Prólogo
— Vovó, será que você poderia contar de novo a história dos deuses? — pediu, juntando as mãos. — Por favor, por favor!
— Mas é claro, minha linda. — Agatha se sentou na cama da sua neta e começou a contar uma de suas histórias favoritas.
— Há muitos séculos, quando os deuses ainda dominavam a Terra e andavam entre nós, uma grande guerra se alastrou pelo mundo. Hades e Zeus tiveram uma grande briga que resultou em uma das maiores batalhas conhecida pelos deuses. Zeus trouxe o seu exército, composto de deuses e homens, enquanto Hades convocou um exército dos mortos. A Terra se tornou o campo de batalha dessa guerra, que se alastrou pelo mundo trazendo destruição em todo canto que ela passava. Gaia, Mãe-Terra, vendo os seus dois filhos destruindo tudo o que ela criou e amava, decidiu criar uma nova linhagem de homens que teriam um sangue tão poderoso que seriam capazes de matar seres divinos e até mesmo os deuses, se fosse preciso. Não se sabia da onde eles vieram ou quais eram os seus nomes, tudo o que se sabia era que, por onde eles passavam, eles traziam destruição consigo. Eles ficaram conhecidos como “Os Fávlos”, incapazes de sentir remorso, dor ou compaixão, e o pior, tinham sede de sangue e poder. Gaia se arrependeu amargamente do que fez quando os viu destruindo e matando tudo o que viam pela frente, aumentando o seu exército e marchando em direção ao Olímpio, prontos para trazer uma nova “Idade das Trevas” para a Terra, onde eles seriam os reis. E, quando tudo parecia sem esperança, Gaia viu todos os deuses, principalmente Zeus e Hades, voltando todos os seus exércitos para o exército dos Fávlos e travando uma batalha de mais de dez dias conhecida como “O Cerco dos Deuses”.
— Os deuses ganharam dos homens maus, não foi, vovó? — agarrou-se mais ao seu urso de pelúcia. — Os deuses são muito legais!
— Sim, Hades e Zeus conseguiram derrotar todos os homens maus. — ela acariciou os cabelos da sua neta. — Mas reza uma lenda que um deles fugiu, a princesa Alala Fávlos, e, com ela, a linhagem desses guerreiros foi passada de geração em geração e, hoje em dia, ela está aqui.
— Ela é que nem os homens maus? — disse, arregalando os olhos.
— Não, a princesa Alala era muito mais inteligente que os homens maus e ela sabia que ir contra os deuses era um ato terrível, então ela fugiu para proteger a sua vida e a da sua filha.
— Você disse que ela está aqui, vovó? Onde? — ela olhou para os lados. A avó de sorriu e disse:
— Ela está mais perto do que você imagina. — ela fez carinho na cabeça de sua neta.
— Vovó, o papai e a mamãe voltam amanhã, certo?
— Sim, junto com sua nova irmãzinha.
— Eu não vejo a hora de conhecer ela! Eu vou ser a melhor irmã do mundo.
— E eu não tenho dúvida disso. — ela beijou a testa da sua neta. – Durma com os anjos, meu amor.
Capítulo I
— Você tem um bonitão na sua sessão, . — Emma, minha chefe, disse, fazendo com que eu levantasse meu olhar. Já se passavam das seis da noite de uma sexta-feira, normalmente esse era um dos horários onde a lanchonete não ficava tão cheia, especialmente quando se tratava de homens que pareciam ter saído de uma campanha da Calvin Klein.
— Nossa! E bota bonitão nisso. — Macy, a sobrinha mais nova da minha chefe, disse, fazendo com que eu rolasse os olhos. — Eu faço questão de atendê-lo.
— Eu ainda me pergunto porquê eu te dei esse emprego, o que a gente não faz pela nossa família. — Emma disse, fazendo com que eu segurasse o riso. — , por favor, vá atendê-lo.
— Sim, comandante! — me afastei do balcão, pegando meu bloco de notas e o cardápio. Andei a passos largos até a mesa dele, ignorando todos os meus instintos que diziam para eu dar meia volta. — Olá, bom dia! Bem-vindo à Lanchonete da Emma, como eu posso servi-lo hoje? — eu estendi o cardápio para ele, que virou sua cabeça em minha direção. Ele me olhou de cima para baixo antes de pegar o cardápio.
— O que você recomendaria? — ele perguntou, virando as páginas do cardápio, desinteressado.
— Bem, eu recomendaria o café da manhã completo à moda casa. É uma das especialidades do chefe e um dos mais famosos da lanchonete.
— Ótima escolha. — ele fechou o cardápio e estendeu para mim. — Vocês servem café? — ele estendeu a xícara para mim.
— Sim, trago já a sua garrafa, senhor.
— Muito obrigado, m?? (senhorita) — peguei o cardápio, me virando de volta para o balcão. Emma me entregou uma garrafa e eu coloquei em cima de sua mesa, ele murmurou um obrigado e nem sequer olhou para mim.
— Ele é um pedaço de mau caminho. — Macy começou, fazendo com que eu virasse pra ela. — Quantos anos você acha que ele tem?
— Velho demais para você, Macy. — ela rolou os olhos e cruzou os braços.
— Será que você não poderia ser mais divertida?
— Não! — eu sorri sem os dentes. — Oh, falando em diversão, hoje nós vamos comemorar o aniversário de Millie e, como vocês duas são amigas, você não gostaria de ir?
— Sim! — Macy respondeu, batendo palmas. — Se minha tia deixar, é claro.
— Não se preocupe, querida sobrinha, eu também vou. — o sorriso de Macy desapareceu. Emma levantou a mão e eu bati na mesma.
— Então a gente vai sair com uma dupla de velhas?
— Ei! — eu e Emma falamos ao mesmo tempo.
— Nós estamos muito bem, obrigada. — Emma completou. — Agora vai atender os novos clientes que chegaram, pirralha! — Macy se deu por vencida e seguiu para sua seção.
— Você vai mesmo comemorar o aniversário da Millie? Com direito a álcool e tudo?
— Não se é todo dia que se completa 18 anos, Emma, e Millie tem se aplicando tanto para entrar em uma faculdade.
— Com você como irmã, é capaz de ela ter mestrado e doutorado antes dos 30.
— Millie merece um pouco de diversão na vida, mesmo me colocando a louca algumas vezes.
— Você vai contar a verdade para ela? — Emma disse, fazendo com que eu olhasse para ela.
— Logo depois que ela se formar, hoje eu só quero comemorar o aniversário da minha irmã. — me virei para ela, me apoiando no balcão.
— O pedido está pronto, ! — o chefe disse e Emma pegou o prato e me entregou. Eu andei em passos largos até a mesa do cara de terno florido e coloquei o mesmo à sua frente.
— Mais alguma coisa, senhor?
— Será que seria pedir muito um pouco da sua companhia? — ele tirou os óculos, olhando diretamente para mim. Seus olhos tinham um tom de âmbar que mais pareciam duas pedras preciosas.
— Eu estou trabalhando.
— A lanchonete não está tão cheia, serão apenas cinco minutos. — ele se apoiou na mesa, olhando para mim parecendo que estava desvendando todos os meus segredos com apenas um olhar.
— Deixa a garota em paz, ade?f?? (irmão). — uma voz disse atrás de mim, fazendo com que eu me virasse.
Se o homem sentado já era lindo, o cara que estava atrás de mim ganhava dele facilmente. Ele era alto – o que já era minha eterna fraqueza quando estávamos tratando de homens –, tinha cabelos tão pretos que aparentavam pintados e, claro, perfeitamente bagunçado como se ele não tivesse feito nenhum esforço para que ficasse dessa maneira. Um maxilar tão marcado que poderia cortar algo, os olhos pareciam que tinham duas tempestades dentro deles de tão cinzas que eram. E o que era mais peculiar — além do terno florido que caia perfeitamente em seu corpo, os sapatos que brilhavam como se fosse diamantes e os anéis que ocupavam a maioria dos seus dedos — era a bengala que ele segurava e que claramente não precisava. É, um cara como esse não aparecesse mais de uma vez na vida.
— Oi, irmãozinho, que bom que você veio. — o outro bonitão que estava sentado disse, fazendo com que eu voltasse a realidade. — Eu estava com saudades, vem me dar um abraço. — ele abriu os braços, o que fez com que o outro rolasse os olhos e se sentasse também.
— Desculpe pelo comportamento do meu irmão, ele é carente e precisa de bastante atenção.
— Assim você fere meus sentimentos.
— Você supera. — o bonitão de terno disse, sorrindo largamente. — Será que eu você pode me trazer outra xícara? — ele sorriu para mim e eu apenas assenti com a cabeça, voltando para o balcão.
— Se o que estava sentado já é lindo, o que acabou de chegar é a personificação de deus grego. Uau! — Macy disse, se abanando com um dos cardápios.
— Macy, parece até que você nunca viu homem na vida. — balancei a cabeça, pegando uma xícara. Andei em direção à mesa novamente, colocando a xícara em cima da mesma e me virei para ir embora sem nem ao menos esperar um sorriso de agradecimento.
Para a minha sorte, nas próximas horas, uma onda de clientes passou pela lanchonete, fazendo com que minha mente focasse em outra coisa do que um par de homens bonitos. Nesse meio tempo, os dois foram embora sem nem ao menos pedir a conta e deixaram uma quantidade enorme de dinheiro em cima da mesa, tornando a minha gorjeta maior do que o eu tinha recebido no dia anterior. Eu, claro, não reclamei nem um pouco, mas não podia deixar de me perguntar quem eram aqueles homens.
— Adivinha quem tirou 10 em Álgebra?! — Millie, minha irmã, entrou na lanchonete correndo. Já passavam das dez e, pelo vestido e o salto alto, ela estava pronta para sua festa.
— Verdade? — eu disse, fazendo cara de surpresa. — Não faz mais do que sua obrigação. — ela fez uma cara emburrada e eu a abracei forte pelo pescoço.
— Você é uma sem graça, . — ela se afastou de mim, me olhando da cabeça aos pés. — Por que você ainda não está arrumada?
— Ah, meu turno ainda não acabou, Millie, e como assim não estou arrumada? Eu só preciso tirar o avental e estou pronta para ir. — eu não sei ao certo o que eu disse para deixar Millie, Macy e até Emma ofendidas, mas as três olharam para mim como se eu tivesse cometido o maior erro do mundo.
— Você vai usar isso? — Macy perguntou, fazendo careta e apontando para a minha roupa.
— O que é que tem? É só uma festa. — dei de ombros.
— O quê? — Millie gritou, batendo na bancada. — Só uma festa? É a minha festa de aniversário, , e você vai usar esses trapos?
— Não são trapos, Melinda. Emma, me dá uma ajudinha aqui.
— Impossível, eu ainda estou chocada com sua revelação.
— Ei! Minhas roupas não são tão ruins assim, o que há de errado em uma calça, camiseta e um tênis? Desde quando usar isso para uma festa é crime? — as três olharam para mim como se eu viesse de outro planeta em um silêncio que estava me deixando completamente desconfortável. — Tudo bem, talvez elas não sejam apropriadas para uma balada.
— Não é nenhuma balada qualquer, , é o meu aniversário! O dia mais importante da sua vida! Lembra quando você, toda alegre, soube que ia ganhar esse presentinho dos deuses como irmã? — Millie deu uma volta, com os braços abertos.
— Vagamente, porém, em alguns momentos me arrependo amargamente. — Millie jogou um dos cardápios em mim. — Você quer que eu faça o quê, Millie? Não é como se eu tivesse um arsenal de vestidos à minha disposição aqui e agora!
Sabe aquele ditado que tudo que você fala uma vez volta para te assombrar? Emma, minha chefe e única amiga, era o tipo de pessoa que adorava comprar qualquer tipo de coisa que estivesse em promoção, por exemplo, ela tinha um kit inteiro de esquiagem sendo que nem de frio ela gosta e nem esquiar ela sabe e, como uma boa consumista, ela tinha um guarda-roupa lotado de roupas que ela não precisava.
— Macy? — Emma disse, cruzando os braços e sorrindo para mim. — Fecha a lanchonete que eu tenho uma missão impossível para realizar.
— Missão impossível? Me senti um pouco ofendida, porém sigo firme.
— Fecha a matraca e vem comigo!
Emma me levou ao apartamento que ficava em cima da lanchonete, onde ela e Macy moravam. Depois de um banho digno de uma rainha, Emma, Macy e Millie me ajudaram no quesito maquiagem, cabelo e roupa, o que se resume em eu tirando um cochilo enquanto elas faziam todo o trabalho. Não era primeira vez que isso acontecia e, com certeza, não seria a última.
Quando nós saímos, já era quase meia-noite, o bar que nós tínhamos escolhido era um perto da lanchonete, Inferno era o seu nome e, excepcional essa noite, a maioria das músicas seriam latinas. Depois de uma boa quantidade de drinques, todas já tínhamos um lugar marcado na pista de dança, fazia meses que eu não saia para me divertir e poder finalmente aproveitar uma noite em que a minha maior preocupação era que horas chegava a próxima rodada, era quase uma dádiva divina.
— , Emma! — Macy correu até a nossa mesa, segurando dois drinques na mão. — Você não vai acreditar em que eu acabei de ver no bar.
— Quem? — nós perguntamos ao mesmo tempo. Macy e Millie tinham arrumado uma mesa para a gente sentar.
— Os dois bonitões que estavam na lanchonete hoje mais cedo.
— O quê? — perguntei, terminando de tomar a minha bebida. — Sério?
— Que bonitões? — Millie perguntou, meio tonta.
— Antes de você chegar, sua irmã atendeu dois caras que mais pareciam deuses gregos. — Macy se abanou, se encostando na cadeira. — Eu ainda me pergunto como ela não deu em cima de algum deles.
— É porque a é uma velha antiquada que nunca sai de casa para conhecer gente. — Millie me deu língua, antes de soltar uma gargalhada. — Acho que ela nem se lembra mais como é beijar na boca.
— Alguém tinha que criar uma pirralha extremamente irritante e encrenqueira como você. — tirei a bebida de sua mão e tomei o resto. — E, para sua informação, não é só porque você não me vê com alguém, que quer dizer que não acontece. Acontece, muito mais do que você imagina. — me levantei, ajeitando o decote do meu vestido.
— Onde você vai? — Emma perguntou, me olhando surpresa.
— Pegar mais uma bebida. — olhei em direção ao bar, avistando os dois bonitões conversando animadamente. O de olhos azuis continuava com a mesma roupa, mas o de terno parecia que tinha deixado a jaqueta em algum lugar, abandonado a gravata e tinha rolado as mangas até os cotovelos. Se ele já ficava sexy vestido com o conjunto completo, ele ficava melhor ainda sem uma boa parte dele. Que os deuses estejam do meu lado nesse momento, porque eu estou prestes a fazer uma loucura.
Me apoiei no bar ao lado dele, que pareceu não perceber minha presença, acenei ao barman para me trazer uma bebida. O bar estava lotado e parecia que todo mundo tinha decidido fazer seus pedidos na mesma hora, fazendo com que o barman quase ficasse louco e me ignorasse completamente.
— Mas que merda, hein?! — eu disse baixinho, balançando minha cabeça. — Oh, barman! — juntei minhas mãos, assobiando alto, tentando chamar sua atenção, o que foi totalmente em vão. — Pelo amor de Hades, o que uma mulher tem que fazer para conseguir uma bebida nesse bar, hein?!
— Hades? — o bonitão ao meu lado se virou para mim com um sorriso no rosto. — Normalmente, as pessoas chamam por Zeus, Deus, Budah e até Beyoncé, mas você chamou por Hades?
— Eu sempre achei Zeus superestimado, Hades parece ser um cara de boas que foi injustiçado por causa de um filme da Disney. — eu disse, sorrindo de lado enquanto o bonitão apenas me olhava curioso. — Aliás, se Hades é como o Diabo, ele também adora atentar os outros, e hoje parece uma noite cheia de tentações, não acha?
— Definitivamente. — ele se aproximou e continuou: — O que você vai querer beber?
— Se o barman me der bola, um “crown and coke”.
Ele estalou os dedos e o barman parou o que estava fazendo e andou em nossa direção.
— Luke, por favor, traga tudo o que essa senhorita quiser e pode colocar na minha conta.
— Nesse caso, eu quero uma garrafa de champanhe e uma de tequila, hoje é aniversário da minha irmã. — eu disse, me apoiando no balcão e olhando para ele de lado.
— Eu sou . — ele estendeu a mão para mim, que a apertei. — Você se chama , certo?
— Como você sabe? — perguntei, sentindo meu corpo ficar tenso e me afastando dele.
— Eu vi seu nome no crachá hoje mais cedo.
— Oh, é claro. — balancei a cabeça enquanto Luke trazia suas bebidas.
— Está tudo bem? — ele procurou meu olhar, e eu tomei um pouco do meu drinque. — Você ficou tensa de repente.
— Desculpa, é só que... Deixa pra lá. — dei de ombros.
— Não me parece algo pra deixar pra lá. Alguma coisa te incomoda, talvez alguns fantasmas que podem vir te assombrar?
— Algo do tipo.
— Sabe o que é bom para espantar fantasmas?! — ele disse, pegando a minha bebida e colocando em cima do balcão. — Dançar!
— Eu não achei que você fosse o tipo de cara que gostasse de dançar.
— Eu estou prestes a te surpreender, .
Ele me pegou pela mão e me guiou pela pista de dança enquanto eu sorria largamente. Em outra situação, eu não deixaria uma cara que eu nem ao menos tive uma conversa decente me arrastar para a pista de dança, porém, exalava uma aura de positividade, como se tudo ficasse bem se você apenas respirasse fundo e do jeito que as coisas andavam nos últimos dias, ele era o tipo de pessoa que eu precisava naquele momento.
Ao som de Chantaje, da Shakira com Maluma, nós dois dançamos agarradinhos, com uma das suas mãos segurando uma das minhas enquanto a outra se encontrava na minha cintura, nos separando apenas quando tinha a brilhante ideia de me rodopiar pela pista. Claro que, com a quantidade de álcool no meu sistema e o cansaço da jornada de trabalho, fez com que eu quase tropeçasse e gargalhasse alto com a cara de pânico que fazia. E o que falar do cara que parecia mais um deus grego deliciosamente atraente?
Ele era lindo, é claro, um gostoso com um corpo daqueles caras que frequentavam a academia frequentemente e fugia dos estereótipos dos caras que eu conhecia quando sabia todas as letras das músicas que tocavam.
— Você parece saber todas as músicas.
— O que eu posso fazer, eu sou um homem de muitos talentos. — ele deu de ombros.
— Você é realmente um tipo de cara que a gente não encontra todo dia.
— Você não imagina o tanto, . — eu sorri de lado, passando os dois braços ao redor do seu pescoço, o puxando para perto. desceu suas mãos da minha cintura para os meus quadris, me puxando para perto. Eu já podia sentir sua respiração perto do meu rosto assim que nossos narizes se tocaram, meus olhos pareciam hipnotizado pelos seus e eu não consegui desviar o olhar. Eu sabia pelo jeito que ele olhava que ele estava esperando que eu desse o primeiro passo e, como eu não sou nem boba nem nada, coloquei uma das minhas mãos em seu rosto, colando nossos lábios em um selinho demorado.
Eu estava prestes a aprofundar o beijo quando o barulho de vidro quebrando ecoou pela boate e a gritaria começou. Em um impulso, me afastei de e procurei freneticamente por Millie, ela, junto com Emma e Macy, estava de queixo caindo olhando para o cara caído no chão.
— Merda! — disse ao meu lado, fazendo com que eu me virasse para ele. — ??????? (Idiota)! — virei meu rosto para onde ele olhava fixamente para o cara que estava com ele na lanchonete. — Esse idiota que não consegue ficar longe confusão. — balançou a cabeça, começando a andar em direção ao seu irmão, porém, no meio do caminho, ele se virou e andou em minha direção. — Você fez minha noite valer a pena. — ele segurou minha mão, dando um beijo na mesma, antes de voltar a andar em direção ao seu irmão. Entretanto o que me deixou mais chocada não foi o fato de eles dois estarem brigando com mais de dez homens ao mesmo tempo, foi quando, um a um, foram caindo no chão e eu pude ver as tatuagens em seus pescoços. Fávlos.
Andei a passos largos, empurrando Millie e Macy em direção a saída. Emma me olhou confusa e eu apenas sussurrei em seu ouvido a minha recente descoberta.
— Ei, eu quero ver a briga! — Millie protestou, tentando olhar por cima do seu ombro.
— Vamos, Millie, você não deveria estar interessada na briga dos outros.
— Mas eu sempre quis que dois caras brigassem por mim. — Millie fez bico, fazendo com que eu balançasse a cabeça.
— Como assim? Do que você está falando, Melinda?
— O bonitão da lanchonete foi o cavalheiro que me salvou de um desses idiotas de terno, foi por isso que ele entrou em uma briga. — ela riu, me abraçando pelos ombros. — E sabe qual a parte mais engraçada de tudo? Ele estava afim de você, ! Até seu nome ele chamou. — ela gargalhando enquanto eu a colocava dentro do táxi, Emma já estava no banco da frente enquanto Macy estava dormindo encostada na janela. — Como é que alguém confunde o pedacinho do céu que sou eu com você.
— Eu também não sei, Millie. — respondi, vendo-a encostar sua cabeça em meu ombro e fechar seus olhos. Emma olhou pra mim por cima do ombro e eu apenas encostei minha cabeça no banco respirando fundo.
— ...
— Amanhã a gente conversa, agora será que a gente podia fingir que a noite teve um final feliz?
— Se é isso que você quer.
— Na verdade, é disso que eu preciso no momento.
Amanhã eu terei que encarar uma realidade que eu preferia esquecer. Era como minha avó sempre dizia, você não pode fugir do seu destino, não importa o quão rápido você corra e se esconda, ele sempre te alcança.
Capítulo II
— Promete que vai direto para casa depois que você terminar de comer, Millie? — perguntei, começando a recolher os pratos enquanto segurava o celular entre minha orelha e o ombro.
— Prometo. — ela respirou fundo e respondeu.
— Millie, eu estou falando sério.
— E eu também, . Nossa! Você está paranoica esses últimos dias.
— Eu estou tentando te proteger, Millie.
— De que? De quem? Faz uma semana que você diz que nós precisamos conversar, mas continua evitando o assunto.
— Eu não estou evitando o assunto! — me defendi, colocando os pratos em cima da bancada. Emma olhou para mim e balançou a cabeça em desaprovação. — Tudo bem, talvez um pouco. — respirei fundo, me sentando em um dos bancos. — Mas o que eu tenho para dizer não é algo fácil.
— O que foi, ? Você está grávida?
— Não, é claro que não!
— Matou alguém? Bateu em alguém? Empurrou alguém da escada?
— Nós conversamos quando você chegar em casa, Millie. Direto. Para. Casa. Entendeu?
— Tudo bem, Sargenta.
— Na verdade, General. — olhei para o celular, vendo que Millie tinha desligado na minha casa. — Pirralha marrenta, desligou na minha cara! — coloquei o celular no bolso e me virei para Emma. — Você acredita nisso?
— Me pergunto de quem ela puxou isso.
— Nem tente dizer que ela puxou isso de mim, eu culpo o lado da família da minha mãe.
— Você não os culpa só disso. — Emma disse, fazendo com que meu sorriso desaparecesse. — Você vai mesmo contar a verdade para ela? Você não precisa fazer isso, faz uma semana e ninguém apareceu atrás de vocês.
— Eu já adiei muito, Emma, eu tive muita sorte que eles entraram numa briga com os dois gatos que vieram aqui no outro dia.
— Falando nisso, você não achou isso estranho?
— Não tanto, Giles e Baltazar não são conhecidos por serem discretos e adoram arrumar brigas por onde passam. Deve ser alguma coisa sobre afirmar sua masculinidade.
— Homens! — Emma disse, fazendo com que nós duas déssemos algumas gargalhadas. Na mesma hora, o sino da lanchonete anunciou novos clientes e nós duas viramos para a porta apenas para dar de cara com um dos gatos do outro dia. deu uma piscadela para mim antes de andar em direção a uma das mesas do fundo, ele ainda estava mais atraente do que da última vez que eu o vi, dessa vez seu conjunto era completamente preto e dourado com ilustrações de mulheres pelo terno e calça, sua camisa assim como seus sapatos e sua gravata eram pretos, porém hoje ele segurava uma bengala. Pelos deuses, que homem era esse?! Ele não é desse mundo!
Andei a passos largos em direção a sua mesa com o meu melhor sorriso.
— Boa noite.
— Boa noite. Olá, . — disse, fazendo com que eu voltasse meu olhar para ele. — Gostou da festa?
— Muito mais do que eu imaginava. — ele sorriu de lado e eu mordi o lábio tentando esconder o sorriso. — Você já sabe o que vai pedir?
— Sim, eu vou querer um especial do dia e, claro, uma garrafa de café.
— Tem certeza? Não é muito tarde para tomar café?
— Pode até ser, mas, como um bom viciado em café, eu não posso ficar sem o meu café.
— Tudo bem, sem problema, eu volto já com o seu pedido.
— Obrigada, .
— De nada.
— Na verdade, , eu tenho mais um pedido. — segurou meu braço, fazendo com que eu me virasse para ele novamente.
— O que seria? — respondi, puxando minha caderneta outra vez.
— Que você diga onde estão seus pais.
— O quê? — olhei para ele, surpresa, guardando minha caderneta dentro do meu avental. — Meus pais?
— Sim, seus pais. — ele apoiou os cotovelos em cima da mesa. — Adelaide e Lucian, esses são os nomes dos seus pais, certo? — olhei para Emma, que fez cara de confusa, antes de voltar meu olhar para , tentando manter minha afeição neutra.
— Eu já volto com o seu pedido. — me virei para ir embora, porém ele segurou meu braço mais uma vez.
— É uma simples pergunta, , que, infelizmente, só você pode responder.
— Você quer saber onde estão meus pais? — apoiei minhas mãos na mesa, olhando para ele. — Cemitério Hali, pode procurar à vontade. Agora, se você me der licença, eu tenho que voltar ao trabalho.
Me virei para ir embora, porém ele segurou em meu braço, me puxando e fazendo com que eu chocasse contra seu peitoral. Ele me olhava sério, com um maxilar travado, e, pelos seus olhos, eu podia ver que ele estava segurando sua raiva dentro de si. Ele estava a ponto de perder o pingo de paciência que lhe restava.
— Olha aqui, garotinha, paciência não é uma das minhas virtudes, especialmente em tempos como esse, então eu vou perguntar só uma vez: onde estão os seus pais?
— Eu não sei do que você está falando, meus pais morreram em um acidente de carro há dez anos. E, para sua informação, eu não sou nenhuma garotinha.
— Les! (Mentira!) Você sabe que isso não é verdade, .
— Mentira ou não, é tudo que você vai conseguir. — puxei meu braço de volta, me afastando dele. — Eu não vou te contar nada, nem mesmo que você me torture.
— Isso pode ser providenciado. Agora, eu vou perguntar mais uma vez e eu espero a resposta que eu quero: onde estão os seus pais?
Eu estava pronta para respondê-lo com uma série de palavras de baixo calão e um dedo do meio quando algo passou de raspão por mim e acertou em seu ombro. Ele fechou os olhos lentamente e fez uma careta, virando a cabeça para o lado, antes de retirar a adaga de seu ombro e a jogar de volta para o lugar que ela veio. O barulho de metralhadora e vidro quebrando tomou conta do local, fazendo com que eu tampasse meus ouvidos. chutou uma mesa, fazendo com que ela caísse de lado no chão, e passou o braço por meus ombros, me puxando para baixo. Na mesma hora, o outro bonitão apareceu do meu outro lado, fazendo com que eu o olhasse assustada.
— Oh, oi, .
— Como você sabe meu nome também?
— De onde nós viemos, você é quase uma celebridade.
— E de onde seria?
— Se eu te contasse, você não acreditaria. — ele sorriu de lado, porém o mesmo logo desapareceu quando ele olhou para o seu irmão.
— O que você fez agora? — perguntou entre os dentes.
— Para a minha defesa, eles que começaram.
— E a sua função é não dar continuidade, seu imbecil! Esse é um dos meus ternos favoritos!
— Você supera. E, além do mais, é da minha natureza não fugir de uma briga. — balancei minha cabeça, olhando para baixo. Ótimo! Agora eu estava presa em uma lanchonete no meio de uma briga que eu nem ao menos sabia por que tinha começado e não tinha nada a ver comigo. Sua vida não tem mesmo como piorar, .
— ... — meus pensamentos com certeza eram traiçoeiros, pois logo em seguida escutei a voz de Millie me chamar quase como um sussurro. Olhei para o vidro à minha frente, tentando ver algum reflexo do que estava acontecendo. — , por favor, eu estou com medo. — eu pude ver Millie com uma arma apontada a sua cabeça enquanto alguém a segurava pela camisa. Pelo jeito que seus ombros estavam balançando, ela estava chorando. Droga! Tudo o que eu mais temia estava acontecendo diante dos meus olhos! Oh, meu Deus, como é que eu vou explicar tudo isso para Millie?
— Cala a boca, sua pirralha! — escutei a voz de um dizer antes de continuar: — Ah, há quanto tempo, minha querida , sentiu minha falta?! Eu com certeza senti a sua! — ele soltou uma gargalhada. — Eu tenho certeza que você sabe como isso funciona, me responde onde seus pais estão e nós deixamos a pirralha ir.
— Por que todo mundo acha que meus pais estão vivos? Ou melhor, que eu sei onde eles estão?! — eu gritei, jogando minhas mãos para o alto.
— Porque você sabe onde eles estão, , e se fazer de tola nunca te caiu muito bem. Você sempre foi a minha favorita!
— Se o que você diz é verdade, quem me garante que você só não vai nos matar quando eu disser? — eu gritei de volta, respirando fundo. Eu precisava de uma saída e de preferência uma rápida, em que Millie não se machucasse.
— Você sabe que é muito mais importante do que isso, . — o mesmo cara falou e a minha vontade foi de levantar e fazê-lo engolir cada palavra. — Você tem 60 segundos para decidir.
— Merda! — olhei para baixo, balançando a cabeça. Estúpida, ! Como você pode ter sido tão estúpida de ficar no mesmo lugar por tanto tempo? Se algo acontecer com Millie, eu nunca vou me perdoar.
— Eu estou perdendo a paciência, ! 45 segundos.
Foi naquele momento que eu a vi, como uma luz no final do túnel, no calcanhar de , refletindo como o sol que trazia um raio de esperança. Me estiquei, puxando a adaga e fazendo com que ele me olhasse confuso.
— Me diz que você tem outra dessas. — ele se esticou, pegando outra adaga na sua outra perna e estendendo para mim.
— 25 segundos, ! Ou eu corto o pescoço da sua irmãzinha.
— Quantos você viu? — perguntei, olhando para o irmão de .
— Dez: dois no telhado da loja do outro lado da rua; quatro lá fora e mais quatro aqui dentro.
— Não me diga que você está planejando lutar com esse bando de homens só com duas adagas? — perguntou, surpreso. — Eu sabia que humanos eram estúpidos, mas não a certo ponto. — Ele olhou para o seu irmão. — Ares, você sabe o que fazer.
— Pode ir, eu cuido do resto. Foi um prazer te conhecer, , você é demais. — Ares disse, sorrindo, antes de estalar os dedos e desaparecer em frente aos meus olhos, deixando apenas um rastro de fumaça. Olhei para ainda assustada, porém ele apenas sorriu de lado.
— 10 segundos, ! — balancei minha cabeça, me ajoelhando no chão em frente à mesa e segurando as adagas em minhas mãos.
— O que você planeja fazer com isso? — perguntei, vendo-o segurar sua bengala com suas mãos.
— Muito mais do que você pode imaginar, . O que você planeja fazer com essas duas adagas?
— Algo que eu prometi a mim mesma que nunca mais faria. — me levantei, analisando meu alvo e colocando minhas mãos para trás, escondendo as adagas.
— Ah, minha linda , você ainda está mais linda do que eu me lembro. — Ezequiel bateu continência com sua mão livre, fazendo com que os outros homens que estavam vestido igual a ele fazerem o mesmo. — É um prazer revê-la, General.
— Algo que não posso dizer o mesmo sobre você. — virei as adagas nas minhas mãos, segurando a ponta. — Como sempre é um desprazer estar no mesmo recinto que você, Ezequiel.
— Do meu ponto de vista, eu ainda tenho uma arma apontada na cabeça da sua irmã. — ele puxou o gatilho, fazendo com que Millie fechasse os olhos. — Ops! Não precisa chorar, garotinha, nada vai acontecer com você. A não ser que sua irmã não queira cooperar, aí eu vou ter que fazer algo que eu realmente não queria fazer.
— O que você quer?
— Que você me diga onde Lucian e Adelaide estão, nós precisamos bater um bapo.
— Eu não sei do que você está falando, meus pais morreram em um acidente de carro e você sabe disso.
— Eu odeio joguinhos, .
— Mas eu estou falando a verdade! — eu defendi. — Eu não sei do que você está falando.
— Giagiá não vai ficar muito feliz que você não cooperou com sua família, . Nós sentimos sua falta.
— Sentem minha falta? Bem, se dependesse de mim, todos vocês podem ir para o inferno.
— Mas que coisa terrível de se dizer, , nós precisamos de você. — ele puxou Millie para mais perto dele. — Eu aposto que Millie vai ser uma ótima recruta para o nosso exército.
— Só por cima do meu cadáver. — joguei uma das adagas, acertando exatamente no ombro de Giles, fazendo com que ele desse um passo para trás, ele olhou para mim com um sorriso no rosto e eu joguei a outra em sua coxa fazendo com que ele caísse no chão. Pulei por cima da mesa, começando a correr em direção a Millie quando um dos capangas de Giles pulou em minha frente. Ele tentou me acertar, mas desviei com meu antebraço, virando para o lado e acertando seu joelho com meu pé. Ele caiu no chão ajoelhado, tentando me acertar novamente, porém eu segurei seu pulso fazendo com que ele me olhasse assustado enquanto eu o acertava com minha outra mão. Ele caiu desacordado na mesma hora.
— Vejo que você não perdeu o jeito, General. — Giles disse, se levantando e sorrindo. Peguei Giles pelo colarinho, aproximando seu rosto do meu. — Vai me matar, ? Pelo o que eu me lembro, esse era um dos pontos fortes.
— Olha aqui, Giles, eu vou falar apenas uma vez e eu espero que você fique inteiro para poder passar o recado: fiquem longe de mim, da minha irmã e dos meus pais. Se vocês vierem atrás de mim outra vez, eu juro por tudo o que é mais sagrado que eu acabo com cada um de vocês.
— Você pode passar esse recado você mesma. — ele balançou a cabeça e depois me olhou confuso. — Espero que você fique inteiro como assim, ?
Eu apenas sorri de lado, me afastando um pouco de Giles, dei um chute no tronco do seu corpo fazendo com que ele fosse jogado para fora da lanchonete quebrando o vidro da vitrine no meio do caminho.
— , desde quando você é o Superman? — Millie perguntou, entre seus soluços enquanto me olhava assustada.
— Por que tem que ser Superman? Por que não a Mulher-Maravilha? — eu rolei os olhos, me aproximando dela. — Isso é história para outra hora. — Me abaixei à sua frente e continuei: — Você está bem? — ela assentiu com a cabeça. — Bom. Agora vamos, nós temos que sair daqui o mais rápido possível.
— Pra onde nós vamos? Quem são esses homens? O que está acontecendo, ?
Antes que eu pudesse responder, nossa atenção foi distorcida quando um grito ecoou pela lanchonete, fazendo com que nós olhássemos de onde ele veio. Segurando o último do bando pelo pescoço, estava , com um sorriso malicioso no rosto. O homem começou a tremer da cabeça aos pés e seus olhos e ouvidos começaram a sangrar enquanto as mãos de ficavam pretas e suas veias douradas, parecendo que ele estava sugando a vida do cara e, como um passe de mágica, em questão segundos o cara que ele segurava virou pó, literalmente.
Ele tirou o pó das mãos da mesma maneira que tirou do resto do seu terno antes de se virar para nós duas.
— Graça aos deuses que não foi mais sangue, essas são manchas difíceis de tirar. — ele ajeitou seu terno enquanto andava em nossa direção. — Esses ternos me custaram muito caro para desperdiçá-los. — ele olhou para seu ombro e pareceu perceber o corte que tinha e grunhiu alto. — Droga, eu já tinha esquecido desse pequeno detalhe!
Então, em um impulso, eu peguei uma adaga no chão e joguei em sua direção, porém, como uma rapidez que eu nunca tinha visto, ele a pegou em suas mãos. Ele me olhou com uma sobrancelha arqueada antes de sorrir de lado.
— Belas habilidades que você tem, , mas vai precisar mais do que isso para acabar com alguém como eu. — ele se abaixou em minha frente, segurando meu queixo para que eu olhasse para ele. — Como você pode fazer isso depois de eu te ajudar a salvar sua irmã? — ele aproximou o seu rosto do meu. — Eu pensei que nós tínhamos algo especial.
— O que você quer? — eu perguntei, me levantando e levando outra adaga junto comigo.
— Com o tempo você vai saber, agora nós precisamos sair daqui. Não é seguro para nenhum de nós.
— E quem disse que eu vou para algum lugar com você? Eu nem te conheço!
— Você não estava reclamando ontem quando nós dançávamos agarrados durante a noite inteira.
— Não, eu não estava. — me aproximei dele, segurando a adaga em minhas mãos. — Então espero que você não se importe do que eu vou fazer a seguir. — Passei a lâmina da faca na palma da minha mão e logo depois agarrei seu pescoço, sorriu, olhando para minha mão e depois de voltando para mim, porém, quando eu comecei a apertar, seu sorriso desapareceu e ele colocou suas mãos no meu pulso tentando tirá-la. Seus joelhos cederam enquanto ele tentava se soltar. Quando eu retirei minha mão, ele automaticamente levou suas mãos ao seu pescoço e me olhou surpreso.
