem conseguir acreditar que pensou em uma coisa louca como aquela, arrancando uma breve risada da moça. Aquilo me fez sorrir também. – Vamos. Você não vai se arrepender. Por favor, acredita em mim.
olhou para minha mão e, em seguida, para meus olhos. Ficamos por alguns momentos congelados com os raios alaranjados do fim de tarde refletindo na nossa pele. Aqueles tons também se misturavam à cor dos olhos de e acredito que foi aí que senti o calor de um novo sentimento surgindo em meu coração – foi a primeira vez que efetivamente consegui enxergá-la, sem julgamentos, influências ou sons externos para me incomodar. Eu vi e acredito que o sentimento foi recíproco, pois logo senti seu toque leve sobre a minha mão que já começava a ficar cansada.
- Ok... Vou acreditar em você. – Ela comentou como se finalmente tivesse se rendido a algo, o que me fez sorrir.
Caminhamos calmamente, lado a lado, por um caminho de concreto, sem interferência alguma, até chegarmos à ponta do píer – havendo somente o mar à nossa frente. Nisso, apontei para o lado, no que encontrou uma escada marinheiro para que pudéssemos subir no telhado da construção que havia ao nosso lado.
- Consegue subir? – Perguntei sem pensar e mais por obrigação, pois, depois de tudo que ela falou, estava convencido de que não havia nada no mundo que aquela mulher não conseguisse fazer.
- Consigo sim... É algo que a gente aprende na Marinha. – piscou para mim, fazendo-me dar uma breve risada. Com isso, começou a subir a escada e eu a segui calmamente.
Quando cheguei lá em cima, observei brevemente a vista. Era um dos lugares que eu mais gostava: afastado de tudo e todos, conseguíamos observar a ilha toda, os tons alaranjados do pôr do sol colorindo a água azul piscina, enquanto as montanhas se erguiam em tons de verde bandeira para emoldurar a paisagem. Só digo que observei brevemente, pois fiz questão de olhar para a fim de ver sua reação.
Ela estava levemente boquiaberta, uma das mãos sobre o peito, enquanto os cabelos brincavam com a brisa que nos atingia. Logo em seguida, fechou a boca e começou a sorrir, observando a tudo com grandes olhos deslumbrados, como se quisesse absorver toda a vista e não se esquecer de nada.

Eu podia passar horas observando-a daquela maneira.

- Nunca mais vou deixar de acreditar em você, ... – murmurou de repente. – Sabe... Esse lugar me lembrou uma música...
Dizendo isso, começou a cantarolar uma música que eu desconhecia. A melodia era linda, o ritmo envolvente. A voz dela tinha uma leveza aconchegante, como um abraço depois de um dia cansativo. Eu não queria que ela parasse de cantar e, sorrindo sem perceber, sentei-me no guarda-corpo do telhado.
Ela sorriu de volta para mim e, voltando a observar a paisagem, tomou coragem para cantar mais alto, sentando-se ao meu lado – na mesma pose da escultura da Pequena Sereia. Algum desavisado que passasse por lá poderia, de fato, acreditar que era uma sereia perdida na terra e com saudades do mar.

Queria dizer que ficamos lá para sempre. Mas logo ouvimos o clique de uma arma.

Olhamos para trás e encontramos exatamente o que suspeitamos: um homem mirando exatamente em . Eu não tive dúvidas: a agarrei pela mão e a puxei em cima de mim, antes que o tiro pudesse ser concluído.
Peguei minha arma e me levantei logo em seguida, com se escondendo estrategicamente atrás de mim. Quando o homem viu que estaria em desvantagem, desceu imediatamente pelas escadas que subimos anteriormente.
- Ah, não! Você não vai fugir tão fácil! – Comentei entre os dentes, seguindo-o em uma raiva cega. Eu já estava revoltado com tudo que tinha ouvido naquele dia, então precisava descontar em alguém ou algo. Aquele homem era uma ótima opção.
Por isso, não pensei muito antes de descer atrás dele – o que fez com que viesse atrás de mim. E, quando chegamos lá embaixo, encontramos um carro bloqueando o caminho de volta pelo píer, com cinco homens apontando armas para a gente.

Ficamos observando. Pasmos.

