Capítulo único
- Não mãe, já chega! Eu vou pra minha casa, não dá pra ficar aqui com você e o papai brigando o tempo todo – peguei a minha bolsa e sai batendo a porta.
Essa era eu e essa era minha vida. Meus pais viviam brigando, eu resolvi morar sozinha aos 16 anos, assim que mudamos para a Inglaterra.
Eu estava com 19 anos e trabalhando com publicidade em uma revista alguns quarteirões do prédio que eu morava.
Naquele dia, nada estava dando certo, meu carro deu problema, meu chefe me esculhambou por causa de uma entrevista que eu esqueci de colocar na capa da revista e a minha mãe me deu nos nervos. Eram, exatamente, onze e meia da noite quando eu resolvi voltar pra casa.
Só para completar a minha sorte, estava chovendo e não passavam táxis por aqueles lados. ‘Beleza, vamos caminhando na chuva então’. Eu caminhava bem devagar, sem me importar com o frio que tomava conta do meu corpo, já todo molhado. Seguia por uma rua levemente escura, quando uns caras se aproximaram, indo na direção contrária.
- A gatinha está sozinha, é? – o mais alto deles começou.
- Que tal vir com a gente? Podemos te esquentar rapidinho – um, que estava mais atrás se adiantou, soltando uma gargalhada.
‘O meu dia foi uma droga e eu ainda tenho que aturar meia dúzia de babacas desocupados? Por favor, né? Meu Deus’ eu apressei o passo e percebi que eles se viraram e começaram a vir na minha direção. Assim que cheguei na primeira esquina, disparei a correr, virando várias ruas para que eles não me seguissem, eu comecei a ficar com um pouco de medo, porque nem sabia mais onde estava.
Corri por vários quarteirões dobrando esquinas, já estava em outro bairro, pelo jeito um dos mais ricos da cidade, ruas bem largas e iluminadas, com casas enormes e muito lindas. Continuei andando, mais devagar agora, passei por algumas casas com luzes piscando e música, outras completamente apagadas. Afinal, era véspera de Natal, deviam estar todos comemorando, já fazia uns 2 ou 3 anos que eu não comemorava a data.
Estava passando por uma travessa mais escura, quase correndo devido a chuva que tinha aumentado, dei uma olhada para trás só para garantir que não estavam me seguindo e acabei trombando com alguém. Cambaleei e fui parar no chão, e a pessoa caiu praticamente em cima de mim, me machucando. Pude ver que era um homem, ele se levantou com dificuldade, provavelmente estava bêbado.
- Desculpe-me, eu machuquei você? – ele perguntou, tentando se equilibrar e estendeu a mão.
- Não, tudo bem – claro que não estava tudo bem, mas eu não estava nem um pouco animada para discutir com ele. Levantei-me dispensando a mão dele estendida.
- Você está sozinha? – ele deu uma olhada em volta.
- Sim, eu estava voltando pra casa, encontrei uns caras estranhos, sai correndo e acabei chegando aqui – merda, dei chance para mais conversa, mas eu estava tão irritada que acabou saindo.
- Mas ninguém deveria voltar a essa hora para casa na noite de Natal, só se tiver alguém esperando – percebi que ele estava tentando ver o meu rosto direito, mesmo por baixo do capuz.
- Eu costumo voltar, já faz algum tempo que eu não comemoro a data e normalmente eu trabalho.
- O que? Até eu comemoro, encontro meus amigos, trocamos presentes para zoar a cara um do outro... – ele soltou uma risada engraçada.
- E bebem até um de vocês sair de casa sozinho andando até esbarrar em alguém na rua? – meio sem paciência, eu interrompi, deixando-o em silencio por um tempo – olha, eu preciso descobrir como voltar pra casa, não devo nenhuma explicação da minha vida pra você e nem sou obrigada a ouvir sobre a sua, eu realmente estou cansada e precisando de uma bela noite de sono.
- Ei, não precisa ser grossa, desculpa. E se quer saber, eu não saí para encher o saco de ninguém, é que geralmente não tem ninguém na rua a essa hora e eu queria ficar um pouco sozinho.
- Seus amigos não deviam deixar você sair, você bebeu bastante pelo jeito, poderia acontecer alguma coisa.
- É justamente esse o problema – eu não tinha muita certeza, mas acho que ele começou a chorar – eles não ligam muito, eu sempre fui o problemático, eles me aturam por causa da minha voz.
- Voz? – comecei a ficar confusa, eu só podia estar louca, tinha sentado na calçada pra conversar com um playboyzinho bêbado e dramático no meio da chuva, pra completar. – como assim?