— Se você chegar perto de mim outra vez, eu juro que te mato. — cerrei um de meus punhos e, com toda força que eu tinha, dei um soco nele, fazendo com que ele caísse desacordado. Eu estava certa, esse homem não é desse mundo. Literalmente.
— ! — Emma entrou pela porta de trás com uma Macy assustada ao seu lado, as duas seguravam submetralhadoras. — Você está bem? — ela olhou ao redor, vendo sua lanchonete completamente destruída e vários homens caídos desacordados no chão.
— Desculpa, eu pago pelo conserto depois.
— Ah, tá. — ela pegou a submetralhadora que Macy segurava e jogou para mim, que a peguei no ar. — O Cafofo está pronto, eu consegui pegar algumas roupas para vocês.
— Você está com o furgão?
— Sim, eu acho melhor nós sairmos daqui antes que os amigos deles comecem a vir.
— , mais deles estão vindo. — Millie disse, fazendo com que eu levantasse e olhasse para o lado de fora da lanchonete. — Quem são eles?
— Fávlos. — os olhos de Emma se arregalaram. — Nós temos que sair daqui. Agora!
— Quem são Fávlos? — Millie perguntou, confusa.
— Eu te explico tudo depois, Millie, agora eu só preciso que você me obedeça.
— Você realmente acha que eu vou pra algum lugar com você depois de tudo que eu vi?! Você jogou um cara contra uma vitrine como a porcaria de um super-herói de quadrinho e ainda enforcou outro, o deixando desacordado. E não vamos esquecer que você se cortou de propósito! — ela pegou minha mão e estendeu para Emma e Macy. — , cadê seu corte? — ela procurou o corte na minha mão, levantando meu braço e me olhando assustada. Olhei para Emma, que apenas segurava o riso.
— Oh, Millie, você tem tanto para aprender. — Emma soltou uma gargalhada, fazendo com que eu balançasse minha cabeça.
— , o que está acontecendo? Isso é uma espécie de brincadeira? Eu não vou sair daqui sem uma explicação! O que você é, afinal de contas? Você é minha irmã de verdade?
— Melinda! — eu gritei, fazendo com que ela ficasse calada. — Eu já disse que explico depois, agora você vai entrar dentro daquele carro e não vai reclamar de nada.
— Se você acha...
— Cala a boca, Millie! Você não percebeu que isso tudo que aconteceu é mais sério do que você imagina?! Você acha que eu queria que tudo isso acontecesse?! Que eu gostei das coisas que eu fiz?! Eu fiz tudo isso pra te proteger e pra que você tivesse uma vida melhor, porque eu não queria que você se tornasse como alguém como eu! — Millie me olhou com lágrimas nos olhos. — Eu só preciso que você me escute, pelo menos uma vez, e não faça perguntas. Eu vou te contar tudo, mas primeiro eu preciso que você fique segura.
— Tudo bem. — Millie respondeu, sussurrando.
— É melhor nós irmos antes que mais deles cheguem.
Nós seguimos Emma até a parte de trás da loja, onde um furgão antigo estava parado com um logo de alguma loja de construção que Emma provavelmente tinha achado na internet. Segundo ela, um bom carro de fuga era um que passaria despercebido por todos. Eu entrei no carro no banco do passageiro, ao lado de Emma, enquanto Macy e Millie entraram no banco de trás. O Cafofo era um prédio velho que a família de Emma tinha deixado para ela antes de voltarem para sua terra natal. Ele ficava na parte mais afastada da cidade, perto do porto, e na parte de cima parecia apenas mais um armazém enorme com coisas velhas e antigas, mas, na verdade, tinha uma parte subterrânea que serviria de esconderijo se caso um dia nós precisássemos, então, caso esse dia chegasse, nós decidimos equipá-lo com tudo que achávamos necessário, como computadores, camas, comidas e, claro, os mais diversos tipos de armas.
Quando nós chegamos ao Cafofo, eu desci para abrir o portão e logo depois Emma entrou com o carro, fechei o mesmo, checando se não tínhamos sido seguidas e, pelo visto, a sorte estava ao nosso lado. Emma, Macy e Millie desceram do carro e logo depois Emma colocou algumas coisas em cima para aparentar que eles estavam ali há algum tempo. Nós seguimos em direção à parede, onde Emma puxou algum produto de limpeza na prateleira ao lado, fazendo com que um velho elevador de carga aparecesse, nós todas entramos e depois que eu e Emma colocamos nossas digitais, ele começou a se mover.
— Isso é parece um filme de ação assustador e surpreendentemente incrível! Quem sabia que minha tia e sua irmã seriam tão descoladas?! — Macy disse, fazendo com que eu olhasse para ela surpresa. — O quê? É super incrível! — me virei para Emma, que apenas deu de ombros e disse:
— Ela ama filmes de ação, deve ser por isso que não deve ser um choque assim tão grande. — ela cruzou os braços, se virando para mim. — O que eles querem com vocês, ? Eles pareciam saber exatamente onde você estava todo esse tempo e o pior é que sabem que seus pais estão vivos.
— O quê? Nossos pais estão vivos? — Millie perguntou, trêmula, segurando meus ombros. — Mas eu pensei...
— Sim, eles estão, Millie. — me afastei dela. — E, se nós tivermos sorte, você pode falar com eles depois.
— Por que você não me disse antes, ?! Por que deixou que eu pensasse que nossos pais estavam mortos todo esse tempo?
— Eu fiz o que tinha que fazer pra te proteger. — soltei o ar pela boca, olhando para o teto. — Eu nunca deveria ter ficado na mesma cidade por muito tempo.
— Ei, não se culpa por querer ter uma vida normal, se lembra que nada disso é sua culpa. — Emma acariciou meu braço. — O que a gente vai fazer agora?
— Honestamente? Eu não tenho a menor ideia, eu preciso dormir pra colocar minha cabeça no lugar.
Emma empurrou a porta do elevador e logo depois empurrou a alavanca, trazendo energia ao local. No meio tinha um tablado com cadeiras e alguns computadores, Emma fez questão de comprar os de última geração, já que ela era apaixonada por tecnologia e uma hacker de primeira. Do lado esquerdo tinham alguns armários que guardavam alguns tipos de armas, como facas, espadas, arco e fechas e armas automáticas; já do lado direito, nós tínhamos um tatame, alguns sacos de areias com aparadores e luvas e também alvos para arco e flecha. Depois do tablado tinha uma mesa com mais de dez lugares, uma cozinha completa com armários e duas geladeiras, e logo depois o corredor que levava a um espaço do qual pareciam mais um quarto gigante com guarda-roupas médios, várias camas e uma espécie de banheiro coletivo.
— Como vocês conseguiram esse lugar? — Macy perguntou, se jogando em uma das cadeiras.
— Pertencia à nossa família. — Emma respondeu, cruzando os braços. — Os Callas eram aliados da família de Millie e .
— Então vocês duas se conhecem há muito tempo? — Millie perguntou.
— Desde que sua irmã dava as ordens.
— sempre foi mandona mesmo. — Millie sorriu. Talvez sua irmã não te odeie tanto assim.
— Você não sabe o quanto. — Emma soltou uma gargalhada. — Que tal vocês duas irem dormir? Vocês devem estar cansadas pela noite agitada, se vocês seguirem pelo corredor, vocês vão achar um quarto enorme, lá tem algumas roupas que vocês podem usar e, se quiserem tomar banho, o banheiro fica ao lado.
— Nós vamos fazer isso, sim. — Macy se levantou, arrastando Millie pelo corredor.
— Bem, elas aceitaram melhor do que eu imaginava.
— Isso é porque eu ainda não contei nada pra Millie, ela me odeia, certeza. — me joguei em uma das cadeiras.
— Quando você contar tudo pra ela, tenho certeza que ela vai entender. Millie é muito mais inteligente do que você imagina, , você só precisa dar um pouco de crédito a ela.
— Eu só não queria que ela se tornasse alguém como eu, Emma.
— Correção: você não queria que ela se tornasse a pior versão que existe de você. — ela se sentou ao meu lado. — O que a gente faz agora, General?
— A gente tenta achar meus pais.
Capítulo III
Fazia anos que eu não tinha uma noite completa de sono e não seria agora, em tempos como esse em que a vida das pessoas mais próximas a mim estava em perigo, que eu ia começar. Quando acordei de um dos piores pesadelos que eu já tive em nos últimos anos, vi que no relógio não se passavam das cinco da manhã. Sabendo que eu não conseguiria dormir novamente, pulei da cama a fim de ocupar minha mente com alguma coisa. Ontem à noite, Emma e eu tentamos de todos os modos possíveis contatar meus pais, nós tínhamos uma linha segura da qual usávamos para nos comunicar caso precisássemos, foi a única maneira que achamos para nos manter informados e ao mesmo tempo não levantar suspeitas, afinal de contas, era mais fácil despistá-los estando em dois lugares diferentes.
Eu sempre imaginei que o dia que eu fosse contar tudo para Millie seria o mesmo dia em que eu não teria mais que fugir e, junto com os nossos pais, nós poderíamos ser uma família completa novamente. Nós explicaríamos o porquê de nós mentirmos todos esses anos, ela ficaria com raiva por um tempo até que um dia ela entenderia e nós seguiríamos com uma vida normal. Claro que nesses anos eu treinei para os piores cenários na frente do espelho depois do banho, porém, lá no fundo, eu tinha a esperança de que nenhum deles aconteceria. Esperança é a última que morre e essa danada deixava você com aqueles gostinhos que as coisas seriam melhores, porém a realidade vinha como um tapa doloroso e aqui estava eu, esmurrando um saco de areia enquanto pensava na melhor estratégia de explicar o quão problemática nossa família realmente é.
— Eu não consegui falar com seus pais. — a voz de Emma fez com que eu virasse para ela e parasse. — Nós não podemos ficar escondidas para sempre. — ela continuou enquanto eu recomeçava a esmurrar o saco, dessa vez com mais força. — O que nós vamos fazer agora, ? Fugir novamente? Tentar encontrar seus pais? , você está me escutando?! — eu dei o ultimo soco no saco, fazendo com que o fundo estourasse e ele começasse a vazar pelo tatame. — Não está mais aqui quem perguntou.
— Eu não sei, Emma. — eu disse, retirando minhas luvas. — Pela primeira vez desde que eu fugi, eu não sei o que fazer, qual é o próximo passo, e o pior, como eu vou contar tudo para Millie.
— Você pode começar contando a verdade. — me virei para o lado, dando de cara com Macy e Millie ambas com os braços cruzados. — Você pode contar como você sabe lutar como a Natasha Romanoff, como você pode arremessar uma pessoa pela janela e estourar um saco de luta com apenas suas mãos. E também não vamos esquecer do mais bizarro: por que diabos você se cortou e usou o seu sangue pra poder enforcar um cara bem maior do que você?!
— Theoí?! (Deuses?!) — Emma perguntou e eu assenti a cabeça. — Poia (Qual?)
— Den xéro, allá den tha milísoume ta onómatá tous. Boroún na akoúsoun. (Eu não sei, mas vamos evitar falar seus nomes. Eles podem escutar.)
— O que vocês duas estão falando aí, hein?! E desde quando você sabe russo?
— Não é russo, é grego.
— Desde quando você sabe falar grego?!
— Eu falo oito línguas, incluindo insolência, que parece ser sua especialidade.
— Olha quem fala! — ela riu sem humor. — Eu posso ser fluente em insolência, mas é mentira a que você tem mais desenvoltura, você a domina como ninguém. — arqueei as sobrancelhas para Millie e depois para Emma, que segurava o riso.
— Uau! Eu acho que você herdou mais do que sua aparência da mamãe. — eu disse, sorrindo de lado. — Às vezes, nas mais pequenas ações, você lembra bastante as coisas que ela fazia.
— Sério? — eu assenti e ela deu um sorriso triste. — Então por que você mentiu pra mim, ? Por que você deixou que eu pensasse que eles estavam mortos?
— Porque às vezes mentiras são mais fáceis de suportar. A gente nunca quis que você crescesse muito rápido ou que tivesse que passar por tudo que eu e mamãe passamos, por isso a melhor maneira que nós achamos pra que você tivesse uma vida normal foi nos separar. — andei em sua direção, parando em sua frente. — Você tem que saber, Millie, que deixar nós duas sozinhas pelo mundo foi a coisa mais difícil que nossos pais fizeram, mas foi um preço que a gente teve que pagar pelos pecados da nossa família.
— Eu sempre achei que você estava brincando quando disse que eles eram os piores.
— Gostaria eu que eles fossem apenas parentes chatos que fazem perguntas inoportunas, quando eu digo que eles são os piores é porque, literalmente, eles são cruéis. Não é à toa que eles são chamados de Fávlos.
— Fávlos?
— É, esse é o nosso verdadeiro sobrenome. e Melinda Fávlos, vem do grego e, traduzindo para o nosso idioma, “que apresenta perversão de caráter; erro, adulteração ou defeito.”
— Ouch! Isso não soa nada bom.
— Porque não é. — retirei minhas bandagens. — Quando nossos ancestrais foram criados por Gaia, ela tinha uma ideia completamente diferente do que eles deveriam ser, ela pensou que estaria criando uma nova linhagem de humano que não cometeria os mesmos erros dos deuses. Eles eram a linhagem perfeita: meio humano e meio deus, porém, a sede por poder falou mais alto e na primeira oportunidade eles se viraram contra ela pra tomar o poder.
— Essa história parece aquele conto de fadas que a vovó contava pra gente, o Cerco dos Deuses.
— Não era um conto de fadas, Millie, isso realmente aconteceu. Todas as histórias sobre os deuses, sobre os caras maus que querem conquistar o Monte Olimpo, são verdade e esses caras maus são a nossa família. — Millie me olhou assustada e depois soltou uma gargalhada.
— Muito engraçado, , por um momento eu achei que você estivesse falando sério.
— De todas as vezes que eu me imaginei te contando a verdade, nenhuma delas incluía você rindo na minha cara. — Ri sem humor, balançando a cabeça. — Acho que eu não me preparei para os piores como eu havia pensado.
— Você quer realmente que eu acredite que nós somos de uma linhagem de semi-deuses e que Zeus, Hades, Ares e todos aqueles deuses realmente existem?
— Não fala nos nomes deles, eles podem nos ouvir! — Emma falou, balançando a cabeça.
— Eles podem nos ouvir? Isso só pode ser algum tipo de palhaçada! — Millie começou a andar de um lado pro outro. — Parou de brincadeira, ! Eu quero que você me conte a verdade, não algum conto de fadas que você tirou de algum livro qualquer que você leu. Os nossos pais são fugitivos, é isso? É por isso que tem tanta gente atrás deles? Eles cometeram algum crime? Essa história não pode ser verdade, deuses, semi-deuses, família macabra, tudo isso parece muito surreal. Essas coisas não existem!
— Pior que existem, Millie, e nós fazemos parte delas. — andei em direção à parede onde algumas facas estavam penduradas. — Você nunca se perguntou por que seus sentidos são tão aguçados? — me virei para ela, me apoiando no balcão atrás de mim. — Por que você consegue ouvir o choro do bebê no décimo quarto andar mesmo dormindo no primeiro andar? Por que você consegue entender qualquer matéria com mais facilidade do que os seus colegas, mesmo sendo uma adolescente chata, que prefere dez mil vezes ficar no celular do que fazer o dever de casa? Tudo isso tem uma razão, Melinda, você é uma descendente dos Fávlos, parte deus e parte humana, e eu posso provar.
— Como?
Eu apenas joguei a faca que eu estava segurando na direção de Millie, que a segurou pela lâmina com as duas mãos antes que ela acertasse seu rosto. Ela olhou assustada para a faca, deixando a cair no chão logo em seguida e depois virou seu rosto para mim.
— Você está louca? Por que você fez isso? Você está querendo me matar?
— Você não queria uma prova?! Aí está! Nenhum ser humano conseguiria pegar a faca a tempo, já você, descendente dos Fávlos, conseguiu sem nem ao menos piscar os olhos.
— E se eu não conseguisse pegar a faca, ?!
— Eu venho observando você há algum tempo, Millie, eu vi você passar pelas mesmas mudanças que eu passei.
— Isso não te dá o direito de jogar uma faca na minha cara!
— Você acha que eu faria alguma para te machucar intencionalmente? — andei até ela a passos largos. — A única coisa que eu fiz foi te proteger todos esses anos, você não sabe as coisas que eu tive que passar pra que eles não te descobrissem, você acha que foi a única que sentiu falta dos nossos pais? Você acha que eu queria viver uma vida de constante medo, angústia e mentira? Eu não queria, eu nunca quis, porém eu fiz tudo isso porque eu sempre quis que você tivesse um futuro melhor que o meu e não tivesse que passar pelas coisas que eu passei. — eu ri sem humor. — Mas continue acreditando que tudo isso é brincadeira, leva a pagode, porque eu honestamente estou cansada! Quando você quiser escutar toda a verdade, eu estarei no meu quarto.
Me virei para ir embora, porém logo parei quando escutei um som o qual eu não escutava fazia um bom tempo.
— ? Melinda? — eu poderia estar no meio de uma multidão, mas eu reconheceria a voz da minha mãe de longe, especialmente quando eu sentia tanto a sua falta. Me virei para a tela do computador e andei a passos lentos em sua direção, Millie estava sentando em frente ao computador com os olhos cheios de lágrimas e com a mão na boca. — Meu Deus, Melinda, você está uma mulher tão linda! — minha mãe disse, sorrindo em meio às lágrimas. A última foto que eu tinha mandado de Millie para os meus pais foi no seu aniversário de 17 anos, antes de nós perdemos contato, então faziam meses que eu não os via nem que fosse na tela do computador. Eu podia dizer que, mesmo nos meus vinte e cinco anos, já vivendo essa vida de fugitiva desde os 15 anos, não tinha me acostumado nem um pouco a ficar longe dos meus pais.
— Olá, minhas korítsia(meninas)! — meu pai apareceu atrás da minha mãe com um sorriso no rosto. Seu cabelo estava longo, chegando até os ombros, sua barba estava comprida e ainda por cima usava óculos, fazendo com que ele ficasse completamente diferente. Minha mãe também tinha mudado: seus cabelos, que antes estavam pretos, agora estavam azuis e na altura do queixo. Eu sabia que os dois mudavam constantemente de aparência por conta de estarem sempre fugindo, era uma das estratégias que eles usavam para despistar quem estava atrás deles. Até eu, uma vez ou outra, mudava um pouco o meu visual apenas por precaução. — Uau! Melinda, você cresceu tanto. Você está bem, filha? — meu pai sorriu de lado, fazendo com que Millie também sorrisse e assentisse. — Como anda na escola? Tirando notas boas?
— Apenas nove e dez.
— Que bom, minha filha. Já pensou em qual faculdade vai cursar?
— Eu estava pensando em fazer medicina, eu sempre gostei de cuidar dos outros, e biologia é minha matéria favorita. — olhei para Millie um pouco assustada. Ela sempre me disse que estava indecisa em relação ao qual faculdade ela queria fazer, porém, acho que ela já tinha decidido.
— Medicina, uau! — meu pai olhou para mim. — Isso é incrível!
— Não olha pra mim, eu não sabia de nada. — respondi, me encostando na cadeira atrás de mim.
— Não tente negar tudo o que você fez todos esses anos, , se Millie está aqui pensando em cursar uma faculdade, está indo bem na escola e ainda por cima está segura, foi graças a você. Nós estamos orgulhosos de você, ou melhor, de vocês duas. — meu pai abraçou minha mãe de lado. — já te contou tudo, Millie? Sobre os Fávlos?
— Contei e ela riu na minha cara, disse que não passava de uma história de um livro qualquer.
— Bem, se você contar o fato de que eu estava escrevendo esse livro até conhecer sua mãe.
— Então é verdade? — Millie olhou para mim antes de voltar o olhar para a tela do computador. — estava falando a verdade? Nós somos mesmo semi-deuses?
— Nós queríamos estar aí com vocês pra te contar tudo, mas agora, mais do que nunca, nós precisamos que vocês fiquem seguras.
— Aconteceu alguma coisa? — eu comecei, me aproximando da tela do computador. — Eles conseguiram achar vocês também?
— Por pouco nós conseguimos escapar.
— Fávlos? Que família?
— Sim, Martin Giles e alguns outros recrutas que eu não reconheci. — minha mãe cerrou os olhos, virando sua cabeça para o lado. — ? Como assim “também”? Eles conseguiram achar vocês?
— Ezequiel Giles, irmão mais velho de Martin, conseguiu nos achar.
— Vocês conseguiram escapar, pelo visto.
— Os Fávlos são os menores dos nossos problemas agora.
— Como você pode dizer isso, , quando é por conta deles que nós estamos separados.
— Você não vai gostar nada do que eu vou dizer a seguir. — respirei fundo e continuei: — Deuses, eles estão atrás de nós também.
— Deuses? — minha mãe gritou do outro lado da tela. — Você tem certeza, ? Você tem que ter absoluta certeza do que você está dizendo.
— Eu nunca tive tanta certeza na minha vida. Um deles desapareceu na minha frente em um piscar de olhos enquanto outro, literalmente, sugou a vida de um homem na nossa frente. Eu não sei quem são eles, mas eles também estão atrás de vocês. Eu acho que ele sabe o que vocês estão fazendo e, como eles não conseguiram achar vocês, eles vieram atrás da gente.
— , chegou a hora.
— Mãe...
— , ela é a única que pode te ajudar e eles são a sua única maneira de chegar até ela.
— Mãe, se você acha que eu vou confiar em algum deus, você está completamente enganada. Eu não vou pedir ajuda pra um bando de deuses meia boca que se acham o centro do mundo. Foram eles que começaram toda essa história, se eles não tivessem sido tão imaturos, nada disso teria acontecido e nós poderíamos ser uma família de verdade. E quem me garante que eles não são que nem os Fávlos? Ou até pior do que eles?
— Assim você fere meus sentimentos, .
Em um piscar de olhos, eu estava em pé com uma adaga em cada mão enquanto Millie estava ao meu lado, segurando a adaga que eu tinha jogado nela. Emma segurava uma espingarda enquanto Macy apenas nos olhava, assustada. levantou os braços como sinal de que estava se rendendo enquanto seu irmão segurava uma espada em sua mão. Deuses com toda certeza, mas quais?
— Eu vim em missão de paz. — ele afastou um pouco a cabeça, olhando para o computador atrás de nós. — Olá, Lucian e Adelaide, exatamente quem nós estávamos procurando.
— Quem são vocês? — minha mãe perguntou. — O que vocês querem?
— Acho que vocês já sabem quem nós somos. E nós queremos a mesma coisa que vocês: colocar um fim nessa história para que todos nós possamos seguir com as nossas vidas.
— Desde quando os deuses se importam com o bem-estar dos outros além deles mesmos?
— Desde que o mundo é mundo e muito antes de você nascer, .
— Bem, deveriam ter pensado nisso antes de sair por aí brigando pelos quatro cantos do mundo, obrigando Gaia a criar uma nova raça de humanos. Se nós estamos nessa situação, a culpa é completamente de vocês. — o sorriso de desapareceu, fazendo com que eu sorrisse de lado. — O que foi, , meu querido?! Eu toquei em alguma ferida? Ou será que a verdade dói muito mais quando se é culpado?
— Você não sabe do que está falando.
— Eu sei exatamente do que eu estou falando. — comecei a andar em sua direção, apertando a lâmina da adaga na palma da minha mão. — Afinal de contas, é a história da minha família. — parei em sua frente, fazendo com que seu irmão levantasse sua espada. — E sabe o que mais eu aprendi, que até deuses podem cair de joelho pedindo misericórdia. — deixei a adaga cair e estendi meu braço em direção ao pescoço de . Ele foi mais rápido e segurou meu pulso. Ele me puxou para perto, fazendo com que eu chocasse contra seu peito, colocando meus braços para trás.
— Não tão rápido, Fávlos. — ele sorriu de lado, vendo meu sorriso desaparecer. — Você não tem ideia de com que está se metendo.
— Me solta e a gente pode tirar a prova.
— Uau! Eu sabia que não deveria ter me voluntariado pra vir. — o irmão de disse, guardando sua espada e olhando para o seu irmão. rolou os olhos e me soltou, se afastando de mim enquanto eu fiquei entre ele e seu irmão. — Olha, nós não viemos aqui pra desafiá-los e muito menos ameaçá-los. Tanto vocês, Adelaide e Lucian, quantos nós estamos procurando a mesma coisa: um jeito de acabar com os Fávlos. — ele olhou para a tela do computador, falando diretamente com meus pais. — É difícil admitir, acho que tanto pra nós como pra vocês, mas chegou a hora de nos juntarmos pra destruir o nosso inimigo em comum.
— Quem garante que nós podemos confiar em vocês?
— Ninguém. — ele deu de ombros e continuou: — Do mesmo jeito que ninguém garante que nós podemos confiar em vocês. Afinal de contas, sua família vem tentando acabar conosco e ficar no poder muito antes mesmo de vocês nascerem.
— Se nós nos ajudarmos, vocês garantem que vão proteger nossas filhas? — minha mãe perguntou, apreensiva.
— Nós não precisamos de guarda-costas, nós podemos nos cuidar muito bem, obrigada. — eu respondi antes que ele pudesse responder.
— Eu sei disso, , você fez um trabalho incrível, mas até as melhores pessoas tem que admitir quando precisam de ajuda.
Mãe... — minha fala foi interrompida pelo o barulho de explosão vindo do andar de cima, fazendo com que todos nós tomássemos um susto. Olhei para Emma, que já estava sentada, teclando loucamente no computador.
— Eles conseguiram nos achar. — ela olhou para mim antes de voltar seu olhar para a tela novamente. — Desligaram nossos alarmes e estão entrando no nosso elevador. — ela olhou para mim. — Nós estamos sem saída.
— Não exatamente. — me pegou pelo braço, me levando em direção aos computadores. — Vocês vão nos ajudar? — Ele perguntou, olhando para os meus pais.
— Vocês garantem a segurança das nossas filhas?
— Échete to lógo mou. (Você tem minha palavra.)
— Como é que eu posso confiar nisso se nem ao menos sabemos seu nome? — dessa vez foi a hora do meu pai se manifestar.
— Hades, vocês podem me chamar de Hades. — olhei para ele com os olhos arregalados.
— O deus do submundo.
— Seu irmão? — minha mãe perguntou.
— Ares, deus da guerra.
— Eu sempre desconfiei que Ares e Hades eram mais unidos, eu acho que estava certo no final das contas. — meu pai disse, rindo de lado. Outra explosão fez com que os computadores balançassem. — Acho que está na nossa hora. Millie, foi incrível finalmente contar a verdade pra você, minha filha. Nós te amamos muito.
— Eu também amo vocês.
— E, , nós estamos muito orgulhosos de você. Nós te amamos muito.
— Cuide da sua irmã e deixe as pessoas te ajudarem, minha filha. — minha mãe disse, sorrindo para mim. — Conte tudo para eles, okay?! — a tela do computador à nossa frente apagou ao mesmo tempo em que o elevador começou a se mover.
— Agora o que a gente faz? — Millie perguntou, fazendo com que eu me virasse para ela.
— Nós levamos vocês pra um lugar seguro. — disse e depois se virou para mim. — E depois sua irmã pode começar a contar tudo o que ela sabe.
— E onde seria esse lugar oh, tão seguro que você tem em mente? — sorriu de lado antes de olhar para o seu irmão. O elevador parou no nosso andar e Ezequiel saiu do mesmo com vários homens atrás dele. segurou minha mão e deu uma piscadela.
— Está pronta, ? — ele perguntou, fazendo com que eu rolasse os olhos.
— ! — Ezequiel gritou meu nome na mesma hora em que seus homens começaram a invadir o cafofo. Ares sorriu antes de estender a mão para e, quando as mãos deles se tocaram, tudo ficou preto.
Capítulo IV
Eu não sei exatamente como aconteceu, mas quando abri os olhos eu estava caindo. Olhei para os lados, porém nada consegui ver e, quando eu menos esperei, eu estava no chão duro. Eu tinha caído de costas na areia e nessas horas eu era agradecida pelo DNA dos Fávlos que corriam pelas minhas veias. A dor passava a ser quase inexistente, coisa que para um humano seria insuportável. Olhei para o lado vendo Emma sendo ajudada por Ares a se levantar enquanto Macy e Millie faziam o mesmo, uma sombra fez com que eu virasse meu rosto para o lado, olhando para cima e dando de cara com Hades.
Quando eu estudei sobre os deuses na escola militar dos Fávlos, Hades sempre foi o deus que me chamou mais a atenção. Zeus era o todo poderoso (que pra mim era sinônimo de egocêntrico), o que me fazia rolar os olhos; Poisedon era perigoso, porém me dava sono com toda aquela história de controlar os mares e oceanos, mas Hades era diferente, simplesmente existia uma coisa sobre ele que me deixava intrigada. Nas histórias, deuses como Zeus e Poisedon, eram relatados vivendo entre os humanos por anos, confraternizando e os ajudando a serem seres melhores, por isso ambos eram adorados das mais diversas maneiras desde festas em suas homenagens a estátuas e pinturas, porém, quando se tratava de Hades, a verdade era que ele era um completo mistério para o mundo humano. O deus do submundo, segundo relatos que vem desde antes de Cristo, não era um deus que gostava de socializar com os humanos, por isso suas estátuas e pinturas eram feitas a partir da imagem de seus irmãos. Alguns podiam o achar antissocial, mas eu só achava que o cara tinha seu próprio reino onde ele ditava suas próprias lei, com que razão ele iria querer fazer parte de um lugar em que ele seria apenas mais um?
Talvez, no final das contas, eu tivesse inveja de Hades porque ele tinha uma das coisas que eu sempre desejei arduamente: o poder de decidir sobre o que fazer sobre sua própria vida.
— Eu não tenho o dia inteiro, . — olhei para sua mão estendida e a ignorei, me levantando e batendo a areia das minhas calças.
— Vocês estão bem? — olhei para Emma, Macy e Millie. — Não se machucaram?
— Não, Ares nos ajudou pra que a gente não sentisse o impacto tão forte. — Emma respondeu.
Olhei para trás, vendo uma floresta completamente obscura, que mesmo que eu fizesse forças para enxergar, a névoa não me deixava ver além das árvores que eram extremamente altas e de um dos tons mais escuros de verde que eu já tinha visto. “Por aqui você não pode correr, , uma floresta dessa, com certeza, não terá coisas boas”, pensei olhando para cima e dando de cara um céu nublado e um sol escondido atrás de um eclipse solar que não estava nem um pouco perto de acabar. Comecei a andar para frente em direção à ponte feita de mármore e cheia de esculturas gregas que levava até os portões que eram do mesmo tom de preto que os cabelos de Hades, decorado de arabescos feitos de ouro, pedras preciosas e tão altos quanto as árvores. Olhei para os lados vendo que os muros pareciam não ter fim, em seguida, olhei para baixo vendo que o rio debaixo da ponte, na verdade, parecia o encontro de dois rios que se entrelaçavam entre si formando um infinito X que levavam a lugar que eu, definitivamente, não queria descobrir.
O submundo era exatamente como eu li nos livros: um mistério que o tornava assustador.
— Incrível, né? — Ares disse, fazendo com que eu olhasse para ele. — O entrelaçar dos rios Estige e Aqueronte é uma das minhas coisas preferidas desse lugar. Hades estava bem inspirado quando decidiu dar uma redecorada no lugar, esperem até ver o palácio. — Ares sorriu para Emma, que apenas balançou a cabeça. Parecia que o deus da guerra tinha uma pequena queda pela minha amiga e ela estava apenas pensando qual a melhor maneira de fugir daqui se fosse preciso. Ela olhou para mim e eu pensei a mesma coisa, por água que não seria.
— E que lugar é esse? — perguntei por cima do meu ombro.
— Bem-vinda ao submundo, Fávlos. — Hades sussurrou, passando por mim e indo em direção aos portões que automaticamente se abriram. Ares seguiu seu irmão junto com Macy e Millie; Emma parou ao meu lado e disse:
— Você está com sua cara de desconfiada.
— Eu tendo a desconfiar de pessoas que têm as soluções para todos os meus problemas, especialmente quando elas são parte do problema. — Olhei para ela. — Não é porque meus pais fizeram um acordo com eles que eu não estou pensando em uma solução onde eles não fazem parte da equação.
— E o que você está planejando? Fugir novamente?
— Não me diga que você se encantou pelos deuses também, Emma.
— Não é a questão, . É só que... Você não está cansada? — ela parou em minha frente. — Você viveu praticamente uma boa parte da sua vida fugindo dos Fávlos arrastando sua irmã junto, mentindo para ela, ficando longe dos seus pais, e, pela primeira vez em anos, você tem uma real possibilidade de acabar com tudo isso. Não acha que deveria ao menos tentar se permitir confiar em alguém mais do que sua fiel escudeira aqui?
— O inimigo do meu inimigo é meu aliado. — respirei fundo e continuei: — Você acreditaria se eu dissesse que eu não tenho a menor ideia como nós vamos sair dessa?
— Acredito e digo mais: está na hora de mudar de estratégia, , você, sozinha, com sua fiel escudeira, vulgo eu, não vamos conseguir salvar o mundo. Pedir ajuda também faz parte da batalha, especialmente se você tem chances de ganhar.
— Desde quando você é tão sábia?
— Não é por nada não, mas eu sempre fui a melhor conselheira de guerra que os Fávlos já tiveram, ou melhor dizendo, que você já teve.
— Nós realmente vamos ter que nos aliar a eles? — Emma apenas assentiu com a cabeça e eu rolei os olhos. — Nem quando eu era General minha vida era tão complicada.
— Agora vamos, eu estou curiosa pra saber como é o palácio do rei do submundo. — Emma me puxou para os portões.
Quando nós aprendemos sobre o submundo, ele era normalmente descrito como um lugar sombrio onde não havia sol, sem vida que até a grama vivia em constante estado de decomposição, com um palácio feito de restos mortais, onde a água era, na verdade, lava. E pelo o que nós tínhamos visto até agora com a floresta sombria, os relatos estavam certos, entretanto, quando entramos pelos portões parecia que estávamos em um lugar completamente diferente do submundo que nós tínhamos acabado de conhecer. O sol brilhava alto no céu, o clima era completamente perfeito, nem tão quente e nem tão frio, a grama era verde e as flores tão coloridas quanto as tulipas dos campos de Zaanse Schans na Holanda. Nós estávamos em um caminho de pedras e de cada lado existia um jardim com algumas flores e uma fonte no meio espirrando água de uma escultura grega. No final do caminho tinha uma pequena escada a qual nós subimos e avistamos mais um pequeno jardim de cada lado, onde havia algumas pessoas trabalhando, só que dessa vez formando um pequeno labirinto com um caminho de pinheiros de cada lado.
O palácio não era preto e muito menos feito de restos humanos, na verdade, era de um tom de pérola com um teto verde e detalhes dourados, parecia mais um dos palácios europeus, mais precisamente o palácio de Schonbrunn, que ficava na Áustria. Era extremamente fascinante, porém, pelo seu tamanho, surpreendentemente assustador.
— , você tem que ver isso! — Millie gritou de dentro do palácio antes de desaparecer pela porta do mesmo.
— Parece que toda aquela conversa de não confiar em estranhos foi em vão no final das contas. — balancei a cabeça e com Emma ao meu lado nós seguimos para dentro do palácio. Se do lado de fora o lugar era fascinante, dentro era completamente magnífico, as paredes eram do mesmo tom de pérola cobertas de detalhes de joias e ouro com janelas do chão ao teto, o chão era feito de madeira com símbolos gregos muito vistos em roupas da marca Versace, e o teto era coberto de pinturas, que tenho para mim contavam a história dos deuses pela falta de roupa e atos heroicos retratados. O lugar era exuberante e nunca em meus sonhos mais loucos eu imaginaria o submundo dessa maneira, muito menos que o seu rei era um dos caras mais lindos que eu já tinha visto, fazendo daquela expressão “bonito como um deus grego” não só uma expressão, e sim um fato.
Nós seguimos pelos corredores logo atrás de Millie até que nós chegamos em uma grande salão decorado com pinturas dos deuses gregos em atos heroicos. No final, tinha um palanque onde ficava um grande trono à lá Game of Thrones, feito de espadas, lanças e flechas completamente cobertos de ouro, porém no final, aos pés do rei, caveiras feitas de joias.
— Não sabia que ostentação também era um dos traços da personalidade do rei do submundo. — sussurrei para Emma, que riu pelo nariz.
— Não se trata de ostentação, , eu simplesmente tenho mais riquezas do que eu sei o que fazer com elas então eu uso para mostrar que o submundo não é o lugar que a sua raça gosta de retratar.
— A floresta que nós vimos mostra completamente o contrário, talvez minha raça não esteja tão errada assim sobre esse lugar.
— Em qualquer religião ou doutrina são retratados lugares dos quais as almas podem ir logo após a morte, normalmente um é onde as almas consideradas boas podem gozar das delícias do paraíso e o outro é onde as almas consideradas más sofrem pelas suas ações durante toda a eternidade. Em algumas dessas religiões ou doutrinas, alguns até acreditam na encarnação onde as almas podem. — Ele se levantou, andando até mim. — Aqui, no ypókosmo (submundo), no meu reino, você tem todas. O que você viu foi o Campo de Asfódelos, onde as almas que não foram boas, nem más, ficam vagando pela eternidade. — Hades estalou seus dedos e todos nós fomos transportados para um vasto campo verde. Olhei para trás, dando de cara com um portão e grande muros, só que dessa vez da parte de trás do palácio. — O Campo de Elísios é onde as almas consideradas boas e também as que dedicaram sua vida pelo bem dos outros vivem de uma eternidade sem preocupação, felizes e aproveitando tudo de bom que a vida na terra lhe ofereceu em pequenas doses. — Hades começou a subir montanha com todos nós atrás. O Campo de Elísios parecia um grande vilarejo onde se podia ver as pessoas dançando no meio da praça e ouvia-se a música alta e as gargalhadas vindo da cidade, ao redor existiam campos onde se podia observar os animais correndo soltos e pessoas cultivando em algumas plantações. Era rodeado de montanhas verdes, com um lago que se perdia entre montanhas e parecia não ter fim.
