Uno
- Ainda bem que não fui à festa ontem, poupei a mim mesma de chegar de ressaca hoje. Cruzes. - Enfatizei a última palavra com um arrepio percorrendo minha espinha.
- , falando em estar bêbada, você viu nossa chefe hoje? - Barbara, minha melhor amiga e também uma fofoqueira de primeira mão, arregalou os olhos verdes em minha direção e aprumou-se em meu cercado.
- Não, Barbs. O que houve dessa vez? Ela quebrou algo na parede? - Perguntei com desinteresse. Voltei a cadeira giratória para meu computador aberto na página do e-mail, mas não conseguia realmente pensar em como responder o destinatário. Talvez devesse ter escolhido uma profissão menos estressante.
- Pior! O ex marido dela veio, fez o maior escândalo na recepção da sala dela e ainda por cima berrou para que todos ouvissem que se arrependeu de tê-la traído na segunda lua de mel deles! - Mordi os lábios para conter a pena que senti de minha chefe. Há dois meses, ela passava pelo próprio inferno particular envolvendo um ex-marido estúpido que não sabia a hora de parar.
- Acha que devemos comprar uma cesta pra ela ou algo assim? Sabe, para demonstrar suporte. - Barbara ponderou rapidamente e deu de ombros.
- O pessoal do RH já se encarregou disso, pelo o que estou percebendo. - Seu olhar estava focado atrás de mim. Virei-me rapidamente e vi Efraim, chefe do RH, carregar uma cesta cheia de chocolates e flores, exatamente como nossa chefe gostava, em direção à sua sala - Enfim, como vamos resolver o problema do ? - Suspirei e encarei a tela do computador diante de meus olhos. Todos os colegas ao meu redor estavam usando fones de ouvido e trabalhavam freneticamente em seus afazeres. A empresa estava incrivelmente silenciosa, não havia nenhuma crise a ser resolvida, nenhum cliente bravo e nenhum consumidor querendo xingar a primeira pessoa que atendesse o telefone.
- Já temos três cenários de resolução de crise para cada possível escândalo baseado no perfil dele, mas precisamos montar mais. Acho que seria legal apresentarmos um briefing também com acompanhamentos de mídias sociais e já mostrar um gráfico sobre o quão bem conhecemos a rotina do . Além do mais, ele é um cara estabanado, precisamos pensar nisso ao apresentar a proposta. - Despejei tudo o que tinha pensado até agora. Barbara assentiu levemente e abriu um sorriso divertido.
Recebemos ontem à tarde a notícia de que , ator famoso por seu papel em filmes de romance, mas que havia aparecido nos últimos filmes da Marvel, estava procurando uma nova assessoria de imprensa para lidar com escândalos, fofocas, manchetes recheadas de sensacionalismo etc, já que a última falhara miseravelmente.
- O quão sortudos nós somos por vocês serem amigos de infância, sério? Já temos nosso emprego garantido, com certeza. - Barbs colocou a mão sob o queixo e parecia sonhar enquanto divagava sobre o quanto não precisávamos nos esforçar porque eu tenho contato com .
Na verdade, tínhamos. Eu e éramos amigos de infância quando vivíamos no México, na Playa del Carmen. O pai de era canadense, e sua mãe, brasileira. foi meu vizinho desde que me lembro. Isso até ele ir estudar nos Estados Unidos.
- Não terminamos nos melhores termos quando éramos mais novos, Barbs. Não crie expectativas. Acho que justamente porque o conheço é que devemos fazer três vezes mais. Caso ele não queira nossa assessoria por minha causa, precisamos forçar a equipe dele a passar por cima da vontade dele por sermos a melhor opção.
- Uau. Você realmente quer esse trabalho. Sente falta dele?
- Não.
A resposta não havia sido totalmente verdadeira. Eu não sentia sua falta sempre (apesar de às vezes as memórias cruzarem minha mente), e não me importava com seu sucesso ou com ter me esquecido. Eu sabia que a maioria dos famosos reagia daquela maneira. O meu choque foi ter deixado sua família para trás. Quando ele se foi para estudar, sua mãe e seu pai ficaram no México. ligava cada vez menos, aparecia cada vez menos vezes na casa deles (e fazia questão de não aparecer na vizinhança, levava os pais para hotéis chiques em outros países, para restaurantes famosos, mas nunca voltava para casa). No início, achei que ele não aparecia por conta daquela noite, na véspera de sua viagem, mas não faria sentido. Ele não voltaria por minha causa, ignorando sua família? Não, eu não era egocêntrica àquele ponto.
De qualquer maneira, após um ano e meio da partida dele, quando eu me formei no ensino médio, consegui passar na Universidade de Toronto. O pai de , Sr. , queria voltar para seu país natal. Então voltamos os três, os e a única Pimentel que conseguiu passar em uma faculdade.
E foi aí que entrei na Vellos, uma das mais antigas e maiores empresas na área de assessoria da América. E foi uma das empresas selecionadas para mostrarem seus projetos para a equipe de , a qual decidirá quem ficará responsável pelos cuidados da carreira do ator. A minha equipe, que na verdade era a equipe de Brianna, minha chefe, fora a escolhida para montar todo o projeto e apresentá-lo.
Entretanto, deveríamos ter recebido essa notícia há uma semana, mas com todos os problemas massivos que minha chefe tem em suas mãos, recebemos a bomba em nossos cubículos apenas ontem, faltando dois dias para a reunião. Estávamos todos ferrados e com nossos empregos na corda bamba.
- O quão bem você conhece o , ? - Barbs encarou-me de soslaio enquanto se voltava para seu computador. Engoli em seco e soltei uma risada fraca.
- O suficiente.
Mentir na cara de minha amiga não é exatamente o que eu planejava, mas o que diria? Que eu era apaixonada por ele quando era mais nova e que tudo havia ido para os ares por causa da arrogância estúpida dele? Não, por enquanto, já bastava dizer que nos conhecíamos da nossa infância.
- Vamos precisar ficar até mais tarde, se importa?
- Claro que não, não é como se tivesse algo importante para fazer. - Como sair com um cara super fofo que estava esperando pacientemente por mim há duas semanas.
- Vamos convencer a ser nosso cliente!
***
- Eu espero que esse cara escolha a gente, senão essas são as horas mais desperdiçadas da minha vida! - Levy exclamou ao se largar na cadeira. O relógio já marcava meia-noite quando finalmente terminamos os gráficos e a apresentação de mídia.
Minha tendinite estava começando a atacar, meu pulso latejava e meus dedos não queriam voltar à posição normal. Tinha quase certeza que meus dedos deveriam se mexer.
- Fizemos um bom trabalho, pessoal. - Barbara concluiu - , vou querer que dirija a apresentação sozinha. - Arregalei os olhos e meu coração começou a palpitar. De repente, a dor em minhas mãos pareceu ínfima se comparada com o desespero - Não me encare assim!
- Assim como? Eu estou tranquila. Suave na nave. De boa na lagoa. Sapo cururu na beira do rio. - Levy soltou uma risada sufocada e o fuzilei com meu olhar extremamente cansado. Acho que eu estava parecendo uma desvairada, no mínimo.
- Você é claramente a pessoa que melhor conhece esse garoto, acho que vai ser bom ter você apresentando. Além do mais, confio em seu potencial, sabia?
- Essa vai ser minha primeira apresentação solo, Barbs. Estou nervosa. E se eu fizer xixi nas calças? E se eles me odiarem, e se eu fizer cocô na calça? - Barbara piscou seus graciosos olhos verdes em minha direção e abriu um largo sorriso.
- Você é uma funcionária extremamente talentosa, . Se formou mais cedo na escola porque é uma gênia, conseguiu seu emprego aqui e está sobrevivendo ao corte de funcionários com maestria. Se conseguir manejar essa apresentação, seu lugar aqui está garantido por anos, baby.
Barbara tinha razão, eu sabia disso. Conseguir apresentar aquele projeto seria incrível e eu poderia, talvez, ganhar um caderno rosa que o RH distribui apenas uma vez por ano. Estávamos em março e eu já usara o meu inteiro fazendo anotações de matérias jornalísticas que jamais sairiam do papel.
- Ok, vamos lá… - Dei-me por vencida e Barbara sorriu.
- Ok, pessoal. Vamos para casa. Falei com Brianna, podemos fazer home office amanhã e nos reuniremos somente sexta-feira para a apresentação. , vou precisar que esteja aqui às seis e meia na sexta, ok? E você, Levy, preciso que esteja aqui às seis para verificar o sistema de som da sala, os computadores e tudo o mais. A equipe vai chegar às sete e meia e precisamos estar prontos como nunca.
Nós três nos despedimos e suspirei enquanto descia o elevador silencioso até o térreo. O motorista do Uber já me esperava em frente à calçada do enorme prédio comercial em que se localizava a Vellos. Morar e trabalhar na Yonge-Eglinton tinha seus lados positivos, um deles era estar perto de tudo. Muitos bares estavam abertos enquanto passávamos pelas ruas, afastando-nos um pouco mais à leste para chegar na minha vizinhança.
Uma das minhas maiores sortes na vida era ter vindo morar neste lugar há alguns anos. Os preços da Yonge estão absurdos, mas não era assim quando o Sr. comprara o apartamento. Um ano atrás, o Sr. anunciou que iriam se mudar para a casa de infância dele do outro lado da cidade, portanto o apartamento ficou comigo. Tentei argumentar, lutar para ajudar nas despesas e no final acordamos que eu pagaria aluguel.
- Senhorita, chegamos. - O motorista anunciou ao parar uma rua distante de minha casa. Precaução.
- Obrigada. - Acenei e saí do carro rapidamente, o frio incomodando levemente minhas pernas cobertas apenas pela meia calça e uma saia jeans preta abotoada - Bastet, cheguei! - Falei com a voz esganiçada para minha enorme gata siamesa. O animal de um olho verde e outro azul se aproximou e se esfregou em minhas pernas. Cocei sua orelha e resolvi esquentar comida de dois dias atrás. Fazer o quê? No máximo ficaria com indigestão. Ou ficaria com piriri no dia da apresentação. Ok, nada de comida velha. Deixei de lado e comi um sanduíche natural.
Talvez devesse estudar mais a apresentação, não conseguiria dormir de qualquer jeito. Levantei-me correndo e pluguei o computador à TV. Abri uma aba no Twitter e digitei “ ”. Imediatamente, milhares de respostas com o nome de apareceram. Abri um sorriso ao ver uma foto sua brilhar na tela. Os olhos determinados continuavam os mesmos, o sorriso agora não estava mais torto, estava alinhado. A pele negra estava bem cuidada, mas aquilo era genética vantajosa. O black power havia sido raspado, mas aposto que ele ficaria bonito de black de novo, mesmo que o tenha visto pessoalmente pela última vez nove anos atrás. Ele parecia um personagem gostoso e sexy de Dear White People, só que latino-americano.
- Bastet, acho que se você fosse humana, iria se apaixonar por esse homem. - Minha gata pareceu debochar de mim ao lamber sua pata petulantemente. Gatos são petulantes, não há ser humano que me convença do contrário.
Continuei rolando a timeline sem parar. Em poucos minutos já havia descoberto que ele amava muffins. Ele odiava muffins quando era mais novo. também havia jantado na casa da Adele alguns dias atrás. Hm, um bom começo, especialmente a parte da Adele. Será que eram muito amigos?
- Bastet, você acha que ele sabe que eu trabalho na Vellos? Eu acho que não… Mas ele nem mesmo deve saber do processo de contratação das empresas. Ele não sabe que passei em jornalismo ou nada do tipo. - Minha gata, como sempre, pareceu desdenhar de minhas perguntas humanas estúpidas demais para seu intelecto felino e apenas virou as costas, indo para seu pequeno playground de novelo de lã - Hm, talvez ele tenha visto nosso trabalho com a Cobie Smulders, aquilo foi bem incrível. - Comentei para mim mesma enquanto absorvia mais informações.
Em certo ponto, tive certeza de que estava recebendo as informações por osmose, não havia parte do meu corpo que já não soubesse que possuía uma cadela chamada Tess ou que ele já havia namorado oficialmente três vezes nos últimos nove anos. Oficialmente. sempre foi galinha, desde pequeno. Ele usava seus lábios bonitos e olhos meio castanhos para jogar charme nas meninas. Só começou a funcionar com dezesseis anos, quando seu corpo começou a mudar, ele começou a ir à academia e investiu pesado em sua aparência. Ali foi o estopim de seu produto mais valioso para a imprensa: sua beleza.
Larguei meu computador de lado e me aconcheguei em meu sofá velho com cheiro de minha antiga casa. Coloquei o filme Valentine, em que participava. Mudei as legendas para espanhol, sentia saudade de praticar meu idioma nativo. Aquela seria uma longa noite.
*Briefing é um conjunto de informações ou uma coleta de dados passados em uma reunião para o desenvolvimento de um trabalho ou documento.
- , falando em estar bêbada, você viu nossa chefe hoje? - Barbara, minha melhor amiga e também uma fofoqueira de primeira mão, arregalou os olhos verdes em minha direção e aprumou-se em meu cercado.
- Não, Barbs. O que houve dessa vez? Ela quebrou algo na parede? - Perguntei com desinteresse. Voltei a cadeira giratória para meu computador aberto na página do e-mail, mas não conseguia realmente pensar em como responder o destinatário. Talvez devesse ter escolhido uma profissão menos estressante.
- Pior! O ex marido dela veio, fez o maior escândalo na recepção da sala dela e ainda por cima berrou para que todos ouvissem que se arrependeu de tê-la traído na segunda lua de mel deles! - Mordi os lábios para conter a pena que senti de minha chefe. Há dois meses, ela passava pelo próprio inferno particular envolvendo um ex-marido estúpido que não sabia a hora de parar.
- Acha que devemos comprar uma cesta pra ela ou algo assim? Sabe, para demonstrar suporte. - Barbara ponderou rapidamente e deu de ombros.
- O pessoal do RH já se encarregou disso, pelo o que estou percebendo. - Seu olhar estava focado atrás de mim. Virei-me rapidamente e vi Efraim, chefe do RH, carregar uma cesta cheia de chocolates e flores, exatamente como nossa chefe gostava, em direção à sua sala - Enfim, como vamos resolver o problema do ? - Suspirei e encarei a tela do computador diante de meus olhos. Todos os colegas ao meu redor estavam usando fones de ouvido e trabalhavam freneticamente em seus afazeres. A empresa estava incrivelmente silenciosa, não havia nenhuma crise a ser resolvida, nenhum cliente bravo e nenhum consumidor querendo xingar a primeira pessoa que atendesse o telefone.
- Já temos três cenários de resolução de crise para cada possível escândalo baseado no perfil dele, mas precisamos montar mais. Acho que seria legal apresentarmos um briefing também com acompanhamentos de mídias sociais e já mostrar um gráfico sobre o quão bem conhecemos a rotina do . Além do mais, ele é um cara estabanado, precisamos pensar nisso ao apresentar a proposta. - Despejei tudo o que tinha pensado até agora. Barbara assentiu levemente e abriu um sorriso divertido.
Recebemos ontem à tarde a notícia de que , ator famoso por seu papel em filmes de romance, mas que havia aparecido nos últimos filmes da Marvel, estava procurando uma nova assessoria de imprensa para lidar com escândalos, fofocas, manchetes recheadas de sensacionalismo etc, já que a última falhara miseravelmente.
- O quão sortudos nós somos por vocês serem amigos de infância, sério? Já temos nosso emprego garantido, com certeza. - Barbs colocou a mão sob o queixo e parecia sonhar enquanto divagava sobre o quanto não precisávamos nos esforçar porque eu tenho contato com .
Na verdade, tínhamos. Eu e éramos amigos de infância quando vivíamos no México, na Playa del Carmen. O pai de era canadense, e sua mãe, brasileira. foi meu vizinho desde que me lembro. Isso até ele ir estudar nos Estados Unidos.
- Não terminamos nos melhores termos quando éramos mais novos, Barbs. Não crie expectativas. Acho que justamente porque o conheço é que devemos fazer três vezes mais. Caso ele não queira nossa assessoria por minha causa, precisamos forçar a equipe dele a passar por cima da vontade dele por sermos a melhor opção.
- Uau. Você realmente quer esse trabalho. Sente falta dele?
- Não.
A resposta não havia sido totalmente verdadeira. Eu não sentia sua falta sempre (apesar de às vezes as memórias cruzarem minha mente), e não me importava com seu sucesso ou com ter me esquecido. Eu sabia que a maioria dos famosos reagia daquela maneira. O meu choque foi ter deixado sua família para trás. Quando ele se foi para estudar, sua mãe e seu pai ficaram no México. ligava cada vez menos, aparecia cada vez menos vezes na casa deles (e fazia questão de não aparecer na vizinhança, levava os pais para hotéis chiques em outros países, para restaurantes famosos, mas nunca voltava para casa). No início, achei que ele não aparecia por conta daquela noite, na véspera de sua viagem, mas não faria sentido. Ele não voltaria por minha causa, ignorando sua família? Não, eu não era egocêntrica àquele ponto.
De qualquer maneira, após um ano e meio da partida dele, quando eu me formei no ensino médio, consegui passar na Universidade de Toronto. O pai de , Sr. , queria voltar para seu país natal. Então voltamos os três, os e a única Pimentel que conseguiu passar em uma faculdade.
E foi aí que entrei na Vellos, uma das mais antigas e maiores empresas na área de assessoria da América. E foi uma das empresas selecionadas para mostrarem seus projetos para a equipe de , a qual decidirá quem ficará responsável pelos cuidados da carreira do ator. A minha equipe, que na verdade era a equipe de Brianna, minha chefe, fora a escolhida para montar todo o projeto e apresentá-lo.
Entretanto, deveríamos ter recebido essa notícia há uma semana, mas com todos os problemas massivos que minha chefe tem em suas mãos, recebemos a bomba em nossos cubículos apenas ontem, faltando dois dias para a reunião. Estávamos todos ferrados e com nossos empregos na corda bamba.
- O quão bem você conhece o , ? - Barbs encarou-me de soslaio enquanto se voltava para seu computador. Engoli em seco e soltei uma risada fraca.
- O suficiente.
Mentir na cara de minha amiga não é exatamente o que eu planejava, mas o que diria? Que eu era apaixonada por ele quando era mais nova e que tudo havia ido para os ares por causa da arrogância estúpida dele? Não, por enquanto, já bastava dizer que nos conhecíamos da nossa infância.
- Vamos precisar ficar até mais tarde, se importa?
- Claro que não, não é como se tivesse algo importante para fazer. - Como sair com um cara super fofo que estava esperando pacientemente por mim há duas semanas.
- Vamos convencer a ser nosso cliente!
- Eu espero que esse cara escolha a gente, senão essas são as horas mais desperdiçadas da minha vida! - Levy exclamou ao se largar na cadeira. O relógio já marcava meia-noite quando finalmente terminamos os gráficos e a apresentação de mídia.
Minha tendinite estava começando a atacar, meu pulso latejava e meus dedos não queriam voltar à posição normal. Tinha quase certeza que meus dedos deveriam se mexer.
- Fizemos um bom trabalho, pessoal. - Barbara concluiu - , vou querer que dirija a apresentação sozinha. - Arregalei os olhos e meu coração começou a palpitar. De repente, a dor em minhas mãos pareceu ínfima se comparada com o desespero - Não me encare assim!
- Assim como? Eu estou tranquila. Suave na nave. De boa na lagoa. Sapo cururu na beira do rio. - Levy soltou uma risada sufocada e o fuzilei com meu olhar extremamente cansado. Acho que eu estava parecendo uma desvairada, no mínimo.
- Você é claramente a pessoa que melhor conhece esse garoto, acho que vai ser bom ter você apresentando. Além do mais, confio em seu potencial, sabia?
- Essa vai ser minha primeira apresentação solo, Barbs. Estou nervosa. E se eu fizer xixi nas calças? E se eles me odiarem, e se eu fizer cocô na calça? - Barbara piscou seus graciosos olhos verdes em minha direção e abriu um largo sorriso.
- Você é uma funcionária extremamente talentosa, . Se formou mais cedo na escola porque é uma gênia, conseguiu seu emprego aqui e está sobrevivendo ao corte de funcionários com maestria. Se conseguir manejar essa apresentação, seu lugar aqui está garantido por anos, baby.
Barbara tinha razão, eu sabia disso. Conseguir apresentar aquele projeto seria incrível e eu poderia, talvez, ganhar um caderno rosa que o RH distribui apenas uma vez por ano. Estávamos em março e eu já usara o meu inteiro fazendo anotações de matérias jornalísticas que jamais sairiam do papel.
- Ok, vamos lá… - Dei-me por vencida e Barbara sorriu.
- Ok, pessoal. Vamos para casa. Falei com Brianna, podemos fazer home office amanhã e nos reuniremos somente sexta-feira para a apresentação. , vou precisar que esteja aqui às seis e meia na sexta, ok? E você, Levy, preciso que esteja aqui às seis para verificar o sistema de som da sala, os computadores e tudo o mais. A equipe vai chegar às sete e meia e precisamos estar prontos como nunca.
Nós três nos despedimos e suspirei enquanto descia o elevador silencioso até o térreo. O motorista do Uber já me esperava em frente à calçada do enorme prédio comercial em que se localizava a Vellos. Morar e trabalhar na Yonge-Eglinton tinha seus lados positivos, um deles era estar perto de tudo. Muitos bares estavam abertos enquanto passávamos pelas ruas, afastando-nos um pouco mais à leste para chegar na minha vizinhança.
Uma das minhas maiores sortes na vida era ter vindo morar neste lugar há alguns anos. Os preços da Yonge estão absurdos, mas não era assim quando o Sr. comprara o apartamento. Um ano atrás, o Sr. anunciou que iriam se mudar para a casa de infância dele do outro lado da cidade, portanto o apartamento ficou comigo. Tentei argumentar, lutar para ajudar nas despesas e no final acordamos que eu pagaria aluguel.
- Senhorita, chegamos. - O motorista anunciou ao parar uma rua distante de minha casa. Precaução.
- Obrigada. - Acenei e saí do carro rapidamente, o frio incomodando levemente minhas pernas cobertas apenas pela meia calça e uma saia jeans preta abotoada - Bastet, cheguei! - Falei com a voz esganiçada para minha enorme gata siamesa. O animal de um olho verde e outro azul se aproximou e se esfregou em minhas pernas. Cocei sua orelha e resolvi esquentar comida de dois dias atrás. Fazer o quê? No máximo ficaria com indigestão. Ou ficaria com piriri no dia da apresentação. Ok, nada de comida velha. Deixei de lado e comi um sanduíche natural.
Talvez devesse estudar mais a apresentação, não conseguiria dormir de qualquer jeito. Levantei-me correndo e pluguei o computador à TV. Abri uma aba no Twitter e digitei “ ”. Imediatamente, milhares de respostas com o nome de apareceram. Abri um sorriso ao ver uma foto sua brilhar na tela. Os olhos determinados continuavam os mesmos, o sorriso agora não estava mais torto, estava alinhado. A pele negra estava bem cuidada, mas aquilo era genética vantajosa. O black power havia sido raspado, mas aposto que ele ficaria bonito de black de novo, mesmo que o tenha visto pessoalmente pela última vez nove anos atrás. Ele parecia um personagem gostoso e sexy de Dear White People, só que latino-americano.