- É, nós temos uma banda, eles ficam em cima só em época de turnê, ninguém liga que eu peguei a garota com quem eu queria me casar na cama com outro cara. – eu não estava enganada, ele estava quase chorando.
- Cara, calma ai! Não é o fim do mundo...
- Ele era meu amigo – ele gritou, me interrompendo.
- Ainda assim, tem os caras da sua banda e você vai achar uma garota legal, não se preocupa – droga, eu estava dando uma de psicóloga – não chora, por favor – sim, eu era muito estressada, mas tinha coração mole, não me segurei e passei o braço pelos ombros dele, num abraço desajeitado – tem pessoas em situações piores que a sua.
- Hum – ele soltou um gemido, levantando o rosto e olhando pra mim, eu pude ver um pouco do rosto dele finalmente – Você, por exemplo? – eu juro que quis dar um soco nele, mas suspirei derrotada.
- Sim, eu estou bem pior que você, meu namorado sumiu porque eu sou chata, meus pais se odeiam e a minha mãe fica pegando no meu pé para passar o natal naquele inferno de casa. E, para completar, eu encontrei uns babacas, tive que correr e acabei me perdendo. Se sente melhor? – eu lancei um sorriso amarelo ao me levantar.
- Você pode ter um natal bom se quiser e ainda melhorar o meu – ele também se levantou.
- Que? – ele só podia estar louco – Como assim?
- Vem comigo, a minha banda vai tocar lá na festinha de natal, vai ser divertido.
- Não era você que estava reclamando dos seus amigos há 5 minutos?
- Um segredo, não me leve muito a sério, principalmente depois de beber, de tudo que eu falei, leve em conta só a história da ex-namorada com um amigo e o convite para passar o natal comigo – ele tinha um sorriso brincalhão nos lábios – eu costumo ficar muito dramático quando eu bebo.
- Que bom que sabe disso – eu sorri de volta – Olha, eu aceito ir pra festa com você. Primeiro, porque eu não sei onde estou, não vou achar um táxi por aqui e duvido que meu celular esteja funcionando depois dessa chuva. Segundo, porque tenho certeza que meu dia não pode piorar.
Ele deu uma gargalhada e me puxou pelo braço.
- Vem, a casa do é pra lá – ele começou a andar e eu fui acompanhando – Ah, e eu sou o , a propósito, posso saber o seu nome? – ele disse ainda rindo.
- , mas me chamam de .
- Meu apelido é .
Eu dei uma travada, e ? Era coincidência demais. E aquela voz, depois de três anos em Londres eu não tive sorte nenhuma vez de encontrar a banda que eu mais amava, o McFLY, nenhum deles... será que eu estava indo para a festa de natal deles? Era bom de mais pra ser verdade.
Comecei a ficar preocupada com a possibilidade de estar me metendo em alguma furada.
- Você não é nenhum psicopata sequestrador não, né? Porque ninguém vai pagar nada pra me salvar.
- Não, eu já disse, e um sequestrador não responderia – ele riu do meu desespero – eu sou só um cara normal, não muito, que toca em uma banda e que foi traído pela namorada.
- Menos mal – eu relaxei um pouco – O que você toca, ?
- Sou – ele virou pro meu lado, mas eu ainda não consegui ver o rosto inteiro, estava muito curiosa.
- Hum... qual é o nome da sua banda? – eu já quase não me aguentava.
- Você não deve conhecer, não somos tão famosos.
- Fala.
- Tá bom... a banda se chama McFLY.
Eu não sei como, mas consegui segurar o escândalo e reprimi a vontade de pular em cima dele.
- Viu? Sabia que você não conhecia – ele mostrou certo desapontamento no tom de voz.
- Não – eu quase gritei – já ouvi falar sim, o som de vocês é muito bom – minha voz já estava quase aguda de excitação.
- Ah, não mente, você tem sotaque de estrangeira, deve ouvir só as bandas de rock americano.
- Claro que não, escuto muita música britânica, sempre quis morar aqui, amei quando meu pai foi transferido pra cá. E eu amo as músicas de vocês.
- Tudo bem, diz uma então.
- “The heart never lies” e os outros integrantes são , e .
- Olha só, eu acredito em você. – ele soltou uma risada e parou – chegamos – ele se virou pra uma casa muito linda, cheia de luzinhas e decorações de natal por todo o jardim e telhado, música alta saindo pelas janelas abertas e pelo jeito lotada de gente, inclusive alguns jogados pelo gramado, provavelmente muito bêbados já. – vem, vamos entrar.
- Cara, onde você se meteu? – logo que ele me puxou pra dentro, apareceu ninguém menos que na nossa frente e logo me encarando – ah... você podia ter avisado que ia dar uma volta – ele riu olhando as nossas roupas encharcadas.
