Capítulo Único
Ao mesmo tempo em que existem momentos para revelações de palavras não ditas, não existem momentos para contar-se a verdade. Essa história é sobre a verdade não sendo dito por um fingido aguardo de momento.
O momento é agora.
Não cometa os mesmos erros de outros.
Fale.
Junho de 2014
— Você acha que agindo assim vai chegar a algum lugar?
A voz cochichada vinha de null, que estava sentada ao seu lado na comprida mesa do restaurante. Um pouco confuso, null virou-se em sua direção.
— Do que está falando?
A menina fez um gesto com a cabeça, apontando para a aniversariante, completamente alheia à conversa que se estendia onde null e null estavam sentados.
— Você gosta dela. Sabe que gosta, todos sabem que gosta. — null respondeu, o tom sutilmente irritado. — Inferno, até ela sabe, só finge que não para as coisas não ficarem estranhas entre os dois.
null deu de ombros. A frequência com que entravam naquele assunto com ele era absurda, mas, de fato, não havia muito o que se fazer. Ele nunca estendia a conversa e preferia manter para si mesmo seus pensamentos pessimistas.
— Vocês têm que parar de insistir nisso. Já disse para null que não quero falar. — Incomum para sua idade e circunstância, há muito null tinha parado de negar a verdade por trás das palavras de null e null. Depois de tantos meses, não fazia mais sentido para que veementemente dissesse que as duas estavam vendo coisas ou inventando.
null deu uma bufada e retornou à atenção ao que null, a aniversariante, falava no meio da mesa. O que murmurou para si mesma a seguir não tinha a intenção de sair de seus pensamentos ou ser escutado por null.
— Um dia essa merda vai explodir na sua cara e você vai se arrepender.
Janeiro de 2014
Foi no dia 1º de janeiro que null percebeu que tinha sido enganado por si mesmo. Mais especificamente, quando todos os relógios bateram meia noite, o menino percebeu que, infelizmente, estava sendo iludido.
Pelo próprio.
Por sua cabeça.
Faltavam alguns minutos para o fim de dezembro de 2013, e null tinha reunido alguns poucos amigos para celebrar o Ano Novo com ela. O apartamento estava vazio, já que a mãe de null generosamente escolheu passar a festividade na casa de uma amiga. Além de null e null, mais um amigo dos quatro, null, estava comemorando com eles. null queria ter convidado mais pessoas, mas seu apartamento não era muito grande e havia poucos lugares para dormir.
— Nós vamos ter champanhe? — null perguntou, um pouco travessa, observando a disposição que null havia feito em cima da mesa com copos típicos para se tomar a bebida.
— Infelizmente, mamãe nos proibiu, inclusive escondeu, qualquer outra coisa, mas teremos champanhe, sim. — Ao dizer isso, null foi em direção à cozinha buscar o dito cujo.
null estava sentado no sofá da sala, alheio à revelação que teria em alguns instantes. Enquanto isso, null preocupava-se, de maneira um pouco excessiva, com a súbita falta de disposição de null.
— Já disse que estou bem! — a menina protestava, incomodada com a demonstração de afeto de null. Ele normalmente era reservado, quieto, mas um ótimo observador. É claro que fora o primeiro a perceber que null estava tonta.
— Não, não está. Você precisa ficar ainda um pouco deitada e tomar grandes goles de água.
A discussão dos dois estendeu-se por algum tempo, e a audição de null ficou quase muda para eles. O menino, ao contrário de null, podia ver que o que quer que null tivesse tido, já estava bem melhor que antes.
null ajudou null a servir o champanhe nos copos e, depois, levá-los para os amigos na sala. null, após alguma reclamação, devidamente ignorada, de null, levantou-se e pegou seu copo. null fez o mesmo, assim como um resoluto null.
A televisão avisava que faltava um minuto.
— Espero que vocês não inventem nenhuma gracinha de beijo de Ano Novo. — De forma abrupta, null sentou-se no sofá. Todos se entreolharam, como se questionassem de onde aquilo havia surgido.
null, entretanto, pôde perceber que null estava um pouco mais nervoso do que o normal e acreditou que compreendeu o que a fala da amiga quis passar: estou te vendo aproximando-se dela. Obviamente, havia um número maior de meninas do que de meninos – pela matemática, a não ser que acontecesse um beijo triplo, alguém ficaria de fora. E null tinha uma impressão de que seria ele.
As palavras de null, a menos de trinta segundos de 2014, poderiam ter sido melhor calculadas.
— Qual a graça do Ano Novo sem uma bitoquinha, então, null? — Subconscientemente, a menina olhou de forma sutil para o seu lado, na direção de null.
A tensão da sala pareceu crescer progressivamente quando os quatro amigos encararam o menino perto de null virar todo o seu copo de champanhe em sua boca e pousá-lo em uma mesa de descanso perto dos cinco.
— O que diabos… — null conseguiu murmurar antes de a contagem regressiva dos dez segundos aparecer na televisão e, simultaneamente, null agarrar a cintura de null como se dependesse daquilo para continuar respirando.
null sorriu, enigmática, dando um gole em seu champanhe, e a contagem começou ao som do líquido dentro do copo de null derramando no chão quando esta passou uma das mãos pelo pescoço do garoto.
Dez.
— Eu não acredito no que eu estou vendo. — A anfitriã ainda parecia não ter processado aquela cena.
— Nem eu. — null podia sentir seus olhos arregalados.
Nove.
— Eles só precisavam de um empurrãozinho. — falou null, soando como uma maestra.
Uma das mãos de null foi em direção a partes inferiores da colega.
— Acho que eles também precisam de um quarto. — a voz de null surpreendeu null, que não tinha percebido que ela havia se deslocado para mais perto dele.
Oito.
null observou enquanto o rosto de null abria-se em um sorriso, um brilho chegando em seus olhos. Por algum motivo, tinha a impressão de que sabia o que ela iria dizer a seguir.
— Que bom que temos dois nessa casa.
Definitivamente não era isso que ele tinha imaginado. No entanto, o garoto pensava que a amiga tinha dado uma conotação diferente daquela que foi processada por sua cabeça.
Sete.
Ela está sugerindo que mais outras duas pessoas podem se pegar esta noite?
E se ela estivesse?
Não, ela estava dizendo que era bom existir um quarto de sobra para que dois pudessem dormir sozinhos e os outros três ficassem confortáveis mesmo assim.
Mas e se ela estivesse?
Seis.
— null, você está bem? — null olhou presunçoso para ele do sofá, e ele quase acreditou que ela estava conseguindo ver para onde seus pensamentos estavam encaminhando-o.
E se eu beijasse null?
— Sim.
Cinco.
A amiga abriu um sorriso zombeteiro, e ele teve a certeza de que ela sabia muito bem o rumo que, sem querer, sua cabeça tinha analisado a frase de null. null também era uma boa observadora e, levando em conta os dois corpos se fundindo a poucos centímetros dos três, sabia como usar sua habilidade muito bem.
E se null me beijasse?
Quatro.
Foi ali.
Bem ali.
— null, vamos nos sentar, eu não consigo continuar olhando para esses dois.
Estava claro que eles não iriam comemorar da forma mais tradicional, todos em pé e eufóricos, depois do baque de quinze segundos atrás causado por null e null, então só fazia sentido sentar. null pegou na sua mão livre para levá-lo até o sofá em que null, que continuava olhando para ele como uma telepata, estava sentada.
E se eu aproveitasse estar segurando mesmo que minimamente a sua mão e a puxasse agora pela cintura?
E se?
Três.
null largou a sua mão ao se sentar no meio, com null na sua direita e null, um pouco aturdido, na sua esquerda.
— Acho que terei que beijar você, null. — null comentou, brincalhona. — A menos que null não se incomode com mais um pouco de casal hétero em 2014.
Se já não tivesse sido no quatro, fora no três.
Dois.
— Eu prefiro meu champanhe mesmo, amiga. — a menina disse, dando mais um gole e discretamente lançando um olhar com todos os significados necessários para null. Depois, virou-se para observar os segundos finais dispostos na tela da televisão.
Faltavam apenas dois segundos, porém pareceu uma eternidade quando null olhou bem fundo em seus olhos, quase o desafiando a fazer o que ele sequer tinha percebido que queria até aquele momento, bem ali. null não compreendeu o que havia acontecido em um espaço tão pequeno de tempo somado com apenas uma junção de palavras soltas. Desde quando ele estava pensando em null de outra maneira?
— O que me diz, lindinho?
Um.
Não. Não fora o segundo quatro, muito menos o segundo três. Foi o lindinho, tão típico da menina, que usava com um tom de provocação que ele adorava. Sempre que ela falava elogios no diminutivo, algo dentro dele acendia-se, e era impossível que ele não abrisse um sorriso de lado e deixasse seus olhos se guiarem para a boca que os havia dito.
Antes, talvez, ou até obviamente, ele não houvesse prestado atenção naquele detalhe – em como seus olhos eram levados para os lábios de null sempre que ela o provocava de alguma forma. Naquele momento, no badalar da meia noite, com a pergunta da menina entre os dois, null se deu conta de todas as vezes que tivera a mesma reação com sentenças parecidas, com ela instigando-o por algum motivo.
E foi ali que ele soube que sua cabeça o havia enganado esse tempo todo.
Você não é só o amigo que ri com ela, gosta de ver seu sorriso e pensa nela, não é?
Alguma vez você foi?
Zero.
Ainda olhando para null, null deu um gole em seu champanhe, sentindo um gosto levemente amargo descendo por sua garganta. Naquele momento, aquele pequeno gole motivou-o a aceitar o desafio da amiga.
A mão livre buscou a parte lateral do pescoço de null, aproximando vagarosamente sua boca da dela. Antes de fechar os olhos, ele pôde ver null fechando os seus, seus lábios em algum tipo de espera, e imediatamente ele percebeu que aquilo estava certo. Era aquilo que ele tinha que ter feito durante todo aquele tempo. Então, com um último puxão, os dois estavam se beijando, de maneira sutil, null sentindo seu corpo parecer acordar com só aquele toque.
Só um toque.
E a nuca de null saiu de sua mão, assim como sua boca, seu calor e toda a explosão que havia se iniciado dentro dele.
— Feliz Ano Novo, null.
null engoliu toda a sua frustração, quebra de expectativa e vergonha naqueles milésimos de segundos e sorriu.
Março de 2014
A risada de null ecoava como uma melodia por aquela rua do Centro, não conseguindo sobressair o volume dos diversos bares ao redor dos dois, mas, ainda assim, marcando sua presença.
— Ela vai aparecer, meu amor.
— Eu sei que ela vai! — null olhou para a amiga com uma pontada de irritação. — Não é isso que eu estou falando, garota.
— Ah, não? — null levantou uma sobrancelha. — Acho que me perdi no meio do “somos só amigos coloridos” e “estou desesperadamente apaixonado por ela e não quero estragar tudo”.
O menino encarou-a como se cogitasse maneiras de assassiná-la a céu aberto sem que alguém percebesse.
— Você é muito inconveniente, sabia disso?
Ao longe, null conseguiu ver um amigo deles, null, saindo de um dos carros da rua movimentada e automaticamente procurando alguém. A menina levantou a mão em sua direção, tentando entrar no seu campo de visão.
— O que eu tenho de inconveniência tenho de razão. — ela disse, sem olhar para null.
— Então por que é que você, senhora da razão, não admite que ele é um bobo achando que tem alguma chance com você? — o amigo falou em seu ouvido, acusando-a de algo que ela não pôde especificamente nomear.
Era ressentimento por seus próprios sentimentos não correspondidos, é claro. Quer dizer, null, de fato, poderia estar desenvolvendo ou já ter algum tipo de afeto pelo menino, mas era bem óbvio quem estava mais interessado nesse departamento no relacionamento dos dois. A menina havia expressado bem claramente desde o início seu interesse por null: amizade com benefícios, apenas.
null percebeu o momento em que null reconheceu os dois em meio à multidão e virou-se para null.
— Já disse e vou repetir: foi um selinho, ele não está interessado, nunca esteve. Foi uma brincadeira. — A mudança abrupta de sua risada para seu tom de voz sério fez null questionar por quanto mais tempo ela iria aguentar ouvir aquele assunto sem ter um acesso de raiva.
null mudou sua fisionomia para olhar para null aproximando-se. Assim que a viu encarando-o, o menino deu um pequeno sorriso, que logo foi retribuído por null. De repente, sem nenhum motivo, null tropeçou e teve que fazer uma espécie de malabarismo para não cair.
null rolou os olhos para a cena. Tropeçando ao ver o sorriso de null? Parecia o início de uma história ruim. Teria como null ser mais óbvio?
Aparentemente não, já que null riu do desembaraço do garoto e, em vez de apontar o que estava claro, seu comentário foi:
— Ele está muito estabanado ultimamente.
Às vezes null tinha vontade de gritar.
— Realmente, estabanado... — foi o que o amigo conseguiu dizer sem revelar muito de sua irritação. — Muito estabanado.
Se null achou estranho o tom de voz de null, nada disse. Poucos segundos depois null alcançou os dois.
— Oi, gente. — O uso de “gente” foi um tanto desnecessário quando por nenhum segundo ele desviou seu olhar do de null. — Estou atrasado?
Claro que, mais uma vez, a menina pareceu alheia àquele pequeno detalhe.
— Não, null. — null falou de uma maneira um pouco bruta. Limpou a garganta e tentou de novo. — Na verdade, as outras ainda não chegaram.
O garoto à sua frente franziu o cenho, parecendo um pouco pensativo, como se só naquele momento houvesse notado a ausência das duas.
Não que isso não quisesse dizer que elas não poderiam estar procurando um bar com o litro mais barato e, por isso, não estivessem parado com null e null quando null chegou, porém parecia que, na visão de null, todas as ações de null eram realizados em prol de sua paixonite.
— Não chegaram? Da última vez que eu falei com elas, e isso já tem um tempo, null me disse que já tinham pedido o táxi por telefone.
Isso fez null tirar sua cabeça do quanto o menino parado estava irritando-o.
— null não mente sobre o quanto estão prontas ou atrasadas. — comentou, sentindo seu coração repentinamente batendo mais rápido. — Será que aconteceu alguma coisa?
null fez um gesto com a mão, desconsiderando a ideia.
— Não precisa ficar paranoico, deve ser algo bobo. Elas já vão chegar.
Entretanto, os minutos passaram-se, um silêncio que às vezes era substituído por um comentário sobre as pessoas ao redor, e nenhum sinal das duas amigas. null discretamente mandou mais uma mensagem pelo Facebook para null, e o aplicativo indicou que a menina nem havia recebido.
null definitivamente não deixava seu 3G desligado, por mais ruim que este fosse.
Àquela altura, null não estava tão segura quanto à sua afirmação de alguns minutos passados. Era realmente estranho que não tivessem sequer telefonado explicando o motivo do atraso, e apenas null estava com um celular, ainda por cima incomunicável, já que o aparelho de null dera defeito do dia anterior e ela ainda não tinha resolvido o problema.
— null, tem certeza de que a null disse, com essas palavras exatas, “pedimos já um táxi”? — questionou null, olhando de soslaio para a amiga e não se importando com o fato de estar soando paranoico ou não.
O garoto assentiu com a cabeça, cruzando os braços em seguida por conta de um tufo de vento que, do absoluto nada, surgira. Estavam os três ainda a céu aberto, e, por mais que o Rio de Janeiro fosse uma cidade suspeita de um inverno verdadeiro, à noite, os ventos eram curtos, mas bem frios. Os dois outros amigos repetiram o gesto e, sem nada dizer, começaram a encostar-se mais às paredes dos edifícios na rua, que estavam preenchidos com barulhos de copos e conversas das mais variadas.
Virando-se para um dos barzinhos, null pensou que seria uma boa ideia sentarem-se próximos ao local de encontro, porque já estava cansada de esperar por aquelas duas em pé.
— Gente, vamos sentar naquela mesa ali vazia. Elas vão conseguir nos ver ali.
Enquanto fazia seu caminho para a mesa, a garota notou um grupo próximo ao seu em idade, composto por três meninos e duas moças. No entanto, o que captou sua atenção não foi os cinco como um todo, mas sim especificamente uma das moças, com um cabelo curto preto e um rosto bem bonito. E ela estava olhando também para null.
A moça abriu um pequeno sorriso, e null acompanhou-a.
— !
null não estava tendo uma das suas melhores semanas.
Para começar, uma das suas professoras na faculdade parecia sentir prazer com o desespero dos calouros, os quais uma vez carinhosamente denominara “carne fresca”, e havia passado um ensaio não de duas, não de quatro, mas de sete páginas sobre as implicações dos ensinamentos de Emmanuel Kant para os filósofos que vieram depois dele.
Ela nem sabia nomear os filósofos que vieram depois de Emmanuel Kant, que dirá saber o que falavam depois da morte do dito cujo.
Depois – e null achava que tinha algo a ver com uma espécie de praga da professora citada anteriormente –, enquanto aguardava, como uma estudante digna de méritos, o bandejão abrir, apesar de já terem passado mais de meia hora desde a sua hora correta de abertura, um indivíduo esbarrou da forma mais violenta em seu ombro e fez com que ela deixasse seu celular cair no chão, espatifando a tela de um jeito tecnologicamente impossível, mas claro que aconteceu.
Adiantou berrar e, com sangue nos olhos, sair da fila do bandejão e ir atrás daquele pedaço de imbecilidade que tinha causado isso? Não, porque, assim que o fez, o lugar abriu, e null se encontrou no final da fila, com um celular espatifado e uma pressão sanguínea acima da média.
Agora, estava a garota mais uma vez possessa de raiva e prestes a esmurrar a cara de alguém, talvez para compensar não ter feito isso com aquele-que-não-deve-ser-nomeado, isto é, o inútil que esbarrara nela no dia anterior e depois covardemente fugira de suas garras. Contudo, desta vez, sua raiva estava direcionada para o projeto de desengonçada que era uma das suas melhores amigas null.
— Como você fez isso?! — ela exigiu saber para seu próprio bem-estar, esperando que a amiga tivesse uma desculpa decente, e não a que, pelo jeito, null diria.
— É que… — null balbuciou. — É…
Era possível, com certo grau de habilidade, dar um soco em alguém sem, de fato, produzir algum hematoma?
— Eu estava jogando Candy Crush… — ela tentou mais uma vez. — E aí apareceu uma… notificação…
— E aí você não conseguiu segurar o seu celular decentemente e agora ele está encharcado com o seu mijo, não é mesmo, criatura?
null segurou a amiga pelos ombros, controlando-se para não descobrir se tinha certo grau de habilidade para testar uma teoria.
— O que a gente faz com o taxista ali embaixo? — null perguntou baixo, não querendo enfurecer ainda mais a sua já estressada amiga, mas tendo que fazer a pergunta de qualquer forma.
A outra menina colocou os dedos nas têmporas e apertou-as na tentativa de controlar sua dor de cabeça.
— Eu vou falar para ele dar uma volta pelo quarteirão e aparecer daqui a dez minutos quando, eu espero, nós voltemos a estar prontas.
Elas não estavam prontas dez minutos depois.
— Não dá para você ter favoritos, null. — null afirmou enfaticamente.
— Eu sei que é burrice e eu não deveria, mas é só uma personagem, poxa. — a garota falou, manhosa, fazendo um beicinho. — Eles não teriam coragem de matar a Shireen.
null soltou uma risada fraca.
— Não sei quanto à visão do Martin nos livros, mas os produtores podem fazer o que eles quiserem mesmo. Daqui a umas temporadas não vão ter mais livros para seguir.
A 4ª temporada de Game Of Thrones iria ao ar em um mês, e todos reuniriam-se na casa de null, assim como acontecera no Ano Novo, para assistir a transmissão ao vivo da HBO. Sabendo da natureza imprevisível do seriado, os cinco tinham entrado em um acordo de não ter favoritos.
Na prática, isso era um tanto impossível.
E null sabia que estava cometendo um risco ao ter um afeto profundo por Shireen Baratheon, mas o que ela poderia fazer?
— Acho que depois de tudo o que já aconteceu em Westeros, é seguro dizer que nem mesmo a Shireen está a salvo, null. — isto não fora proferido por null ou null, mas por Teresa, a menina de cabelos curtos e pretos, que saíra de sua mesa para se unir aos três.
