Postado em: 07/06/2018

Capítulo Único

sempre havia sonhado muito. Compartilhava seus sonhos com seu melhor amigo. Por mais idiotas que fossem, o loiro sempre era o primeiro a saber. Não gostava de falar sobre os pesadelos, pois a maioria envolvia o homem.
Aquela cena não podia ser compartilhada. Não porque fosse muito pesada, mas porque não era pesadelo. Era real.
Estirado sozinho na grama.
Chorando.
Sozinho.
Era assim que Kairus estava na final daquele jogo. Daquele título. Da melhor oportunidade que ele tivera durante toda sua vida. Depois de tanto esforço, era isso que o destino havia guardado para ele.
Se desculpando, depois de tudo. Sendo aplaudido. Chorando. Chorando. Completamente desolado.
Thompson não havia visto o namorado perder nenhum jogo durante todo aquele campeonato. Não havia o visto desolado daquele jeito em nenhum dia da sua vida. A medalha. A maldita medalha que ele nem ao menos havia usado ao ganhar.
Comeu todas as unhas até que a família do namorado se acalmasse – ela mesma não conseguia não surtar naquele momento. Queria poder dizer que tudo estava bem, queria dizer para eles se acalmarem, mas nem ela sabia o próprio nome.
Parecia que havia demorado séculos, décadas, anos, meses, até que o loiro aparecesse na frente da mulher. Os olhos estavam secos, porém só de olhar a morena em sua frente, começou a chorar nos braços do seu grande amor.
‘Tá tudo bem. — Foi a única coisa que conseguiu dizer, repetindo constantemente entre os cabelos molhados do namorado. O cheiro dele havia a deixado mais calma, então significava que ela estava bem o bastante para poder consolar o homem.
Sabia que os jogadores do Real haviam ido consolá-lo também. Não sabia o que os caras do time haviam falado dele, não queria saber. Ela mesma havia desativado todos os comentários nas fotos dele porque sabia que ele não podia ver comentários como aquele, frases tão maldosas e negativas.
Pensou em tudo o que havia passado na cabeça do goleiro durante os quase três minutos que ele passara sozinho no chão.
— Vamos para casa. — Ela sabia que ele não estava falando do hotel, sabia que tudo estava acabado na cabeça dele. Mas não era assim.
— Sua família quer falar com você.
estreitou os olhos, mas assentiu, indo falar com todos eles e recebendo todas as consolações possíveis.
e se conheciam desde 2012, quando ele começara a jogar para o time titular do Mainz 05. Mesmo ela odiando futebol e sempre gritando para todos os ventos que rugby era muito melhor que todos os outros esportes. Driblaram a área da amizade no fim de 2013, e ela foi pedida em namoro por ele quando os dois comemoravam a vitória da Alemanha na Copa do Mundo em 2014.
Ela não tinha hesitado em se mudar com ele em 2016 quando ele foi para o Liverpool. Não hesitou quando largou seu emprego e sua faculdade. Não quando ele precisava tanto dela. Não quando ela o amava tanto.
Sabia que era julgada. Por ser feminista, por sempre ter sido alguém independente e que nunca seguia a vontade de ninguém. Todos falavam que ela era só mais uma wag sustentada pelo namorado, e não era mentira. Desde que havia terminado a faculdade e começado seu mestrado, não tinha tempo para trabalhar. Seus horários de trabalho a impediam de acompanhar os jogos do namorado, e ele pediu que ela não fizesse aquilo no momento, não quando ele parecia precisar tanto da presença dela. Aceitou, porque era isso que o amor era.
Achou por muito tempo que era egoísmo, mas ele havia desistido de muito por ela também. Eram um consenso. Um grupo. Casal. Um só.
No avião de volta para Inglaterra, ele dormiu durante toda a viagem. Foi sem o time e longe de todos, não conseguia olhar na cara deles, não conseguia pensar que havia decepcionado todos eles. Que havia falhado como goleiro e como jogador. Ele deveria ser o escudo daquele time e havia apenas ajudado o rival a ganhar a maldita taça.
Ao chegarem em casa, ele finalmente lembrou da surpresa que havia programado.
Tentou não bater a mão contra a testa de tanta raiva, mas ficou tão nervoso que começou a rir.
— Eu posso explicar… — O homem gargalhou sem humor algum, os cabelos loiros arrumados num coque alto — Eu… Eu estava achando que iríamos ganhar e, depois de toda a comemoração, sabia que eu não ia conseguir armar tudo isso sozinho. — Apontou para a sala de entrada do apartamento conjunto e sentiu os olhos marejarem mais uma vez.