- Quem é a gatinha? – apareceu atrás de e ficou me olhando, eu já estava morrendo de vergonha.
finalmente tirou o capuz e eu quase cai pra trás quando encarei aqueles olhos e aquele rosto que eu tinha em tantas fotos no meu computador e na parede do quarto, obviamente nunca deixaria ele saber disso.
- Essa é a – ele me apresentou sorrindo – , você sabe quem são eles.
- Oi meninos – eu sorri toda boba, estava quase tonta com os olhares daqueles caras tão lindos e que eu adorava tanto.
- , vai tomar um banho e dar um jeito nessa cara porque precisamos tocar, daqui a pouco é meia noite.
- Quer subir comigo?
- O que? – ele me pegou de surpresa.
- Não – ele riu alto - não tomar banho comigo, só me esperar lá em cima e eu vou te arrumar umas roupas secas.
- Tá, eu vou lá com você – respondi devagar, ainda processando – acho que os meninos vão ensaiar e eu não conheço mais ninguém – olhei para o , que brincava com as cordas de um dos instrumentos.
O me mostrou alguns cômodos pelo caminho até um quarto no meio do corredor, era enorme e tinha uma decoração bem interessante misturada de adolescente e arquitetura moderna.
- É o meu quarto quando eu fico aqui, não repara na decoração, viemos morar todos aqui com 15 anos e nunca mudamos muita coisa – ele riu, vendo a minha cara, – Bom, pode ver TV, ligar o som e fique a vontade, eu vou para o banho – ele apontou os controles em cima de um criado mudo e entrou no banheiro com uma toalha no ombro e roupas secas.
- Ah, você quer colocar roupas secas, né? – ele gritou de dentro do banheiro.
- Seria muito bom tomar um banho quente na verdade – respondi sem graça – estou morrendo de frio.
- Tem algumas roupas limpas ali no armário, vê o que fica melhor, aliás, quer tomar banho primeiro? – ele já estava tirando a camisa, provavelmente só pra me provocar, eu ri sem graça e fui ver o que tinha no guarda roupas.
- Não, pode tomar primeiro, eu vou procurar as roupas aqui. Ele voltou para o banheiro e eu fiquei procurando alguma coisa que não ficasse tão ridícula, achei uma calça preta de moletom que era muito pequena para ser dele, mas resolvi ignorar o fato, e peguei um blusão azul da Hurley. Não ia ficar muito bonito, mas eu precisava de algo quente e confortável. Sentei na cama, liguei a TV e estava passando os canais enquanto esperava o sair do banho, reconheci o toque do meu celular. ‘Ótimo, ele ainda estava funcionando, graças à bolsa que eu tinha esquecido que era impermeável’.
- Alô, mãe? – atendi depois de ver o nome dela piscando.
- Oi filha, liguei pra saber se você chegou bem em casa.
- Sim, está tudo... – saiu do banheiro e estava bem mais bonito do que eu lembrava, sem a cara de bêbado e o cabelo molhado, eu até esqueci que estava no celular e deixei-o do meu lado.
- Pronto, pode ir - ele deu um sorrisinho e eu fiquei olhando pra ele com a maior cara de boba enquanto ele vestia a camiseta.
- ? Filha? – escutei o som meio abafado vindo do celular.
- Ah, oi, estou aqui.
- De quem era essa voz? Você está com alguém ai?
- Não, era a TV, está tudo ótimo, feliz natal, mãe – desliguei assim que ela respondeu e vi que o me olhava.
Fui pro banheiro meio desconcertada ainda e tomei um banho rápido, vesti as roupas no banheiro mesmo, ficou meio incômodo, porque a lingerie estava meio úmida, mas já era melhor que ficar toda molhada. - Como você ficou mais gata ainda com as minhas roupas? – ele me pegou de surpresa quando saí do banheiro ainda passando a toalha no cabelo. - Essa calça não deve ser sua – eu desconversei e puxei um pouco para ele ver o que não era tão grande.
- Não, deve ser da minha irmã ou sei lá, quando a gente deixa as roupas pra lavar aqui, sempre mistura tudo – ele riu de novo – Bom, vamos? Eles devem estar me esperando pra começar o show.
- Ok, vamos então – eu estava meio sem graça por estar com aquele moletom bem grande, mas era do e era uma festa do McFLY, como se importar com a roupa? Ri comigo mesma de como aquilo pareceria loucura se eu contasse pra qualquer pessoa e sai do quarto atrás dele.