Para dizer o mínimo, null estava incomodado com a forma com que Teresa olhava para a amiga. Sempre que a menina abria a boca, ele movia-se desconfortavelmente na cadeira.
Pelo menos era o que null estava notando do seu lado da mesa.
— Você deveria ouvir o que a Teresa diz, linda. Ela parece ser mais esperta do que você. — null comentou em um tom um tanto amargo, parecendo não ter avaliado bem sua dose de sarcasmo antes de falar. Ninguém parecia ter notado muito bem, para sua sorte.
— Obrigada, null. — Teresa sorriu para o menino, logo retornando sua atenção para a garota à sua frente. — Está vendo, null? Seus amigos têm bom senso.
Ao contrário do deplorável null, que só parecia conseguir sentir o cheiro do problema, null sabia bem o que estava desenrolando-se naquela mesa de bar, os quatro segurando seus singelos copos de cerveja falando sobre GOT. Ele conhecia null tempo o suficiente para identificar quando a amiga estava sendo puramente simpática e quando estava flertando com alguém. E aquele meio sorriso não estava a favor do apaixonadinho null.
— Deve ser por isso que os mantenho perto. — respondeu a amiga, continuando com aquele fantasma de um sorriso. Apoiando-se sobre a mesa, ela inclinou seu corpo em direção ao de Teresa. — Eles me impedem de fazer besteira.
Ah, não. Se até o próprio null sabia como responder aquela frase, Teresa não parecia ser mais tapada do que ele para perder a insinuação.
E ele não ia ficar de ombro amigo para um null chorando bêbado.
— Eu gostaria de te ver fazendo bes…
— AMÉM! — null exaltou-se tão rápido para interromper algo que não queria que acontecesse que quase deixou a sua cadeira se estatelar no chão ao se levantar.
— !
null não estava tendo um dos seus melhores dias.
Perdão, acredito que eu havia usado essa mesma configuração antes, não é?
Bem, de qualquer forma, o dia de null não estava sendo muito bom mesmo.
Ultimamente ela estava tendo dúvidas com relação ao que ela queria de null. Era óbvio que adorava beijá-lo, senti-lo perto de si e também o jeito com que ele a fazia se sentir. Ele era extremamente atencioso e sempre perguntava para ela se tudo bem, se podia tocá-la onde estava tocando, se ela estava se sentindo confortável. Nunca fazia nada que ela não queria fazer. No mínimo, um ser humano decente.
E ela ainda podia beijar outras bocas, assim como ele, claro, porque tinha discutido com ele que eram apenas amigos com benefícios, nada mais do que isso. A ideia de um relacionamento assustava-a mais do que tudo, sendo aquela figura independente que era, mesmo que não necessariamente estar em algo sério significasse perder independência.
null gostava de não ter amarras, em resumo.
Entretanto, depois daqueles dois meses que se passaram desde que null finalmente agira, mais especificamente depois de certa festa na semana passada, ela já não tinha tanta certeza se tinha interesse em beijar bocas que não eram a de null.
Poderia ser possível, mas ela não devia ter gritado o nome de null por isso, certo? De volta aos acontecimentos.
O dia de null não estava sendo um dos melhores porque cinco minutos depois do suicídio de seu querido celular em uma poça de seus próprios fluidos, null tinha, de forma surpreendentemente bem-sucedida, derramado todo o conteúdo de seu copo de suco de uva no seu short branco.
A menos que ela estivesse confortável em parecer que fazia xixi roxo, talvez fosse uma boa ideia null trocar de roupa.
— Meu Deus, null! — null praticamente gritou, ainda em choque com sua própria falta de equilíbrio. — Me desculpa!
Após passar alguns instantes em uma espécie de transe, parecendo não querer acreditar no suco de uva no short mais branco que neve – ou talvez ele só parecesse mais branco em contraste com a uva? –, null prontificou-se a procurar outra roupa para as duas conseguirem sair de casa.
Enquanto ela fazia isso em seu quarto, as duas agradecendo mentalmente por terem escolhido a casa de null, e não a de null, para se arrumarem, a que ainda tinha sua roupa intacta depositou de forma cuidadosa o copo na pia. Depois, foi correndo ajudar a amiga.
— Você não podia pegar um short jeans e só trocar? — null deu o palpite, olhando para as costas de uma null pensativa em frente ao seu armário.
Em vez de responder, a menina tirou o short mais roxo com branco do que branco com roxo e jogou-o nos braços de null.
— Vai ficar manchado! Tenta tirar o máximo que você conseguir do suco, tem Vanish no armário do lado do tanque.
Vinte minutos e um taxista aborrecido indo embora depois, null e null encontravam-se com um short branco praticamente salvo, uma roupa nova e mais atrasadas do que já estiveram antes na vida.
Correram para fora da casa de null e, praticamente se jogando na frente dos carros, tentaram chamar um táxi aleatório na rua mesmo. Não havia mais tempo para pedir outro por uma companhia. Após algumas tentativas mal sucedidas, as duas estavam, finalmente, encaminhando-se para o Centro do Rio de Janeiro, mais especificamente a rua que os cinco amigos sabiam que encontrariam um litrão mais barato do que em qualquer outro lugar.
Parecia que tudo aquilo havia demorado horas e, as duas meninas achavam, seus amigos deveriam estar planejando suas mortes pelo atraso. Entretanto, ambas sabiam que eles iriam perdoá-las assim que elas explicassem o que tinha acontecido.
— Até porque não queremos ninguém irritado a ponto de não dar beijinhos. — null falou com uma fingida inocência, olhando para null com um sorrisinho.
A garota revirou os olhos.
— Como se a minha vida dependesse de null me dando beijos ou não.
null arqueou uma sobrancelha para a amiga, uma expressão de incredulidade apoderando suas feições.
— Ah, é? Então se null não te cumprimentasse com um selinho, você nem ia se importar?
Quando estavam saindo em grupo, e também considerando as vezes que tinham saído juntos sozinhos, era bem comum null e null darem um breve selinho, quase de brincadeira, ao falarem um com outro pela primeira vez. Estava tornando-se tão habitual que null nem colocava muito pensamento na ação, mas a ideia daquilo não acontecer por uma irritação por atraso realmente não parecia boa para null.
Isso queria dizer que a garota gostava de, mesmo que minimamente, agir como um casal com null?
Ela certamente não iria refletir sobre aquilo naquele momento.
— Ele não faria isso. — foi a resposta de null após alguns segundos de silêncio.
null soltou um suspiro alto e virou-se para encarar a amiga nos olhos, levemente segurando uma das suas mãos.
— null, eu sei. — ela disse, voltando com aquele sorrisinho que estava incomodando a amiga. — Você acha mesmo que agindo assim vai chegar a algum lugar?
Claro que null podia fingir que não sabia do que a garota estava falando, porém ela tinha a impressão de que sabia bem. Não sabia como, e muito menos queria tomar conhecimento da forma com que ela conseguira aquela informação, mas pensava que null estava falando sobre a infame festa da semana passada.
— Não é só porque eu disse que ele era meu namorado para me livrar de um embuste que isso quer dizer que estou querendo algo a mais com ele, null.
— Não, claro que não. — a menina concordou. — A coisa é que você nunca tinha feito isso antes, não é? Você sempre se livrou dos embustes sendo forte com o seu “não”, sem usar null como desculpa. Você sequer chegou a hesitar, amiga? — null conseguiu sentir a si mesma ficando nervosa com aquela leitura de null. — O que mudou, meu amor?
null também sabia que fazia algumas semanas que a amiga não beijava mais ninguém em nenhuma festa que fosse, assim como null. As peças encaixavam-se, e tudo estava se tornando muito óbvio. Bastava null admitir para si a realidade dos fatos e finalmente contar para null.
— Nada mudou. — null respondeu, olhando bem sério para ela.
— Mesmo? — null esperava que sua segunda interferência no relacionamento dos dois fosse tão exitosa quanto a primeira. — Se você visse null pegando alguém, não ficaria minimamente sentida? — ela fez uma pausa e continuou sem esperar uma resposta de null. — Não existem momentos para a verdade ser dita, querida. Se você esperar muito para um “momento certo”, vai acabar perdendo muitas chances que não precisavam ser perdidas.
null estava certa, claro. Quando null não estava certa? De alguma forma, dentro daquele corpinho de dezoito anos, uma sabedoria espreitava-se, apenas saindo nos momentos em que realmente era necessária. Às vezes null ficava assustada com a sagacidade da amiga.
— Ok… Acredito que algo possa ter mudado, sim, mas não quero falar sobre isso.
Uma resposta evasiva bastante típica de null. null parecia prestes a responder com algo inteligente quando o carro em que as duas estavam subitamente freou, pegando-as de surpresa.
Revoltado, o taxista apertou fundo na buzina, o que não ajudou muito a melhorar a situação. Havia um mar de carros na frente delas, o trânsito parando gradualmente. Parecia ter ocorrido alguma espécie de acidente.
— Ah, não… — balbuciou null, ecoando seus pensamentos.
— Espero que vocês não se importem em demorar um pouco acima do esperado, meninas. — falou o motorista. — Não está totalmente parado, mas os carros estão andando bem devagar.
Porque é óbvio que havia um acidente no mesmo momento em que elas precisavam chegar o quanto antes no lugar marcado. null revirou seus olhos para o universo.
— Não nos importamos, pode ficar tranquilo. — null mentiu com uma voz doce, já que não era exatamente culpa de ninguém aquilo estar acontecendo.
Permaneceram alguns minutos calados todos os três ocupantes do carro. null achou que seria uma boa ideia retornar ao assunto null de uma maneira sutil.
— Já que você não quer falar sobre isso, então acho que estou liberadíssima para dar umas bitocas no nosso amigo, certo?
null lançou um olhar penetrante, quase mortífero, para cima dela.
— Você não sente atração por homens, null. — Dando de ombros, null abriu um largo sorriso.
— Sua sorte é que eu nasci para exaltar mulheres, e não machos. null estaria perdido na minha mão.
null estapeou de leve o ombro de null. Então, sem conseguir manter-se séria por mais tempo, soltou uma risada boba.
— O que é que eu faria sem você, lindona?
Para isso, null tinha uma resposta na ponta de sua língua.
— Não ia admitir que está desenvolvendo sentimentos por null e nem fazer algo a respeito, tenho certeza. — disse, convencida. — Eu sou aquela que bota bom senso na sua cabeça.
— Ridícula. — null murmurou, mas não tirou o sorriso do rosto.
Meia hora depois, eles finalmente passaram ao lado do que estava causando todo aquele engarrafamento. Na verdade, não houve acidente nenhum – um poste caíra em cima da pista, que se tornara pequena o suficiente para passar apenas um carro por vez. Poucos minutos se passaram e finalmente as duas chegaram onde deveriam estar há, pelo menos, uma hora.
null saiu na frente, sendo seguida por uma null estranhamente compenetrada. Se alguém olhasse para ela, talvez pudesse ver as engrenagens rodando em sua cabeça. Parecia que a menina estava refletindo sobre algo.
Não encontraram o grupo de amigos em pé, mas sim sentados em uma mesa de uns dos barzinhos da rua. Estavam com uma menina que nenhuma das duas conhecia e não perceberam que elas haviam chegado até null, com uma expressão de que queria sair daquela mesa o mais rápido possível, levantar-se bruscamente.
— AMÉM! — ouviram-no dizer, e null prontamente apertou o passo para abraçá-lo. null não demorou para fazer o mesmo.
Assim que null liberou-o de seu cumprimento, null parou em frente à sua amizade colorida, não parecendo estar irritado com a demora das duas. Aproximava-se para suavemente colocar a mão em uma das bochechas de null e dar-lhe o selinho que sempre davam, mas foi surpreendido com os dois braços da menina enrolando-se em seu pescoço e puxando-o. Aquele era o tipo de beijo que davam quando estavam sozinhos ou, pelo menos, em um ambiente mais propício, um pouco menos público. null não percebeu que tinha os olhos arregalados até null momentaneamente parar suas ações e, no ouvido dele, sussurrar:
— Me beija direito, seu bobo.
E foi o que ele fez.
— Nós perdemos alguma coisa? — null ouviu null dizer ao seu lado, ambos olhando atônitos para a cena que discorria na frente da mesa.
null puxou uma das cadeiras e sentou-se. Por algum motivo, aquela situação trouxe-lhe uma sensação de déjà-vu.
— Não muito. — a amiga respondeu, apesar de estar com um sorriso triunfante em seus lábios. — O celular da null cometeu suicídio no banheiro, eu derramei suco de uva no short branco que ela estava usando antes dessa roupa e um poste cometeu o segundo suicídio da noite, causando um engarrafamento bizarro para chegarmos até aqui.
Isso explicava o atraso das duas, certamente, mas não explicava nem um pouco por que null tinha acabado de agarrar null em uma rua qualquer do Centro da cidade quase dez horas da noite. E nem parecia que null queria esclarecer aquilo tão cedo.
— Oi. — a menina falou, virando-se para a desconhecida da mesa. — Eles estão um pouco espantados, então se esqueceram de nos apresentar. Meu nome é null.
A estranha sorriu, e tanto null quanto null concordaram silenciosamente que era um belo sorriso.
— Teresa. — a moça maneou com a cabeça, cumprimentando-a. — Se você é a null, presumo que aquela dali seja a null, certo?
Antes de terem iniciado o assunto “Game Of Thrones”, null tinha explicado para ela que estavam esperando mais duas amigas, essas amigas estranhamente não respondendo nenhuma das mensagens que eles haviam mandado. Teresa só não havia previsto que null fosse tão linda quanto null, e agora se encontrava em um impasse.
— Exatamente. — ela respondeu. — Mas acho que nossa querida null esteja um pouco ocupada agora para se apresentar, Teresa.
— Sem problemas. — A moça riu. — Acho que eu nem saberia o que fazer com mais uma garota bonita na mesa.
null e null entreolharam-se discretamente, e null sentiu que aquela noite seria muito, muito longa.
— O que foi isso? — null questionou, sem fôlego, depois que null decidiu parar com o beijo. Ele estava muito além de apenas uma confusão mental, praticamente tinha perdido seu eixo. Isso queria dizer alguma coisa, significava alguma coisa? null não queria iludir-se muito, muito menos elaborar coisas na sua cabeça para depois decepcionar-se e não poder culpar ninguém além de si mesmo.
— Eu preciso conversar com você. — A maneira séria com que null disse aquilo fez o coração de null pular uma batida. No entanto, antes de poder responder qualquer coisa, mais uma vez foi surpreendido pela amiga, que decidiu segurar a sua mão.
null não fazia aquilo com null, null e null juntos, tampouco na frente de uma total desconhecida e em volta de mais um bando de outros desconhecidos. Algo estava extremamente errado, e null esperava que fosse para o bem.
Ele apertou a mão de null sutilmente.
— Pode falar.
Ela não parecia querer se afastar do grupo, apesar de desejar algum tipo de privacidade, com certeza. null percebeu quando houve certo debate interno dentro de null quanto ao que iria fazer para resolver o problema, e então sua decisão.
A menina abraçou-o, daquele jeito fofo que ela fazia, tirou sua mão da dele e começou a falar bem perto do seu ouvido.
— Na semana passada eu fui para uma festa com meus colegas de curso, você sabe disso. — null assentiu. — Um garoto veio falar comigo, mas eu não estava nem um pouco a fim de beijar alguém. — Ela passou a língua pelos lábios, umedecendo-os, e o menino percebeu quando o coração dela começou a bater mais rápido. — Eu venho não querendo beijar mais ninguém além de você desde algum tempo, null.
O quê?
— O garoto chegou em mim e eu estava prestes a dizer “não”, literalmente na ponta da minha língua, mas, em vez disso, falei “eu tenho namorado”. — null sorriu fraco, a frase saindo mais baixa do que o resto que estava contando, e null sabia que não conseguiria esboçar qualquer reação até saber que ela havia terminado. — E é claro que concordamos em nada sério, nem exclusivo, eu sei disso, só que… — Ela precisava dizer, sabia que tinha que falar e que tinha que ser ali, naquele instante, naquele dia. Porque não havia momento certo para se dizer a verdade, e guardá-la não traria nada além de arrependimentos. — Só que eu quero mais. E quero saber se você também quer mais, null.
Ele nem sabia se conseguia falar algo depois da sinceridade das palavras de null, e o garoto, tão adepto de ações pensadas e repensadas, decidiu honrar a vez que seguira seu impulso e contara a sua verdade, porém não com palavras. A vez que bastou um olhar de null e um champanhe tomado em um gole só para fazer o que gostaria de ter feito há muito mais tempo. E o que fora mesmo que null havia dito quando ele revelara, em um quarto com a porta fechada, naquela mesma noite, que queria beijá-la há meses?
“Minha boca estava aqui, era só ter beijado, seu bobo”.
O eco das palavras de null infiltrou-se na sua mente e dominou-o. Sim, sabia o que tinha que fazer.
Abriu um sorriso travesso, saiu do aperto de null, sem exatamente sair de perto dela, e encarou-a diretamente em seus olhos.
— Achei muito válida a sua proposta, realmente. — Usou uma das mãos para pousar nas costas de null, puxando-a contra o seu corpo e provocando uma onda de calor em si mesmo com o movimento. A outra mão foi na direção de sua nuca. — Quando eu penso que voltei para uma zona de conforto, lá vem você e me puxa dela.
E beijou-a profundamente, bem ali, em uma rua qualquer do Centro da cidade, quase dez horas da noite. Sem explicações necessárias.
— Não é possível, eles estão se atracando de novo! — null falou para, essencialmente, ninguém, já que a conversa entre null, null e Teresa estava muito mais interessante do que qualquer coisa que ele pudesse adicionar.
— Você nunca tinha ouvido falar de RuPaul’s Drag Race? — perguntava uma descrente Teresa para null. — Nossa, e essa temporada que começou agora tem tudo para ser ainda melhor que a última. Eu adorei a Bianca Del Rio.
Ele também não sabia o que era RuPaul’s Drag Race – apesar de, pela forma com que null reagiu, parecia que agora ela sabia o que era –, e nem por isso achava necessário que alguém dissesse aquilo para ele e agarrasse na sua mão.
Respirações profundas, ele repetiu para si mesmo. Respirações profundas.
Você só está agindo assim porque queria ser você segurando a mão da null.
Durante toda a saída com os amigos, até mesmo antes de ele ter chegado, null tentou expulsar aqueles pensamentos não muito agradáveis. Ele sabia o que estava sentindo, sabia o que null, definitivamente, não estava sentindo e sabia que tentar mudar isso era dar um tiro em seu próprio pé. Não, null ia deixar aquele assunto para lá e enterrá-lo no mais profundo buraco de sua mente. null não precisava ter conhecimento dos sentimentos deles, muito menos ter que olhá-lo com pena ao falar um “me desculpa, null, mas não sinto o mesmo”. Seria melhor para todos que tudo continuasse como devia continuar.
Em uma pequena quantidade de tempo aquela tolice de estar gostando de null iria passar, e a menina não precisava saber de nada nem mudar a forma com que conversava com ele.
No entanto, e null tinha que admitir isso, era muito difícil vê-la flertar e beijar outras pessoas, pensando em como nunca seria ele. Nem com um milagre. Ele tentava agir normalmente, mas sabia que pessoas como null e null, sempre tão atentos, estavam prendendo a língua para não falar com ele sobre o assunto. null contava os dias até algum deles finalmente vir importuná-lo, já que, bem, sabia o que qualquer um dos dois iria dizer.
“Você tem que contar para ela”.
E ele tinha a sensatez de admitir que seria a última coisa que ia fazer. Não só isso, esperava que null não percebesse tão cedo. Ou sequer percebesse. Para sua sorte, às vezes ela era cega ao que estava bem na sua frente.
Para seu azar naquele momento, porém, null não estava nem um pouco cega às insinuações de Teresa. E, da onde ele estava, null também não.
Após o término da sessão de interação salivar entre eles, null e null sentaram-se na mesa. Algo havia acontecido, com certeza, porque null não estava escondendo muito bem o carinho que fazia na coxa do “amigo”. E null estava estranhamente quieto enquanto ela fazia aquilo. Teresa pausou a conversa que estava tendo para cumprimentar null, mas não demorou muito para retornar a ela. Com null e null necessitando de privacidade urgentemente e Teresa jogando verde em null e null, null não tinha muito o que fazer além de terminar copo atrás de copo de cerveja e permanecer em silêncio, com seus pensamentos de companhia.