Hades estalou seus dedos novamente, dessa vez nos levando à beira de um penhasco. Dei um passo para trás, levando Millie comigo enquanto Emma fazia o mesmo com Macy.
— Aquela é a Ilha dos Abençoados, onde os heróis são levados e se desejarem, poderão voltar para o mundo mortal outra vez.
— Tipo encarnação? — Millie perguntou.
— Sim, se eles desejarem. — Hades se virou para nós, com os braços cruzados.
— O que uma pessoa tem que fazer pra poder parar naquele lugar?
— Algum ato considerado heroico ou nobre como sacrificar sua vida por um bem maior. Normalmente, é habitado por deuses, poucos humanos, porém existe uma pessoa, da qual vocês conhecem bem, que se recusou a ir para aquela ilha.
— Que nós conhecemos? — Millie perguntou.
— É Alala Fávlos, sua antepassada, se recusou a ir para a Ilha dos Abençoados e preferiu ficar no Campo de Elísios com o seu amado pela eternidade. — Hades estalou os dedos novamente, sem nenhuma espécie de aviso, e dessa vez nós fomos parar em uma grande sala de estar, sentadas no sofá. Hades deu um sorriso de lado quando notou o desconforto em nossos rostos, claramente não era algo confortável ficar viajando através de teletransporte, eu sentia como se minha cabeça fosse explodir.
— Geia sou, kýrie Ádi! (Olá, senhor Hades!) — uma senhora apareceu ao lado de Hades, ela vestia uma das roupas que eu costumava ver nos romances históricos que Millie costumava assistir, como se ela tivesse acabado de sair de um filme de época.
— Geia sas, kyría Asimina. (Olá, senhora Asimina.) — ele sorriu para a senhora, o primeiro sorriso sincero que eu vejo em seu rosto desde que o conheci. — Está é Asimina Manoli, ela é a governanta do palácio e tudo que vocês precisarem podem falar com ela.
— Olá. — a senhora simpática sorriu para nós. — Devo preparar os quartos, então?
— Sim, essas adoráveis senhoritas e aquela não-tão-adorável ali vão ser nossas convidadas. — ele apontou para mim, sorrindo de lado.
— Eu o mandaria para o inferno, mas visto que nós já estamos em uma espécie de inferno grego, não adiantaria de muita coisa, especialmente, já que você é o capeta. — Asimina deixou o seu queixo cair e depois soltou uma gargalhada.
— Aftó tha eínai endiaféron. (Isso vai ser interessante.). Qual o seu nome, minha querida?
— Esta é Fávlos. — Hades disse e o sorriso de Asimina desapareceu.
— A herdeira? — Asimina olhou para Hades, que apenas balançou a cabeça. — Bem, eu vou preparar os quartos para os seus convidados. Com licença. — Asimina desapareceu pelos corredores.
— Como assim herdeira? — Millie perguntou. — E o que Alala Fávlos fez pra merecer ir à Ilha dos Abençoados?
— O que ela fez? — Ares perguntou, incrédulo, olhando para Millie. — Ela, simplesmente, salvou a humanidade e os deuses quando roubou o Cálice de Heraklees. Se ela não tivesse feito isso, nós provavelmente, mesmo com os exércitos de Hades e Zeus, não teríamos vencido a batalha contra Fávlos. Vocês sabem, na história do seu povo, conhecida como o Cerco dos Deuses.
— O Cerco dos Deuses? O que é isso? — Millie perguntou confusa.
— Ela não sabe sobre o Cerco dos Deuses? — Hades se levantou. — Sobre os Fávlos? Você não contou nada para ela?
— Eu ia contar quando Millie estivesse preparada. — respondi, olhando para Emma. — Eu estava esperando-a completar 18 anos.
— Quantos anos você tem, garota?
— Completei 18 há alguns dias. — ele olhou para mim, incrédulo.
— Então, deixa eu ver se eu entendi direito: todo esse tempo você mentiu para a sua irmã sobre quem vocês são e de onde vieram, o que quer dizer que ela não passou por nenhuma espécie de treinamento e não sabe nem ao menos atirar um dardo em um alvo. Como você esperava derrotar os Fávlos? — ele cerrou os olhos, virando o rosto para o lado e continuou: — A não ser que você não esperava enfrentá-los, você ia continuar fugindo, não ia, ? Eu não sabia que a sua parte humana era tão covarde.
— E você esperava que eu fizesse o quê, hein?! — me levantei, sentindo todo o meu corpo borbulhar de ódio. — Enfrentasse os Fávlos sozinha? Ligasse da minha linha exclusiva e direta com os deuses e dissesse: Ei, uma ajudinha aqui que eu quero destruir minha família? E, a propósito, se lembra dos Fávlos, seus inimigos mortais, eu sou um deles e já que nós os odiamos da mesma maneira, será que não poderíamos nos juntar para acabar com eles de uma vez? — eu coloquei o dedo em seu peito e continuei: — Você não tem nenhum direito de me julgar, eu fiz o que eu tinha que fazer para proteger a minha irmã pra que ela não tivesse que passar por nada do que eu tive que passar quando eu estava nas mãos dos Fávlos. E eu não me arrependo nem um pouco, faria tudo de novo! E quem é você pra me julgar, seu deus de quinta? Se nós estamos nessa situação é por que você e o seu irmão decidiram usar o mundo mortal como palco da sua rixa. Não tente colocar a culpa em mim, quando é você o principal culpado de tudo o que está acontecendo.
— Você não sabe do que está falando! — ele disse entre os dentes.
— Deixa um gosto ruim no paladar, não deixa?! — eu sorri de lado. — Quando alguém joga na nossa cara algo que a gente quer esquecer.
— Hades, cara, relaxa. — Ares puxou seu irmão pelo braço, porém Hades se soltou do seu irmão e foi em direção a uma das janelas. Ares sorriu sem graça e disse: — Será que você não pode contar agora? Começa pelo Cerco dos Deuses, já que é onde os Fávlos foram criados.
— Fávlos foram criados? — ela olhou para mim, assustada. — Quer dizer que nós fomos criadas?
— Não, Millie, nossos antepassados foram criados, nós somos descendentes dos Fávlos. — me sentei ao seu lado e continuei: — Você lembra quando a vovó costumava contar uma história sobre os deuses? A grade luta entre Hades e Zeus? Uma nova legião de homens criada por Gaia para defender a Terra que virou contra ela? — Millie apenas assentiu e eu respirei fundo antes de continuar: — Não era só uma fantasia, Millie, na verdade, é a história da nossa família. Eu escutei essa história tantas vezes, que eu posso contar da mesma maneira que a vovó contava.
— Então me conta, , eu quero saber de tudo.
— “Há muitos séculos, quando os deuses ainda dominavam a Terra e andavam entre nós, uma grande guerra se alastrou pelo mundo. Hades e Zeus tiveram uma grande briga que resultou em uma das maiores batalhas conhecidas pelos deuses. Zeus trouxe o seu exército, composto de deuses e homens, enquanto Hades convocou um exército dos mortos. A Terra se tornou o campo de batalha dessa guerra, que se alastrou pelo mundo trazendo destruição em todo canto que ela passava. Gaia, Mãe-Terra, vendo os seus dois filhos destruindo tudo o que ela criou e amava, decidiu criar uma nova linhagem de homens que teriam um sangue tão poderoso que seriam capazes de matar seres divinos e até mesmo os deuses, se fosse preciso. Não se sabia de onde eles vieram ou quais eram os seus nomes, tudo o que se sabia era que, por onde eles passavam, eles traziam destruição consigo. Eles ficaram conhecidos como “Os Fávlos”, incapazes de sentir remorso, dor ou compaixão, e o pior, tinham sede de sangue e poder. Gaia se arrependeu amargamente do que fez quando os viu destruindo e matando tudo o que viam pela frente, aumentando o seu exército e marchando em direção ao Olímpio, prontos para trazer uma nova “Idade das Trevas” para a Terra, onde eles seriam os reis. E, quando tudo parecia sem esperança, Gaia viu todos os deuses, principalmente Zeus e Hades, voltando todos os seus exércitos para o exército dos Fávlos e travando uma batalha de mais de dez dias conhecida como “O Cerco dos Deuses”.
— Bem, agora eu entendo porque você nunca falou sobre a nossa família, eles realmente parecem os piores.
— Eles são, porém existia alguém que não era igual a eles, vovó gostava de dizer que era porque ela era mulher e, você sabe, mulheres sempre foram mais sábias do que homens. A princesa Alala Fávlos, uma das poucas mulheres da linhagem dos Fávlos, fugiu um pouco antes da batalha do Cerco dos Deuses junto com o seu amado, Dimitri, o ferreiro responsável pelas armas da guerra, e um pequeno grupo de seguidores que só queriam viver sua vida. O que muita gente não sabia era que a princesa estava grávida, e como ela não queria que seus filhos soubessem do passada vergonhoso da família, ela simplesmente adotou o nome do seu marido e a história dos Fávlos foi passada de geração em geração como uma fábula que servia de ensinamento para não se deixar cair em tentação do poder. — eu sorri, sem os dentes. — E a geração de Fávlos viveu em paz nos últimos anos, mas nem todos compartilhavam do mesmo pensamento de Alala e seu pequeno grupo. Segundo alguns relatos, Fávlos que sobreviveram ao Cerco dos Deuses, insatisfeitos com o resultado da guerra, decidiram que formariam um novo exército e tentariam tomar o Olimpo e dessa vez sucederiam em matar todos os deuses para finalmente se tornarem reis.
— Eles realmente conseguem matar deuses? Quer dizer que nós podemos matar deuses também, ? — Millie perguntou, me olhando assustada.
— Quando Gaia criou os seus antecedentes ela não esperava que eles fossem se voltar contra ela; quando nós matamos todos, até o ultimo Fávlo, ela ficou extremamente aliviada pois a ordem da natureza voltou ao seu equilíbrio e a Terra voltaria a ter paz novamente. — Ares disse, fazendo com que nós olhássemos para ele. — O que nem ela, nem nenhum de nós esperava era que nós tínhamos deixado alguns de vocês escaparem. Quando nós descobrimos, claro que o primeiro pensamento era matar todos vocês, mas não seria justo com aqueles que só queriam uma vida normal, então nós os deixamos viver e apenas continuamos a vigiar os seus antecedentes.
— Então é por isso que você se cortou antes de enforcar Hades, você estava tentando deixá-lo mais fraco. — Millie me olhou confusa. — Como você sabia que isso aconteceria?
— Porque eu fui treinada para isso. — me levantei, começando a andar de um lado para outro. — Eu quero que você saiba que tudo que eu fiz foi pra proteger nossa família, quando os Fávlos me acharam, eu estava em um lugar muito sombrio e acabei me deixando levar pela linha de pensamento deles.
— O que você quer dizer com isso, ? Você está me assustando!
— Você tem razão em ficar assustada, Melinda, sua irmã é a melhor General que os Fávlos já tiveram com o maior número de mortes debaixo das suas patentes. Especialista em artes maciais, uma deusa com armas de fogo, especialmente com facas, sem falar nos seus dotes divinos. Super-força, regeneração, e sua superinteligência. — Hades começou, fazendo com que eu abaixasse a cabeça. — Não é nenhuma surpresa que os Fávlos estejam atrás dela, ela é a arma mais letal criada pelos Fávlos.
— Você matou pessoas, ?
— Você não se torna General se não tiver algumas mortes debaixo das suas patentes. — Hades disse, fazendo com que eu cerrasse os olhos para ele.
— É muito mais complexo do que isso, Melinda. — eu disse, porém o olhar dela já dizia tudo: Millie já não me enxergava da mesma maneira.
— Quantas pessoas você matou, ? — ela se levantou, ficando em minha frente.
— Millie, se acalma, deixa sua irmã explicar. — Emma disse, parando ao meu lado.
— Você também faz parte disso, Emma? Você também matou várias pessoas? Você também era um General para os Fávlos?
— Eu era a primeira-conselheira da sua irmã.
— Isso não responde minha pergunta! — ela gritou antes de continuar: — Quantas pessoas você matou, ?
— Melinda...
— Quantas pessoas você matou, hein?! Foram 100? 300? 600? 1.000?
— Eu perdi a conta! — eu gritei, fazendo com que ela me olhasse assustada. — Eu perdi a conta depois da primeira centena. Millie... — tentei me aproximar, mas ela se afastou de mim.
— Não chega perto de mim, . — ela se virou e começou a correr em direção à escada. Macy olhou para Emma, que assentiu com a cabeça e seguiu Millie pela escada.
— Os quartos já estão prontos. — ela disse, olhando para os lados. — Eu as coloquei no corredor principal, talvez seja melhor que eu vá atrás das duas senhoritas para que elas não se percam.
— Faça isso, Asimina. Muito obrigado, eu as levo para seus quartos. — Asimina assentiu e Ares se virou para nós. — Eu acho que nós tivemos muitas emoções por hoje, que tal nós descansarmos e tentarmos amanhã novamente?
— Acho que isso é uma ótima ideia, não é, ?! — Emma disse, cutucando meu braço.
— Ótimo! Me sigam que eu posso mostrar seus quartos. Você também, irmãozinho. — Ares passou o braço pelo pescoço de Hades e os dois foram em direção à escada. — Vocês podem escolher o quarto que vocês quiserem, menos o do final do corredor, esse é do Hades. — Hades se soltou do irmão e foi em direção ao seu quarto, batendo a porta logo em seguida. — Ele não gosta muito de pessoas, especialmente de humanos e muito menos Fávlos. Sem ofensa, .
— Se eu fosse um deus também não gostaria da raça que está tentando me matar.
— Espero que vocês aproveitem a sua estadia aqui, esse é o melhor lugar para se hospedar. Vejo vocês amanhã?
— Claro. Muito obrigada por nos salvar.
— Que isso, foi um prazer, Emma. Agora eu preciso ir, faz um tempo que eu não vou para casa. Até amanhã. — Ares começou a andar em direção à escada, mas, antes que chegasse na mesma, estalou os dedos e desapareceu.
— ...
— A gente se vê amanhã, Emma. — entrei no primeiro quarto à minha esquerda e fechei a porta. O quarto era enorme, com uma decoração luxuosa e uma enorme cama no meio do cômodo. Me joguei na mesma, tirando minhas botas e me agarrando no travesseiro.
E, pela primeira em anos, eu me permiti chorar como se não houvesse amanhã.
Capítulo V
Em meio a horas chorando, eu consegui dormir sem nem ao menos me dar conta. Claro que eu acordei algumas horas depois de um dos piores pesadelos que eu já tive, onde eu não conseguia fazer a única coisa que eu tinha medo: proteger Melinda. Depois de um banho bem merecido, evitando o espelho de todas as maneiras possíveis pois sabia com minha cara não seria uma das melhores, eu encontrei algumas roupas dentro de um dos armários do meu quarto. Aparentemente, o submundo te proporcionava tudo o que você queria, até mesmo roupas de academia, tudo o que eu precisava era achar o centro de treinamento do deus do submundo. Algo me dizia que ele era o tipo de homem que teria tudo que eu precisava para esquecer o desastre que minha vida tinha se tornado gastando todas as minhas frustrações socando um saco de areia.
Como um belo palácio do qual eu não sabia onde ficava nada, eu precisei abrir algumas portas até conseguir achar a que eu procurava. As minhas expectativas foram completamente superadas, Hades tinha o melhor centro de treinamento que eu já vi. Era uma mistura de academia moderna com aparelhos incríveis, um tatame novinho, vários sacos de areia, porém também tinha uma pegada medieval com as lanças, espadas, arco e flechas, escudos e um grande octógono no canto igual ao que você podia ver em uma luta da UFC. Eu fiz questão de usar cada cantinho sem deixar nada de fora, era o mínimo que eu merecia depois do papelão de ontem quando Hades contou tudo para Millie da maneira mais inconveniente. Não era que eu o culpasse pelo que aconteceu, talvez só um pouco, mas eu sabia que existiam melhores maneira das quais Millie poderia saber da verdade. Ela ficaria brava e confusa, mas pelo menos ela ouviria tudo de mim e não só meias verdades que me faziam parecer um monstro. Talvez seja porque você é um monstro, Fávlos., pensei e logo as memórias de tudo que eu fiz e gostaria de esquecer vieram à tona. ”Por que você está fazendo isso?”, ”Eu tenho família! Marido e filhos! ”,”Eu não fiz nada de errado! ” ,”Eu não mereço isso! Por favor, não faça isso! ”,”O que você quer de mim? Eu não sei de nada! Me deixe em paz!”,”Por favor, não mais! Pelo amor de Deus, eu não aguento mais!”,”Você é um monstro!”, “Não chega perto de mim, ”.
Senti meu corpo entrar em frenesi, aumentando a força dos seus socos. Minha respiração começou a ficar ofegante e logo depois uma das minhas mãos entrou no saco de areia, fazendo um buraco no mesmo.
— Você vai ter que pagar por isso. — virei meu rosto para o lado, dando de cara com Hades, com seu terno de veludo vermelho perfeitamente ajustado ao seu corpo e sua expressão séria de sempre. O cara podia ter péssimas habilidades sociais, mas não dava pra negar o quanto ele se vestia bem e era charmoso mesmo sem nem ao menos dar um sorriso.
— Eu tenho certeza que você pode pagar outro, afinal de contas, você também é o deus das riquezas. — respondi, tirando minhas luvas e as jogando no canto. Ele me olhou de cima pra baixo e cruzou os braços em seguida. — Tem alguma razão pela qual você está atrapalhando meu treino?
— Nós precisamos conversar.
— Tudo bem, pode falar.
— Não aqui. Vamos, Asimina preparou um banquete para o café e os outros estão esperando na sala. — antes mesmo que eu pudesse responder, ele se virou e desapareceu do cômodo. Respirei fundo, pegando minha blusa e uma toalha e o seguindo logo em seguida. Quando nós chegamos, todos já estavam. Macy e Millie estavam devorando o café da manhã enquanto Emma conversava com Ares.
— Bom dia, . — Ares disse, fazendo com que todos olhassem pra mim. — Vejo que conheceu a academia de Hades, creio que uma guerreira como você deve ter gostado.
— Dá pro gasto. — respondi, me sentando em uma das poltronas do lado oposto de onde todos estavam. Millie nem ao menos tirou seus olhos da comida, Emma olhava entre nós duas e a única coisa que eu consegui fazer foi respirar fundo enquanto enchia minha xícara de café.
— Afthádis! (Insolente!) — Hades falou enquanto se sentava na poltrona ao meu lado.
— Você sabia que eu entendo grego tão bem como a minha língua materna? — disse, me virando para ele, que apenas riu de lado, se encostando na poltrona atrás dele.
— Eu sei.
— Então, se você quiser falar de mim, que fale na cara sem usar trocadilhos em outros idiomas.
— E qual seria a graça nisso?
— Eu juro que se você...
— Que tal nós acalmarmos nossos nervos e focar na tarefa em questão?! — Ares disse, fazendo com que eu olhasse para ele. Mesmo sendo o deus da guerra, ele parecia querer sempre manter a paz.
— E qual seria a tarefa em questão?
— O Cálice de Heraklees . — Emma engasgou com a comida enquanto olhava para mim.
— O Cálice de Heraklees foi destruído há anos, provavelmente logo depois do Cerco dos Deuses.
— Você sabe que isso é mentira, . — Hades disse, se apoiando em seus joelhos. — Sua família vem procurando por ele há anos, porém sem obter nenhum sucesso. Essa é a razão pela qual seus pais não vivem com vocês, estou certo? Você ficou para cuidar da sua irmã, se certificando de que ela vivesse uma vida normal enquanto eles procuravam pelo Cálice. Entretanto, não se sabe as suas intenções pela qual eles estão fazendo isso, então diga-me, Fávlos, por que seus pais estão atrás do Cálice Heraklees, hein? Tentando voltar para os braços acolhedores de sua família? Está com saudades de ser uma General para os Fávlos?
— Quando falaram sobre os deuses, esqueceram de mencionar o quanto o deus do submundo era arrogante. Você é um babaca, sabia?!
— Vindo de você, é um dos mais dignos elogios.
— O que é o Cálice de Heraklees? — Macy perguntou, fazendo com que todos olhassem para ela. Olhei para Hades esperando que ele abrisse aquela boca enorme e contasse sua versão da história, porém ele apenas continuou comendo enquanto olhava para mim.
— É a história da sua família, você sabe contar melhor do que ninguém. — ele disse, voltando sua atenção para o seu café.
— A primeira família de Fávlos, que era formada pela princesa Alala, seu pai e sua mãe, foi criada por Gaia, o que faz deles semideuses. Devido à guerra, Gaia estava muito ocupada tentando controlar Hades e Zeus para que eles não destruíssem a terra, então ela criou o Cálice de Heraklees, também conhecido como o Cálice da Glória Divina, com as instruções de que os Fávlos deveriam escolher os seus guerreiros para fazer parte do seu exército divino que lutaria contra os deuses. Qualquer um que bebesse do Cálice faria parte da família dos Fávlos com o único propósito de lutar em nome de Gaia a fim de acabar com a guerra. Eles escolheram um vilarejo onde a maioria dos seus moradores era simples e vivia da terra, e começaram a transformar homens e mulheres adultos. Gaia tinha deixado um dos seus Generais, Kostas, para que ele começasse a treinar os guerreiros para a guerra. Depois de alguns meses, Emilio e Lisa, os pais de Alala, já eram considerados realeza pelo vilarejo em que eles moravam e também alguns ao seu redor, eles até moravam em um castelo. Os aldeões os viam como divindades que tinham acabado com as doenças, a fome e tinham dado um presente divino para eles, eles eram considerados deuses da sua própria maneira. — respirei fundo antes de continuar. — As coisas só começaram a piorar depois que eles começaram a ganhar batalhas contra deuses, semideuses e humanos. Os Fávlos tinham sido criados com um propósito e, com o treinamento de Kostas, eles eram os melhores no que faziam. A fome de poder começou a tomar conta deles, especialmente do pai de Alala, Emilio. Ele achava que merecia um lugar no Olimpo por todo o “bem” que ele estava fazendo. O primeiro a sentir a revolta dos Fávlos foi Kostas, ele viu a ganancia tomar conta de Emilio e Lisa e tentou tirar o Cálice deles. Lisa, mãe de Alala e sua melhor aluna, o desafiou para um duelo, e foi nesse duelo que ela descobriu um dos maiores poderes dos Fávlos: o de matar deuses com o seu próprio sangue. Eles sempre souberam que podiam machucá-los, porém não sabiam que podiam matá-los. — olhei de relance para Hades, que segurava sua bengala quase a quebrando no meio. — Lisa começou a sangrar no meio do duelo, os dois acabaram no chão, Lisa então tentou enforcar Kostas, o que fez com que ele fraquejasse, então ela se levantou, banhou a espada de sangue e a atravessou no coração de Kostas.
— Então era assim que você sabia que seu sangue ia enfraquecer Hades. — Millie disse, finalmente olhando para mim. — E depois? O que aconteceu?
— Bem, Lisa e Emilio usavam vinho para transformar os novos Fávlos. Depois que eles descobriram o que seu sangue podia fazer, começaram a usar seu sangue. Os Fávlos ficaram mais fortes, mais letais, e claro, seu exército ainda maior, e se voltaram contra Gaia. — olhei para Millie, que me olhava assustada. — O resto você já sabe, o Cerco dos Deuses, a destruição os Fávlos, Alala fugindo para viver uma vida normal com uma parte da população que não queria ser cúmplice da loucura dos Fávlos.
— O que aconteceu com o Cálice? Eles ainda estão com ele? — Millie perguntou, olhando para mim e depois para Hades. — Ou os deuses ficaram com ele?
— Nós não estamos com o Cálice. — Ares respondeu. — Gaia nunca quis que nós ao menos chegássemos perto desse negócio, é um lembrete diário de um dos seus maiores fracassos.
— Nós achávamos que nós tínhamos destruído quando destruímos os vilarejos dos Fávlos queimando tudo com um dos raios de Zeus. — Hades continuou. — Porém, os nossos associados que vigiam os Fávlos informaram que eles estavam à procura do Cálice. Eu não sei como eles ao menos tiveram a ideia de que o Cálice ainda existe, sempre houve rumores, porém alguém deu a certeza.
— A culpa é minha. — eu confessei, me levantando. — Nossos pais nunca gostaram da história sobre o nosso passado, mas, de certa forma, se não fosse pelo passado de mamãe, ela e papai nunca teriam se conhecido.
— Como assim? Eu pensei que eles se conheceram quando ambos estavam em um sítio arqueológico.
— Não, nosso pai conheceu nossa mãe quando ele estava escrevendo sobre um dos marcos na história grega da qual ainda não se conhecia muito: o Cerco dos Deuses. Nosso pai sempre foi um arqueólogo renomado, escrevendo vários livros, artigos e dando palestras sobre as civilizações antigas. Em uma das suas escavações, ele acabou encontrando um diário antigo de um dos membros da família Fávlos, aparentemente, ele participou da batalha do Cerco dos Deuses e relatou tudo o que aconteceu. Nosso pai ficou obcecado, ele queria de todas as maneiras contar a história onde deuses, humanos se juntaram para acabar com uma nova raça de semideuses criados por Gaia. Ele passou anos pesquisando, viajando o mundo atrás de vestígios sobre os Fávlos, porém nunca obteve sucesso. Nossa mãe tinha se afastado dos Fávlos depois de ver a fome de poder tomar conta do seu pai como tomou conta do rei Emilio, ela não queria fazer parte do seu plano então ela fugiu e decidiu que iria acabar de uma vez com todas com o veneno que envenenava nossa família.
— Ela foi atrás do Cálice.
— Sim, assim como papai, ela passou anos procurando pelos vestígios escondidos na história até que chegou em uma pequena cidade da Itália, a mesma cidade que nosso pai estava. Eles se conheceram quando papai se machucou no meio de uma trilha, nossa mãe o achou com o tornozelo torcido no meio do nada e decidiu ajudá-lo. Eles acamparam na floresta e, segundo nosso pai, ele estava perdido a partir do momento que mamãe sorriu para ele pela primeira vez. Os dois começaram a sua história de amor ali mesmo, se esquecendo até do porquê de estarem naquela cidade em primeiro lugar. Dias se tornaram semanas, semanas meses e, quando os dois se deram conta, não tinha como negar o que sentiam um pelo outro. Pra algumas pessoas o amor é simples, sabe? Eles sabiam que queriam ficar juntos pelo resto da vida, então decidiram ficar naquela cidade pequena, longe da loucura de uma cidade grande, mamãe arrumou um emprego como enfermeira no hospital da cidade enquanto nosso pai começou a dar aulas de história. Eles foram felizes por anos, mas toda felicidade dura pouco. Uns anos depois que eu nasci, os Fávlos vieram atrás de nós. Nosso avô não aceitava o fato da sua única filha não querer nada relacionado ao seu legado. Pra piorar, nossa avó ficou doente, então nossa mãe se viu forçada a voltar para casa, porém mantendo a distância. Nossa mãe nunca se sentiu tão desolada, ela estava certa que estava vivendo um pesadelo, e, pra piorar, ela nunca tinha contado nada sobre o seu passado para o nosso pai. Ela então contou tudo sobre a história da nossa família e no final disse que entenderia se ele fosse embora e me levasse junto, e sabe o que ele disse? Que ele não ia a lugar nenhum, que eles iriam arrumar uma solução para os seus problemas juntos. Ele sempre disse que não iria deixar o amor da sua vida escapar porque ela veio de uma família cheia de problemas. Quem não tem uma família problemática, não é?
— Então eles voltaram a fazer parte dos Fávlos? — Millie perguntou.
— E se eles voltaram, como tudo isso é sua culpa? Você, por acaso, deu a localização do Cálice para ele? — Macy perguntou, com uma tremenda inocência, que meu coração apertou dentro do peito.
— Você ainda era muito nova, nossa avó tinha acabado de morrer e a única pessoa que impedia nosso avô de seguir com o plano de nos colocar no exército dele não estava mais entre nós. Eu me deixei levar pelo luto, pela raiva. Eu sempre pensei que era isso que vovó queria, então eu me deixei corromper pelas ideias dele. — me sentei em frente Millie, olhando para ela, que, para minha surpresa, olhava para mim com uma pitada de compaixão nos olhos. — Mas tudo com os Fávlos tem um preço, e, pra ser aceita novamente, eu precisei contar um segredo.
— Você contou para o nosso avô sobre o Cálice.
— Depois que nossos pais foram praticamente obrigados a voltarem para a família dos Fávlos, eles, juntos, continuaram a procura pelo Cálice. Nossa avó ajudou muito, sempre inventando desculpas para as viagens dos nossos pais e o fato de nosso pai ser arqueólogo já era uma desculpa em si.
— E depois que você contou tudo?
— Nossos pais tentaram fazer com que eu mudasse de ideia, mas naquela época eu estava decidida a fazer parte dos Fávlos. Eles queriam que você fizesse parte também, mas nossos pais recusaram, então eles tentaram prendê-los, porém nossos pais conseguiram fugir com você.
— Quantos anos eu tinha?
— 2 anos.
— Então você tinha 12 anos! Ai meu Deus, ! — Millie disse, assustada. — Quanto tempo você ficou com os Fávlos?
— Eu passei 9 anos servindo ao exército dos Fávlos, eu tinha 20 quando comecei a ver os Fávlos por quem eles eram. — olhei para Hades de relance antes de voltar meu olhar para Millie e continuar: — Hades estava certo que não se vira um General sem fazer algo imperdoável, eu não era General apenas por ser a garota prodígio do nosso avô e herdeira do trono, eu era o exemplo do que os Fávlos deveriam ser: uma guerreira que nunca foge da luta. Eu fiz coisas terríveis, coisas das quais eu não consigo explicar, coisas que até hoje eu não consigo me perdoar por fazer e que me atormentam todos os dias. No começo eu achei que estava fazendo a coisa certa, eu estava protegendo nossa família, sabe? Eu estava me preparando pra proteger nossos pais se um dia os deuses viessem atrás de acabar com nosso legado novamente, então eu não entendia porque eles não queriam ao menos saber da minha existência. — senti uma lágrima descer sobre meu rosto. — Eu comecei a me sentir muito sozinha, as pessoas falavam comigo, mas nunca conversavam ou perguntavam como eu estava. Eu estava rodeada de pessoas dizendo o quão incrível eu era, mas ao mesmo tempo eu me senti completamente sozinha. Emma era a minha primeira-conselheira na época, era a única pessoa que eu confiava, então em uma noite depois de uma garrafa de vodka eu pedi ajuda de Emma pra contatar nossos pais. Demorou algumas semanas, mas ela conseguiu e quando eu os vi na tela do meu computador eu sabia que deveria voltar pra casa.
— Os Fávlos não deixaram você ir livremente, não foi?
— Eu, Emma e nossos pais passamos a tramar um plano pra acabar com os Fávlos de dentro, nós iríamos explodir o lugar inteiro. Não era uma tarefa difícil, a base militar dos Fávlos tinha tudo o que a gente precisava acabar com o lugar. Nosso plano era perfeito, nós passamos meses arrumando os detalhes, mas alguém estava nos vigiando e nós tivemos que adiantar tudo. Emma cuidou da parte de apagar os dados dos computadores e coletar informações importantes liberando um vírus pelo sistema enquanto eu espalhava os explosivos pelo local. Se não fosse por Ezequiel e aquela estúpida quedinha por mim que o fazia sempre correr atrás de mim, eu teria conseguido. Não demorou muito pra ele descobrir o que eu estava fazendo, eu tive pouco tempo pra pensar então eu o deixei comendo poeira no chão desacordado, porém ele já tinha soado o alarme avisando que a base estava em perigo. Emma conseguiu fugir, graças a Deus, e nós conseguimos explodir uma parte da base e atrapalhar muito dos planos futuros do Fávlos.
— Como assim Emma conseguiu fugir? E você, ? O que aconteceu com você?
— Vamos dizer que tudo o que você faz um dia volta pra te atormentar, e eu provei do meu próprio veneno. — eu disse, passando uma das minhas mãos pelas minhas costas. — Emma conseguiu achar nossos pais e juntos eles conseguiram me resgatar. Nós fugimos uma boa parte da nossa vida, não ficando em um lugar por muito tempo, mas nossos pais concordaram que não podiam continuar fazendo isso com você, Millie, você estava crescendo e eles queriam que você tivesse uma vida normal. Emma me contou sobre a cidade maravilhosa da sua avó onde ela estava morando e cuidando da lanchonete da família, tudo parecia certo naquela época, então nós nos mudamos, conseguimos novas identidades e, pela primeira vez, nós formamos uma família e nós estávamos completamente felizes.
— E o Cálice? — Ares perguntou, fazendo com que eu olhasse para ele.
— Nossos pais continuaram a procurar pelo Cálice e por isso passavam uma boa parte do seu tempo viajando. Em uma dessas viagem, os Fávlos acabaram os encontrando e foi aí que eles perceberam que não podiam voltar pra casa. Na tentativa de fugir dos Fávlos, eles acabaram fingindo sua morte, eu discordei da ideia, mas eles achavam que era isso que eles precisavam fazer para os Fávlos saírem da nossa cola. Foi uma das piores mentiras que eu tive que te contar, Millie, mas nossos pais disseram que seria apenas por um tempo até que eles encontrassem o Cálice. Porém, se isso não acontecesse, eu deveria te contar toda a verdade quando você completasse 18 anos.
— Você ia me contar.
— Depois da sua festa de 18 anos, mas eu nunca tive a oportunidade.
— E o Cálice? Seus pais acharam ou não? — Hades perguntou, se levantando.
— Não.
— Então eu sentei aqui, escutando a sua história de vida, pra exatamente nada? — ele virou seu rosto para o lado. — Você esperava que eu sentisse pena de você, Fávlos?
— Eu não esperava que você sentisse nada, deus de meia quinta. — me levantei, apontando o dedo para ele. — Porque eu tenho quase certeza que dentro desse corpo esculpido pelos deuses está faltando um coração. — ele estava prestes a revidar, porém eu continuei: — E, falando em coração, eu tenho uma pergunta pra você: Onde está sua Perséfone? — a feição de Hades mudou na mesma hora, eu jurava que podia ver o fogo dentro de seus olhos pela raiva da qual ele me olhava. Ele se aproximou de mim, trazendo seu rosto pra perto do meu e sussurrou: — Não se atreva, nunca mais, a tocar no nome de Perséfone. Eu juro que, se você ao menos citá-la, eu te jogo dentro de Tártaro. — Hades esbarrou em mim, saindo da sala na mesma hora.
— Eu sei que vocês dois não se gostam, mas você jogou baixo quando trouxe o nome de Perséfone para a conversa. — Ares disse, balançando a cabeça.
— Eu só fiz uma pergunta, até agora eu não vi nenhuma deusa da fertilidade cheia de energia passeando pelo palácio.
— Ah, é claro, os humanos não sabem o que aconteceu com Perséfone.
— O que aconteceu com ela?
— Bem, , essa não é minha história para contar. Se você quiser saber, vai ter que perguntar ao deus do submundo que você tanto adora irritar. — Ares olhou para Emma antes de estalar os dedos e desaparecer.
— Eu detesto quando eles fazem isso. — Emma disse, se jogando no sofá. Balancei a cabeça antes de olhar para Millie e perguntar:
— Você está bem, Melinda?
— É muito coisa pra absorver, não se é todo dia que se descobre que sua vida foi uma tremenda farsa.
— O nosso amor por você nunca foi uma farsa, Millie, a gente só quis te proteger, porém a gente acabou fazendo o oposto.
— Você quis me contar, ? Em todos esses anos mentindo para mim, você ao menos tentou me contar?
— Todos os dias. — respondi, sincera e respirando fundo. — Mas eu sempre achei que teríamos mais tempo.
— Tempo é algo precioso, .
— Eu sei disso agora.
— Nós vamos para o nosso quarto, eu preciso pensar em tudo que eu acabei de escutar. — Millie olhou para Macy, que apenas assentiu. — Vejo vocês no almoço. — elas duas desapareceram pelo corredor e eu me joguei ao lado de Emma.
— Se sentindo melhor?
— Parece que eu tirei um pouco do peso do mundo das minhas costas.
— Você vai contar o resto pra ela? O que os Fávlos fizeram com você?
— Ela não precisa saber o que eu passei, Emma.
— Ela aguenta mais do que você pensa, sabia?
— Eu sei disso, mas eu não aguento reviver tudo o que eu passei novamente. Ainda me atormenta todos os dias o que eu fiz para os Fávlos, e o pior, o que eles fizeram comigo. Eu prefiro que essa parte eu não tenha que contar, Millie não precisa saber que nossa família é feita de loucos. — fechei os olhos e respirei fundo. — Acho que pela primeira vez eu vou conseguir mais de quatro horas em uma noite.
— Uma vitória pra alguém que não conseguia passar das duas, hein?
— Parece que as coisas estão melhorando para o seu lado, . — Emma gargalhou e eu sorri. — Falando em coisas melhorando: o que há entre você e Hades? Dá pra ver faíscas saindo dos olhos de vocês quando vocês estão juntos.
— Ele é um babaca.
— Se você diz.
— O que você está querendo dizer com isso, Emma? — me virei para ela.
— Que esse tipo de química que há entre vocês dois não se encontra em qualquer lugar. Eu realmente não sei se vocês estão a ponto de saírem rolando no chão na porrada ou se vão arrancar a roupa um do outro. É emocionante de assistir!
— E você acha que eu não vi você olhando para a bunda do deus da guerra, hein, senhorita Emma?
— O que eu posso fazer, o cara foi esculpido como um deus, literalmente, e eu sou apenas uma humana que adora apreciar um corpo bem definido de um homem. E pense num homem lindo! — Emma e eu gargalhamos alto.