Quando chegamos lá embaixo, todos já estavam perto do pequeno palco improvisado, no espaço coberto na área da piscina. A chuva tinha diminuído, mas ainda não dava pra ficar a céu aberto.
me deu um beijo no rosto e subiu no palco, eu fiquei lá apreciando a sensação, era bom demais pra ser verdade, aquilo ali era um sonho, eu tinha certeza. Eu estava louca pra contar para uma amiga que também amava eles, mas não podia perder nenhuma música, depois eu ligaria pra ela e contaria os detalhes, agora eu só queria e precisava aproveitar ao máximo esse momento.
O show foi uma delícia e eu podia jurar que o lançou uns olhares na minha direção, mas eu não queria fantasiar demais. Foi super engraçado quando o resolveu contar piadas no final. desceu do palco e veio me encontrar, me puxou direto para o balcão do bar.
- Quer beber alguma coisa?
- Uma cerveja está ótimo – sorri pra ele, pensando se era bom ele beber.
- Uma cerveja pra ela e uma garrafa de água pra mim – ele pediu para o menino que estava trabalhando no bar.
- Água, Sr. ? Muito bem – eu dei risada e ele riu de volta, pegando as bebidas com o menino.
- E ai, o que achou do show?
- Foi ótimo, vocês tocam muito bem e um show assim de pertinho, foi incrível!
- O mínimo que eu podia fazer para minha psicóloga de calçada – ele riu alto.
- Ah, não foi... – eu ia responder quando apareceu do nada.
- Vocês vão ficar nessa enrolação aí e não vão se pegar? , o que ela fez com você? – ele deu uma volta ao redor do analisando como se fosse um objeto estranho, soltei uma gargalhada enquanto puxou-o e o prendeu em uma gravata.
- Para com isso, seu perturbado – ele disse, rindo também – nós somos amigos, não é verdade? – ele piscou pra mim.
- Acho que sim – eu ri e pisquei de volta. se soltou, revirando os olhos e rindo.
- Para de atrapalhar, seu mala – veio do nada e puxou o com ele.
- Eles formam um lindo casal – Dei risada quando falou sorrindo um pouco. largou a água e se rendeu a uma cerveja, nós ficamos conversando e ouvindo as músicas. Todo mundo foi ficando bem bêbado e a piscina aquecida se tornou muito convidativa, as pessoas foram arrancando as roupas e pulando na água. E claro, quando eu estava observando e rindo daquilo, porque estava frio pra sair da água depois, me agarrou pela cintura e pulou na piscina comigo.
- Você é louco, garoto – eu comecei a rir e jogar água nele, a gente vai congelar quando sair daqui.
Não demoramos muito pra sair da piscina e subimos para tomar outro banho, ele me deixou no quarto dele e foi tomar banho em um dos banheiros dos meninos, a água quente estava uma delícia e eu estava rindo sozinha com essa noite incrível.
Saí do banho e peguei uma toalha, coloquei outra roupa do e ele apareceu logo depois esfregando a toalha no cabelo. Nos encaramos por alguns segundos e, não sei como aconteceu, de repente estávamos nos beijando loucamente. Ele me segurava e puxava um pouco meu cabelo molhado, depois foi me guiando devagar para a cama.
Foi de fato a noite mais perfeita da minha vida, o melhor presente de natal. Dormimos juntos abraçados e eu sonhei com ele a noite toda.
Dez anos depois
Kitty entrou correndo na sala e se jogou meu colo, eu estava sentada entre as almofadas no chão perto da lareira, e Charlie voltavam da cozinha com canecas fumegantes de chocolate quente para se juntar a nós.
- Obrigada, meu amor - sorri e ele me deu um selinho quando me entregou as duas canecas que estavam com ele, uma pra mim e outra pra nossa Kitty – senta direitinho filha, vamos tomar o chocolate.
pegou uma das canecas com o filho e se recostou na parede perto da janela e apreciou sua linda família sentada perto da lareira com a árvore de natal montada ao lado, sorriu sozinho pensando em como ter saído andando no meio da chuva na véspera de natal dez anos antes resultou nesse desfecho, estava cada dia mais apaixonado por , tinhas se casado sete anos antes exatamente no dia 24 de dezembro, quando completou três anos que se conheceram, em uma festa linda com os amigos e alguns parentes. Os pais dela tinham se divorciado, mas estavam se relacionando bem melhor depois de tudo, podiam ser considerados amigos agora, apareciam sempre nas ocasiões especiais e principalmente por causa dos netos, Kitty estava com quatro anos e Charlie tinha seis.
A véspera de Natal se tornou a data mais especial pra eles, sempre comemoravam de formas diferentes, às vezes com todos e às vezes só entre eles, mas estavam mais felizes que nunca, tinham formado uma família maravilhosa.