- Bastet, acho que se você fosse humana, iria se apaixonar por esse homem. - Minha gata pareceu debochar de mim ao lamber sua pata petulantemente. Gatos são petulantes, não há ser humano que me convença do contrário.
Continuei rolando a timeline sem parar. Em poucos minutos já havia descoberto que ele amava muffins. Ele odiava muffins quando era mais novo. também havia jantado na casa da Adele alguns dias atrás. Hm, um bom começo, especialmente a parte da Adele. Será que eram muito amigos?
- Bastet, você acha que ele sabe que eu trabalho na Vellos? Eu acho que não… Mas ele nem mesmo deve saber do processo de contratação das empresas. Ele não sabe que passei em jornalismo ou nada do tipo. - Minha gata, como sempre, pareceu desdenhar de minhas perguntas humanas estúpidas demais para seu intelecto felino e apenas virou as costas, indo para seu pequeno playground de novelo de lã - Hm, talvez ele tenha visto nosso trabalho com a Cobie Smulders, aquilo foi bem incrível. - Comentei para mim mesma enquanto absorvia mais informações.
Em certo ponto, tive certeza de que estava recebendo as informações por osmose, não havia parte do meu corpo que já não soubesse que possuía uma cadela chamada Tess ou que ele já havia namorado oficialmente três vezes nos últimos nove anos. Oficialmente. sempre foi galinha, desde pequeno. Ele usava seus lábios bonitos e olhos meio castanhos para jogar charme nas meninas. Só começou a funcionar com dezesseis anos, quando seu corpo começou a mudar, ele começou a ir à academia e investiu pesado em sua aparência. Ali foi o estopim de seu produto mais valioso para a imprensa: sua beleza.
Larguei meu computador de lado e me aconcheguei em meu sofá velho com cheiro de minha antiga casa. Coloquei o filme Valentine, em que participava. Mudei as legendas para espanhol, sentia saudade de praticar meu idioma nativo. Aquela seria uma longa noite.
*Briefing é um conjunto de informações ou uma coleta de dados passados em uma reunião para o desenvolvimento de um trabalho ou documento.
Dos
- COMO ASSIM OS SISTEMAS NÃO ESTÃO FUNCIONANDO? - Ouvir Barbs gritar pela manhã não é uma cena divertida, ainda mais quando um de seus dentes está sujo de batom roxo.
A sexta-feira havia chegado e com ela o estresse de ter uma apresentação perfeita. Começamos com o pé direito, como se pode perceber.
- Calma, Barbs. Deixa que eu cuido disso. - Acalmei minha amiga e entreguei a ela um leque chinês que eu roubara de uma loja quando tinha apenas cinco anos. Não me orgulho, mas a loja havia fechado quando voltei ao México no ano seguinte e minha abuelita deixou comigo como forma de lembrar que eu havia roubado algo e que nunca deveria me orgulhar daquilo. Métodos latinos de ensinar seus netos. Alguns acham bobagem, mas eu nunca mais roubei nada.
- Resolvido. - Levy apareceu com um sorriso.
Observei toda a empresa e suspirei ao ver o sol da manhã entrar pelas janelas. Algo a ser comentado sobre a Vellos: o lugar era majestoso. As enormes portas de vidro davam para uma varanda larga com vista para todo o parque do conjunto de edifícios. Outros prédios comerciais cheios de modelos e empresários faziam parte do conjunto e eram tão majestosos quanto. As únicas paredes do lugar eram coloridas e davam à empresa um brilho de vida e um ar fresco que, por sua vez, não era refletido na maior parte do tempo nos olhos de meus colegas. Todas as salas de reuniões, além de terem seus nomes dedicados a estrelas da música pop, possuíam paredes de vidro, menos a sala principal, Rihanna, que se localizava sobre as bancadas e baias, dando ao cliente uma sensação de superioridade, além de privacidade. Amaciar o ego dos clientes é uma ótima forma de começar um negócio.
Minha parte favorita daquele lugar era sentar à noite na varanda com o vento frio batendo na ponta de meu nariz enquanto comia os tacos que mamá me ensinou a fazer quando vim para o Canadá.
- Se você esquecer suas raízes, o que vai ser de você? Uma canadense? No puedo con eso, mija. - Ela bateu com a mão na testa antes de jogar um caderno pequeno cheio de receitas mexicanas na mesa. Suspirei com saudades de casa. Precisava ligar para mamá o mais rápido possível.
- Acabaram de ligar da recepção. A equipe chegou mais cedo. - Barbs anunciou com um sorriso contido. Estralei meus dedos desesperadamente e estava preparada para amarelar. Eu iria sair correndo. Olhei para a enorme cesta de muffins, feitos para mostrar a eles que conhecíamos os gostos do cliente, e enfiei um na boca majestosamente, mastigando e engolindo a seco tão rapidamente que Levy só teve tempo de revirar os olhos antes de descermos para receber nossos clientes.
- O quê? Comer me desestressa. - Murmurei para meu colega.
A firma ainda estava completamente vazia, então nossa reunião começaria antes que os outros funcionários pudessem começar a fofocar sobre um possível fracasso. Aquele contrato era nosso, eu precisava do emprego ou iria para a sarjeta, e a última opção não estava em pauta no momento.
- ! Você derramou recheio na sua blusa! - Levy comentou rapidamente.
Olhei para o decote de minha blusa branca e realmente, havia uma mancha azul enorme de glacê com confeitos formando um rosto deformado em cima do meu seio esquerdo. Ai, droga! Olhei exasperada ao redor da recepção. A equipe já deveria estar subindo os elevadores. Corri em direção à mesa da recepcionista e soltei um gritinho de felicidade ao achar uma echarpe amarela largada na caixa de Achados & Jamais Encontrados
- Chegaram!
A alegria dentro de mim por achar algo que me salvaria da vergonha de ser uma destrambelhada foi tanta que, ao levantar, bati minha cabeça na parte de baixo da mesa. Vi estrelas. Cambaleei para trás e olhei para fora, observando um grupo de cinco pessoas caminhando lentamente como os Power Rangers: Força Animal até a nossa recepção. Ainda levemente tonta, fui abrir a porta automática de vidro. Eram duas mulheres e três homens, todos vestidos muito bem, com rostos centrados. Meu primeiro erro foi abrir a porta antes de me recuperar completamente.
- Sejam bem-vindos! - Anunciei ao liberar a entrada da equipe.
Tropecei em meus próprios pés e pisei com meu salto de nove centímetros no pé de um engravatado, não consegui reconhecer seu rosto, a tontura me permitia apenas ouvir o grito de dor do pobre homem.
- Desculpa! Desculpa! Eu bati a cabeça e acabei ficando meio tonta. - Comentei com o rosto vermelho de vergonha. As duas mulheres seguraram o riso ao verem o colega agachado com as mãos sobre o couro do sapato extremamente caro.
- Bateu a cabeça agora ou quando era mais nova? Difícil diferenciar. Este sapato foi três vezes o seu salário, garota! Torça para não ter feito danos permanentes ao couro. - O homem babaca praticamente cuspiu as palavras, deixando que seu sotaque britânico se mostrasse fortemente. Bom jeito de começar uma reunião. Senti todo o meu interior murchar quando ele se restabeleceu e permaneceu com a carranca no rosto.
- Desculpem-me novamente. Aceitariam um copo d’água antes de começarmos a reunião? - Estava desesperada para chegarmos à sala e que eu pudesse fazer o que faço de melhor: falar.
A sala de reunião estava parcialmente cheia com a presença de nossos convidados. Respirei fundo e arrumei a echarpe amarela quando todos já estavam com seus copos d’água cheios e computadores ligados.
- Para começar, gostaria de dizer que é uma honra sermos a única empresa canadense a ser cogitada para esta rodada de seleção. Montamos um arquivo com os principais comportamentos do Sr. desde 2014, ano de seu primeiro filme, até agora, 2020 - Barbara colocou os arquivos com explicações dos slides nas mãos de cada Power Ranger, vulgo a equipe de - Também fizemos um gráfico com o acompanhamento superficial das redes sociais do Sr. . Criamos possíveis cenários de crise e resoluções, de modo que a integridade moral do cliente fosse respeitada, ou em cenários em que ele precisaria sair da mídia, por exemplo. Tomamos como base o último escândalo no qual o Sr. se encontrou. Como ele foi visto saindo da casa de Jennifer Lopez de manhã, após ter chegado na noite anterior, sugerimos lidar com a situação através do silêncio inicial por parte do e um comunicado oficial de imprensa dizendo que o motivo da reunião dos dois seria acerca de um clipe musical que Jennifer lançaria com ele. Não seria verdade, mas justificaria o encontro. Caso Jennifer quisesse se apegar à oportunidade, lançar o clipe verdadeiramente com seria um buzz absurdo, mas isso fica para outro momento…
Respirei fundo e observei Levy fazendo um sinal de jóia com as mãos. Abri um sorriso confortável. Aquela era minha área de atuação, não estava nervosa, apenas queria mostrar o meu melhor e eu faria aquilo para esses britânicos pomposos.
- Há algum cenário de crise envolvendo racismo, abuso sexual ou similares? - Precisei conter o ímpeto de perguntar se realmente havia se tornado racista e a abusador.
- Sim, criamos. - Se ele for um estuprador, não vou conseguir trabalhar para ele. Foi meu pensamento ao passar para os slides de crise - Entretanto, caso aceitem trabalhar conosco, vamos precisar fazer uma entrevista sincera com o Sr. , para que possamos saber a que tipo de escândalo ele está suscetível a se envolver. - O Power Ranger acidentado maneou levemente com a cabeça.
- Entendemos. Gostaríamos de deixar claro a privacidade do Sr. deve ser respeitada a todo o custo. Escolhemos a Vellos justamente por ser uma empresa que foca em seu problema e o elimina rapidamente, sem fazer escândalo ou alvoroço. A maior parte de seus clientes públicos não se envolveram em problemas midiáticos e, os que se envolveram, tiveram seus problemas devidamente resolvidos antes que se tornasse uma bomba.
- Caso o Sr. aceite trabalhar conosco, garantimos a mesma segurança. - O engravatado não sorriu, mas também não fez a cara de estragado que havia feito anteriormente. - As entrevistas do Sr. serão controladas pessoalmente por nós, além de estarmos presentes em todos os eventos que o cliente solicitar, contanto que haja aviso prévio. Em caso de viagens internacionais, precisaremos de acesso aos eventos e cuidaremos de todo o resto.
- Hoje faremos um treinamento com vocês. Que tal? - Rhonda comentou seriamente.
- Claro, mas de que tipo de treinamento estamos falando? - Barbara tomou a dianteira.
- Hoje o Sr. tem um pocket aqui em Toronto, como devem saber, e mais tarde irá gravar uma entrevista com uma youtuber canadense muito famosa junto com Barbara Crawford e Suho Kim, os colegas do novo filme. Eu sabia, mas preferia fingir que não. Os pais de estavam animados por ele estar na cidade. Pela milésima vez, haviam me chamado para ir com eles encontrá-lo, mas não aceitei pela milésima vez. Ele não fazia questão de me ter na vida dele, por anos ele demonstrou isso, e eu não conseguia me ferir por causa dele. Não valia a pena. Além do mais, cancelava sempre de última hora os encontros com os pais. Eles não se viam há três anos. Sim, é egoísta ao ponto de sequer mandar um jato para pegar os pais. Impedi que a raiva queimasse em meu peito. Alguém que não honra os pais que deram a vida por ele não é digno do meu respeito.
Ótimo pensamento acerca do seu possível cliente, .
- Queremos que a equipe de vocês venha conosco. O local do evento não é tão organizado quanto o esperado e precisamos que vocês resolvam as questões de imprensa na hora. Conseguem fazer isso? - Nossa equipe trocou olhares sérios. Havíamos sido treinados para aquele tipo de situação.
- Conseguimos. Deem-nos meia hora para pegarmos nossos materiais, fazermos algumas ligações e estaremos prontos. - Confirmei com um sorriso contido.
***
- Isso é absurdo, ! - Levy comentou levemente exasperado - Eu realmente vou conhecer em um pocket! Aquele gostoso vai estar pessoalmente na minha frente? Uau. Nem guindaste, galera, nem guindaste… - Engoli em seco ao apoiar a cabeça contra o encosto do banco do carro. Barbara dirigia focada pelas ruas enquanto seguia os carros dos Power Rangers até o local do pocket.
- É a primeira vez em anos que ele faz um pocket sozinho. Ele sempre faz tudo com os elencos de série, filmes. O que será que motivou isso? - Barbs questionou.
- Lembram das revistas do mês passado? O escândalo que fez com que demitissem a outra empresa de assessoria? Ele foi visto saindo da casa de uma mulher casada em Los Angeles e-
- É verdade! A Jennifer Lopez. Ela é casada? - Levy interrompeu.
- Ela mora junto com um cara. O Alex. Só sei disso. - Assegurei. Minhas pernas batiam nervosamente contra o chão do carro. O nervosismo só crescia em meu peito. Eu o veria depois de nove anos.
Por mais que estivesse desgostosa por ele ter abandonado a família dele, certa expectativa por vê-lo pessoalmente após tanto tempo era nutrida em meu peito. Será que ele me reconheceria? - Ele deve estar fazendo isso para aumentar a moral, fazer parecer mais inocente… - Levy especulou.
- Ah, com certeza. - Barbara comentou - Essa estratégia deve ter partido dele próprio. Pelo que vimos, o tem participação nas decisões de imprensa. Isso pode nos prejudicar caso sejamos escolhidos. , caso consigamos esse job, você vai precisar tomar algumas decisões difíceis.
- Ué, por que ela tomaria decisões difíceis? - Levy questionou e suspirei.
- Porque eu e éramos melhores amigos de infância.
- O QUÊ?! VOCÊ PODERIA ESTAR TRANSANDO COM ELE NESSE MOMENTO E ESTÁ TRABALHANDO COM A GENTE? COMO ASSIM?
- O que tem a ver transar com trabalhar, Levy?
- TUDO! Que diabos?
- Levy, calma!
- Esse contrato com certeza já é nosso! Você é melhor amiga do ! Por que não contou antes?
- Levy, presta atenção. - Virei para trás para encará-lo no banco. Seu rosto estava vermelho e sua franja estava bagunçada - Nós éramos melhores amigos. Brigamos. Ele provavelmente não me suporta.
- Então isso significa que estamos ferrados? Meu Deus, perdemos tudo. Meu emprego! Eu não posso voltar para casa dos meus pais, ! Você trate de fazer as pazes com aquele homem. - Revirei os olhos e virei-me para frente.
- Levy, eu vou me comportar como uma profissional. O mínimo esperado é que ele aja da mesma maneira.
- Espero, … Espero.
- Chegamos. - Barbs anunciou ao virarmos à direita em um prédio enorme com pelo menos vinte andares. Entramos pela garagem escura e estacionamos ao lado de uma BMW.
- Uau, que potência. - Levy comentou ao encarar o carro com surpresa - Gente rica sabe como gastar dinheiro.
- Vamos. - Rhonda, a melhor Power Ranger, acenou para nós. Aproximamo-nos deles, mas as passadas do meu coração não acompanhavam a situação.
Pensei em ligar para os , contudo sabia que não adiantaria em nada. Não conseguiria articular nada a tempo. Apenas alguns andares me separavam de , e eu só conseguia pensar em sair correndo e fingir que nunca havia me metido naquela situação. Quem precisa de emprego? Quem precisa de salário? Eu estou pronta para largar tudo em prol de fingir que nada daquilo havia acontecido.
As memórias da última noite que havia passado com surgiram em minha mente. Balancei os ombros, sacudindo as lembranças para longe. Por anos eu evitei pensar no que havia acontecido.
- Você está pálida, querida. Está tudo bem? - Rhonda virou-se para mim dentro do elevador.
- Sim, sim. Eu sou meio claustrofóbica. Só isso.
- Já estamos chegando, querida. - Ela assegurou e a porta do elevador abriu em seguida. O local em que havíamos desembarcado parecia uma garagem, tudo estava vazio, havia apenas uma van preta estacionada.
- Aquele é o carro que levamos . A BMW que vocês viram lá embaixo é a que seu empresário traz com ele. Ele vem na van e volta na BMW. Esse é o espaço do evento. Vamos seguir até uma entrada escondida que dá para o backstage, lá embaixo é o palco. Decidimos fazer em dois andares separados, só por precaução.
- Caso alguma fã chegue a invadir, ela vai ficar perdida no primeiro andar e não vai saber como se guiar. - Segui o pensamento.
- Ideia do . - O velho chato do pênis achatado (é simplesmente como vou chamá-lo) comentou com orgulho - Meu menino é inteligente, eu digo. - Rhonda revirou os olhos, aproveitando que o velho não a encarava.
- De qualquer maneira, falta uma hora e meia até o pocket, mas algumas fãs que compraram o ingresso VIP já estão lá dentro, ele vai assinar alguns autógrafos para elas e tirar fotos. Coisa básica. O trabalho de vocês é analisar, criar possíveis cenários, criar soluções e aparecer com cada resultado ao fim do pocket. Decidiremos se os contrataremos ou não baseado em suas respostas e como vocês lidam com . - Assenti mascarando o nervosismo. Abrimos a porta do backstage. Havia seis seguranças parados na porta e mais três espalhados pelo corredor escuro até uma sala aberta.
Estranhei precisarmos entrar em contato direto com , geralmente a equipe tenta deixar o artista o mais distante possível de toda a burocracia. Será que ele era realmente tão presente nas decisões da equipe?
Caminhamos lado a lado até descermos por uma escada lateral tão escura e apertada que o Power Ranger da Desgraça mal parecia caber ali dentro. Senti pena por dois segundos, já que também estava apertada ali.
Começamos a ouvir alguns gritinhos quando chegamos ao fim da rota. Desembocamos para a saída da direita, dando de cara com um palco montado e ali, em pé, . Engoli em seco e só percebi meu nervosismo quando as mãos gélidas de Barbs entrelaçaram com minhas mãos trêmulas.
- Você consegue fazer isso, ? - Perguntou em um sussurro, parecia extremamente preocupada - Se eu soubesse que você reagiria assim, não teria te trazido.
- Eu estou bem, Barbs. É meu trabalho. Eu sou profissional. - Murmurei e sorri falsamente para uma das Power Rangers - Nós sempre fazemos uma reza antes de um trabalho. - Comentei enquanto levantava as minhas mãos entrelaçadas para sinalizar. Ela apenas franziu o cenho e virou-se para conversar com sua equipe, provavelmente se transformariam em um Megazord a qualquer minuto.
- Ok. Se ele fizer qualquer coisa com você, avise. Não fique calada. Não vamos tolerar. - Ela assegurou e só consegui sorrir. Respirei fundo e virei-me novamente para o palco. Levy conversava com a equipe de sobre o espaço, estava sério enquanto comentava sobre possíveis problemas de estrutura que poderiam vir a causar algum dano para . Ele estava fazendo além do trabalho de assessoria de imprensa, mas assessoria pessoal.
Evitei a todo custo olhar para as costas iluminadas de , mas era praticamente impossível. Ele havia mudado tanto, e pessoalmente parecia mais estonteante do que nas fotos que eu vira em seu fã-clube no Twitter. Ele parecia… Garoto propaganda da BB Cream.
Ele deveria ter chegado a um metro e oitenta e cinco, uma autêntica geladeira frost free; o cabelo ralo deveria estar destacando suas bochechas, mas eu não saberia, ele estava de costas. E mesmo de costas, eu sentia meu coração acelerar no peito, minha língua seca como quando eu corri de um mendigo na rua, mas acima de tudo, eu sentia minhas pernas trêmulas com a sensação de vê-lo de perto novamente. Tenho certeza de que parecia uma perfeita idiota.
- Muda essa cara, . Você está parecendo uma idiota. - Barbs verbalizou meus pensamentos. Tratei de arrumar minha echarpe amarela porcamente.
- Bom, o que acharam do espaço? - Rhonda questionou. Tomei a dianteira e sorri.
- Achei um espaço, apesar de confortável, um tanto quanto pequeno. Claramente os ingressos vendidos ultrapassaram a demanda, as fãs vão ficar mais desconfortáveis, mais reclamonas, e isso vai tornar as reclamações da equipe em uma algazarra. Levando em consideração que essas que estão aqui desembolsaram um dinheiro alto, isso significa que a maioria aqui é diretora de fã-clube. A fama de tem alcance internacional, especialmente aqui no Canadá, por causa de seu último filme. Se a diretora do fã-clube do Canadá perceber que em outros países a qualidade foi diferente daqui, a probabilidade de surto e influência em outros fãs é muito grande. A base mais influente dele é a da Inglaterra, logo em seguida, a canadense. Acho que talvez uma probabilidade seja aproveitar o tempo até o início do pocket geral e colocarmos faixas separando. Eu e minha equipe podemos ajudar pessoalmente a organizar as fãs. - Rhonda assentiu.
- Acha que fizemos isso propositalmente? Armar algo que precisasse ser arrumado?
- Não. Acho que precisam de ajuda e que podemos ser a necessária.
- O que a faz achar que precisamos tão desesperadamente de uma empresa de assessoria? - Questionou a Power Ranger azul, que na verdade era uma mulher loira com lábios vermelhos.
- Vocês são uma ótima equipe, porém carregam tudo. A responsabilidade da equipe de assessoria também era de vocês, em sua grande maioria, por não confiarem na anterior. Estou correta? Já tivemos casos assim anteriormente. Vocês tentaram segurar todas as pontas, mas infelizmente nem tudo está sob nosso controle, e algo cedeu. A popularidade de . Por isso precisam de nossa ajuda, porque vamos fazer questão de que vocês não precisem se preocupar com ao que se trata de sua assessoria de imprensa. Vocês vão poder dar mais atenção para o restante, deixando isso conosco. - Finalizei com um sorriso.
- Vamos seguir o plano de vocês. Caso funcione, apenas precisaremos conversar com , mas estarão contratados. Caso não, procuraremos outra empresa. Isso está unicamente nas mãos de vocês. - Rhonda sinalizou com a cabeça para os Rangers Samurai e assentiu - Vamos precisar seguir para o outro lado do palco. Os seguranças, o equipamento, tudo está disponível para vocês. Caso precisem de algo, é só ligar para o meu número. - E estendeu para mim um cartão de negócios. Assenti com firmeza - Boa sorte. Lovely vai acompanhar vocês.
Todos os Rangers saíram, menos Lovely, ninguém menos do que o velho esnobe. Ah, perfeito. Que nome paradoxal.
- Vamos lá, não temos o dia todo. - Ele resmungou.
- Ok, pessoal, vamos lá. Montamos um cenário desses no carro, lembram? Precisamos que alguém vá na fila conversar com as fãs. Os seguranças já estão, já tem um pessoal da assessoria pessoal por lá, mas é importante que passemos a imagem de confiança. Organizem a fila da maneira que puderem. Levy, você cuida disso. A imprensa vai ficar sentada aqui na frente, Barbs, você pode cuidar deles? - Ela assentiu rapidamente - Vou me encarregar do restante, fiquem tranquilos. As mídias estão prontas, não estão? - Virei-me pela primeira vez para Lovely.