— Quem imaginaria que nós estaríamos esparramadas em um sofá, em um palácio no submundo, falando sobre deuses, enquanto o mundo ao nosso redor está prestes a desabar.
— Parece que nós achamos um pouquinho de felicidade na miséria, afinal de contas.
— Eu sei! — Millie entrou correndo na sala novamente, fazendo com que eu e Emma nos levantássemos. — Eu sei como a gente pode resolver nossos problemas.
— Do que você está falando, Melinda? — eu perguntei, olhando para ela, ainda um pouco confusa.
— Eu sei como nós podemos achar o Cálice de Heraklees!
Capítulo VI
— O que você disse, Millie?
— Eu sei como a gente pode achar o Cálice!
— Millie, do que você está falando?
— Macy, fala de novo o que você disse. — Millie se virou para Macy, que a olhou a assustada e respondeu:
— O quê? Mas eu não disse nada!
— Macy...
— A tensão sexual entre sua irmã e Hades é visível, qualquer dia desses vamos achar os dois se beijando pelo palácio.
— Não sobre isso, depois disso.
— Emma provavelmente vai seguir o mesmo caminho e tirar uma casquinha de Ares.
— Não, Macy, sobre o Cálice.
— Ah bom, eu disse: não é como se a gente pode falar com a última pessoa que viu o Cálice. — olhei para Emma antes de virar para Millie novamente, a olhando confusa.
— Millie, eu ainda não vejo como isso pode nos ajudar a achar o Cálice.
— Alala Fávlos! Ela está aqui no submundo! Nós podemos falar com ela sobre o Cálice! Nós podemos entregá-lo para os deuses, nossos pais podem voltar pra casa. — Millie jogou seus braços ao redor do meu pescoço, me abraçando forte. — Nós podemos ser uma família novamente!
— Você é um gênio, Millie! — eu disse, beijando suas bochechas. — E você também, Macy! — abracei Macy pelo pescoço e depois me virei para Emma.
— Eu vou falar com Assimina para que ela contate Ares, você vai falar com Hades pra contar a novidade. — Emma disse, começando a se afastar de mim.
— Por que eu que tenho que falar com ele? — perguntei, vendo-as indo em direção à cozinha.
— Porque Macy está certa, um dia desses nós ainda vamos encontrar você e Hades se beijando pelo palácio. E foi você que o irritou.
— Boa sorte, irmãzinha! — as três desapareceram pelo corredor, fazendo com que eu soltasse o ar pela boca. Muito bem, , agora você vai ter que encarar o deus grego que você acabou de irritar. , pensei, começando pelo palácio. O lugar era enorme e mais parecia um museu, eu me peguei passando por corredores cheios de pinturas, salas lotadas de esculturas gregas, e até um corredor enorme com estantes lotadas de livros. As paredes sempre eram decoradas com pinturas que pareciam contar histórias gregas cheia de detalhes em ouro e joias preciosas, a luz que refletia tantos nas joias como nos enormes candelabros no teto, faziam com que o lugar parecesse mágico e de outra dimensão. Talvez não de outra dimensão, mas sim de outro mundo.
Escutei uma música alta vindo do final do corredor cheio de estantes com livros, olhei para o lado dando de cara com uma enorme porta completamente feita de ouro e rubis. Empurrei a porta, escutando a música ainda mais alto do que eu esperava. A sala era enorme, umas das maiores que eu já tinha visto no castelo, mas, ao contrário de muitos cômodos, ela era completamente branca. De um lado, tinham vários desenhos pendurados na parede, alguns completos enquanto outros inacabados; uma bancada longa que quase chegava ao final do cômodo com os mais variados matérias de desenhos, pinturas e escultura. Do outro lado, tinham enormes prateleiras cheias de esculturas de todos os tamanhos, algumas eram miniaturas de algumas esculturas que eu já tinha visto no palácio, outros trabalhos inacabados e alguns canvas. O barulho de serra elétrica fez com que eu andasse um pouco mais, dando de cara com as costas completamente tatuada de Hades, que estava em cima da mesa enquanto a poeira estava ao seu redor fazendo a cena ser digna de filme. Ele colocou a serra elétrica em cima da mesa e logo começou usar um martelo e formão no enorme pedaço de mármore a sua frente.
Eu sabia que não era exatamente o momento para isso, mas eu era apenas humana — ou pelos menos uma parte de mim era — e ver Hades trabalhar aqueles músculos dos quais eu apenas consegui sentir um pouco enquanto nós dançávamos na primeira vez que nos conhecemos fazia com que eu continuasse a me perguntar como seria traçar cada um deles com os meus dedos. A atração era visível, eu não podia negar por mais que eu tentasse, mas como tudo na minha vida não era nada fácil, ele tinha que ser muito mais do que um cara extremamente gato que eu tinha dançado na balada. Ah não, ele tinha que ser um deus grego, especialmente, um que queria ver minha família inteira exterminada da face da terra. Aparentemente, a sorte nunca ia ficar no meu lado mesmo.
— Hades! — eu gritei, porém, minha voz foi abafada por conta da música alta. Andei em direção ao som que se encontrava no canto da parede e o desliguei. — Hades. — ele olhou por cima do ombro e, quando me viu, continuou o seu trabalho completamente me ignorando. — Ei, eu estou falando com você! — ele continuou a bater no bloco de mármore com mais força. Rolei os olhos e logo depois andei em direção à mesa, subindo na mesma, e segurando o seu pulso. Hades olhou para mim com tanta raiva nos olhos que eu jurava que podia ver pequenas chamas em suas írises. Me afastei dele, porém, como nada estava ao meu favor, eu tropecei em uma das ferramentas de Hades, fazendo com que eu me desequilibrasse. Entretanto, antes que eu pudesse cair da mesa, Hades me segurou pela cintura, me puxando para perto. Ele tinha o mesmo cheiro de quando nós dançamos juntos, uma mistura agridoce, os seus músculos eram perfeitamente definidos e, mesmo sem me dar conta, minhas mãos subiram por seus braços.
— Você realmente não sabe quando desistir. — ele sussurrou, se afastando de mim e descendo da mesa. — O que você quer?
— O Cálice. — ele começou a andar em direção a bancada, pegando sua blusa logo em seguida. — Millie acha que Alala pode nos dizer onde encontrá-lo. — ele se virou para mim, abotoando o resto de sua camisa e colocando dentro das calças. — ela foi a única que viu o Cálice quando viva então ela pode dizer onde o escondeu.
— Bem, nós podemos tentar falar com Alala novamente.
— Novamente?
— Você acha que nós não pensamos nisso? Logo quando ela chegou no submundo, nós tentamos de todas as formas que ela dissesse onde ela escondeu o Cálice, mas ela nunca realmente soube por onde começar. — eu desci da mesa, parando em frente a ele. — Alala morou em muitos locais ao redor do mundo, fugindo da sua família e como o mundo que ela viveu anos atrás não é o mesmo, tudo fica um pouco mais complicado. Como seus pais começaram a procurar pelo Cálice, nós decidimos que deixaríamos eles fazerem todo o trabalho e depois pegá-lo de vocês.
— Deixando os outros fazerem o trabalho por vocês.
— Nosso mundo não envolve ao redor da sua família, , nós temos outros afazeres também. — ele disse, começando a andar em direção a saída. Eu balancei a cabeça, começando a segui-lo, Hades seguiu pelo corredor das estantes de livro enquanto eu ia ao seu lado. O silêncio poderia ser cortador com uma faca, mas eu não seria primeira a quebrá-lo, não quando qualquer coisa que eu dissesse poderia ser faísca para o começo de uma briga e realmente não estava a fim de brigar. — Gaia não permitiu.
— O quê?
— Gaia não permitiu que nós chegássemos perto do Cálice. — ele se virou para mim. — O que dá força a sua família, enfraquece a minha. O Cálice foi forjado por Gaia com o sangue dos primeiros Fávlos, , e você sabe o que o seu sangue pode fazer com um deus quando usado com uma arma. — ele se virou para frente e continuou falando: — Ares, uma vez, foi atrás do Cálice, ele e alguns dos seus subordinados e semideuses passaram um tempo vivendo entre os humanos. Ele ficou em uma pequena vila aos redores do que hoje é conhecido como França, ele virou parte de uma comunidade de humanos, ajudava em tudo que precisava, ensinou a alguns deles a lutar. — ele riu sem humor. — Um dia um deles falou que tinha encontrado uma pista sobre o Cálice que ele tanto procurava, Ares ficou extremamente feliz, ele achava que finalmente ele poderia descansar depois de séculos procurando. Quando Ares saiu da sua casa, achou uma boa parte da vila do lado de fora da sua casa e a maioria dos seus ajudantes mortos, os que estavam vivos estavam sendo usados como reféns. — ele parou em minha frente fazendo com que eu olhasse para ele. — Uma parte da vila era formada por membros dos Fávlos, infelizmente não a parte que fugiu com a princesa Alala, e sim a parte que passou uma vida escutando histórias de como seria glorioso tomar o Olimpo e matar todos os deuses. Ares tentou lutar, é claro, mas a maioria das armas usadas contra ele eram armas antigas usada na batalha do Cerco dos Deuses, armas feitas para machucar os deuses. Dos quinze homens que foram com ele, só um voltou vivo.
— Nós nunca escutamos nenhuma história relacionada a uma vila de Fávlos convivendo com um deus.
— É porque eu fiz questão de destruí-los da maneira mais dolorosa possível e desde desse dia Gaia achou melhor que nós, os deuses, ficássemos longe da procura pelo Cálice, mas isso não quer dizer que outros não morreram no nosso lugar. — ele se abaixou, aproximando seu rosto do meu. — Você deve saber bem disso, Fávlos, você executou alguns deles, não foi?
— Eu não tenho nenhum orgulho do que eu fiz, Hades, eu fiz porque eu achava que era coisa certa e se fazer.
— Bem, você está no lugar certo, o inferno está cheio de boas intenções. — ele se virou e desapareceu pelo corredor, me deixando para trás. Eu queria pegar o vaso mais próximo que eu achasse e jogar no meio da sua cara, porém meus pais ainda me deram educação e bater no anfitrião aparentemente era falta de etiqueta, então eu fiz o que eu estava fazendo desde o dia da lanchonete: continuei abstraindo, alegando demência e focando em juntar minha família novamente.
Quando eu cheguei na sala, Hades, Ares, Macy, Millie e Emma estavam reunidos em uma pequena roda no meio do corredor, parei entre Emma e Macy e antes mesmo que qualquer um pudesse falar algo, Hades estalou os dedos. Nós aparecemos em frente a uma casa à beira do lago completamente afastada, todo o barulho da cidade não podia ser escutado, tornando o lugar completamente pacífico. Respirei fundo, fechando meus olhos, apenas sentindo o vento bagunçar meus cabelos, qual tinha sido a última vez que eu tive um momento de paz? Que eu não estava desviando de balas, brigando com deuses, e pensando em planos para simplesmente não morrer? Será que era isso que minha vida seria resumida, a consertar os erros dos outros e os meus também? Será que eu tinha vindo ao mundo apenas pra sobreviver em vez de viver?
— Hades! — a voz de uma mulher fez com que eu abrisse os olhos. Uma mulher, aparentemente da mesma idade que minha mãe, acenava para Hades com um sorriso largo nos lábios e Hades, por incrível que pareça, sorriu de volta e começou a andar em direção à casa. À medida que nós nos aproximávamos, eu podia reconhecer quem era a mulher que o abraçava forte pelo pescoço. As pinturas não faziam jus à beleza de Alala Fávlos, ela realmente parecia que tinha sido esculpida pelos deuses, ela era tão alta quanto Hades, com um rosto angelical e um sorriso doce nos lábios, seus cabelos eram tão escuros quanto os de Hades e estavam presos em uma trança que ia até sua cintura. — É tão bom vê-lo novamente! — ela se afastou dele, olhando para nós. Quando seus olhos pairaram sobre mim, ela andou até mim e logo me puxou para um abraço. — Chairetismoús, kóri mou! (Saudações, minha filha!) — ela se afastou de mim, segurando meus ombros. — eu estava esperando por você, . Vamos, entrem. — Alala entrou em sua casa junto com seu marido e logo todos os seguiram. Emma olhou para mim, que apenas assenti com a cabeça, e nós seguimos para dentro da casa de Alala. Hades estava encostado em um dos móveis ao lado de Ares enquanto Macy e Millie se sentavam em um dos sofás. — Este é Dimitri. — ela apontou para o seu marido, que nos cumprimentou. — E então, o que eu posso fazer por vocês?
— Nós estamos atrás do Cálice de Heraklees. — Macy disse, fazendo com que Alala se virasse para ela. — E como você foi a última pessoa a vê-lo, nós pensamos que você poderia dar uma dica de onde ele esteja.
— Macy, correto? — ela se virou para Macy, que apenas assentiu a cabeça. — Eu nunca tive uma irmã, meus pais achavam que uma herdeira já era trabalho demais. Eles achavam que dividir sua atenção com outra criança atrapalharia seus planos de moldar a guerreira perfeita. Me diga, Macy, você chegou a servir aos Fávlos?
— Só por cima do meu cadáver. — eu disse entre os dentes.
— Eu não sabia nada sobre os Fávlos até alguns dias atrás. — Macy respondeu.
— Por quê?
— nunca me disse nada sobre a nossa família.
— E você sabe o que porquê disso?
— Porque eles são, literalmente, perversos. O tipo de familiar que você quer manter a distância. — Alala sorriu e se virou para mim, levantando-se.
— Eles fizeram o mesmo com você, não fizeram? — ela parou em minha frente, fazendo com que eu desse um passo para trás.
— Eu não sei do que você está falando. — ela apenas sorriu e segurou meu braço, empurrando minha blusa para cima até a parte do meu cotovelo.
— Na minha época eles não tinham agulhas, então eles usavam facas. — ela mostrou as marcas de corte em seus braços, fazendo com que eu tocasse em minhas costas involuntariamente. — Eu me lembro até hoje do dia que meu pai me chamou no salão real e pediu que eu me sentasse, eu achei que finalmente eu me tornaria um General como minha mãe, porém logo os seus soldados apareceram. Enquanto eles me amarravam na cadeira, meus pais diziam que era pro bem da nossa família, da nossa raça, e então ele me deixou sangrar até quase morrer. Ele quase deixou sua própria filha morrer pela sua ganância por poder. — ela se sentou e seu marido se sentou ao seu lado. — Foi nesse dia que eu decidi que eu não queria fazer mais parte daquela família, eu me juntei a Dimitri e alguns outros que não queriam fazer parte daquilo e nós fugimos. — ela olhou para Hades e depois para mim. — Com o Cálice de Heraklees conosco, é claro.
— Então você sabe onde ele está?
— Sinto lhe dizer, , mas para essa pergunta eu não tenho resposta. Faz anos que nós escondemos o Cálice, mesmo que eu pudesse te dar uma pista, o mundo já mudou muito desde que nós o habitamos. Porém, eu posso lhe dar uma pista onde ele possa estar. — Alala se levantou, indo em direção a um dos armários em sua sala, de lá ela tirou um caderno e me entregou. — Entretanto, eu acho que posso ajudar, eu tenho desenhado o que eu consigo lembrar dos meus anos na terra, então eu tenho alguns cadernos dos quais vocês podem começar a sua procura, neles eu anotei alguns dos locais que nós passamos enquanto fugíamos dos Fávlos, alguns dialetos que nós aprendemos, e principalmente desenhei paisagens. — ela abriu o caderno e disse: — Esse é o lugar no qual nós escondemos o Cálice. — olhei para o mesmo, vendo um desenho um pouco antigo, porém muito bonito, devo ressaltar, do que parecia um círculo no meio de uma floresta. — Na época, enquanto passávamos por uma aldeia a maioria dos seus habitantes tinham medo de uma certa parte da floresta por conta de uma lenda. Aparentemente, quem passasse por essa ponte que, com o reflexo da água, formava um círculo, seria amaldiçoada e nunca mais voltaria para casa. Na época, era conhecido com a Ponte das Lamentações, reza uma lenda que uma antiga bruxa tinha se apaixonado por um fazendeiro. O amor dos dois era proibido, já que ele não poderia namorar uma bruxa e ela não poderia ficar com ninguém fora do seu clã. Os dois tentaram fugir, porém o seu clã, se sentindo traído por ela escolher um mortal a elas, a fizeram assistir enquanto matavam o fazendeiro e a amaldiçoaram para que ela nunca mais voltasse para casa e revivesse todos os dias a morte do seu amado. Os seus lamentos podem ser ouvidos todos os dias depois que o sol se põe.
— Encantador. — Millie disse, fazendo com que Macy lhe desse um esbarrão. — O quê? Desde que a gente chegou no submundo não tem uma história que tenha um final feliz.
— Deve ser porque, pro bem prevalecer, o mal tem que aparecer de vez em quando. Esse não é um final, Melinda, é um dos obstáculos para um final feliz. E pode apostar, seus pais e sua irmã estão lutando por isso faz anos. — ela olhou por cima do meu ombro. — E não só eles, Hades e Ares tem lutando para isso também, se não fossem deuses suas aparências seriam de cansados. — ela se virou para mim novamente. — Espero que eu tenha ajudado, creio que é só disso que eu lembro.
— Você foi de grande ajuda, Alala, nós agradecemos muito tudo o que você fez. — Hades disse, fazendo com que eu olhasse para ele com os olhos arregalados. — O quê?
— Não sabia que você podia tratar “Fávlos” com o mínimo de respeito.
— Alala já provou que não é como o resto da sua família.
— E eu, por acaso já provei que sou como o resto dela? — me levantei, cruzando os braços.
— Bem, se nós contarmos os anos que você serviu a eles, as coisas que você fez de livre e espontânea vontade, especialmente pra conseguir sua patente de General. Não deveria se admirar nem um pouco eu não confiar em você, aliás, acho que é o mínimo que eu devo fazer. — ele deu um passo na minha direção. — Eu sei do que você é capaz, então pode ter certeza que vou dormir com um dos meus olhos bem abertos.
— Ei, olha o jeito que você fala com minha irmã! — Millie disse, ficando na minha frente e encarando Hades. — Ela já provou que quer acabar com os Fávlos tanto quanto você, ainda digo que ela quer muito mais, levando em conta o que eles a fizeram passar todos esses anos, então deixa de tratá-la como se ela fosse a única culpada. Se teve uma coisa que eu aprendi nesses últimos dias é que você tem tanta culpa quanto ela, afinal de contas, foi você e os seu irmão que começaram a destruir tudo com a briguinha de vocês, fazendo com que Gaia criasse uma inteira legião de novos humanos. — Millie saiu da casa de Alala sem olhar para trás, esbarrando em Hades no meio do caminho. Ele olhou para mim, com um sorriso de lado e disse:
— Parece que nem tudo está perdido, , sua irmã ainda te ama muito a ponto de te defender com unhas e dentes. Me agradeça depois. — e assim ele se virou, indo em direção à saída também. Ares balançou a cabeça enquanto Macy estava de boca aberta e Emma sorria de lado.
— Lembre-se, . — Alala disse, fazendo com que eu me virasse para ela. — Você tem que destruir o Cálice quando o encontrar. Só você pode destruí-lo.
— Do que você está falando?
— Você, Fávlos, é minha herdeira.
— Da última vez que eu chequei, existe uma família inteira de pessoas com o mesmo sangue que nós duas.
— Oh, ! — ela acariciou meu rosto. — Em nossa linhagem, a cada geração, alguns dos membros da nossa família nascem com um propósito. O meu propósito, na minha época, sempre foi lutar e, como eu era a melhor no que eu fazia, meu nome Alala era usado como um grito de batalha usado nas guerras. “Alala, Alala!”, eles gritavam enquanto eu os guiava para combates onde nós matávamos milhares de inocente em nome do poder e da ganância dos meus pais. Por anos eu senti vergonha do meu próprio nome, de toda a dor e sofrimento que ele causou a tantas pessoas.
— Como você pode ter tanta certeza que eu sou sua herdeira?
— Porque você nasceu exatamente no dia em que eu morri. — Alala se afastou de mim. — Quando eu cheguei no submundo, Gaia me recebeu agradecendo tudo o que eu fiz para ajudá-la a acabar com os Fávlos, porém ela também me avisou que a história iria se repetir. Ela disse que, enquanto o Cálice de Heraklees existir, os Fávlos não poderiam ser derrotados, eles arrumariam um jeito de se reerguer toda vez que fossem derrotados. O Cálice foi o que os criou, enquanto ele existir, não importa quantas batalhas você lute, , você nunca vai vencê-los de verdade. — ela segurou meus ombros e continuou: — Você tem que continuar o que eu não pude, , você tem que destruir o Cálice e colocar o fim em toda o sofrimento que eles trouxeram.
— E se eu não o fizer?
— Impossível! Você tem algo que nenhum dos Fávlos tem: um motivo para lutar. Você luta para que sua família possa se reunir outra vez, para que sua irmã não tenha que sofrer o que você sofreu, para que ela tenha a vida normal que você nunca teve a oportunidade de ter. Você luta por uma causa nobre, , e por isso, eu tenho certeza que você não vai parar de lutar até que você consiga acertar todos os erros que você cometeu quando estava no exército dos Fávlos.
— Você tem muita fé em alguém que você não conhece.
— Eu me vejo em você, , não é à toa que você herdou todos as minhas habilidades.
— Eu espero que você esteja certa. — eu sorri, estendendo minha mão para ela. — Foi um prazer te conhecer, você é uma lenda entre os Fávlos, mesmo fugindo e levando o Cálice, eles contavam histórias de uma das melhores lutadoras que eles tiveram.
— O prazer é meu em te conhecer, . — eu estava prestes a sair da casa de Alala quando me virei para ela e disse:
— Eu vou fazer de tudo para colocar um fim nos Fávlos, eu te dou minha palavra, Alala. — eu saí da casa de Alala, vendo que todos já tinha ido embora. Ótimo, eu teria que andar em direção ao palácio de Hades porque o deus do submundo não teve a decência de me esperar. Ele realmente me odeia!, pensei começando a andar em direção aos portões da saída da pequena vila. Por trás das colinas eu podia avistar o palácio de Hades, o lugar não ficava muito longe e uma boa caminhada me faria muito bem, especialmente com a brisa calma e o silêncio que você só podia encontrar fora da cidade grande. Eu nunca tive medo morrer, pra falar a verdade, eu nunca ao menos pensei na possibilidade, já que desde que eu me conheço por gente que eu sabia que não era como as outras crianças. De alguma maneira, eu sempre soube que era diferente e achei que estava destinada a coisas extraordinárias. Era um sentimento que eu nunca consegui explicar, algo que eu nunca compartilhei com ninguém, nem ao menos com os meus pais, eu apenas sabia que existia um lugar especial no mundo para mim.
Quando eu conheci os Fávlos e eles me chamaram pra fazer parte da sua família, eu achei que tinha encontrado o lugar que eu pertencia, eu estava prestes a fazer algo nobre e me tornar uma guerreira como muitas mulheres antes de mim para proteger minha família. Eu seria extraordinária e traria honra para o meu nome como muitos fizeram, e por anos eu acreditei que tudo o que eu tinha feito pelos Fávlos era algo certo, o que eram alguns das inúmeras atos desumanos que eu fiz em nome de proteger o meu próprio sangue se o resultado seria algo bom para a minha família. Os fins justificam os meios, não é isso que eles diziam? E se os Fávlos estavam a um passo de alcançar a glória por que só não aguentar mais um dia.
Entretanto, dias viraram semanas, semanas viraram meses e meses, anos. Até que um dia eu me olhei no espelho, coberta de sangue, e não me reconheci. Qual tinha sido a última vez que eu tinha feito algo que não fosse viver em função dos Fávlos? Quando tinha sido a última vez que eu tinha feito algo pra mim? Algo do qual eu queria e não que fosse minha obrigação? E por que, por todos os deuses, eu continuava fazendo a mesma coisa o tempo todo, mesmo que me matasse cada vez mais por dentro? Foi naquele momento que eu percebi que os fins não justificavam os meios, e nada justificava as coisas imperdoáveis que eu tinha feito e, mesmo que uma parte da minha alma já estivesse perdida, eu lutaria para salvar a outra metade e só tinha uma coisa que eu precisava fazer me salvar: acabar com os Fávlos. Por anos eu tentei e por anos eu falhei, talvez agora com a ajuda dos deuses eu consiga finalmente.
O barulho de chacoalho correu pelo gramado quando eu avistei os portões do palácio, olhei ao meu redor não vendo nada além de árvores e gramados. Continuei andando em direção aos portões do palácio, já tramando um plano caso ele não abrisse com apenas um empurrão. Um grito fez com que eu parasse de mexer no portão e me virasse para trás, arregalei os olhos quando dei de cara com uma mulher, pra falar a verdade, uma criatura que era metade mulher e metade cobra. Ela era maior do que eu e seus cabelos eram pequenas serpentes que tinham olhos tão pretos como os dela, ela sorriu para mim mostrando seus dentes afiados.
— Den prépei na eíste edó. (Você não deveria estar aqui.) — eu sabia exatamente o que ela era, uma górgona, por isso abaixei minha cabeça.
— Oúte eseís. Tóso oi dýo xechnoún óti vlépoume o énas ton állon kai synechízoume me ti zoí, emás? (Você também não. Então que tal nós duas esquecermos que nos vimos e seguirmos com a vida, hein?)
— Xéro poios eísai, i Fávlos, o Hades boreí na me synchorísei an se féro se mia asiménia piatéla. (Eu sei quem você é, Fávlos, Hades pode até me perdoar se eu lhe trouxer para ele em uma bandeja de prata.) — escutei o barulho da sua cauda arrastando na grama, fazendo com que eu fechasse os olhos.
— Koíta me, ! (Olhe para mim, !) — senti suas mãos escamosas segurarem meus ombros e logo suas garras penetrarem meus ombros. — Koíta me! (Olhe para mim!)
— Óchi (Não!) — eu disse e ela apertou mais suas mãos, fazendo com que suas garras entrassem mais em minha pele. Eu tentei resistir, porém a dor era insuportável e logo soltei um grito.
— Tha me koitás, , kai ótan to káneis tha se metatrépso se pétra, óste na eísai éna apó ta agálmata tou Ádi. (Você irá olhar para mim, , e, quando você o fizer, eu te transformarei em pedra para que você seja uma das estátuas de Hades.) — todo o meu corpo ficou sonolento e logo meus joelhos cederam, fazendo com que eu caísse no chão. — Aftó eínai gia ton Hades! (Isto é por Hades!) — senti suas garras penetrarem minha barriga, fazendo com que eu gritasse novamente.
Um uivo ecoou pelo campo e logo depois o grito da górgona. A falta da sua presença à minha frente fez com que eu abrisse os olhos. A primeira coisa que eu vi foi o sangue estampar toda a minha camisa, tanto na parte do meu abdômen como nos meus ombros descendo em direção aos meus braços. Olhei para frente dando de cara com a górgona sendo estraçalhada por um enorme cachorro de três cabeças. Oh, o famoso Cérbero, companheiro do deus do submundo.
— ! — Hades apareceu ajoelhando em minha frente enquanto segurava meu rosto entre suas mãos. — , fique acordada! — ele disse, porém meus olhos começaram a ficar pesados. — !
— Cuidado para não gritar tão alto, alguém pode escutar e achar que você se importa com um dos Fávlos. — eu sorri sem humor.
— Não é hora para piadas, .
— Me parece um momento perfeito. — dei uma pequena gargalhada, mas logo grunhi. — Merda! Garras afiadas essa górgona tem.
— Por que você não ficou com Alala, ? Eu já estava indo te buscar!
— Eu pensei que você tinha me deixando para trás. — eu comecei a tossir e logo senti o gosto de metal na minha boca.
— Vamos, nós temos que te levar para dentro do palácio. — Hades me pegou em seu colo e logo eu passei meus braços ao redor do seu pescoço.
— ?
— Sim?
— Você tem o melhor cheiro agridoce que eu já senti, que pena que eu não provei seus lábios pra saber se eles têm o mesmo gosto.
E logo depois, tudo ficou preto.
Capítulo VII
Acordar com uma ressaca não era nenhuma novidade pra mim, mesmo com as habilidades incríveis de ser uma semideusa, parecia que uma boa bebida era a criptonita para qualquer. Foram poucos momentos da minha vida que eu me deixei levar pela insistência de Emma por uma noite de folga onde eu esquecia tudo de complicado da minha vida e acabava caindo nos encantos de uma bela bebida doce, a música alta e acabava bebendo muito mais do que eu esperava. O arrependimento sempre vinha na manhã seguinte quando eu abria os olhos e sentia minha cabeça latejando, pior ainda quando eu tinha que levantar para trabalhar. Entretanto nenhuma ressaca no mundo era comparada a dor que eu sentia no momento, eu seinta como se um caminhão tivesse passado por cima de mim repetidamente, todo o meu corpo doía, — alguns lugares muito mais do que outros — e a minha cabeça pulsava como se alguém tivesse a martelando sem parar.
Fiz uma careta ao tentar abrir os olhos, a claridade fez com que eu a tapasse com a mão, algo que logo descobri ser uma péssima decisão pois todo o meu corpo pulsava com o desconforto que eu sentia. Quando eu consegui abri os olhos, a primeira coisa que eu percebi foi que aquele quarto não era o meu. O meu primeiro instinto seria pular da cama e fugir, porém meu corpo doía demais e a cama estava bastante confortável. Foi então que me dei conta de que eu estava muito longe do meu apartamento e estava hospedada em um palácio no submundo onde o dono do palácio, o deus do submundo, era meu anfitrião e não gostava nada de mim. E como eu poderia esquecer da górgona que tinha me atacado quando eu estava nos portões do palácio?
Eu tentei me levantar da cama, porém eu senti um peso sobre minhas pernas fazendo com que eu olhasse para baixo. Arregalei os olhos quando eu dei de cara com um cachorro Doberman preto deitado sobre minhas pernas, ele me olhava curioso e, quando viu que eu estava acordada, logo se levantou, se aproximando do meu rosto e começando a me lamber. Escutei um latido, fazendo com que eu virasse meu rosto dando de cara com outro Doberman ao pé da minha cama me olhando de lado e com a língua para fora. Logo eu estiquei minha mão, começando a fazer carinho nele enquanto o outro parecia ter perdido o interesse em mim e se deitou ao lado das minhas pernas.
Me sentei na cama e logo eu avistei outro Doberman começando a andar em direção à cama. Ele pulou em cima da mesma, colocando a cabeça em meu colo e eu logo comecei a fazer carinho nele também.
— Vocês são adoráveis! Quem são vocês, hein? E o que vocês estão fazendo aqui comigo? — Eu perguntei, porém a única resposta que eu obtive foi um latido. — Bem, minha mãe sempre me ensinou que, se você não sabe, trate logo de procurar as respostas. — Me levantei da cama sentindo um pouco tudo girar, fazendo com que eu me apoiasse na cabeceira. Quando eu senti que já conseguia andar sem nenhum perigo de cair, prossegui em direção à porta. Quando eu saí do quarto, todos eles vieram atrás, um deles foi em minha frente como se estivesse me guiando em direção às respostas que eu tanto queria enquanto os outros dois ficavam um de cada lado. Parecia que eles conheciam o lugar bem melhor do que eu e, em questões de minutos, nós estávamos entrando no corredor principal que dava em direção à sala de estar.
— E por que ela está em seu quarto, irmãozinho? — Escutei a voz de Ares quando me aproximei da sala. — Pelo que eu saiba, ela tem seu próprio quarto.
— Eu já te disse: o meu quarto é o mais seguro do palácio, ela ficará mais segura lá. — Escutei a voz de Hades responder. — E eu não te devo satisfação nenhuma, o palácio é meu, eu faço bem o que eu entender.
— Se você diz. — Ares respondeu e, mesmo sem vê-lo, eu sabia que ele tinha um sorriso no rosto.
— Que tal nós vermos como ela está? Já faz cinco dias que ela está desacordada. — Uma voz que eu não conhecia disse.
— Eu apaguei por cinco dias? — Perguntei, entrando na sala. Os três homens presentes se viraram para mim.
— , que prazer em vê-la acordada! Como você está se sentindo? — O cara do qual eu nunca vi na minha vida se levantou e começou a andar em minha direção, porém ele nem ao menos conseguiu dar dois passos pois os três cachorros se posicionaram a minha frente começando a rosnar para ele. — Tudo bem, eu entendi o recado. — O cara se afastou, se sentando na poltrona mais longe. — Como você está se sentindo, ?
— E quem é você?
— Eu sou Esculápio, deus...
— Deus da medicina e cura. Eu sei quem você é.
— Agora que você já sabe quem eu sou, pode responder minha pergunta?
— Eu sinto como se um caminhão tivesse passado por cima de mim. — Me sentei na poltrona atrás de mim. — O que pra mim é uma novidade, já que, como você mesmo deve saber, eu não sou uma mera humana.
— Sim, uma Fávlos. Não uma mera humana, mas uma semideusa. — Ele apoiou seus cotovelos no joelho. — , você sabe como nós matávamos Fávlos no Cerco dos Deuses?
— Como eu estou com preguiça de pensar e deuses adoram longas explicações, eu apenas irei perguntar: como?
— Nós usávamos o veneno de algumas criaturas consideradas por nós letais até para os deuses, as górgonas eram nossas principais fornecedoras. Nós fizemos um acordo em que elas poderiam viver suas vidas em paz em uma das florestas aqui no submundo se elas nos fornecessem seu veneno. Foi um acordo que durou durante séculos, porém nem todas elas apreciaram as cláusulas do nosso acordo.
— E você as culpa por isso? Quem gosta de viver como uma prisioneira em um lugar que está longe de ser sua casa?
— Elas não eram prisioneiras, , elas poderiam ir e vir como qualquer outra criatura que vive no submundo. É nas diferenças que achamos um balanço para conviver, sem falar que, antes do nosso acordo, elas não tinham um lugar pra chamar de lar e viviam fugindo. Caçar górgonas era o esporte favoritos dos semideuses, especialmente dos mais jovens. — Hades respondeu, fazendo com que eu olhasse para ele. — Aqui, elas têm suas próprias casas e nós não interferiríamos em suas questões, tudo o que era pedido em troca era o respeito às outras criaturas e aos habitantes da vila. Entretanto, como em toda sociedade, existem alguns membros os quais não aceitam as regras e decidem se rebelar. Um pequeno exército de górgonas atacou os centauros, deixando alguns feridos. Nós conseguimos capturar algumas, mas, como você sabe, o submundo é um lugar muito grande e nós não conseguimos pegar todas. Faz algumas semanas que nós as procuramos, Cérbero estava seguindo o seu rastro até que nós o perdemos. Umas das minhas guardas mandou uma mensageira avisando ter avistando uma górgona nos arredores do palácio, por isso eu trouxe todos logo enquanto você conversava com Alala. Eu pensei que vocês demorariam e eu nunca imaginei que você andaria até o palácio.
— Eu pensei que você tinha me deixado para trás.
— Eu não faria isso, . — Hades disse balançando a cabeça e a única coisa que eu consegui fazer foi ficar calada. — As górgonas mandaram as suas sinceras desculpas pelo ocorrido, infelizmente, você estava desacordada quando isso aconteceu.
— E a górgona que me atacou?
— Cérbero tomou conta dela. — Hades apontou para os cachorros ao meu redor e logo arregalei os olhos.
— Cérbero? Esses cachorros são o tal famoso Cérbero? Eu pensei que ele fosse só um com três cabeças.
— Cérbero muda sua aparência de acordo com a situação, quando ele se sente ameaçado ele é Cérbero que os humanos tanto conhecem, mas normalmente eles preferem ficar separados. Três personalidades fortes no mesmo corpo não é muito bom para as minhas esculturas ao redor do palácio.
— Como um Super Sayajin. — Ri sem humor, fazendo carinho em um dos cachorros enquanto Hades me olhava confuso. — Você realmente precisa se atualizar sobre algumas coisas da cultura pop ao redor do mundo, Hades. — Me levantei, estendendo minha mão para o médico. — Muito obrigada pela ajuda.
— Foi um prazer, , como eu disse, você é muito famosa entre os deuses, mesmo sendo do lado do inimigo. Em um campo de batalha, alguém como você seria de grande ajuda.
— Espero que não precise chegar a esse ponto. — Vi Esculápio ser acompanhado para fora do palácio e logo depois me virei para Hades e Ares.
— Enquanto fico feliz que você tenha acordado, , eu ainda tenho muito o que fazer antes da festa. Vejo vocês mais tarde. — Ares disse, dando um beijo em minha bochecha antes de sair da sala.
— Festa? — Perguntei, olhando confusa para Hades. — Que festa?
— A minha, é o meu aniversário hoje. — Ele respondeu, colocando suas mãos para trás. — Você pode vir, se quiser. Emma, Millie e Macy estão com Afrodite nesse momento escolhendo o que usar. Afrodite foi a única que conseguiu que elas saíssem do seu lado, junto com Cérbero, é claro.
— Nunca em meus sonhos mais loucos eu pensaria que Cérberos, na verdade, são muito mais dóceis do que as histórias dizem. — Acariciei a cabeça de um dos cachorros fazendo com que os outros pulassem em cima de mim. — Calma, garotos, eu sou só uma. — Parecia que o meu comando não adiantou de muito, pois eles continuaram pulando tentando alcançar meu rosto, fazendo com que eu começasse a me afastar. Eu não sei se eles agiram com segundas intenções, porém, logo que eu abri os olhos, dei de cara com Hades a alguns centímetros de mim.
— Eles são extremamente mimados. — Aparentemente nenhum deles gostou do comentário de Hades e logo depois os três estavam em cima dele, tentando lamber seu rosto. Diferente de mim, Hades se deixou levar pelos cachorros e logo estava no chão brincando com eles e eu me peguei olhando para ele com um sorriso no rosto.
— ! — Escutei meu nome e logo me virei, dando de cara com Millie correndo até mim enquanto segurava a barra do seu vestido. — Que bom que você está bem! Nós ficamos tão preocupadas com você, por um momento eu pensei você não acordaria.