Essa era eu e essa era minha vida. Meus pais viviam brigando, eu resolvi morar sozinha aos 16 anos, assim que mudamos para a Inglaterra.
Eu estava com 19 anos e trabalhando com publicidade em uma revista alguns quarteirões do prédio que eu morava.
Naquele dia, nada estava dando certo, meu carro deu problema, meu chefe me esculhambou por causa de uma entrevista que eu esqueci de colocar na capa da revista e a minha mãe me deu nos nervos. Eram, exatamente, onze e meia da noite quando eu resolvi voltar pra casa.
Só para completar a minha sorte, estava chovendo e não passavam táxis por aqueles lados. ‘Beleza, vamos caminhando na chuva então’. Eu caminhava bem devagar, sem me importar com o frio que tomava conta do meu corpo, já todo molhado. Seguia por uma rua levemente escura, quando uns caras se aproximaram, indo na direção contrária.
- A gatinha está sozinha, é? – o mais alto deles começou.
- Que tal vir com a gente? Podemos te esquentar rapidinho – um, que estava mais atrás se adiantou, soltando uma gargalhada.
‘O meu dia foi uma droga e eu ainda tenho que aturar meia dúzia de babacas desocupados? Por favor, né? Meu Deus’ eu apressei o passo e percebi que eles se viraram e começaram a vir na minha direção. Assim que cheguei na primeira esquina, disparei a correr, virando várias ruas para que eles não me seguissem, eu comecei a ficar com um pouco de medo, porque nem sabia mais onde estava.
Corri por vários quarteirões dobrando esquinas, já estava em outro bairro, pelo jeito um dos mais ricos da cidade, ruas bem largas e iluminadas, com casas enormes e muito lindas. Continuei andando, mais devagar agora, passei por algumas casas com luzes piscando e música, outras completamente apagadas. Afinal, era véspera de Natal, deviam estar todos comemorando, já fazia uns 2 ou 3 anos que eu não comemorava a data.
Estava passando por uma travessa mais escura, quase correndo devido a chuva que tinha aumentado, dei uma olhada para trás só para garantir que não estavam me seguindo e acabei trombando com alguém. Cambaleei e fui parar no chão, e a pessoa caiu praticamente em cima de mim, me machucando. Pude ver que era um homem, ele se levantou com dificuldade, provavelmente estava bêbado.
- Desculpe-me, eu machuquei você? – ele perguntou, tentando se equilibrar e estendeu a mão.
- Não, tudo bem – claro que não estava tudo bem, mas eu não estava nem um pouco animada para discutir com ele. Levantei-me dispensando a mão dele estendida.
- Você está sozinha? – ele deu uma olhada em volta.
- Sim, eu estava voltando pra casa, encontrei uns caras estranhos, sai correndo e acabei chegando aqui – merda, dei chance para mais conversa, mas eu estava tão irritada que acabou saindo.
- Mas ninguém deveria voltar a essa hora para casa na noite de Natal, só se tiver alguém esperando – percebi que ele estava tentando ver o meu rosto direito, mesmo por baixo do capuz.
- Eu costumo voltar, já faz algum tempo que eu não comemoro a data e normalmente eu trabalho.
- O que? Até eu comemoro, encontro meus amigos, trocamos presentes para zoar a cara um do outro... – ele soltou uma risada engraçada.
- E bebem até um de vocês sair de casa sozinho andando até esbarrar em alguém na rua? – meio sem paciência, eu interrompi, deixando-o em silencio por um tempo – olha, eu preciso descobrir como voltar pra casa, não devo nenhuma explicação da minha vida pra você e nem sou obrigada a ouvir sobre a sua, eu realmente estou cansada e precisando de uma bela noite de sono.
- Ei, não precisa ser grossa, desculpa. E se quer saber, eu não saí para encher o saco de ninguém, é que geralmente não tem ninguém na rua a essa hora e eu queria ficar um pouco sozinho.
- Seus amigos não deviam deixar você sair, você bebeu bastante pelo jeito, poderia acontecer alguma coisa.
- É justamente esse o problema – eu não tinha muita certeza, mas acho que ele começou a chorar – eles não ligam muito, eu sempre fui o problemático, eles me aturam por causa da minha voz.
- Voz? – comecei a ficar confusa, eu só podia estar louca, tinha sentado na calçada pra conversar com um playboyzinho bêbado e dramático no meio da chuva, pra completar. – como assim?
- É, nós temos uma banda, eles ficam em cima só em época de turnê, ninguém liga que eu peguei a garota com quem eu queria me casar na cama com outro cara. – eu não estava enganada, ele estava quase chorando.
- Cara, calma ai! Não é o fim do mundo...
- Ele era meu amigo – ele gritou, me interrompendo.