- Sim. Vamos tweetar ao vivo sobre o encontro. Nenhum dos fãs pode gravar o evento. Os stories serão postados às 19h de hoje. - Franzi o cenho.
- 19h? Não seria melhor 19h30? É o horário garantido de que os fãs estarão em casa, tanto os que trabalham, como os que estudam.
- Vou falar com nossa equipe de analytics. - Ele rosnou como um bulldog e saiu pelo fundo.
Encarei as costas de mais uma vez e suspirei. Aquilo ali era minha prova de fogo, minha promoção dependia de puxar o saco daquele homem.
- Todos estão com os celulares, certo? Vamos pegar os pontos com os seguranças. Podemos nos comunicar melhor por lá.
- Boa sorte, pessoal. Vamos dar nosso melhor. - Barbs incentivou e meus dois colegas dispararam para o lado esquerdo.
Encontrei-me sozinha, com apenas o gerente de som e luz mais à frente. Suspirei e encarei o outro lado do palco. O agente pessoal de estava parado encarando as fãs, observando de relance. O nome dele era Sebastian Frederick, tinha trinta e sete anos, duas filhas e havia traído sua esposa, pelo menos é o que rola no meio da assessoria. Ele era anteriormente assessor do David Yost, o Ranger Azul (de verdade), mas havia terminado o contrato e vindo buscar sua nova renda com , que alcançava sua fama absurdamente rápido. Já tinha contrato para mais cinco filmes prontos. Além disso, havia uma proposta para fazer parte do elenco fixo de Sherlock a partir da quinta temporada - que ainda não possui data de estreia.
Fui desperta com os gritos dos fãs quando desceu da plataforma para abraçá-los. Os seguranças estavam a postos ao seu lado, com as carrancas usuais, mas sem encostar em nenhum dos fãs. O número de processos que advém de agressões por parte de seguranças é absurdo. Muitas vezes, totalmente sem fundamento. Mas a primeira regra do mundo de eventos é: não encoste nos fãs. É suicídio.
Levy passou rapidamente por mim, entregando o ponto. Coloquei-o no ouvido e ajustei a frequência. Agora estávamos conectados. Observei de relance uma fã com um celular na mão aberto na página do Twitter. Corri rapidamente até ela, sendo cegada momentaneamente pela luz do palco.
- Não podemos liberar a divulgação das fotos aqui dentro. - Informei com meu sorriso mais cordial para a menina de cabelos ruivos e dentes perfeitamente alinhados. Deveria ter um quinze anos, no máximo.
- Ah, desculpa. - Ela comentou com um sorriso trêmulo enquanto os olhos estavam inchados de tanto chorar. Provavelmente por ter tirado uma foto com .
- Tudo bem. Vamos reforçar mais uma vez. - Ela assentiu e sentou-se novamente em seu lugar. Ao virar de frente para a muvuca que ainda se formava ao redor de , pude observá-lo mais de perto. A pele escura marcada por cada osso do maxilar, os lábios cheios formavam um sorriso enquanto o flash da câmera atingia seus olhos. Meu coração parecia saltar do peito. E foi quando ele me viu que tudo pareceu diferente. Seus olhos fitaram os meus, seus lábios não demonstraram nada.
- Oi, moça. Você é da segurança? Tem um moço passando mal aqui do lado, pode ajudá-lo? Não quero que meus fãs passem mal. - Um coro de “awn’s” ecoou tão alto que precisei forçar-me para ouvir a voz dele. desvencilhou o braço do ombro de uma fã para ajudar a levantar um dos fãs, um menino pequeno de dez anos que estava aos seus pés. Parecia pálido. O segurança do lado pegou o menino no colo e veio em minha direção.
não havia me reconhecido.
- Obrigada, moça. - Ele agradeceu e voltar a dar atenção para os fãs ao seu redor. Balancei a cabeça enquanto o segurança imenso colocava a criança no meu colo. Eu sequer tive chance de negar a minha posição.
- Para onde você vai me levar, moça? Minha irmã está ali tirando fotos com o ! Eu quero ir! - E ali a criancinha loira de olhos verdes começou a chorar. O choro foi tão alto que precisei colocá-lo sentado em uma cadeira.
- Você está sentindo o que, exatamente?
- Pisaram no meu pé. - Ele fungou, já chorando menos. Olhei ao redor e chamei um segurança que conversava com seu colega.
- Pode trazer uma água para ele? Obrigada. - O segurança assentiu e saiu rapidamente para a esquerda. Do meu lado direito, as fãs voltavam aos seus lugares aos poucos. A irmã do garotinho, Malfoy, sim, ele havia se apresentado daquela maneira, chegou em seguida, com os olhos cheios de lágrimas, as mãos trêmulas ao ponto de oferecer-me para trazer água para ela.
- Está tudo bem, é só o dia mais feliz da minha vida. - Balancei a cabeça e deixei seu irmão aos seus cuidados. Voltei-me para o palco, onde agora estava sentado e preparava-se para responder duas perguntas antes de sair para seu camarim até a hora do pocket oficial. Encarei-o uma última vez e seus olhos encontraram os meus mais uma vez, mas não havia nada ali, apenas a mais pura e simples indiferença. Ele não lembrava de mim, do meu rosto, dos meus olhos, de nada. E aquele sentimento pareceu doer em mim como doera anos atrás, quando o beijei pela última vez.
* * *
- O pocket foi um sucesso! - Levy comemorou quando as fãs começavam a sair do espaço reservado para o pocket. Durante todo o período do evento, acompanhei as transmissões simultâneas através de um computador, em uma sala separada. O restante da equipe permaneceu próxima ao palco, analisando de perto e fazendo suas anotações.
Passei todo o período do evento mordendo os lábios, segurando a raiva que ardia em meu peito. Meu orgulho estava dilacerado. Não, não. Dilacerado é pouco.
- Você já pode sair da sala, . - Barbs comentou com um sorriso singelo. Ela via em meu rosto que eu estava nervosa, apenas não havia tido tempo de perguntar o que havia acontecido.
- Sim, já saio. Estou terminando as anotações oficiais. Eu já peguei o que vocês me passaram, fiz um modelo de briefing e vou mostrar aos Rangers.
- Aos o quê?
- Rangers. Power Rangers. - Levy jogou a cabeça para trás, dando uma risada alta. Balancei os ombros em uma risada contida.
- Não deixe que ouçam você chamá-los assim. Estão mais para personagens figurantes de Burlesque. - Barbara comentou com um sorriso maldoso.
- Tudo bem aí? - Rhonda colocou a cabeça para dentro da sala - Aconteceu algo?
- Não, não! Tudo certo. Já estamos com as anotações prontas. - Assegurei.
- Ok. Vamos levá-los para conhecer . Sigam-me.
Olhei para meus amigos e deixei que fossem à frente. Mordi mais uma vez os lábios, estalando os dedos insanamente, como os pais de odiavam. Ele não havia reconhecido a menina que era sua melhor amiga, seu primeiro beijo, sua primeira. Pelo amor de Deus, eu sou tão esquecível assim?
Balancei a cabeça, tentando me livrar das imagens da última vez que o vira. Os ombros largos desproporcionais com o corpo muito magro, os olhos grandes brilhando em antecipação por eu finalmente ter aceitado ser sua namorada. E depois meus olhos chorosos ao vê-lo partir para nunca mais voltar. Ele havia ido de vez, e eu ainda achava que ele se lembrava de tudo. Eu havia ficado para trás, mais uma vez.
- , essa é a equipe de assessoria. - Ouvi a voz de Rhonda vindo do camarim por onde havíamos passado na entrada. As paredes pretas camuflavam o camarim por fora, mas de dentro vinha uma luz forte.
- Pode deixar que entrem. - Ouvir sua voz sem o microfone, a voz do ator famoso que eu não havia conhecido, fez com que meu coração acelerasse perigosamente em míseros segundos. Respirei fundo enquanto meus colegas entravam antes de mim. Fui a última a sentir a luz forte do camarim em meus olhos.
Olhei ao redor, deixando absorver o ambiente. Do lado esquerdo, havia dois sofás preenchidos pelos Rangers e pelo agente de . Todos conversavam animadamente e mexiam em seus celulares, inclusive Lovely. Havia duas mesas cheias de frutas, doces e petiscos diversos. Do lado direito, cinco caixas enormes cheias de presentes, cartas, ursinhos de pelúcia, colagens, etc. Tudo o que uma fã conseguiria fazer para seu artista favorito. havia se tornado grande. Aquilo ali era para o mesmo que tentou fumar um trago de cigarro que havia achado na rua de casa quando tinha 11 anos para tentar parecer um gângster. Como ele não contraiu uma doença, não sei dizer.
E no meio, no centro das luzes do camarim, estava de pé. Os braços soltos enquanto cumprimentava a minha equipe. Um sorriso enorme preenchia rosto, os dentes brancos praticamente cegando a todos nós de uma vez. O dentista dele havia feito um ótimo trabalho.
Abri meu sorriso mais profissional e estendi minha mão para quando ele virou para mim.
- Sou Pimentel. - Apresentei-me e abriu um sorriso ainda maior.
- ! - Ele gritou alto e soltei um gritinho de susto ao sentir seu corpo enorme envolver o meu em um abraço apertado. Retribui o abraço desconfortavelmente enquanto imaginava o que os outros ao nosso redor pensariam - Meu Deus! Há quanto tempo! Não acredito, você faz parte da minha nova equipe de assessoria?
- Na verdade, , ainda precisamos ver algumas coisas e--
- Não, não precisamos ver nada. A equipe está contratada. - interrompeu Lovely. Olhei para meus colegas de equipe de relance. Disfarçavam os sorrisos gigantescos.
Encarei mais uma vez. Por que ele agiu de maneira tão feliz se sequer se importou em procurar durante todos aqueles anos? Escondi minha carranca. Eu estava agindo como uma criança. Uma verdadeira adolescente.
- Vamos arranjar a papelada. - Rhonda levantou-se com os Rangers.
- Posso conversar com a um pouco a sós? - Fitei seu perfil de soslaio enquanto me aproximava de minha equipe.
- Acho melhor eu ir com eles, Sr. . - Falei seriamente, não conseguindo disfarçar tão bem o que sentia.
- Eu insisto, Srta. Pimentel. - Ele reforçou. Olhei para Barbs procurando uma saída, mas ela não ia negar um desejo tão pequeno a seu novo cliente. Negócios.
- Podemos nos virar, . Já voltamos. - E assim, um por um, todos esvaziaram a sala, até mesmo o agente de , que parecia extremamente nervoso e bufante.
Encarei o chão quando finalmente ficamos a sós. Não sabia como reagir.
- Então, hm… Você tem uma entrevista mais tarde, está nervoso? - Perguntei encarando-o pela primeira vez de verdade. E arrependi-me amargamente. Seus olhos brilhavam com a luz do camarim, seus braços marcados pelos músculos levemente protuberantes estavam cruzados em frente ao peito e uma linha fina comprimia seus lábios.
- Não, é rotina. - Ele respondeu descontraidamente.
- Ah, legal. - Murmurei e comecei a encarar qualquer lugar que não fosse os olhos de .
Não tinha condição alguma de olhá-lo nos olhos sem explodir. Tanta coisa que eu queria dizer. Queria xingá-lo, abraçá-lo, matar as saudades. Eu não sentira sua falta por muito tempo, mas tudo havia voltado naquele momento. O primeiro mês sem ele fora tão doloroso, e parecia doer ali. A intimidade, o relacionamento que tínhamos, havia ido para o espaço e me doía pensar que parte daquilo era culpa minha.
- Você está linda.
- Você tem os dentes brancos demais. - A risada de invadiu a sala, seus ombros tremendo com a gargalhada. Logo ele apoiou-se contra a mesa do camarim conectada ao espelho, deixando as mãos descansando nas coxas torneadas pela calça jeans. Encarei o ponto por um momento e voltei meu olhar para seus olhos castanhos.
- Eu também acho, mas fica bem nas fotos.
- É, você sempre foi muito vaidoso. - Comentei, deixando um sorriso leve brotar em meus lábios.
- E você sempre foi minha maior incentivadora. - Assenti.
- Você realmente não me reconheceu ali fora? - Perguntei com a voz mais baixa.
- Apenas não acreditei que era você. Parecia surreal demais. - Ele respondeu seriamente, agora se aproximando mais. O cheiro de seu perfume invadiu meus sentidos por algum tempo. Era alguma fragrância que custava mais que meu corpo inteiro no mercado ilegal - Mas eu não sabia como reagir, então eu reagi como qualquer babaca reage. - Não sabia o que dizer. Sentia-me estranha, meu corpo parecia querer sair correndo pela porta - Você cuida dos meus escândalos agora, então?
- Pelo visto, sim. Se você continua fazendo tanta besteira como antes, estou ferrada. - riu mais uma vez, negando.
- Eu tenho me mantido na linha, . - Senti meu pescoço arrepiar quando meu apelido deslizou tão facilmente por seus lábios. Minhas pernas pareciam vacilar por um momento, mas me recompus. Não é porque virou uma rodovia de mau caminho que eu iria cair em cima dele, não mesmo. Nunca.
- Não é o que a última capa de revista disse. - Arqueei a sobrancelha.
- Aquilo foi um mal entendido.
- Não é meu trabalho saber se foi verdade ou não, meu trabalho é fazer parecer que você é inocente. - Cortei suas desculpas rapidamente. Eu estava extremamente desconfortável. Tudo parecia voltar, as memórias de nossa infância, as chamadas ignoradas da parte dele, a total negligência com relação à sua família, a babaquice que foi fingir que não me conhecia.
- Uau. Você continua a mesma grossa, pelo visto. - Ele comentou bem humorado. Franzi o cenho.
- Sim, Sr. . Eu gosto de manter meus clientes o mais pé no chão possível. Eu preciso me juntar à minha equipe. Gostaria de fazer mais algum comentário? - Perguntei com falsa cortesia. Mas não transpareci. pode ter me desestabilizado por um momento, mas eu já havia me recomposto.
- Sim. Vai ser um prazer trabalhar com você, Srta. Pimentel.
- Igualmente. - Sorri cordialmente, saindo pela porta com calmaria impressionante. Ao fechar a porta, encostei as costas contra a madeira e suspirei.
- Eu consigo ouvir você suspirar, Pimentel! - A voz de do lado de dentro pegou-me de surpresa. Bufei e segui pelo corredor em direção à minha equipe.
* * *
- Ao nosso contrato maravilhoso! - Barbara levantou seu braço com o copo de cerveja e propôs um brinde. Teria sido uma cena linda caso ela não estivesse bêbada e berrando. Soltei uma risada e bati meu copo de refrigerante com meus amigos. Levy virou seu chopp de uma vez, enquanto minha amiga tentava levar o copo até a boca.
Hoje, dois dias após a apresentação com a equipe de , fomos informados de que nossa equipe era oficialmente parte da assessoria de . Recebi a notícia enquanto estava no banho, preparando-me para sair pela segunda vez com Caleb. Fiquei tão extasiada com a notícia que escorreguei no box e agora estava com uma dor nauseante na bunda.
Cuidado com banheiros, crianças.
- Aos burgueses, por nos sustentarem! - Entrei na onda de Barbara enquanto dávamos risadas - Qual é o próximo passo? - Levy perguntou.
- Hm… - Barbara bebeu mais três goles de sua bebida - A equipe vai entrar em contato amanhã para informar nosso primeiro encontro para acertarmos todos os detalhes. Rhonda disse também que tem um pedido para nós, mais especificamente, você. Não sei o que é, levando em conta que você é tão chata. - Minha amiga mostrou a língua como uma criança de dois anos e eu retribuí da mesma forma como a boa criança de dois anos que sou.
- Acho que vão pedir para aturarmos as merdas narcisistas dele. - Levy arqueou a sobrancelha com minha fala - Boa parte desses atores são narcisistas inseguros de si mesmos, ignorantes a qualquer um que não tenha metade da conta bancária deles.
- Caramba, . Você está muito amargurada. - Levy comentou com um sorriso de canto - As coisas não estão bem com o Caleb? Está reprimida com ?
- Por que as pessoas assumem que uma mulher é amargurada pela falta de um homem?
- Você admite então que está amargurada? - Meu colega provocou.
- Não!
- Mas não está dando certo com o Caleb?
- Também não.
Suspirei fortemente e tomei um enorme gole da minha Coca-Cola. Levy estava com um sorriso vitorioso por ter me encurralado enquanto Barb dava em cima de um cara na mesa atrás da nossa. O bar em que estávamos era completamente rústico, no mínimo. A iluminação era baixa e perigosamente falha. Tenho certeza de que as lâmpadas usadas aqui não são mais permitidas por lei.
- Refresquem a minha memória. Por que eu deixei que me trouxessem aqui? - Minha voz soou muito baixa no ambiente tomado pela música alta.
- Porque você está comemorando o trabalho dos sonhos de qualquer jovem em momentos de crise!
- É verdade. - Mordi os lábios e terminei meu refrigerante. Talvez devesse ser menos amargurada, pelo menos por hoje. Amanhã poderia voltar a reclamar - Vou pegar uma água com gás, vocês querem algo?
- Eu quero sua cabeça enfiada em um peru de ação de graças! - Barb comentou com um sorriso malicioso ao que revirei os olhos indiscretamente.
- Vou pegar algo para diminuir sua bebedeira. E você, Levy?
- Estou tranquilo. - Meu colega mal me olhou, estava em uma troca de olhares intensa, e completamente constrangedora, com uma mulher de cabelos ruivos do outro lado do bar. Acho que entendi por que os dois queriam vir aqui de verdade: para darem beijos. Bom, não estou familiarizada com a ação há algum tempo.
Por mais que tenha saído uma vez com Caleb, não me senti confortável para beijá-lo. Ele parecia muito mais um amigo do que qualquer outra coisa. A questão é que não sei como dizer a ele, então quando ele pediu para sairmos novamente, eu disse: “Você que manda, parceiro”. Que tipo de resposta é essa?
Fui até o bar e pedi uma água com gás e limão espremido. Enquanto esperava, lembrava do meu encontro desastroso com . Ao chegar na sala, tive uma conversa extremamente desconfortável com a equipe de de que não haveria interesse amoroso em nossa relação profissional. Precisei explicar nosso passado e informar que não, não havia a menor chance de qualquer relacionamento entre nós dois acontecer. Claro, omiti nosso primeiro beijo. Eles não mereciam ouvir aquilo.
Tenho evitado também as ligações da família de . Seus pais haviam ligado doze vezes nos últimos dois dias, até mesmo mi mamá havia tentado ligar em favor deles, mas apenas pedi para que dissesse a eles que eu estava muito ocupada e que ligaria assim que tivesse mais tempo. Além disso, o aluguel venceria na semana seguinte, seria obrigada a falar com eles.
Mas ainda estava na cidade, não queria que houvesse alguma abertura para que nos reuníssemos como se fôssemos amigos.
Na noite anterior, parei para refletir enquanto raspava minhas pernas no banho e cheguei à conclusão de que tratar meu relacionamento com de maneira unicamente profissional era a melhor forma de não fazer nenhum limite ser ultrapassado. Ele não havia tentado sequer ultrapassar o limite do telefone nos últimos anos, não haveria motivo para tal naquele momento. Além do mais, nos comunicaremos apenas em caso de extrema urgência. E em eventos, mas faria o máximo para enviar Levy em meu lugar. Ele amaria.
Peguei minha bebida e voltei para a mesa. Levy e Barbs haviam sumido. Deviam estar beijando aquelas pessoas com quem flertavam. Sentei-me sozinha à mesa, sentindo o peso da semana em minhas costas.
Mexia entediada em meu celular até que o número do pai de , Sr. , apareceu em minha tela. Atendi sem querer o telefonema e já era tarde demais para desligar.
- Oi, Sr. ! - Exclamei sorridente. Era realmente bom falar com ele.
- Oi, minha filha. - Sorri com a alcunha. Sr. começou a me chamar assim há cerca de quatro anos - Estamos com saudades. Você não vem mais em casa jantar, não pode vir hoje? - Olhei ao redor. Ainda era oito da noite e meus amigos já estavam bêbados, beijando seus respectivos parceiros em algum lugar.
- Eu estou em um happy hour, desculpa.
- Ah, vamos, vai? não está aqui, se é o que você quer saber. - Seu tom de voz modificou automaticamente - Ele deu outro bolo na gente. Semana que vem faz quase quatro anos que não o vemos. Eu não sei o que acontece com ele, , não sei mesmo… - Suspirei, sentindo a raiva subir pelo meu peito.
- Já estou indo. Até daqui a pouco.
Procurei por meus amigos no bar, mas não os achei. Mandei uma mensagem em nosso grupo da equipe “: The Rise” avisando que ia embora. Barbs visualizou, então contei como vitória. Paguei minha conta no bar e fui embora. Peguei meu carro no estacionamento, atravessando a cidade até a casa de meus pais postiços.
Parei em frente à casa azul com detalhes brancos na janela e na porta de entrada. O jardim tipicamente estava lindo, apesar de me questionar como Sra. havia conseguido manter algumas plantas brasileiras em ambiente tão frio como no Canadá. Nem mesmo o solo era igual.
- ! - Sra. me recebeu na porta com um abraço apertado. Sorri com a sensação de estar em casa e percebi o quanto o trabalho, , tudo havia me esgotado mentalmente nos últimos dias. Do lado de dentro, o som do violino clássico de Sr. enchia metade da rua.
- Sra. ! Estava com tanta saudade de vocês!
- Você está parecendo meu filho, some e não dá notícias. - Ela comentou, mas não pude deixar de sentir o incômodo com a comparação.
- Ele é um babaca. E me irrita ele ser um ser humano tão odioso e sem noção quando tem vocês como pais. - Monologuei enquanto caminhava pelo corredor até a cozinha estilo americano. Sra. ia atrás de mim.
- Querida… - Sra. tentou falar, tocando em meu ombro, mas estava entretida demais em minha própria rede de xingamentos.
- Eu quero pegar esse garoto no soco, fazer ele acordar para a vida, sabe? Quem ele acha que--
- Oi, . - Arregalei os olhos descaradamente ao entrar na cozinha e ver em pé tocando o violino de seu pai enquanto usava um moletom cinza da ADIDAS, uma calça preta da Nike e um tênis horrendo da ADIDAS também. Com tanto dinheiro em mãos, ele sequer conseguia comprar roupas decentes? Ele deixou o violino na estante e cruzou os braços. Droga, eu havia esquecido que tocava violino.
- Era isso que eu queria dizer, querida. Hunter havia cancelado por estar preso na entrevista, mas encerrou mais cedo apenas para vir. - Sra. comentou com um sorriso sem graça enquanto passava por mim e abraçava o filho de lado. O cheiro de comida brasileira impregnou a casa, todas as bocas do fogão sendo usadas para fazer o jantar, e pensei em enfiar a minha própria em uma panela. Talvez me ajudasse a falar menos pelos cotovelos.
- Pode continuar o que dizia, . - provocou, os olhos desafiadores.
- … - Sra. advertiu.