— Você não vai se livrar assim de mim tão rápido. — Millie me abraçou ainda mais forte.
— Eu não quero me livrar de você, , você é a minha melhor irmã. — Ela se afastou de mim.
— Millie, eu sou sua única irmã.
— Mas não quer dizer que você não seja a minha favorita. — Os olhos de Millie se encheram d’água e logo ela me abraçou forte pelo pescoço novamente. — Desculpa ter sido a pior irmã de todo o universo e não ter te escutado. Emma me contou tudo o que você fez, especialmente para que eu tivesse uma vida normal. — Olhei para Emma, que apenas deu de ombros. — Não se preocupe, ela não contou nada sobre o seu tempo com os Fávlos, isso ela disse você deveria contar. — Millie se afastou de mim. — Você vai me contar, não vai, ? Você vai me contar absolutamente tudo que aconteceu com você enquanto estava com os Fávlos, certo?
— Millie...
— Eu não sou mais criança, , e está mais do que na hora de eu saber de tudo.
— Você sabe do que importa, Millie, não há nada mais a ser dito.
— Além da tensão sexual, eu também posso sentir o cheiro da mentira do outro lado do palácio. — Uma voz da qual eu nunca escutei fez com que eu olhasse por cima do ombro de Millie, vendo a mulher mais bonita que eu vi na minha vida entrar na sala. Ela parecia que tinha saído diretamente dos anos 80, exalando a energia de uma das supermodelos da época. Para ser completamente sincera, ela era parecia Imman, uma das primeiras modelos negras de sucesso na indústria da moda. Ela andava em nossa direção como se flutuasse no ar e com um sorriso de orelha a orelha, eu senti minhas bochechas queimarem quando seus olhos pairaram sobre mim.
— É um prazer finalmente conhecê-la, Fávlos. — Afrodite me abraçou forte pelo pescoço. — Está se sentindo melhor? — Eu apenas consegui assentir a cabeça. — Bem, eu não esperava menos, dormindo em uns dos melhores cômodos do palácio. — Afrodite deu uma piscadela para Hades, antes de passar o braço por meus ombros. — Agora vamos, nós precisamos de um tratamento grego completo antes da festa.
— Como assim “tratamento grego completo”? — Perguntei, olhando para ela. Afrodite apenas sorriu, me levando pelos corredores do palácio.
O tratamento grego completo que Afrodite falou era mais conhecido no mundo dos humanos como um “Dia de Spa”. Eu até tentei dizer que não precisava tudo isso, que uma maquiagem bastava, porém, quando uma das ninfas assistentes de Afrodite começou a fazer massagem em meus ombros e eu senti as tensões de anos desaparecerem aos poucos, eu apenas fechei os olhos e aproveitei. Agora eu entendia completamente porque Millie me fez gastar uma fortuna em um dia de spa para ela em seu aniversário de 16 anos, não tinha nada melhor do que simplesmente não ter um pingo de preocupação durante o dia e apenas relaxar. Quando tinha sido a última vez que eu tinha relaxado? Que eu simplesmente não tinha que traçar rotas de fugas em todo lugar que eu ia? Que tinha uma noite de sono não interrompida por um pesadelo terrível?
E foi no meio dessa análise dos últimos anos da minha vida que eu percebi que em nenhum momento eu realmente me deixava descansar e quando eu dormia a única coisa que se passavam pela minha cabeça eram pesadelos onde eu perdia toda a minha família. Os dias que eu passei desacordada depois do ataque da górgona foram os primeiros em que eu realmente descansei e talvez fosse por isso que eu me sentia até um pouco mais leve. E o mais assustador de tudo? Eu queria mais dias como esse, sem preocupação, sem medo, sem imaginar que o pior estava perto a acontecer. E para isso eu precisava achar aquele cálice e destruí-lo.
— Senhorita? — Abri os olhos, virando o rosto para Alyssa, a ninfa que me ajudava. — A festa já começou, então acho melhor colocarmos seu vestido.
— Mas já? — Me afastei da beira da banheira, olhando para ela. — Será que eu não posso ficar aqui? Eu tenho certeza que ninguém vai perceber se eu não for.
— Aí que você se engana, senhorita, toda criatura, do submundo até o monte Olimpo, sabe que você está aqui. — Alyssa estendeu a toalha para mim enquanto eu me levantava.
— Se alguém quiser me matar, já sabe onde me encontrar. — Segui Alyssa até meu quarto, a primeira coisa que eu vi foi o vestido mais lindo que eu já tinha visto. Ele era longo, de ombro a ombro, a parte de cima era um espartilho de renda que se completava com a parte da saia bufante.
— Oh, ! — Millie entrou em meu quarto com duas ninfas segurando a barra do seu vestido. Ela parecia que tinha saído de um conto de fadas da Disney, seu cabelo estava em coque frouxo e uma coroa de flores enquanto ela usava um vestido sem alças branco com detalhes de flores coloridas. — Como estou?
— Oh, pirralha, você está linda. — Eu disse, a abraçando pelo pescoço.
— Afrodite tem um gosto peculiar. — Ela olhou por cima do ombro vendo o meu vestido. — Mas o meu vestido não se compara ao seu.
— Afrodite escolheu esse vestido especialmente para a senhorita . — Alyssa andou em direção ao vestido enquanto eu colocava minha lingerie. — Ela disse que ele lhe cairia perfeitamente bem. — Alyssa parou em minha frente com o vestido, eu segurei em seus ombros enquanto colocava meus pés dentro do vestido. Ajudei a levantá-lo enquanto me virava para o espelho. Alyssa sorriu para mim pelo reflexo do espelho, porém logo ela arregalou os olhou e suspirou alto, ela olhou para mim novamente antes de voltar sua atenção para o zíper.
— O que foi, Alyssa? — Millie perguntou. — Você fez a maior cara de assustada agora.
— Nada, senhorita Millie.
— Não pareceu nada. — Millie andou em direção até onde Alyssa estava e logo eu vi seus olhos se arregalarem e encherem d'água.
— Oh meu Deus, , o que aconteceu com você? — Millie tocou nas cicatrizes em minhas costas.
— Você lembra quando eu disse que provei do meu próprio veneno quando eu fugi dos Fávlos? — Me virei para ela, olhando para o reflexo das minhas costas no espelho. — Os Fávlos me torturaram por um bom tempo quando descobriram a minha traição, vamos dizer que eles não são compreensivos quando você não concorda com os planos diabólicos deles. — Andei até Millie, segurando-a pelos ombros. — Você entende agora por que foi e ainda é tão difícil contar tudo pra você? Por que em todos esses anos eu não te contei a verdade? Eu nunca quis que você soubesse o quão desprezível são os membros da nossa família e acima de tudo eu nunca quis que você desperdiçasse sua vida do mesmo jeito que eu fiz. — Me separei dela, sentando no banco em frente ao espelho. — Eu passei uma parte da minha infância e da minha adolescência dando a parte mais sórdida de mim para eles, eu torturei, matei, cacei pessoas como se elas fossem menos que nada e sabe o pior de tudo? Eu nunca senti um pingo de remorso, eles eram apenas empecilhos que precisavam ir embora.
— E como foi que você conseguiu sair disso, ?
— Nossos pais nunca desistiram de mim e, depois que você nasceu, eles temeram que o mesmo pudesse acontecer com você. Nossa avó, Agnes, viu o monstro que eu tinha me tornado e decidiu que nosso avó, Eryx, tinha ido demais. Eles brigavam constantemente porque ela queria que ele esquecesse toda essa história de cálice e vingança contra os deuses, e, quando ela não viu salvação para a alma dele, ela foi atrás de alguém que ela poderia salvar: eu. A única coisa que eu posso dizer é que eu agradeço todos os dias por nossos pais, nossa avó e Emma por nunca terem desistido de mim, eu realmente não sei onde eu estaria se não fossem por eles.
— Eu não tinha ideia de tudo isso, .
— E, se depender de mim, você nunca vai nem ao menos respirar o mesmo ar que os Fávlos, Millie. — Me levantei, ajoelhando em frente a ela. — Nós vamos achar esse cálice e nós vamos acabar com tudo isso, nem que seja a única coisa que eu faça.
— Nada desse papo de “nem que seja a única coisa que eu faça”, nós vamos superar tudo isso juntas como uma família. — Millie me abraçou forte pelo pescoço enquanto eu sentia as lágrimas rolarem por meu rosto. — Agora nada de histórias tristes, nós temos uma festa lá embaixo pronta para nós aproveitarmos cada segundo. Alyssa, faça a sua mágica. — Alyssa pareceu gostar da ideia, pois logo começou a arrumar meu cabelo.
Eu realmente não sei quanto tempo passou, porém, pelo jeito que eu sentia vontade de tirar um cochilo, devo ressaltar que Alyssa tomou todo o tempo que precisava e mais um pouco pra terminar meu cabelo e maquiagem. Quando ela finalmente terminou, eu me encarei no reflexo do espelho e não me reconheci, eu parecia uma versão de mim que eu nunca imaginei que existia. As olheiras debaixo dos meus olhos tinham sumido, minha pele parecia brilhar e, mesmo com uma maquiagem simples — um olho gatinho e um batom vermelho —, eu parecia outra pessoa. Talvez fosse verdade o que dizem, uma maquiagem realça aquilo que às vezes nós nem sabíamos que tínhamos.
— Alyssa, você é um gênio! — Eu a abracei pelo pescoço.
— Não é para tanto, senhorita. Agora, o que vocês ainda estão fazendo aqui? Vocês têm uma festa dos deuses para ir. — Alyssa disse, abrindo a porta. Millie gargalhou alto enquanto nós a seguíamos em direção ao corredor.
— Você realmente acha que é uma boa ideia nós irmos pra essa festa? — Emma disse, segurando meu braço. — Mais da metade dos convidados querem nos matar.
— Bem, isso é reconfortante. — Eu disse, rindo sem humor. — Emma, eles não estão atrás de você, fui eu que fiz todo o trabalho sujo dos Fávlos durante a maior parte da minha vida, então, se tem alguém que eles querem matar, sou eu e não você. Ninguém vai machucar nem você e nem a Macy, ok? Eu não vou deixar que isso aconteça.
— Como é que você fala isso com tanta calma?
— Vamos dizer que eu já estou acostumada a ter um alvo enorme nas minhas costas. — Segurei-a pelos ombros e continuei: — Entre deuses e Fávlos, eu prefiro mil vezes estar sobre a proteção dos deuses, Emma, eu sei que nós tivemos nossas desavenças, mas eles querem viver em paz tanto quanto nós.
— Você confia neles?
— É claro que não, Emma, mas o inimigo do meu inimigo é meu aliado. — Comecei a andar de costas, olhando para ela. — E eu não vou te julgar se você quiser dar uns beijinhos no Ares nesse meio tempo, Emma. — Dei uma piscadela para ela.
— Muito engraçado, , você pensa que eu não vejo como você encara Hades?
— Eu não sei do que você está falando, eu não encaro ninguém. — Dei de ombros parando em frente à escada que dava para o salão de festas. Sabe quando dizem que na vida você paga a sua língua? Pois é, eu estava fazendo exatamente o que Emma me acusou de fazer, mas que eu não admitiria tão cedo em voz alto.
Ele estava do outro lado do salão e, por mais que o lugar estivesse lotado, ele era a primeira pessoa que meus olhos procuravam mesmo que inconscientemente e deixe-me dizer que ele era um colírio para os meus olhos. Hades usava um terno preto de veludo, dando um contraste com todos os outros convidados da festa, que usavam roupas das mais variadas décadas e séculos diferentes. Ele estava conversando com Ares e um outro homem tão alto quanto eles e, pela primeira vez desde que eu o conheci, ele sorria de orelha a orelha sem se importar com os olhares dos outros. Emma estalou os dedos em frente ao meu rosto, fazendo com que eu balançasse a cabeça e a seguisse escada abaixo. Eu queria dizer que eu consegui me concentrar enquanto eu descia as escadas, porém logo meus olhos pairaram sobre Hades, que me encarava de volta ainda com um sorriso no rosto.
— e Hades beijando debaixo de uma árvore. — Millie disse em meu ouvido, fazendo com que eu me virasse para ela. — Você realmente deveria disfarçar a sua pequena quedinha pelo deus do submundo.
— Muito engraçada você, Melinda. — Millie soltou uma gargalhada tomando um pouco do seu champanhe, mas logo o sorriso dela desapareceu.
— Você deve ser a lendária Fávlos. — Virei meu rosto para o lado, dando de cara com um homem vestido de branco da cabeça aos pés. Seus cabelos grisalhos eram longos assim como sua barba e os seus olhos eram cinzas como uma noite nublada carregada de nuvens e raios. — É um prazer finalmente conhecê-la. — Ele estendeu a mão.
— Eu poderia dizer o mesmo, mas você não se apresentou.
— Oh, que cabeça a minha. — Ele riu de lado e continuou: — Eu sou Zeus. — Millie engasgou com a bebida enquanto Emma olhou para mim com os olhos arregalados.
— Sendo assim, eu mudo completamente meu discurso e digo que é um desprazer lhe conhecer, já que estamos todos nessa situação por sua causa também.
— Você não mostra tanto desprezo ao meu irmão.
— Pode acreditar, eu também não o cumprimentei com tanto entusiasmo.
— Não foi essa história que me contaram. — Zeus olhou por cima do meu ombro e a mão nas minhas costas fez com que eu virasse meu rosto para o lado.
— Adelfós. (Irmão.)
— Oh, , era de você mesmo que estávamos falando. estava dizendo que foi um desprazer em me conhecer e ainda por cima me culpou por estarmos todos nessa situação. — Zeus virou a cabeça para o lado com um sorriso no rosto, olhando para seu irmão logo em seguida. — Esplêndido, não acha? — Ele se virou para mim e continuou: — Veja, , eu já enxergo a situação em outra perspectiva: você só existe por nossa causa. — Ele apontou para si e depois para Hades. — Você deveria estar nos agradecendo por existir e por nós termos deixado você e sua família viva por tanto tempo.
— Zeus. — Hades começou, fazendo com que Zeus o olhasse com tempestades nos olhos, literalmente.
— Não vá me dizer que você vai defendê-la? Não era você que não via a hora mandá-la para as profundezas de Tártaro?
— já provou que não é como o resto da sua família, Zeus, você sabe disso.
— Ela não provou nada para mim! — Ele gritou mais alto, fazendo com que eu cerrasse meus punhos.
— Você sabe como lendas são feitas, não sabe, Zeus? — Ele virou o rosto para mim. — Então você sabe que eu não fui a lendária Genikó Foínika (General Fénix) para os Fávlos mandados os outros fazerem meu trabalho sujo. — Dei um passo para frente, levantando meu queixo e continuei: — Então não me provoque, eu sempre quis colocar um deus debaixo das minhas patentes.
— Ftochó korítsi! (Garota atrevida!) — O barulho de trovão ecoou pelo salão. — Ele aproximou seu rosto do meu. — Você não foi a única que perdeu alguém nessa luta, . — Ele se afastou de mim e com um sorriso no rosto disse: — Aproveitem a festa. — E saiu sem nem ao menos olhar para trás.
— Você está bem? — Millie perguntou, segurando em meus ombros.
— Sim, eu só preciso tomar um pouco de ar.
— Nós podemos ir com você.
— Nem pensem nisso, eu preciso ficar sozinha um pouco. — Comecei a andar em direção à porta que dava ao jardim do salão quando uma mão segurando a minha fez com que eu virasse para trás. Senti minhas bochechas queimarem e meus olhos se arregalarem enquanto eu encarava a mão de Hades segurando a minha.
— Tome cuidado, nem todos aqui são nossos aliados, . — Ele disse e a única coisa que eu consegui fazer foi balançar a cabeça e continuar andando sem olhar para trás.
Parecia que os remédios que Esculápio me deu estavam impedindo que meu cérebro funcionasse direito, pois, desde que eu acordei rodeada de dobermans no quarto de Hades e escutei sua conversa com Ares Esculápio, meus pensamentos me traíam e me levavam até ele. Balancei a cabeça, tentando colocar meus pensamentos no lugar. Não era lugar e nem momento para ficar pensando no deus do submundo e muito menos no jeito que eu queria sentir cada parte do seu corpo debaixo dos meus dedos. Eu tinha milhares de coisas que me preocupar e qualquer tipo de relacionamento com um deus grego não estava em meus planos, eu precisava focar em salvar minha família para que nós pudéssemos ficar juntos novamente.
— Fávlos! — Uma voz fez com que eu me virasse para trás, dando de cara com uma mulher a qual eu nunca havia visto.
— Eu te conheço?
— Não, mas você conheceu meu filho. — Ela começou a andar em direção a mim, fazendo com que eu andasse para trás. — E eu esperei arduamente pelo o momento que eu a pegaria sozinha. — O brilho da adaga tornou-se evidente quando ela levantou sua mão.
— Ah, não! Você também quer me matar? — Eu ri sem humor, balançando a cabeça. — Acho que você vai ter que entrar na filha, querida.
— Você vai se arrepender de ter nascido. — E, antes mesmo que eu pudesse me defender, a mulher congelou em frente aos meus olhos com a adaga a alguns metros do meu rosto. Logo um estalar de dedos fez com que ela desmaiasse em minha frente e a adaga caísse em algum lugar aos meus pés.
— Eu não te falei para tomar cuidado? — Hades apareceu junto com a sua chefe de segurança.
— Não é como se eu estivesse procurando problema, eu só estava tomando um ar.
— Bem, , pelo pouco que te conheço posso afirmar que problemas te segue aonde quer que você vá?
— Sorte a minha que eu sei me defender. — Ri sem humor, voltando meu olhar para a adaga nas mãos de uma das guardas. Franzi o cenho, pegando a adaga de sua mão e a inspecionado.
— O que foi, ?
— Essa adaga é minha. — Eu olhei para ele, com os olhos arregalados. — Eu a usava para torturar deuses quando trabalhava para os Fávlos.
— Eu ainda não estou entendendo sua linha de raciocínio.
— Eu deixei essa adaga com os Fávlos quando eu fugi pela segunda vez.
— Então quer dizer que alguém do nosso povo está trabalhando com os Fávlos?
— Acacia, descubra o que puder sobre essa adaga e também interrogue nossa prisioneira. — Acacia assentiu e saiu. Hades segurou minha mão, me levando em direção ao salão.
— Ei, para onde nós estamos indo?
— Mostrar a todos os convidados que você está sobre a minha proteção.
— Eu sei me defender sozinha, okay?
— E como eu sei, , porém, aliados são sempre bem-vindos em uma guerra. — Ele estendeu sua mão para mim.
— Por que você está estendendo a mão para mim? Eu posso andar sozinha.
— Bem, , não tem nada como uma dança para consolidar uma aliança. Ninguém vai ousar encostar um dedo em você.
— Convencido demais, não acha?
— Oh, , você já deveria ter aprendido, ninguém se mete com o deus da morte. — Hades riu de lado e deu uma piscadela.
Ah, maldito coração traiçoeiro, por que palpitas tanto?
Capítulo VIII
Eram poucas as coisas na vida que faziam com que eu ficasse nervosa, ser o centro das atenções por todas as razões das quais eu não queria era uma delas. Ameaçar deuses a torto e à direita? Fichinha! Ser extremamente sarcástica na mira de Fávlos e deuses? Faço com o maior prazer do mundo! Dançar na frente de milhares de pessoas com o deus da morte do qual eu tinha uma certa quedinha? Alguém, por favor, me salva! A ideia era completamente insana, a única coisa que eu queria era fugir na direção oposta, porém Hades segurava minha mão com firmeza indicando que sabia exatamente o que eu faria se ele a soltasse e não era de nenhuma ajuda o quão reconfortante era ter sua mão na minha.
O salão continuava lotado, as pessoas pareciam um pouco mais bêbadas, porém pareciam sóbrios o suficiente para notar que Hades andava a passos largos em direção à pista de dança com uma “Fávlos”. Olhei para o lado, vendo o queixo de Millie cair no chão enquanto Emma apenas sorria de lado.
— Eu não acho que isso seja uma boa ideia. — Eu sussurrei, me aproximando dele.
— Oh, Fávlos com medo de uma dança? — Ele olhou para mim por cima do ombro dando um sorriso de lado. — Já não te disseram, ? De más intenções o inferno está cheio, por que você acha que estamos todos aqui? — Não era como se eu não tivesse percebido antes, mas os olhos de Hades eram de uma cor âmbar que mudavam de acordo com o seu humor. Eu conhecia muito bem como eles ficavam quando ele estava com raiva, as chamas eram altas e intensas. Agora elas estavam baixas e, arrisco a dizer, que um pouco avermelhadas. — O que foi, ? — Ele perguntou, passando sua mão pela minha cintura, me puxando para perto. — Por que você está me olhando assim?
— Seus olhos, eles mudam de acordo com o seu humor. — Hades me olhou surpreso fazendo com que eu olhasse para o seu ombro. — Quando lutamos contra os Fávlos juntos no restaurante de Emma, eu consegui ver as chamas dentro deles enquanto me olhava. — Hades sorriu de lado fazendo com olhasse para ele.
— É verdade o que dizem sobre você, , você tem um olhar peculiar para o mundo.
— Por que diz isso?
— Porque nem todos percebem que meus olhos mudam de acordo com o meu humor.
— Bem, aposto que não são todos que ficam à mira do seu olhar matador ao longo da vida.
— Você ainda acha que eu quero te matar, ?
— Eu estaria sendo completamente ingênua ao achar que anos de guerra entre deuses e Fávlos foram apagados porque temos um acordo em acabar com o resto da minha família. — Eu poderia ver a cara de decepcionado que ele fez enquanto ele olhava em meus olhos como se pudesse ver minha alma. — Mas, se serve de consolo, eu não acho que você e Ares querem nos matar. Eu acredito, e não me pergunte como, que vocês só querem resolver esse assunto de uma vez por todas. Eu não sei o que os Fávlos fizeram, eu não sei porque eles decidiram ir atrás do cálice depois de anos e, pra falar a verdade, eu realmente não ligo. Eu só quero que Millie tenha a nossa família completa de volta.
— E você não é a única, , você não foi a única que perdeu sua família com essa guerra. Você merece uma vida normal, tanto quanto Millie merece.
— Será mesmo? Eu fiz coisas horrendas para os Fávlos, eu fui responsável por destruir famílias, por que eu teria o direito de estar com minha família quanto tirei a vida de várias pessoas?
— Se tem uma coisa que aprendi em todos os séculos dos quais eu já vivi, e, acredite, são muitos, é que todos erramos de mil maneiras das quais não podemos imaginar. O certo e o errado viram uma questão de ponto de vista, e quando você estava com os Fávlos acreditava piamente que estava fazendo pelo bem da sua família da mesma maneira que anos atrás Zeus e eu começamos o Cerco dos Deuses.
— Por que vocês brigaram daquele jeito?
— Vamos dizer que foi um pouco de orgulho, com um pouco de prepotência e bastante ego ferido de ambas as partes.
— Você se arrepende?
— Eu me arrependendo de ter ido tão longe a ponto de prejudicar o mundo humano, mas não por ter brigado com Zeus, alguém precisava antagonizar suas ações.
— Ele realmente não aparenta ser extremamente desagradável.
— Você pode dizer que ele é um babaca, , eu não discordaria. — Eu quis segurar, porém quando eu vi meu sorriso estava estampado em meu rosto. — ...
— Hades, ! — Ares apareceu ao nosso lado fazendo com que nós olhássemos para ele. — Nós achamos!
— Especificamente o que vocês acharam? O culpado por quebrar umas das minhas esculturas?
— Não, nós achamos a ponte dos desenhos de Alala. Vamos, venham! — Hades se afastou de mim, passando o braço pela minha cintura enquanto seguíamos até a sala de jantar. Espalhados pela enorme mesa, tinham papéis, livros, fotos e enormes monitores parecidos com o que Emma tinha no nosso cafofo. Na maior tela, tinha o desenho de Alala e ao lado a ponte da qual ela tinha falado. Olhei para Emma, que cruzou os braços e sorriu de lado.
— Enquanto você estava se recuperando, todos nós decidimos procurar pela ponte da qual Alala falou, Ares foi até ao mundo humano buscar os melhores equipamentos de busca que eu poderia usar enquanto Millie e Macy usavam os livros da biblioteca do submundo. O lugar não se chama Ponte das Lamentações, na virada século XX, trocou de nome porque um reverendo de uma vila perto da cidade considerou o lugar amaldiçoado e obra do cara lá de baixo — Ares apontou para Hades que apenas balançou a cabeça. — então eles trocaram o nome para Ponte do Diabo. Ela fica em Rakotzbrücke, na Alemanha.
— O lugar agora é uma atração turística, porém ainda existem pessoas que afirmam escutar os lamentos da antiga bruxa.
— O que estamos esperando? Nós precisamos ir até lá agora! — Millie disse fazendo com que Emma e eu nos entreolhássemos.
— Millie, não é uma boa ideia você e a Macy irem com a gente.
— Eu não acredito nisso! Você está escutando isso, ? — Millie se virou para mim completamente perplexa.
— Millie, Emma está certa. Vocês não têm nenhum tipo de treinamento, nós não sabemos o que podemos encontrar quando fomos ao mundo humano.
— Mas nós estamos treinando com Ares e as guardas do palácio.
— Não é o suficiente, Millie, você precisa de pelo menos alguns meses pra poder estar ao menos um pouco preparada para enfrentar os Fávlos.
— Mas eu quero ajudar, eu não quero ficar parada fazendo nada.
— Eu sei disso, Millie, mas a sua segurança é mais importante no momento. — Segurei seus ombros, olhando em seus olhos. — Se você for, eu não conseguirei me concentrar em outra coisa a não ser te proteger.
— Você pode ficar monitorando os nossos passos junto com Macy, eu tenho certeza que você aprende rápido. Nós não vamos poder manter contato, mas eu estarei usando um localizador e Hades também. — Ares disse, passando o braço por seus ombros.
— Dessa vez, eu aceito ficar, mas na próxima eu quero ir.
— Se você prometer se aplicar nos seus treinos com Ares, da próxima vez eu não falarei nada sobre você ir.
— Tudo bem então. — Millie disse, me abraçando pelo pescoço. — Tome muito cuidado, .
— Não se preocupe, nada de ruim vai acontecer com a gente.
Eu e Emma corremos para os nossos respectivos quartos a fim de acharmos roupas mais apropriadas para irmos a uma viagem ao mundo humano, não dava pra encarar uma floresta e, quem sabe, até uns Fávlos usando um vestido de baile e sandálias. Aparentemente nos dias que eu fiquei desacordada muito tinha acontecido, Millie e Macy tinham começado a treinar com Ares e algumas das guardas do palácio para não se sentirem tão indefesas caso alguma coisa acontecesse, Emma disse que Millie pegava as coisas rápido como eu, porém ainda beijava bastante o tatame; Macy tinha sido uma surpresa com sua disciplina quando se tratava dos treinos, assustando até a própria tia. Nós tínhamos subestimado as habilidades das duas escondendo a verdade sobre o nosso passado, porém elas estavam lá para provar que elas não eram tão indefesas assim e que poderiam se tornar uma dupla letal igual a nós duas.
Emma fez questão de buscar alguns dos nossos pertences que ela conseguiu achar nos escombros com a explosão do cafofo, Ares então a ajudou a trazer o nosso arsenal subterrâneo de armas que Emma tinha construído como uma espécie de plano Z. Essa era Emma para você, extremamente calculista com as situações, pensando nas melhores maneiras que aquilo poderia dar errado e como solucionar o problema da maneira mais fácil e menos dolorosa.
— Você está pronta? — Emma entrou no meu colocando uma das suas adagas em seu cinto de utilidades. Ela abriu o meu guarda roupa e estendeu minha bainha com minha espada, colocando-a pelos meus braços e a amarrando na minha cintura. Eu me olhei no espelho, vendo a minha versão que eu não via há muito tempo.
— Pra falar a verdade, estou muito mais aliviada porque Millie não vai.
— O mesmo com a Macy. — Nós duas começando a andar em direção ao corredor. — Eu sinto que, se elas fossem, nós focaríamos muito mais em protegê-las do que em procurar o cálice. O submundo é o lugar mais seguro que elas podem ficar.
— Eu não teria tanta certeza assim.
— , por que diz isso?
— Você sabe quando eu fui tomar um ar do lado de fora do salão? — Ela assentiu e eu continuei: — Alguém tentou me atacar usando uma das adagas. — Emma me olhou completamente incrédula. — E não era qualquer adaga, era uma que meu avô me deu quando eu servia no exército dos Fávlos.
— Espera só um segundo! Você está me dizendo que existe possibilidade de os Fávlos estarem trabalhando com deuses?
— Eu sempre desconfiei que algo assim poderia acontecer, você nunca se perguntou como nós conseguíamos achar todos aqueles semideuses? Sistemas são falhos, não se pode agradar a todos. — Eu disse começando a descer as escadas. — Olha onde estamos hoje, éramos dos Fávlos e agora estamos trabalhando com os deuses para acabar com eles.
— Então Macy e Millie não estão seguras aqui?
— Acredito que sim, fora dos arredores do palácio já é outra história.
— Nós vamos contar para elas?
— Agora não, elas estão protegidas por agora.
— E como você sabe disso? — Existiam milhares de maneiras das quais eu poderia responder a essa pergunta, porém a única da qual era como eu realmente estava me sentindo era a resposta que eu não poderia vocalizar.
— Eu só sei, Emma.
— Hum... sei. — Ela respondeu enquanto entrávamos de volta na sala. Ares tinha trocado de roupa, porém Hades continuava com o mesmo terno e com a sua bengala em uma de suas mãos, a mesma que eu vi no dia que nos encontramos na lanchonete.
— Acacia irá ajudar Millie e Macy com o monitoramento da nossa pequena aventura. — Ares disse com um sorriso no rosto. Às vezes ele parecia o típico cara popular da faculdade que a gente sempre lia em livros, extremamente animado e sempre pronto para a próxima festa, só que, nesse caso, a próxima briga. Era surreal quanto o deus da guerra era malicioso a ponto de sempre procurar sua aventura onde ele poderia usar suas habilidades, meu pai adoraria ter uma conversa com ele sobre as suas histórias.
— E como nós chegaremos até Rakotzbrücke?
— Bem, , do único jeito que se há. — Me afastei um pouco quando ele começou a andar em minha direção.
— É mesmo? E qual seria?
— Eu sempre acreditei que ações são melhores do que palavras. — E então ele colocou a mão em meu ombro, me puxando para um vórtice parecido com o que nos trouxe até aqui. Quando eu abri os olhos, meus pés já estavam no chão e, com a força da viagem, eu caí de bunda na areia.
— Eu simplesmente odeio viajar desse jeito! — Eu disse, apoiando meus cotovelos em meus joelhos e tentando não colocar tudo que eu comi para fora.
— É o jeito mais rápido de se viajar, ou você esperava que nós usássemos um avião? Demoraria uma eternidade! — Hades respondeu dando de ombros. Pelos deuses, às vezes eu não sabia se queria chutá-lo ou me jogar em seus braços.
— Me assusta você não ter o seu próprio avião.
— E quem disse que eu não tenho?
— Inacreditável! — Eu disse, balançando a cabeça. Hades estava pronto para responder quando escutei um grito. Levantei-me em um movimento rápido vendo a ponte da qual Alala falou logo à minha frente. Ao contrário do submundo, no mundo humano o sol brilhava alto no céu, fazendo com que a ponte refletisse na água restante do lago que ali tinha e formasse um círculo igual ao desenho de Alala. Não me assustava nem um pouco o lugar ser um ponto turístico, simplesmente parecia um lugar de outro mundo.
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, outro grito fez com que eu me assustasse e virasse para Hades. Olhei diretamente para a ponte e, apertando meus olhos, pude ver que uma mulher estava prestes a pular. Sem ao menos pensar e ignorando os protestos de Hades, comecei a correr em direção à ponte. Eu devo ter caído alguma vezes enquanto desviava das raízes das árvores e pedras que encontrei no caminho, porém eu não estava ligando nem um pouco, eu só precisava impedi-la de pular.
Quando eu cheguei mais perto, pude ver que ela estava chorando, usando uma camisola e descalça, seus cabelos longos e pretos como a noite chegando até sua cintura. Ela estava descabelada como se tivesse passado as mãos pelos cabelos milhares de vezes e, antes que ela pudesse pular, segurei em seu pulso, fazendo com que ela me olhasse assustada.
— Por favor, não faça isso. — Eu disse, porém a única coisa que ela conseguia era olhar para minha mão.
— Quem é você?
— Não importa.
— Como você está fazendo isso? — Ela perguntou olhando para a minha mão. — Como você está me tocando?
— Isso não vem ao caso. Por favor, desça daí, eu te ajudo. — Ela apenas assentiu com a cabeça enquanto eu a ajudava a descer. Ela arregalou os olhos quando viu Hades parar ao meu lado, ela começou a andar para trás o olhando completamente assustada.
— Não se preocupe, ele não fará nada.
— Eu sei quem você é, eu já disse que eu não vou.
— Do que ela está falando? — Olhei para ele, confusa.
— Esta é Tabata Diablo, presumo, a bruxa da qual Alala falou.
— Então todo esse tempo você a conhecia? Por que não disse nada?
— , eu lido com os mortos e quando eles passarão pelo meu julgamento, não foco em como eles chegaram ao submundo ou se eles foram ou não. Eu tenho que lidar milhares de almas por dia, você acha mesmo que eu iria me lembrar de uma bruxa que se recusou a passar por meu julgamento séculos atrás? Honestamente, eu tenho muito mais o que fazer.
— E como é que você lembrou o nome dela?
— Bem, , falhar em levar almas para o submundo é uma das coisas que eu mais abomino, então eu tendo sempre a lembrar dos que eu não consegui ajudar. Eu tenho memória fotográfica, raramente eu esqueço das coisas, especialmente dos momentos em qual eu falhei.
— Deve ser exaustivo.
— Pode vir a calhar em alguns momentos, mas, na maioria das vezes, eu só quero paz. — Ele disse respirando fundo. — Então, Tabata, poderias explicar por que se recusou ao mundo dos mortos?
— Eu estou esperando por Valencio, meu amado, eu o tenho esperado todos esses anos. — Hades murmurou séculos ao meu lado fazendo com que eu o cutucasse com meu cotovelo.
— Então essa é a razão pela qual você recusou ir? Bem, isso é mais fácil do que eu pensei. — Hades tocou sua bengala no chão e logo um portal se abriu ao lado de Tabata, fazendo com que ela segurasse em meu braço. Não se dava para ver nada, mas logo a água saiu do lugar e a ponta de um barco no estilo viking todo decorado de caveiras começou a sair do portal. Nele tinha um homem de cabelos longos brancos e olhos verdes vestindo um terno, é claro, com um sobretudo preto decorado de caveiras douradas.
— Oh, Valencio! — Tabata apertou meu braço quando ela viu outro homem que também estava no barco. Ela me soltou e foi direção a ele, se jogando em seus braços e o beijando profundamente.
— Cháron, párte tous sto Ēlýsion pédion, parakaló. (Caronte, leve-os para o Campo de Elísios, por favor.) — Caronte apenas assentiu com a cabeça, porém, antes que ele pudesse voltar para o portal, Tabata correu em minha direção e me abraçou forte.
— Muito obrigada! — Ela sorriu para mim e voltou para o barco com o seu amado, desaparecendo pelo portal logo em seguida. Olhei para Hades, que me olhava assustado.
— Por que você está me olhando assim?
— Ei, vocês dois, nós achamos uma coisa! — Ares e Emma apareceram no final da ponte avistamos para nós. Olhei para Hades pela última vez antes de segui-los em direção à floresta.
— Por que ele está te olhando desse jeito? — Emma perguntou, apontando para trás.
— Eu não sei. — Emma cruzou os braços, virando a cabeça para o lado. — Eu juro, eu não sei. Nós encontramos a bruxa da história de Alala, ele a mandou para o submundo junto com o seu amado já que ela se recusava a ir sem ele. Depois disso ele ficou me olhando estranho e eu não faço a menor ideia do porquê.
— E você não está curiosa para perguntar?
— Não. — Sim. Mas nem por tudo que era mais sagrado eu iria admitir isso em voz alta. — Então, o que vocês acharam?
— Nós achamos algumas ruínas que podem ser uma pista. — Emma apontou para as grandes ruínas cobertas por plantas e raízes de árvores, elas seguiam o mesmo estilo que os gregos usavam para suas construções em seu tempo, especialmente pelas inscrições nas paredes com seus caracteres. Ela desviou de uma enorme pedra e começou a descer uma escada em formato de zigue-zague, olhei para a o lado e foi então que eu vi o templo abaixo da linha do solo que eles haviam encontrado. Ele era grande, porém as raízes das árvores tinham tomado conta do lugar fazendo com que ele ficasse perfeitamente escondido à vista de todos, era claro que quem o construiu queria que ele passasse despercebido por todos.
— Nós achamos uma entrada, porém queríamos esperar por vocês para entrarmos juntos. — Emma disse olhando para trás, virei o rosto dando de cara com Hades e Ares atrás de nós.
— Bem, o que estamos esperando? — Passei por Emma indo em direção à entrada do templo. Desci as escadas, dando de cara com um pequeno corredor completamente escuro, peguei minha lanterna em meu cinto e comecei a seguir em direção onde o corredor me levava. As paredes estavam cobertas por plantas e seus desenhos bastante apagados, porém ainda era possível ver as setas e foram elas que eu segui.
No final do corredor eu poderia ver o feixe de luz vindo do que eu esperava fosse o hall principal. Quando eu entrei no templo vi que ele era muito maior do que eu imaginava, as suas colunas tinham o mesmo formato das ruínas que se encontravam na Grécia, estavam cobertas de plantas e era possível ver que as raízes tinham destruído algumas partes das paredes fazendo com que a luz do sol conseguisse entrar. Entretanto o que mais chamou a atenção foi a enorme estátua de uma mulher sentada em um trono no final do salão, ela usava uma coroa e seus olhos estavam vendados, enquanto uma mão segurava uma rosa, a outra estava levantada para o céu completamente vazia, aos seus pés tinham uma fonte feita de pedras parecida com a Fotana di Trevi. Cheguei um pouco mais perto, vendo que a fonte estava seca, porém em cima das pedras tinham várias frutas romã frescas e espalhadas pelo local, o que era completamente bizarro já que eu não conseguia ver nenhuma árvore por perto.