Ele estava com seus quatro melhores amigos, mas nunca havia se sentido tão sozinho quanto estava se sentindo naquela noite.
Abril de 2014
Os cinco amigos iriam se reunir naquele dia na casa de null para uma partida de beer pong. Esperando por null, null e null preparavam os copos com as bebidas enquanto null discutia com null sobre algum assunto que null não compreendeu muito bem, apesar de achar algo a respeito dele familiar.
— Cara, não, a BenDeLaCreme é muito melhor que a Bianca. — null discordou. — A gente está assistindo o mesmo programa?
— Inclusive por estarmos assistindo o mesmo programa é que eu te pergunto: onde diabos você está vendo um talento melhor que Bianca Del Rio naquele lugar?
null soltou uma risada baixinho, mas não se intrometeu na discussão das duas. null olhou de relance para ela, não percebendo que estava imitando o seu sorriso.
— Vou falar duas palavras: Snatch Game. — null pontuou bem as palavras, e null pareceu ter ficado bastante incomodada com o que ela disse.
— Fofinha, não foi a Bianca que teve que dublar no episódio passado.
Aquilo parecia ser muito sério para as duas, porque null acabou por decidir intervir na conversa. Imediatamente ambas calaram-se, apesar de continuarem olhando feio uma para a cara da outra.
O interfone tocou no momento em que null enchia o último copo.
— Vai lá abrir a porta para o seu boy, null. — null comentou, ainda prestando atenção no que fazia. Feliz de sair de perto da criatura que estava insultando sua bebê BenDeLaCreme, null foi em direção à sala de null.
No bolso, null sentiu o celular vibrar, provavelmente com uma notificação de Elisa. A garota em questão tinha entrado junto com ele em seu curso e, por mais surpreendente que fosse, estavam criando uma amizade muito boa. Estivera prestes a contar para ela sobre null em determinado momento, inclusive. Não que quisesse chateá-la com aquele assunto.
— Olá! — null cumprimentou todos, entrando na varanda, um de seus braços segurando a cintura de null. Sussurrou algo no ouvido da menina, que soltou uma risada baixa, e afastou-se dela, indo em direção a null e null. — Precisam de ajuda?
null negou silenciosamente, colocando a garrafa que segurava em um lugar afastado deles, no chão. Então, de cima da mesa, na frente dos copos, pegou uma das bolinhas de pingue-pongue.
— Vamos começar essa palhaçada.
null estava sentada em cima dele.
Não, do seu lado.
Não, no seu colo mesmo.
Bem, uma das pernas da menina estava em sua coxa e a outra encontrava-se apoiada no sofá.
E uma das mãos dela estava em seus cabelos. Sim, disso ele tinha certeza.
— null… — saiu baixo, quase um sussurro, enquanto ele precisava forçar para sua cabeça transmitir um pensamento corretamente. Quando a garota respondeu com um murmúrio seguido de um carinho em sua nuca, null pensou que podia morrer ali. Bem ali. — Está viva?
Ela abriu os olhos suavemente e encarou-o, fazendo um impulso para se sentar completamente em seu colo.
— Muito viva, null.
O garoto engoliu a seco. Seu corpo possivelmente queria traí-lo naquele momento, porém seria mais forte. Ela só estava agindo daquele jeito porque perdera no beer pong, e depois no “eu nunca”, e depois no… Nem ele lembrava-se direito. O que sabia era que null estava bêbada, assim como ele.
— Bom… — null abriu um sorriso de canto, sem querer olhando para a boca dela, tão próxima da dele. — O que quer fazer?
null e null tinham sumido, porque claro que tinham. Estavam se agarrando no quarto de null, com certeza. E null tinha como intenção deixar os dois sozinhos, como dissera para null com todas as letras antes de ir embora alegando que não podia dormir ali. Maldita fosse.
O horário era 22h.
A menina agora se pendurava em seu pescoço e, por algum motivo que null não quis refletir sobre naquele instante, achou interessante responder no pé de seu ouvido, em uma voz sussurrada que provocou arrepios nele.
— Vamos mandar uma mensagem para a Elisa.
O quê?
Antes que ele pudesse reagir, null colocou a mão em seu bolso e, em um puxão, tirou o celular do amigo de lá. Depois, levantou-se completamente e começou a desbloquear a tela.
— null! — null conseguiu reclamar, tentando roubar o telefone de volta.
— Vamos ver… — Ela se esquivou das tentativas do garoto. — Ah! Achei.
Sem muitas escolhas, ele agarrou com os dois braços a cintura de null e puxou-a para o sofá. Perdendo o equilíbrio, ela caiu em cima dele, deixando o celular cair no chão.
Houve um breve momento de hesitação enquanto os dois se olhavam, ambos chocados com a ação do rapaz. null estava com os olhos arregalados e com as mãos no peito dele, ainda sem fazer qualquer tipo de força para empurrá-lo e poder se levantar de novo. Se já não estava ciente do corpo dela perto do seu, naquele momento null não podia sequer mais esconder sua respiração pesada.
Ele conseguia pegar em sua nuca e beijá-la. Podia colocar uma das mãos, já que tirara seus braços da cintura dela, em suas costas e beijá-la. Tinha a abertura e a aproximação para perguntar para ela se queria beijá-lo antes de ser impulsivo, e podia falar ali, justamente ali, o quanto estava enfeitiçado por ela.
E, apesar disso, null não disse nem fez nada.
Calmamente, null pegou o celular do chão, saiu do colo do amigo e sentou-se ao seu lado, estendendo o aparelho para ele.
— Manda mensagem para ela.
null segurou o celular, ainda sem estar totalmente recuperado do que acabara de ocorrer.
— Dizendo o quê, sua doida? — Isso, apelidos funcionavam. Apelidos não eram difíceis de dizer.
A menina deu de ombros, abrindo um pequeno sorriso.
— Eu só acho que você devia falar com ela. Pelo o que me disse, Elisa parece gostar de conversar com você.
Mas eu estou com você agora.
Claro que não ia falar aquilo, então seguiu o “conselho” de null e abriu a conversa com Elisa.
Julho de 2014
— Você vai lá falar com ela sim.
— null…
— Eu nem quero saber! Não tenta inventar desculpa para o meu lado, garoto. Ela gosta de você, e você dela. Qual é o grande problema?
Você.
Claro que é você. Como pode ser tão cega?
null não conseguia mais lidar com aquilo.
— Eu simplesmente não estou no clima, null. Tem como você me respeitar e deixar para lá, por favor?
Ele bem sabia que a partir do momento que alguém dizia que não se sentia confortável com algo ela parava de insistir no assunto. Não sem uma cara um pouco amarrada e braços cruzados, no entanto. De qualquer forma, já estava se arrependendo de ter chamado Elisa para sair com ele e os amigos. Queria que a menina conhecesse seus grandes amigos, é claro, mas se tivesse previsto que null ficaria enchendo seu saco para pedir para ficar com Elisa…
E por que ela estava fazendo aquilo, exatamente? Queria jogar na cara dele que não gostava dele, mas ainda queria vê-lo feliz beijando bocas? Será que poderia ser tão besta a ponto de não perceber o interesse de null nela há meses?
Ah, dane-se.
— Eu vou te dizer qual é o problema. — ele disse, abruptamente, mas capturando a atenção de null para si mais uma vez. Precisou falar um pouco mais alto por conta da música.
“Meus planos eram beijar outra pessoa essa noite”?
“Eu gosto de você desde o ano passado e quero saber se você sente algo”?
“O que eu tenho com a Elisa é só amizade, e, na verdade, quero ter algo a mais com você”?
“Não aguento mais não saber como é beijar a sua boca”?
Isso seria muito fácil, não é? Aposto que seria. Resolveria as coisas, até, e, veja bem, não era para nada ser resolvido.
— Qual é, então, null? Pode falar. — null falou, começando a se movimentar no ritmo da música que tocava, porém ainda séria. null sentiu as palmas de suas mãos suarem frio.
Ele não tinha a coragem, muito menos a capacidade, de iniciar a explicação do problema. Então, em vez disso, apenas começou a dançar, logo vendo os outros chegando com a bebida dos dois em mãos.
Elisa parecia estar se dando bem com todo mundo, e ele não podia estar mais contente, pelo menos por conta daquele aspecto específico da noite. null sabia que a garota seria um acréscimo muito bom para o grupo e, além disso, que null logo iria gostar dela por outros motivos.
A menos, é claro, que null cumprisse seu papel de pessoa chata e conseguisse convencê-lo a tentar algo com Elisa.
— Deixa… — comentou, fazendo um gesto com a cabeça para indicar os amigos que chegavam. — Olá, gente. Cadê minha bebida?
Notou que Elisa segurava duas long necks e logo estendeu uma para ele. Ele agradeceu silenciosamente e deu um gole um tanto mais demorado que o normal.
— Ow, vamos com calma, pessoa. — null disse, arregalando os olhos e tocando no ombro de null. — Não quero ter que carregar ninguém daqui hoje.
null deu uma risada fraca, sendo seguida por Elisa. null olhou para as duas com um pouco de irritação.
— Me deixem com a minha amada, fazendo o favor. — E abraçou a long neck. — Ela me entende como ninguém.
Duas long necks bebidas e um shot de tequila surpreendentemente caro depois, null estava se sentindo com uma determinação e coragem nunca antes vistas. De repente, a ideia de chegar em null parecia ser muito boa, e ele ignorava todas as pequenas vozes em sua cabeça dizendo o quanto aquilo não ia dar nada certo.
— Isso não vai dar certo.
Ãhn?
O menino virou-se em direção ao eco de sua própria consciência e deu de cara com um rosto conhecido, porém que não via há um bom tempo.
— Matthew?! — Talvez sua reação tenha sido um pouco exagerada pela inibição provocada pelas long necks e o shot. — Oi!
E foi direto para um abraço apertado, digno de reencontro entre dois familiares em meio a uma guerra. Matthew ficou desconcertado com aquilo, mas apenas pôde supor que null já tinha tomado sua dose da noite.
— É bom ver você também, null. — ele falou no ouvido do garoto. — Mas você sabe que se bastou um minuto para eu ver você observando null dançar e entender que você quer ir falar com ela com segundas intenções, sua cara não está muito escondida para o crush.
null sentiu-se subitamente congelado.
Então ele não estava ouvindo coisas, Matthew realmente conseguiu ler as vozes cochichando em seu ouvido.
— É… É que… — null tentou justificar.
Matthew saiu do aperto e abriu um sorriso de canto, olhando nos olhos do menino.
— Acho que muita coisa mudou depois que eu terminei com ele, não é?
Se Matthew conseguiu perceber as nuances das emoções de null em um minuto, demorou muito menos para ver null agarrado na cintura de null e dançando junto de seu corpo, beijando-a ocasionalmente.
null sentiu-se coçando sua própria nuca.
— Sim, bastante coisa mesmo.
Observou o ex-namorado de null olhando para a roda de amigos com uma expressão de melancolia. Em outra situação, talvez ele tivesse conversado coisas rasas com Matthew e nem ter chamado-o para interagir com o resto, considerando os sentimentos do menino com relação a null namorando null. No entanto, naquela situação, null estava se sentindo particularmente sem filtros.
— Vamos até eles, cara! — Começou a levar o garoto pela mão na direção da roda de amizades, ignorando solenemente as reclamações dele atrás de si. — Eles não se importam!
null, de alguma forma, foi o primeiro a notar a aproximação e quase voou para cima do pescoço de null, que vinha todo sorrisos.
— Matthew! — null exclamou, chamando atenção para a dupla dinâmica. null franziu o cenho e olhou na direção que null observava. Assim que entendeu, quis enfiar sua cabeça em um buraco, o que suspeitava ser a vontade de null também.
Não que Matthew e null tivessem terminado de forma ruim, longe disso. Só era… estranho, ainda mais sabendo que nem null, nem null, muito menos Elisa entenderiam muita coisa até algum deles explicar o que estava acontecendo.
— Oi. — o ex-namorado abriu um sorriso constrangido, parecendo ser o terceiro que gostaria de se enfiar em um buraco. — Desculpe a intromissão, o null parece estar bastante animado hoje.
null saiu da proximidade de uma null bastante confusa e, um tanto sem jeito, foi abraçar Matthew. Depois de alguns segundos de desconforto, apresentou o garoto para os demais.
— null, null e Elisa, esse é o Matthew. — todos acenaram, não sabendo bem se deveriam cumprimentá-lo de alguma outra forma. null foi a única que o abraçou como null havia feito, dando um beijo em sua bochecha. — Eu e ele…
— Os dois namoraram antes de conhecermos vocês. — null interrompeu, referindo-se a null e null. Notou null ligeiramente arregalando os olhos.
— Ah… — null debatia-se internamente sobre como falar com o ex-namorado do atual namorado, então pareceu se recordar de algo. — É um prazer conhecer o ser iluminado que apresentou Pink Floyd para o null.
Matthew soltou uma risada agradável para os ouvidos, a barreira do incômodo de repente quebrando-se. Até Elisa parecia ter soltado o ar que prendia.
— Temos que botar bom gosto nessas crianças, não é mesmo?
Na frente dos cinco, Matthew e null começaram a engatar em uma conversa sobre Pink Floyd, Led Zeppelin, Aerosmith e se Nickelback um dia iria deixar de ser um meme universal. Sobre o último, entraram em um acordo de que não, Nickelback sempre seria um meme.
— A pergunta que define caráter: Ozzy ou Dio?
null olhava para os dois, atônito, null decidiu arrumar algo para fazer, ou melhor, uma boca para beijar, Elisa parecia apreciar a conversa e tecer alguns comentários aqui e ali, null estava prendendo o riso e null… Bem, null queria beijar null, mas isso não era novidade.
— null. — o garoto disse no ouvido da amiga, tentando chamar atenção para si. Quando percebeu que a menina estava atenta, falou na voz mais contida em sentimentos que conseguiu: — O que você acha da ideia?
Ele engoliu a seco enquanto olhava para o rosto da menina.
— Que ideia? — Precisamente a pergunta que ele queria que ela fizesse, exatamente no momento em que desejava, no lugar e situação mais propícios para conseguir dizer.
— De um beijo meu.
Pronto, estava dito.
Sem voltar atrás.
Sem arrependimentos.
Colocando seu coração a disposição de o que quer que ela quisesse fazer com ele.
Talvez ela não soubesse da imensidão, da profundidade que a sua resposta teria sobre o amigo, mas aquilo teria que ser o suficiente. Pelo menos por ora.
“Um dia essa merda vai explodir na sua cara e você vai se arrepender.”
Não, aquilo era o suficiente. null não precisava de mais do que saber que ele estava interessado em beijá-la.
Não precisava saber de sentimento algum.
null abriu um sorriso de canto, aquele sorriso que ela usava quando reagia a algo minimamente indecente. Sentiu seu coração palpitar um pouco e tentou aquietá-lo respirando fundo.
— Ora, ora, lindinho. Está interessado nessa boca?
Ela virou-se para ele, colocando a mão no peito de null e desenhando círculos com um de seus dedos. Os lugares por onde o dedo passava transmitindo ondas de calor para todo o corpo de null, e ele, sem perceber, começou a perder o compasso de sua respiração. A outra mão de null foi para a nuca do garoto, na tentativa de aproximar o ouvido dele da boca dela para que ele a escutasse melhor, mas aquilo não estava fazendo nada bem para qualquer resquício de sanidade que tivesse.
— Estou um pouco surpresa, devo admitir. — null, estranhamente, descia do ouvido dele para seu pescoço. null talvez tivesse perdido a habilidade de falar. Então, o garoto começou a sentir null respirando contra a sua pele, sua boca aproximando-se como se fosse beijar o seu pescoço. — Mas você sabe que eu só te beijaria de brincadeira, e você nunca foi de fazer isso.
Não tinha a força de vontade de abrir a boca e dizer que não se importava com os motivos ou a forma que ela o beijaria, desde que beijasse e acabasse com seu tormento. Aliás, não tinha notado, mas ele havia segurado a garota pela cintura e fazia carinho ali com o polegar da mão direita.
Embriagado e com tesão. Que combinação para o fracasso. Consegue controlar suas emoções, null? Porque ela não parece sentir algo, e você quer algo. Realmente vale a pena se iludir com um beijo e nada mais do que isso?
O quanto você está disposto a colocar as cartas na mesa e assumir a verdade, aquela verdade que você não quer admitir nem para si mesmo? O quanto tem de coragem para contar para ela e ser sincero?
— É, você tem razão. Acha que se eu chegar na Elisa assim ela vai achar legal?
Foi o que pensei.
Agosto de 2014
— Você está fugindo, null, como fugiu mês passado. — null botou a mão nos seus cabelos e parecia querer arrancá-los. — Claro que você está, quando é que não foge?
— E o que importa mês passado? Até onde eu sei, não estou namorando a null e nem indo passar um final de semana com a null.
null soltou uma risada irônica.
— Não, não, claro. Você está namorando a Elisa, está certo. E indo para Búzios com ela. Está namorando a Elisa e indo para Búzios enquanto sente alguma coisa pela null. Parabéns pelo plano bem sucedido.
null revirou os olhos. Voltou a guardar suas coisas e decidiu ignorar o que null dizia.
— Acha mesmo que isso vai dar certo, null? Namorar alguém gostando de outra?
— Eu não gosto da null, null! Por favor, para com essa história. Eu estou com a Elisa, é pela Elisa que eu tenho sentimentos.
— Queria poder acreditar nisso, null. — null murmurou, não exatamente para ele. — Sabe, eu realmente quero te ajudar, mas você não consegue nem passar pelo primeiro passo, que é admitir que está mentindo para si mesmo.
— Por que parece que vocês só se repetem? — null questionou, em total frustração. — Já tive essa mesma conversa com a null há dois meses, já tive com um null bêbado vomitando no banheiro mês passado, já tive de certa forma até com o Matthew. Só null, null e null. O que deveria fazer, o que eu não deveria fazer, o que eu tenho a obrigação de fazer. É sempre a porra da mesma coisa, null! A vida é minha e eu faço dela o que eu quiser!
Agarrou a mochila e saiu batendo a porta do quarto, deixando uma null chocada para trás.
Alguns instantes depois, a porta batida com fúria foi aberta.
— Eita, mas o que foi isso? — null entrou no quarto, um pouco atordoada, tendo escutado apenas uma parte da discussão dos dois. Ela, null e null tinham dormido na casa da primeira depois de uma maratona de High School Musical formada por todos, menos null, que estava viajando naquele momento. null não teve como permanecer na casa da namorada e saiu pouco depois de onze da noite anterior.
— Adivinha. Só adivinha. — null sentou-se na cama de forma abrupta, completamente irada com a reação do amigo com ela apenas tentando ajudá-lo. — Ele quer se foder sozinho, null. Não adianta.
— Cara… — null começou, sentando-se do lado da garota. — Ele está namorando a Elisa. Ponto final. O null fez a escolha dele, nós o ajudamos até o nosso limite para ele poder fazer essa escolha racionalmente. Eu entendo que você está frustrada por ele não seguir o que você quer, que é ser sincero com ele mesmo, mas será que nós estamos totalmente certos em continuar interferindo em algo que não é nosso?
null encarou-a com o cenho franzido.
— Como assim?
— Ele tem dezenove anos, null. Sabe bem as consequências das suas ações. Ele não quer admitir que sente algo pela null? Ok. Ele não quer nem contar para a null, sendo que a gente sabe que ela não é totalmente burra? Ok. Ele quer tentar algo com uma menina sabendo que não está 100% na relação? Ok. Não temos nada a ver com isso. No final, quem perde é ele.
E null teve que admitir que, pela primeira vez, não existia mais como ela poder ajudar o amigo. Tentara de tudo, de todos os jeitos, com todas as palavras. Por mais que se importasse com ele e sabendo que estava cometendo um grande erro, null estava certo: a vida era dele e ele fazia dela o que quisesse.
Inclusive se isso significasse null se foder sozinho.
— Mas vamos falar de coisa boa, null. — null disse para cortar aquele clima pesado que se estabelecera no cômodo. — Vamos falar de: será que um dia encontraremos Teresa novamente?