- Ainda assim, tem os caras da sua banda e você vai achar uma garota legal, não se preocupa – droga, eu estava dando uma de psicóloga – não chora, por favor – sim, eu era muito estressada, mas tinha coração mole, não me segurei e passei o braço pelos ombros dele, num abraço desajeitado – tem pessoas em situações piores que a sua.
- Hum – ele soltou um gemido, levantando o rosto e olhando pra mim, eu pude ver um pouco do rosto dele finalmente – Você, por exemplo? – eu juro que quis dar um soco nele, mas suspirei derrotada.
- Sim, eu estou bem pior que você, meu namorado sumiu porque eu sou chata, meus pais se odeiam e a minha mãe fica pegando no meu pé para passar o natal naquele inferno de casa. E, para completar, eu encontrei uns babacas, tive que correr e acabei me perdendo. Se sente melhor? – eu lancei um sorriso amarelo ao me levantar.
- Você pode ter um natal bom se quiser e ainda melhorar o meu – ele também se levantou.
- Que? – ele só podia estar louco – Como assim?
- Vem comigo, a minha banda vai tocar lá na festinha de natal, vai ser divertido.
- Não era você que estava reclamando dos seus amigos há 5 minutos?
- Um segredo, não me leve muito a sério, principalmente depois de beber, de tudo que eu falei, leve em conta só a história da ex-namorada com um amigo e o convite para passar o natal comigo – ele tinha um sorriso brincalhão nos lábios – eu costumo ficar muito dramático quando eu bebo.
- Que bom que sabe disso – eu sorri de volta – Olha, eu aceito ir pra festa com você. Primeiro, porque eu não sei onde estou, não vou achar um táxi por aqui e duvido que meu celular esteja funcionando depois dessa chuva. Segundo, porque tenho certeza que meu dia não pode piorar.
Ele deu uma gargalhada e me puxou pelo braço.
- Vem, a casa do é pra lá – ele começou a andar e eu fui acompanhando – Ah, e eu sou o , a propósito, posso saber o seu nome? – ele disse ainda rindo.
- , mas me chamam de .
- Meu apelido é .
Eu dei uma travada, e ? Era coincidência demais. E aquela voz, depois de três anos em Londres eu não tive sorte nenhuma vez de encontrar a banda que eu mais amava, o McFLY, nenhum deles... será que eu estava indo para a festa de natal deles? Era bom de mais pra ser verdade.
Comecei a ficar preocupada com a possibilidade de estar me metendo em alguma furada.
- Você não é nenhum psicopata sequestrador não, né? Porque ninguém vai pagar nada pra me salvar.
- Não, eu já disse, e um sequestrador não responderia – ele riu do meu desespero – eu sou só um cara normal, não muito, que toca em uma banda e que foi traído pela namorada.
- Menos mal – eu relaxei um pouco – O que você toca, ?
- Sou – ele virou pro meu lado, mas eu ainda não consegui ver o rosto inteiro, estava muito curiosa.
- Hum... qual é o nome da sua banda? – eu já quase não me aguentava.
- Você não deve conhecer, não somos tão famosos.
- Fala.
- Tá bom... a banda se chama McFLY.
Eu não sei como, mas consegui segurar o escândalo e reprimi a vontade de pular em cima dele.
- Viu? Sabia que você não conhecia – ele mostrou certo desapontamento no tom de voz.
- Não – eu quase gritei – já ouvi falar sim, o som de vocês é muito bom – minha voz já estava quase aguda de excitação.
- Ah, não mente, você tem sotaque de estrangeira, deve ouvir só as bandas de rock americano.
- Claro que não, escuto muita música britânica, sempre quis morar aqui, amei quando meu pai foi transferido pra cá. E eu amo as músicas de vocês.
- Tudo bem, diz uma então.
- “The heart never lies” e os outros integrantes são , e .
- Olha só, eu acredito em você. – ele soltou uma risada e parou – chegamos – ele se virou pra uma casa muito linda, cheia de luzinhas e decorações de natal por todo o jardim e telhado, música alta saindo pelas janelas abertas e pelo jeito lotada de gente, inclusive alguns jogados pelo gramado, provavelmente muito bêbados já. – vem, vamos entrar.
- Cara, onde você se meteu? – logo que ele me puxou pra dentro, apareceu ninguém menos que na nossa frente e logo me encarando – ah... você podia ter avisado que ia dar uma volta – ele riu olhando as nossas roupas encharcadas.
- Quem é a gatinha? – apareceu atrás de e ficou me olhando, eu já estava morrendo de vergonha.
finalmente tirou o capuz e eu quase cai pra trás quando encarei aqueles olhos e aquele rosto que eu tinha em tantas fotos no meu computador e na parede do quarto, obviamente nunca deixaria ele saber disso.