— ? — Virei para trás dando de cara com Emma, Ares e Hades andando em minha direção. Foi então que aconteceu, pelo único feixe de luz que iluminava a estátua, as romãs começaram a cair e se espalhar pelas pedras das fontes. — Que frutas são essas? — Emma parou ao meu lado pegando uma romã do chão. — Será que podemos comer?
— Eu acho melhor não. — Segurei a mão de Emma antes de que ela pudesse colocar a fruta na boca. Coloquei os pés nas bordas da fonte, começando a andar em direção à estátua, Emma fez a mesma coisa andando na direção oposta. Quando chegamos perto, começamos as duas a vasculhar toda a estátua a fim de encontrar algumas pistas, Emma tirou uma câmera do bolso e começou a fotografar tudo ao nosso redor.
— Bem, agora sabemos porque não deveríamos comer essas romãs. — Me virei para Emma enquanto ela balançava um osso em suas mãos. — Esse lugar é assustador, mais assustador ainda porque parece que tudo ao nosso redor está vivo.
— Eu pensei que só eu estava com essa sensação.
— Me vem um calafrio na espinha só de estar aqui, eu não vejo a hora de ir embora. — Emma parou ao lado da estátua começando a tirar fotos, ela abaixou sua câmera e começou a tirar plantas da venda da estátua. — , será que você poderia ler isso? O meu grego é uma merda.
— Aftó pou psáchnete psáchnei. — Eu disse e Emma fez um gesto para que eu continuasse. — O que você procura está procurando por você.
— Mas que merda, hein, não ajudou em nada. — Emma balançou a cabeça levantando sua câmera logo em seguida.
— Vocês acharam alguma coisa? — Ares perguntou.
— Nada de interessante, Emma está tirando fotos para podermos analisar tudo depois. — Respondi, começando a andar em direção a eles. — Acredito que estamos perdendo nosso tempo aqui. — Hades estendeu a mão para mim e eu a peguei, descendo da fonte. — Se o cálice algum dia esteve aqui, eu tenho certeza que alguém já o mudou de lugar.
— Por que você acha isso?
— Vamos dizer que eu tenho um leve pressentimento, porém aquela estátua tem alguma coisa a ver com a nossa próxima pista.
— Um pressentimento novamente?
— Você tem alguma coisa contra isso?
— Nem um pouco, eu só acho fascinante. — Ele disse, apoiando-se em sua bengala e rindo de lado. Eu estava prestes a responder quando o barulho de passos vindo do corredor fez com que todos nós virássemos para ele, a primeira pessoa que saiu do corredor foi uma criança e logo depois um homem atrás dela tentando alcançá-la.
— Volta aqui, sua pirralha! — O homem conseguiu agarrar o casaco da menina por trás, que se contorcia para se livrar dele.
— Me solta, seu bundão! — Ela disse enquanto ele a pegava nos braços.
— Ei, ela disse para você soltá-la. — Emma disse, se aproximando deles. O homem virou seus olhos para nós, porém nós não conseguíamos vê-lo direto pela falta de luz no lugar em que ele estava.
— Olá, me desculpem, minha filha acabou fugindo de nós.
— Eu não sou sua filha!
— Que isso, tampinha, é claro que sim. — Ele disse tentando segurar a garota que se contorcia em seus braços. — Nós vamos deixar vocês aproveitarem sua visita. Até logo.
— Ei, espere um segundo. — Eu disse, mas logo uma voz me interrompeu.
— Não! Solte a minha filha agora! — Virei meu rosto para o lado vendo uma mulher sair de trás de um dos monumentos,. Olhei para Emma, que levou sua mão até sua adaga ao mesmo tempo que eu fiz a mesma coisa. — Por favor, a deixe ir e me leve no lugar dela. — A mulher parou em um dos feixes de luz e foi então que eu a reconheci. Ela estava completamente diferente desde a última vez que eu a vi, com certeza, ela tinha envelhecido nos últimos anos e seus cabelos agora estavam vermelhos. Um arrepio passou por toda a minha espinha, meu coração começou a bater forte no peito e minha garganta estava fechada.
— Mãe? — Saiu como um sussurro, porém ela se virou pra mim, me olhando completamente assustada.
— ? — Ela sorriu aliviada com os olhos marejados. — Oh meu Deus, , é você!
— Fávlos? — O homem disse fazendo com que nós todos voltássemos os olhos para ele. — Então você é a famosa Fávlos? — Ele gargalhou alto. — Giagiá vai ficar feliz em saber que conseguimos te encontrar.
— Solte a garota e você pode me levar no lugar dela. — Eu disse começando a andar em direção a ele, Hades segurou meu braço me impedindo de dar mais um passo, mas eu apenas segurei sua mão a tirando do meu braço. — Faz tempo que eu quero fazer uma visita ao velho.
— Espere um segundo, não dê mais um passo. — Eu parei em sua frente, a alguns passos da minha mãe. — Não tão rápido, , eu sei muito bem que a sua fama te procede.
— Então você também sabe que eu tendo a cumprir minha palavra. Solte a garota, me leve no lugar dela.
— Talvez eu leve vocês duas. — Ele tirou a garota do seu colo e segurou em sua mão enquanto ela tentava se libertar. — O que você acha? Giagiá irá ficar em ter mais uma nova recruta. — Eu olhei para a garota que me olhava assustada e um flashback passou por meus olhos. Nem por cima do meu cadáver ele vai levá-la junto com ele.
Eu estava prestes a cravar minhas mãos no pescoço dele, porém Hades foi mais rápido e criou um portal abaixo dos seus pés fazendo com que ele desaparecesse enquanto eu abracei a garota para que ela não fosse junto.
— Você está bem? — Eu perguntei, me afastando dela. Ela assentiu com a cabeça olhando para mim assustada.
— Oh, Cordelia! — Minha mãe andou até a garota, a abraçando forte pelo pescoço. — O que foi que eu disse sobre andar sozinha pelas ruínas?
— Desculpa, mamãe, eu não farei de novo.
— Mamãe? Por que ela está te chamando de mamãe? — Me levantei, olhando para a minha mãe.
— . — Ela olhou para mim com lágrimas descendo por suas bochechas e logo me abraçou forte pelo pescoço. — Eu senti tanto sua falta, minha filha. — Ela segurou meu rosto. — Você cresceu tanto, mas continua com os olhos de quem carrega o mundo nas costas. — Ela se afastou de mim, segurando a mão de Cordelia. — , eu quero que você conheça Cordelia, sua irmã. — Pra dizer que meu queixo quase bateu no chão foi um começo, eu completamente fiquei chocada e sem ação.
— Adelaide, eles estão aqui! — Meu pai entrou no templo segurando a mão de outra garota que muito parecia Cordelia. Olhei para minha mãe, que apenas sorriu largamente. Quando meu pai me viu, parou de andar na mesma hora e me olhou completamente assustado.
— Minha pequena . — Ele sorriu, andando em minha direção, e me abraçou forte pelo pescoço. — É realmente você.
— Olá, pai. — Meu pai continuou sorrindo largamente, porém logo o seu sorriso desapareceu quando lembrou por que entrou no templo correndo.
— Nós precisamos sair daqui agora, Fávlos nos seguiram até aqui. — Ele disse olhando para a minha mãe.
— Com isso vocês não precisam se preocupar. — Hades apareceu ao meu lado fazendo com que meus pais olhassem para ele. — Prazer em conhecê-los, Adelaide e Lucian. — Ele se virou para as gêmeas e continuou: — E vocês também, Cordelia e...
— Adella. — A garota que entrou com meu pai respondeu.
— Prazer em conhecê-las, Cordelia e Adella. — Ele sorriu para as duas, que apenas o olhavam curiosas. — Eu preciso que vocês fechem os olhos e segurem as mãos de seus pais super forte, ok? — As duas assentiram e cada uma segurou na mão dos nossos pais. — Elas não vão sentir nada, mas não posso dizer o mesmo por vocês. Se vocês quiserem fechar os olhos também, eu garanto que a experiência não será das melhores. — Meus pais assentiram e logo fecharam os olhos, Emma segurou no braço de Ares enquanto Hades segurou minha mão puxando a todos para vórtice de volta para o palácio. Nós todos caímos em pé no meio do salão principal, meus pais aparentavam que estavam prestes a vomitar.
— Isso foi demais! Podemos ir de novo? — Cordelia disse olhando para Hades enquanto Adella assentia com a cabeça.
— Quem sabe outro dia. — Hades respondeu rindo largamente.
— ! — Millie apareceu no salão principal com Macy ao seu lado. — Vocês estão bem? Nós perdemos o rastro de vocês por algumas horas, mas Acacia disse que isso era normal. — Ela se aproximou de mim procurando por ferimentos.
— Nós estamos bem, Millie.
— Melinda? — Millie se virou ao escutar a voz de nossa mãe.
— Mãe? Pai? — Millie disse, olhando para os dois completamente surpresa. — Mãe! Pai! — Ela correu em direção aos braços da nossa mãe a abraçando forte enquanto chorava, meu pai logo em seguida abraçou as duas. — Eu senti a falta de vocês!
— Eu sei, meu amor, eu sei. — Minha mãe acariciou o rosto dela. — Mas agora nós estamos aqui, nós vamos ser uma família novamente. — Ela disse acariciando os cabelos de Cordelia e Adella.
— Não me diga que essas duas...
— Essas são suas irmãs, Adella e Cordelia.
— Eu não acredito! — Millie se abaixou à altura das meninas, que apenas a olhavam curiosas. — Vocês são adoráveis! Eu não acredito que eu tenho mais duas irmãs.
— Eu que ainda não acredito que enquanto eu estava me matando para proteger Millie, vocês dois decidiram ter mais bebês. — Eu disse, tirando meu cinto de utilidades e minha espada, tudo estava me apertando de uma hora pra outra.
— ! Está louca? — Millie falou, se levantando. — Isso é algo que se diga?
— , nós não planejamos em ter Cordelia e Adella, elas foram uma surpresa tanto pra nós como está sendo pra você. Uma surpresa maravilhosa.
— Então por que vocês não disseram nada? Por que não nos procuraram?
— Nós não podíamos colocar a vida de vocês em perigo.
— Mas podiam colocar a vida de duas crianças?
— Nós escondemos Cordelia e Adella muito bem, eles só descobriram da existência das duas no dia em que nós falamos com vocês através dos monitores. Ao mesmo tempo que eles atacaram o cafofo, eles atacaram o nosso esconderijo. — Eu apenas continuei balançando a cabeça, completamente incrédula. — , por favor. — Minha mãe começou a andar em minha direção.
— Eu quero ficar sozinha. — Eu disse me afastando de todos.
— . — Millie também começou a andar em minha direção, porém Cérbero ficou em minha frente impedindo que qualquer pessoa chegasse perto de mim. Eu apenas balancei a cabeça, me virando em direção às escadas. Minha visão ficou embaçada enquanto eu subia as escadas, o meu coração batia rápido dentro do meu peito e, quando eu cheguei no corredor, eu não sabia qual dos quartos era o meu. Eu tentei abrir as portas, mas a maioria estava fechada, fazendo com que eu ficasse ofegante. Merda! Porcaria! Onde está meu quarto? Por que tudo está dando errado?
— Porta estúpida! — Eu disse tentando virar a maçaneta, porém, antes que eu pudesse derrubar a porta, uma mão se fechou em cima da minha. Olhei para trás dando de cara com o rosto de Hades a centímetros do meu, me afastei dele balançando a cabeça, porém isso não o impediu de se aproximar de mim. Ele segurou meu rosto em suas mãos fazendo com que eu o olhasse de perto e pudesse ver as chamas vermelhas em seus olhos, eu pretendia dizer que eu queria ficar sozinha, porém as palavras entalaram na minha garganta. Então Hades passou os braços por meus ombros, me abraçando forte enquanto eu o abraçava forte pela cintura e deixava as lágrimas rolarem por meus olhos. Eu senti um vento passar por meu corpo e quando eu abri os olhos percebi que nós estávamos no quarto dele.
— Aqui você vai poder ficar sozinha sem ninguém te atrapalhar. — Ele se afastou de mim, começando a andar em direção à sua cama. — Cérbero vai ficar de guarda na porta. — Ele empurrou as cobertas da cama e fez com que eu sentasse na cama. — Você pode ficar aqui o tempo que precisar. — Ele se abaixou e tirou minhas botas. — Alyssa pode trazer as suas refeições se você quiser. — Ele me empurrou fazendo com que eu deitasse na cama e logo depois colocou as cobertas em cima de mim. — Descanse, . — Ele começou a andar em direção à porta.
— Hades! — Eu disse e ele parou, se virando para mim. — Eu não quero ficar sozinha.
— Eu posso colocar Cérbero para dentro se você quiser.
— Eu não estou falando de Cérbero.
— Eu posso chamar Emma então.
— Hades, deita logo aqui.
— Oh, você está falando de mim? — Ele olhou para mim completamente surpreso.
— Se você não quiser, eu entendo. — Eu disse, balançando a cabeça e dando de ombros. — Eu só achei...
— Eu entendo, . — Ele disse, tirando o seu terno, colete e sapatos todos em um só movimento. Ele andou em direção à cama e se deitou longe de mim, porém, como eu estava me sentindo extremamente corajosa, me aproximei dele, o abraçando pela cintura e colocando minha cabeça em seu peito. Hades passou os braços pelos meus ombros, me puxando para perto, fazendo com que eu sorrisse e fechasse os olhos.
— Você tem o melhor cheiro agridoce que eu já senti, que pena que eu não provei seus lábios pra saber se eles têm o mesmo gosto.
Ele sussurrou e foi com essas últimas palavras que eu me senti em paz no último lugar que eu esperava: nos braços do deus do submundo.
Capítulo IX
Quando eu acordei pela segunda vez na cama de Hades, rodeada de Dobermans, eu estava completamente sozinha outra vez. Eu não fazia a menor ideia do que tinha acontecido para me deixar levar pelos sentimentos que afloravam dentro do peito — mas que eu estava disposta a ignorar —, a ponto de me deixar vulnerável na presença de Hades. Emma era a única pessoa que já me viu chorar a ponto de precisar ser consolada e mesmo assim eu dava de ombros e fingia que a vida continuava e nada me abatia. O problema em fingir uma boa parte da sua vida que está tudo bem é que um dia você não consegue esconder, tudo que você engole a seco um dia transborda e você se pega chorando nos braços da última pessoa que você pensou que lhe consolaria. E devo ressaltar, que braços eram aqueles!
Depois de um banho extremamente necessário, eu me dirigi à sala de treinos do palácio; encher um saco de areia de socos era o jeito mais rápido que eu conhecia de lidar com os meus problemas. Anos e anos sempre engolindo tudo que eu estava sentindo, mesmo quando eu tinha uma vontade enorme de gritar, me ensinaram a encontrar outras válvulas de escapes para os meus sentimentos e, como uma boa ex-general, eu sempre voltava para aquilo que eu fui treinada a fazer.
Não sei por quanto tempo eu treinei, porém, quando parei para tomar um gole d’água, eu sentia minha respiração ofegante e o suor descer por meu rosto.
— Sabia que você não precisa mais socar um saco de pancada pra lidar com suas emoções? — Me virei para a porta da sala, dando de cara com Emma. — Você pode conversar com as pessoas, sabia?
— Velhos hábitos são difíceis de superar, Emma. — Respondi e me sentei encostando na parede. — Eu só precisava ficar sozinha.
— Bem, não se é todo dia que você reencontra seus pais e descobre que é irmã mais velha de um par de gêmeas. — Emma respondeu, se sentando ao meu lado. — Como você está? E não adianta mentir para mim, eu te conheço há um bom tempo. — Eu apenas dei de ombros e ela continuou: — Você está com raiva dos seus pais?
— Quando eu descobri que os dois tiveram outras filhas sem nem ao menos me contar? Com toda a certeza! Eu criei Melinda praticamente sozinha por anos, menti para ela para que ela ficasse segura, pra eles dois saíram pelo mundo colocando duas crianças em perigo? Eu tenho todo o direito de ficar com raiva!
— Pra falar a verdade, eu achei que você lidou muito bem, eu provavelmente sairia quebrando tudo. — Emma deu de ombros fazendo com que eu sorrisse. — Eu sei que você tem todo o direito de ficar com raiva, eu sei que o que você mais queria era poder reunir sua família, mas as nossas expectativas nem sempre superam a realidade.
— Oh, acredite, minhas expectativas foram superadas. — Me levantei com Emma ao meu lado.
— O que eu estou querendo dizer é que você passou anos querendo a sua família reunida e, agora que eles estão ao teu alcance, você realmente vai perder tempo ficando com raiva?
— Eu não estou com tanta raiva assim, acredito que eu só preciso de tempo para absorver tudo o que aconteceu. Antes eu tinha uma vida completamente planejada e agora todos os meus planos foram por água abaixo. — Eu respirei fundo e continuei: — O que vamos fazer? Qual o próximo passo? Quanto tempo nós continuaremos aqui? Será que essa luta um dia vai ter fim? Será que um dia eu vou poder deitar no travesseiro e não ter medo de acordar com uma faca no pescoço?
— Bem, dormindo no quarto de Hades e rodeada de Dobermans eu acho muito difícil isso acontecer. — Emma levantou as sobrancelhas e eu soltei uma gargalhada. — Então você dormiu de novo no quarto de Hades, não dormiu? — Apenas dei de ombros, virando o corredor que dava para a escada principal, porém logo parei de andar quando dei de cara com meu pai vindo em minha direção.
— . — Ele disse, parando a alguns metros de mim.
— Pai. — Respondi, sentindo Emma apertar meus braços e desaparecer pelo corredor.
— Eu estava procurando por você, nós fomos em seu quarto, mas você não estava lá.
— Eu dormi em outro lugar.
— Hades falou que você preferia ficar sozinha. Ele sempre faz isso?
— Faz o quê?
— Te defende desse jeito.
— Não sei, até há alguns dias nós queríamos ver um ao outro mortos.
— Aparentemente as coisas mudaram.
— Muito mais do que eu esperava que mudassem. — Vi meu pai abaixar a cabeça, porém continuei: — Por que vocês não me contaram, pai?
— Nós só estávamos tentando te proteger, você já tinha Millie para se preocupar.
— Eu merecia saber o que estava acontecendo.
— Você sabia que nós não podíamos nos comunicar, , eles iriam nos achar.
— Eles nos acharam de qualquer maneira, pai, isso não é justificativa. Eu merecia saber, Millie merecia saber da verdade. — Senti meus olhos encherem d’agua, porém respirei fundo. — Eu passei anos criando Millie sozinha, mentindo pra ela para protegê-la, me mudando de lugar em lugar e sempre olhando por cima do meu ombro com medo do que eu poderia encontrar.
— Eu sei que o que nós te pedimos foi de uma responsabilidade enorme, , foi por isso que nós não te contamos. Família sempre foi o seu ponto fraco, , se você descobrisse que tinha mais duas irmãs, você pegaria tudo e iria ao nosso encontro. Os Fávlos sempre te vigiaram de perto, filha, você foi e ainda é a maior e melhor arma que eles criaram.
— Mas pelo menos nós estaríamos juntos! — Dessa vez eu não consegui segurar, e o grito saiu pela minha garganta. — Será que nem isso eu mereço? Será que isso vai ser o resto da minha vida, uma constante prestação de contas por todos os erros que cometi?
— , a sua culpa pelo o que você fez quando trabalhou para os Fávlos é o que te aprisiona nesse constante medo de estar fazendo tudo errado. — Meu pai segurou em meus ombros, procurando meu olhar. As lágrimas que eu tentei segurar já rolavam por meu rosto. — Você era uma criança quando seu avô se aproveitou da sua vulnerabilidade com a morte da sua avó pra continuar o legado doentio da família dele. É como eu disse, o seu ponto fraco sempre foi a família e ele se aproveitou disso.
— Mas isso não quer dizer que eu não fiz coisas horríveis, pai. As coisas que eu fiz são imperdoáveis, eu nunca vou conseguir me redimir.
— Oh, . — Meu pai me abraçou forte e eu retribui da mesma maneira. De repente, eu parecia a mesma de oito anos atrás que tinha finalmente se arrependido de tudo que tinha feito. — Às vezes pra conseguir a redenção que procuramos é preciso ir ao inferno pra alcançá-la, às vezes vale a pena viver pelo que você morreria e, se tem uma coisa que eu sei sobre você, minha filha, é que você não mede esforços por quem você ama. — Meu pai se afastou de mim e continuou: — Só não precisava levar tão ao pé da letra e acabar no submundo. — E pela primeira vez eu soltei uma gargalhada alta. — Eu só espero que você encontre alguma forma de se perdoar.
— Por que você acha que eu estou aqui em primeiro lugar? Destruir o cálice é a única maneira que eu achei de pelo menos diminuir todo o mal que eu fiz.
— E você vai conseguir, eu tenho certeza. — Meu pai me abraçou novamente e eu senti um peso sair dos meus ombros.
— Desculpa ter reagido da pior maneira em relação às gêmeas.
— Você nunca gostou de surpresas mesmo. — Ele se afastou de mim e continuou: — Agora vamos, você tem que conhecer suas irmãs.
— Espero que eu não tenha assustado as duas.
— Que nada! Cordelia acha que você é a irmã mais legal do mundo, nós contamos para ela que você é uma guerreira. — Meu pai passou o braço pelos meus ombros e nós começamos a andar em direção ao gramado do lado de fora do palácio.
— Vocês contaram tudo pra elas?
— O suficiente para que elas prestassem mais atenção ao nosso redor, sem falar que nós sempre precisávmos levá-las para todos os lugares que íamos. Adella também quer ser arqueóloga e Cordelia quer ser ginasta, mas até semana passada ela queria ser piloto de corrida. Elas estão super animadas pra te conhecer.
— Posso confessar que estou um pouco nervosa.
— Pode apostar que não só você. — Nós saímos pelo portão lateral e eu logo vi as gêmeas correndo pelas colinas com nada mais nada menos que Ares e Hades correndo atrás das duas; Emma gargalhava alto enquanto Millie e Macy atiravam flechas nos alvos há alguns metros de distância. Aparentemente, as duas tinham achado sua paixão por arco e flecha durante os treinamentos com as guardas do palácio e estavam a todo vapor para se tornarem as melhores arqueiras que o submundo já viu.
— Eu suponho que seu pai conversou com você. — Me virei para o lado dando de cara com minha mãe com um sorriso. Eu senti meus olhos encherem de água, porque, por mais que os anos se passassem e eu crescesse, me tornasse independente, o abraço da minha mãe sempre seria um dos meus lugares favoritos.
— Me perdoa, mãe. — Abracei minha mãe pelo pescoço, deixando as lágrimas rolarem.
— O que há para perdoar, ? — Ela se afastou de mim, limpando minhas lágrimas. — Nós não te contamos porque queríamos te proteger, quando na verdade nós deveríamos ter contado desde o começo para que a gente enfrentasse tudo juntos.
— Bem, se tem uma coisa que eu aprendi é que tudo acontece por uma razão e no tempo certo. — Eu sorri para minha mãe e logo virei meu olhar para a frente, dando de cara com Hades com Cordelia no colo enquanto Adella segurava a sua mão de um lado e a de Ares do outro. Eu não era muito de acreditar naquele velho clichê de que um cara segurando uma criança nos braços poderia causar os mais loucos pensamentos na mente de algumas mulheres, porém ver Hades sorrindo largamente para Cordelia enquanto ela explicava alguma coisa para ele com o maior entusiasmo fazia com que meus pensamentos corressem a mil por horas.
— Cordelia, Adella, venham conhecer sua irmã. — Hades olhou para nós, fazendo com que meu coração pulasse dentro do peito; ele colocou Cordelia no chão, que veio em direção à nossa mãe, se escondendo atrás da sua perna. Adella, por sua vez, veio pulando com o maior sorriso no rosto.
— Olá, Cordelia e Adella, eu sou , mas vocês podem me chamar de . — Logo quando me abaixei a sua altura, Adella me abraçou forte pelo pescoço.
— Mamãe disse que você é uma guerreira, é verdade? — Adella perguntou, fazendo com que eu sorrisse largamente. — Eu posso ver sua espada?
— Sim, é verdade. — Tirei minha adaga escondida em meu tornozelo. — Eu não tenho uma espada no momento, mas eu tenho essa adaga. — Adella arregalou os olhos e pegou sua adaga, mostrando para Cordelia.
— Olha, Cordelia, é uma adaga de verdade. — Cordelia saiu de trás das pernas de minha mãe, pegando a adaga das mãos de Adella.
— A gente vai aprender a lutar? — Cordelia perguntou, olhando para mim com brilhos nos olhos.
— Bem, primeiro vocês precisam crescer um pouco para que isso possa acontecer.
— Quantos anos você tinha quando aprendeu a lutar?
— Muito mais velha do que você, pode ter certeza.
— Então quer dizer que você gosta da gente? — Adella perguntou.
— O que faz vocês pensarem que eu não gosto de vocês?
— Você parecia bem chateada quando descobriu que éramos suas irmãs. — Olhei para as suas com o coração apertado dentro do peito.
— Eu não sei se papai e mamãe conversaram com vocês, mas, às vezes, eu preciso de um tempo pra poder absorver tudo ao meu redor, especialmente notícias que mudam o curso da minha vida. — Peguei a adaga da mão de Cordelia e coloquei em meu bolso, pegando a mão de cada uma nas minhas. — Eu realmente estava muito chateada ontem, mas eu já conversei com nossos pais e eles explicaram o porquê de eles não terem contado para nós sobre vocês duas. Saibam que eu não estou mais chateada; na verdade, eu estou muito feliz por estarmos todos juntos como uma família, e saibam que, do mesmo jeito que eu protejo Melinda, eu vou proteger vocês duas. Eu prometo. — Adella sorriu largamente e Cordelia sorriu sem os dentes, algo me dizia que ela era mais parecida comigo do que eu gostaria de admitir.
— Eu sabia que você ia gostar da gente! — Adella me abraçou forte pelo pescoço, olhei para Cordelia e abri meus braços; ela, um pouco hesitante, me abraçou também.
— Só falta a melhor irmã de todas! — Millie se abaixou e abraçou todas nós também.
— Não vamos encher as cabeças delas de besteira, por favor. — Me afastei delas, me levantando logo em seguida.
— Vai dizer que eu não sou a melhor de todas?
— Quem não te conhece que te compre, Melinda. Você é uma encrenqueira.
— Assim você machuca os meus sentimentos, .
— Você sobrevive, tem casca grossa. — Millie olhou pra mim com a boca aberta e logo depois soltou uma gargalhada. — Você está ficando velha, hein, pequena ? Agora você tem três irmãs pra te deixar com cabelos grisalhos?
— Aí que você se engana, Melinda, agora que somos uma família novamente, quem você vai deixar com cabelos grisalhos são esses dois. — Apontei para nossos pais, fazendo com que o sorriso de Millie desaparecesse. — O que foi, Melinda, o gato comeu sua língua? — Cruzei os braços, sorrindo largamente, porém, antes mesmo que Millie pudesse soltar uma das suas respostas debochadas, um trovão estourou pelo céu do submundo fazendo com que todos nós nos assustássemos e olhássemos para cima. Outro trovão caiu no meio do gramado, fazendo com que minhas irmãs fossem para os colos de meus pais e logo depois que a fumaça desapareceu, Zeus apareceu com os punhos cerrados e andando a passos largos até mim. Afastei-me dos meus pais, avisando para Emma tirá-los de perto com os olhos, e cruzei os braços esperando o deus do trovão soltar qualquer que fosse o motivo de tanto ódio.
— Olá, Zeus, bem-vindo ao submundo. — Eu disse, sorrindo de lado. Entretanto, aparentemente deuses não respondiam bem a deboche e a mão de Zeus apertou meu pescoço.
— Posso saber o porquê dessa entrada extremamente dramática e sua mão ao redor do meu pescoço? — Ri de lado, fazendo com que Zeus apertasse sua mão em meu pescoço. — Você vai ter que apertar um pouco mais forte se você quer se livrar de mim.
— Era isso mesmo que eu deveria fazer pela a sua insolência.
— O que foi que eu fiz dessa vez?
— Você sabe muito bem o que você fez.
— Se eu soubesse não estaria perguntando. — Zeus me puxou pra perto do seu rosto e respondeu:
— Eu não quero ouvir falar de você em um dos templos de Hera outra vez.
— Zeus, o que diabos você pensa que está fazendo? Solte-a agora! — Hades apareceu do lado do braço de Zeus, segurando em seu pulso. — Você está no submundo e aqui você não pode fazer o que bem entende, isso aqui ainda é o meu reino e eu não vou tolerar que você destrate meus convidados. Este é o seu primeiro e último aviso.
— Não há muito tempo, era você me segurando pelo pescoço por conta de Perséfone. — Olhei para Hades vendo as chamas em seus olhos aparecerem, porém, antes mesmo que eu pudesse fazer qualquer outro comentário, senti tudo girar pois Zeus começou a apertar a mão em meu pescoço cortando minha respiração. Os latidos de Cérbero ecoaram por meu ouvido antes de eu cair no chão, ofegante por ar. Olhei para o lado, vendo Cordelia e Adella chorando enquanto meus pais se abraçavam, e logo depois para Zeus se afastando enquanto tentava acalmar Cérbero e Hades apenas observava tudo de braços cruzados.
— , você está bem? — Emma perguntou, se ajoelhando ao meu lado, mas a única coisa que eu conseguia sentir era a adrenalina correndo por meu sangue enquanto eu me levantava. Peguei a adaga escondida em meu bolso, passei na palma da minha mão, deixando o sangue escorrer pela mesma. — , não. — Me levantei, ignorando os chamados de Emma e andei a passos largos até Zeus.
— Cerberus, syntaxioúchos! (Cérbero, se retire!) — Cérbero parou de latir e logo pude ver Zeus sorrir de lado. Peguei a adaga, a virando em minha mão, e a cravando no meio do peitoral de Zeus. — Se você tocar em mim, ou em qualquer das pessoas que eu amo, eu juro que da próxima vez eu cravo uma espada no seu coração do mesmo jeito que Lisa fez com um dos seus bastardos, Kostas. — Me afastei dele, vendo-o colocar a mão no peito e seu sorriso desaparecer. — Nunca mais duvide da minha habilidade ou desejo de acabar com você. Essa dorzinha é só um pouco do que eu posso fazer com você. — Os seus olhos pareciam uma noite chuvosa, completamente nublado e cheio de raios.
— Fiquei longe dos tempos de Hera, Fávlos! — E da mesma maneira que ele apareceu, ele desapareceu, deixando para trás apenas a marca do raio no gramado. Soltei o ar dos meus pulmões, porém logo tudo começou a rodar novamente, olhei para a minha mão que ainda escorria sangue e fazia uma poça no gramado. Talvez cortar minha mão no meio de um momento de adrenalina não tenha sido uma boa ideia.
— Senti minhas pernas bambas e, antes mesmo que eu pudesse cair no chão, Hades estava com um braço ao redor da minha cintura para que eu apoiasse nele.
— Por que você se cortou tão profundamente? E por que você não está se curando?
— Essa adaga enfraquece os poderes dos Fávlos, foi forjada com sangue de górgonas. Elas não apresentam uma ameaça só pra vocês.
— , você está bem? — Meu pai apareceu à frente de nós enquanto Emma e Millie levavam minha mãe e as gêmeas para dentro. — Eu pensei que você disse que poderia garantir a segurança das minhas filhas, Hades.
— Não é culpa de Hades, pai, Zeus simplesmente nunca foi com a minha cara.
— Então esses ataques à sua vida são normais?
— Não, ele nunca fez algo assim, a não ser olhar para mim com o enorme sentimento de jogar o raio em minha direção, o que, pra mim, não se categoriza como algo grave, já que eu jogaria uma adaga em sua direção se tivesse a oportunidade. — Tentei estancar o sangue ao fechar minha mão, porém o sangue continuava transbordando pelos lados.
— Vamos, eu tenho o remédio no meu estúdio que pode fechar sua ferida. — Hades me puxou pela outra mão enquanto meu pai me acompanhava.
— O que você fez pra deixá-lo com tanta raiva?
— Com aquele dali o fato de eu estar respirando já é motivo de raiva. — Respondi, sendo arrastada por Hades pelo corredor principal do palácio.
— Mas ele não faria isso só pelo fato de você “estar respirando”, alguma coisa deve ter virado a chave para ele agir dessa maneira.
— Ele falou algo relacionado aos templos de Hera e como eu deveria ficar longe deles. — Entramos no estúdio de Hades, dando de cara com uma enorme escultura ainda pela metade. Os olhos dos meus pais se arregalaram quando deram com os diversos quadros e esculturas não acabadas de Hades.
— Não vai me dizer que você é alguma espécie de Escopas? — Meu pai perguntou, se virando para Hades com olhos arregalados.
— Por favor, Hades ensinou aquele homem rancoroso a como fazer esculturas. — Ares entrou na sala de Hades segurando uma tigela rosa enquanto comia seu sorvete. — Hades adorava se aventurar no mundo humano e fazer alguns deles de aprendizes; honestamente, eu nunca vi o apelo de se fingir de classe média na Grécia Antiga.
— Não fale como se você não tivesse se metido em algumas batalhas aqui e ali. — Ares apenas sorriu de lado, jogando seus pés na mesa mais perto. Hades me colocou sentada em cima da mesa enquanto aplicava um remédio na palma da minha mão, a única coisa que eu consegui fazer foi encará-lo enquanto ele aplicava o remédio em minha mão. Ah, quem diria, um cara cheio de tatuagem e que passava a maior parte do tempo com o cenho franzido era extremamente cuidadoso quando cuidava dos outros.
— O que mais que ele te disse?
— Não muito, só que eu era insolente e que eu deveria ficar longe dos templos de Hera. — Hades parou na mesma hora enquanto Ares deixou a colher no ar a poucos centímetros da boca. — Por que vocês dois estão com essas caras?
— Você tem certeza que ele disse templo de Hera? Absoluta certeza, ?
— Bem, é algo muito difícil de esquecer quando ele estava com uma mão agarrada em meu pescoço. — Ares e Hades se entreolharam enquanto eu fiz o mesmo com meu pai.
— Pai, por que vocês estavam naquele templo?
— Nós achamos um mapa em uma das escavações que participamos relacionados à Grécia Antiga enquanto estávamos pela Europa, nós passamos uma boa parte do tempo pensando que voltaríamos para a Grécia, porém, antes mesmo que pudéssemos comprar a passagem, sua mãe viu a ponte em um filme.
— A Ponte do Diabo, na Alemanha.
— Isso mesmo. Nós arrumamos nossas coisas e seguimos viagem até lá, nós achamos uma entrada em uma gruta embaixo de umas estátuas que lembravam as que vimos nas escavações, então pensamos em dar uma olhada. — Meu pai cruzou os braços e continuou: — Sua mãe entrou primeiro com sua Cordelia enquanto Adella ficou comigo, acredito que estávamos sendo seguidos e, quando sua irmã se afastou de sua mãe, um dos homens do seu avô a pegou.
— Onde vocês se encontraram esse mapa? — Ares perguntou.
— Em Cnido. — Hades e Ares se entreolharam novamente e eu rolei os olhos.
— Vocês não estão enganando ninguém com essa troca de olhares; se vocês sabem de alguma coisa, seria melhor compartilhar com o resto da turma.
— É mais complicado do que você imagina, . — Hades passou as mãos por seus cabelos enquanto seus olhos escureciam, perdendo suas chamas. Ares apenas abaixou a cabeça enquanto cruzava dos braços, aparentemente o deus da guerra não fugia de uma luta, mas se esquivava quando a conversa era levada para um lado mais sério.
— É sobre Perséfone, não é?
— Por que você diz isso?
— “É mais complicado do que você imagina” foi o que você disse, Zeus, por sua vez, fez questão de dizer enquanto me segurava pelo pescoço “Não há muito tempo, era você me segurando pelo pescoço por conta de Perséfone”. Tudo que aconteceu volta para Perséfone e, pelo visto, Hera também. Eu posso ter passado alguns dias topadas e focada em assuntos familiares, porém eu não vi nenhum rastro da rainha do submundo.
— ...
— Não, pai, eles sabem de alguma coisa que pode nos ajudar a acabar com o Fávlos, mas preferem ficar de segredinho a essa altura do campeonato.
— Eu acredito que provocação não vá te levar a lugar nenhum, .
— Você não tem o direito de falar sobre provocações quando você me provocou ao contar a verdade para Milie, especialmente sobre como eu consegui o título de General. — As chamas nos olhos de Hades voltaram, mas longe elas estavam de ser as mesmas que eu vi quando estávamos dançando. — E então, vocês vão falar o que aconteceu ou eu vou ter que me render à boa e velha fofoca? — Hades bateu com o remédio em cima da mesa, fazendo com que eu me assustasse, e andou a passos largos, parando em minha frente.
— Perséfone está morta. — Eu suspirei alto e arregalei os olhos enquanto ele aproximou o rosto do meu e continuou: — E a culpa é minha. Está feliz agora, Fávlos? — Ele passou por mim e logo desapareceu deixando para trás um rastro de fumaça.
Eu longe de estar feliz.
Capítulo X
Foram poucos os momentos da vida que eu me senti uma total escrota, a maioria deles estava ligado a tudo que aconteceu quando eu ainda era uma General no exército dos Fávlos, outras vezes quando eu deixava o meu medo de sermos descobertas e impedia Millie de sair com para um parque ou assistir um filme com os seus amigos. Em ambos os cenários eu nunca achei que estava fazendo alguma coisa errada, afinal de contas, eu estava protegendo minha família usando dos meus melhores artifícios do meu treinamento, usando do pulso firme que me fez subir de patente ao longo dos anos e minhas habilidades como interrogadora. Entretanto, arrancar a informação do que aconteceu com Perséfone, especialmente, fazendo Hades me olhar com tanto ódio nos olhos enquanto falava que era sua culpa, fez com que meu coração apertasse dentro do peito.