A amiga riu, assentindo com a cabeça. Aquilo parecia ter acontecido há muito tempo.
— Espero que sim, ela me deve o beijo que deu na null. Aquela sortuda.
null não apenas chegou demonstrando a graça de sua presença. Ele chegou avançando na namorada como um animal, desesperadamente beijando-a até que os dois perdessem o equilíbrio e caíssem no chão, rindo.
Está tentando provar alguma coisa, null? Que interessante.
— Também senti sua falta, amor. — Elisa disse, em meio às risadas. — Adorei a recepção.
null deu um último selinho nos lábios dela e levantou-se, ajudando-a em seguida. Olhou para as bolsas arrumadas da menina e deu um longo suspiro.
— Mal posso esperar pela viagem.
Elisa abraçou-o por trás, dando um beijo estalado em seu ombro. Não podia estar mais feliz.
— Nem eu. — Olhou-o de forma um tanto desengonçada pelo ângulo, mas ainda sim notou algo estranho no semblante do namorado. — Está tudo bem, null?
O garoto concordou com a cabeça, pegando em uma das mãos de Elisa e beijando a palma. Seu lábio, que ostentava um porte sério sem muito sentido, abriu-se em um sorriso com certa malícia.
— Estou pensando no que podemos fazer em um quarto só nosso, com uma vista linda para a praia, amor.
Elisa saiu de trás do namorado e foi para a sua frente, apoiando o braço no ombro dele. Usou a mão para fazer força nas costas do garoto, puxando-o para si.
— Temos um quarto só nosso agora, querido. — ela falou lentamente, olhando para a boca dele. — E eu posso pensar em uma vista melhor do que a praia para você.
Soltando uma risada fraca, agarrou a bunda de Elisa com uma das mãos e, com a outra, pegou a parte inferior da bochecha dela, ajustando suas posições. Quando seus lábios encontraram-se de novo, não havia mais a selvageria de antes, mas sim uma lentidão agradável, que fazia Elisa se mexer de um jeito muito bom para null.
Tudo era muito bom para null.
Outubro de 2014
— Ah, vamos, null! Vai ser divertido. — null disse com um brilho nos olhos, referindo-se à festa de karaokê de todas as quartas-feiras em uma boate da cidade.
null não estava em um dos seus melhores humores. Ela sempre ficava muito mal-humorada quando ficava muito tempo sem sair com todos os amigos, o que estava acontecendo bastante.
Estava vendo null e Elisa muito mais do que null, null e null ultimamente. Por mais que apreciasse e adorasse a companhia do casal, null sempre se sentia como um peixinho fora d’água, a que ficava segurando vela.
Sem muita escolha, ela deu de ombros para a sugestão dos dois.
— Isso! — Elisa bateu palminhas, animada para a noite que se seguiria. — Vem, vamos nos arrumar.
Meia hora depois, todos os três já estavam prontos para cantar desafinadamente e rebolar a bunda no chão. Enquanto eles conversavam, discutindo se deveriam ir de metrô ou pedir um táxi, null notou que os dois estavam agindo de uma forma um pouco estranha. Era apenas uma impressão sua, mas parecia que estavam escondendo alguma coisa nas entrelinhas. Elisa não parava de arregalar os olhos de leve para null e sutilmente apontar null com a cabeça.
null parecia ignorar o que Elisa estava sugerindo, e, pouco tempo depois, decidiram ir de metrô mesmo, comprando algumas cervejas e bebendo pelo caminho. Era proibido entrar bebendo no metrô, ainda mais cerveja, claro, porém ninguém se importava com isso às dez horas da noite.
Encontraram um lugar para sentar e ficaram se entretendo com a câmera do celular de null, tirando fotos extremamente idiotas, até o destino da boate. Andaram um bom tanto depois da saída do metrô, porém finalmente chegaram ao estabelecimento.
null nunca tinha estado ali antes. Parecia uma casa com dois andares, só que com música alta, um telão em uma sala aberta e dois bares, um no andar de cima e outro no térreo. E muitos cantos escuros. Assim que entraram, null sentiu uma sensação agradável de conforto, e não se arrependeu da decisão de sair em uma quarta-feira para se divertir com os dois amigos.
null e Elisa estavam fazendo aquelas caras de novo.
— Gente… — null disse para os dois, colocando as mãos nos ombros direito e esquerdo, respectivamente, de Elisa e null. — O que está acontecendo?
Ela sentiu mais do que ouviu Elisa pigarrear para o namorado responder aquela pergunta.
— É… — o menino começou, um pouco constrangido. — Eu e a Elisa conversamos e queríamos te propor… uma coisa.
— Propor o quê?
A garota não fazia ideia do que eles poderiam dizer, mas, naquele instante, com o tédio que estava a sua vida, duvidava muito que fosse recusar o que quer que fosse.
— Você quer ficar com a gente?
Espera.
O quê?
— Como é? — null questionou, olhando para os dois como se tivessem enlouquecido.
— Nos beijar. — Elisa respondeu, bastante animada. — Sabe, separado e junto. Me beijar, beijar null ou darmos um beijo triplo. Acho que vai ser legal, já conversei com o null sobre isso e estamos de boa.
Aquilo era muito para a pequena null processar só tendo terminado uma cerveja.
Ela estendeu um dedo na frente deles.
— Eu já volto. Fiquem aí.
Com uma rapidez impressionante, null pôs-se encostada no bar, pedindo uma dose de vodka e pegando o celular, que estava em sua bolsa. Abriu imediatamente o aplicativo do Facebook para entrar no grupo de conversa entre ela, null e null.
“Por favor, me ajudem.”
Agradeceu pela dose quando o barman voltou com ela e virou-a pura. Seus olhos voltaram-se logo para a tela, esperando alguma mensagem das duas. Rezou baixinho, mesmo não sendo religiosa.
null veio ao seu resgate.
“O que houve?”
“null e Elisa acabaram de se tornar o casal modelo do século XXI”
“Ãhn?”
“Eles abriram o relacionamento, e acho que só para mim”
“COMO É QUE É”
“Eu nem tô brincando”
“Eles pediram para você pegar os dois?”
“Sim”
“E o que você disse?”
“Disse nada, vim para o bar me esconder dentro de um garrafão de 4,6 litros de Cantina da Serra”
Leu null elogiando sua escolha de esconderijo e pediu outra dose antes de voltar para o que realmente queria saber.
“Mas, null, você acha válido?”
A amiga demorou um pouco para formular a sua resposta, o que deixou uma null muito ansiosa. Sentiu o celular vibrar com a notificação enquanto virava a segunda dose.
“Se você se sente confortável e acha que tudo bem, se joga”
Por algum motivo, null sentiu que não era bem aquilo que null queria dizer. Guardou o celular, desencostou do bar e voltou para onde tinha deixado null e Elisa. Encontrou os dois dançando ao som da música, conversando entre si. Chegou perto deles e, sem muito medo de qualquer coisa, afinal, a noite era uma criança, falou:
— Então quer dizer que vocês estão querendo uma outra boquinha bonitinha?
Ela não sabia como tinha se metido naquilo.
Quer dizer, sabia bem como tinha se metido, mas não esperava que fosse continuar ali.
A mão de null arranhava a parte interna na sua coxa, perigosamente perto de certa região, que pulsava de excitação. Ele a beijava de uma forma deliciosa, às vezes mordendo seu lábio inferior, sussurrando obscenidades no ouvido dela. Era um deleite. Elisa, por outro lado, estava focando-se no pescoço da menina, lambendo e arrepiando a pele com sopros de ar quente. null tinha que se controlar para não gemer baixinho, denunciando o quanto aquela situação a estava afetando. Usava a mão direita para puxar os fios de null enquanto a esquerda brincava com o cós da bermuda dele, uma das unhas arranhando-o sem aplicar muita força. Sempre que null começava a pressionar mais o seu quadril no de null, roçando sua intimidade, claramente excitada, na dela, ela parava de arranhar a pele perto da bermuda.
— Você está fazendo isso para me provocar? — ouviu a voz rouca de null sussurrar, fazendo a menina abrir um sorriso de lado.
Não queria ter que responder aquilo, porque, se respondesse, teria que admitir o quanto estava adorando provocar o amigo, então saiu do aperto dele e concentrou-se em Elisa.
Com a menina, null entendeu rapidamente o que ela gostava. Podia conhecê-la há pouco tempo, mas a combinação entre movimentos circulares em áreas inferiores e mordidas no pescoço parecia deixá-la bem feliz. E foi o que null decidiu fazer. Sentia o calor crescente emanando de ambos os seus corpos, e, deleitando-se em ouvir os gemidos baixos de Elisa, ela desceu a cabeça do pescoço da menina e colocou a boca no bico de um dos seios. Primeiro usou os dentes, puxando de leve a carne. Ouviu um som sonoro de aprovação da garganta de Elisa. Depois, chupou-o de leve, com muita calma, com toda a paciência, intensificando a velocidade dos movimentos da mão que estava dentro da calcinha de Elisa.
Sentiu null beijando suas costas, fazendo uma trilha molhada sobre sua espinha dorsal. Aquele lugar era um pouco sensível, então a onda de excitação não foi uma surpresa, mas muito bem recebida. null afastou os cabelos dela da parte lateral do rosto, liberando o acesso à orelha de null. Outra área sensível, como o idiota bem sabia. Perdeu o foco do que fazia com Elisa quando null mordiscou o lóbulo de sua orelha e lambeu ao redor, dizendo em uma voz baixa:
— Não sabe há quanto tempo eu queria fazer isso.
E sentiu a mão dele vagando pela sua cintura e entrando no short que usava.
null deu um selinho em Elisa, internamente pedindo desculpas para a menina. null estava brincando com fogo – logo o seu fogo – e iria se queimar.
Ela mudou de posição, voltando a ficar de frente para null. Olhou-o fundo nos olhos, desafiando-o a continuar o que queria fazer. Por alguns segundos, ele hesitou.
Aquela era uma linha que não deveriam atravessar.
Relutantemente, null tirou sua mão, repousando-a na cintura de null. Dando uma olhada em Elisa, que prestava atenção ao filme, a menina, então, agarrou a gola da blusa de null, dando um puxão para si.
null permaneceu onde estava, já que não esperava que ela fizesse aquilo e null não era exatamente forte.
— O que você está fazendo? — ele perguntou para ela.
— Vem cá. — null respondeu, simplesmente. Isso bastou para null, que sentiu um arrepio percorrer seu corpo ao ver o desejo nos olhos da amiga. E era desejo por ele.
Eles se beijaram novamente, as mãos de null brincando com as sensações que poderia proporcionar no corpo do outro. Um pensamento ocorreu em sua cabeça: se Elisa tinha a deixado masturbá-la, também poderia fazer algo assim com null. Afinal, os dois tinham conversado sobre aquilo e concordado que estava tudo bem.
Aquela era uma linha que não deveriam atravessar?
Retornou à provocação de passar o dedo pela pele perto da barra da bermuda de null, mas dessa vez decidiu não parar por aí. Aos poucos, quase sem dar nada a entender, foi enfiando o dedo cada vez mais fundo, até o limite que a elasticidade do material impunha.
Então, abriu o botão da calça. null parou de beijá-la, parecendo atônito. Em resposta, null abriu um sorriso e mordeu o lábio inferior.
Não foram palavras que os fizeram consentir em uníssono que aquela era uma linha que deveriam atravessar. Foi o jeito que null deslizou o zíper, o jeito que usou o dedo para brincar com a extensão de null, o jeito afetado com que o garoto reagiu àquilo.
— Você é má, null. — null conseguiu murmurar, para logo em seguida a menina dar um leve aperto no membro, o que o fez perder o ar.
— Ah, não sabe como, lindinho.
Novembro de 2014
null estava tendo sonhos.
Sonhos eróticos.
Sonhos eróticos com uma menina que não era Elisa.
Ele ficara de boca fechada. Quando ela o perguntou se algo tinha acontecido, ele respondeu que não. Nada aconteceu, claro. Tinha virado uma rotina. Ele e Elisa saíam com null, null os beijava, null dizia coisas, null…
null o matava. null o fazia querer arrancar suas roupas e as roupas dela.
Entretanto, não era com null que ele tinha um relacionamento. Não era com null que ele deveria imaginar certas coisas enquanto, de noite, entretinha-se para pegar no sono.
Ele tinha que contar para ela. Não conseguiria segurar mais aquilo dentro dele. E daí que estava namorando outra? null iria ver além disso, iria perdoá-lo por nunca ter dito nada até aquele momento, e os dois finalmente poderiam cumprir o que sempre esteve no alcance deles: uma combustão.
Sem pensar duas vezes, bateu na porta da amiga.
— É sobre você.
Em pé em seu quarto, null cruzou os braços.
— Sobre mim? Como assim?
null respirou fundo, forçando-se a dizer aquelas palavras entaladas dentro de seu coração.
— Eu gosto de você, null. Sempre gostei, desde algum tempo. Nunca tive o que precisava para me arriscar e te falar isso, mas agora tenho. — Aquilo era o certo, tudo ia dar certo. A verdade era certa. — Eu nunca me senti assim com ninguém. Você me deixa… vivo. Nunca verdadeiramente me senti vivo com a Elisa, só com você.
Não, havia algo errado. null não estava concordando com ele, na verdade, estava estranhamente quieta. Como poderia estar errado, se contava a verdade?
— Eu vou terminar com a Elisa… Quer dizer, se você sente o mesmo, vamos tentar, null. Vamos nos fazer dar certo. É só dizer a palavra e eu termino com ela.
Aquilo pareceu ser o suficiente para null.
— O que foi que você fez? — null questionou, as mãos sob a sua boca. Seu corpo inteiro parecia retesar em dor, as palavras saindo em um sufoco. — null, o que porra foi que você fez?
Ele gaguejou algumas palavras, sem de fato pronunciar uma frase completa ou ao menos algo compreensivo. Não estava entendendo o que ela queria dizer. null finalmente revelara seu segredo, as coisas agora se encaminhariam para onde tinham que se encaminhar: null e null, null e null.
— Você começou a namorar com ela, null. Disse que estava apaixonado por ela, beijava-a, chamava-a de amor e… Nesse tempo todo, nem ao mesmo queria estar com ela? — Os olhos de null começaram a ficar marejados com o andamento de seu raciocínio. — Não, nem isso. Se fosse isso, era uma coisa. Mas você queria estar com ela, não é? Quer dizer, era agradável alguém ter algum tipo de sentimento por você e te fazer sentir desejado. Era muito, muito bom ela chegar para você e dizer que queria transar, que queria gemer só no seu ouvido, certo? E você estava no melhor dos mundos, olha só. — O jeito que null olhava-o fazia null se sentir sujo, imundo. Repulsivo. — A namorada na cama e a sua melhor amiga na boca, as duas nas suas mãos.
null, mais uma vez, tentou reagir. Falar que null estava errada, tentar justificar seus atos, tentar consertar alguma coisa. Confessar seus sentimentos mais uma vez, talvez. Se ela prestasse atenção, se null conseguisse separar a situação do que estava bem ali, esperando por eles, toda aquela atmosfera de sensações… Ele sabia que, ao menos naquele momento, não era o único que sentia algo.
Entretanto, ele não estava conseguindo suportar o jeito que null olhava para ele para dizer qualquer coisa.
A garota riu em absoluto desdém.
— Nem ao menos tem a dignidade de tentar negar algo, null. É isso que você é: um covarde. — As palavras pareciam frágeis para ela, saindo aos pequenos soluços, enquanto null tentava controlar sua vontade de chorar ao mesmo tempo em que queria socar a cara de null. — Um covarde, realmente, porque se fosse no mínimo decente, se pensasse, nada disso teria acontecido. — null aproximou-se mais dele, encarando-o duramente nos olhos e expressando o mais puro desgosto que conseguia demonstrar. — Você decidiu ser guiado pelos acasos da vida em vez de tomar decisões que os interferissem, null. Sequer tomou alguma decisão? Dependa dos outros para tomar seu rumo e é isso que você recebe como resposta.
Nunca fora adepta à violência, por mais que null merecesse um tapa bem no meio de sua bochecha para ver se aprendia a tomar vergonha na cara. Sua única saída, ali, era a porta do quarto, por mais que fosse o seu quarto. Precisava do simbolismo, e precisava sair o mais rápido possível de perto de null.
Podia ouvir o garoto seguindo-a, chamando por seu nome, tentando segurá-la. Desvencilhou-se como uma maestra, sem querer ouvi-lo nem tentar voltar atrás em sua decisão. null não merecia segundas chances, muito menos sua compreensão. Fez o que fez, não havia mais o que mudar.
Ele destruiu sua confiança, mentiu para ela, enganou-a e, não só isso, deixou-a, como papel final, a “escolha” de terminar com a namorada. Havia limites, e null ultrapassou todos. Não apenas isso, realizara aquilo conscientemente, sabendo bem que havia consequências para tudo. E ali estavam elas.
Se ele sempre soube que nunca esteve definitivamente apaixonado por Elisa, porque precisou, depois de todo aquele tempo, beijar null para agir? Se ele nunca negou seus sentimentos sobre null e entrou no relacionamento sem resolvê-los, por que não foi sincero com Elisa? Quanto tempo ele teve para contar a verdade antes de se envolver, aliás? Antes de namorar alguém? O que, de fato, teria mudado se null tivesse simplesmente dito tudo assim que soube concretamente o que sentia? Por que, null suplicava internamente, por que ele só havia falado agora? Por que não terminara seu namoro em vez de chegar e pedir uma decisão dela? Por que aquilo tinha que cair nas costas de null?
Não, aquilo não estava certo. Nada daquilo. Ele não tinha o direito de agir como um completo idiota, estúpido, macho e se safar fazendo promessas. Falando que “ia terminar com Elisa” se null pedisse. Não, não. Elisa não merecia aquilo, muito menos ela.
Em sua estúpida ideia de conquistar a garota, ele a perdeu.
Não espere pelo amanhã. O amanhã pode não chegar. Faça hoje.
O momento é agora.
Não cometa os mesmos erros de outros.
Fale.
Junho de 2014
— Você acha que agindo assim vai chegar a algum lugar?
A voz cochichada vinha de null, que estava sentada ao seu lado na comprida mesa do restaurante. Um pouco confuso, null virou-se em sua direção.
— Do que está falando?
A menina fez um gesto com a cabeça, apontando para a aniversariante, completamente alheia à conversa que se estendia onde null e null estavam sentados.
— Você gosta dela. Sabe que gosta, todos sabem que gosta. — null respondeu, o tom sutilmente irritado. — Inferno, até ela sabe, só finge que não para as coisas não ficarem estranhas entre os dois.
null deu de ombros. A frequência com que entravam naquele assunto com ele era absurda, mas, de fato, não havia muito o que se fazer. Ele nunca estendia a conversa e preferia manter para si mesmo seus pensamentos pessimistas.
— Vocês têm que parar de insistir nisso. Já disse para null que não quero falar. — Incomum para sua idade e circunstância, há muito null tinha parado de negar a verdade por trás das palavras de null e null. Depois de tantos meses, não fazia mais sentido para que veementemente dissesse que as duas estavam vendo coisas ou inventando.
null deu uma bufada e retornou à atenção ao que null, a aniversariante, falava no meio da mesa. O que murmurou para si mesma a seguir não tinha a intenção de sair de seus pensamentos ou ser escutado por null.
— Um dia essa merda vai explodir na sua cara e você vai se arrepender.
Janeiro de 2014
Foi no dia 1º de janeiro que null percebeu que tinha sido enganado por si mesmo. Mais especificamente, quando todos os relógios bateram meia noite, o menino percebeu que, infelizmente, estava sendo iludido.
Pelo próprio.
Por sua cabeça.
Faltavam alguns minutos para o fim de dezembro de 2013, e null tinha reunido alguns poucos amigos para celebrar o Ano Novo com ela. O apartamento estava vazio, já que a mãe de null generosamente escolheu passar a festividade na casa de uma amiga. Além de null e null, mais um amigo dos quatro, null, estava comemorando com eles. null queria ter convidado mais pessoas, mas seu apartamento não era muito grande e havia poucos lugares para dormir.
— Nós vamos ter champanhe? — null perguntou, um pouco travessa, observando a disposição que null havia feito em cima da mesa com copos típicos para se tomar a bebida.