- Sra. , eu não continuo isso em respeito à senhora. Mas você sabe que eu estou certa. - Encarei mais uma vez antes de voltar meu olhar para a mulher que havia me tratado como uma segunda filha. Respirei fundo e abri um sorriso forçado. parecia tenso com sua mãe ao seu lado. Controlei meu temperamento, como minha mãe havia me ensinado - Posso ajudar a cozinhar algo? - Perguntei, tentando aliviar o clima pesado.
- Claro, querida. Pode fazer vinagrete? Ainda lembra de quando te ensinei?
- Sim, claro. - Acenei com a cabeça. Arregacei as mangas do sobretudo amarelo e fui em direção à bancada americana, pegando uma tábua na prateleira de baixo e os tomates da geladeira. Nas palavras de dona Clara, a mãe de , nenhum tomate é como o tomate brasileiro. Então me contentava com suas críticas aos tomates canadenses e acreditava em sua palavra - Onde está o Sr. ? - Perguntei enquanto ignorava e focava unicamente em cortar os tomates, imaginando ser sua cabeça gigante e estúpida.
- Daniel foi ao mercado. Ele vai tomar uma bela surpresa quando vir , não é, querido? - Não virei para ver a reação de . Enquanto cortava os tomates em pedaços pequenos, dona Clara adiantou que iria tomar banho e se arrumar.
Encontrei-me sozinha com mais uma vez. Olhei de soslaio para a direita, ele estava sentado à mesa de jantar, encarando-me sem desviar o olhar.
- Para de me encarar, . - Murmurei, cortando agora as cebolas. Estava tão acostumada a cozinhar que mal senti meus olhos lacrimejarem com as cebolas.
- Eu estou tentando entender.
- O quê?
- Por que você parece me odiar tanto. - Soltei a faca e a cebola de minhas mãos. Virei-me para encará-lo. Seus cabelos estavam crescendo, sua barba por fazer o deixava insuportavelmente bonito e seus lábios estavam vermelhos pelo frio. Estávamos em outubro, o frio começava a apertar e qualquer pessoa que não fosse canadense sentia-o na pele.
- Você não consegue adivinhar? Hm, acho que não deveria participar da série Sherlock, então. - Provoquei e terminei de cortar o restante das cebolas na vasilha. Juntei com o pimentão, os tomates, sal, vinagre e azeite.
- Como você sabe? - Ele arqueou a sobrancelha bem feita.
- Eu trabalho para você agora, . É meu dever mínimo saber tudo sobre você.
- Uau, sinto-me na desvantagem. - Fechei o pote do vinagrete e lavei as mãos. Encarei o pano de prato em minhas mãos, fingindo não prestar atenção à respiração pesada de .
- Você ainda tem rinite? Pensei que com seu dinheiro tivesse condições de fazer a cirurgia.
- Eu tenho medo. - Ele argumentou e apenas assenti. sempre roncou e tinha problemas sérios de saúde por causa das várias “ites” - E você está usando tranças agora. - Assenti.
- É mais fácil de cuidar.
- Ficou lindo.
- Faço em uma boa profissional.
- Você não pode aceitar algum elogio que eu faça? - Ele perguntou meio chateado. Virei-me incrédula.
- , o que você pensa que aconteceria? Que ia chegar nove anos depois da última vez que nos vimos e que tudo ia ser o mesmo? Sério mesmo? - Larguei o pano de prato na bancada com certa raiva.
- Eu que tenho o direito de estar chateado, . Não sei se você lembra, mas é por sua culpa que não terminamos em bons termos. - Ele levantou da cadeira. Agora estava do outro lado do balcão, encarando-me de perto. Sua testa franzida em confusão e certa revolta apenas me irritou mais.
- Minha culpa? Eu tentei te ligar inúmeras vezes depois daquilo! Eu fui atrás de você na merda da sua escola e você não quis me ver! - Aumentei meu tom de voz, arrependendo-me logo em seguida, voltando a baixá-lo - Você é um merda que abandonou sua família. - Soltei o que realmente pensava. Seus olhos não tentaram esconder a dor que o atingiu. Senti-me levemente arrependida, mas então lembrei das noites de choro que presenciei da Sra. sem ter notícias do filho, implorando a Deus que ele a ligasse pelo menos para dizer que estava vivo.
- Hm, que cheiro bom! - Ouvi a voz de Daniel, em seguida a porta de entrada fechando. Eu e não deixamos de nos encarar, seu olhar dolorido encarando minha expressão fechada e impassível. Apenas a presença de Daniel fez com que o encarasse com um sorriso - Filho! Meu Deus do céu! Você está enorme.
- Pai! Saí mais cedo. - correu para abraçar o pai. Os dois ficaram ali por alguns segundos, sem falar nada, apenas sentindo a presença um do outro. Senti-me uma intrusa e resolvi sair de cantinho pela saída leste até a sala de TV.
- Vejo que você e estavam conversando, desculpa atrapalhar. - Fui interrompida em plena fuga quando já estava para passar para o outro cômodo.
- Não, não. Eu estava indo ligar a TV. Podem conversar. A Sra. está lá em cima tomando banho. - Anunciei e saí antes que ele pudesse me parar.
Sentei-me no sofá e liguei a televisão nova que Sr. havia comprado. Embaralhei-me em alguns comandos, mas logo havia colocado Brooklyn Nine-Nine para passar. Aprumei-me em meu sobretudo, fingindo prestar atenção na série, mas minha atenção voltava para um par de olhos escuros na cozinha.
estava de volta. Completamente. E era meu cliente. Eu precisava tratá-lo melhor ou poderia perder o contrato antes que fosse validado.
Levantei meu olhar para o móvel da sala, observando o porta-retrato com uma foto minha e de quando tínhamos apenas dez anos. Estávamos sujos de lama até os ombros, havíamos desenhado carinhas de lama em nossas barrigas. Sorri com a memória. Eu sentia saudades do meu melhor amigo, mas o que eu conhecia, ou achava conhecer, não faria o que aquele na cozinha fez com os pais.
- Querida, o jantar está pronto. - A voz de dona Clara foi ouvida. Levantei-me do sofá confortável e andei até a cozinha novamente. Sr. e conversavam animadamente à mesa acerca de futebol e sobre o novo filme de , a história de um jogador de futebol americano que passa por sérias convulsões causadas pelos impactos cerebrais do esporte.
- Como é a Nicole Kidman? Ela é tão bonita pessoalmente quanto pela televisão? - Sr. perguntou com um sorriso escancarado. Dona Clara também olhou com curiosidade. Nicole Kidman interpretou a médica que ajudava em seu processo de tratamento no filme. Ele se apaixona pela filha dela, um verdadeiro enredo dramático.
- Sim, ela é, pai. - Ele comentou com um sorriso. Apreciei momentaneamente a covinha que surgiu em sua bochecha esquerda. Ela aparecia apenas quando sorria verdadeiramente, com todos os músculos do rosto.
- , me contou que você é a nova assessora de imprensa dele, é isso mesmo? Por que não nos contou? Não está escondendo mais coisas, está? - Dona Clara ralhou comigo enquanto trazia as panelas para a mesa. Todos os pratos estavam postos, havia uma jarra de chá próxima à travessa de frango assado, que por sua vez estava ao lado do feijão tropeiro (pelo visto, dona Clara havia feito um jantar unicamente brasileiro para seu filho) e, de sobremesa, chocolate.
- Só foi oficializado hoje. Antes disso, seria apenas indefinido. - Respondi e sentei-me ao lado do local vago para dona Clara. Estava frente a frente com , suas pernas eram tão grandes que roçavam descaradamente contra as minhas. Tentei mascarar a sensação confortável que o toque de me trazia e apenas preferi ignorar. Eu estava fazendo vista grossa sobre tantas coisas naquela semana.
Peguei o garfo e devorei a comida deliciosa de dona Clara, suspirando a praticamente cada dentada. Os três conversavam animadamente sobre o trabalho de , faziam alguns comentários sobre a família espalhada pelo mundo.
Fiquei levemente incomodada pelo fato de ambos tratarem tudo com tanta normalidade. havia lhes dado tanto bolo, tantos foras, mas mesmo assim agiam como se ele estivesse ali sempre. Não sou ninguém para julgá-los, eles eram pais dele. Mas eu não sou. E não consegui fingir por um segundo sequer que pertencia àquele cenário. Porque não pertencia mais.
Veja, sei que posso parecer dramática e sem noção. Mas não é nada disso. foi o meu primeiro amor, o primeiro a quem entreguei meu coração. E foi com ele que imaginei passar minha vida. Quando ele foi embora, na noite anterior, despedi-me dele com o coração mortificado por deixá-lo ir. E tentei restaurar o que tínhamos, mas ele me fechou. Assim como fez com seus pais. Ele havia começado uma vida nova e havia excluído tudo o que vinha antes daquilo. Eu tinha todo o direito de sentir-me traída.
- Isso significa que vocês dois vão passar mais tempo juntos? - Meu fluxo de pensamentos foi vergonhosamente captado por dona Clara que riu - Você é muito distraída, querida… Diga-me, vocês vão passar mais tempo juntos?
- Espero que sim.
- Não, não vamos.
Respondemos e eu ao mesmo tempo. Encarei-o rapidamente, voltando meu olhar para dona Clara. Daniel pareceu compreender um pouco melhor a situação.
- A assessoria de imprensa não precisa seguir o artista, apenas nas redes sociais. Eu não vou ver o , a não ser que aconteça algo urgente. Fora isso, o meu colega, o Levy, é quem vai estar presente nos eventos de .
- E por que não você? O fato de que vocês já se conhecerem ajudaria muito, não?
- Ela não quer, mãe. - Encarei irritadiça.
- Ué, e por que não?
- Não é isso, dona Clara… Levy só é o mais qualificado para essa tarefa. - Encerrei o assunto colocando um pedaço enorme de frango na boca. Dona Clara assentiu e trocou olhares cúmplices com Sr. .
- Vamos fazer algo que fazíamos quando vocês eram crianças? - Arqueei a sobrancelha - Vamos falar qual foi a melhor e qual foi a pior parte do nosso dia. - Senti uma chama de felicidade em meu peito. Fazia tempo que não fazíamos aquilo.
- Vamos! - Comemorei com um sorriso. Não deixei de perceber que o sorriso de aumentara ao olhar para mim, mas apenas ignorei por hora.
- Eu começo. - Sra. iniciou - A melhor parte do meu dia é ter comigo. Eu senti tanto sua falta, filhote. Ter você e a minha filha favorita aqui, é tudo o que eu poderia querer. - Sorri para dona Clara. Ela havia sido como uma madrinha por todos aqueles anos - A pior parte foi ter que lavar as cuecas sujas do Daniel. - Gargalhei ao ver a careta que o Sr. havia feito.
- Isso não é legal de se dizer na frente das crianças, Clara…
- Eles não são crianças, Daniel!
- Só a . - provocou.
- Sim, por acaso me chamo ?
- Minha vez! - Daniel exclamou com um sorriso - A melhor parte do meu dia foi ver sentado aqui, ao meu lado. O meu orgulho. A pior parte do meu dia foi ter que ouvir meu chefe gritar comigo por um erro que ele cometeu. Mas eu sei que Deus sabe tudo e que a justiça vem dele.
- Sinto muito, papai. - comentou, dando tapinhas nas costas do pai - Se você aceitasse a minha proposta…
- , quantas vezes vou ter que dizer? Não quero aceitar seu dinheiro, filho. Ele é seu, você batalhou para conseguir.
- Sim, mas você foi quem me deu a chance de tudo isso. É o mínimo, pai. - Senti-me perdida por alguns segundos.
- se ofereceu para investir na editora de Daniel. - Sra. Clara esclareceu e arregalei os olhos.
- Sr. , é um ótimo negócio! Você poderia finalmente fazer o que ama!
- Não vamos entrar nisso - Ele desconversou - Agora é você, . - arrumou-se na cadeira, parecia confortável. Era perfeito para seu emprego.
- A melhor parte do meu dia foi voltar para casa. Eu sinto muito por ter sumido. - Encarei-o, sentindo a simpatia ir para o ralo quando observei os olhos de dona Clara marejarem. estava se justificando em frente aos seus pais por algo que não havia justificativa - E a pior parte do meu dia foi ter caído de um degrau.
- Como assim?! - Dona Clara arregalou os olhos, colocando-se em pé em um pulo, indo até - Você está machucado?
- Não, mãe. Só bati o joelho, nem dói mais. - Dona Clara abraçou o filho e beijou sua testa carinhosamente.
- Tem certeza? - Perguntei, observando seus olhos fitarem os meus.
- Sim. Tudo certo. Obrigado. - Assenti com um sorriso singelo - Já que está tudo bem, , você.
- A melhor parte do meu dia foi ter tomado sopa sem me sujar. A pior parte foi ter faltado à academia. - arqueou a sobrancelha.
- Desde quando você vai para a academia?
- Desde que você cortou seu cabelo igual de mauricinho.
- Ei, isso aqui é moda, ok? - Ele se defendeu, passando a mão pelo cabelo ralo.
- Sim, entre gente rica. - Provoquei, estalando a língua no céu da boca.
- Vai dizer que não gostou?
- Ora, eu não tenho que gostar ou não. Se você se sente confortável, é o que conta.
- Digo o mesmo sobre suas tranças. - Coloquei a língua no interior da bochecha, balançando a cabeça.
- Você disse que gostou delas, não?
- Se você está feliz com elas, então eu também estou.
- Ótimo.
- Sim, ótimo. - Clara e Daniel apenas nos encararam como se fôssemos duas crianças.
- Isso é uma palhaçada! - Clara foi a primeira a manifestar-se, largando o garfo em cima da mesa - Vocês dois eram melhores amigos, o que aconteceu? Estão agindo como duas crianças! Vocês são adultos, por favor. E , você realmente precisa parar de cortar seu cabelo como um mauricinho! - Escondi um sorriso vitorioso - E , você precisa perdoar ! Ele voltou, não é isso que importa? - Meu sorriso murchou ao passo que o de apareceu - Vocês dois, vão lá para fora agora.
- Hein?
- Oi?
- Sim, é isso mesmo. Vocês dois, lá fora. Só vão voltar para dentro quando se acertarem. E quando conversarem. - Preparei para dar risada, mas percebi que dona Clara falava sério. Levantei-me da cadeira, ainda incrédula. Ela realmente estava nos tratando como crianças. também se levantou incrédulo.
- Mãe, o que é isso?
- Some daqui, . Só voltem aqui quando tiverem se acertado. Eu vou querer depois um abraço sincero na minha frente. Vão logo! - Virei-me em direção à porta com em meu encalço. Passamos para o lado de fora, o frio cortante batendo diretamente em nosso rosto. Andei pelas pedras do ladrilho e apoiei-me contra a caixa de correio azul. parou ao meu lado.
- Não precisamos falar nada. - Comentei, enfiando minhas mãos no bolso do sobretudo, o ar condensado saindo de meus lábios. Torci o nariz devido ao frio repentino.
- Mas eu quero, . - Continuei a encarar o meio-fio. Todas as outras casas estavam fechadas com suas luzes acesas. As famílias em suas casas, comendo seus jantares quentes e tomando chocolate em frente à lareira, mas apenas eu e estávamos no meio da rua sendo castigados com o frio cortante e a obrigação de falarmos sobre nossos sentimentos.
Encarei seu moletom, os ombros largos e as sobrancelhas grossas. Seus lábios carnudos não pareciam ter mudado nada desde nossa infância.
- Você não vai vir com aquele papo de estar ocupado, vai? Porque eu te garanto que seu pai tem estado extremamente ocupado, mas mesmo assim largaria tudo para te ver. - Comentei, finalmente virando-me para encará-lo. Seu rosto escuro estava levemente vermelho nas bochechas, e seus ombros tremiam um pouco devido ao frio.
- Não é uma justificativa, . Mas é a verdade.
- Você é um merda, .
- Ah, e você é bem melhor, não é, ? Um ser humano evoluído, desprovido de erros. Uma total deusa, divindade real?
- Sua ironia não vai funcionar comigo. Não mais. - Ele revirou os olhos.
- Não esperava que funcionasse. Só esperava que você entendesse. - Cruzei os braços em frente ao peito, sem sentir o frio me atingir de verdade.
- Entendesse o que, ? Você tem alguma ideia do que você fez comigo quando me cortou da sua vida?
- Mas foi sua escolha, ! Você terminou comigo no dia em que começamos a namorar. - Mordi os lábios, controlando a raiva que aquecia meu peito.
- Porque você ia mudar de país, ! Não tinha chance alguma daquilo funcionar. Eu achei que tivesse, mas não tinha. Você ia viver uma vida diferente, com pessoas diferentes. Eu não queria ser a pessoa a te aprisionar no seu pequeno mundo, mas isso não significava que você precisava me excluir dele. E sua família… , você foi tão egoísta! Não pensou por um segundo que sua mãe chorava todas as noites com saudades? Ou o quanto o coração dela ficava destruído quando você dava alguma desculpa para não vir para casa? Meu Deus, você tem sequer ideia do quanto eu te odiei quando sua namorada fechou a porta na minha cara quando tentei te visitar na Escola de Artes? - arregalou os olhos.
- A Karen? - Dei de ombros.
- Eu não sei o nome dela, sei que ela disse que você estava ocupado demais.
- Meu Deus, eu nunca disse isso, ! Você precisa acreditar em mim. - Balancei a cabeça em negação.
- Eu te ouvi gritando do lado de dentro “eu não conheço nenhuma ” quando ela disse quem estava à porta, . - Ele franziu o cenho, parecia tentar lembrar.
- Eu nunca ia imaginar que você sairia do México para os Estados Unidos para me ver, .
- E isso muda as ligações ignoradas? As mensagens que eu te mandei e você visualizou, mas nunca respondeu? Eu simplesmente desisti de você, . Mas porque você desistiu de mim primeiro. - Funguei controlando a tristeza que se formava em meu peito - Você me abandonou quando nosso bairro ficou violento demais, quando minha avó morreu, quando tudo despedaçou ao meu redor, você não estava lá. - A esse ponto, as lágrimas já corriam livremente pelo meu rosto - Você prometeu e você mentiu. - Murmurei. Ele não se moveu para me consolar, apenas me encarou, mas parecia relutar - Eu sei que a vida adulta é uma merda e que promessas podem acabar descumpridas, mas não com quem você ama, . Se você me amasse teria dado algum sinal de vida. Teria me deixado ir atrás de você, porque eu iria até o fim do mundo pra te ter na minha vida.
- Sinto muito. Meu pai me contou sobre sua abuela, mas não pude ir visitar. - Ele suspirou, parecia ponderar o que dizer - Meu visto foi confiscado, . Por isso não voltei ao México em todos esses anos. - Levantei meu olhar - Eu vivi boa parte dos meus anos na Escola de Artes em situação ilegal, forjando meus documentos. Ainda não era tudo tão caótico como agora, era possível burlar algumas coisas, caso permanecesse em silêncio. Precisei negar algumas oportunidades de papéis incríveis até que estivesse com toda a papelada acertada novamente. E quando vocês vieram para o Canadá, cinco anos atrás, foi quando vim ver meus pais. Foi quando finalmente consegui vê-los. Quando minha fama atingiu o nível mais alto, na época. Depois dali, fui tentando cada dia mais me consolidar ao ponto de não precisar jamais me preocupar em ser deportado, preso, trancafiado longe. E durante os outros períodos, não conseguia conciliar minha agenda. Não é como se eu gravasse muita coisa no Canadá. Depois daquele período, simplesmente não consegui vir atrás de você, . Eu fiquei com vergonha. E minha mãe me contou sobre sua raiva, eu não achei que faria diferença vir te ver.
- Meu Deus… - Murmurei em choque. colocou as mãos dentro dos bolsos da calça. Eu não tinha ideia.
- Pois é. Não foi divertido ser um menor de idade podendo ser deportado a qualquer momento.
- E por que você não disse? - Perguntei completamente estupefata. Meus lábios tremiam. O motivo para ele não ter vindo me visitar depois havia sido simplesmente porque não podia, não tinha escolha.
- Porque eu não precisava que você se preocupasse comigo, . - Ele aproximou-se aos poucos. Primeiro, sua mão esquerda tocou meu braço direito, apertando meu cotovelo. Olhei para cima a fim de encarar seus olhos levemente marejados - Porque todos os dias eu esperava que a polícia me parasse na rua e me levasse embora. Todas as vezes em que um policial passava por mim, eu não sabia se sentia medo por ser negro ou imigrante. Porque eu chorava sozinho todas as noites com saudades de casa. Mas não queria que você chorasse comigo porque já tinha seus motivos para chorar, . Quando eu quebrei meu braço, precisei pedir ajuda a um amigo de Karen, minha antiga namorada, porque eu não podia ir ao hospital sem a chance de ser deportado. - Eu já soluçava àquele ponto. Meus braços tremiam e eu não aguentava os olhos abertos.
- Você é um idiota! Por que sempre acha que pode fazer tudo sozinho?
- Pelo mesmo motivo que te fez achar que terminar comigo seria bom para nós dois. - Limpei meus olhos com a manga do sobretudo, fungando em seguida.
- Por amor?
- Uhum.
- Que merda, . - Murmurei e joguei meus braços ao redor de seu pescoço, abraçando seu corpo imenso. Chorei mais um pouco na curvatura de seu pescoço - E você ainda toca o violino? Conseguiu tempo para treinar? - Ele assentiu.
- Eu treinava todos os dias. Quando não queria treinar, lembrava de você me xingando caso pensasse em desistir. - Ri contra seu peito - Você ainda é a minha melhor amiga. Olha para mim. - Afastei-me apenas para encarar seu rosto - Vamos tentar recuperar o tempo perdido, ok? - Assenti.
- Amigos? - Perguntei, sentindo meu coração acelerado no peito.
- Amigos. - Ele sorriu, abraçando-me mais uma vez. Seu corpo quente aquecendo o meu naquela noite gelada. Agarrei-me a ele como se ele pudesse ir embora, ser levado - Eu ainda tenho muitas perguntas e muita raiva guardada, então tente lidar com isso. - Eu acho que consigo. - Ele comentou. Sua risada reverberou por meu corpo, aquecendo-me ainda mais - Vamos para dentro, senão mamãe vai vir nos buscar. - Ele me abraçou de lado, e juntos caminhamos para dentro da casa de seus pais.
A sexta-feira havia chegado e com ela o estresse de ter uma apresentação perfeita. Começamos com o pé direito, como se pode perceber.
- Calma, Barbs. Deixa que eu cuido disso. - Acalmei minha amiga e entreguei a ela um leque chinês que eu roubara de uma loja quando tinha apenas cinco anos. Não me orgulho, mas a loja havia fechado quando voltei ao México no ano seguinte e minha abuelita deixou comigo como forma de lembrar que eu havia roubado algo e que nunca deveria me orgulhar daquilo. Métodos latinos de ensinar seus netos. Alguns acham bobagem, mas eu nunca mais roubei nada.
- Resolvido. - Levy apareceu com um sorriso.