Eu sempre soube que algo estava acontecendo ou tinha acontecendo, a ausência de Perséfone me deixou com uma pulga atrás da orelha desde que chegamos ao submundo, mas nunca, nos cenários mais loucos que eu montei na minha cabeça, eu imaginei que ela estava morta, e com esse novo pedaço de informação, minha mente já estava trabalhando a mil, mas todos os cenários voltavam para as mesmas perguntas: o que aconteceu com Perséfone? E por que ela está morta?
Joguei as cobertas pro lado colocando um par de calça logo em seguida, desviei de Cérbero, tentando não os acordar enquanto andava em direção à porta, os cachorros de Hades não saíram do meu lado desde que ele desapareceu essa manhã, parecia que eles sabiam que a culpa era minha, e toda vez que eles me olhavam, eu sentia outro aperto no peito.
Andei pelos corredores, indo em direção à adega que eu tinha achado por acaso enquanto procurava um banheiro neste palácio; o lugar era tão grande quanto o meu apartamento e estava cheio dos mais variados tipos de bebidas, e se tinha uma coisa que eu sabia sobre bebidas, dos ensinamentos da minha avó, era que quanto mais velha, melhor. Peguei duas garrafas de vinho e, quando eu estava saindo da adega, avistei uma porta escondida entre as prateleiras. Claro que a curiosidade falou mais alto e logo andei em direção a mesma.
A primeira coisa que eu vi foi uma escada que levava para o telhado do castelo, então, como uma boa curiosa, apenas segui pela escada com as duas garrafas de vinho seguras em minhas mãos. Ao chegar no final da escada, segui por uma porta que dava direto no telhado do castelo, onde eu pude ver todas janelas dos altos tetos ao redor. O lugar era tão grande que poderia servir de restaurante, com direito a uma vista incrível do submundo, aparentemente alguém tinha pensando a mesma coisa, porque logo eu pude avistar um sofá perto da beira do castelo. Parecia que os deuses estavam ao meu lado pelo menos uma vez na vida, uma brisa fresca, uma paisagem e um vinho era tudo que eu precisava para poder esquecer esse dia.
Andei em direção ao sofá, com o maior sorriso satisfeito no rosto, porém, logo meu sorriso desapareceu quando avistei Hades jogado no sofá com uma garrafa de uísque em suas mãos. Comecei a andar para trás, refazendo o mesmo caminho, tentando ao máximo não fazer barulho. Encarar Hades não estava nos meus planos, não tão cedo, pelo menos.
- Eu consigo sentir sua presença, . – Hades disse alto o suficiente para me desequilibrar e derrubar uma das garrafas de vinho no chão. – Ah, um Domaine de la Romanée-Conti Grand Cru. – Ele se virou para mim, apoiando seu braço no sofá. – Você definitivamente sabe como dar a facada certa em um homem, não importa o requisito.
- E o que você quer dizer com isso?
- Esse era um dos vinhos mais caros e raros da minha adega.
- Não é como se eu tivesse feito de propósito.
- Oh, é claro! Acidentes são muito comuns quando se trata de você. – Ele tomou o resto do conteúdo da sua garrafa e a jogou pelo telhado. Hades estendeu a mão para mim e disse: – Me dê essa garrafa, , pegue outra na adega.
- Eu não acho que seja uma boa ideia, você já bebeu demais.
- Acredite, , não o suficiente.
- Eu acho melhor não arriscar. – Andei a passos largos até o sofá, engolindo todo o meu orgulho, e me sentei ao seu lado. Hades estava com sua camisa desabotoada, com as mangas no cotovelo, mostrando as tatuagens em seus braços, enquanto seus olhos estavam levemente vermelhos.
- De todas as suas funções, , babá não é uma que eu ligaria a você.
- Eu criei Millie por uma boa parte da minha vida, é claro que eu sou uma ótima babá. – Peguei o abridor em cima da mesa e comecei a abrir o vinho.
- Você está me comparando à sua irmã adolescente?
- Mas é claro que não, Millie é fácil de lidar, já você…
- São os anos de experiências que falam mais alto.
- Anos? Acredito que você esteja sendo bastante generoso consigo, está mais para séculos. – Encostei minhas costas no sofá e tomei uma boa quantidade de vinho. Fechei os olhos, apenas sentindo a brisa, e estendi a garrafa para Hades. Por um momento, eu pensei que ele iria me ignorar, porém, logo senti sua mão ao redor da minha enquanto pegava a garrafa. Virei para o lado, dando de cara com Hades me encarando enquanto balançava a garrafa em sua mão. Ele estendeu a garrafa para mim, que peguei e dei um gole. Vamos lá, , é agora ou nunca.
- Eu sinto muito. – Hades olhou para mim, mas antes que eu pudesse desistir, continuei: – Eu sei que nós não temos o melhor relacionamento do mundo, sendo arqui-inimigos e tudo, mas não justifica a maneira que eu falei com você. Eu só estou cansada. Completamente exausta. Eu só quero que tudo isso acabe, entende? Eu quero não ter que passar o resto da minha vida olhando por cima do ombro. – Tomei uma boa quantidade do vinho e continuei: – E você estava certo, eu não subi de patente porque fui uma boa pessoa, eu sempre fui boa em arrancar informações dos outros, não importasse a técnica. – Virei meu rosto para ele. – E vamos combinar, tirar um deus do sério não é uma tarefa muito complicada. – Ri de lado, vendo um pequeno sorriso brotar nos lábios de Hades enquanto ele pegava o vinho das minhas mãos.
- Eu nunca quis que as coisas chegassem a esse ponto, mas é como eu digo: de boas intenções o inferno está cheio e eu sou o rei do inferno grego, as boas intenções são bem mais dolorosas comigo.
- Você não precisa falar nada, Hades.
- Bem, , faz anos que eu não falo sobre isso, acho que está mais do que na hora de eu soltar tudo de dentro do meu peito.
- Eu só não quero que você se sinta obrigado a me contar só porque eu te forcei com minhas habilidades de te irritar.
- Você não me irrita, , você me deixa desconfortável. – Ele riu de lado. – E faz anos que ninguém me deixa desconfortável com o jeito que eu levo minha vida.
- Eu tenho certeza que tem um elogio em algum lugar nessa fala. – Hades tomou uma boa quantidade de vinho e estendeu a garrafa para mim novamente.
- Ao contrário do que as histórias contam, Perséfone nunca foi uma prisioneira do submundo, acho que aqui era o único lugar que ela conseguia respirar fundo e relaxar. A mãe de Perséfone, Deméter, sempre se gabou da beleza da filha, a exibindo como a flor mais bonita do seu jardim pelo Olimpo em uma maneira dela conseguir chamar a atenção de pretendentes. Só que Perséfone não estava ligando nem um pouco para casamento, a única coisa que ela queria, era conhecer o mundo humano e suas belezas. Ela era apaixonada pelos humanos, ela sentia inveja do livre arbítrio, de fazer suas próprias escolhas, coisa que ela nunca teve. – Ele respirou fundo e continuou: - Quando eu conheci Perséfone, ela estava se escondendo em um dos jardins do palácio de Zeus enquanto fugia dos pretendentes que sua mãe arranjou. Eu sabia quem ela era da mesma maneira que ela sabia quem eu era, e logo de cara, ela disse que entendia porque eu quase nunca vinha às festas do Olimpo. Isso arrancou uma risada minha e nós engatamos uma conversa que durou até que sua mãe começou a gritar seu nome pelos quatro cantos do palácio. Eu pensei que nossa história ia acabar ali mesmo naquela noite, eu estava acostumado a ser deixado de lado nesse lance de deuses, porém, nos meses que seguiram, Perséfone fez questão de me visitar algumas vezes no mês, meses viraram semanas e semanas viraram visitas diárias. Nos apaixonar foi consequência de uma amizade que nós construímos durante anos, acho que nenhum de nós estávamos esperando, porém, tínhamos certeza que queríamos viver juntos aqui no submundo. Deméter odiou a ideia de perder sua filha para o deus do submundo, por isso, passou a espalhar mentiras sobre o que aconteceu comigo e Perséfone, o que resultou nas histórias que vocês conhecem no mundo humano. Gaia nos deu permissão para casar, contanto que continuássemos cumprindo nossas funções corretamente. O Olimpo inteiro veio para o nosso casamento, o submundo estava em festa com a união e com sua nova rainha e eu nunca estive mais feliz.
- Se vocês estavam tão felizes, por que Perséfone não está aqui?
- Nós fomos muito felizes, isso é verdade, nossa felicidade se estendeu por séculos. Entretanto, ao longo do tempo, nosso relacionamento se transformou mais em uma amizade do que em um relacionamento amoroso, nós nos amávamos, mas não era o mesmo amor de antes. As Moiras sempre disseram que o que nós tínhamos, Perséfone e eu, era algo passageiro, mas nós nunca acreditamos. Elas disseram que meu destino estava entrelaçado com alguém do qual eu nunca esperaria, mas, claro, quem acreditaria em três senhorinhas que passam a maior parte do seu tempo falando da vida dos outros. – Hades disse, fazendo com que eu gargalhasse. – Então Perséfone foi embora, decidindo passar a colheita no mundo humano. Ninguém sabia que nós não estávamos mais juntos, Perséfone queria liberdade longe dos deuses e da sua mãe, então eu guardei o segredo do nosso divórcio de todos. No primeiro ano que Perséfone não voltou ao submundo, foi impossível esconder que nós não estávamos juntos, a maioria dos deuses apenas pensou que era uma fase no nosso casamento, algo que é muito comum quando vocês estão juntos por anos ou até mesmo séculos, porém, eu nunca os corrigi. Nós sabíamos que tinha acabado e eu estava feliz com isso.
- O que aconteceu então? Por que Perséfone está morta?
- Bem, Perséfone se apaixonou por um humano no tempo que ficou no mundo humano, acho que ela nunca sentiu por ninguém o que ela sentiu por Tadeu. Eles ficaram juntos por anos, porém, o tempo sempre foi inimigo dos amantes e Tadeu começou a envelhecer, enquanto Perséfone ficava cada vez mais jovem; até que ela teve uma das ideias mais loucas que qualquer um já teve. Nós sempre escutamos histórias sobre Avra, a deusa que desistiu do seu lugar Olimpo para viver sua vida com a mulher que se apaixonou enquanto estava no mundo humano.
- Eu nunca ouvi falar de Avra.
- Bem, depois que ela desistiu dos seus poderes para ficar com a mulher que ama, todos os deuses contaram sua história como um dos maiores tragédias que o Olimpo já viu, não como um “felizes para sempre”. A maioria dos deuses esqueceu do que aconteceu, mas para as deusas que andavam entre os humanos, era um constante lembrete que os humanos eram mortais e que, eventualmente, se você se apaixonasse por um humano, teriam consequências.
- Perséfone se tornou humana? Como?
- Como Avra, Perséfone passou por um processo árduo que vocês conhecem como “Os 12 trabalhos de Hércules”, é claro que a versão hardcore, onde qualquer um que passasse por esse processo, mesmo sendo um deus, ficava entre a vida e morte a cada trabalho concluído. Perséfone sempre foi muito boa em conseguir o que queria, ela completou os trabalhos segurando pelo último fio de vida que ela tinha, porém, conseguiu o direito de se tornar humana, o que era um processo extremamente doloroso. Todos os deuses foram prestigiar Perséfone quando sua transformação foi concluída, porém, tinha um deles que não aceitava perder Perséfone para os humanos.
- Foi Zeus, não foi?
- Por que diz isso?
- Porque ele é um babaca controlador que viu a desistência de Perséfone da sua imortalidade como uma falha no seu reinado.
- Você leu muito sobre Zeus, não leu?
- Eu tenho que conhecer meu inimigo muito bem para derrotá-lo, além do mais, eu conheço narcisistas muito bem, existem vários na minha família.
- Zeus nunca aceitou as decisões de Perséfone desde que ela casou comigo, Zeus, que podia ter qualquer mulher do mundo, não conseguia ter a única que ele queria. Perséfone odiava Zeus com todas as forças, especialmente quando sua mãe tentava jogá-la para cima dele em qualquer oportunidade que ela tinha. Deméter queria poder, sempre quis, e um casamento ou um caso com alguém poderoso era um dos jeitos mais rápidos de se conseguir.
- Eu não sei quem é pior nessa história: Zeus e sua eterna babaquice ou Deméter, uma mãe ao fazer isso com a própria filha.
- Acredite, , tudo pode piorar. – Hades tomou o resto da garrafa de vinho e a jogou pelo telhado antes de continuar: - Perséfone viveu em paz por anos, ela ainda tinha contato com alguns deuses, porém, ela vivia a sua vida da maneira mais normal possível. Perséfone contou que uma noite, Tadeu chegou do trabalho um pouco mais cedo, ela não notou a diferença, eles seguiram a sua rotina de jantarem juntos, assistirem um filme e foram para cama. Ela contou que notou uma diferença em Tadeu, como se eles estivessem fazendo amor pela primeira vez, mas deixou a sensação de lado. No dia seguinte, Tadeu entrou em casa de manhã cedo e Perséfone descobriu que quem dormiu com ela não tinha sido seu marido e como Perséfone sabia como deuses funcionavam, desconfiou que algum deles se aproveitou dela, não ajudou muito logo quando Perséfone descobriu, meses depois, que estava grávida.
- Foi Zeus? Babaca!
- Perséfone nunca quis ter filhos, Tadeu muito menos, então os dois decidiriam que não queriam a criança. A medicina não era avançada como é hoje, então Perséfone pediu ajuda a alguns deuses que ela sabia que podiam proporcionar uma experiência menos dolorosa para ela. No dia do procedimento, Zeus apareceu e ela soube que quem tinha entrado e a enganado fora ele. Zeus, um narcisista nato, pediu para Perséfone para manter a criança, porém, Perséfone o ignorou e seguiu com o procedimento. Zeus, por vingança, matou Tadeu na mesma hora na frente de Perséfone. – As lágrimas começaram a rolar pelo rosto de Hades, fazendo com que meu coração apertasse dentro do peito. Me aproximei de Hades, colocando minha mão em suas costas. – Eu não consegui chegar a tempo, quando Tadeu apareceu no submundo, foi quando eu soube que algo estava errado. Quando eu finalmente consegui achar Perséfone, ela tinha tomado um veneno para caso algo desse errado. Zeus estava olhando para ela, petrificado, quando eu cheguei. Então eu soube que a culpa era dele.
- Eu não entendo como a morte de Perséfone é sua culpa.
- Eu ajudei Perséfone a virar humana, , sem meu suporte e de meus amigos, Gaia nunca teria permitido que ela abandonasse seu posto. Eu poderia ter checado ela mais vezes enquanto ela estava no mundo humano, diabos, eu podia ter mandado Zeus se foder mais vezes. Eu podia ter feito muito mais para salvar Perséfone.
- Você poderia sim ter feito muito mais, Hades, mas eu tenho certeza que você fez tudo o que pôde. Na vida, a gente sempre pode fazer as coisas de outra maneira, melhor do que da última vez, mas a gente faz o que pode e está tudo bem. Ficar se martirizando pelo o que aconteceu com Perséfone não vai fazer com que as coisas tivessem sido diferentes, ela escolheu virar humana, ela escolheu viver com o amor da vida dela, e esses momentos fizeram com que ela finalmente tomasse controle sobre sua vida. Perséfone foi livre, Hades, coisa que ela não era quando era uma deusa. E quem tirou o direito de escolha dela foi Zeus, quando a enganou, a levou para cama, quis obrigá-la a ter seu bastardo e ainda por cima matou seu marido. A culpa não foi sua, Hades, nunca foi sua.
- Eu nunca quis matar uma pessoa tanto quanto eu quis matar Zeus, eu sabia que eu precisava vingar Perséfone de alguma maneira, mas sabia que não podia fazer sozinho, então eu marchei com meu exército para o Olimpo, porém, meu irmão, como um babaca que sempre foi, montou um exército de humanos procurando compaixão da minha parte, só que ele esqueceu a parte que eu não ligo nem um pouco para eles, não da maneira que ele e outros deuses fazem. Então matei, enganei, descobri novas habilidades como as que você viu na lanchonete, e a única coisa que me parou foi quando Gaia...
- Criou o Fávlos.
- Não, isso veio depois. Porque Perséfone era uma deusa que desistiu da sua imortalidade, ela não tinha direito a viver no submundo, Gaia então concedeu o direito de Perséfone morar no submundo com uma estratégia de fazer com que a guerra parasse, mas eu não parei, eu continuei até que minha adaga atravessou o peito de Zeus. Perséfone pediu para que eu parasse, não por Zeus, mas pelos humanos que ela tanto adorava, então, por ela, eu abandonei a batalha, voltei para o submundo junto com meu exército. Os Fávlos vieram logo depois, e por muito tempo eu apenas ignorei todos os pedidos para fazer parte dessa nova batalha, mas depois do que aconteceu com Kostas, eu não pude mais ignorar.
- Perséfone está viva?
- Ela mora com seu marido em uma das ilhas que temos para os deuses, mas o fato de que ela está vivendo aqui no submundo não anula o que aconteceu ou a culpa que eu carreguei e ainda carrego.
- Se seu irmão, que fez o que fez, não sente um pouco de culpa, por que você, que só quis ajudar, deveria sentir?
- Acho que você é a pessoa que mais entende pelo o que eu passei.
- Se sentir culpado por conta das merdas da minha família que me influenciou a ser a pior versão de mim que eu posso ser? – Hades riu de lado. – Me consome todos os dias o que eu fiz, muitas vezes, eu não sei como consigo viver comigo, aí então eu olho para Millie e tudo que eu fiz todos esses anos. Eu aprendi a ser menos egoísta, mais caridosa, extremamente mais paciente e muito mais amorosa, eu não sabia que eu podia sentir algo mais do que sede por vingança, raiva e rancor. Eu aprendi a ser uma melhor versão de mim todos esses anos cuidado dela, a amizade com Emma fez com que eu enxergasse a questão de me conectar com os outros sem segundas intenções, eu aprendi a viver e é tudo graças à elas duas. – Aproximei meu rosto de Hades e sussurrei: - Mas nunca diga isso a elas, é capaz do ego de ambas inchar até que elas sejam capazes de voar, especialmente Melinda.
- Não se preocupe, , seu segredo está a salvo comigo. – Eu juro que não queria ter reparado, mas meus olhos desviaram das chamas vivas dos olhos de Hades e foram direto para seus lábios.
- Hades... – Os lábios dele selaram os meus enquanto sua mão acariciava meu rosto, eu queria dizer que anos de treinamento me preparariam para isso, mas nada na vida me preparou para um beijo vindo do deus do submundo. Seus lábios se moviam contra os meus enquanto sua língua acariciava a minha, eu queria dizer que eu me controlei, mas minhas mãos viajaram para sua nunca enquanto segurava seu braço, o puxando para perto. Hades me beijava como eu nunca fui beijada antes, cheio de uma paixão que ardia por todo o meu corpo e aquecia meu coração, era como se, pela primeira vez em muito tempo, eu podia finalmente me sentir segura.
- Eu não acho que nós deveríamos continuar, não que eu não queira, mas acredito que tivemos emoções demais por hoje. – Eu disse, me afastando dele, encostando minha testa na sua.
- Você está certa, . – Hades se levantou, fazendo com que eu me levantasse também. – Nós não deveríamos fazer isso, pelo menos não desse jeito. – Olhei para ele, confusa. – É por isso que amanhã, eu te espero no portão lateral, depois do almoço. – Ele começou a andar em direção à porta.
- Isso por acaso é um encontro?
- Você pode apostar que sim, , não me deixe esperando por muito tempo.
- Eu não deixarei. – Eu o vi desaparecer pela porta, sentindo o sorriso se estender por meu rosto.
Aparentemente, eu tinha um encontro com o deus do submundo.
Capítulo XI
Os formigamentos pelos meus dedos eram um indicativo do quão nervosa eu estava, não era toa que a cada passo que eu dava em direção ao portão lateral, meu coração batia mais rápido dentro do peito. Fazia anos desde a última vez que eu fui a um encontro, desde o dia que eu descobri que o cara que eu estava saindo, do qual eu estava começando a gostar, na verdade, tinha sido contratado pelo meu avô para me achar, eu jurei nunca mais tentar conhecer alguém por mais de uma noite.
Tudo estava indo de acordo com o planejado, mas desde daquela bendita noite da qual eu dancei com Hades no aniversário de Millie, nada estava indo de acordo com os meus planos. Não era que eu não tivesse planejado que as coisas poderiam vir a dar errado, ficar acordada até altas horas da noite imaginando cada cenário caso os Fávlos descobrissem onde estávamos era um dos meus passatempos favoritos, uma das consequências disso foi a criação do cafofo como um refúgio até que pudéssemos pensar no próximo passo. Entretanto, em nenhum desses cenários eu imaginei que estaria aqui hoje, nervosa e com o coração batendo forte dentro do peito a ponto de ir a um encontro com o deus do submundo.
Andei a passos largos em direção ao portal lateral que já estava meio aberto, quando eu passei pelo menos, uma mão segurou a minha e logo em seguida eu estava pressionada ao peitoral de Hades.
- Olá, – olhei para cima, dando de cara com o sorriso de Hades de orelha a orelha, fazendo com que um sorriso brotasse nos meus lábios. – Pronta para o nosso encontro? – Hades passou o braço por minha cintura enquanto a outra segurava uma cesta de piquenique.
- Nós vamos a um piquenique?
- Claro que não, , nosso piquenique já está lá. Você está pronta?
- Como nunca antes.
- Então se segura, a próxima parte não vai ser sua favorita.
- Por favor, não me diga que vamos nos teletransportar.
- Como você quer que a gente vá até a praia? Nós estamos a quilômetros do litoral.
- Prefiro ir andando do que passar mal durante a viagem.
- Bem, eu tenho a melhor solução para isso.
E então, sem mais nem menos, ele me beijou fazendo com que eu passasse meus braços ao redor dos seus ombros e só sentisse o vento passar por nós. Quando eu me separei de Hades foi apenas para ver que estávamos longe do palácio, aparentemente em uma ilha, isolados de todos os outros lugares que tinham no submundo. Virei para o lado, dando de cara com o azul da água se misturando com o céu e as nuvens. O submundo poderia ser muitas coisas nos livros que eu li, normalmente era um lugar associado a dor, sofrimento e penitência, porém, em nenhum deles mostrava a paz que ele trazia para aquele que mereciam.
- Nem nos meus sonhos mais loucos eu imaginaria que esse tipo de lugar existiria no submundo.
- O mundo humano nunca fez jus ao submundo como ele realmente é para aqueles dos quais viveram uma vida justa no seu tempo na Terra – Hades se afastou de mim e se sentou na toalha estendida na área completamente preenchida com diferentes tipos de comida. – Acredito que esteja associado a mentalidade de bem versus mal e a narrativa de que o deus do submundo é malvado enquanto o deus dos trovões é benevolente – Hades bateu no espaço ao seu lado e logo em sentei. – Eu assisti aos diversos filmes e as interpretações de Hades e, mesmo sendo divertidas, elas estão longe de serem precisas.
- É verdade, nenhum delas tem tatuagem por todos o torso ou os olhos de chamas. Por um pouco eles quase acertaram, mas eu acho que um cabelo em chamas não lhe cairia tão bem.
- Você consegue notar as chamas em meus olhos?
- Bem difícil não as notar quando elas estavam direcionadas a mim – Hades sorriu de lado enquanto abria o champanhe.
- Não foi de propósito, pode ter certeza, . Eu simplesmente não consigo me segurar quando estou perto de você – ele estendeu uma taça para mim e continuou: - Eu nunca sei o que vai acontecer quando você está no recinto, você é uma das poucas que ainda consegue me surpreender.
- Eu sei que tem um elogio em algum lugar nessa sentença.
- E acredite, , por mais que tenhamos nossas diferenças e que a nossa relação tenha começando de um jeito inusitado, eu admiro muito o jeito que você cuidou da sua irmã todos esses anos.
- Então quer dizer que todo esse tempo os deuses sabiam onde eu estava?
- É verdade que nós monitoramos os Fávlos de perto, mas desde que você fugiu, seu rastro ficou mais difícil de achar – Hades se apoiou em sua mão enquanto olhava para mim. – Por acaso, um dos semideuses viu a sua irmã passando na rua e logo depois ele reconheceu um dos Fávlos que a seguia até que ela entrou na lanchonete e lá você estava. Ares e eu estávamos mais perto, então Zeus pediu que nós fossemos te visitar.
- Me conforta saber que eu sucedi em algo, mas ainda me aperta o peito por não ter contado a verdade para Millie mais cedo.
- A história da sua família não é fácil de digerir, imagina para Millie que nunca viveu metade do que você viveu nas mãos da sua família.
- Eu ia contar a verdade pra Millie, eu só achei que se eu esperasse um pouco, até ela terminar o colégio, as coisas seriam mais fáceis. Nós poderíamos nos mudar para uma cidade nova, ela poderia entrar em uma universidade, e aos poucos, eu poderia treiná-la para caso algo acontecesse.
- Você e seus pais não tinham um plano?
- O plano sempre foi eu cuidar de Millie enquanto eles procuravam o cálice e quando de fato eles achassem, nós poderíamos destruí-lo.
- E então vocês poderiam ser uma família completa novamente e veriam felizes para sempre.
- Na medida do possível, sim. Eu não sei se felizes para sempre estava nos meus planos, especialmente depois de tudo que eu fiz.
- Ei, você merece um final feliz como qualquer outra pessoa, , tudo o que você fez, mesmo quando estava com os Fávlos, foi em nome da sua família – Hades acariciou meu rosto, fazendo com que eu fechasse os olhos. Sentir sua mão em meu rosto trouxe o conforto que nenhum abraço a um travesseiro fez depois de um dos meus pesadelos.
- Um “felizes para sempre” eu não sei, mas um “felizes por agora” eu tenho certeza que mereço – sorri de lado, colando meus lábios nos deles. – Inclusive, eu estou extremamente curiosa para entrar nessas águas – me levantei, tirando meu vestido e o jogando para o lado. Hades apenas sorriu de lado, tirando a sua camisa enquanto sorria de lado. Em todas as minhas teorias de como os deuses seriam fisicamente, nunca em meus sonhos mais loucos eu imaginaria que Hades seria o deus com um corpo cheio de tatuagens.
- Você está encarando, .
- O que eu posso fazer quando a vista é uma obra de arte – apenas dei de ombros e andei em direção ao mar.
- Ah, não, , você não vai fugir de mim assim tão rápido – olhei para trás, dando de cara com Hades correndo atrás de mim. Soltei um grito e comecei a correr em direção ao mar sem ao menos olhar para trás, quando eu cheguei na parte mais fundo, mergulhei no mar, sentindo a água gelada em minha pele. Quando voltei à superfície, dei de cara com Hades andando em minha direção a passos largos com um sorriso de lado no rosto. Se tinha uma coisa que esse homem sabia fazer, era parecer como o personagem principal de qualquer livro de romance a ponto de transformar a vida da mocinha, porém, Hades estava longe de ser o homem com personalidade de bom moço que fazia todas as garotas suspirarem alto. Ah, não, Hades, era o antagonista moralmente cinza, nem completamente bom ou ruim, apenas na medida certa para ser humano.
Hades segurou meu rosto entre suas mãos e me puxou para um beijo avassalador com direito a sua mão puxando os cabelos da minha nuca enquanto a outra apertava a minha cintura. O calor que exalava do seu corpo esquentava o meu a medida sua boca explorava a minha, minhas mãos passeavam por seu corpo.
- Eu queria fazer isso desde que eu te vi pela primeira vez.
- No dia do aniversário de Millie? – ele assentiu e continuou:
- Você estava dançando com Emma enquanto sorria largamente e se perdia na música, completamente diferente do que eu imaginava que você seria.
- A nossa realidade, às vezes, supera as nossas expectativas. Você, definitivamente, é muito mais do que eu esperava que fosse – passei minha mão por seus cabelos enquanto ele sorria de lado. – Para começo de conversa, nenhuma história citava as tatuagens, ou a cor e a chama dos seus olhos, ou o fato de você ser tão benévolo. Quem diria que dentro desse corpinho esculpido pelos deuses poderia ter tanta bondade.
- As tatuagens foram um passatempo, Ares também tem algumas escondidas, meus olhos mudam de acordo com o meu humor, e, benévolo? Eu gosto de pensar que eu sou justo, na medida certa entre cruel e bom.
- Eu acredito que você é mais bom do que cruel, se fosse eu, eu já teria atentado contra a vida de Zeus mais vezes que a quantidade de estrelas que tem no céu.
- Acredite, , nenhum atentado seria comparado ao carma que Zeus enfrenta nesse momento.
- Qualquer que seja o seu carma, ele merece.
- Sim, se fosse diretamente com ele.
- Do que você está falando?
Antes mesmo que Hades pudesse responder, as águas ao nosso redor começaram a se mover em direção ao alto mar onde uma imensa onda começava a se formar, Hades se endireitou e logo ficou em minha frente para me proteger. A onda começou a vir em nossa direção, porém, antes mesmo que ela pudesse nos tocar, se abriu no meio, se espalhando pelo mar. De primeira, achei que era um animal, porém, logo percebi que era um homem, metade humano e metade polvo, de longos cabelos pretos parecidos com o Hades, com os olhos tão azuis quanto o mar, que segurava um tridente de ouro em uma das mãos.
A água ao nosso redor desapareceu à medida que ele se aproximava, e quando seus tentáculos tocaram o chão, viraram pernas.
- Olá, meu irmão querido – Poseidon era completamente diferente do que eu imaginei que seria, para começo de conversa ele era tão bonito quanto Hades, porém, com aparência mais jovial como um daqueles caras que você lê em livros de romance onde o personagem principal é algum tipo de atleta. – Fávlos, finalmente! – ele segurou meu rosto entre suas mãos e deu um beijo estalado na minha bochecha. – Soube que você foi uma garota muito má com nosso irmão e ele está furioso – ele jogou seu tridente para o lado, fazendo com que ele desaparecesse no meio do ar. – Finalmente alguém para fazer com que ele sinta alguma coisa, especialmente, se essa coisa é medo.
- Medo?
- É, lindinha – ele apertou minha bochecha. – Afinal de contas, por que você acha que nós queremos acabar com a sua família? Vocês são uma ameaça para a nossa imortalidade, , e você, mais do que ninguém, apresenta a maior risco.
- Acredito que tenha um elogio escondido em algum lugar.
- Nem todos nós somos tão desagradáveis quanto Zeus, para falar a verdade, ele é o pior de todos.
- Tem alguma razão para a sua inesperada visita?
- Como vocês dois decidiram desaparecer e nem ao menos avisaram a alguém, nós tivemos que procurar por vocês.
- Poseidon, eu não estou de brincadeira. O motivo para você estar atrapalhando o nosso encontro tem que ser muito bom, senão eu te jogo nas profundezas de Tártaro.
- Ah, que lindo! Primeiro encontro?
- Poseidon!
- Você vai falar por que veio, ou vou ter que fazer você provar do mesmo veneno que seu querido irmão, deus dos raios? – paciência nunca foi uma das minhas virtudes, então ter Poseidon atrapalhando o nosso encontro quando a única coisa que eu queria fazer era me perder nos braços de Hades estava fazendo com que eu ficasse mais impaciente.
- É Hera, ela está falando.
- Ela acordou? – Hades perguntou, arregalando os olhos.
- Não, ela está falando, para falar a verdade, ela está falando uma palavra apenas – nós ficamos esperando que Poseidon continuasse, porém, ele continuou calado.
- Acredito que convivendo tanto com peixes, você perdeu a habilidade de falar com humanos. Que palavra?
- – Hades e eu nos entreolhamos. – Ela está chamando você, .
Tudo estava indo de acordo com o planejado, mas desde daquela bendita noite da qual eu dancei com Hades no aniversário de Millie, nada estava indo de acordo com os meus planos. Não era que eu não tivesse planejado que as coisas poderiam vir a dar errado, ficar acordada até altas horas da noite imaginando cada cenário caso os Fávlos descobrissem onde estávamos era um dos meus passatempos favoritos, uma das consequências disso foi a criação do cafofo como um refúgio até que pudéssemos pensar no próximo passo. Entretanto, em nenhum desses cenários eu imaginei que estaria aqui hoje, nervosa e com o coração batendo forte dentro do peito a ponto de ir a um encontro com o deus do submundo.
Andei a passos largos em direção ao portal lateral que já estava meio aberto, quando eu passei pelo menos, uma mão segurou a minha e logo em seguida eu estava pressionada ao peitoral de Hades.
- Olá, – olhei para cima, dando de cara com o sorriso de Hades de orelha a orelha, fazendo com que um sorriso brotasse nos meus lábios. – Pronta para o nosso encontro? – Hades passou o braço por minha cintura enquanto a outra segurava uma cesta de piquenique.
- Nós vamos a um piquenique?
- Claro que não, , nosso piquenique já está lá. Você está pronta?
- Como nunca antes.
- Então se segura, a próxima parte não vai ser sua favorita.
- Por favor, não me diga que vamos nos teletransportar.
- Como você quer que a gente vá até a praia? Nós estamos a quilômetros do litoral.
- Prefiro ir andando do que passar mal durante a viagem.
- Bem, eu tenho a melhor solução para isso.
E então, sem mais nem menos, ele me beijou fazendo com que eu passasse meus braços ao redor dos seus ombros e só sentisse o vento passar por nós. Quando eu me separei de Hades foi apenas para ver que estávamos longe do palácio, aparentemente em uma ilha, isolados de todos os outros lugares que tinham no submundo. Virei para o lado, dando de cara com o azul da água se misturando com o céu e as nuvens. O submundo poderia ser muitas coisas nos livros que eu li, normalmente era um lugar associado a dor, sofrimento e penitência, porém, em nenhum deles mostrava a paz que ele trazia para aquele que mereciam.
- Nem nos meus sonhos mais loucos eu imaginaria que esse tipo de lugar existiria no submundo.
- O mundo humano nunca fez jus ao submundo como ele realmente é para aqueles dos quais viveram uma vida justa no seu tempo na Terra – Hades se afastou de mim e se sentou na toalha estendida na área completamente preenchida com diferentes tipos de comida. – Acredito que esteja associado a mentalidade de bem versus mal e a narrativa de que o deus do submundo é malvado enquanto o deus dos trovões é benevolente – Hades bateu no espaço ao seu lado e logo em sentei. – Eu assisti aos diversos filmes e as interpretações de Hades e, mesmo sendo divertidas, elas estão longe de serem precisas.
- É verdade, nenhum delas tem tatuagem por todos o torso ou os olhos de chamas. Por um pouco eles quase acertaram, mas eu acho que um cabelo em chamas não lhe cairia tão bem.
- Você consegue notar as chamas em meus olhos?
- Bem difícil não as notar quando elas estavam direcionadas a mim – Hades sorriu de lado enquanto abria o champanhe.
- Não foi de propósito, pode ter certeza, . Eu simplesmente não consigo me segurar quando estou perto de você – ele estendeu uma taça para mim e continuou: - Eu nunca sei o que vai acontecer quando você está no recinto, você é uma das poucas que ainda consegue me surpreender.
- Eu sei que tem um elogio em algum lugar nessa sentença.
- E acredite, , por mais que tenhamos nossas diferenças e que a nossa relação tenha começando de um jeito inusitado, eu admiro muito o jeito que você cuidou da sua irmã todos esses anos.
- Então quer dizer que todo esse tempo os deuses sabiam onde eu estava?
- É verdade que nós monitoramos os Fávlos de perto, mas desde que você fugiu, seu rastro ficou mais difícil de achar – Hades se apoiou em sua mão enquanto olhava para mim. – Por acaso, um dos semideuses viu a sua irmã passando na rua e logo depois ele reconheceu um dos Fávlos que a seguia até que ela entrou na lanchonete e lá você estava. Ares e eu estávamos mais perto, então Zeus pediu que nós fossemos te visitar.
- Me conforta saber que eu sucedi em algo, mas ainda me aperta o peito por não ter contado a verdade para Millie mais cedo.
- A história da sua família não é fácil de digerir, imagina para Millie que nunca viveu metade do que você viveu nas mãos da sua família.
- Eu ia contar a verdade pra Millie, eu só achei que se eu esperasse um pouco, até ela terminar o colégio, as coisas seriam mais fáceis. Nós poderíamos nos mudar para uma cidade nova, ela poderia entrar em uma universidade, e aos poucos, eu poderia treiná-la para caso algo acontecesse.
- Você e seus pais não tinham um plano?
- O plano sempre foi eu cuidar de Millie enquanto eles procuravam o cálice e quando de fato eles achassem, nós poderíamos destruí-lo.
- E então vocês poderiam ser uma família completa novamente e veriam felizes para sempre.
- Na medida do possível, sim. Eu não sei se felizes para sempre estava nos meus planos, especialmente depois de tudo que eu fiz.
- Ei, você merece um final feliz como qualquer outra pessoa, , tudo o que você fez, mesmo quando estava com os Fávlos, foi em nome da sua família – Hades acariciou meu rosto, fazendo com que eu fechasse os olhos. Sentir sua mão em meu rosto trouxe o conforto que nenhum abraço a um travesseiro fez depois de um dos meus pesadelos.
- Um “felizes para sempre” eu não sei, mas um “felizes por agora” eu tenho certeza que mereço – sorri de lado, colando meus lábios nos deles. – Inclusive, eu estou extremamente curiosa para entrar nessas águas – me levantei, tirando meu vestido e o jogando para o lado. Hades apenas sorriu de lado, tirando a sua camisa enquanto sorria de lado. Em todas as minhas teorias de como os deuses seriam fisicamente, nunca em meus sonhos mais loucos eu imaginaria que Hades seria o deus com um corpo cheio de tatuagens.