— Infelizmente, mamãe nos proibiu, inclusive escondeu, qualquer outra coisa, mas teremos champanhe, sim. — Ao dizer isso, null foi em direção à cozinha buscar o dito cujo.
null estava sentado no sofá da sala, alheio à revelação que teria em alguns instantes. Enquanto isso, null preocupava-se, de maneira um pouco excessiva, com a súbita falta de disposição de null.
— Já disse que estou bem! — a menina protestava, incomodada com a demonstração de afeto de null. Ele normalmente era reservado, quieto, mas um ótimo observador. É claro que fora o primeiro a perceber que null estava tonta.
— Não, não está. Você precisa ficar ainda um pouco deitada e tomar grandes goles de água.
A discussão dos dois estendeu-se por algum tempo, e a audição de null ficou quase muda para eles. O menino, ao contrário de null, podia ver que o que quer que null tivesse tido, já estava bem melhor que antes.
null ajudou null a servir o champanhe nos copos e, depois, levá-los para os amigos na sala. null, após alguma reclamação, devidamente ignorada, de null, levantou-se e pegou seu copo. null fez o mesmo, assim como um resoluto null.
A televisão avisava que faltava um minuto.
— Espero que vocês não inventem nenhuma gracinha de beijo de Ano Novo. — De forma abrupta, null sentou-se no sofá. Todos se entreolharam, como se questionassem de onde aquilo havia surgido.
null, entretanto, pôde perceber que null estava um pouco mais nervoso do que o normal e acreditou que compreendeu o que a fala da amiga quis passar: estou te vendo aproximando-se dela. Obviamente, havia um número maior de meninas do que de meninos – pela matemática, a não ser que acontecesse um beijo triplo, alguém ficaria de fora. E null tinha uma impressão de que seria ele.
As palavras de null, a menos de trinta segundos de 2014, poderiam ter sido melhor calculadas.
— Qual a graça do Ano Novo sem uma bitoquinha, então, null? — Subconscientemente, a menina olhou de forma sutil para o seu lado, na direção de null.
A tensão da sala pareceu crescer progressivamente quando os quatro amigos encararam o menino perto de null virar todo o seu copo de champanhe em sua boca e pousá-lo em uma mesa de descanso perto dos cinco.
— O que diabos… — null conseguiu murmurar antes de a contagem regressiva dos dez segundos aparecer na televisão e, simultaneamente, null agarrar a cintura de null como se dependesse daquilo para continuar respirando.
null sorriu, enigmática, dando um gole em seu champanhe, e a contagem começou ao som do líquido dentro do copo de null derramando no chão quando esta passou uma das mãos pelo pescoço do garoto.
Dez.
— Eu não acredito no que eu estou vendo. — A anfitriã ainda parecia não ter processado aquela cena.
— Nem eu. — null podia sentir seus olhos arregalados.
Nove.
— Eles só precisavam de um empurrãozinho. — falou null, soando como uma maestra.
Uma das mãos de null foi em direção a partes inferiores da colega.
— Acho que eles também precisam de um quarto. — a voz de null surpreendeu null, que não tinha percebido que ela havia se deslocado para mais perto dele.
Oito.
null observou enquanto o rosto de null abria-se em um sorriso, um brilho chegando em seus olhos. Por algum motivo, tinha a impressão de que sabia o que ela iria dizer a seguir.
— Que bom que temos dois nessa casa.
Definitivamente não era isso que ele tinha imaginado. No entanto, o garoto pensava que a amiga tinha dado uma conotação diferente daquela que foi processada por sua cabeça.
Sete.
Ela está sugerindo que mais outras duas pessoas podem se pegar esta noite?
E se ela estivesse?
Não, ela estava dizendo que era bom existir um quarto de sobra para que dois pudessem dormir sozinhos e os outros três ficassem confortáveis mesmo assim.
Mas e se ela estivesse?
Seis.
— null, você está bem? — null olhou presunçoso para ele do sofá, e ele quase acreditou que ela estava conseguindo ver para onde seus pensamentos estavam encaminhando-o.
E se eu beijasse null?
— Sim.
Cinco.
A amiga abriu um sorriso zombeteiro, e ele teve a certeza de que ela sabia muito bem o rumo que, sem querer, sua cabeça tinha analisado a frase de null. null também era uma boa observadora e, levando em conta os dois corpos se fundindo a poucos centímetros dos três, sabia como usar sua habilidade muito bem.
E se null me beijasse?
Quatro.
Foi ali.
Bem ali.
— null, vamos nos sentar, eu não consigo continuar olhando para esses dois.
Estava claro que eles não iriam comemorar da forma mais tradicional, todos em pé e eufóricos, depois do baque de quinze segundos atrás causado por null e null, então só fazia sentido sentar. null pegou na sua mão livre para levá-lo até o sofá em que null, que continuava olhando para ele como uma telepata, estava sentada.
E se eu aproveitasse estar segurando mesmo que minimamente a sua mão e a puxasse agora pela cintura?
E se?
Três.
null largou a sua mão ao se sentar no meio, com null na sua direita e null, um pouco aturdido, na sua esquerda.
— Acho que terei que beijar você, null. — null comentou, brincalhona. — A menos que null não se incomode com mais um pouco de casal hétero em 2014.
Se já não tivesse sido no quatro, fora no três.
Dois.
— Eu prefiro meu champanhe mesmo, amiga. — a menina disse, dando mais um gole e discretamente lançando um olhar com todos os significados necessários para null. Depois, virou-se para observar os segundos finais dispostos na tela da televisão.
Faltavam apenas dois segundos, porém pareceu uma eternidade quando null olhou bem fundo em seus olhos, quase o desafiando a fazer o que ele sequer tinha percebido que queria até aquele momento, bem ali. null não compreendeu o que havia acontecido em um espaço tão pequeno de tempo somado com apenas uma junção de palavras soltas. Desde quando ele estava pensando em null de outra maneira?
— O que me diz, lindinho?
Um.
Não. Não fora o segundo quatro, muito menos o segundo três. Foi o lindinho, tão típico da menina, que usava com um tom de provocação que ele adorava. Sempre que ela falava elogios no diminutivo, algo dentro dele acendia-se, e era impossível que ele não abrisse um sorriso de lado e deixasse seus olhos se guiarem para a boca que os havia dito.
Antes, talvez, ou até obviamente, ele não houvesse prestado atenção naquele detalhe – em como seus olhos eram levados para os lábios de null sempre que ela o provocava de alguma forma. Naquele momento, no badalar da meia noite, com a pergunta da menina entre os dois, null se deu conta de todas as vezes que tivera a mesma reação com sentenças parecidas, com ela instigando-o por algum motivo.
E foi ali que ele soube que sua cabeça o havia enganado esse tempo todo.
Você não é só o amigo que ri com ela, gosta de ver seu sorriso e pensa nela, não é?
Alguma vez você foi?
Zero.
Ainda olhando para null, null deu um gole em seu champanhe, sentindo um gosto levemente amargo descendo por sua garganta. Naquele momento, aquele pequeno gole motivou-o a aceitar o desafio da amiga.
A mão livre buscou a parte lateral do pescoço de null, aproximando vagarosamente sua boca da dela. Antes de fechar os olhos, ele pôde ver null fechando os seus, seus lábios em algum tipo de espera, e imediatamente ele percebeu que aquilo estava certo. Era aquilo que ele tinha que ter feito durante todo aquele tempo. Então, com um último puxão, os dois estavam se beijando, de maneira sutil, null sentindo seu corpo parecer acordar com só aquele toque.
Só um toque.
E a nuca de null saiu de sua mão, assim como sua boca, seu calor e toda a explosão que havia se iniciado dentro dele.
— Feliz Ano Novo, null.
null engoliu toda a sua frustração, quebra de expectativa e vergonha naqueles milésimos de segundos e sorriu.
Março de 2014
A risada de null ecoava como uma melodia por aquela rua do Centro, não conseguindo sobressair o volume dos diversos bares ao redor dos dois, mas, ainda assim, marcando sua presença.
— Ela vai aparecer, meu amor.
— Eu sei que ela vai! — null olhou para a amiga com uma pontada de irritação. — Não é isso que eu estou falando, garota.
— Ah, não? — null levantou uma sobrancelha. — Acho que me perdi no meio do “somos só amigos coloridos” e “estou desesperadamente apaixonado por ela e não quero estragar tudo”.
O menino encarou-a como se cogitasse maneiras de assassiná-la a céu aberto sem que alguém percebesse.
— Você é muito inconveniente, sabia disso?
Ao longe, null conseguiu ver um amigo deles, null, saindo de um dos carros da rua movimentada e automaticamente procurando alguém. A menina levantou a mão em sua direção, tentando entrar no seu campo de visão.
— O que eu tenho de inconveniência tenho de razão. — ela disse, sem olhar para null.
— Então por que é que você, senhora da razão, não admite que ele é um bobo achando que tem alguma chance com você? — o amigo falou em seu ouvido, acusando-a de algo que ela não pôde especificamente nomear.
Era ressentimento por seus próprios sentimentos não correspondidos, é claro. Quer dizer, null, de fato, poderia estar desenvolvendo ou já ter algum tipo de afeto pelo menino, mas era bem óbvio quem estava mais interessado nesse departamento no relacionamento dos dois. A menina havia expressado bem claramente desde o início seu interesse por null: amizade com benefícios, apenas.
null percebeu o momento em que null reconheceu os dois em meio à multidão e virou-se para null.
— Já disse e vou repetir: foi um selinho, ele não está interessado, nunca esteve. Foi uma brincadeira. — A mudança abrupta de sua risada para seu tom de voz sério fez null questionar por quanto mais tempo ela iria aguentar ouvir aquele assunto sem ter um acesso de raiva.
null mudou sua fisionomia para olhar para null aproximando-se. Assim que a viu encarando-o, o menino deu um pequeno sorriso, que logo foi retribuído por null. De repente, sem nenhum motivo, null tropeçou e teve que fazer uma espécie de malabarismo para não cair.
null rolou os olhos para a cena. Tropeçando ao ver o sorriso de null? Parecia o início de uma história ruim. Teria como null ser mais óbvio?
Aparentemente não, já que null riu do desembaraço do garoto e, em vez de apontar o que estava claro, seu comentário foi:
— Ele está muito estabanado ultimamente.
Às vezes null tinha vontade de gritar.
— Realmente, estabanado... — foi o que o amigo conseguiu dizer sem revelar muito de sua irritação. — Muito estabanado.
Se null achou estranho o tom de voz de null, nada disse. Poucos segundos depois null alcançou os dois.
— Oi, gente. — O uso de “gente” foi um tanto desnecessário quando por nenhum segundo ele desviou seu olhar do de null. — Estou atrasado?
Claro que, mais uma vez, a menina pareceu alheia àquele pequeno detalhe.
— Não, null. — null falou de uma maneira um pouco bruta. Limpou a garganta e tentou de novo. — Na verdade, as outras ainda não chegaram.
O garoto à sua frente franziu o cenho, parecendo um pouco pensativo, como se só naquele momento houvesse notado a ausência das duas.
Não que isso não quisesse dizer que elas não poderiam estar procurando um bar com o litro mais barato e, por isso, não estivessem parado com null e null quando null chegou, porém parecia que, na visão de null, todas as ações de null eram realizados em prol de sua paixonite.
— Não chegaram? Da última vez que eu falei com elas, e isso já tem um tempo, null me disse que já tinham pedido o táxi por telefone.
Isso fez null tirar sua cabeça do quanto o menino parado estava irritando-o.
— null não mente sobre o quanto estão prontas ou atrasadas. — comentou, sentindo seu coração repentinamente batendo mais rápido. — Será que aconteceu alguma coisa?
null fez um gesto com a mão, desconsiderando a ideia.
— Não precisa ficar paranoico, deve ser algo bobo. Elas já vão chegar.
Entretanto, os minutos passaram-se, um silêncio que às vezes era substituído por um comentário sobre as pessoas ao redor, e nenhum sinal das duas amigas. null discretamente mandou mais uma mensagem pelo Facebook para null, e o aplicativo indicou que a menina nem havia recebido.
null definitivamente não deixava seu 3G desligado, por mais ruim que este fosse.
Àquela altura, null não estava tão segura quanto à sua afirmação de alguns minutos passados. Era realmente estranho que não tivessem sequer telefonado explicando o motivo do atraso, e apenas null estava com um celular, ainda por cima incomunicável, já que o aparelho de null dera defeito do dia anterior e ela ainda não tinha resolvido o problema.
— null, tem certeza de que a null disse, com essas palavras exatas, “pedimos já um táxi”? — questionou null, olhando de soslaio para a amiga e não se importando com o fato de estar soando paranoico ou não.
O garoto assentiu com a cabeça, cruzando os braços em seguida por conta de um tufo de vento que, do absoluto nada, surgira. Estavam os três ainda a céu aberto, e, por mais que o Rio de Janeiro fosse uma cidade suspeita de um inverno verdadeiro, à noite, os ventos eram curtos, mas bem frios. Os dois outros amigos repetiram o gesto e, sem nada dizer, começaram a encostar-se mais às paredes dos edifícios na rua, que estavam preenchidos com barulhos de copos e conversas das mais variadas.
Virando-se para um dos barzinhos, null pensou que seria uma boa ideia sentarem-se próximos ao local de encontro, porque já estava cansada de esperar por aquelas duas em pé.
— Gente, vamos sentar naquela mesa ali vazia. Elas vão conseguir nos ver ali.
Enquanto fazia seu caminho para a mesa, a garota notou um grupo próximo ao seu em idade, composto por três meninos e duas moças. No entanto, o que captou sua atenção não foi os cinco como um todo, mas sim especificamente uma das moças, com um cabelo curto preto e um rosto bem bonito. E ela estava olhando também para null.
A moça abriu um pequeno sorriso, e null acompanhou-a.
— !
null não estava tendo uma das suas melhores semanas.
Para começar, uma das suas professoras na faculdade parecia sentir prazer com o desespero dos calouros, os quais uma vez carinhosamente denominara “carne fresca”, e havia passado um ensaio não de duas, não de quatro, mas de sete páginas sobre as implicações dos ensinamentos de Emmanuel Kant para os filósofos que vieram depois dele.
Ela nem sabia nomear os filósofos que vieram depois de Emmanuel Kant, que dirá saber o que falavam depois da morte do dito cujo.
Depois – e null achava que tinha algo a ver com uma espécie de praga da professora citada anteriormente –, enquanto aguardava, como uma estudante digna de méritos, o bandejão abrir, apesar de já terem passado mais de meia hora desde a sua hora correta de abertura, um indivíduo esbarrou da forma mais violenta em seu ombro e fez com que ela deixasse seu celular cair no chão, espatifando a tela de um jeito tecnologicamente impossível, mas claro que aconteceu.
Adiantou berrar e, com sangue nos olhos, sair da fila do bandejão e ir atrás daquele pedaço de imbecilidade que tinha causado isso? Não, porque, assim que o fez, o lugar abriu, e null se encontrou no final da fila, com um celular espatifado e uma pressão sanguínea acima da média.
Agora, estava a garota mais uma vez possessa de raiva e prestes a esmurrar a cara de alguém, talvez para compensar não ter feito isso com aquele-que-não-deve-ser-nomeado, isto é, o inútil que esbarrara nela no dia anterior e depois covardemente fugira de suas garras. Contudo, desta vez, sua raiva estava direcionada para o projeto de desengonçada que era uma das suas melhores amigas null.
— Como você fez isso?! — ela exigiu saber para seu próprio bem-estar, esperando que a amiga tivesse uma desculpa decente, e não a que, pelo jeito, null diria.
— É que… — null balbuciou. — É…
Era possível, com certo grau de habilidade, dar um soco em alguém sem, de fato, produzir algum hematoma?
— Eu estava jogando Candy Crush… — ela tentou mais uma vez. — E aí apareceu uma… notificação…
— E aí você não conseguiu segurar o seu celular decentemente e agora ele está encharcado com o seu mijo, não é mesmo, criatura?
null segurou a amiga pelos ombros, controlando-se para não descobrir se tinha certo grau de habilidade para testar uma teoria.
— O que a gente faz com o taxista ali embaixo? — null perguntou baixo, não querendo enfurecer ainda mais a sua já estressada amiga, mas tendo que fazer a pergunta de qualquer forma.
A outra menina colocou os dedos nas têmporas e apertou-as na tentativa de controlar sua dor de cabeça.
— Eu vou falar para ele dar uma volta pelo quarteirão e aparecer daqui a dez minutos quando, eu espero, nós voltemos a estar prontas.
Elas não estavam prontas dez minutos depois.
— Não dá para você ter favoritos, null. — null afirmou enfaticamente.
— Eu sei que é burrice e eu não deveria, mas é só uma personagem, poxa. — a garota falou, manhosa, fazendo um beicinho. — Eles não teriam coragem de matar a Shireen.
null soltou uma risada fraca.
— Não sei quanto à visão do Martin nos livros, mas os produtores podem fazer o que eles quiserem mesmo. Daqui a umas temporadas não vão ter mais livros para seguir.
A 4ª temporada de Game Of Thrones iria ao ar em um mês, e todos reuniriam-se na casa de null, assim como acontecera no Ano Novo, para assistir a transmissão ao vivo da HBO. Sabendo da natureza imprevisível do seriado, os cinco tinham entrado em um acordo de não ter favoritos.
Na prática, isso era um tanto impossível.
E null sabia que estava cometendo um risco ao ter um afeto profundo por Shireen Baratheon, mas o que ela poderia fazer?
— Acho que depois de tudo o que já aconteceu em Westeros, é seguro dizer que nem mesmo a Shireen está a salvo, null. — isto não fora proferido por null ou null, mas por Teresa, a menina de cabelos curtos e pretos, que saíra de sua mesa para se unir aos três.
Para dizer o mínimo, null estava incomodado com a forma com que Teresa olhava para a amiga. Sempre que a menina abria a boca, ele movia-se desconfortavelmente na cadeira.
Pelo menos era o que null estava notando do seu lado da mesa.
— Você deveria ouvir o que a Teresa diz, linda. Ela parece ser mais esperta do que você. — null comentou em um tom um tanto amargo, parecendo não ter avaliado bem sua dose de sarcasmo antes de falar. Ninguém parecia ter notado muito bem, para sua sorte.
— Obrigada, null. — Teresa sorriu para o menino, logo retornando sua atenção para a garota à sua frente. — Está vendo, null? Seus amigos têm bom senso.
Ao contrário do deplorável null, que só parecia conseguir sentir o cheiro do problema, null sabia bem o que estava desenrolando-se naquela mesa de bar, os quatro segurando seus singelos copos de cerveja falando sobre GOT. Ele conhecia null tempo o suficiente para identificar quando a amiga estava sendo puramente simpática e quando estava flertando com alguém. E aquele meio sorriso não estava a favor do apaixonadinho null.
— Deve ser por isso que os mantenho perto. — respondeu a amiga, continuando com aquele fantasma de um sorriso. Apoiando-se sobre a mesa, ela inclinou seu corpo em direção ao de Teresa. — Eles me impedem de fazer besteira.
Ah, não. Se até o próprio null sabia como responder aquela frase, Teresa não parecia ser mais tapada do que ele para perder a insinuação.
E ele não ia ficar de ombro amigo para um null chorando bêbado.
— Eu gostaria de te ver fazendo bes…
— AMÉM! — null exaltou-se tão rápido para interromper algo que não queria que acontecesse que quase deixou a sua cadeira se estatelar no chão ao se levantar.
— !
null não estava tendo um dos seus melhores dias.
Perdão, acredito que eu havia usado essa mesma configuração antes, não é?
Bem, de qualquer forma, o dia de null não estava sendo muito bom mesmo.
Ultimamente ela estava tendo dúvidas com relação ao que ela queria de null. Era óbvio que adorava beijá-lo, senti-lo perto de si e também o jeito com que ele a fazia se sentir. Ele era extremamente atencioso e sempre perguntava para ela se tudo bem, se podia tocá-la onde estava tocando, se ela estava se sentindo confortável. Nunca fazia nada que ela não queria fazer. No mínimo, um ser humano decente.
E ela ainda podia beijar outras bocas, assim como ele, claro, porque tinha discutido com ele que eram apenas amigos com benefícios, nada mais do que isso. A ideia de um relacionamento assustava-a mais do que tudo, sendo aquela figura independente que era, mesmo que não necessariamente estar em algo sério significasse perder independência.
null gostava de não ter amarras, em resumo.