- , vem comigo! – gritou, agarrando minha mão no mesmo segundo e correndo logo que as armas foram disparadas.
Por sorte, uma das portas do depósito no qual subimos no telhado era logo ao nosso lado. Entramos rapidamente, com guiando o caminho, e atravessamos o local, derrubando o máximo de caixas no caminho para dificultar a vida dos homens que nos seguiam.
Conseguíamos ouvir os passos deles por perto. Logo que chegamos ao outro lado do depósito, puxei a maçaneta da pesada porta de metal junto com para arrastarmos o suficiente para sairmos.
Logo que estávamos de volta aos últimos raios de sol antes que a noite chegasse, eu agarrei a mão dela e voltamos a correr. Conseguíamos ver meu carro à distância, porém ouvimos a porta sendo arrastada novamente. Não daria tempo de alcançá-lo.
- Vai, ! – Eu gritei, jogando-a para frente e me virando de costas para ela, a arma em mãos. – Eu te dou cobertura! Vai pro carro!
- Mas ...!
- Agora! Pega o carro e sai daqui, eu me viro! – Respondi enquanto mirava nos homens que começavam a aparecer.
- Não é hora de atitudes heroicas! – Ela gritou de volta, agarrando minha blusa por trás. Franzi a sobrancelha, mas logo a senti me puxando com ela. – Se eu for, você vem junto! Ponto final!
Eu ia responder, mas logo os tiros começaram. Tentamos nos proteger como podíamos, mas estava difícil. Conseguia vê-la tomando um tiro em poucos segundos, se a situação continuasse daquela maneira. Localizei algumas caixas empilhadas e apontei-as para : ela entendeu imediatamente e correu para se esconder atrás delas.
Mas, nesse momento, percebi que um dos homens tinha uma mira perfeita de . Apontar as caixas não fora a melhor idéia: muito pelo contrário. Atirei na direção do homem, porém ele conseguiu desviar. Atraí a atenção para mim, com alegria.
- Vem cá, ! Anda logo! – Ouvi chamando e, depois de dar mais alguns tiros, fiz exatamente o que ela mandou.

Porém, nessa hora, o destino resolveu ser idiota comigo.

Minha perna estropiada da guerra resolveu se manifestar.

E eu não conseguia mais correr, somente sentir dor.

Mancando, tentei alcançar as caixas, controlando minha dor. Vi a preocupação nos olhos de e resolvi me esforçar ao máximo para alcançá-la rapidamente... Mas foi em vão: em poucos segundos, senti a queimação característica e familiar de um tiro acertando meu ombro e saindo pelas costas.
Aquilo fez com que eu imediatamente caísse no chão, apoiado somente em uma mão enquanto a outra ainda segurava fortemente a arma. Ouvi gritando e levantei minha arma novamente, finalmente acertando um dos homens e desestabilizando o grupo, ganhando algum tempo para nós dois.
De repente, senti a mão de sobre a minha. A arma foi retirada da minha mão e ela se ajoelhou no chão, como uma atiradora de elite, mantendo a calma e a resolução nos olhos enquanto me protegia com o próprio corpo. respirou fundo, mirou e atirou. Acertando em cheio mais um dos homens, fazendo com que eles começassem a tentar se proteger. Com mais um tiro certeiro nas pernas de um terceiro homem, eles foram obrigados a se reagrupar.

Era a primeira vez em anos que encostava em uma arma.

- Pronto, se apoia em mim, ! – Ela puxou meu braço sobre os ombros e continuou a segurar a arma com a outra mão.
- Obrigado, ... – Foi a única coisa que consegui responder, pois logo estávamos tentando levantar e não consegui ficar sem gemer de dor.
Cambaleamos para as caixas atrás das quais ela se escondera anteriormente. Sentia o sangue quente escorrendo pelo meu peito e embebendo minha blusa. Precisava ir logo para um hospital.
- Isso aqui tá ruim... – Ela comentou após observar o que tinha acontecido, entregando-me o próprio celular. – Consegue chamar uma ambulância?
- Claro. Você dá cobertura? – Perguntei imediatamente discando o número com certa dificuldade, manchando o aparelho com sangue.
- Sempre. – piscou para mim e tirou a blusa.
- , o que diabos...? – Comecei a perguntar, mas nem tive chance de terminar, pois logo a moça da emergência começou a falar comigo no celular e apertou a própria blusa contra a minha ferida.
- Pronto. Segura com força pra estancar o sangue. – Ela comentou e pegou novamente a arma, saindo de trás das caixas para voltar ao tiroteio.
A mira de era muito boa. Ela conseguiu fazer com que os homens entrassem de volta no carro e dirigissem rapidamente para fugir de nós no início da noite. Quando eles sumiram, imediatamente largou a arma e permaneceu ao meu lado, checando a ferida de quando em quando.
- Segura mais forte, ... Ou logo você vai ficar com tontura por perder muito sangue. – comentou com a preocupação evidente nos olhos, apertando a minha mão contra meu peito.
- Relaxa, . Não é a primeira vez que eu levo um tiro. – Pisquei para ela e dei um breve sorriso, para tentar assegurá-la de que estava tudo bem.
Ela sorriu de volta, porém ainda tinha os olhos preocupados. Apesar disso, não demorou muito para ouvirmos a sirene da ambulância e para que logo eu estivesse na maca para ser levado ao hospital.
E, durante todo o processo, somente saiu do meu lado quando os médicos disseram que precisavam fazer as suturas e limpar o ferimento, forçando-a a me aguardar na sala de espera.