Observei toda a empresa e suspirei ao ver o sol da manhã entrar pelas janelas. Algo a ser comentado sobre a Vellos: o lugar era majestoso. As enormes portas de vidro davam para uma varanda larga com vista para todo o parque do conjunto de edifícios. Outros prédios comerciais cheios de modelos e empresários faziam parte do conjunto e eram tão majestosos quanto. As únicas paredes do lugar eram coloridas e davam à empresa um brilho de vida e um ar fresco que, por sua vez, não era refletido na maior parte do tempo nos olhos de meus colegas. Todas as salas de reuniões, além de terem seus nomes dedicados a estrelas da música pop, possuíam paredes de vidro, menos a sala principal, Rihanna, que se localizava sobre as bancadas e baias, dando ao cliente uma sensação de superioridade, além de privacidade. Amaciar o ego dos clientes é uma ótima forma de começar um negócio.
Minha parte favorita daquele lugar era sentar à noite na varanda com o vento frio batendo na ponta de meu nariz enquanto comia os tacos que mamá me ensinou a fazer quando vim para o Canadá.
- Se você esquecer suas raízes, o que vai ser de você? Uma canadense? No puedo con eso, mija. - Ela bateu com a mão na testa antes de jogar um caderno pequeno cheio de receitas mexicanas na mesa. Suspirei com saudades de casa. Precisava ligar para mamá o mais rápido possível.
- Acabaram de ligar da recepção. A equipe chegou mais cedo. - Barbs anunciou com um sorriso contido. Estralei meus dedos desesperadamente e estava preparada para amarelar. Eu iria sair correndo. Olhei para a enorme cesta de muffins, feitos para mostrar a eles que conhecíamos os gostos do cliente, e enfiei um na boca majestosamente, mastigando e engolindo a seco tão rapidamente que Levy só teve tempo de revirar os olhos antes de descermos para receber nossos clientes.
- O quê? Comer me desestressa. - Murmurei para meu colega.
A firma ainda estava completamente vazia, então nossa reunião começaria antes que os outros funcionários pudessem começar a fofocar sobre um possível fracasso. Aquele contrato era nosso, eu precisava do emprego ou iria para a sarjeta, e a última opção não estava em pauta no momento.
- ! Você derramou recheio na sua blusa! - Levy comentou rapidamente.
Olhei para o decote de minha blusa branca e realmente, havia uma mancha azul enorme de glacê com confeitos formando um rosto deformado em cima do meu seio esquerdo. Ai, droga! Olhei exasperada ao redor da recepção. A equipe já deveria estar subindo os elevadores. Corri em direção à mesa da recepcionista e soltei um gritinho de felicidade ao achar uma echarpe amarela largada na caixa de Achados & Jamais Encontrados
- Chegaram!
A alegria dentro de mim por achar algo que me salvaria da vergonha de ser uma destrambelhada foi tanta que, ao levantar, bati minha cabeça na parte de baixo da mesa. Vi estrelas. Cambaleei para trás e olhei para fora, observando um grupo de cinco pessoas caminhando lentamente como os Power Rangers: Força Animal até a nossa recepção. Ainda levemente tonta, fui abrir a porta automática de vidro. Eram duas mulheres e três homens, todos vestidos muito bem, com rostos centrados. Meu primeiro erro foi abrir a porta antes de me recuperar completamente.
- Sejam bem-vindos! - Anunciei ao liberar a entrada da equipe.
Tropecei em meus próprios pés e pisei com meu salto de nove centímetros no pé de um engravatado, não consegui reconhecer seu rosto, a tontura me permitia apenas ouvir o grito de dor do pobre homem.
- Desculpa! Desculpa! Eu bati a cabeça e acabei ficando meio tonta. - Comentei com o rosto vermelho de vergonha. As duas mulheres seguraram o riso ao verem o colega agachado com as mãos sobre o couro do sapato extremamente caro.
- Bateu a cabeça agora ou quando era mais nova? Difícil diferenciar. Este sapato foi três vezes o seu salário, garota! Torça para não ter feito danos permanentes ao couro. - O homem babaca praticamente cuspiu as palavras, deixando que seu sotaque britânico se mostrasse fortemente. Bom jeito de começar uma reunião. Senti todo o meu interior murchar quando ele se restabeleceu e permaneceu com a carranca no rosto.
- Desculpem-me novamente. Aceitariam um copo d’água antes de começarmos a reunião? - Estava desesperada para chegarmos à sala e que eu pudesse fazer o que faço de melhor: falar.
A sala de reunião estava parcialmente cheia com a presença de nossos convidados. Respirei fundo e arrumei a echarpe amarela quando todos já estavam com seus copos d’água cheios e computadores ligados.
- Para começar, gostaria de dizer que é uma honra sermos a única empresa canadense a ser cogitada para esta rodada de seleção. Montamos um arquivo com os principais comportamentos do Sr. desde 2014, ano de seu primeiro filme, até agora, 2020 - Barbara colocou os arquivos com explicações dos slides nas mãos de cada Power Ranger, vulgo a equipe de - Também fizemos um gráfico com o acompanhamento superficial das redes sociais do Sr. . Criamos possíveis cenários de crise e resoluções, de modo que a integridade moral do cliente fosse respeitada, ou em cenários em que ele precisaria sair da mídia, por exemplo. Tomamos como base o último escândalo no qual o Sr. se encontrou. Como ele foi visto saindo da casa de Jennifer Lopez de manhã, após ter chegado na noite anterior, sugerimos lidar com a situação através do silêncio inicial por parte do e um comunicado oficial de imprensa dizendo que o motivo da reunião dos dois seria acerca de um clipe musical que Jennifer lançaria com ele. Não seria verdade, mas justificaria o encontro. Caso Jennifer quisesse se apegar à oportunidade, lançar o clipe verdadeiramente com seria um buzz absurdo, mas isso fica para outro momento…
Respirei fundo e observei Levy fazendo um sinal de jóia com as mãos. Abri um sorriso confortável. Aquela era minha área de atuação, não estava nervosa, apenas queria mostrar o meu melhor e eu faria aquilo para esses britânicos pomposos.
- Há algum cenário de crise envolvendo racismo, abuso sexual ou similares? - Precisei conter o ímpeto de perguntar se realmente havia se tornado racista e a abusador.
- Sim, criamos. - Se ele for um estuprador, não vou conseguir trabalhar para ele. Foi meu pensamento ao passar para os slides de crise - Entretanto, caso aceitem trabalhar conosco, vamos precisar fazer uma entrevista sincera com o Sr. , para que possamos saber a que tipo de escândalo ele está suscetível a se envolver. - O Power Ranger acidentado maneou levemente com a cabeça.
- Entendemos. Gostaríamos de deixar claro a privacidade do Sr. deve ser respeitada a todo o custo. Escolhemos a Vellos justamente por ser uma empresa que foca em seu problema e o elimina rapidamente, sem fazer escândalo ou alvoroço. A maior parte de seus clientes públicos não se envolveram em problemas midiáticos e, os que se envolveram, tiveram seus problemas devidamente resolvidos antes que se tornasse uma bomba.
- Caso o Sr. aceite trabalhar conosco, garantimos a mesma segurança. - O engravatado não sorriu, mas também não fez a cara de estragado que havia feito anteriormente. - As entrevistas do Sr. serão controladas pessoalmente por nós, além de estarmos presentes em todos os eventos que o cliente solicitar, contanto que haja aviso prévio. Em caso de viagens internacionais, precisaremos de acesso aos eventos e cuidaremos de todo o resto.
- Hoje faremos um treinamento com vocês. Que tal? - Rhonda comentou seriamente.
- Claro, mas de que tipo de treinamento estamos falando? - Barbara tomou a dianteira.
- Hoje o Sr. tem um pocket aqui em Toronto, como devem saber, e mais tarde irá gravar uma entrevista com uma youtuber canadense muito famosa junto com Barbara Crawford e Suho Kim, os colegas do novo filme. Eu sabia, mas preferia fingir que não. Os pais de estavam animados por ele estar na cidade. Pela milésima vez, haviam me chamado para ir com eles encontrá-lo, mas não aceitei pela milésima vez. Ele não fazia questão de me ter na vida dele, por anos ele demonstrou isso, e eu não conseguia me ferir por causa dele. Não valia a pena. Além do mais, cancelava sempre de última hora os encontros com os pais. Eles não se viam há três anos. Sim, é egoísta ao ponto de sequer mandar um jato para pegar os pais. Impedi que a raiva queimasse em meu peito. Alguém que não honra os pais que deram a vida por ele não é digno do meu respeito.
Ótimo pensamento acerca do seu possível cliente, .
- Queremos que a equipe de vocês venha conosco. O local do evento não é tão organizado quanto o esperado e precisamos que vocês resolvam as questões de imprensa na hora. Conseguem fazer isso? - Nossa equipe trocou olhares sérios. Havíamos sido treinados para aquele tipo de situação.
- Conseguimos. Deem-nos meia hora para pegarmos nossos materiais, fazermos algumas ligações e estaremos prontos. - Confirmei com um sorriso contido.
- Isso é absurdo, ! - Levy comentou levemente exasperado - Eu realmente vou conhecer em um pocket! Aquele gostoso vai estar pessoalmente na minha frente? Uau. Nem guindaste, galera, nem guindaste… - Engoli em seco ao apoiar a cabeça contra o encosto do banco do carro. Barbara dirigia focada pelas ruas enquanto seguia os carros dos Power Rangers até o local do pocket.
- É a primeira vez em anos que ele faz um pocket sozinho. Ele sempre faz tudo com os elencos de série, filmes. O que será que motivou isso? - Barbs questionou.
- Lembram das revistas do mês passado? O escândalo que fez com que demitissem a outra empresa de assessoria? Ele foi visto saindo da casa de uma mulher casada em Los Angeles e-
- É verdade! A Jennifer Lopez. Ela é casada? - Levy interrompeu.
- Ela mora junto com um cara. O Alex. Só sei disso. - Assegurei. Minhas pernas batiam nervosamente contra o chão do carro. O nervosismo só crescia em meu peito. Eu o veria depois de nove anos.
Por mais que estivesse desgostosa por ele ter abandonado a família dele, certa expectativa por vê-lo pessoalmente após tanto tempo era nutrida em meu peito. Será que ele me reconheceria? - Ele deve estar fazendo isso para aumentar a moral, fazer parecer mais inocente… - Levy especulou.
- Ah, com certeza. - Barbara comentou - Essa estratégia deve ter partido dele próprio. Pelo que vimos, o tem participação nas decisões de imprensa. Isso pode nos prejudicar caso sejamos escolhidos. , caso consigamos esse job, você vai precisar tomar algumas decisões difíceis.
- Ué, por que ela tomaria decisões difíceis? - Levy questionou e suspirei.
- Porque eu e éramos melhores amigos de infância.
- O QUÊ?! VOCÊ PODERIA ESTAR TRANSANDO COM ELE NESSE MOMENTO E ESTÁ TRABALHANDO COM A GENTE? COMO ASSIM?
- O que tem a ver transar com trabalhar, Levy?
- TUDO! Que diabos?
- Levy, calma!
- Esse contrato com certeza já é nosso! Você é melhor amiga do ! Por que não contou antes?
- Levy, presta atenção. - Virei para trás para encará-lo no banco. Seu rosto estava vermelho e sua franja estava bagunçada - Nós éramos melhores amigos. Brigamos. Ele provavelmente não me suporta.
- Então isso significa que estamos ferrados? Meu Deus, perdemos tudo. Meu emprego! Eu não posso voltar para casa dos meus pais, ! Você trate de fazer as pazes com aquele homem. - Revirei os olhos e virei-me para frente.
- Levy, eu vou me comportar como uma profissional. O mínimo esperado é que ele aja da mesma maneira.
- Espero, … Espero.
- Chegamos. - Barbs anunciou ao virarmos à direita em um prédio enorme com pelo menos vinte andares. Entramos pela garagem escura e estacionamos ao lado de uma BMW.
- Uau, que potência. - Levy comentou ao encarar o carro com surpresa - Gente rica sabe como gastar dinheiro.
- Vamos. - Rhonda, a melhor Power Ranger, acenou para nós. Aproximamo-nos deles, mas as passadas do meu coração não acompanhavam a situação.
Pensei em ligar para os , contudo sabia que não adiantaria em nada. Não conseguiria articular nada a tempo. Apenas alguns andares me separavam de , e eu só conseguia pensar em sair correndo e fingir que nunca havia me metido naquela situação. Quem precisa de emprego? Quem precisa de salário? Eu estou pronta para largar tudo em prol de fingir que nada daquilo havia acontecido.
As memórias da última noite que havia passado com surgiram em minha mente. Balancei os ombros, sacudindo as lembranças para longe. Por anos eu evitei pensar no que havia acontecido.
- Você está pálida, querida. Está tudo bem? - Rhonda virou-se para mim dentro do elevador.
- Sim, sim. Eu sou meio claustrofóbica. Só isso.
- Já estamos chegando, querida. - Ela assegurou e a porta do elevador abriu em seguida. O local em que havíamos desembarcado parecia uma garagem, tudo estava vazio, havia apenas uma van preta estacionada.
- Aquele é o carro que levamos . A BMW que vocês viram lá embaixo é a que seu empresário traz com ele. Ele vem na van e volta na BMW. Esse é o espaço do evento. Vamos seguir até uma entrada escondida que dá para o backstage, lá embaixo é o palco. Decidimos fazer em dois andares separados, só por precaução.
- Caso alguma fã chegue a invadir, ela vai ficar perdida no primeiro andar e não vai saber como se guiar. - Segui o pensamento.
- Ideia do . - O velho chato do pênis achatado (é simplesmente como vou chamá-lo) comentou com orgulho - Meu menino é inteligente, eu digo. - Rhonda revirou os olhos, aproveitando que o velho não a encarava.
- De qualquer maneira, falta uma hora e meia até o pocket, mas algumas fãs que compraram o ingresso VIP já estão lá dentro, ele vai assinar alguns autógrafos para elas e tirar fotos. Coisa básica. O trabalho de vocês é analisar, criar possíveis cenários, criar soluções e aparecer com cada resultado ao fim do pocket. Decidiremos se os contrataremos ou não baseado em suas respostas e como vocês lidam com . - Assenti mascarando o nervosismo. Abrimos a porta do backstage. Havia seis seguranças parados na porta e mais três espalhados pelo corredor escuro até uma sala aberta.
Estranhei precisarmos entrar em contato direto com , geralmente a equipe tenta deixar o artista o mais distante possível de toda a burocracia. Será que ele era realmente tão presente nas decisões da equipe?
Caminhamos lado a lado até descermos por uma escada lateral tão escura e apertada que o Power Ranger da Desgraça mal parecia caber ali dentro. Senti pena por dois segundos, já que também estava apertada ali.
Começamos a ouvir alguns gritinhos quando chegamos ao fim da rota. Desembocamos para a saída da direita, dando de cara com um palco montado e ali, em pé, . Engoli em seco e só percebi meu nervosismo quando as mãos gélidas de Barbs entrelaçaram com minhas mãos trêmulas.
- Você consegue fazer isso, ? - Perguntou em um sussurro, parecia extremamente preocupada - Se eu soubesse que você reagiria assim, não teria te trazido.
- Eu estou bem, Barbs. É meu trabalho. Eu sou profissional. - Murmurei e sorri falsamente para uma das Power Rangers - Nós sempre fazemos uma reza antes de um trabalho. - Comentei enquanto levantava as minhas mãos entrelaçadas para sinalizar. Ela apenas franziu o cenho e virou-se para conversar com sua equipe, provavelmente se transformariam em um Megazord a qualquer minuto.
- Ok. Se ele fizer qualquer coisa com você, avise. Não fique calada. Não vamos tolerar. - Ela assegurou e só consegui sorrir. Respirei fundo e virei-me novamente para o palco. Levy conversava com a equipe de sobre o espaço, estava sério enquanto comentava sobre possíveis problemas de estrutura que poderiam vir a causar algum dano para . Ele estava fazendo além do trabalho de assessoria de imprensa, mas assessoria pessoal.
Evitei a todo custo olhar para as costas iluminadas de , mas era praticamente impossível. Ele havia mudado tanto, e pessoalmente parecia mais estonteante do que nas fotos que eu vira em seu fã-clube no Twitter. Ele parecia… Garoto propaganda da BB Cream.
Ele deveria ter chegado a um metro e oitenta e cinco, uma autêntica geladeira frost free; o cabelo ralo deveria estar destacando suas bochechas, mas eu não saberia, ele estava de costas. E mesmo de costas, eu sentia meu coração acelerar no peito, minha língua seca como quando eu corri de um mendigo na rua, mas acima de tudo, eu sentia minhas pernas trêmulas com a sensação de vê-lo de perto novamente. Tenho certeza de que parecia uma perfeita idiota.
- Muda essa cara, . Você está parecendo uma idiota. - Barbs verbalizou meus pensamentos. Tratei de arrumar minha echarpe amarela porcamente.
- Bom, o que acharam do espaço? - Rhonda questionou. Tomei a dianteira e sorri.
- Achei um espaço, apesar de confortável, um tanto quanto pequeno. Claramente os ingressos vendidos ultrapassaram a demanda, as fãs vão ficar mais desconfortáveis, mais reclamonas, e isso vai tornar as reclamações da equipe em uma algazarra. Levando em consideração que essas que estão aqui desembolsaram um dinheiro alto, isso significa que a maioria aqui é diretora de fã-clube. A fama de tem alcance internacional, especialmente aqui no Canadá, por causa de seu último filme. Se a diretora do fã-clube do Canadá perceber que em outros países a qualidade foi diferente daqui, a probabilidade de surto e influência em outros fãs é muito grande. A base mais influente dele é a da Inglaterra, logo em seguida, a canadense. Acho que talvez uma probabilidade seja aproveitar o tempo até o início do pocket geral e colocarmos faixas separando. Eu e minha equipe podemos ajudar pessoalmente a organizar as fãs. - Rhonda assentiu.
- Acha que fizemos isso propositalmente? Armar algo que precisasse ser arrumado?
- Não. Acho que precisam de ajuda e que podemos ser a necessária.
- O que a faz achar que precisamos tão desesperadamente de uma empresa de assessoria? - Questionou a Power Ranger azul, que na verdade era uma mulher loira com lábios vermelhos.
- Vocês são uma ótima equipe, porém carregam tudo. A responsabilidade da equipe de assessoria também era de vocês, em sua grande maioria, por não confiarem na anterior. Estou correta? Já tivemos casos assim anteriormente. Vocês tentaram segurar todas as pontas, mas infelizmente nem tudo está sob nosso controle, e algo cedeu. A popularidade de . Por isso precisam de nossa ajuda, porque vamos fazer questão de que vocês não precisem se preocupar com ao que se trata de sua assessoria de imprensa. Vocês vão poder dar mais atenção para o restante, deixando isso conosco. - Finalizei com um sorriso.
- Vamos seguir o plano de vocês. Caso funcione, apenas precisaremos conversar com , mas estarão contratados. Caso não, procuraremos outra empresa. Isso está unicamente nas mãos de vocês. - Rhonda sinalizou com a cabeça para os Rangers Samurai e assentiu - Vamos precisar seguir para o outro lado do palco. Os seguranças, o equipamento, tudo está disponível para vocês. Caso precisem de algo, é só ligar para o meu número. - E estendeu para mim um cartão de negócios. Assenti com firmeza - Boa sorte. Lovely vai acompanhar vocês.
Todos os Rangers saíram, menos Lovely, ninguém menos do que o velho esnobe. Ah, perfeito. Que nome paradoxal.
- Vamos lá, não temos o dia todo. - Ele resmungou.
- Ok, pessoal, vamos lá. Montamos um cenário desses no carro, lembram? Precisamos que alguém vá na fila conversar com as fãs. Os seguranças já estão, já tem um pessoal da assessoria pessoal por lá, mas é importante que passemos a imagem de confiança. Organizem a fila da maneira que puderem. Levy, você cuida disso. A imprensa vai ficar sentada aqui na frente, Barbs, você pode cuidar deles? - Ela assentiu rapidamente - Vou me encarregar do restante, fiquem tranquilos. As mídias estão prontas, não estão? - Virei-me pela primeira vez para Lovely.
- Sim. Vamos tweetar ao vivo sobre o encontro. Nenhum dos fãs pode gravar o evento. Os stories serão postados às 19h de hoje. - Franzi o cenho.
- 19h? Não seria melhor 19h30? É o horário garantido de que os fãs estarão em casa, tanto os que trabalham, como os que estudam.
- Vou falar com nossa equipe de analytics. - Ele rosnou como um bulldog e saiu pelo fundo.
Encarei as costas de mais uma vez e suspirei. Aquilo ali era minha prova de fogo, minha promoção dependia de puxar o saco daquele homem.
- Todos estão com os celulares, certo? Vamos pegar os pontos com os seguranças. Podemos nos comunicar melhor por lá.
- Boa sorte, pessoal. Vamos dar nosso melhor. - Barbs incentivou e meus dois colegas dispararam para o lado esquerdo.
Encontrei-me sozinha, com apenas o gerente de som e luz mais à frente. Suspirei e encarei o outro lado do palco. O agente pessoal de estava parado encarando as fãs, observando de relance. O nome dele era Sebastian Frederick, tinha trinta e sete anos, duas filhas e havia traído sua esposa, pelo menos é o que rola no meio da assessoria. Ele era anteriormente assessor do David Yost, o Ranger Azul (de verdade), mas havia terminado o contrato e vindo buscar sua nova renda com , que alcançava sua fama absurdamente rápido. Já tinha contrato para mais cinco filmes prontos. Além disso, havia uma proposta para fazer parte do elenco fixo de Sherlock a partir da quinta temporada - que ainda não possui data de estreia.
Fui desperta com os gritos dos fãs quando desceu da plataforma para abraçá-los. Os seguranças estavam a postos ao seu lado, com as carrancas usuais, mas sem encostar em nenhum dos fãs. O número de processos que advém de agressões por parte de seguranças é absurdo. Muitas vezes, totalmente sem fundamento. Mas a primeira regra do mundo de eventos é: não encoste nos fãs. É suicídio.
Levy passou rapidamente por mim, entregando o ponto. Coloquei-o no ouvido e ajustei a frequência. Agora estávamos conectados. Observei de relance uma fã com um celular na mão aberto na página do Twitter. Corri rapidamente até ela, sendo cegada momentaneamente pela luz do palco.
- Não podemos liberar a divulgação das fotos aqui dentro. - Informei com meu sorriso mais cordial para a menina de cabelos ruivos e dentes perfeitamente alinhados. Deveria ter um quinze anos, no máximo.
- Ah, desculpa. - Ela comentou com um sorriso trêmulo enquanto os olhos estavam inchados de tanto chorar. Provavelmente por ter tirado uma foto com .
- Tudo bem. Vamos reforçar mais uma vez. - Ela assentiu e sentou-se novamente em seu lugar. Ao virar de frente para a muvuca que ainda se formava ao redor de , pude observá-lo mais de perto. A pele escura marcada por cada osso do maxilar, os lábios cheios formavam um sorriso enquanto o flash da câmera atingia seus olhos. Meu coração parecia saltar do peito. E foi quando ele me viu que tudo pareceu diferente. Seus olhos fitaram os meus, seus lábios não demonstraram nada.
- Oi, moça. Você é da segurança? Tem um moço passando mal aqui do lado, pode ajudá-lo? Não quero que meus fãs passem mal. - Um coro de “awn’s” ecoou tão alto que precisei forçar-me para ouvir a voz dele. desvencilhou o braço do ombro de uma fã para ajudar a levantar um dos fãs, um menino pequeno de dez anos que estava aos seus pés. Parecia pálido. O segurança do lado pegou o menino no colo e veio em minha direção.
não havia me reconhecido.