Entretanto, depois daqueles dois meses que se passaram desde que null finalmente agira, mais especificamente depois de certa festa na semana passada, ela já não tinha tanta certeza se tinha interesse em beijar bocas que não eram a de null.
Poderia ser possível, mas ela não devia ter gritado o nome de null por isso, certo? De volta aos acontecimentos.
O dia de null não estava sendo um dos melhores porque cinco minutos depois do suicídio de seu querido celular em uma poça de seus próprios fluidos, null tinha, de forma surpreendentemente bem-sucedida, derramado todo o conteúdo de seu copo de suco de uva no seu short branco.
A menos que ela estivesse confortável em parecer que fazia xixi roxo, talvez fosse uma boa ideia null trocar de roupa.
— Meu Deus, null! — null praticamente gritou, ainda em choque com sua própria falta de equilíbrio. — Me desculpa!
Após passar alguns instantes em uma espécie de transe, parecendo não querer acreditar no suco de uva no short mais branco que neve – ou talvez ele só parecesse mais branco em contraste com a uva? –, null prontificou-se a procurar outra roupa para as duas conseguirem sair de casa.
Enquanto ela fazia isso em seu quarto, as duas agradecendo mentalmente por terem escolhido a casa de null, e não a de null, para se arrumarem, a que ainda tinha sua roupa intacta depositou de forma cuidadosa o copo na pia. Depois, foi correndo ajudar a amiga.
— Você não podia pegar um short jeans e só trocar? — null deu o palpite, olhando para as costas de uma null pensativa em frente ao seu armário.
Em vez de responder, a menina tirou o short mais roxo com branco do que branco com roxo e jogou-o nos braços de null.
— Vai ficar manchado! Tenta tirar o máximo que você conseguir do suco, tem Vanish no armário do lado do tanque.
Vinte minutos e um taxista aborrecido indo embora depois, null e null encontravam-se com um short branco praticamente salvo, uma roupa nova e mais atrasadas do que já estiveram antes na vida.
Correram para fora da casa de null e, praticamente se jogando na frente dos carros, tentaram chamar um táxi aleatório na rua mesmo. Não havia mais tempo para pedir outro por uma companhia. Após algumas tentativas mal sucedidas, as duas estavam, finalmente, encaminhando-se para o Centro do Rio de Janeiro, mais especificamente a rua que os cinco amigos sabiam que encontrariam um litrão mais barato do que em qualquer outro lugar.
Parecia que tudo aquilo havia demorado horas e, as duas meninas achavam, seus amigos deveriam estar planejando suas mortes pelo atraso. Entretanto, ambas sabiam que eles iriam perdoá-las assim que elas explicassem o que tinha acontecido.
— Até porque não queremos ninguém irritado a ponto de não dar beijinhos. — null falou com uma fingida inocência, olhando para null com um sorrisinho.
A garota revirou os olhos.
— Como se a minha vida dependesse de null me dando beijos ou não.
null arqueou uma sobrancelha para a amiga, uma expressão de incredulidade apoderando suas feições.
— Ah, é? Então se null não te cumprimentasse com um selinho, você nem ia se importar?
Quando estavam saindo em grupo, e também considerando as vezes que tinham saído juntos sozinhos, era bem comum null e null darem um breve selinho, quase de brincadeira, ao falarem um com outro pela primeira vez. Estava tornando-se tão habitual que null nem colocava muito pensamento na ação, mas a ideia daquilo não acontecer por uma irritação por atraso realmente não parecia boa para null.
Isso queria dizer que a garota gostava de, mesmo que minimamente, agir como um casal com null?
Ela certamente não iria refletir sobre aquilo naquele momento.
— Ele não faria isso. — foi a resposta de null após alguns segundos de silêncio.
null soltou um suspiro alto e virou-se para encarar a amiga nos olhos, levemente segurando uma das suas mãos.
— null, eu sei. — ela disse, voltando com aquele sorrisinho que estava incomodando a amiga. — Você acha mesmo que agindo assim vai chegar a algum lugar?
Claro que null podia fingir que não sabia do que a garota estava falando, porém ela tinha a impressão de que sabia bem. Não sabia como, e muito menos queria tomar conhecimento da forma com que ela conseguira aquela informação, mas pensava que null estava falando sobre a infame festa da semana passada.
— Não é só porque eu disse que ele era meu namorado para me livrar de um embuste que isso quer dizer que estou querendo algo a mais com ele, null.
— Não, claro que não. — a menina concordou. — A coisa é que você nunca tinha feito isso antes, não é? Você sempre se livrou dos embustes sendo forte com o seu “não”, sem usar null como desculpa. Você sequer chegou a hesitar, amiga? — null conseguiu sentir a si mesma ficando nervosa com aquela leitura de null. — O que mudou, meu amor?
null também sabia que fazia algumas semanas que a amiga não beijava mais ninguém em nenhuma festa que fosse, assim como null. As peças encaixavam-se, e tudo estava se tornando muito óbvio. Bastava null admitir para si a realidade dos fatos e finalmente contar para null.
— Nada mudou. — null respondeu, olhando bem sério para ela.
— Mesmo? — null esperava que sua segunda interferência no relacionamento dos dois fosse tão exitosa quanto a primeira. — Se você visse null pegando alguém, não ficaria minimamente sentida? — ela fez uma pausa e continuou sem esperar uma resposta de null. — Não existem momentos para a verdade ser dita, querida. Se você esperar muito para um “momento certo”, vai acabar perdendo muitas chances que não precisavam ser perdidas.
null estava certa, claro. Quando null não estava certa? De alguma forma, dentro daquele corpinho de dezoito anos, uma sabedoria espreitava-se, apenas saindo nos momentos em que realmente era necessária. Às vezes null ficava assustada com a sagacidade da amiga.
— Ok… Acredito que algo possa ter mudado, sim, mas não quero falar sobre isso.
Uma resposta evasiva bastante típica de null. null parecia prestes a responder com algo inteligente quando o carro em que as duas estavam subitamente freou, pegando-as de surpresa.
Revoltado, o taxista apertou fundo na buzina, o que não ajudou muito a melhorar a situação. Havia um mar de carros na frente delas, o trânsito parando gradualmente. Parecia ter ocorrido alguma espécie de acidente.
— Ah, não… — balbuciou null, ecoando seus pensamentos.
— Espero que vocês não se importem em demorar um pouco acima do esperado, meninas. — falou o motorista. — Não está totalmente parado, mas os carros estão andando bem devagar.
Porque é óbvio que havia um acidente no mesmo momento em que elas precisavam chegar o quanto antes no lugar marcado. null revirou seus olhos para o universo.
— Não nos importamos, pode ficar tranquilo. — null mentiu com uma voz doce, já que não era exatamente culpa de ninguém aquilo estar acontecendo.
Permaneceram alguns minutos calados todos os três ocupantes do carro. null achou que seria uma boa ideia retornar ao assunto null de uma maneira sutil.
— Já que você não quer falar sobre isso, então acho que estou liberadíssima para dar umas bitocas no nosso amigo, certo?
null lançou um olhar penetrante, quase mortífero, para cima dela.
— Você não sente atração por homens, null. — Dando de ombros, null abriu um largo sorriso.
— Sua sorte é que eu nasci para exaltar mulheres, e não machos. null estaria perdido na minha mão.
null estapeou de leve o ombro de null. Então, sem conseguir manter-se séria por mais tempo, soltou uma risada boba.
— O que é que eu faria sem você, lindona?
Para isso, null tinha uma resposta na ponta de sua língua.
— Não ia admitir que está desenvolvendo sentimentos por null e nem fazer algo a respeito, tenho certeza. — disse, convencida. — Eu sou aquela que bota bom senso na sua cabeça.
— Ridícula. — null murmurou, mas não tirou o sorriso do rosto.
Meia hora depois, eles finalmente passaram ao lado do que estava causando todo aquele engarrafamento. Na verdade, não houve acidente nenhum – um poste caíra em cima da pista, que se tornara pequena o suficiente para passar apenas um carro por vez. Poucos minutos se passaram e finalmente as duas chegaram onde deveriam estar há, pelo menos, uma hora.
null saiu na frente, sendo seguida por uma null estranhamente compenetrada. Se alguém olhasse para ela, talvez pudesse ver as engrenagens rodando em sua cabeça. Parecia que a menina estava refletindo sobre algo.
Não encontraram o grupo de amigos em pé, mas sim sentados em uma mesa de uns dos barzinhos da rua. Estavam com uma menina que nenhuma das duas conhecia e não perceberam que elas haviam chegado até null, com uma expressão de que queria sair daquela mesa o mais rápido possível, levantar-se bruscamente.
— AMÉM! — ouviram-no dizer, e null prontamente apertou o passo para abraçá-lo. null não demorou para fazer o mesmo.
Assim que null liberou-o de seu cumprimento, null parou em frente à sua amizade colorida, não parecendo estar irritado com a demora das duas. Aproximava-se para suavemente colocar a mão em uma das bochechas de null e dar-lhe o selinho que sempre davam, mas foi surpreendido com os dois braços da menina enrolando-se em seu pescoço e puxando-o. Aquele era o tipo de beijo que davam quando estavam sozinhos ou, pelo menos, em um ambiente mais propício, um pouco menos público. null não percebeu que tinha os olhos arregalados até null momentaneamente parar suas ações e, no ouvido dele, sussurrar:
— Me beija direito, seu bobo.
E foi o que ele fez.
— Nós perdemos alguma coisa? — null ouviu null dizer ao seu lado, ambos olhando atônitos para a cena que discorria na frente da mesa.
null puxou uma das cadeiras e sentou-se. Por algum motivo, aquela situação trouxe-lhe uma sensação de déjà-vu.
— Não muito. — a amiga respondeu, apesar de estar com um sorriso triunfante em seus lábios. — O celular da null cometeu suicídio no banheiro, eu derramei suco de uva no short branco que ela estava usando antes dessa roupa e um poste cometeu o segundo suicídio da noite, causando um engarrafamento bizarro para chegarmos até aqui.
Isso explicava o atraso das duas, certamente, mas não explicava nem um pouco por que null tinha acabado de agarrar null em uma rua qualquer do Centro da cidade quase dez horas da noite. E nem parecia que null queria esclarecer aquilo tão cedo.
— Oi. — a menina falou, virando-se para a desconhecida da mesa. — Eles estão um pouco espantados, então se esqueceram de nos apresentar. Meu nome é null.
A estranha sorriu, e tanto null quanto null concordaram silenciosamente que era um belo sorriso.
— Teresa. — a moça maneou com a cabeça, cumprimentando-a. — Se você é a null, presumo que aquela dali seja a null, certo?
Antes de terem iniciado o assunto “Game Of Thrones”, null tinha explicado para ela que estavam esperando mais duas amigas, essas amigas estranhamente não respondendo nenhuma das mensagens que eles haviam mandado. Teresa só não havia previsto que null fosse tão linda quanto null, e agora se encontrava em um impasse.
— Exatamente. — ela respondeu. — Mas acho que nossa querida null esteja um pouco ocupada agora para se apresentar, Teresa.
— Sem problemas. — A moça riu. — Acho que eu nem saberia o que fazer com mais uma garota bonita na mesa.
null e null entreolharam-se discretamente, e null sentiu que aquela noite seria muito, muito longa.
— O que foi isso? — null questionou, sem fôlego, depois que null decidiu parar com o beijo. Ele estava muito além de apenas uma confusão mental, praticamente tinha perdido seu eixo. Isso queria dizer alguma coisa, significava alguma coisa? null não queria iludir-se muito, muito menos elaborar coisas na sua cabeça para depois decepcionar-se e não poder culpar ninguém além de si mesmo.
— Eu preciso conversar com você. — A maneira séria com que null disse aquilo fez o coração de null pular uma batida. No entanto, antes de poder responder qualquer coisa, mais uma vez foi surpreendido pela amiga, que decidiu segurar a sua mão.
null não fazia aquilo com null, null e null juntos, tampouco na frente de uma total desconhecida e em volta de mais um bando de outros desconhecidos. Algo estava extremamente errado, e null esperava que fosse para o bem.
Ele apertou a mão de null sutilmente.
— Pode falar.
Ela não parecia querer se afastar do grupo, apesar de desejar algum tipo de privacidade, com certeza. null percebeu quando houve certo debate interno dentro de null quanto ao que iria fazer para resolver o problema, e então sua decisão.
A menina abraçou-o, daquele jeito fofo que ela fazia, tirou sua mão da dele e começou a falar bem perto do seu ouvido.
— Na semana passada eu fui para uma festa com meus colegas de curso, você sabe disso. — null assentiu. — Um garoto veio falar comigo, mas eu não estava nem um pouco a fim de beijar alguém. — Ela passou a língua pelos lábios, umedecendo-os, e o menino percebeu quando o coração dela começou a bater mais rápido. — Eu venho não querendo beijar mais ninguém além de você desde algum tempo, null.
O quê?
— O garoto chegou em mim e eu estava prestes a dizer “não”, literalmente na ponta da minha língua, mas, em vez disso, falei “eu tenho namorado”. — null sorriu fraco, a frase saindo mais baixa do que o resto que estava contando, e null sabia que não conseguiria esboçar qualquer reação até saber que ela havia terminado. — E é claro que concordamos em nada sério, nem exclusivo, eu sei disso, só que… — Ela precisava dizer, sabia que tinha que falar e que tinha que ser ali, naquele instante, naquele dia. Porque não havia momento certo para se dizer a verdade, e guardá-la não traria nada além de arrependimentos. — Só que eu quero mais. E quero saber se você também quer mais, null.
Ele nem sabia se conseguia falar algo depois da sinceridade das palavras de null, e o garoto, tão adepto de ações pensadas e repensadas, decidiu honrar a vez que seguira seu impulso e contara a sua verdade, porém não com palavras. A vez que bastou um olhar de null e um champanhe tomado em um gole só para fazer o que gostaria de ter feito há muito mais tempo. E o que fora mesmo que null havia dito quando ele revelara, em um quarto com a porta fechada, naquela mesma noite, que queria beijá-la há meses?
“Minha boca estava aqui, era só ter beijado, seu bobo”.
O eco das palavras de null infiltrou-se na sua mente e dominou-o. Sim, sabia o que tinha que fazer.
Abriu um sorriso travesso, saiu do aperto de null, sem exatamente sair de perto dela, e encarou-a diretamente em seus olhos.
— Achei muito válida a sua proposta, realmente. — Usou uma das mãos para pousar nas costas de null, puxando-a contra o seu corpo e provocando uma onda de calor em si mesmo com o movimento. A outra mão foi na direção de sua nuca. — Quando eu penso que voltei para uma zona de conforto, lá vem você e me puxa dela.
E beijou-a profundamente, bem ali, em uma rua qualquer do Centro da cidade, quase dez horas da noite. Sem explicações necessárias.
— Não é possível, eles estão se atracando de novo! — null falou para, essencialmente, ninguém, já que a conversa entre null, null e Teresa estava muito mais interessante do que qualquer coisa que ele pudesse adicionar.
— Você nunca tinha ouvido falar de RuPaul’s Drag Race? — perguntava uma descrente Teresa para null. — Nossa, e essa temporada que começou agora tem tudo para ser ainda melhor que a última. Eu adorei a Bianca Del Rio.
Ele também não sabia o que era RuPaul’s Drag Race – apesar de, pela forma com que null reagiu, parecia que agora ela sabia o que era –, e nem por isso achava necessário que alguém dissesse aquilo para ele e agarrasse na sua mão.
Respirações profundas, ele repetiu para si mesmo. Respirações profundas.
Você só está agindo assim porque queria ser você segurando a mão da null.
Durante toda a saída com os amigos, até mesmo antes de ele ter chegado, null tentou expulsar aqueles pensamentos não muito agradáveis. Ele sabia o que estava sentindo, sabia o que null, definitivamente, não estava sentindo e sabia que tentar mudar isso era dar um tiro em seu próprio pé. Não, null ia deixar aquele assunto para lá e enterrá-lo no mais profundo buraco de sua mente. null não precisava ter conhecimento dos sentimentos deles, muito menos ter que olhá-lo com pena ao falar um “me desculpa, null, mas não sinto o mesmo”. Seria melhor para todos que tudo continuasse como devia continuar.
Em uma pequena quantidade de tempo aquela tolice de estar gostando de null iria passar, e a menina não precisava saber de nada nem mudar a forma com que conversava com ele.
No entanto, e null tinha que admitir isso, era muito difícil vê-la flertar e beijar outras pessoas, pensando em como nunca seria ele. Nem com um milagre. Ele tentava agir normalmente, mas sabia que pessoas como null e null, sempre tão atentos, estavam prendendo a língua para não falar com ele sobre o assunto. null contava os dias até algum deles finalmente vir importuná-lo, já que, bem, sabia o que qualquer um dos dois iria dizer.
“Você tem que contar para ela”.
E ele tinha a sensatez de admitir que seria a última coisa que ia fazer. Não só isso, esperava que null não percebesse tão cedo. Ou sequer percebesse. Para sua sorte, às vezes ela era cega ao que estava bem na sua frente.
Para seu azar naquele momento, porém, null não estava nem um pouco cega às insinuações de Teresa. E, da onde ele estava, null também não.
Após o término da sessão de interação salivar entre eles, null e null sentaram-se na mesa. Algo havia acontecido, com certeza, porque null não estava escondendo muito bem o carinho que fazia na coxa do “amigo”. E null estava estranhamente quieto enquanto ela fazia aquilo. Teresa pausou a conversa que estava tendo para cumprimentar null, mas não demorou muito para retornar a ela. Com null e null necessitando de privacidade urgentemente e Teresa jogando verde em null e null, null não tinha muito o que fazer além de terminar copo atrás de copo de cerveja e permanecer em silêncio, com seus pensamentos de companhia.
Ele estava com seus quatro melhores amigos, mas nunca havia se sentido tão sozinho quanto estava se sentindo naquela noite.
Abril de 2014
Os cinco amigos iriam se reunir naquele dia na casa de null para uma partida de beer pong. Esperando por null, null e null preparavam os copos com as bebidas enquanto null discutia com null sobre algum assunto que null não compreendeu muito bem, apesar de achar algo a respeito dele familiar.
— Cara, não, a BenDeLaCreme é muito melhor que a Bianca. — null discordou. — A gente está assistindo o mesmo programa?
— Inclusive por estarmos assistindo o mesmo programa é que eu te pergunto: onde diabos você está vendo um talento melhor que Bianca Del Rio naquele lugar?
null soltou uma risada baixinho, mas não se intrometeu na discussão das duas. null olhou de relance para ela, não percebendo que estava imitando o seu sorriso.
— Vou falar duas palavras: Snatch Game. — null pontuou bem as palavras, e null pareceu ter ficado bastante incomodada com o que ela disse.
— Fofinha, não foi a Bianca que teve que dublar no episódio passado.
Aquilo parecia ser muito sério para as duas, porque null acabou por decidir intervir na conversa. Imediatamente ambas calaram-se, apesar de continuarem olhando feio uma para a cara da outra.
O interfone tocou no momento em que null enchia o último copo.
— Vai lá abrir a porta para o seu boy, null. — null comentou, ainda prestando atenção no que fazia. Feliz de sair de perto da criatura que estava insultando sua bebê BenDeLaCreme, null foi em direção à sala de null.
No bolso, null sentiu o celular vibrar, provavelmente com uma notificação de Elisa. A garota em questão tinha entrado junto com ele em seu curso e, por mais surpreendente que fosse, estavam criando uma amizade muito boa. Estivera prestes a contar para ela sobre null em determinado momento, inclusive. Não que quisesse chateá-la com aquele assunto.
— Olá! — null cumprimentou todos, entrando na varanda, um de seus braços segurando a cintura de null. Sussurrou algo no ouvido da menina, que soltou uma risada baixa, e afastou-se dela, indo em direção a null e null. — Precisam de ajuda?
null negou silenciosamente, colocando a garrafa que segurava em um lugar afastado deles, no chão. Então, de cima da mesa, na frente dos copos, pegou uma das bolinhas de pingue-pongue.
— Vamos começar essa palhaçada.
null estava sentada em cima dele.