Em poucas horas, dirigiu meu carro para nos levar de volta à minha casa. Pedimos comida do meu amigo que aparentemente nunca dormia para poder me alimentar e acabamos sentados na cama do meu quarto para comer. Afinal, aquele era o lugar mais seguro.
- Então... – mudou de assunto, já que, no momento, falávamos de amenidades para nos distrair do que tinha acabado de acontecer. – A sua perna. O que aconteceu com ela?
- Ah, foi em uma missão... – Suspirei, esticando minha perna e levantando a calça até o joelho. Ela finalmente viu a cicatriz que eu tinha do joelho para baixo. – Foi recente, por isso ainda estou em período de recuperação, alocado aqui no Hawaii. Um dos meus amigos ficou preso em um dos escombros que estávamos usando de proteção... Eu fui ajudar, cortei praticamente a blusa inteira dele, mas demorei muito. Empurrei meu amigo para que ele ficasse fora da linha de fogo, mas acabei levando um tiro na perna. Eles se juntaram pra me carregar pro carro que nos tiraria de lá. Quando voltamos para a base, precisei tirar a bala e fazer os procedimentos sem anestesia. Estávamos com falta de linha pra sutura, então o meu curativo foi feito meio na sorte. Não cicatrizou muito bem e só quando eu voltei pra cá pude tratar de uma maneira melhor. Então dói às vezes por causa da má cicatrização... Mas isso vai passar.

apoiou a cabeça na própria mão, observando-me de maneira pensativa.

- Você deve ter muitas histórias pra contar... – E ela teria continuado seu devaneio se meu celular não tivesse tocado. Eu não queria atender, mas, quando vi o número que chamava, fiquei surpreso ao notar que era do Almirante . – Pode atender.
- Comandante , senhor. – Respondi imediatamente, ouvindo o homem pigarrear do outro lado da linha.
- Comandante , fico muito agradecido pelo que você fez hoje pela minha filha. – O homem disse formalmente e eu franzi as sobrancelhas. Se ele ligara somente para dizer aquilo, era de fato algo muito estranho. – Peço para que ela fique na sua casa por mais uma semana. Vamos resolver essa questão e acredito que você pode protegê-la. Depois disso, por favor, apresente-se no quartel, usando seu uniforme.
- Sim, senhor. – E nem tive tempo de fazer outras perguntas: ele desligou o telefone imediatamente. – Ok... Estranho...
- O quê?
- Às vezes eu que sou chato. – Dei de ombros, não querendo preocupá-la com aquela ligação. – O departamento continuará a investigação. Enquanto isso, você vai ter que ficar aqui comigo por mais uma semana.
- Ok. – Ela deu de ombros e voltou a comer. Eu não pude deixar de sentir uma onda de alegria tomar meu coração. – Quer dizer, se estiver ok pra você também.
- Claro que está. – Respondi prontamente e ela voltou a me observar, sorrindo em seguida.
E eu sorri de volta, pois foi nesse momento que notei que não era somente eu que estava sentindo algo de diferente em relação a nós dois.