- Obrigada, moça. - Ele agradeceu e voltar a dar atenção para os fãs ao seu redor. Balancei a cabeça enquanto o segurança imenso colocava a criança no meu colo. Eu sequer tive chance de negar a minha posição.
- Para onde você vai me levar, moça? Minha irmã está ali tirando fotos com o ! Eu quero ir! - E ali a criancinha loira de olhos verdes começou a chorar. O choro foi tão alto que precisei colocá-lo sentado em uma cadeira.
- Você está sentindo o que, exatamente?
- Pisaram no meu pé. - Ele fungou, já chorando menos. Olhei ao redor e chamei um segurança que conversava com seu colega.
- Pode trazer uma água para ele? Obrigada. - O segurança assentiu e saiu rapidamente para a esquerda. Do meu lado direito, as fãs voltavam aos seus lugares aos poucos. A irmã do garotinho, Malfoy, sim, ele havia se apresentado daquela maneira, chegou em seguida, com os olhos cheios de lágrimas, as mãos trêmulas ao ponto de oferecer-me para trazer água para ela.
- Está tudo bem, é só o dia mais feliz da minha vida. - Balancei a cabeça e deixei seu irmão aos seus cuidados. Voltei-me para o palco, onde agora estava sentado e preparava-se para responder duas perguntas antes de sair para seu camarim até a hora do pocket oficial. Encarei-o uma última vez e seus olhos encontraram os meus mais uma vez, mas não havia nada ali, apenas a mais pura e simples indiferença. Ele não lembrava de mim, do meu rosto, dos meus olhos, de nada. E aquele sentimento pareceu doer em mim como doera anos atrás, quando o beijei pela última vez.
- O pocket foi um sucesso! - Levy comemorou quando as fãs começavam a sair do espaço reservado para o pocket. Durante todo o período do evento, acompanhei as transmissões simultâneas através de um computador, em uma sala separada. O restante da equipe permaneceu próxima ao palco, analisando de perto e fazendo suas anotações.
Passei todo o período do evento mordendo os lábios, segurando a raiva que ardia em meu peito. Meu orgulho estava dilacerado. Não, não. Dilacerado é pouco.
- Você já pode sair da sala, . - Barbs comentou com um sorriso singelo. Ela via em meu rosto que eu estava nervosa, apenas não havia tido tempo de perguntar o que havia acontecido.
- Sim, já saio. Estou terminando as anotações oficiais. Eu já peguei o que vocês me passaram, fiz um modelo de briefing e vou mostrar aos Rangers.
- Aos o quê?
- Rangers. Power Rangers. - Levy jogou a cabeça para trás, dando uma risada alta. Balancei os ombros em uma risada contida.
- Não deixe que ouçam você chamá-los assim. Estão mais para personagens figurantes de Burlesque. - Barbara comentou com um sorriso maldoso.
- Tudo bem aí? - Rhonda colocou a cabeça para dentro da sala - Aconteceu algo?
- Não, não! Tudo certo. Já estamos com as anotações prontas. - Assegurei.
- Ok. Vamos levá-los para conhecer . Sigam-me.
Olhei para meus amigos e deixei que fossem à frente. Mordi mais uma vez os lábios, estalando os dedos insanamente, como os pais de odiavam. Ele não havia reconhecido a menina que era sua melhor amiga, seu primeiro beijo, sua primeira. Pelo amor de Deus, eu sou tão esquecível assim?
Balancei a cabeça, tentando me livrar das imagens da última vez que o vira. Os ombros largos desproporcionais com o corpo muito magro, os olhos grandes brilhando em antecipação por eu finalmente ter aceitado ser sua namorada. E depois meus olhos chorosos ao vê-lo partir para nunca mais voltar. Ele havia ido de vez, e eu ainda achava que ele se lembrava de tudo. Eu havia ficado para trás, mais uma vez.
- , essa é a equipe de assessoria. - Ouvi a voz de Rhonda vindo do camarim por onde havíamos passado na entrada. As paredes pretas camuflavam o camarim por fora, mas de dentro vinha uma luz forte.
- Pode deixar que entrem. - Ouvir sua voz sem o microfone, a voz do ator famoso que eu não havia conhecido, fez com que meu coração acelerasse perigosamente em míseros segundos. Respirei fundo enquanto meus colegas entravam antes de mim. Fui a última a sentir a luz forte do camarim em meus olhos.
Olhei ao redor, deixando absorver o ambiente. Do lado esquerdo, havia dois sofás preenchidos pelos Rangers e pelo agente de . Todos conversavam animadamente e mexiam em seus celulares, inclusive Lovely. Havia duas mesas cheias de frutas, doces e petiscos diversos. Do lado direito, cinco caixas enormes cheias de presentes, cartas, ursinhos de pelúcia, colagens, etc. Tudo o que uma fã conseguiria fazer para seu artista favorito. havia se tornado grande. Aquilo ali era para o mesmo que tentou fumar um trago de cigarro que havia achado na rua de casa quando tinha 11 anos para tentar parecer um gângster. Como ele não contraiu uma doença, não sei dizer.
E no meio, no centro das luzes do camarim, estava de pé. Os braços soltos enquanto cumprimentava a minha equipe. Um sorriso enorme preenchia rosto, os dentes brancos praticamente cegando a todos nós de uma vez. O dentista dele havia feito um ótimo trabalho.
Abri meu sorriso mais profissional e estendi minha mão para quando ele virou para mim.
- Sou Pimentel. - Apresentei-me e abriu um sorriso ainda maior.
- ! - Ele gritou alto e soltei um gritinho de susto ao sentir seu corpo enorme envolver o meu em um abraço apertado. Retribui o abraço desconfortavelmente enquanto imaginava o que os outros ao nosso redor pensariam - Meu Deus! Há quanto tempo! Não acredito, você faz parte da minha nova equipe de assessoria?
- Na verdade, , ainda precisamos ver algumas coisas e--
- Não, não precisamos ver nada. A equipe está contratada. - interrompeu Lovely. Olhei para meus colegas de equipe de relance. Disfarçavam os sorrisos gigantescos.
Encarei mais uma vez. Por que ele agiu de maneira tão feliz se sequer se importou em procurar durante todos aqueles anos? Escondi minha carranca. Eu estava agindo como uma criança. Uma verdadeira adolescente.
- Vamos arranjar a papelada. - Rhonda levantou-se com os Rangers.
- Posso conversar com a um pouco a sós? - Fitei seu perfil de soslaio enquanto me aproximava de minha equipe.
- Acho melhor eu ir com eles, Sr. . - Falei seriamente, não conseguindo disfarçar tão bem o que sentia.
- Eu insisto, Srta. Pimentel. - Ele reforçou. Olhei para Barbs procurando uma saída, mas ela não ia negar um desejo tão pequeno a seu novo cliente. Negócios.
- Podemos nos virar, . Já voltamos. - E assim, um por um, todos esvaziaram a sala, até mesmo o agente de , que parecia extremamente nervoso e bufante.
Encarei o chão quando finalmente ficamos a sós. Não sabia como reagir.
- Então, hm… Você tem uma entrevista mais tarde, está nervoso? - Perguntei encarando-o pela primeira vez de verdade. E arrependi-me amargamente. Seus olhos brilhavam com a luz do camarim, seus braços marcados pelos músculos levemente protuberantes estavam cruzados em frente ao peito e uma linha fina comprimia seus lábios.
- Não, é rotina. - Ele respondeu descontraidamente.
- Ah, legal. - Murmurei e comecei a encarar qualquer lugar que não fosse os olhos de .
Não tinha condição alguma de olhá-lo nos olhos sem explodir. Tanta coisa que eu queria dizer. Queria xingá-lo, abraçá-lo, matar as saudades. Eu não sentira sua falta por muito tempo, mas tudo havia voltado naquele momento. O primeiro mês sem ele fora tão doloroso, e parecia doer ali. A intimidade, o relacionamento que tínhamos, havia ido para o espaço e me doía pensar que parte daquilo era culpa minha.
- Você está linda.
- Você tem os dentes brancos demais. - A risada de invadiu a sala, seus ombros tremendo com a gargalhada. Logo ele apoiou-se contra a mesa do camarim conectada ao espelho, deixando as mãos descansando nas coxas torneadas pela calça jeans. Encarei o ponto por um momento e voltei meu olhar para seus olhos castanhos.
- Eu também acho, mas fica bem nas fotos.
- É, você sempre foi muito vaidoso. - Comentei, deixando um sorriso leve brotar em meus lábios.
- E você sempre foi minha maior incentivadora. - Assenti.
- Você realmente não me reconheceu ali fora? - Perguntei com a voz mais baixa.
- Apenas não acreditei que era você. Parecia surreal demais. - Ele respondeu seriamente, agora se aproximando mais. O cheiro de seu perfume invadiu meus sentidos por algum tempo. Era alguma fragrância que custava mais que meu corpo inteiro no mercado ilegal - Mas eu não sabia como reagir, então eu reagi como qualquer babaca reage. - Não sabia o que dizer. Sentia-me estranha, meu corpo parecia querer sair correndo pela porta - Você cuida dos meus escândalos agora, então?
- Pelo visto, sim. Se você continua fazendo tanta besteira como antes, estou ferrada. - riu mais uma vez, negando.
- Eu tenho me mantido na linha, . - Senti meu pescoço arrepiar quando meu apelido deslizou tão facilmente por seus lábios. Minhas pernas pareciam vacilar por um momento, mas me recompus. Não é porque virou uma rodovia de mau caminho que eu iria cair em cima dele, não mesmo. Nunca.
- Não é o que a última capa de revista disse. - Arqueei a sobrancelha.
- Aquilo foi um mal entendido.
- Não é meu trabalho saber se foi verdade ou não, meu trabalho é fazer parecer que você é inocente. - Cortei suas desculpas rapidamente. Eu estava extremamente desconfortável. Tudo parecia voltar, as memórias de nossa infância, as chamadas ignoradas da parte dele, a total negligência com relação à sua família, a babaquice que foi fingir que não me conhecia.
- Uau. Você continua a mesma grossa, pelo visto. - Ele comentou bem humorado. Franzi o cenho.
- Sim, Sr. . Eu gosto de manter meus clientes o mais pé no chão possível. Eu preciso me juntar à minha equipe. Gostaria de fazer mais algum comentário? - Perguntei com falsa cortesia. Mas não transpareci. pode ter me desestabilizado por um momento, mas eu já havia me recomposto.
- Sim. Vai ser um prazer trabalhar com você, Srta. Pimentel.
- Igualmente. - Sorri cordialmente, saindo pela porta com calmaria impressionante. Ao fechar a porta, encostei as costas contra a madeira e suspirei.
- Eu consigo ouvir você suspirar, Pimentel! - A voz de do lado de dentro pegou-me de surpresa. Bufei e segui pelo corredor em direção à minha equipe.
- Ao nosso contrato maravilhoso! - Barbara levantou seu braço com o copo de cerveja e propôs um brinde. Teria sido uma cena linda caso ela não estivesse bêbada e berrando. Soltei uma risada e bati meu copo de refrigerante com meus amigos. Levy virou seu chopp de uma vez, enquanto minha amiga tentava levar o copo até a boca.
Hoje, dois dias após a apresentação com a equipe de , fomos informados de que nossa equipe era oficialmente parte da assessoria de . Recebi a notícia enquanto estava no banho, preparando-me para sair pela segunda vez com Caleb. Fiquei tão extasiada com a notícia que escorreguei no box e agora estava com uma dor nauseante na bunda.
Cuidado com banheiros, crianças.
- Aos burgueses, por nos sustentarem! - Entrei na onda de Barbara enquanto dávamos risadas - Qual é o próximo passo? - Levy perguntou.
- Hm… - Barbara bebeu mais três goles de sua bebida - A equipe vai entrar em contato amanhã para informar nosso primeiro encontro para acertarmos todos os detalhes. Rhonda disse também que tem um pedido para nós, mais especificamente, você. Não sei o que é, levando em conta que você é tão chata. - Minha amiga mostrou a língua como uma criança de dois anos e eu retribuí da mesma forma como a boa criança de dois anos que sou.
- Acho que vão pedir para aturarmos as merdas narcisistas dele. - Levy arqueou a sobrancelha com minha fala - Boa parte desses atores são narcisistas inseguros de si mesmos, ignorantes a qualquer um que não tenha metade da conta bancária deles.
- Caramba, . Você está muito amargurada. - Levy comentou com um sorriso de canto - As coisas não estão bem com o Caleb? Está reprimida com ?
- Por que as pessoas assumem que uma mulher é amargurada pela falta de um homem?
- Você admite então que está amargurada? - Meu colega provocou.
- Não!
- Mas não está dando certo com o Caleb?
- Também não.
Suspirei fortemente e tomei um enorme gole da minha Coca-Cola. Levy estava com um sorriso vitorioso por ter me encurralado enquanto Barb dava em cima de um cara na mesa atrás da nossa. O bar em que estávamos era completamente rústico, no mínimo. A iluminação era baixa e perigosamente falha. Tenho certeza de que as lâmpadas usadas aqui não são mais permitidas por lei.
- Refresquem a minha memória. Por que eu deixei que me trouxessem aqui? - Minha voz soou muito baixa no ambiente tomado pela música alta.
- Porque você está comemorando o trabalho dos sonhos de qualquer jovem em momentos de crise!
- É verdade. - Mordi os lábios e terminei meu refrigerante. Talvez devesse ser menos amargurada, pelo menos por hoje. Amanhã poderia voltar a reclamar - Vou pegar uma água com gás, vocês querem algo?
- Eu quero sua cabeça enfiada em um peru de ação de graças! - Barb comentou com um sorriso malicioso ao que revirei os olhos indiscretamente.
- Vou pegar algo para diminuir sua bebedeira. E você, Levy?
- Estou tranquilo. - Meu colega mal me olhou, estava em uma troca de olhares intensa, e completamente constrangedora, com uma mulher de cabelos ruivos do outro lado do bar. Acho que entendi por que os dois queriam vir aqui de verdade: para darem beijos. Bom, não estou familiarizada com a ação há algum tempo.
Por mais que tenha saído uma vez com Caleb, não me senti confortável para beijá-lo. Ele parecia muito mais um amigo do que qualquer outra coisa. A questão é que não sei como dizer a ele, então quando ele pediu para sairmos novamente, eu disse: “Você que manda, parceiro”. Que tipo de resposta é essa?
Fui até o bar e pedi uma água com gás e limão espremido. Enquanto esperava, lembrava do meu encontro desastroso com . Ao chegar na sala, tive uma conversa extremamente desconfortável com a equipe de de que não haveria interesse amoroso em nossa relação profissional. Precisei explicar nosso passado e informar que não, não havia a menor chance de qualquer relacionamento entre nós dois acontecer. Claro, omiti nosso primeiro beijo. Eles não mereciam ouvir aquilo.
Tenho evitado também as ligações da família de . Seus pais haviam ligado doze vezes nos últimos dois dias, até mesmo mi mamá havia tentado ligar em favor deles, mas apenas pedi para que dissesse a eles que eu estava muito ocupada e que ligaria assim que tivesse mais tempo. Além disso, o aluguel venceria na semana seguinte, seria obrigada a falar com eles.
Mas ainda estava na cidade, não queria que houvesse alguma abertura para que nos reuníssemos como se fôssemos amigos.
Na noite anterior, parei para refletir enquanto raspava minhas pernas no banho e cheguei à conclusão de que tratar meu relacionamento com de maneira unicamente profissional era a melhor forma de não fazer nenhum limite ser ultrapassado. Ele não havia tentado sequer ultrapassar o limite do telefone nos últimos anos, não haveria motivo para tal naquele momento. Além do mais, nos comunicaremos apenas em caso de extrema urgência. E em eventos, mas faria o máximo para enviar Levy em meu lugar. Ele amaria.
Peguei minha bebida e voltei para a mesa. Levy e Barbs haviam sumido. Deviam estar beijando aquelas pessoas com quem flertavam. Sentei-me sozinha à mesa, sentindo o peso da semana em minhas costas.
Mexia entediada em meu celular até que o número do pai de , Sr. , apareceu em minha tela. Atendi sem querer o telefonema e já era tarde demais para desligar.
- Oi, Sr. ! - Exclamei sorridente. Era realmente bom falar com ele.
- Oi, minha filha. - Sorri com a alcunha. Sr. começou a me chamar assim há cerca de quatro anos - Estamos com saudades. Você não vem mais em casa jantar, não pode vir hoje? - Olhei ao redor. Ainda era oito da noite e meus amigos já estavam bêbados, beijando seus respectivos parceiros em algum lugar.
- Eu estou em um happy hour, desculpa.
- Ah, vamos, vai? não está aqui, se é o que você quer saber. - Seu tom de voz modificou automaticamente - Ele deu outro bolo na gente. Semana que vem faz quase quatro anos que não o vemos. Eu não sei o que acontece com ele, , não sei mesmo… - Suspirei, sentindo a raiva subir pelo meu peito.
- Já estou indo. Até daqui a pouco.
Procurei por meus amigos no bar, mas não os achei. Mandei uma mensagem em nosso grupo da equipe “: The Rise” avisando que ia embora. Barbs visualizou, então contei como vitória. Paguei minha conta no bar e fui embora. Peguei meu carro no estacionamento, atravessando a cidade até a casa de meus pais postiços.
Parei em frente à casa azul com detalhes brancos na janela e na porta de entrada. O jardim tipicamente estava lindo, apesar de me questionar como Sra. havia conseguido manter algumas plantas brasileiras em ambiente tão frio como no Canadá. Nem mesmo o solo era igual.
- ! - Sra. me recebeu na porta com um abraço apertado. Sorri com a sensação de estar em casa e percebi o quanto o trabalho, , tudo havia me esgotado mentalmente nos últimos dias. Do lado de dentro, o som do violino clássico de Sr. enchia metade da rua.
- Sra. ! Estava com tanta saudade de vocês!
- Você está parecendo meu filho, some e não dá notícias. - Ela comentou, mas não pude deixar de sentir o incômodo com a comparação.
- Ele é um babaca. E me irrita ele ser um ser humano tão odioso e sem noção quando tem vocês como pais. - Monologuei enquanto caminhava pelo corredor até a cozinha estilo americano. Sra. ia atrás de mim.
- Querida… - Sra. tentou falar, tocando em meu ombro, mas estava entretida demais em minha própria rede de xingamentos.
- Eu quero pegar esse garoto no soco, fazer ele acordar para a vida, sabe? Quem ele acha que--
- Oi, . - Arregalei os olhos descaradamente ao entrar na cozinha e ver em pé tocando o violino de seu pai enquanto usava um moletom cinza da ADIDAS, uma calça preta da Nike e um tênis horrendo da ADIDAS também. Com tanto dinheiro em mãos, ele sequer conseguia comprar roupas decentes? Ele deixou o violino na estante e cruzou os braços. Droga, eu havia esquecido que tocava violino.
- Era isso que eu queria dizer, querida. Hunter havia cancelado por estar preso na entrevista, mas encerrou mais cedo apenas para vir. - Sra. comentou com um sorriso sem graça enquanto passava por mim e abraçava o filho de lado. O cheiro de comida brasileira impregnou a casa, todas as bocas do fogão sendo usadas para fazer o jantar, e pensei em enfiar a minha própria em uma panela. Talvez me ajudasse a falar menos pelos cotovelos.
- Pode continuar o que dizia, . - provocou, os olhos desafiadores.
- … - Sra. advertiu.
- Sra. , eu não continuo isso em respeito à senhora. Mas você sabe que eu estou certa. - Encarei mais uma vez antes de voltar meu olhar para a mulher que havia me tratado como uma segunda filha. Respirei fundo e abri um sorriso forçado. parecia tenso com sua mãe ao seu lado. Controlei meu temperamento, como minha mãe havia me ensinado - Posso ajudar a cozinhar algo? - Perguntei, tentando aliviar o clima pesado.
- Claro, querida. Pode fazer vinagrete? Ainda lembra de quando te ensinei?
- Sim, claro. - Acenei com a cabeça. Arregacei as mangas do sobretudo amarelo e fui em direção à bancada americana, pegando uma tábua na prateleira de baixo e os tomates da geladeira. Nas palavras de dona Clara, a mãe de , nenhum tomate é como o tomate brasileiro. Então me contentava com suas críticas aos tomates canadenses e acreditava em sua palavra - Onde está o Sr. ? - Perguntei enquanto ignorava e focava unicamente em cortar os tomates, imaginando ser sua cabeça gigante e estúpida.
- Daniel foi ao mercado. Ele vai tomar uma bela surpresa quando vir , não é, querido? - Não virei para ver a reação de . Enquanto cortava os tomates em pedaços pequenos, dona Clara adiantou que iria tomar banho e se arrumar.
Encontrei-me sozinha com mais uma vez. Olhei de soslaio para a direita, ele estava sentado à mesa de jantar, encarando-me sem desviar o olhar.
- Para de me encarar, . - Murmurei, cortando agora as cebolas. Estava tão acostumada a cozinhar que mal senti meus olhos lacrimejarem com as cebolas.
- Eu estou tentando entender.
- O quê?
- Por que você parece me odiar tanto. - Soltei a faca e a cebola de minhas mãos. Virei-me para encará-lo. Seus cabelos estavam crescendo, sua barba por fazer o deixava insuportavelmente bonito e seus lábios estavam vermelhos pelo frio. Estávamos em outubro, o frio começava a apertar e qualquer pessoa que não fosse canadense sentia-o na pele.
- Você não consegue adivinhar? Hm, acho que não deveria participar da série Sherlock, então. - Provoquei e terminei de cortar o restante das cebolas na vasilha. Juntei com o pimentão, os tomates, sal, vinagre e azeite.
- Como você sabe? - Ele arqueou a sobrancelha bem feita.
- Eu trabalho para você agora, . É meu dever mínimo saber tudo sobre você.
- Uau, sinto-me na desvantagem. - Fechei o pote do vinagrete e lavei as mãos. Encarei o pano de prato em minhas mãos, fingindo não prestar atenção à respiração pesada de .
- Você ainda tem rinite? Pensei que com seu dinheiro tivesse condições de fazer a cirurgia.
- Eu tenho medo. - Ele argumentou e apenas assenti. sempre roncou e tinha problemas sérios de saúde por causa das várias “ites” - E você está usando tranças agora. - Assenti.
- É mais fácil de cuidar.
- Ficou lindo.
- Faço em uma boa profissional.
- Você não pode aceitar algum elogio que eu faça? - Ele perguntou meio chateado. Virei-me incrédula.
- , o que você pensa que aconteceria? Que ia chegar nove anos depois da última vez que nos vimos e que tudo ia ser o mesmo? Sério mesmo? - Larguei o pano de prato na bancada com certa raiva.
- Eu que tenho o direito de estar chateado, . Não sei se você lembra, mas é por sua culpa que não terminamos em bons termos. - Ele levantou da cadeira. Agora estava do outro lado do balcão, encarando-me de perto. Sua testa franzida em confusão e certa revolta apenas me irritou mais.