Tudo estava coberto com velas apagadas. Um aroma diferente pairava sob o ar e um grande embrulho estava em cima do aparador.
Ele havia pensado em milhões de coisas para fazer. Maneiras de surpreender a mulher. Mas era tão complicado. Ela odiava flores, então ele não podia usar pétalas para enfeite. Também era alérgica a todo o tipo de comida e ir para um restaurante era impossível, porque os dois sempre paravam num hospital por choque anafilático. Não bebia, então um bar era totalmente fora de cogitação.
Você já sabe do que isso se trata. começou, a voz falha e quase gaga — Eu entendo se não quiser por…
— Por que eu não aceitaria? — sentiu os olhos arderem, as lágrimas ali já fortes — Vamos lá, . Me dê cinco fucking motivos pelo qual eu não aceitaria.
A frase saiu numa gargalhada.
Os dois estavam rindo feito dois idiotas.
Ele havia esquecido completamente daquela caixinha esperando pela dona do anel.
— Todos eles não importam agora, não é? — perguntou, numa tentativa de fazer piada. Sentia as mãos tremerem e a emoção falar mais alto.
— Você nunca entende, não é? Não é sobre o jogo. Não é sobre as competições. Eu não namoro um jogador, eu namoro uma pessoa. — Ela limpou as lágrimas do rosto do namorado e sorriu fraco, se sentindo horrível por ser a pessoa mais forte naquela sala. Ela mesma sentia vontade de desabar — Agora se ajoelhe e me peça para ser sua esposa. Vai logo.
começou a rir.
Foi até a caixa e pegou a embalagem dentro dela.
A caixinha vinho de veludo. A cor favorita dela.
Ajoelhou-se entre as velas apagadas e o clima ridículo de choro e piadas ruins que os dois haviam criado.
— Eu sei que esse é o pior momento do mundo para isso e sei que também eu deveria ter feito esse pedido alguns anos atrás. — Abriu a caixa, revelando um anel prateado e com um rubi minúsculo no centro. Do jeito que ela gostava, discreto e vermelho. — Mas eu amo você. Eu amo você mais do que amo a mim mesmo, mais do que qualquer coisa no mundo. Passamos por tanta coisas juntos, tantas provações, e eu espero que tenha sido apenas o começo de muita coisa. Que você me ensine tudo o que você aprender sobre a vida, porque eu te ensinarei o que está por vir. Quero estar ao seu lado para saber de todas as dores, para compartilhar as tristezas e alegrias, para aumentar nossa família em quantos números você quiser e juntar nossos sobrenomes como um só. Quero ouvir seus sonhos e quero encorajá-la o bastante para que tenha coragem de me contar seus pesadelos. Quero continuar fazendo massagens em seus pés e receber as massagens horríveis que você faz porque eu te amo e é isso que eu tenho que fazer. Quero te ajudar em tudo, quero ver esse mestrado pronto e você finalmente trabalhando para poder jogar na cara de todas aquelas pessoas que acham que você não é capaz porque eu sei que é. De muito mais que tudo isso.
Ele suspirou. As lágrimas haviam dado uma pequena pausa.
— Eu quero, Thompson Lewis, que você aceite ser minha esposa.
Ela puxou rapidamente o anel da caixinha e enfiou no dedo correto, olhando como brilhava contra a luz e como ficava lindo no seu dedo.
Não precisava nem desse discurso todo, seu idiota. Meu idiota. É claro que eu aceito.
Puxou pelos ombros e beijou o rosto dele em todos os pedaços, alcançando a boca por último e distribuindo todo o amor que estava sentindo no momento.
Foi aí que ela lembrou.
E começou a rir.
Feito uma idiota e estragando completamente o momento dos dois.
— Eu esqueci completamente. — Ela arregalou os olhos de forma engraçada e puxou a mão do noivo, enchendo os dedos de beijos e levando em direção ao seu ventre — Eu receio que terei que mudar o sentido de daddy em alguns meses.
— Não brinca.
— Tudo bem, mas quando seu filho te chamar de daddy logo depois de você me algemar, não reclame comigo.
Ele começou a rir.
Não havia nada, nada, comparado àquele momento.
Talvez fosse o mais feliz de sua vida.
Ele tinha certeza disso.
Começou a chorar. Chorava feito um bebê e não tinha vergonha alguma disso. Não conseguia falar, pensar ou formar frases. Apenas deixou os joelhos caírem no chão e abraçou a barriga da noiva, chorando em frente ao futuro sentido da palavra família.
Sua família.
Era muito mais do que poderia ser colocado em palavras durante toda sua vida.
gostava de sonhar. Amava seus sonhos. Amava compartilhar com seu noivo todos os detalhes e ocultar os pesadelos.
Mas nada.
Nada.
Superava a realidade.


Fim



Nota da autora: Sem nota.





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