Aquela última semana passou melhor do que esperávamos, para ser bem sincero. logo adotou minha rotina de acordar durante a madrugada para correr pela praia e me exercitar durante a manhã – acompanhando meu ritmo com facilidade. Apesar de eu me opor fortemente, ela também me forçou a fazer uma das várias trilhas entre as florestas da ilha e a passarmos um fim de tarde surfando entre as ondas azuis – com a desculpa de “preciso aproveitar minhas férias, ou você vem, ou vou sozinha”.
Claro, às vezes eu simplesmente queria mordê-la por ser tão cabeça dura e se colocar em risco a cada segundo. Mas, normalmente segurava minha mão e dizia que eu tinha que aproveitar mais, principalmente agora que tinha a ilustre presença dela durante somente aquela semana.
Aquilo me fez sentar na sala durante uma noite e ficar pensando enquanto limpava minha arma. A semana já estava chegando ao fim e logo iria embora. Afinal, ela somente estava de férias – o apartamento em Nova York e a Orquestra aguardavam o retorno dela.

Enquanto a Orquestra a teria de volta, eu iria perdê-la.

Fiquei encarando um ponto perdido no meio da parede, incomodado com meus próprios pensamentos. Não sabia dizer exatamente quando ela passara a ocupar um lugar tão importante no meio do meu coração para sentir como se uma parte de mim fosse embora quando entrasse naquele avião para retornar somente Deus sabia quando. Tentava entender quando minha visão sobre ela mudara e quando aquele pequeno calor que senti ao ver seus olhos naquele fim de tarde começara a se tornar algo muito maior – um sentimento de verdade.
Por isso, decidi que se ia perdê-la, que fosse em grande estilo. No último dia da última semana de na minha casa, resolvi levá-la em um luau. Algo difícil de convencê-la, mas que ela claramente não se arrependeu.
- Faz muito tempo que não venho em um! – comentou deslumbrada, observando as estrelas no céu enquanto nossos corpos eram aquecidos pela grande fogueira na praia. – Sinceramente... Estou agradecida que você me convenceu a vir aqui.
- Não há de quê. – Respondi de maneira presunçosa, também olhando o céu. Senti que ela me deu um pequeno empurrão com o ombro, congelando no lugar logo em seguida. Olhei para a fim de checar se havia algo errado, alguém querendo matá-la.
- Desculpa. Esqueci que você está machucado. – Ela comentou parecendo chocada consigo mesma, enquanto eu somente derretia em alívio. Não queria que atentados estragassem nosso luau.
- Imagina... Já está bem melhor. – Respondi sorrindo. Aproveitei que estávamos nos olhando para trocar de assunto, segurando uma das flores do colar que ela usava. – Sabe que você ficou muito bonita com esse Lei. As cores das flores combinaram com você.
- Jura? Obrigada. – respondeu com um sorriso um tanto envergonhado. Talvez não fosse acostumada com elogios, principalmente sobre a aparência. – Parece que não sou só eu que tenho uma veia artística aqui.
- Ah, definitivamente não. Também gosto de artes, principalmente música. – Comentei enquanto piscava para ela, fazendo-a rir.
- Que bom, . Não me sinto tão perdida assim. – E, dizendo isso, olhou novamente para mim.
A conjunção de todos os fatores daquela noite e a maneira com que ela me olhava, fez com que eu tomasse coragem para fazer algo que vinha debatendo dentro do meu peito durante um bom tempo. Pousando meus dedos no queixo de , a puxei pra um beijo – o qual ela não resistiu. Quando senti seus lábios suaves e sedosos sobre os meus, não consegui deixar de dar um pequeno sorriso durante o beijo: ela era exatamente o que eu esperara e muito mais.
Quando repousou uma de suas mãos na lateral do meu rosto, o calor em meu coração se consolidou. Afinal, com aquele simples gesto, ela provou que o sentimento era recíproco.