- Minha culpa? Eu tentei te ligar inúmeras vezes depois daquilo! Eu fui atrás de você na merda da sua escola e você não quis me ver! - Aumentei meu tom de voz, arrependendo-me logo em seguida, voltando a baixá-lo - Você é um merda que abandonou sua família. - Soltei o que realmente pensava. Seus olhos não tentaram esconder a dor que o atingiu. Senti-me levemente arrependida, mas então lembrei das noites de choro que presenciei da Sra. sem ter notícias do filho, implorando a Deus que ele a ligasse pelo menos para dizer que estava vivo.
- Hm, que cheiro bom! - Ouvi a voz de Daniel, em seguida a porta de entrada fechando. Eu e não deixamos de nos encarar, seu olhar dolorido encarando minha expressão fechada e impassível. Apenas a presença de Daniel fez com que o encarasse com um sorriso - Filho! Meu Deus do céu! Você está enorme.
- Pai! Saí mais cedo. - correu para abraçar o pai. Os dois ficaram ali por alguns segundos, sem falar nada, apenas sentindo a presença um do outro. Senti-me uma intrusa e resolvi sair de cantinho pela saída leste até a sala de TV.
- Vejo que você e estavam conversando, desculpa atrapalhar. - Fui interrompida em plena fuga quando já estava para passar para o outro cômodo.
- Não, não. Eu estava indo ligar a TV. Podem conversar. A Sra. está lá em cima tomando banho. - Anunciei e saí antes que ele pudesse me parar.
Sentei-me no sofá e liguei a televisão nova que Sr. havia comprado. Embaralhei-me em alguns comandos, mas logo havia colocado Brooklyn Nine-Nine para passar. Aprumei-me em meu sobretudo, fingindo prestar atenção na série, mas minha atenção voltava para um par de olhos escuros na cozinha.
estava de volta. Completamente. E era meu cliente. Eu precisava tratá-lo melhor ou poderia perder o contrato antes que fosse validado.
Levantei meu olhar para o móvel da sala, observando o porta-retrato com uma foto minha e de quando tínhamos apenas dez anos. Estávamos sujos de lama até os ombros, havíamos desenhado carinhas de lama em nossas barrigas. Sorri com a memória. Eu sentia saudades do meu melhor amigo, mas o que eu conhecia, ou achava conhecer, não faria o que aquele na cozinha fez com os pais.
- Querida, o jantar está pronto. - A voz de dona Clara foi ouvida. Levantei-me do sofá confortável e andei até a cozinha novamente. Sr. e conversavam animadamente à mesa acerca de futebol e sobre o novo filme de , a história de um jogador de futebol americano que passa por sérias convulsões causadas pelos impactos cerebrais do esporte.
- Como é a Nicole Kidman? Ela é tão bonita pessoalmente quanto pela televisão? - Sr. perguntou com um sorriso escancarado. Dona Clara também olhou com curiosidade. Nicole Kidman interpretou a médica que ajudava em seu processo de tratamento no filme. Ele se apaixona pela filha dela, um verdadeiro enredo dramático.
- Sim, ela é, pai. - Ele comentou com um sorriso. Apreciei momentaneamente a covinha que surgiu em sua bochecha esquerda. Ela aparecia apenas quando sorria verdadeiramente, com todos os músculos do rosto.
- , me contou que você é a nova assessora de imprensa dele, é isso mesmo? Por que não nos contou? Não está escondendo mais coisas, está? - Dona Clara ralhou comigo enquanto trazia as panelas para a mesa. Todos os pratos estavam postos, havia uma jarra de chá próxima à travessa de frango assado, que por sua vez estava ao lado do feijão tropeiro (pelo visto, dona Clara havia feito um jantar unicamente brasileiro para seu filho) e, de sobremesa, chocolate.
- Só foi oficializado hoje. Antes disso, seria apenas indefinido. - Respondi e sentei-me ao lado do local vago para dona Clara. Estava frente a frente com , suas pernas eram tão grandes que roçavam descaradamente contra as minhas. Tentei mascarar a sensação confortável que o toque de me trazia e apenas preferi ignorar. Eu estava fazendo vista grossa sobre tantas coisas naquela semana.
Peguei o garfo e devorei a comida deliciosa de dona Clara, suspirando a praticamente cada dentada. Os três conversavam animadamente sobre o trabalho de , faziam alguns comentários sobre a família espalhada pelo mundo.
Fiquei levemente incomodada pelo fato de ambos tratarem tudo com tanta normalidade. havia lhes dado tanto bolo, tantos foras, mas mesmo assim agiam como se ele estivesse ali sempre. Não sou ninguém para julgá-los, eles eram pais dele. Mas eu não sou. E não consegui fingir por um segundo sequer que pertencia àquele cenário. Porque não pertencia mais.
Veja, sei que posso parecer dramática e sem noção. Mas não é nada disso. foi o meu primeiro amor, o primeiro a quem entreguei meu coração. E foi com ele que imaginei passar minha vida. Quando ele foi embora, na noite anterior, despedi-me dele com o coração mortificado por deixá-lo ir. E tentei restaurar o que tínhamos, mas ele me fechou. Assim como fez com seus pais. Ele havia começado uma vida nova e havia excluído tudo o que vinha antes daquilo. Eu tinha todo o direito de sentir-me traída.
- Isso significa que vocês dois vão passar mais tempo juntos? - Meu fluxo de pensamentos foi vergonhosamente captado por dona Clara que riu - Você é muito distraída, querida… Diga-me, vocês vão passar mais tempo juntos?
- Espero que sim.
- Não, não vamos.
Respondemos e eu ao mesmo tempo. Encarei-o rapidamente, voltando meu olhar para dona Clara. Daniel pareceu compreender um pouco melhor a situação.
- A assessoria de imprensa não precisa seguir o artista, apenas nas redes sociais. Eu não vou ver o , a não ser que aconteça algo urgente. Fora isso, o meu colega, o Levy, é quem vai estar presente nos eventos de .
- E por que não você? O fato de que vocês já se conhecerem ajudaria muito, não?
- Ela não quer, mãe. - Encarei irritadiça.
- Ué, e por que não?
- Não é isso, dona Clara… Levy só é o mais qualificado para essa tarefa. - Encerrei o assunto colocando um pedaço enorme de frango na boca. Dona Clara assentiu e trocou olhares cúmplices com Sr. .
- Vamos fazer algo que fazíamos quando vocês eram crianças? - Arqueei a sobrancelha - Vamos falar qual foi a melhor e qual foi a pior parte do nosso dia. - Senti uma chama de felicidade em meu peito. Fazia tempo que não fazíamos aquilo.
- Vamos! - Comemorei com um sorriso. Não deixei de perceber que o sorriso de aumentara ao olhar para mim, mas apenas ignorei por hora.
- Eu começo. - Sra. iniciou - A melhor parte do meu dia é ter comigo. Eu senti tanto sua falta, filhote. Ter você e a minha filha favorita aqui, é tudo o que eu poderia querer. - Sorri para dona Clara. Ela havia sido como uma madrinha por todos aqueles anos - A pior parte foi ter que lavar as cuecas sujas do Daniel. - Gargalhei ao ver a careta que o Sr. havia feito.
- Isso não é legal de se dizer na frente das crianças, Clara…
- Eles não são crianças, Daniel!
- Só a . - provocou.
- Sim, por acaso me chamo ?
- Minha vez! - Daniel exclamou com um sorriso - A melhor parte do meu dia foi ver sentado aqui, ao meu lado. O meu orgulho. A pior parte do meu dia foi ter que ouvir meu chefe gritar comigo por um erro que ele cometeu. Mas eu sei que Deus sabe tudo e que a justiça vem dele.
- Sinto muito, papai. - comentou, dando tapinhas nas costas do pai - Se você aceitasse a minha proposta…
- , quantas vezes vou ter que dizer? Não quero aceitar seu dinheiro, filho. Ele é seu, você batalhou para conseguir.
- Sim, mas você foi quem me deu a chance de tudo isso. É o mínimo, pai. - Senti-me perdida por alguns segundos.
- se ofereceu para investir na editora de Daniel. - Sra. Clara esclareceu e arregalei os olhos.
- Sr. , é um ótimo negócio! Você poderia finalmente fazer o que ama!
- Não vamos entrar nisso - Ele desconversou - Agora é você, . - arrumou-se na cadeira, parecia confortável. Era perfeito para seu emprego.
- A melhor parte do meu dia foi voltar para casa. Eu sinto muito por ter sumido. - Encarei-o, sentindo a simpatia ir para o ralo quando observei os olhos de dona Clara marejarem. estava se justificando em frente aos seus pais por algo que não havia justificativa - E a pior parte do meu dia foi ter caído de um degrau.
- Como assim?! - Dona Clara arregalou os olhos, colocando-se em pé em um pulo, indo até - Você está machucado?
- Não, mãe. Só bati o joelho, nem dói mais. - Dona Clara abraçou o filho e beijou sua testa carinhosamente.
- Tem certeza? - Perguntei, observando seus olhos fitarem os meus.
- Sim. Tudo certo. Obrigado. - Assenti com um sorriso singelo - Já que está tudo bem, , você.
- A melhor parte do meu dia foi ter tomado sopa sem me sujar. A pior parte foi ter faltado à academia. - arqueou a sobrancelha.
- Desde quando você vai para a academia?
- Desde que você cortou seu cabelo igual de mauricinho.
- Ei, isso aqui é moda, ok? - Ele se defendeu, passando a mão pelo cabelo ralo.
- Sim, entre gente rica. - Provoquei, estalando a língua no céu da boca.
- Vai dizer que não gostou?
- Ora, eu não tenho que gostar ou não. Se você se sente confortável, é o que conta.
- Digo o mesmo sobre suas tranças. - Coloquei a língua no interior da bochecha, balançando a cabeça.
- Você disse que gostou delas, não?
- Se você está feliz com elas, então eu também estou.
- Ótimo.
- Sim, ótimo. - Clara e Daniel apenas nos encararam como se fôssemos duas crianças.
- Isso é uma palhaçada! - Clara foi a primeira a manifestar-se, largando o garfo em cima da mesa - Vocês dois eram melhores amigos, o que aconteceu? Estão agindo como duas crianças! Vocês são adultos, por favor. E , você realmente precisa parar de cortar seu cabelo como um mauricinho! - Escondi um sorriso vitorioso - E , você precisa perdoar ! Ele voltou, não é isso que importa? - Meu sorriso murchou ao passo que o de apareceu - Vocês dois, vão lá para fora agora.
- Hein?
- Oi?
- Sim, é isso mesmo. Vocês dois, lá fora. Só vão voltar para dentro quando se acertarem. E quando conversarem. - Preparei para dar risada, mas percebi que dona Clara falava sério. Levantei-me da cadeira, ainda incrédula. Ela realmente estava nos tratando como crianças. também se levantou incrédulo.
- Mãe, o que é isso?
- Some daqui, . Só voltem aqui quando tiverem se acertado. Eu vou querer depois um abraço sincero na minha frente. Vão logo! - Virei-me em direção à porta com em meu encalço. Passamos para o lado de fora, o frio cortante batendo diretamente em nosso rosto. Andei pelas pedras do ladrilho e apoiei-me contra a caixa de correio azul. parou ao meu lado.
- Não precisamos falar nada. - Comentei, enfiando minhas mãos no bolso do sobretudo, o ar condensado saindo de meus lábios. Torci o nariz devido ao frio repentino.
- Mas eu quero, . - Continuei a encarar o meio-fio. Todas as outras casas estavam fechadas com suas luzes acesas. As famílias em suas casas, comendo seus jantares quentes e tomando chocolate em frente à lareira, mas apenas eu e estávamos no meio da rua sendo castigados com o frio cortante e a obrigação de falarmos sobre nossos sentimentos.
Encarei seu moletom, os ombros largos e as sobrancelhas grossas. Seus lábios carnudos não pareciam ter mudado nada desde nossa infância.
- Você não vai vir com aquele papo de estar ocupado, vai? Porque eu te garanto que seu pai tem estado extremamente ocupado, mas mesmo assim largaria tudo para te ver. - Comentei, finalmente virando-me para encará-lo. Seu rosto escuro estava levemente vermelho nas bochechas, e seus ombros tremiam um pouco devido ao frio.
- Não é uma justificativa, . Mas é a verdade.
- Você é um merda, .
- Ah, e você é bem melhor, não é, ? Um ser humano evoluído, desprovido de erros. Uma total deusa, divindade real?
- Sua ironia não vai funcionar comigo. Não mais. - Ele revirou os olhos.
- Não esperava que funcionasse. Só esperava que você entendesse. - Cruzei os braços em frente ao peito, sem sentir o frio me atingir de verdade.
- Entendesse o que, ? Você tem alguma ideia do que você fez comigo quando me cortou da sua vida?
- Mas foi sua escolha, ! Você terminou comigo no dia em que começamos a namorar. - Mordi os lábios, controlando a raiva que aquecia meu peito.
- Porque você ia mudar de país, ! Não tinha chance alguma daquilo funcionar. Eu achei que tivesse, mas não tinha. Você ia viver uma vida diferente, com pessoas diferentes. Eu não queria ser a pessoa a te aprisionar no seu pequeno mundo, mas isso não significava que você precisava me excluir dele. E sua família… , você foi tão egoísta! Não pensou por um segundo que sua mãe chorava todas as noites com saudades? Ou o quanto o coração dela ficava destruído quando você dava alguma desculpa para não vir para casa? Meu Deus, você tem sequer ideia do quanto eu te odiei quando sua namorada fechou a porta na minha cara quando tentei te visitar na Escola de Artes? - arregalou os olhos.
- A Karen? - Dei de ombros.
- Eu não sei o nome dela, sei que ela disse que você estava ocupado demais.
- Meu Deus, eu nunca disse isso, ! Você precisa acreditar em mim. - Balancei a cabeça em negação.
- Eu te ouvi gritando do lado de dentro “eu não conheço nenhuma ” quando ela disse quem estava à porta, . - Ele franziu o cenho, parecia tentar lembrar.
- Eu nunca ia imaginar que você sairia do México para os Estados Unidos para me ver, .
- E isso muda as ligações ignoradas? As mensagens que eu te mandei e você visualizou, mas nunca respondeu? Eu simplesmente desisti de você, . Mas porque você desistiu de mim primeiro. - Funguei controlando a tristeza que se formava em meu peito - Você me abandonou quando nosso bairro ficou violento demais, quando minha avó morreu, quando tudo despedaçou ao meu redor, você não estava lá. - A esse ponto, as lágrimas já corriam livremente pelo meu rosto - Você prometeu e você mentiu. - Murmurei. Ele não se moveu para me consolar, apenas me encarou, mas parecia relutar - Eu sei que a vida adulta é uma merda e que promessas podem acabar descumpridas, mas não com quem você ama, . Se você me amasse teria dado algum sinal de vida. Teria me deixado ir atrás de você, porque eu iria até o fim do mundo pra te ter na minha vida.
- Sinto muito. Meu pai me contou sobre sua abuela, mas não pude ir visitar. - Ele suspirou, parecia ponderar o que dizer - Meu visto foi confiscado, . Por isso não voltei ao México em todos esses anos. - Levantei meu olhar - Eu vivi boa parte dos meus anos na Escola de Artes em situação ilegal, forjando meus documentos. Ainda não era tudo tão caótico como agora, era possível burlar algumas coisas, caso permanecesse em silêncio. Precisei negar algumas oportunidades de papéis incríveis até que estivesse com toda a papelada acertada novamente. E quando vocês vieram para o Canadá, cinco anos atrás, foi quando vim ver meus pais. Foi quando finalmente consegui vê-los. Quando minha fama atingiu o nível mais alto, na época. Depois dali, fui tentando cada dia mais me consolidar ao ponto de não precisar jamais me preocupar em ser deportado, preso, trancafiado longe. E durante os outros períodos, não conseguia conciliar minha agenda. Não é como se eu gravasse muita coisa no Canadá. Depois daquele período, simplesmente não consegui vir atrás de você, . Eu fiquei com vergonha. E minha mãe me contou sobre sua raiva, eu não achei que faria diferença vir te ver.
- Meu Deus… - Murmurei em choque. colocou as mãos dentro dos bolsos da calça. Eu não tinha ideia.
- Pois é. Não foi divertido ser um menor de idade podendo ser deportado a qualquer momento.
- E por que você não disse? - Perguntei completamente estupefata. Meus lábios tremiam. O motivo para ele não ter vindo me visitar depois havia sido simplesmente porque não podia, não tinha escolha.
- Porque eu não precisava que você se preocupasse comigo, . - Ele aproximou-se aos poucos. Primeiro, sua mão esquerda tocou meu braço direito, apertando meu cotovelo. Olhei para cima a fim de encarar seus olhos levemente marejados - Porque todos os dias eu esperava que a polícia me parasse na rua e me levasse embora. Todas as vezes em que um policial passava por mim, eu não sabia se sentia medo por ser negro ou imigrante. Porque eu chorava sozinho todas as noites com saudades de casa. Mas não queria que você chorasse comigo porque já tinha seus motivos para chorar, . Quando eu quebrei meu braço, precisei pedir ajuda a um amigo de Karen, minha antiga namorada, porque eu não podia ir ao hospital sem a chance de ser deportado. - Eu já soluçava àquele ponto. Meus braços tremiam e eu não aguentava os olhos abertos.
- Você é um idiota! Por que sempre acha que pode fazer tudo sozinho?
- Pelo mesmo motivo que te fez achar que terminar comigo seria bom para nós dois. - Limpei meus olhos com a manga do sobretudo, fungando em seguida.
- Por amor?
- Uhum.
- Que merda, . - Murmurei e joguei meus braços ao redor de seu pescoço, abraçando seu corpo imenso. Chorei mais um pouco na curvatura de seu pescoço - E você ainda toca o violino? Conseguiu tempo para treinar? - Ele assentiu.
- Eu treinava todos os dias. Quando não queria treinar, lembrava de você me xingando caso pensasse em desistir. - Ri contra seu peito - Você ainda é a minha melhor amiga. Olha para mim. - Afastei-me apenas para encarar seu rosto - Vamos tentar recuperar o tempo perdido, ok? - Assenti.
- Amigos? - Perguntei, sentindo meu coração acelerado no peito.
- Amigos. - Ele sorriu, abraçando-me mais uma vez. Seu corpo quente aquecendo o meu naquela noite gelada. Agarrei-me a ele como se ele pudesse ir embora, ser levado - Eu ainda tenho muitas perguntas e muita raiva guardada, então tente lidar com isso. - Eu acho que consigo. - Ele comentou. Sua risada reverberou por meu corpo, aquecendo-me ainda mais - Vamos para dentro, senão mamãe vai vir nos buscar. - Ele me abraçou de lado, e juntos caminhamos para dentro da casa de seus pais.
Tres
- Ok, então o que você está dizendo é que eu não posso ir ver meu cliente porque alguém parecida comigo já veio? - Olhei estupefata para a funcionária que bloqueava a minha passagem até o camarim de .
- ! - Olhei ao fim do corredor, atrás da funcionária, e observei o sorriso (ainda muito) branco de - Pode liberar, ela está comigo. - Observei com olhos semicerrados enquanto a segurança se derretia igual manteiga ao me deixar passar - Como vai você, ? - Arqueei a sobrancelha para ao senti-lo colocar as mãos sobre meus ombros. Nos últimos três meses, tenho acompanhado a rotina de com suas coletivas, eventos, fã signs, e todo o combo que vem ao ser anunciado como parte do elenco de Sherlock.
- Você está agindo muito estranhamente… Aprontou alguma coisa, não foi? Mas Levy não me ligou avisando - Encarei-o seriamente - , eu já cansei de dizer que você não pode simplesmente nada pelado em qualquer lugar. Ainda mais com uma mulher. Que mer--
- Você é minha assessora e sabe muito bem que não transo há meses. - Ignorei o incômodo em meu estômago e continuei a andar até o camarim. Adentrei no espaço confortável e sentei-me no sofá. Ele já estava pronto para a coletiva. Usava uma blusa branca lisa, uma calça jeans preta e tênis esportivo. Por cima, havia jogado um sobretudo bege com detalhes pretos nas abotoaduras. Uma boa referência ao Sherlock.
- Deixe-me fora da sua vida íntima, . - Cantarolei - Alô, Jeff? Como está? - Abri um sorriso tímido ao ouvir a voz relaxa de Jeff King, um dos assessores de Benedict Cumberbatch, ao telefone. Senti me fitando, mas apenas o ignorei - Sim, estou com ! Hoje é o último dia… Pois é. Jantar? - Olhei de soslaio para - Não posso, infelizmente. Vou precisar cuidar de uma entrevista de . - Nada me preparou para a cara de vitória na cara de e a piscadinha que a seguiu. Senti como se houvesse levado um soco na traqueia - Ok, mas vamos nos ver muito ainda por causa das gravações. Espero que possamos jantar. Sim, sim. Até mais tarde, tchau. - Encerrei a chamada com um sorriso. estava sendo maquiado em sua cadeira. Aproveitei os segundos de paz antes do alvoroço da coletiva para suspirar. Jeff havia sido um tremendo cavalheiro, mas parecia cada vez maior em meu coração, por mais que nunca fosse admitir.
- Hm, sinto suspiro de amor! - A maquiadora comentou com um sorriso casto. Balancei o cabelo, agora livre das tranças, e sorri.
- Acho que tem razão. - Comentei e encarei através do espelho. Os lábios estavam em uma linha fina, seus olhos fechados para que a moça pudesse espalhar a base, e seus ombros estavam tensos como ele costumava ficar ao ter alguém mexendo em seu rosto.
- A se apaixona muito fácil. É quase cômico. - Franzi o cenho e cruzei os braços.
- Por mais que eu ame falar sobre minha vida amorosa com meu cliente, preciso resolver algumas coisas. , volto para te buscar daqui vinte minutos. Preciso procurar Sebastian. Ele é seu assessor, mas parece que eu sou assessora dele! - Saí da sala apressadamente, atravessando o corredor em direção ao pavilhão.
Estávamos em um dos maiores eventos nerds de todos, e o anúncio sobre a quinta temporada já havia sido feito.
Havia funcionários correndo de um lado para o outro, os fãs berravam ensandecidamente do outro lado enquanto aguardavam a coletiva. Resolveram colocar algumas entrevistas com o elenco de Sherlock para reproduzir no telão enquanto o público aguardava pacientemente. Adentrei a sala vazia ao lado esquerdo. Cumprimentei um segurança com um aceno. Fechei os olhos por alguns segundos antes de começar a responder algumas mensagens acerca do evento. O grupo dos assessores da série estava a todo vapor.
- Você está suando. - Levantei meu olhar ao observar adentrar a sala, agora totalmente preparado para a coletiva.
- E você está usando uma roupa que custa pelo menos umas nove vezes do meu salário. - Ele sorriu e cruzou os braços. Estava parado em minha frente. Por estar sentada precisei levantar meu olhar para fitá-lo - Você está pronto? Falei que iria te buscar. - apenas sorriu - O que foi? Ficou mudo?
- Meu Deus, que grosseria absurda, ! - Comprimi os lábios em uma linha fina e levantei-me do sofá.