- Essa é a – ele me apresentou sorrindo – , você sabe quem são eles.
- Oi meninos – eu sorri toda boba, estava quase tonta com os olhares daqueles caras tão lindos e que eu adorava tanto.
- , vai tomar um banho e dar um jeito nessa cara porque precisamos tocar, daqui a pouco é meia noite.
- Quer subir comigo?
- O que? – ele me pegou de surpresa.
- Não – ele riu alto - não tomar banho comigo, só me esperar lá em cima e eu vou te arrumar umas roupas secas.
- Tá, eu vou lá com você – respondi devagar, ainda processando – acho que os meninos vão ensaiar e eu não conheço mais ninguém – olhei para o , que brincava com as cordas de um dos instrumentos.
O me mostrou alguns cômodos pelo caminho até um quarto no meio do corredor, era enorme e tinha uma decoração bem interessante misturada de adolescente e arquitetura moderna.
- É o meu quarto quando eu fico aqui, não repara na decoração, viemos morar todos aqui com 15 anos e nunca mudamos muita coisa – ele riu, vendo a minha cara, – Bom, pode ver TV, ligar o som e fique a vontade, eu vou para o banho – ele apontou os controles em cima de um criado mudo e entrou no banheiro com uma toalha no ombro e roupas secas.
- Ah, você quer colocar roupas secas, né? – ele gritou de dentro do banheiro.
- Seria muito bom tomar um banho quente na verdade – respondi sem graça – estou morrendo de frio.
- Tem algumas roupas limpas ali no armário, vê o que fica melhor, aliás, quer tomar banho primeiro? – ele já estava tirando a camisa, provavelmente só pra me provocar, eu ri sem graça e fui ver o que tinha no guarda roupas.
- Não, pode tomar primeiro, eu vou procurar as roupas aqui. Ele voltou para o banheiro e eu fiquei procurando alguma coisa que não ficasse tão ridícula, achei uma calça preta de moletom que era muito pequena para ser dele, mas resolvi ignorar o fato, e peguei um blusão azul da Hurley. Não ia ficar muito bonito, mas eu precisava de algo quente e confortável. Sentei na cama, liguei a TV e estava passando os canais enquanto esperava o sair do banho, reconheci o toque do meu celular. ‘Ótimo, ele ainda estava funcionando, graças à bolsa que eu tinha esquecido que era impermeável’.
- Alô, mãe? – atendi depois de ver o nome dela piscando.
- Oi filha, liguei pra saber se você chegou bem em casa.
- Sim, está tudo... – saiu do banheiro e estava bem mais bonito do que eu lembrava, sem a cara de bêbado e o cabelo molhado, eu até esqueci que estava no celular e deixei-o do meu lado.
- Pronto, pode ir - ele deu um sorrisinho e eu fiquei olhando pra ele com a maior cara de boba enquanto ele vestia a camiseta.
- ? Filha? – escutei o som meio abafado vindo do celular.
- Ah, oi, estou aqui.
- De quem era essa voz? Você está com alguém ai?
- Não, era a TV, está tudo ótimo, feliz natal, mãe – desliguei assim que ela respondeu e vi que o me olhava.
Fui pro banheiro meio desconcertada ainda e tomei um banho rápido, vesti as roupas no banheiro mesmo, ficou meio incômodo, porque a lingerie estava meio úmida, mas já era melhor que ficar toda molhada. - Como você ficou mais gata ainda com as minhas roupas? – ele me pegou de surpresa quando saí do banheiro ainda passando a toalha no cabelo. - Essa calça não deve ser sua – eu desconversei e puxei um pouco para ele ver o que não era tão grande.
- Não, deve ser da minha irmã ou sei lá, quando a gente deixa as roupas pra lavar aqui, sempre mistura tudo – ele riu de novo – Bom, vamos? Eles devem estar me esperando pra começar o show.
- Ok, vamos então – eu estava meio sem graça por estar com aquele moletom bem grande, mas era do e era uma festa do McFLY, como se importar com a roupa? Ri comigo mesma de como aquilo pareceria loucura se eu contasse pra qualquer pessoa e sai do quarto atrás dele.
Quando chegamos lá embaixo, todos já estavam perto do pequeno palco improvisado, no espaço coberto na área da piscina. A chuva tinha diminuído, mas ainda não dava pra ficar a céu aberto.
me deu um beijo no rosto e subiu no palco, eu fiquei lá apreciando a sensação, era bom demais pra ser verdade, aquilo ali era um sonho, eu tinha certeza. Eu estava louca pra contar para uma amiga que também amava eles, mas não podia perder nenhuma música, depois eu ligaria pra ela e contaria os detalhes, agora eu só queria e precisava aproveitar ao máximo esse momento.