Era a primeira vez que eu colocava meu uniforme branco – com direito a quepe e medalhas – depois de um bom tempo. Ajeitei o quepe milimetricamente e chequei novamente se a gola do casaco estava no lugar. Coloquei o celular e a carteira no bolso da calça e desci as escadas, pronto para ir falar com o Almirante Hewson e o Almirante , conforme havia sido instruído no dia em que levei o tiro.
A semana finalmente chegara ao fim. No dia seguinte, iria embora e minha casa ficaria novamente silenciosa. O dia estava ensolarado e belo do lado de fora, mas, para mim, parecia que tudo tinha um véu cinza para me lembrar de que eu ficaria sozinho novamente. Algo que nunca me importara antes e agora me incomodava como um baixo som contínuo que não se pode desligar.
- Nossa! – Ouvi repentinamente a voz de exclamando no meio da sala, chamando a minha atenção. Acordei de meus pensamentos e dei de cara com ela me encarando boquiaberta. Fiquei observando-a sem entender até ela voltar a falar. – É a primeira vez que te vejo todo... Assim. Como um cisne branco. Você fica tão... Diferente. Eu gostei, Comandante .
- Obrigado. – Respondi com um sorriso caloroso. Era bom ouvir aquilo, principalmente dela. – Vou conversar com o seu pai e o Almirante Hewson.
- Ok. Vou te esperar aqui. Juro me comportar e não sair pra fazer nada estúpido. – Ela comentou com um olhar inocente, fazendo-me rir. – Boa sorte.
E assim, acabei me despedindo de para ir ao quartel. Achei estranho que tudo era feito de maneira meio secreta – como se não fosse para ninguém saber que eu estava ali. O Almirante Hewson e o Almirante me aguardavam na sala de Hewson, sorrindo de maneira orgulhosa. Franzi as sobrancelhas quando entrei na sala e os encontrei com uma caixa de madeira escura e lustrosa em mãos. Bati continência e os saudei como um bom Comandante da Marinha faria.
- Estamos muito agradecidos pelo seu trabalho, Comandante . – Hewson comentou, fazendo um sinal com as mãos para que eu ficasse à vontade.
- Principalmente eu. Fico contente que tenha protegido minha filha. – sorriu orgulhosamente, aproximando-se de mim e abrindo a caixa. – Peço que aceite essa medalha pelo serviço que nos prestou.
- Medalha? Somente por protegê-la? – Aquilo estava ficando cada vez mais estranho. – Senhor, não posso aceitar.
- Sim, você pode, Comandante. – E, apesar da expressão afável de Hewson, o tom era de uma ordem, não um conselho. Fiquei imediatamente na defensiva. Estava me sentindo como se estivesse dentro da toca de dois leões, pronto para ser engolido vivo.
- E não precisa se preocupar mais com o caso da . Ele já foi resolvido. – O Almirante Hewson comentou de maneira dura, com um sorriso no rosto, enquanto colocava a medalha em mim. – Muito obrigado pelos serviços prestados. Agora esqueça isso. Mantenha tudo o que ocorreu em sigilo e não faça perguntas. Tudo está resolvido. Entendido?
Minha mente se revoltava em um milhão de assuntos. Eles estavam comprando meu silêncio com medalhas. Estavam me mandando ficar quieto e não ir atrás do que realmente houve com o caso de . E tudo que eu podia fazer era ficar quieto e aceitar, ou teria dois Almirantes me caçando para calar minha boca.
- Entendido, senhor. – Respondi batendo continência. Mas era óbvio que eu não ia aceitar tudo aquilo de bom grado.


- Você tá muito estranho, ... – Ouvi a voz de comentando e fui puxado novamente para a realidade. Passei as últimas horas limpando minha arma na mesa da sala e nem me dei conta de que ela estava lá e que eu ainda não tinha tirado todo aquele uniforme pomposo. A noite já tinha escurecido o céu e eu ainda estava lá, pensando. – A conversa com meu pai foi tão ruim assim?
- Não, não foi... – Respondi ainda pensando. Larguei a arma sobre a mesa em seguida e suspirei, finalmente me levantando da cadeira. fez o mesmo, seguindo-me pela sala. – Eles deram o caso por encerrado e me deram uma medalha pra calar a boca.
- Uma medalha por cuidar de mim? Essa é nova... – Ela comentou, pegando a medalha que eu mostrava presa no meu peito. franziu as sobrancelhas. – Eles te proibiram de fazer perguntas sobre isso?
Nem respondi com palavras, somente confirmei com a cabeça. cruzou os braços e me encarou com seus belos olhos intrigados. Suspirou logo em seguida, parecendo completamente descontente com aquilo.
- Isso é muito estranho, . Se quer saber, provavelmente vão enterraram a verdade em algum lugar e não querem que ninguém saiba. – completou de maneira resoluta e eu tirei o quepe, jogando-o sobre a mesa.
- Eu sei, , eu sei... – E nisso, apoiei na mesa e voltei a observá-la. Porém, quando meus olhos reencontraram , notei que a expressão dela estava um tanto... Diferente. – O que foi?
- Hã...? – Ela voltou a me olhar nos olhos e em seguida corou como nunca, dando uma breve risada. – Ah, nada... É que, pra ser sincera... Você fica muito bonito nesse uniforme, ... E gostoso.
A partir desse momento, não sei o que houve. Acho que o fato de ter tido meu silêncio comprado, junto com o fato de que ela iria embora e eu não sabia quando iria retornar, mais o estresse de perseguições e tiros dos últimos dias resultou em nós dois nos beijando como se aquele fosse o último dia das nossas vidas.
agarrava meus cabelos, permanecendo nas pontas dos pés para compensar a altura. Eu às vezes a puxava para cima pela cintura, quando minhas mãos não estavam ocupadas em seus cabelos para puxá-la somente para mim. Dessa maneira, subimos as escadas cambaleando, quebrando o beijo somente para termos certeza de que não iríamos nos estatelar nos degraus – com uma breve pausa para que eu a prensasse no corrimão, o que fez gemer contra os meus lábios. Precisei de todo meu autocontrole para guiá-la até o quarto, agarrando-a fortemente quando chegamos ao segundo andar e fazendo com que suas pernas se enlaçassem na minha cintura. Assim, enquanto nos beijávamos, coloquei-a em cima da cômoda para poder tirar meu uniforme. Em algum momento eu havia arrancado a blusa dela, então nada mais justo do que eu fazer o mesmo.
Porém, quando fiz menção de começar a tirar meu casaco branco, cravejado de medalhas, segurou meus braços imediatamente, sem parar de me beijar. Não entendi nada até ela começar a falar.