- , você vai entrar no palco em dez minutos e estamos aqui. Por favor, querido, me explique, do que precisa? - balançou os braços e suspirou olhando para o teto.
- Quero te dizer algo, mas não sei exatamente como… - Senti meus ombros enrijecerem. Será que ele iria se declarar ou algo do tipo? Alguns segundos, que pareciam minutos, passaram até que soltasse: - Jeff namora, . Ele está te enganando.
Algo dentro de mim quebrou rapidamente, não entendi exatamente o quê. Alguma parte minha criou a expectativa de que , não sei, poderia querer me beijar, pegar-me em seus braços e qualquer patafúrdia do tipo.
- Uau, você realmente gosta dele! - Ele comentou com certa surpresa - Seus olhos ficaram muito tristes. Sinto muito, . Não foi minha intenção te deixar assim, mas eu precisava dizer algo, não conseguiria ver minha melhor amiga se envolver com um cara que não vale um centavo. - Balancei a cabeça em afirmação, ainda sem conseguir processar muito bem a vergonha que sentia.
- Sim, gosto. - Murmurei - Vamos logo, . - Passei por ele desviando de seu braço. Meu peito doía conforme atravessámos a extensão por trás do painel até encontrarmos o restante do elenco, cada um ao lado de seus respectivos assessores. Sebastian estava lá esperando por com um sorriso no rosto.
Desviei o olhar de Jeff quando o homem de cabelos loiros sorriu para mim. Não estava com cabeça para lidar com outro homem naquele momento.
- Ok, pessoal. Vocês entram em cinco minutos. - Iniciei a mini reunião. Era difícil falar com os gritos vindos do lado de fora. Encarei de soslaio, ele estava com os braços cruzados seriamente, os olhos vidrados em mim enquanto explicava cada um dos passos, relembrava assuntos proibidos, dava dicas sobre alguns assuntos que deveriam ser abordados.
Quando o tempo chegou, todos subiram correndo a plataforma e a onda de gritos foi ensurdecedora. Sorri ao ver acenando para seus fãs. Ele parecia feliz como nunca. Coloquei a mão no peito e mordi o lábio. Eu sentia uma mistura de orgulho com amor como nunca havia sentido antes.
Fechei meu sorriso e senti minha garganta parecer fechar, como se algo estivesse muito errado. Porque estava. é meu cliente, meu amigo, é completamente inalcançável. Sua fama, sua falta de reciprocidade (se ele ainda gostasse de mim, eu saberia), meu emprego entrelaçado diretamente com a vida dele, tudo.
desviou o olhar da plateia e virou para mim. Seu sorriso quase rasgava seu rosto e meu coração sentiu o impacto. Eu estava sem chão. Meu peito parecia uma nascente de um rio que não pararia de correr até que meu coração desaguasse nas águas mais turbulentas. Havia prometido que jamais me apaixonaria novamente por , estava falhando amargamente.
- Vou monitorar pelos telões com as redes sociais. - Comentei para Sebastian. Ele apenas acenou e me retirei, sentindo como se as paredes fossem pequenas demais para segurarem meus sentimentos - Eu estou ferrada até o osso. - Xinguei ao entrar no camarim. Entrei em ligação com Levy e Barbs pelo Skype.
- Está tudo perfeito, . - Barbs comentou assim que apareceu na tela - Mas você claramente não está. O que houve?
- Nada, só cansaço de eventos. - Desconversei.
- Você é sempre a pessoa mais animada do mundo em eventos e--
- Estou de TPM também. - Finalizei e Barbs deu-se por vencida. Desejou melhoras. Ninguém questionaria uma mulher de TPM. Nem mesmo outra mulher - Vamos acompanhar as mídias.
- Você não precisava ter me trazido em casa. - me encarou do banco do passageiro. Observei o retrovisor do carro e maneei com a cabeça.
- É meu trabalho.
- Sim, eu sei. - Ele parecia cansado - Quer subir para jantar? - Ponderei por alguns segundos enquanto batia com as unhas contra o volante - O que foi? Tem algum encontro ou algo do tipo?
- Não, não é isso.
Não sei se estar ao lado de naquele momento seria propício. Meu coração tentava funcionar racionalmente e estar ao lado dele impedia que as coisas fluíssem em seu curso normal. mexia comigo exatamente como havia mexido quando éramos mais novos e eu não sabia lidar com nada daquilo. Não me sentia daquela maneira, bem, desde que ele havia me beijado na praça em frente à sua casa na Playa del Carmen.
“- Eu fiquei pensando muito nisso, na verdade… - praticamente sussurrava. Suas pernas magrelas e arranhadas pelas unhas curtas estavam cruzadas. Seus ombros estavam curvados e ele parecia envergonhado. Abri um sorriso ao vê-lo daquela maneira. Os mosquitos começavam a zunir ao nosso redor, as árvores da pracinha nos cobriam no final de tarde. A luz final do sol nos inundava, mal podia vê-lo caso não cerrasse os olhos.
- Fala, ! Estou curiosa! - Exclamei com nervosismo. Imaginava o que ele diria, mas não sabia como reagir. Ele havia comprado ingressos para irmos ao show do RBD, eu tinha certeza! Ele havia comentado isso há muito tempo comigo e eu meio que havia visto os ingressos em seu quarto na semana passada. Ele não sabia esconder nada, definitivamente.
- Você alegra meus dias. - Eu, que antes brincava com um pequeno galho em cima do banco, parei e o encarei - Você é linda, . E é a minha melhor amiga. Eu não sei nem como dizer isso, mas eu acho que gosto de você. - Pisquei os olhos algumas vezes. O show do RBD parecia algo distante agora que se declarava para mim.
- E-eu não sei o que dizer. - Sussurrei completamente atordoada - Você tomou coragem primeiro que eu! Meu Deus, isso é muito injusto! - me fitou com total confusão no semblante - Eu ia dizer que gostava de você, mas não consegui criar coragem!
Eu e nos encaramos por alguns momentos. Tinha certeza que havia faíscas saindo de meus olhos, minhas mãos suavam e meus olhos não paravam quietos, olhando para cada canto de seu rosto. Ele parecia mais nervoso ainda.
- Não sei o que fazer agora. - Ele comentou, seus olhos descendo inconscientemente para meus lábios. Abri um sorriso tímido e dei de ombros.
- Você poderia me beijar.
- Mas eu nunca fiz isso antes.
- Eu faço por você. - Comentei e aproximei-me mais de seu corpo - Podemos aprender juntos, que tal? - acenou e colocou uma perna de cada lado do banco, aproximando seu rosto do meu, as mãos desajeitadas apoiadas em seus próprios joelhos. Também era meu primeiro beijo, meus lábios estavam trêmulos e comecei a me perguntar por que não havia passado algum gloss ou manteiga de cacau aquele dia.
- Você é a pessoa mais linda que eu conheço, . - Ele comentou em um momento de silêncio. Meu coração não conseguiria bater mais forte do que naquele momento, então apenas fiz o que qualquer menina nervosa e inexperiente faria: bati com nossas duas testas ao tentar beijá-lo.
- Meu Deus! Desculpa! - Exclamei. começou a rir insanamente, seus ombros tremendo de tanto dar risada. Engoli em seco, sentindo as lágrimas subirem por meus olhos - Eu estraguei tudo. - As lágrimas começaram a escorrer livremente, a vergonha ardendo em meu peito. Eu havia estragado tudo.
- ! Desculpa, eu estou rindo de nervosismo! - ficou assustado ao me ver chorar. Suas mãos automaticamente limparam minhas lágrimas, como havia feito tantas vezes, e encarou meus olhos como havia feito antes - Você me deixa totalmente nervoso. - Ele murmurou e antes que percebesse, nossos lábios se encostavam. A sensação era nova, estranhamente boa. Fechei os olhos e coloquei minhas mãos ao redor de seu pescoço.
- Conseguimos. - Murmurei trêmula ao nos afastarmos.
- Conseguimos. Você é meu sonho. - Ele sorriu e me deu outro beijo antes de começar a me encher de beijos."
- Acho melhor ir embora, volto amanhã para o Canadá. - assentiu, mas não saiu do carro que eu havia alugado na cidade. A música do rádio preenchia o silêncio.
- Vou sentir saudades. - Ele comentou, por fim. Precisei desviar o olhar para a janela, não conseguiria encará-lo.
- Também vou.
- Você está meio estranha. Sei que não nos falamos todos os dias desde que nos encontramos da última vez, mas-
- Você acha que eu estou assim por sua causa? - Arqueei a sobrancelha ao finalmente encará-lo. parecia perdido - Cara, você é muito egocêntrico mesmo!
- Ué, eu não posso questionar?
- , por que você assume que isso tenha relação com você?
- Porque você acabou de fazer a mesma cara que fez quando se despediu de mim no aeroporto.
- Ah.
Voltamos ao silêncio regular.
- Isso é por causa do Jeff?
- Se eu subir para o seu apartamento você para de perguntar bobagem? - Virei-me praticamente exasperada. Mais dois segundos e eu falaria a que estava apaixonada por ele.
- Sim. - Ele sorriu, dando-se como vencedor - Encoste ali, vou liberar nossa entrada. - Ele comentou.
A subida do elevador foi, no mínimo, estranha. Eu praticamente tentava me grudar à parede para me afastar de . Seu corpo estava bonito demais na camiseta preta e na bermuda branca que havia trocado no backstage.
- , você quer me dizer o que está acontecendo? - finalmente quebrou o silêncio ao chegarmos ao apartamento.
Passei meus olhos pela sala. Os móveis eram marrons e brancos, nenhuma cor, sequer parecia que alguém vivia ali. Não pude evitar a careta. Queria jogar um sobretudo azul sobre o sofá para que houvesse cor ali.
- Você está julgando meus móveis, não está? - Ele riu e sentou-se no sofá cinzento. As janelas eram espelhadas, e do lado de fora, a cidade de Londres iluminava toda a nossa visão. Ao lado direito, a cidade ativa beirando ao Tâmisa refletia sobre os prédios e casas. Cruzei os braços para me proteger do frio enquanto avançava em direção à janela. ligou as luzes, tornando o ambiente ainda mais claro. Eu tinha certeza que poderia me ver refletida em cada superfície.
- Você escolheu um bom lugar para ficar durante o período das gravações. - Comentei ao fitar a paisagem. apareceu ao meu lado, as mãos dentro dos bolsos da frente, os ombros fortes realçados pela blusa. Virei-me e observei o crucifixo pendendo em seu peito. Fitei-o por alguns segundos, subindo meu olhar pelos seus lábios até seus olhos.
- Escolhi, mas sinto saudade de casa. - Ele murmurou. O vento da cidade movimentada batia contra as maçãs de meu rosto. Já beirava duas da manhã, o ar gélido me envolvia em seu abraço, mas nunca me senti tão quente quanto naquele momento. sorriu e aproximou-se um pouco mais - Você está bem? - Assenti.
- Não está cansado pelo evento? - Ele negou. Senti meu corpo arrepiar quando sua mão direita tocou meu ombro esquerdo. Eu estava latejando e sentia que ele sabia disso.
- De alguma forma, você sempre me faz ficar mais animado do que nunca. - Tentei esconder meu sorriso mordendo o lábio, mas falhei miseravelmente. Encarei a paisagem do lado de fora, tentando ignorar a sombra do rosto de . Seus olhos me fitavam, pareciam me ler como ele sempre fazia.
- Eu senti sua falta enquanto estava fora. - Ele arqueou a sobrancelha - Não só nesses últimos três meses, mas nesses últimos nove anos. Tentei me convencer de que não era saudade, talvez raiva, mas estava errada, como sempre. - Admiti com um dar de ombros - Você é meu melhor amigo, .
Seus braços me envolveram em um abraço confortável. Suspirei e afundei-me em seu peito. Cada músculo meu relaxou.
- Ei. - Ele me chamou. Levantei a cabeça timidamente de seu peito - Desculpa. Por tudo. Por ter sumido, por não ter ido atrás de você, ou melhor, por não ter te dado a chance de vir atrás de mim. Você é meu sonho, . - Minha língua estava seca e minhas mãos se apertaram contra sua pele.
- Não sei como reagir a isso. - Admiti - Eu não ouço alguém me dizer isso há, hm, uns nove anos? - riu alto.
- Duvido que alguém não tenha se declarado para você nesse meio tempo.
- É. Mas é diferente. - Aproximei meus lábios dos seus, beijando sua bochecha, seu queixo, e pairando sobre seus lábios.
Uma parte minha não concordava em gênero, número e grau com aquela situação. Não era errado, mas definitivamente não era certo. Eu trabalho para controlando sua imagem midiática. E agora aqui estou eu, pronta para beijá-lo e enfiá-lo em mais um escândalo. Quer dizer, só seria escândalo se alguém soubesse.
Encostei nossos lábios levemente, mas dentro de mim tudo parecia mais intenso do que era. Minhas mãos envolveram seu pescoço, as dele me puxaram para perto pela cintura. Deixei que apenas o som da Londres movimentada envolvesse nossos corpos. Isso até soluçar.
- Desculpa, meu Deus! - Comecei a rir ao ouvir seu pedido de desculpas. Dei-lhe mais um selinho.
- Vou buscar água. - Corri para a cozinha. Lutei para achar um copo e o filtro. estava soluçando de costas para mim, vidrado na vista. Aproximei-me devagar - BOO! - Gritei e joguei o copo d’água em sua cara, em um movimento que nem mesmo eu conseguiria explicar.
- ?! Por que fez isso? - Ele perguntou soluçando mais uma vez. Torci o nariz. Sua risada escandalosa preenchia o apartamento.
- Achei que o elemento surpresa fosse fazer o soluço parar… - ria tanto ao ponto de lágrimas saírem de seus olhos. Quando percebi, estávamos largados no sofá, rindo como duas crianças. Seu rosto molhado com água estava apoiado em minha barriga, os dois deitados no sofá.
- Meu Deus, você não tem a menor ideia do quão preciosa você é, tem? - Ele perguntou, sentando-se.
- Não muito, mas pode continuar dizendo. - Beijei-o mais uma vez antes de encará-lo. Senti meu peito doer de alegria como não sentia há anos. Ou era um ataque cardíaco. Ambos similares - Eu preciso ir, . - Resmunguei. Sentei-me no sofá e ajustei a alça de minha blusa. Meu coração se partiu ao ver o olhar em seu rosto.
- Mas você só vai amanhã.
- Hoje já é amanhã. Meu voo sai em cinco horas. Preciso voltar ao hotel, tomar banho e pegar minhas coisas. - Senti minhas pernas trêmulas quando encostou em minha bochecha, fazendo carinho até chegar em meus lábios, seu polegar como uma sombra sobre mim. Dei um beijo de leve na ponta de seu dedo e sorri - Vamos nos ver novamente em breve, creio eu.
- As gravações vão durar mais oito meses, . - Ele choramingou puxando-me mais uma vez para perto. Nossos peitorais encostados completamente. Precisei apoiar minhas mãos contra o encosto do sofá para não batermos nossas testas.
- Te esperei por nove anos. - Sussurrei, nossos lábios pairando um sobre o outro - Você consegue esperar oito meses, .
Levantei-me rapidamente e peguei minhas coisas. Minha cabeça doía com os cenários possíveis de demissão e de estresse que viriam caso alguém soubesse daquilo, mas naquele momento a de nove anos atrás estava radiante. Abracei antes de sair. E senti como se parte de meu peito houvesse ficado no apartamento. O lado esquerdo pertencia completamente a .
O aniversário de havia chegado. Pela primeira vez em anos ele comemoraria no Canadá. Seus pais estavam animados por terem por uma semana completa antes que precisasse gravar outro filme.
- Está animada, querida? - Sra. questionou ao passar suas mãos maternas em minhas costas. Eu aparentava estar nervosa?
Veria pela primeira vez após nossa troca de carícias no sofá dele. Continuamos nos falando depois daquilo, mas cheguei à conclusão de que precisaríamos ficar em silêncio sobre o ocorrido, especialmente porque poderia prejudicar a nós dois. havia concordado, mas não parecia feliz em não poder me ver entre os períodos da gravação. Decidimos que seríamos amigos que eventualmente se beijariam. Uma receita para desastre, tentei dizer, mas disse que era só uma maneira de se consolar, sabendo que me beijaria novamente.
- Sebastian vai questionar por que você quer vir para o Canadá, . Aquele homem não é bobo. - Ralhei com ele ao telefone uma vez quando havia ameaçado ir me visitar quando fiquei doente.
Sra. Fall chamou minha atenção quando me viu distraída mais uma vez.
- Vamos repassar o plano, Sra. . - Iniciei ao voltar minha atenção para ela - Eu vou levá-lo para o local que eu aluguei no centro. No andar de cima é um salão, no andar debaixo é o apartamento do meu amigo. Vou dizer que é meu novo apartamento. Vocês vão me esperar subir com ele e pronto: “surpresa”!
Eu havia preparado aquela festa há meses. Conseguira chamar alguns de seus amigos da faculdade, outros familiares, algumas pessoas que ficaram próximas a ele em algumas gravações e alguns famosos. Inclusive, Adele. Sim, eu havia chamado a freaking Adele e ela aceitou o convite. Em suas palavras: “faço qualquer coisa por ele”. Precisaria conversar com mais tarde sobre qual mágica ele havia jogado naquela mulher para que ela o amasse tanto. Eu queria emprestado.
- Ok. Estamos indo, esperamos por você.
O caminho até o aeroporto havia sido tremendamente demorado. O trânsito não foi a pior parte, mas a ansiedade. Praticamente corri até a área de desembarque. Minhas mãos tremiam ao passo que via o corpo enorme de atravessar a porta de desembarque. Abri um sorriso largo e o esperei chegar mais perto para acenar. Estávamos em público e nunca se sabe quem podemos encontrar.
- Por que você está me tratando como se eu fosse suspeito de ebola? - Seu nariz de batata foi torcido e um sorriso enorme surgiu em seu rosto ao me jogar em seus braços, rendida ao seu charme ridículo.
- Meu Deus, eu senti tanto a sua falta. - Murmurei agarrada ao seu corpo confortável. Minhas mãos se prenderam ao redor de seu tronco, minha bochecha amassada contra seu peito.
- Eu senti muito mais, acredite. - Senti suas mãos afagarem meus cabelos. Olhei ao redor e me recompus. Uma mulher nos encarava, o celular em mãos. parecia desconfortável com minha reação.
- O que houve, ?
- Tem uma moça com um telefone, acho que ela pode ter te reconhecido. - Praticamente sussurrei e apressei-me em pegar sua bagagem.
- , qual o problema nisso? Somos amigos, não somos? Alguém pode me ver abraçando minha amiga. - Arqueei a sobrancelha.
- Eu trabalho com controle de crises, sei bem que ninguém vai achar que sou sua amiga, .
- É o que somos, mas não é o que eu queria que fôssemos, . - Parei de carregar as malas e virei-me. Meus olhos fitaram os de como nunca havia feito. O gorro cinza em sua cabeça escondia o black que ele deixava crescer novamente. Ficava um verdadeiro charme.
- O que quer dizer? - Minha voz saiu engasgada.
- Você sabe bem. - Cruzei os braços.
- Não, não sei. - sorriu e deixou sua mala no chão, aproximando-se um pouco mais.
Olhei ao redor, ninguém parecia realmente ligar para nós dois ali, apesar de a área executiva estar relativamente cheia. Apenas um casal de negros parados no meio do aeroporto.
- Passar oito meses longe de você significou passar oito meses longe do amor da minha vida. Foi sufocante.
- Você deve ter se divertido em Londres, . - Murmurei. Não conseguia processar o que acontecia, então fiz o que mais sei fazer: auto-sabotagem.
- Você está tentando diminuir isso, não está? - Ele parecia magoado.
- Não é fácil, . - Fui honesta. Funguei e encarei suas roupas - Você tem o mundo nas mãos, o que garante que vá querer estar somente comigo?
- Meu caráter, talvez?
- Você transou com uma mulher casada!
- Eu sou padrinho sóbrio dela. - Não escondi minha cara de choque.
- Jennifer Lopez tem problemas com drogas? - Sussurrei, aproximando meu rosto do seu.
- Não, com Whey Protein. - Ele brincou. Tentei segurar a risada por dois segundos, mas quando percebi já ria escandalosamente com ao meu lado - Com álcool. - Confessou.
- Você é ridículo!
- Sim, mas você namoraria com um ridículo? - Abri a boca diversas vezes, mas nada saía. Não parecia real.
- Você fez todo esse esquema para me deixar curiosa e depois sem palavras?
- Talvez, funcionou?
- Todos crescem. Eu cresci, você cresceu. Por que é tão difícil então eu não ter deixado de te amar por um segundo sequer? Eu te amo muito, sabia? - Sorri.
- Posso tentar adivinhar.
Senti colocar suas mãos ao redor de minha cintura e juntar nossos lábios em um selinho demorado. Abracei-o com todo o meu corpo, porque não havia jeito melhor de demonstrar minha felicidade naquele momento.
- Não costumo ser melosa. - Sussurrei em seu ouvido.
- Eu costumo.
- Sei disso. Não sei se algum dia vou me acostumar.
- Vamos ter tempo para nos acostumarmos. - Ele assegurou e beijou minha testa. Ouvi um barulho atrás de nós e observei uma adolescente com um sorriso enorme na boca e lágrimas nos olhos.
- ! - Ela exclamou, levando as mãos à boca - Você está namorando?
Eu, como uma profissional treinada para crises, fiz o que todo bom profissional diria:
- Desculpa! Não é o que parece!
- Qual o seu nome, princesa? - tomou as rédeas e abriu seu sorriso televisivo. Quase senti inveja da garota por receber aquele sorriso.
- Stacey. - Ela murmurou totalmente perplexa.
- Ela é minha namorada. A única possível. - Senti meu corpo ser puxado de lado por - Se quiser, pode ser a primeira a tirar uma foto nossa! Eu até agradeceria, não tiramos uma em anos! - Eu estava sem palavras. A garota tirou uma foto nossa com seu celular. Na foto, aparece beijando minha bochecha enquanto eu fico estática com os olhos vidrados na câmera. Uma verdadeira fotogênica - Pode me mencionar nos stories e vou repostar depois.
- Todo mundo vai surtar com isso! - A menina exclamou após tirar várias fotos com .
Meu Deus, eu perderia meu emprego.
- , o que acabou de acontecer? - Perguntei com os olhos esbugalhados. Ele apenas riu e me beijou mais uma vez.
- Uma surpresinha de aniversário, que tal? Meu aniversário e quem ganha somos nós dois, tesoro.
- E o que faço com essas fotos, dime?
- Te dei um pouco mais de trabalho, mais uma crise para resolver. - Ele sussurrou, suas mãos novamente ao redor de minha cintura.
- Vou te retribuir a surpresa, sabe disso, não é?
- Espero que em um apartamento. Nós dois. Um bolo e alguns doces. Durante toda a noite… - Seus olhos brilhavam com malícia. Um sorriso enorme surgiu em meu rosto ao lembrar das pessoas nos esperando para a festa.
- Era exatamente nisso que estava pensando, .
Fim.
Nota da autora: Obrigada por terem lido! Significa o mundo para mim que tenham chegado até o final. Espero vocês na próxima ;)
Outras Fanfics:
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- 05. Fancy
- Zoo
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