O show foi uma delícia e eu podia jurar que o lançou uns olhares na minha direção, mas eu não queria fantasiar demais. Foi super engraçado quando o resolveu contar piadas no final. desceu do palco e veio me encontrar, me puxou direto para o balcão do bar.
- Quer beber alguma coisa?
- Uma cerveja está ótimo – sorri pra ele, pensando se era bom ele beber.
- Uma cerveja pra ela e uma garrafa de água pra mim – ele pediu para o menino que estava trabalhando no bar.
- Água, Sr. ? Muito bem – eu dei risada e ele riu de volta, pegando as bebidas com o menino.
- E ai, o que achou do show?
- Foi ótimo, vocês tocam muito bem e um show assim de pertinho, foi incrível!
- O mínimo que eu podia fazer para minha psicóloga de calçada – ele riu alto.
- Ah, não foi... – eu ia responder quando apareceu do nada.
- Vocês vão ficar nessa enrolação aí e não vão se pegar? , o que ela fez com você? – ele deu uma volta ao redor do analisando como se fosse um objeto estranho, soltei uma gargalhada enquanto puxou-o e o prendeu em uma gravata.
- Para com isso, seu perturbado – ele disse, rindo também – nós somos amigos, não é verdade? – ele piscou pra mim.
- Acho que sim – eu ri e pisquei de volta. se soltou, revirando os olhos e rindo.
- Para de atrapalhar, seu mala – veio do nada e puxou o com ele.
- Eles formam um lindo casal – Dei risada quando falou sorrindo um pouco. largou a água e se rendeu a uma cerveja, nós ficamos conversando e ouvindo as músicas. Todo mundo foi ficando bem bêbado e a piscina aquecida se tornou muito convidativa, as pessoas foram arrancando as roupas e pulando na água. E claro, quando eu estava observando e rindo daquilo, porque estava frio pra sair da água depois, me agarrou pela cintura e pulou na piscina comigo.
- Você é louco, garoto – eu comecei a rir e jogar água nele, a gente vai congelar quando sair daqui.
Não demoramos muito pra sair da piscina e subimos para tomar outro banho, ele me deixou no quarto dele e foi tomar banho em um dos banheiros dos meninos, a água quente estava uma delícia e eu estava rindo sozinha com essa noite incrível.
Saí do banho e peguei uma toalha, coloquei outra roupa do e ele apareceu logo depois esfregando a toalha no cabelo. Nos encaramos por alguns segundos e, não sei como aconteceu, de repente estávamos nos beijando loucamente. Ele me segurava e puxava um pouco meu cabelo molhado, depois foi me guiando devagar para a cama.
Foi de fato a noite mais perfeita da minha vida, o melhor presente de natal. Dormimos juntos abraçados e eu sonhei com ele a noite toda.
Dez anos depois
Kitty entrou correndo na sala e se jogou meu colo, eu estava sentada entre as almofadas no chão perto da lareira, e Charlie voltavam da cozinha com canecas fumegantes de chocolate quente para se juntar a nós.
- Obrigada, meu amor - sorri e ele me deu um selinho quando me entregou as duas canecas que estavam com ele, uma pra mim e outra pra nossa Kitty – senta direitinho filha, vamos tomar o chocolate.
pegou uma das canecas com o filho e se recostou na parede perto da janela e apreciou sua linda família sentada perto da lareira com a árvore de natal montada ao lado, sorriu sozinho pensando em como ter saído andando no meio da chuva na véspera de natal dez anos antes resultou nesse desfecho, estava cada dia mais apaixonado por , tinhas se casado sete anos antes exatamente no dia 24 de dezembro, quando completou três anos que se conheceram, em uma festa linda com os amigos e alguns parentes. Os pais dela tinham se divorciado, mas estavam se relacionando bem melhor depois de tudo, podiam ser considerados amigos agora, apareciam sempre nas ocasiões especiais e principalmente por causa dos netos, Kitty estava com quatro anos e Charlie tinha seis.
A véspera de Natal se tornou a data mais especial pra eles, sempre comemoravam de formas diferentes, às vezes com todos e às vezes só entre eles, mas estavam mais felizes que nunca, tinham formado uma família maravilhosa.
Fim.
Nota da autora: É, eu sei que a pp parece meio lerda por ter demorado para reconhecer o boy, mas vamos lembrar que estava chovendo muito e estava escuro, deem um descontinho? Brincadeiras a parte! Espero que tenham gostado e comentem bastante *-*
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