Não, do seu lado.
Não, no seu colo mesmo.
Bem, uma das pernas da menina estava em sua coxa e a outra encontrava-se apoiada no sofá.
E uma das mãos dela estava em seus cabelos. Sim, disso ele tinha certeza.
— null… — saiu baixo, quase um sussurro, enquanto ele precisava forçar para sua cabeça transmitir um pensamento corretamente. Quando a garota respondeu com um murmúrio seguido de um carinho em sua nuca, null pensou que podia morrer ali. Bem ali. — Está viva?
Ela abriu os olhos suavemente e encarou-o, fazendo um impulso para se sentar completamente em seu colo.
— Muito viva, null.
O garoto engoliu a seco. Seu corpo possivelmente queria traí-lo naquele momento, porém seria mais forte. Ela só estava agindo daquele jeito porque perdera no beer pong, e depois no “eu nunca”, e depois no… Nem ele lembrava-se direito. O que sabia era que null estava bêbada, assim como ele.
— Bom… — null abriu um sorriso de canto, sem querer olhando para a boca dela, tão próxima da dele. — O que quer fazer?
null e null tinham sumido, porque claro que tinham. Estavam se agarrando no quarto de null, com certeza. E null tinha como intenção deixar os dois sozinhos, como dissera para null com todas as letras antes de ir embora alegando que não podia dormir ali. Maldita fosse.
O horário era 22h.
A menina agora se pendurava em seu pescoço e, por algum motivo que null não quis refletir sobre naquele instante, achou interessante responder no pé de seu ouvido, em uma voz sussurrada que provocou arrepios nele.
— Vamos mandar uma mensagem para a Elisa.
O quê?
Antes que ele pudesse reagir, null colocou a mão em seu bolso e, em um puxão, tirou o celular do amigo de lá. Depois, levantou-se completamente e começou a desbloquear a tela.
— null! — null conseguiu reclamar, tentando roubar o telefone de volta.
— Vamos ver… — Ela se esquivou das tentativas do garoto. — Ah! Achei.
Sem muitas escolhas, ele agarrou com os dois braços a cintura de null e puxou-a para o sofá. Perdendo o equilíbrio, ela caiu em cima dele, deixando o celular cair no chão.
Houve um breve momento de hesitação enquanto os dois se olhavam, ambos chocados com a ação do rapaz. null estava com os olhos arregalados e com as mãos no peito dele, ainda sem fazer qualquer tipo de força para empurrá-lo e poder se levantar de novo. Se já não estava ciente do corpo dela perto do seu, naquele momento null não podia sequer mais esconder sua respiração pesada.
Ele conseguia pegar em sua nuca e beijá-la. Podia colocar uma das mãos, já que tirara seus braços da cintura dela, em suas costas e beijá-la. Tinha a abertura e a aproximação para perguntar para ela se queria beijá-lo antes de ser impulsivo, e podia falar ali, justamente ali, o quanto estava enfeitiçado por ela.
E, apesar disso, null não disse nem fez nada.
Calmamente, null pegou o celular do chão, saiu do colo do amigo e sentou-se ao seu lado, estendendo o aparelho para ele.
— Manda mensagem para ela.
null segurou o celular, ainda sem estar totalmente recuperado do que acabara de ocorrer.
— Dizendo o quê, sua doida? — Isso, apelidos funcionavam. Apelidos não eram difíceis de dizer.
A menina deu de ombros, abrindo um pequeno sorriso.
— Eu só acho que você devia falar com ela. Pelo o que me disse, Elisa parece gostar de conversar com você.
Mas eu estou com você agora.
Claro que não ia falar aquilo, então seguiu o “conselho” de null e abriu a conversa com Elisa.
Julho de 2014
— Você vai lá falar com ela sim.
— null…
— Eu nem quero saber! Não tenta inventar desculpa para o meu lado, garoto. Ela gosta de você, e você dela. Qual é o grande problema?
Você.
Claro que é você. Como pode ser tão cega?
null não conseguia mais lidar com aquilo.
— Eu simplesmente não estou no clima, null. Tem como você me respeitar e deixar para lá, por favor?
Ele bem sabia que a partir do momento que alguém dizia que não se sentia confortável com algo ela parava de insistir no assunto. Não sem uma cara um pouco amarrada e braços cruzados, no entanto. De qualquer forma, já estava se arrependendo de ter chamado Elisa para sair com ele e os amigos. Queria que a menina conhecesse seus grandes amigos, é claro, mas se tivesse previsto que null ficaria enchendo seu saco para pedir para ficar com Elisa…
E por que ela estava fazendo aquilo, exatamente? Queria jogar na cara dele que não gostava dele, mas ainda queria vê-lo feliz beijando bocas? Será que poderia ser tão besta a ponto de não perceber o interesse de null nela há meses?
Ah, dane-se.
— Eu vou te dizer qual é o problema. — ele disse, abruptamente, mas capturando a atenção de null para si mais uma vez. Precisou falar um pouco mais alto por conta da música.
“Meus planos eram beijar outra pessoa essa noite”?
“Eu gosto de você desde o ano passado e quero saber se você sente algo”?
“O que eu tenho com a Elisa é só amizade, e, na verdade, quero ter algo a mais com você”?
“Não aguento mais não saber como é beijar a sua boca”?
Isso seria muito fácil, não é? Aposto que seria. Resolveria as coisas, até, e, veja bem, não era para nada ser resolvido.
— Qual é, então, null? Pode falar. — null falou, começando a se movimentar no ritmo da música que tocava, porém ainda séria. null sentiu as palmas de suas mãos suarem frio.
Ele não tinha a coragem, muito menos a capacidade, de iniciar a explicação do problema. Então, em vez disso, apenas começou a dançar, logo vendo os outros chegando com a bebida dos dois em mãos.
Elisa parecia estar se dando bem com todo mundo, e ele não podia estar mais contente, pelo menos por conta daquele aspecto específico da noite. null sabia que a garota seria um acréscimo muito bom para o grupo e, além disso, que null logo iria gostar dela por outros motivos.
A menos, é claro, que null cumprisse seu papel de pessoa chata e conseguisse convencê-lo a tentar algo com Elisa.
— Deixa… — comentou, fazendo um gesto com a cabeça para indicar os amigos que chegavam. — Olá, gente. Cadê minha bebida?
Notou que Elisa segurava duas long necks e logo estendeu uma para ele. Ele agradeceu silenciosamente e deu um gole um tanto mais demorado que o normal.
— Ow, vamos com calma, pessoa. — null disse, arregalando os olhos e tocando no ombro de null. — Não quero ter que carregar ninguém daqui hoje.
null deu uma risada fraca, sendo seguida por Elisa. null olhou para as duas com um pouco de irritação.
— Me deixem com a minha amada, fazendo o favor. — E abraçou a long neck. — Ela me entende como ninguém.
Duas long necks bebidas e um shot de tequila surpreendentemente caro depois, null estava se sentindo com uma determinação e coragem nunca antes vistas. De repente, a ideia de chegar em null parecia ser muito boa, e ele ignorava todas as pequenas vozes em sua cabeça dizendo o quanto aquilo não ia dar nada certo.
— Isso não vai dar certo.
Ãhn?
O menino virou-se em direção ao eco de sua própria consciência e deu de cara com um rosto conhecido, porém que não via há um bom tempo.
— Matthew?! — Talvez sua reação tenha sido um pouco exagerada pela inibição provocada pelas long necks e o shot. — Oi!
E foi direto para um abraço apertado, digno de reencontro entre dois familiares em meio a uma guerra. Matthew ficou desconcertado com aquilo, mas apenas pôde supor que null já tinha tomado sua dose da noite.
— É bom ver você também, null. — ele falou no ouvido do garoto. — Mas você sabe que se bastou um minuto para eu ver você observando null dançar e entender que você quer ir falar com ela com segundas intenções, sua cara não está muito escondida para o crush.
null sentiu-se subitamente congelado.
Então ele não estava ouvindo coisas, Matthew realmente conseguiu ler as vozes cochichando em seu ouvido.
— É… É que… — null tentou justificar.
Matthew saiu do aperto e abriu um sorriso de canto, olhando nos olhos do menino.
— Acho que muita coisa mudou depois que eu terminei com ele, não é?
Se Matthew conseguiu perceber as nuances das emoções de null em um minuto, demorou muito menos para ver null agarrado na cintura de null e dançando junto de seu corpo, beijando-a ocasionalmente.
null sentiu-se coçando sua própria nuca.
— Sim, bastante coisa mesmo.
Observou o ex-namorado de null olhando para a roda de amigos com uma expressão de melancolia. Em outra situação, talvez ele tivesse conversado coisas rasas com Matthew e nem ter chamado-o para interagir com o resto, considerando os sentimentos do menino com relação a null namorando null. No entanto, naquela situação, null estava se sentindo particularmente sem filtros.
— Vamos até eles, cara! — Começou a levar o garoto pela mão na direção da roda de amizades, ignorando solenemente as reclamações dele atrás de si. — Eles não se importam!
null, de alguma forma, foi o primeiro a notar a aproximação e quase voou para cima do pescoço de null, que vinha todo sorrisos.
— Matthew! — null exclamou, chamando atenção para a dupla dinâmica. null franziu o cenho e olhou na direção que null observava. Assim que entendeu, quis enfiar sua cabeça em um buraco, o que suspeitava ser a vontade de null também.
Não que Matthew e null tivessem terminado de forma ruim, longe disso. Só era… estranho, ainda mais sabendo que nem null, nem null, muito menos Elisa entenderiam muita coisa até algum deles explicar o que estava acontecendo.
— Oi. — o ex-namorado abriu um sorriso constrangido, parecendo ser o terceiro que gostaria de se enfiar em um buraco. — Desculpe a intromissão, o null parece estar bastante animado hoje.
null saiu da proximidade de uma null bastante confusa e, um tanto sem jeito, foi abraçar Matthew. Depois de alguns segundos de desconforto, apresentou o garoto para os demais.
— null, null e Elisa, esse é o Matthew. — todos acenaram, não sabendo bem se deveriam cumprimentá-lo de alguma outra forma. null foi a única que o abraçou como null havia feito, dando um beijo em sua bochecha. — Eu e ele…
— Os dois namoraram antes de conhecermos vocês. — null interrompeu, referindo-se a null e null. Notou null ligeiramente arregalando os olhos.
— Ah… — null debatia-se internamente sobre como falar com o ex-namorado do atual namorado, então pareceu se recordar de algo. — É um prazer conhecer o ser iluminado que apresentou Pink Floyd para o null.
Matthew soltou uma risada agradável para os ouvidos, a barreira do incômodo de repente quebrando-se. Até Elisa parecia ter soltado o ar que prendia.
— Temos que botar bom gosto nessas crianças, não é mesmo?
Na frente dos cinco, Matthew e null começaram a engatar em uma conversa sobre Pink Floyd, Led Zeppelin, Aerosmith e se Nickelback um dia iria deixar de ser um meme universal. Sobre o último, entraram em um acordo de que não, Nickelback sempre seria um meme.
— A pergunta que define caráter: Ozzy ou Dio?
null olhava para os dois, atônito, null decidiu arrumar algo para fazer, ou melhor, uma boca para beijar, Elisa parecia apreciar a conversa e tecer alguns comentários aqui e ali, null estava prendendo o riso e null… Bem, null queria beijar null, mas isso não era novidade.
— null. — o garoto disse no ouvido da amiga, tentando chamar atenção para si. Quando percebeu que a menina estava atenta, falou na voz mais contida em sentimentos que conseguiu: — O que você acha da ideia?
Ele engoliu a seco enquanto olhava para o rosto da menina.
— Que ideia? — Precisamente a pergunta que ele queria que ela fizesse, exatamente no momento em que desejava, no lugar e situação mais propícios para conseguir dizer.
— De um beijo meu.
Pronto, estava dito.
Sem voltar atrás.
Sem arrependimentos.
Colocando seu coração a disposição de o que quer que ela quisesse fazer com ele.
Talvez ela não soubesse da imensidão, da profundidade que a sua resposta teria sobre o amigo, mas aquilo teria que ser o suficiente. Pelo menos por ora.
“Um dia essa merda vai explodir na sua cara e você vai se arrepender.”
Não, aquilo era o suficiente. null não precisava de mais do que saber que ele estava interessado em beijá-la.
Não precisava saber de sentimento algum.
null abriu um sorriso de canto, aquele sorriso que ela usava quando reagia a algo minimamente indecente. Sentiu seu coração palpitar um pouco e tentou aquietá-lo respirando fundo.
— Ora, ora, lindinho. Está interessado nessa boca?
Ela virou-se para ele, colocando a mão no peito de null e desenhando círculos com um de seus dedos. Os lugares por onde o dedo passava transmitindo ondas de calor para todo o corpo de null, e ele, sem perceber, começou a perder o compasso de sua respiração. A outra mão de null foi para a nuca do garoto, na tentativa de aproximar o ouvido dele da boca dela para que ele a escutasse melhor, mas aquilo não estava fazendo nada bem para qualquer resquício de sanidade que tivesse.
— Estou um pouco surpresa, devo admitir. — null, estranhamente, descia do ouvido dele para seu pescoço. null talvez tivesse perdido a habilidade de falar. Então, o garoto começou a sentir null respirando contra a sua pele, sua boca aproximando-se como se fosse beijar o seu pescoço. — Mas você sabe que eu só te beijaria de brincadeira, e você nunca foi de fazer isso.
Não tinha a força de vontade de abrir a boca e dizer que não se importava com os motivos ou a forma que ela o beijaria, desde que beijasse e acabasse com seu tormento. Aliás, não tinha notado, mas ele havia segurado a garota pela cintura e fazia carinho ali com o polegar da mão direita.
Embriagado e com tesão. Que combinação para o fracasso. Consegue controlar suas emoções, null? Porque ela não parece sentir algo, e você quer algo. Realmente vale a pena se iludir com um beijo e nada mais do que isso?
O quanto você está disposto a colocar as cartas na mesa e assumir a verdade, aquela verdade que você não quer admitir nem para si mesmo? O quanto tem de coragem para contar para ela e ser sincero?
— É, você tem razão. Acha que se eu chegar na Elisa assim ela vai achar legal?
Foi o que pensei.
Agosto de 2014
— Você está fugindo, null, como fugiu mês passado. — null botou a mão nos seus cabelos e parecia querer arrancá-los. — Claro que você está, quando é que não foge?
— E o que importa mês passado? Até onde eu sei, não estou namorando a null e nem indo passar um final de semana com a null.
null soltou uma risada irônica.
— Não, não, claro. Você está namorando a Elisa, está certo. E indo para Búzios com ela. Está namorando a Elisa e indo para Búzios enquanto sente alguma coisa pela null. Parabéns pelo plano bem sucedido.
null revirou os olhos. Voltou a guardar suas coisas e decidiu ignorar o que null dizia.
— Acha mesmo que isso vai dar certo, null? Namorar alguém gostando de outra?
— Eu não gosto da null, null! Por favor, para com essa história. Eu estou com a Elisa, é pela Elisa que eu tenho sentimentos.
— Queria poder acreditar nisso, null. — null murmurou, não exatamente para ele. — Sabe, eu realmente quero te ajudar, mas você não consegue nem passar pelo primeiro passo, que é admitir que está mentindo para si mesmo.
— Por que parece que vocês só se repetem? — null questionou, em total frustração. — Já tive essa mesma conversa com a null há dois meses, já tive com um null bêbado vomitando no banheiro mês passado, já tive de certa forma até com o Matthew. Só null, null e null. O que deveria fazer, o que eu não deveria fazer, o que eu tenho a obrigação de fazer. É sempre a porra da mesma coisa, null! A vida é minha e eu faço dela o que eu quiser!
Agarrou a mochila e saiu batendo a porta do quarto, deixando uma null chocada para trás.
Alguns instantes depois, a porta batida com fúria foi aberta.
— Eita, mas o que foi isso? — null entrou no quarto, um pouco atordoada, tendo escutado apenas uma parte da discussão dos dois. Ela, null e null tinham dormido na casa da primeira depois de uma maratona de High School Musical formada por todos, menos null, que estava viajando naquele momento. null não teve como permanecer na casa da namorada e saiu pouco depois de onze da noite anterior.
— Adivinha. Só adivinha. — null sentou-se na cama de forma abrupta, completamente irada com a reação do amigo com ela apenas tentando ajudá-lo. — Ele quer se foder sozinho, null. Não adianta.
— Cara… — null começou, sentando-se do lado da garota. — Ele está namorando a Elisa. Ponto final. O null fez a escolha dele, nós o ajudamos até o nosso limite para ele poder fazer essa escolha racionalmente. Eu entendo que você está frustrada por ele não seguir o que você quer, que é ser sincero com ele mesmo, mas será que nós estamos totalmente certos em continuar interferindo em algo que não é nosso?
null encarou-a com o cenho franzido.
— Como assim?
— Ele tem dezenove anos, null. Sabe bem as consequências das suas ações. Ele não quer admitir que sente algo pela null? Ok. Ele não quer nem contar para a null, sendo que a gente sabe que ela não é totalmente burra? Ok. Ele quer tentar algo com uma menina sabendo que não está 100% na relação? Ok. Não temos nada a ver com isso. No final, quem perde é ele.
E null teve que admitir que, pela primeira vez, não existia mais como ela poder ajudar o amigo. Tentara de tudo, de todos os jeitos, com todas as palavras. Por mais que se importasse com ele e sabendo que estava cometendo um grande erro, null estava certo: a vida era dele e ele fazia dela o que quisesse.
Inclusive se isso significasse null se foder sozinho.
— Mas vamos falar de coisa boa, null. — null disse para cortar aquele clima pesado que se estabelecera no cômodo. — Vamos falar de: será que um dia encontraremos Teresa novamente?
A amiga riu, assentindo com a cabeça. Aquilo parecia ter acontecido há muito tempo.
— Espero que sim, ela me deve o beijo que deu na null. Aquela sortuda.
null não apenas chegou demonstrando a graça de sua presença. Ele chegou avançando na namorada como um animal, desesperadamente beijando-a até que os dois perdessem o equilíbrio e caíssem no chão, rindo.
Está tentando provar alguma coisa, null? Que interessante.
— Também senti sua falta, amor. — Elisa disse, em meio às risadas. — Adorei a recepção.
null deu um último selinho nos lábios dela e levantou-se, ajudando-a em seguida. Olhou para as bolsas arrumadas da menina e deu um longo suspiro.
— Mal posso esperar pela viagem.
Elisa abraçou-o por trás, dando um beijo estalado em seu ombro. Não podia estar mais feliz.
— Nem eu. — Olhou-o de forma um tanto desengonçada pelo ângulo, mas ainda sim notou algo estranho no semblante do namorado. — Está tudo bem, null?
O garoto concordou com a cabeça, pegando em uma das mãos de Elisa e beijando a palma. Seu lábio, que ostentava um porte sério sem muito sentido, abriu-se em um sorriso com certa malícia.
— Estou pensando no que podemos fazer em um quarto só nosso, com uma vista linda para a praia, amor.
Elisa saiu de trás do namorado e foi para a sua frente, apoiando o braço no ombro dele. Usou a mão para fazer força nas costas do garoto, puxando-o para si.
— Temos um quarto só nosso agora, querido. — ela falou lentamente, olhando para a boca dele. — E eu posso pensar em uma vista melhor do que a praia para você.
Soltando uma risada fraca, agarrou a bunda de Elisa com uma das mãos e, com a outra, pegou a parte inferior da bochecha dela, ajustando suas posições. Quando seus lábios encontraram-se de novo, não havia mais a selvageria de antes, mas sim uma lentidão agradável, que fazia Elisa se mexer de um jeito muito bom para null.
Tudo era muito bom para null.
Outubro de 2014
— Ah, vamos, null! Vai ser divertido. — null disse com um brilho nos olhos, referindo-se à festa de karaokê de todas as quartas-feiras em uma boate da cidade.
null não estava em um dos seus melhores humores. Ela sempre ficava muito mal-humorada quando ficava muito tempo sem sair com todos os amigos, o que estava acontecendo bastante.
Estava vendo null e Elisa muito mais do que null, null e null ultimamente. Por mais que apreciasse e adorasse a companhia do casal, null sempre se sentia como um peixinho fora d’água, a que ficava segurando vela.