- Não tira. Fica com ele.

Não consegui evitar a onda de formigamento que desceu pela minha espinha até minhas pernas ao ouvir aquelas palavras. Dei um sorriso enquanto continuava a beijá-la, as mãos de agora abrindo os botões da minha camisa com rapidez. Segurei o rosto dela com uma das mãos, para guiar melhor os beijos entrecortados por palavras.
- Você tem um fetiche, é? – Não consegui ficar sem provocá-la. Eu estava gostando daquilo mais do que queria admitir.
- Talvez... – respondeu no mesmo tom que eu, porém com uma risadinha ao fim da frase. Em seguida, parou de me beijar e me olhou com um par de olhos provocadores, um pequeno sorriso sapeca escondido no canto dos lábios. – Senhor?
Tenho certeza que meus olhos escureceram. Voltei a beijá-la com mais força que antes, puxando-a pelo quadril até que estivesse grudada ao meu corpo. não protestou e enroscou novamente as pernas em volta de mim, respondendo ao beijo com a mesma intensidade.
- Acho que talvez eu também tenha um fetiche que desconhecia até agora... – Comentei entre beijos, segurando as pernas dela com força. Dei uma breve pausa enquanto ria do meu comentário, olhando para o nosso estado: ela de shorts e top de treino, eu com o uniforme da Marinha, a camisa completamente aberta para que ela tivesse acesso à minha pele que começava a brilhar com o suor. Olhei para ela com um pequeno sorriso, já respirando de maneira entrecortada. – Então mantenho o uniforme...?
me puxou mais para perto, envolvendo-me em seus braços, enquanto me olhava nos olhos antes de voltar a me beijar.
- Sim, senhor.
Segurei-a pelos cabelos e a puxei só para mim, recebendo-a com um beijo lento que a fez gemer e agarrar a lapela do meu casaco, os dedos esbarrando pelas medalhas. Se as coisas continuassem da maneira como estavam, tínhamos plena certeza que seria difícil sobreviver àquela noite.


Enquanto a observava despachando as malas pela Hawaiian Airlines, tudo que conseguia pensar era em como fiquei feliz ao acordar e ver o rosto de perto do meu, a expressão plácida e o toque macio da pele das suas costas nuas sob meus dedos. Fazia muito tempo que eu não tinha um relacionamento daqueles e, quando ela acordou e me disse um “bom dia” ainda bêbado de sono, senti vontade de abraçá-la e pedir para que não fosse embora.
Mas sabia que tinha que ir. Aproveitamos o café da manhã na minha varanda com ela aninhada nos meus braços, permanecemos lado a lado no aeroporto até chegar a hora dela de ir. Nova York precisava dela, a Orquestra precisava dela... E eu também.

Depois de tudo que ela enfrentara para alcançar seus sonhos, eu não tinha o direito de pedir para que ela ficasse.