Sem muita escolha, ela deu de ombros para a sugestão dos dois.
— Isso! — Elisa bateu palminhas, animada para a noite que se seguiria. — Vem, vamos nos arrumar.
Meia hora depois, todos os três já estavam prontos para cantar desafinadamente e rebolar a bunda no chão. Enquanto eles conversavam, discutindo se deveriam ir de metrô ou pedir um táxi, null notou que os dois estavam agindo de uma forma um pouco estranha. Era apenas uma impressão sua, mas parecia que estavam escondendo alguma coisa nas entrelinhas. Elisa não parava de arregalar os olhos de leve para null e sutilmente apontar null com a cabeça.
null parecia ignorar o que Elisa estava sugerindo, e, pouco tempo depois, decidiram ir de metrô mesmo, comprando algumas cervejas e bebendo pelo caminho. Era proibido entrar bebendo no metrô, ainda mais cerveja, claro, porém ninguém se importava com isso às dez horas da noite.
Encontraram um lugar para sentar e ficaram se entretendo com a câmera do celular de null, tirando fotos extremamente idiotas, até o destino da boate. Andaram um bom tanto depois da saída do metrô, porém finalmente chegaram ao estabelecimento.
null nunca tinha estado ali antes. Parecia uma casa com dois andares, só que com música alta, um telão em uma sala aberta e dois bares, um no andar de cima e outro no térreo. E muitos cantos escuros. Assim que entraram, null sentiu uma sensação agradável de conforto, e não se arrependeu da decisão de sair em uma quarta-feira para se divertir com os dois amigos.
null e Elisa estavam fazendo aquelas caras de novo.
— Gente… — null disse para os dois, colocando as mãos nos ombros direito e esquerdo, respectivamente, de Elisa e null. — O que está acontecendo?
Ela sentiu mais do que ouviu Elisa pigarrear para o namorado responder aquela pergunta.
— É… — o menino começou, um pouco constrangido. — Eu e a Elisa conversamos e queríamos te propor… uma coisa.
— Propor o quê?
A garota não fazia ideia do que eles poderiam dizer, mas, naquele instante, com o tédio que estava a sua vida, duvidava muito que fosse recusar o que quer que fosse.
— Você quer ficar com a gente?
Espera.
O quê?
— Como é? — null questionou, olhando para os dois como se tivessem enlouquecido.
— Nos beijar. — Elisa respondeu, bastante animada. — Sabe, separado e junto. Me beijar, beijar null ou darmos um beijo triplo. Acho que vai ser legal, já conversei com o null sobre isso e estamos de boa.
Aquilo era muito para a pequena null processar só tendo terminado uma cerveja.
Ela estendeu um dedo na frente deles.
— Eu já volto. Fiquem aí.
Com uma rapidez impressionante, null pôs-se encostada no bar, pedindo uma dose de vodka e pegando o celular, que estava em sua bolsa. Abriu imediatamente o aplicativo do Facebook para entrar no grupo de conversa entre ela, null e null.
“Por favor, me ajudem.”
Agradeceu pela dose quando o barman voltou com ela e virou-a pura. Seus olhos voltaram-se logo para a tela, esperando alguma mensagem das duas. Rezou baixinho, mesmo não sendo religiosa.
null veio ao seu resgate.
“O que houve?”
“null e Elisa acabaram de se tornar o casal modelo do século XXI”
“Ãhn?”
“Eles abriram o relacionamento, e acho que só para mim”
“COMO É QUE É”
“Eu nem tô brincando”
“Eles pediram para você pegar os dois?”
“Sim”
“E o que você disse?”
“Disse nada, vim para o bar me esconder dentro de um garrafão de 4,6 litros de Cantina da Serra”
Leu null elogiando sua escolha de esconderijo e pediu outra dose antes de voltar para o que realmente queria saber.
“Mas, null, você acha válido?”
A amiga demorou um pouco para formular a sua resposta, o que deixou uma null muito ansiosa. Sentiu o celular vibrar com a notificação enquanto virava a segunda dose.
“Se você se sente confortável e acha que tudo bem, se joga”
Por algum motivo, null sentiu que não era bem aquilo que null queria dizer. Guardou o celular, desencostou do bar e voltou para onde tinha deixado null e Elisa. Encontrou os dois dançando ao som da música, conversando entre si. Chegou perto deles e, sem muito medo de qualquer coisa, afinal, a noite era uma criança, falou:
— Então quer dizer que vocês estão querendo uma outra boquinha bonitinha?
Ela não sabia como tinha se metido naquilo.
Quer dizer, sabia bem como tinha se metido, mas não esperava que fosse continuar ali.
A mão de null arranhava a parte interna na sua coxa, perigosamente perto de certa região, que pulsava de excitação. Ele a beijava de uma forma deliciosa, às vezes mordendo seu lábio inferior, sussurrando obscenidades no ouvido dela. Era um deleite. Elisa, por outro lado, estava focando-se no pescoço da menina, lambendo e arrepiando a pele com sopros de ar quente. null tinha que se controlar para não gemer baixinho, denunciando o quanto aquela situação a estava afetando. Usava a mão direita para puxar os fios de null enquanto a esquerda brincava com o cós da bermuda dele, uma das unhas arranhando-o sem aplicar muita força. Sempre que null começava a pressionar mais o seu quadril no de null, roçando sua intimidade, claramente excitada, na dela, ela parava de arranhar a pele perto da bermuda.
— Você está fazendo isso para me provocar? — ouviu a voz rouca de null sussurrar, fazendo a menina abrir um sorriso de lado.
Não queria ter que responder aquilo, porque, se respondesse, teria que admitir o quanto estava adorando provocar o amigo, então saiu do aperto dele e concentrou-se em Elisa.
Com a menina, null entendeu rapidamente o que ela gostava. Podia conhecê-la há pouco tempo, mas a combinação entre movimentos circulares em áreas inferiores e mordidas no pescoço parecia deixá-la bem feliz. E foi o que null decidiu fazer. Sentia o calor crescente emanando de ambos os seus corpos, e, deleitando-se em ouvir os gemidos baixos de Elisa, ela desceu a cabeça do pescoço da menina e colocou a boca no bico de um dos seios. Primeiro usou os dentes, puxando de leve a carne. Ouviu um som sonoro de aprovação da garganta de Elisa. Depois, chupou-o de leve, com muita calma, com toda a paciência, intensificando a velocidade dos movimentos da mão que estava dentro da calcinha de Elisa.
Sentiu null beijando suas costas, fazendo uma trilha molhada sobre sua espinha dorsal. Aquele lugar era um pouco sensível, então a onda de excitação não foi uma surpresa, mas muito bem recebida. null afastou os cabelos dela da parte lateral do rosto, liberando o acesso à orelha de null. Outra área sensível, como o idiota bem sabia. Perdeu o foco do que fazia com Elisa quando null mordiscou o lóbulo de sua orelha e lambeu ao redor, dizendo em uma voz baixa:
— Não sabe há quanto tempo eu queria fazer isso.
E sentiu a mão dele vagando pela sua cintura e entrando no short que usava.
null deu um selinho em Elisa, internamente pedindo desculpas para a menina. null estava brincando com fogo – logo o seu fogo – e iria se queimar.
Ela mudou de posição, voltando a ficar de frente para null. Olhou-o fundo nos olhos, desafiando-o a continuar o que queria fazer. Por alguns segundos, ele hesitou.
Aquela era uma linha que não deveriam atravessar.
Relutantemente, null tirou sua mão, repousando-a na cintura de null. Dando uma olhada em Elisa, que prestava atenção ao filme, a menina, então, agarrou a gola da blusa de null, dando um puxão para si.
null permaneceu onde estava, já que não esperava que ela fizesse aquilo e null não era exatamente forte.
— O que você está fazendo? — ele perguntou para ela.
— Vem cá. — null respondeu, simplesmente. Isso bastou para null, que sentiu um arrepio percorrer seu corpo ao ver o desejo nos olhos da amiga. E era desejo por ele.
Eles se beijaram novamente, as mãos de null brincando com as sensações que poderia proporcionar no corpo do outro. Um pensamento ocorreu em sua cabeça: se Elisa tinha a deixado masturbá-la, também poderia fazer algo assim com null. Afinal, os dois tinham conversado sobre aquilo e concordado que estava tudo bem.
Aquela era uma linha que não deveriam atravessar?
Retornou à provocação de passar o dedo pela pele perto da barra da bermuda de null, mas dessa vez decidiu não parar por aí. Aos poucos, quase sem dar nada a entender, foi enfiando o dedo cada vez mais fundo, até o limite que a elasticidade do material impunha.
Então, abriu o botão da calça. null parou de beijá-la, parecendo atônito. Em resposta, null abriu um sorriso e mordeu o lábio inferior.
Não foram palavras que os fizeram consentir em uníssono que aquela era uma linha que deveriam atravessar. Foi o jeito que null deslizou o zíper, o jeito que usou o dedo para brincar com a extensão de null, o jeito afetado com que o garoto reagiu àquilo.
— Você é má, null. — null conseguiu murmurar, para logo em seguida a menina dar um leve aperto no membro, o que o fez perder o ar.
— Ah, não sabe como, lindinho.
Novembro de 2014
null estava tendo sonhos.
Sonhos eróticos.
Sonhos eróticos com uma menina que não era Elisa.
Ele ficara de boca fechada. Quando ela o perguntou se algo tinha acontecido, ele respondeu que não. Nada aconteceu, claro. Tinha virado uma rotina. Ele e Elisa saíam com null, null os beijava, null dizia coisas, null…
null o matava. null o fazia querer arrancar suas roupas e as roupas dela.
Entretanto, não era com null que ele tinha um relacionamento. Não era com null que ele deveria imaginar certas coisas enquanto, de noite, entretinha-se para pegar no sono.
Ele tinha que contar para ela. Não conseguiria segurar mais aquilo dentro dele. E daí que estava namorando outra? null iria ver além disso, iria perdoá-lo por nunca ter dito nada até aquele momento, e os dois finalmente poderiam cumprir o que sempre esteve no alcance deles: uma combustão.
Sem pensar duas vezes, bateu na porta da amiga.
— É sobre você.
Em pé em seu quarto, null cruzou os braços.
— Sobre mim? Como assim?
null respirou fundo, forçando-se a dizer aquelas palavras entaladas dentro de seu coração.
— Eu gosto de você, null. Sempre gostei, desde algum tempo. Nunca tive o que precisava para me arriscar e te falar isso, mas agora tenho. — Aquilo era o certo, tudo ia dar certo. A verdade era certa. — Eu nunca me senti assim com ninguém. Você me deixa… vivo. Nunca verdadeiramente me senti vivo com a Elisa, só com você.
Não, havia algo errado. null não estava concordando com ele, na verdade, estava estranhamente quieta. Como poderia estar errado, se contava a verdade?
— Eu vou terminar com a Elisa… Quer dizer, se você sente o mesmo, vamos tentar, null. Vamos nos fazer dar certo. É só dizer a palavra e eu termino com ela.
Aquilo pareceu ser o suficiente para null.
— O que foi que você fez? — null questionou, as mãos sob a sua boca. Seu corpo inteiro parecia retesar em dor, as palavras saindo em um sufoco. — null, o que porra foi que você fez?
Ele gaguejou algumas palavras, sem de fato pronunciar uma frase completa ou ao menos algo compreensivo. Não estava entendendo o que ela queria dizer. null finalmente revelara seu segredo, as coisas agora se encaminhariam para onde tinham que se encaminhar: null e null, null e null.
— Você começou a namorar com ela, null. Disse que estava apaixonado por ela, beijava-a, chamava-a de amor e… Nesse tempo todo, nem ao mesmo queria estar com ela? — Os olhos de null começaram a ficar marejados com o andamento de seu raciocínio. — Não, nem isso. Se fosse isso, era uma coisa. Mas você queria estar com ela, não é? Quer dizer, era agradável alguém ter algum tipo de sentimento por você e te fazer sentir desejado. Era muito, muito bom ela chegar para você e dizer que queria transar, que queria gemer só no seu ouvido, certo? E você estava no melhor dos mundos, olha só. — O jeito que null olhava-o fazia null se sentir sujo, imundo. Repulsivo. — A namorada na cama e a sua melhor amiga na boca, as duas nas suas mãos.
null, mais uma vez, tentou reagir. Falar que null estava errada, tentar justificar seus atos, tentar consertar alguma coisa. Confessar seus sentimentos mais uma vez, talvez. Se ela prestasse atenção, se null conseguisse separar a situação do que estava bem ali, esperando por eles, toda aquela atmosfera de sensações… Ele sabia que, ao menos naquele momento, não era o único que sentia algo.
Entretanto, ele não estava conseguindo suportar o jeito que null olhava para ele para dizer qualquer coisa.
A garota riu em absoluto desdém.
— Nem ao menos tem a dignidade de tentar negar algo, null. É isso que você é: um covarde. — As palavras pareciam frágeis para ela, saindo aos pequenos soluços, enquanto null tentava controlar sua vontade de chorar ao mesmo tempo em que queria socar a cara de null. — Um covarde, realmente, porque se fosse no mínimo decente, se pensasse, nada disso teria acontecido. — null aproximou-se mais dele, encarando-o duramente nos olhos e expressando o mais puro desgosto que conseguia demonstrar. — Você decidiu ser guiado pelos acasos da vida em vez de tomar decisões que os interferissem, null. Sequer tomou alguma decisão? Dependa dos outros para tomar seu rumo e é isso que você recebe como resposta.
Nunca fora adepta à violência, por mais que null merecesse um tapa bem no meio de sua bochecha para ver se aprendia a tomar vergonha na cara. Sua única saída, ali, era a porta do quarto, por mais que fosse o seu quarto. Precisava do simbolismo, e precisava sair o mais rápido possível de perto de null.
Podia ouvir o garoto seguindo-a, chamando por seu nome, tentando segurá-la. Desvencilhou-se como uma maestra, sem querer ouvi-lo nem tentar voltar atrás em sua decisão. null não merecia segundas chances, muito menos sua compreensão. Fez o que fez, não havia mais o que mudar.
Ele destruiu sua confiança, mentiu para ela, enganou-a e, não só isso, deixou-a, como papel final, a “escolha” de terminar com a namorada. Havia limites, e null ultrapassou todos. Não apenas isso, realizara aquilo conscientemente, sabendo bem que havia consequências para tudo. E ali estavam elas.
Se ele sempre soube que nunca esteve definitivamente apaixonado por Elisa, porque precisou, depois de todo aquele tempo, beijar null para agir? Se ele nunca negou seus sentimentos sobre null e entrou no relacionamento sem resolvê-los, por que não foi sincero com Elisa? Quanto tempo ele teve para contar a verdade antes de se envolver, aliás? Antes de namorar alguém? O que, de fato, teria mudado se null tivesse simplesmente dito tudo assim que soube concretamente o que sentia? Por que, null suplicava internamente, por que ele só havia falado agora? Por que não terminara seu namoro em vez de chegar e pedir uma decisão dela? Por que aquilo tinha que cair nas costas de null?
Não, aquilo não estava certo. Nada daquilo. Ele não tinha o direito de agir como um completo idiota, estúpido, macho e se safar fazendo promessas. Falando que “ia terminar com Elisa” se null pedisse. Não, não. Elisa não merecia aquilo, muito menos ela.
Em sua estúpida ideia de conquistar a garota, ele a perdeu.
Não espere pelo amanhã. O amanhã pode não chegar. Faça hoje.
Fim
Nota da autora: Acho que foi a shortfic mais longa que eu já escrevi? Socorro, tô até agora sem acreditar.
Queria deixar aqui uma confissão. A treta principal da fanfic, ou seja, todo o problema que rolou entre os dois principais não é ficção. Algumas coisas são, mas a essência – a principal ficar com a namorada do principal e também com o principal e isso dar problema – é real. Isso aconteceu comigo, e... eu era a principal HAHAHAHA E o “null”, meu melhor amigo, estava namorando a “Elisa”, uma menina que ele conheceu na faculdade. Eu fiquei com os dois. Deu uma grande merda, como vocês podem observar. Muitas cenas da fanfic são baseadas em situações que aconteceram mesmo, aliás.
Não sei se algum dia vou me arrepender de ter colocado isso tudo em palavras e ter exposto um pedaço da minha vida, mas, bem, eu espero que vocês tenham se entretido lendo, apesar de as coisas não terminarem muito bem. Isso também é outra coisa que é verossímil com a realidade: eu não falo com o null há meses, e ele (ainda) não terminou com a Elisa.
Para finalizar essa nota, deixo vocês, caras leitoras, com uma afirmação importante, que eu espero que vocês tenham percebido durante a leitura: o relacionamento da Lia e do Chen foi tão desenvolvido na história para mostrar um contraste. Esses dois não ficaram naquilo de “esperar o momento certo”. Não existe momento certo. Se você tem algo a dizer para alguém, principalmente sobre sentimentos, não é para ser guardado a sete chaves. Não cometa os mesmos erros de outros. Se o null tivesse sido honesto desde o início não só com a Tay, mas consigo mesmo, será que a história seria diferente? Será que ele iludiria a Elisa, como continua iludindo, aliás? Será que eu estaria aqui contando sobre como o melhor amigo beijou a melhor amiga e tudo deu certo, sem drama, sem namorada envolvida, se ele só tivesse chegado e dito “ei, Tay, eu gosto de você”?
Infelizmente não foi bem isso que aconteceu, e infelizmente seres humanos cometem erros. Alguns erros comprometem uma amizade inteira, mas, olhando por outro ponto de vista, esses erros também geram ótimas histórias.
E eu gosto muito de contar ótimas histórias.
Beijos no core iluminado de vocês,
Caroline.
Outras fanfics minhas:
03. Where Do Broken Hearts Go (Ficstape #003: One Direction - Four/Finalizada)
Lisboa (Especial All Around The World/Finalizada)
His Phonecall (Outros/Shortfic)
The Moon (Outros/Finalizada)
Queria deixar aqui uma confissão. A treta principal da fanfic, ou seja, todo o problema que rolou entre os dois principais não é ficção. Algumas coisas são, mas a essência – a principal ficar com a namorada do principal e também com o principal e isso dar problema – é real. Isso aconteceu comigo, e... eu era a principal HAHAHAHA E o “null”, meu melhor amigo, estava namorando a “Elisa”, uma menina que ele conheceu na faculdade. Eu fiquei com os dois. Deu uma grande merda, como vocês podem observar. Muitas cenas da fanfic são baseadas em situações que aconteceram mesmo, aliás.
Não sei se algum dia vou me arrepender de ter colocado isso tudo em palavras e ter exposto um pedaço da minha vida, mas, bem, eu espero que vocês tenham se entretido lendo, apesar de as coisas não terminarem muito bem. Isso também é outra coisa que é verossímil com a realidade: eu não falo com o null há meses, e ele (ainda) não terminou com a Elisa.
Para finalizar essa nota, deixo vocês, caras leitoras, com uma afirmação importante, que eu espero que vocês tenham percebido durante a leitura: o relacionamento da Lia e do Chen foi tão desenvolvido na história para mostrar um contraste. Esses dois não ficaram naquilo de “esperar o momento certo”. Não existe momento certo. Se você tem algo a dizer para alguém, principalmente sobre sentimentos, não é para ser guardado a sete chaves. Não cometa os mesmos erros de outros. Se o null tivesse sido honesto desde o início não só com a Tay, mas consigo mesmo, será que a história seria diferente? Será que ele iludiria a Elisa, como continua iludindo, aliás? Será que eu estaria aqui contando sobre como o melhor amigo beijou a melhor amiga e tudo deu certo, sem drama, sem namorada envolvida, se ele só tivesse chegado e dito “ei, Tay, eu gosto de você”?
Infelizmente não foi bem isso que aconteceu, e infelizmente seres humanos cometem erros. Alguns erros comprometem uma amizade inteira, mas, olhando por outro ponto de vista, esses erros também geram ótimas histórias.
E eu gosto muito de contar ótimas histórias.
Beijos no core iluminado de vocês,
Caroline.

Outras fanfics minhas:
03. Where Do Broken Hearts Go (Ficstape #003: One Direction - Four/Finalizada)
Lisboa (Especial All Around The World/Finalizada)
His Phonecall (Outros/Shortfic)
The Moon (Outros/Finalizada)
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