- Bom... Não pensa que você vai se livrar tão fácil de mim. Eu volto assim que conseguir. – comentou, parando em frente ao portão de embarque para nos despedirmos. – Agora tenho um bom motivo para voltar.
- Eu vou te esperar. – Sorri para ela e entreguei a mochila que fiquei segurando até que concluísse seus afazeres. – E, apesar de não poder fazer perguntas, vou ficar de olho e dar continuidade no seu caso. Se qualquer coisa acontecer com você, quero que me ligue imediatamente. Eu saio de onde estiver para ir atrás de você, entendido?
- Sim, senhor. – Ela respondeu com um pequeno sorriso nos lábios, fazendo-me rir também. Era óbvio que estava se referindo à noite anterior. – Sabe... Eu fico feliz que você está inquieto e não vai aceitar isso tudo de boca calada.
- Bom... Eu tive uma ótima professora que me ensinou que nem sempre as coisas são obrigadas a ser da maneira que nos dizem que têm que ser. – Pisquei para ela, fazendo corar mais uma vez.
Como na noite do luau, segurei o queixo dela e dei um último beijo naquela mulher maravilhosa que me dera novas perspectivas na vida. chegara como um furacão e mudara tudo que eu achava que era verdade. E, sinceramente, eu seria eternamente grato a ela por fazer aquilo comigo. não foi a pessoa que eu queria, mas sim a pessoa que eu precisava.
- É melhor a gente parar de se beijar... – Ela comentou enquanto se separava de mim. – Ou eu não vou embora.
- Não me fala uma coisa dessas que daí eu não paro de te beijar nunca mais. – Respondi imediatamente fazendo-a rir.
jogou a mochila em um ombro e tinha um sorriso nos olhos que já estava me dando saudades.
- Até, .
- Até, .
Dizendo isso, ela se virou de costas, os dizeres da jaqueta que ela usava no primeiro dia em que a vi se distanciando gradualmente de mim. Em momento algum olhou para trás e eu não podia esperar nada além daquilo.
Não permaneci no aeroporto para vê-la ir embora. Fiquei do lado de fora, nos arredores, observando o mar à distância e envolto pelas árvores de folhas verdes e flores cor de rosa. De repente, senti algo diferente em meu coração e comecei a observar a pista de pouso do aeroporto – o barulho típico de rodas correndo pela pista para sair da ilha.
E, enquanto eu observava o avião de alçando voo pelo céu azul cristalino do Hawaii, somente consegui suspirar, dando um pequeno sorriso logo em seguida.
- Até a próxima, minha pequena baepsae.





Fim



Nota da autora:Baepsae é a minha música e eu tinha que fazer uma história digna dela.
Hahahaha espero que tenham gostado! Quis mudar um pouco e fazer uma temática bem diferente! Como amo a Marinha, o Hawaii e Música, juntei o útil ao agradável e saiu essa fic! E não me matem com o final, por favor, juro que vai ter segunda parte. Tenho até o plot definido, inclusive.
Estou contente com o resultado! Como sempre, eu precisava de mais páginas para terminar tudo, mas acho que ficou bom assim – ou ficaria muuuuito arrastado.
Ah, e um adendo de cultura inútil: ela não o chama de cisne branco para zoar. O Hino da Marinha Brasileira começa com a frase “qual cisne branco em noite de lua, vai deslizando num lago azul, o meu navio também flutua, nos verdes mares de Norte a Sul”. Como eu sei disso? Minha mãe cantava pra mim às vezes e eu achava a letra muito bonita, então acabei guardando.
Mas é isso! Fiquem à vontade para comentar! Peço para que esperem a continuação com muito carinho, porque, eventualmente, ela vai aparecer! Com muitos cisnes brancos ^^
Até a próxima!
XX
PS: Ah, e segue meu grupo no facebook pra que vocês fiquem de olho nos meus próximos projetos – tenho mais alguns ficstapes para entregar e sempre atualizo por lá! Tem espaço pra todo mundo, sempre procuro conversar bastante com o pessoal que faz parte e realmente vou ficar feliz de vê-los por lá: https://www.facebook.com/groups/558784227519925/?ref=bookmarks.
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Não gosto de falar essas coisas, mas como já tive problemas antes, acho bom deixar avisado. Nem tudo que tá na internet é do mundo, minha gente. Quer postar em outro site? Fala comigo! Eu não mordo! Hahaha a gente vê de me dar o crédito e linkar para o original aqui no FFObs! Só me mandar um e-mail ou pedir aí nos comentários!




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