- Você está encarando, .
- O que eu posso fazer quando a vista é uma obra de arte – apenas dei de ombros e andei em direção ao mar.
- Ah, não, , você não vai fugir de mim assim tão rápido – olhei para trás, dando de cara com Hades correndo atrás de mim. Soltei um grito e comecei a correr em direção ao mar sem ao menos olhar para trás, quando eu cheguei na parte mais fundo, mergulhei no mar, sentindo a água gelada em minha pele. Quando voltei à superfície, dei de cara com Hades andando em minha direção a passos largos com um sorriso de lado no rosto. Se tinha uma coisa que esse homem sabia fazer, era parecer como o personagem principal de qualquer livro de romance a ponto de transformar a vida da mocinha, porém, Hades estava longe de ser o homem com personalidade de bom moço que fazia todas as garotas suspirarem alto. Ah, não, Hades, era o antagonista moralmente cinza, nem completamente bom ou ruim, apenas na medida certa para ser humano.
Hades segurou meu rosto entre suas mãos e me puxou para um beijo avassalador com direito a sua mão puxando os cabelos da minha nuca enquanto a outra apertava a minha cintura. O calor que exalava do seu corpo esquentava o meu a medida sua boca explorava a minha, minhas mãos passeavam por seu corpo.
- Eu queria fazer isso desde que eu te vi pela primeira vez.
- No dia do aniversário de Millie? – ele assentiu e continuou:
- Você estava dançando com Emma enquanto sorria largamente e se perdia na música, completamente diferente do que eu imaginava que você seria.
- A nossa realidade, às vezes, supera as nossas expectativas. Você, definitivamente, é muito mais do que eu esperava que fosse – passei minha mão por seus cabelos enquanto ele sorria de lado. – Para começo de conversa, nenhuma história citava as tatuagens, ou a cor e a chama dos seus olhos, ou o fato de você ser tão benévolo. Quem diria que dentro desse corpinho esculpido pelos deuses poderia ter tanta bondade.
- As tatuagens foram um passatempo, Ares também tem algumas escondidas, meus olhos mudam de acordo com o meu humor, e, benévolo? Eu gosto de pensar que eu sou justo, na medida certa entre cruel e bom.
- Eu acredito que você é mais bom do que cruel, se fosse eu, eu já teria atentado contra a vida de Zeus mais vezes que a quantidade de estrelas que tem no céu.
- Acredite, , nenhum atentado seria comparado ao carma que Zeus enfrenta nesse momento.
- Qualquer que seja o seu carma, ele merece.
- Sim, se fosse diretamente com ele.
- Do que você está falando?
Antes mesmo que Hades pudesse responder, as águas ao nosso redor começaram a se mover em direção ao alto mar onde uma imensa onda começava a se formar, Hades se endireitou e logo ficou em minha frente para me proteger. A onda começou a vir em nossa direção, porém, antes mesmo que ela pudesse nos tocar, se abriu no meio, se espalhando pelo mar. De primeira, achei que era um animal, porém, logo percebi que era um homem, metade humano e metade polvo, de longos cabelos pretos parecidos com o Hades, com os olhos tão azuis quanto o mar, que segurava um tridente de ouro em uma das mãos.
A água ao nosso redor desapareceu à medida que ele se aproximava, e quando seus tentáculos tocaram o chão, viraram pernas.
- Olá, meu irmão querido – Poseidon era completamente diferente do que eu imaginei que seria, para começo de conversa ele era tão bonito quanto Hades, porém, com aparência mais jovial como um daqueles caras que você lê em livros de romance onde o personagem principal é algum tipo de atleta. – Fávlos, finalmente! – ele segurou meu rosto entre suas mãos e deu um beijo estalado na minha bochecha. – Soube que você foi uma garota muito má com nosso irmão e ele está furioso – ele jogou seu tridente para o lado, fazendo com que ele desaparecesse no meio do ar. – Finalmente alguém para fazer com que ele sinta alguma coisa, especialmente, se essa coisa é medo.
- Medo?
- É, lindinha – ele apertou minha bochecha. – Afinal de contas, por que você acha que nós queremos acabar com a sua família? Vocês são uma ameaça para a nossa imortalidade, , e você, mais do que ninguém, apresenta a maior risco.
- Acredito que tenha um elogio escondido em algum lugar.
- Nem todos nós somos tão desagradáveis quanto Zeus, para falar a verdade, ele é o pior de todos.
- Tem alguma razão para a sua inesperada visita?
- Como vocês dois decidiram desaparecer e nem ao menos avisaram a alguém, nós tivemos que procurar por vocês.
- Poseidon, eu não estou de brincadeira. O motivo para você estar atrapalhando o nosso encontro tem que ser muito bom, senão eu te jogo nas profundezas de Tártaro.
- Ah, que lindo! Primeiro encontro?
- Poseidon!
- Você vai falar por que veio, ou vou ter que fazer você provar do mesmo veneno que seu querido irmão, deus dos raios? – paciência nunca foi uma das minhas virtudes, então ter Poseidon atrapalhando o nosso encontro quando a única coisa que eu queria fazer era me perder nos braços de Hades estava fazendo com que eu ficasse mais impaciente.
- É Hera, ela está falando.
- Ela acordou? – Hades perguntou, arregalando os olhos.
- Não, ela está falando, para falar a verdade, ela está falando uma palavra apenas – nós ficamos esperando que Poseidon continuasse, porém, ele continuou calado.
- Acredito que convivendo tanto com peixes, você perdeu a habilidade de falar com humanos. Que palavra?
- – Hades e eu nos entreolhamos. – Ela está chamando você, .
Capítulo XII
Eu gostaria de dizer que muitas coisas na vida ainda me trazem surpresa, mas vivendo tudo que vivi nos últimos anos, e especialmente nas últimas semanas, eu achava que nada mais poderia acontecer. Acho que eu estava errada, não é mesmo, queridos?
— Meu nome? — Hades e eu nos entreolhamos. — Por que Hera estaria chamando meu nome? Eu nunca nem ao menos a vi! — Foi a vez de Poseidon e Hades se entreolharem. — Tem alguma coisa que eu precise saber? Algo que vocês não estão me contando?
— Eu acho que precisamos voltar para o seu palácio, Hades. Ares e sua família estão esperando.
— Por que eu tenho a sensação de que algo ruim está prestes a acontecer? — Hades colocou o braço ao redor da minha cintura e sorriu de lado.
— Porque tempos bons duram pouco, especialmente para mim — Hades murmurou e eu apenas senti meu coração apertar enquanto acariciava seu rosto.
— Independentemente do que venha pela frente, nós podemos enfrentar juntos.
— Eu gostaria que fosse fácil assim, , mas se teve uma coisa que aprendi durante todo esse tempo que eu estou vivo...
— E bota tempo nisso! — interrompi, fazendo com que ele sorrisse de lado e continuasse logo em seguida:
— Continuando: a felicidade pode ser tirada de você mesmo depois de tanto tempo lutando para chegar até ela.
— Mas não quer dizer que a gente não continue lutando por ela. Talvez a vida não seja sobre ser feliz o tempo todo, talvez seja sobre os momentos de felicidade que mostram que todo o sofrimento é passageiro e que estar contente também é estar feliz. A vida tá longe de ser uma linha reta. — Dei um selinho demorado nele. — Vamos! O quanto mais rápido a gente voltar pro palácio, mais rápido a gente volta pro nosso encontro.
— Então você tem esperança de que nós vamos continuar nosso encontro?
— Sim! E se tem uma coisa que eu sei sobre a minha pessoa, é que ela, na maioria das vezes, consegue o que quer. — Hades apenas sorriu e me deu um selinho demorado. Logo quando eu abri os olhos, percebi estarmos de volta ao palácio, no meio da sala, enquanto todos nos encaravam.
— Eu sabia que um dia a gente ia encontrar os dois se beijando pelo palácio.
— Millie, menos, por favor. — Minha mãe enquanto tentava segurar o riso.
— Acho melhor nós focarmos na razão por estarmos todos reunidos. Pela maneira que Ares falou, o assunto é urgente. — Ares e Hades se entreolharam.
— Há alguns anos, nós ainda caçávamos os Fávlos com a finalidade encontrar o cálice. Era um esforço coletivo, então todos os deuses concordavam e participavam. Hera era uma das mais participativas, porém nem todos concordavam com sua maneira de lidar com a sua família — Ares começou.
— Hera sempre presou muito pela família. Ela ajudou os deuses a reconstruírem os relacionamentos perdidos durante o Cerco dos Deuses. Se nós somos mais unidos — mesmo com todos os nossos desentendimentos —, é porque ela fez tudo e mais um pouco — Hades continuou.
— Para descobrir o paradeiro do cálice, cada um tinha uma estratégia diferente para conseguir informações. Hera se infiltrava na vida dos Fávlos com uma nova aparência e como alguém que eles precisavam muito naquele momento. — Ares olhou para a minha mãe e logo continuou: — Em uma dessas, Hera ficou responsável por encontrar Adelaide e, devo ressaltar, que ela era a melhor em achar qualquer um.
— Você está dizendo que Hera nos encontrou? — minha mãe perguntou. — Quando? Vocês estavam nos observando esse tempo?
— Aí é que está o problema, Adelaide. Hera nunca nos contou que conseguiu te encontrar. Ela apenas reportou que a pista era falsa, mas que continuaria tentando te achar e por isso precisava passar mais tempo em Napier para ter certeza.
— Napier? Nós fomos à Nova Zelândia antes mesmo da nascer.
— Você estava grávida de , se me recordo bem — meu pai completou.
— Porque você estava grávida, Hera decidiu que ia te conhecer antes de te entregar. Acho que ela teve o mesmo pensamento que muitos tinham, mas não tinham coragem de vocalizar. Nós já estávamos naquela de procurar por anos, estávamos — estamos — cansados dessa guerra sem fim. Muitos de nós chegamos à conclusão de que nem todos os Fávlos que encontramos ao longo dos anos foram pessoas horríveis como os seus ancestrais. Alguns de vocês eram mais parecidos com Alala do que com Emilio e Lisa.
— Sem falar que uma boa parte não sabia ao menos que era um Fávlos.
— Nós chegamos ao acordo, especialmente por conta de Hera, que a melhor estratégia seria observar os Fávlos para ver se eles faziam parte do grupo de Eryx. Se sim, nós o interrogaríamos, se não, eles continuavam com suas vidas sem nenhuma interferência nossa. Zeus não ficou muito feliz na época e logo ele descobriu o porquê, Hera tinha virado sua amiga.
— O quê? — Minha mãe olhou para Ares assustada.
— Pra te observar, ela ficou em uma casa em frente à de vocês. Um dia, depois que Lucian saiu, ela te viu desmaiar pela janela e correu para ajudar.
— Judite? Judite e Hera são a mesma pessoa?
— Ela te ajudou, te levou pro hospital, e o resto é história.
— Judite foi a única pessoa que deixamos entrar em nossa vida. Ela virou a pessoa que eu podia confiar depois de Lucian.
— Hera voltou para o Olimpo e contou a verdade para nós. Nós íamos pedir a ajuda de vocês para achar o Cálice, mas quando ela voltou ao mundo humano, você estava no hospital, prestes a ter , então ela decidiu esperar.
— Judite, Hera, ficou ao meu lado com Lucian enquanto eu dava à luz a . — Minha mãe olhou para mim. — Ela te segurou nos braços, . — Minha mãe franziu o cenho antes de continuar: — Mas logo ela desapareceu. Quando nós voltamos à nossa casa, ela já não estava mais lá.
— Hera caiu em um sono profundo depois que voltou para o Olimpo. — Ares olhou para mim. — Zeus, por muito tempo, acreditou que a culpa foi sua, .
— Minha culpa? Eu era um bebê, pelo amor de Deus!
— Você foi a última pessoa que pegou em Hera antes dela cair em sono profundo. Nós tentamos de tudo para acordá-la, mas nunca conseguimos. Zeus pediu ajuda a Gaia e quando ela descobriu que Hera te conheceu, ela lhe contou uma história. Até hoje ele tem raiva de todos os Fávlos, especialmente de você.
— E quando seus pais desapareceram sem deixar nenhuma pista, a raiva de Zeus aumentou e ele fez da sua tarefa de vida achá-los.
— Mas ele nunca nos achou — Adelaide respondeu. — Como?
— Vocês foram excepcionais em se esconder. Nós vimos pela primeira já adulta, quando ela virou uma das Generais de Eryx. — Ares riu de lado. — Quando nós preparamos um ataque contra o acampamento onde estava, foi no mesmo dia que você provocou uma explosão para fugir dos Fávlos. Depois disso, nós sempre perdíamos o seu rastro.
— E como foi que vocês nos encontraram na lanchonete? — Emma perguntou.
— Nós estávamos seguindo um dos capangas do seu avô enquanto ele seguia Millie e como nós sabíamos que ele era um dos homens de confiança do seu avô, nós o seguimos.
— E lá estava você, bem debaixo do nosso nariz, gargalhando alto enquanto Emma te contava alguma coisa — Hades completou. — E o resto é história, como Ares gosta de dizer.
— Hum... eu tenho uma pergunta? — Macy disse, fazendo com que todos olhassem para ela. — Que história Gaia contou a Zeus?
— Ele se recusa a dizer, até hoje não sabemos o que ela disse para ele.
— E por vocês estão contanto isso para gente agora?
— Hera começou a chamar o nome de enquanto ainda dorme.
A minha cabeça estava girando e não era pouco, se Hades não estivesse ao meu lado, segurando a minha mão, era bem capaz das minhas pernas fraquejarem. As palavras de Ares e Hades ecoavam pela minha cabeça como uma canção que eu gostaria de esquecer. Partes da minha vida ainda se mostravam escondidas pelos olhos dos outros e, no final, o resultado sempre era o mesmo, a responsabilidade de resolver tal problema sempre era minha. Eu podia muito bem não estar nem ao menos viva quando o Cerco dos Deuses aconteceu ou quando Gaia criou os Fávlos, mas, agora mais do que nunca, eu sabia que dependia de mim dar um ponto final nessa história. Você é minha herdeira, só você pode destruir o Cálice. .
— Eu quero ver Hera — eu disse, fazendo com que todos olhassem para mim.
— Absolutamente não!
— Você está louca?
— Ela não escutou a mesma história que a gente?
— Zeus nunca ia permitir.
Todos falaram ao mesmo tempo, porém, eu não estava ligando.
— Vocês podem me levar lá ou eu posso arrumar um jeito de chegar lá. — Olhei para Hades, me afastando. — E acreditem em mim, eu vou arrumar um jeito, nem que eu tenha que tocar fogo em um templo de Hera pra dar uma razão para Zeus me odiar.
— Eu não acredito que seja uma boa ideia, — Hades começou. — Zeus te odeia.
— E ele pode continuar odiando, eu não dou a mínima pra ele, mas que ele faça depois que eu resolver essa história. Eu preciso ver Hera, eu sei que ela vai ser a ajuda que a gente precisa.
— Como você sabe disso?
— Eu não sei, eu só sei que se ela está chamando meu nome, é porque eu preciso vê-la.
— Zeus é perigoso, filha. — Agora foi a vez da minha mãe falar.
— Eu também sou. — Me virei para Hades e Ares. — Eu vou pegar as minhas coisas. E vocês, nem pensem em vir. — Apontei pros meus pais, Macy e Millie. — Vejo vocês no saguão principal em 10 minutos.
— !
E com toda a determinação que eu tinha, eu segui a passos largos em direção ao meu quarto para poder pegar o meu equipamento. Zeus não deixaria barato me ver na porta do Olimpo exigindo que eu veja a sua esposa.
Depois que abri o meu guarda-roupas, joguei o vestido que eu estava de lado e procedi a vestir o melhor traje preto que eu tinha, o mesmo que eu estava quando cheguei aqui. O tempo sempre é algo relativo quando você está vivendo olhando por cima do seu ombro. Enquanto eu fugia dos Fávlos, eu passava maior parte dos dias fazendo diversos planos para quando eles nos encontrassem. Meus dias eram contados e vividos um de cada vez, a espera do grande dia, onde eu teria que contar toda a verdade para Millie.
Desde que cheguei ao submundo, vivendo os dias sem a preocupação de estar sendo seguida, focando em achar o cálice que iria, finalmente, acabar com tudo isso, os dias apenas se misturaram com as noites e eu não sabia ao certo quanto tempo nós já estávamos por aqui. Porém, a única coisa que eu tinha certeza era de que estava mais do que na hora de essa história chegar ao fim.
— Da última vez que chequei, eu que deveria estar dando as ordens. — Fechei a porta do guarda-roupas e dei de cara com Hades parado em minha porta, usando, é claro, seu terno preto enquanto segurava sua bengala em uma das mãos. — Esse é meu palácio, no final das contas.
— Você não vai me impedir.
— Eu nunca sonharia em fazer isso, . — Ele se aproximou de mim, me puxando pela cintura. — Eu quero que essa guerra acabe tanto quanto você.
— Bem, se estamos falando de tempo, você quer que essa guerra acabe há mais tempo do que eu, já que você tem alguns anos de vida a mais do que eu. — Passei o braço ao redor do seu pescoço. Hades apenas sorriu de lado e encostou a testa na minha.
— A única coisa que eu quero que você entenda é que você não está mais sozinha, . Eu sei que pra você não é fácil aceitar ajuda vindo de anos de só confiando em uma única pessoa, mas nós estamos aqui pra tudo que você precisar.
— Eu estou cansada de tudo isso, Hades, você não?
— Exausto! Porém, nós não podemos fazer nada por impulso, não quando nós temos muito a perder dessa vez.
— Nós só vamos fazer uma simples visita ao seu irmão, o que tem de mal nisso?
— O seu poder de minimizar as coisas me impressiona.
— Como você acha que sobrevivi todo esse tempo? Nenhum problema é um grande problema, eles são apenas pequenos empecilhos prontos pra uma nova solução.
— Eu quero ver você falar isso na cara de Zeus. — Hades se afastou de mim e começou a andar em direção à porta.
— Eu prometo que eu me comportarei da melhor maneira possível.
— Não é de você que eu espero uma cena. — Hades sorriu de lado antes de descer as escadas. — Estamos todos prontos? — Hades perguntou, soltando a minha mão e entrando novamente na sala.
— Você tem certeza de que vai fazer isso? — Minha mãe andou em minha direção, passando suas mãos em meus braços. — Nós podemos te ajudar.
— Eu prefiro que vocês fiquem com Cordelia e Adella aqui no palácio. Acredito que fugindo por tanto tempo, essa é a primeira vez que vocês podem dormir mais tranquilos.
— Eu dormiria mais tranquila com você debaixo do mesmo teto que a gente. — Minha mãe me abraçou.
— Eu preciso fazer isso, mãe, eu apenas preciso colocar um fim nessa guerra.
— Saiba que você não está sozinha.
— Eu nunca estive.
— Boa sorte, filha. — Meu pai me abraçou logo em seguida. — Macy e Millie decidiram treinar. Aparentemente, da próxima vez que você decidir fazer algo assim, elas querem ir com você.
— Se depender de mim, Millie e Macy nunca vão precisar levantar uma espada na vida.
— Da mesma maneira que você é encarregada do seu destino, sua irmã é encarregada do dela. Lembre-se disso.
— Pode deixar. Adelaide e Lucian, nós vamos cuidar da nossa pequena . — Ares passou o braço ao redor do meu pescoço. — Ela é uma das minhas pessoas favoritas de todo universo. Depois de Emma, claro.
— Eu duvido você falar isso na cara dela — eu falei, dando uma cotovelada nele.
— Se ela parasse de fugir de mim, talvez eu consiga.
— Pronta? — Hades segurou minha mão e eu apenas assenti com a cabeça.
— Que os jogos comecem. — Ares gargalhou alto enquanto passava o braço ao redor dos ombros de Hades. A sua risada foi a última coisa que escutei antes de me perder no nevoeiro que era uma viagem de teletransportar entre lugares. Se tinha uma coisa que eu não conseguia me acostumar, era esse novo jeito de viajar, e se eu for completamente sincera, eu detestava viajar até de avião.
Minha cabeça rodou e quando eu abri os olhos, dei de cara com Zeus da maneira a qual eu sempre o imaginei no seu habitat natural: sentado em um trono imenso, a lá o trono de ferro de Game of Thrones, coberto de ouro e completamente brilhante como um raio. O salão do trono era com espaço, com um piso com clássico padrão grego, as colunas eram altas e desapareciam entre o céu azul e as nuvens.
Zeus nem ao menos se importou com a nossa presença, até porque, em seu colo, tinha uma ninfa de cachos dourados, que gargalhava alto enquanto ele beijava seu pescoço.
— Espero não estar interrompendo. — Zeus levantou seu rosto e logo seu sorriso desapareceu. Ele se levantou bruscamente, fazendo com que a ninfa em seu colo caísse no chão.
— Apó tous theoús! (Pelos deuses!). O que diabos vocês estão fazendo aqui? O que ela está fazendo aqui?
— Nós precisamos conversar, se você não estiver muito ocupado, é claro — Ares começou, porém Zeus continuava com os olhos fixos em mim. Para ser mais precisa, na adaga que brilhava agarrada ao meu cinto.
— Tenho certeza de que, independentemente do assunto, pode esperar.
— Acredito que não, Vossa Majestade, esse é um assunto de vida ou morte.
— Eu detesto quando você fala comigo nesse tom, Ares.
— Mas eu estou falando normalmente.
— O que é suficiente para irritar qualquer um. — Ele se sentou em seu trono e continuou: — Agora diga, o que há de tão importante?
— Nós precisamos entrar nos aposentos de Hera.
— Você não precisa de permissão para entrar nos aposentos de Hera, Ares. — Os olhos de Zeus viraram-se para mim e logo sua afeição mudou. — Não! Ela não vai chegar perto de Hera nem por cima do meu cadáver.
— Me admira você ligar tanto para a sua esposa, visto que nem menos do que 5 minutos você tinha uma ninfa em seu colo. Acho que essa parte da história os humanos não erraram, não é mesmo, rei de todos os deuses? — Sorri sem mostrar os dentes. — Existe uma razão pra esse pedido, ou você acha que a gente veio aqui pelo seu jeito caloroso de dar boas-vindas e jeito excepcional de tratar os convidados? Hera é a chave para nós encontrarmos o cálice.
— E por que eu acreditaria em você?
— Porque enquanto você estava se perdendo nos cangotes das inúmeras ninfas, Hera estava chamando meu nome.
Zeus olhou para mim com uma expressão de confusão, porém, logo em seguida, soltou uma gargalhada.
— Por que, diabos, Hera estaria chamando seu nome?
— Isso é o que estamos aqui para descobrir. Para isso, é preciso que você nos deixe entrar nos aposentos de Hera. Nós precisamos vê-las.
— O sangue dos Fávlos corre mesmo nas suas veias, você também perdeu a cabeça. — Zeus se sentou em seu trono e continuou: — Podem voltar de onde vieram e não esqueça de dar boas-vindas em meu nome, .
Eu estava prestes a jogar a minha adaga em direção ao trono, quando, como um sussurro, meu nome, , repetidamente, tomava de conta do salão que estava. Zeus se levantou bruscamente. Ao mesmo tempo, guardas entraram no salão e sussurraram algo em seu ouvido.
— Espero que você seja tudo aquilo que você promete ser, Fávlos. — Zeus andou em nossa direção, parando em minha frente. — Vamos, eu te levarei a Hera.
Zeus ao menos olhou para trás, apenas seguiu para fora do salão. Hades entrelaçou nossos dedos e apertou minha mão.
Capítulo XIII
— Ela parece tão serena assim — Ares disse, cortando o silêncio.
Hera estava deitada em uma cama no meio de um grande quarto rodeado de arte. Em cada parede tinha diferentes fotografias e pinturas de variadas décadas contando uma história por onde ela passou nos últimos anos. Em algumas, ela estava presente e com um grande sorriso nos lábios; em outras, ela aparentava que tinha tirado a foto. Às vezes chegava a ser bizarro o tempo que os deuses vivem entre os humanos e eles não têm nenhuma ideia de que eles existem.
— Completamente diferente do terremoto que mexia com cada um de nós quando presente no recinto — Zeus continuou, com um sorriso no rosto. Se eu não o tivesse visto perdido nos braços de uma ninfa, até diria que ele a amava incondicionalmente. Ele se virou para mim e disse: — E agora? O que você precisa fazer?
— Eu… Eu não sei. — Olhei para Hades e logo depois para Zeus. — Eu não sei porque ela está chamando meu nome.
— Então vocês invadiram o meu palácio e não sabem nem ao menos o que precisam fazer? — Zeus riu sarcástico, enquanto balançava a cabeça. — Um belo plano esse que você tem, Fávlos. Eu sabia que eu nunca deveria ter deixado você passar pelos corredores do meu palácio.
— Zeus, que tal você pegar leve? — Hades começou, ficando em minha frente. — Nós viemos aqui pra ajudar, talvez você conheça alguém que possa nos ajudar. Nós estamos do mesmo lado.
— Agora vocês querem a minha ajuda? Quando ela — ele apontou para mim — enfiou uma adaga para me machucar, você não me ajudou em nada.
— Não pense que você foi o único. Hades também provou do que o sangue Fávlos pode fazer com um deus. — Me aproximei dele, colocando a mão na adaga presa em meu quadril. — Nós estamos do mesmo lado, Zeus. Se estamos pedindo sua ajuda, é porque nós queremos um final para essa história. Então, que tal em vez de ser um babaca — coisa que você faz perfeitamente —, você não pede pra umas das suas amigas ninfas para procurar alguém que possa ter alguma resposta. Eu tenho certeza de que elas devem conhecer alguém, que conhece alguém que possa ajudar a nossa comunicação com Hera.
— Eu não aprecio o jeito que você fala comigo, como se tudo isso fosse minha culpa. Nós estamos nessa tragicomédia por causa dele também.
— De todas as coisas que imaginei que você seria, nunca pensei que covarde seria uma delas.
Talvez no meio de uma briga com o deus dos raios, dentro do seu palácio, rodeada dos seus guardas, não seja uma boa ideia chamar o dono da casa de covarde. Zeus tentou chegar até mim, porém Hades e Ares ficaram em minha frente, e por mais que eles fossem fortes, um deus com raiva tem a força de um exército de mais de dez mil homens.
Comecei a andar para trás, como o intuito de achar uma rota de fuga, parei ao lado da cama de Hera, vendo-a de perto. Ares estava certo, ela parecia serena assim, como se ela estivesse em completa paz, longe de todas as loucuras do mundo dos deuses. Nossas mãos estavam perto da outra e eu pude perceber que ela tinha a mesma tatuagem de pena de pavão que minha mãe tinha no dedo anelar.
… como um sussurro ao meu lado, fazendo com que a minha mão tocasse a sua. Meu nome foi a última coisa que escutei antes de tudo ficar preto.
Eu não sei ao certo quanto tempo eu fiquei apagada, porém, como a primeira vez que cheguei ao submundo, eu senti que estava em um sonho, caindo em queda livre sem nenhuma chance de sobreviver. Minhas costas bateram no chão, fazendo com que eu soltasse um grunhido, e por mais que eu tivesse sangue dos Fávlos correndo em minhas veias que ajudava a me recuperar rápido, a dor ainda existia. Eu já tinha até esquecido como era sentir um tipo de dor assim.
Os trovões foram a primeira coisa que eu escutei que fizeram com que eu abrisse os olhos e olhasse para cima, dando de cara com um céu escuro, carregado de nuvens e trovões. Pela falta de discussão entre Ares, Hades e Zeus, dava pra perceber que, em qualquer lugar que eu estivesse no momento, eu estava sozinha.
Muito bem, ! Da última vez que você fez alguma coisa sozinha nesse universo dos deuses, você acabou quase petrificada por uma górgona. Sorte de milhões! Capaz de eu apostar na loteria e ser a única a não ganhar nada.
— Não! — Talvez ficar deitada em um lugar que eu não conhecia fosse a melhor alternativa. Me levantei em um movimento rápido, dando de cara com um grande muro coberto de videiras, que se estendia para ambos os lados. Olhei para trás, dando de cara com um grande precipício. — Não, por favor! — Eu podia ficar aqui, acredito até que seria melhor, mas meus pais me ensinaram a sempre ajudar ao próximo, especialmente quando eles mais precisavam então avante eu fui.
Peguei minha adaga e entrei no pequeno portão à minha frente, dando de cara com outra parede, fazendo com que eu fosse para o lado. Segui em direção ao estreito corredor, ainda escutando os gritos ecoarem pelas paredes. À medida que eu avançava e dava de cara com lugares sem saída, eu sabia exatamente onde eu estava.
Quando aprendemos sobre os deuses durante nossas aulas na escola preparatória militar dos Fávlos, os labirintos eram a melhor maneira que os deuses encontravam de enganar os humanos ou qualquer criatura que não cumpria a sua promessa. Eles brincavam com aquela faísca de esperança que todos nós tínhamos e os deixavam à própria sorte à procura de uma saída por caminhos dificultosos e incertos. Era comum achar mais de uma criatura dentro do mesmo labirinto, sendo ela viva ou morta.
— Deixe-me ir! — As videiras ao meu redor começaram a se mover aos meus pés, traçando um caminho, e, pelo o que eu estudei sobre a história grega, elas me levariam à pessoa que estava gritando.
Andei a passos largos, segurando minha adaga em minha mão, dando de cara com o centro do labirinto, um lugar grande, em forma de quadrado, arrodeado de paredes de videiras e em uma delas alguém estava tentava lutar contras videiras que a puxavam para dentro. Corri em sua direção e comecei a cortar as videiras que continuavam crescendo. Quando umas de suas mãos apareceu, eu a segurei, a puxando com todas as minhas forças, fazendo com que nós caíssemos no chão.
— Você está bem? — perguntei, ainda com minha adaga em mãos. Olhei para as videiras à minha frente, esperando alguma reação, mas elas apenas se retraíram enquanto de espalhavam pelas paredes do labirinto.
— É você! — Senti duas mãos segurarem meu rosto, me virando para ela, dando de cara com Hera. Ou pelo menos uma versão mais exausta da mulher que eu vi deitada na cama do palácio de Zeus. — Eu estava te esperando, . Que bom que você está aqui! — Hera me abraçou forte, da mesma maneira que sua mãe havia feito quando a viu pela primeira vez.
— Aparentemente, muitos estavam ansiosos para me conhecer. Gostaria dizer o mesmo. — Ela se afastou de mim, e eu perguntei: — Você sabe há quanto tempo está aqui?
— Eu não sei ao certo como cheguei aqui. Eu acordei há alguns dias no centro do labirinto. Desde então, eu tento sair, mas, como você percebeu, as videiras sempre me pegam quando eu chego perto. Como você chegou até aqui?
— É uma longa história, uma que inclui o seu marido e muita gritaria. — Me levantei, trazendo-a comigo. — Mas isso nós podemos discutir quando sairmos daqui. — Segurei sua mão e comecei a andar em direção ao centro do labirinto.
— Acho que não vai ser tão fácil assim. — Quando Hera terminou de falar, o chão ao nosso redor começou a tremer. — Além das videiras, também temos o Mini, o Minotauro favorito de qualquer labirinto grego.
— Mas é claro que sim. Não seria um labirinto grego sem o toque teatral e dramático.
De Mini o Minotauro não tinha nada. Segurando um machado xangô, andando a passos lentos — e pesados, que faziam as folhas do chão tremerem — até o centro, Mini tinha a aparência de qualquer outro Minotauro das imagens que eu vi — com quase três metros de altura, cabeça e pernas de touro, com longos chifres e corpo de homem —, entretanto, vê-lo pessoalmente era dez mil vezes mais assustador.
Ele parou no centro do labirinto, em cima do círculo com um desenho de um labirinto com um Minotauro no centro e eu pude jurar que ele sorriu de lado.
— Den tha perásei. (Não passará) — ele disse, colocando o seu machado no chão. Agora era a minha vez de sorrir de lado e responder:
— Aftó tha doúme! (É o que vamos ver) — disse, pegando minha adaga. Comecei a correr em direção ao Minotauro da mesma maneira que ele começou a correr em minha direção, joguei a minha adaga em sua direção, fazendo com que ele desviasse, usando o seu machado. Me joguei no chão, usando as folhas no chão ao meu favor para deslizar por entre as suas pernas, acertando a parte de dentro da sua coxa, fazendo com que ele grunhisse alto. À medida que eu me levantei, Mini, se virou, jogando o machado em minha direção, fazendo com que eu me abaixasse novamente. Quando eu levantei novamente, o punho de Mini estava me acertando no rosto, fazendo com que eu caísse do outro lado do labirinto.
Logo eu senti o sangue descer por meu nariz, enquanto minha visão ficava turva. Escutei Hera gritando e quando levantei a minha cabeça, o Minotauro estava andando em sua direção. Virei meu rosto de lado, avistando minha adaga, e logo uma ideia surgiu. Eu tinha prometido que nunca mais iria fazer isso, mas tempos desesperadores faziam medidas desesperadoras serem tomadas. Peguei minha adaga, cortando parte do meu dedo, sentindo o sangue escorrer e logo o levei à minha boca.
O primeiro sinal de que estava dando certo era a minha visão que estava ficando mais nítida e a adrenalina correndo por meu corpo como uma corrente elétrica. Quando eu me levantei, em um movimento rápido, sentindo a ferida em meu pulso fechar, meu nariz já não doía mais. Mini estava com Hera em seus braços e a apertava com força. Guardei minha adaga, corri, pegando impulso, pulei, me agarrando nas costas do Minotauro, dando uma chave de braço em seu pescoço. Mini soltou Hera na mesma hora e tentou se soltar me dando uma cabeçada, porém meus braços apenas se apertaram em seu pescoço. Mini se contorceu todo enquanto tentava se soltar, porém eu estava muito mais forte e logo o “crack” do pescoço de Mini ecoou por meus ouvidos ao mesmo tempo que seu corpo caía pra frente.
Pulei para o lado, sentindo minha respiração ofegante.
— . — A voz de Hera saiu fraca, pois a minha mão estava ao redor do seu pescoço, o apertando com força. — , por favor. — À medida que minha respiração se regulava, minha mão no pescoço de Hera afrouxava. Me afastei dela, balançando a cabeça.
— Perdão, foi um reflexo.
— Não há nada que precise de perdão, . — Ela segurou meus ombros e continuou: — Sua família é muito diferente do resto dos Fávlos, mas o sangue deles ainda corre por suas veias. Só tome cuidado, ok?
— Obrigada por não me julgar.
— Tempos desesperados clamam por decisões desesperadoras.
— Você não saberia como poderíamos sair daqui?
— Pra falar a verdade, , eu sei, sim. — Hera andou a passos largos em direção ao machado de Mini, o arrastando em direção ao centro do labirinto. Ela o encaixou no buraco no meio, girando-o, fazendo com que as linhas do labirinto começassem a brilhar. — Você não vem? — Hera estendeu a mão para mim e logo eu andei até o centro do labirinto, segurando-a. Debaixo dos nossos pés, uma luz nos iluminou, fazendo com que eu fechasse os olhos e sentisse um calor correr pelo meu corpo. Logo senti meus pés tocarem o chão e eu abri os olhos lentamente, dando de cara com o teto do palácio de Zeus. Me sentei lentamente, dando de cara com Zeus e Hades gritando um com o outro, enquanto Ares tentava separar os dois.
— Ah, como é bom estar em casa — Hera falou, também sentada em sua cama, enquanto sorria de lado. Zeus parou de falar e se virou para Hera, incrédulo. À medida que Hera levantou-se da cama, Zeus já estava vindo em sua direção, a abraçando forte.
— Você realmente precisa parar de desmaiar na minha frente, . — Hades estendeu a mão para mim.
— Bem, se a visão quando eu acordo é do deus do submundo, eu não acho que seja algo tão mal assim. — Ele me levantou, passando o braço em minha cintura e escondendo seu rosto em meu pescoço. — Eu estou bem, não precisa se preocupar.
— está mais do que bem, pelo visto — Hera disse, fazendo com que eu olhasse para ela. Zeus a segurava forte pela cintura. — Mas basta com toda essa conversa, vamos ao que interessa. — Ela se virou para Zeus. — Querido, me solte um pouquinho. Obrigada.
— Hera, se você quiser descansar, nós podemos esperar — Hades disse, ao meu lado.
— Acredito que todos nós já esperamos demais, não acha? — Hera riu de lado e continuou: — Eu achei o cálice, mas eu sabia que não estava sozinha, os Fávlos já estavam na minha cola desde que eu virei amiga da sua mãe mesmo não sabendo que eu era Hera. Então eu o escondi, e qual o melhor lugar para esconder algo a não ser debaixo do nariz daqueles que o procuram? — Hera pegou umas das adagas em meu cinto, andou em direção à sua parede com diversas fotos e então cravou na sua foto com minha mãe a partindo no meio. Ela abriu o quadro e de lá tirou uma foto, estendo-a para mim. — Na época, os humanos estavam construindo esse museu e como eu era uma das principais curadoras, escondi o cálice em uma das estátuas de Dionisio. Quem duvidaria do deus do vinho segurando uma taça, certo? — Peguei a foto dando de cara com a foto de uma estátua segurando um cálice.
— O cálice está no museu do Romanticismo, na Espanha. — Olhei para Hades e continuei: — Nós estudamos todas as estátuas gregas ao redor do mundo ao estudar sobre os deuses gregos, era o sonho do meu avô destruir todas quando finalmente conseguisse o cálice. Se nós formos agora...
— Nós não vamos a lugar nenhum, , esperamos séculos pra encontrar o cálice, nós podemos esperar mais um dia. — Eu apenas assenti e ele continuou: — Sempre bom te ver, Hera.
— Sempre bom te ver, cunhadinho.
— Ares e Zeus, vejo-os depois.
Hades se virou para mim e continuou:
— E você, , vamos pra casa.
— É, vamos pra casa.
Hera estava deitada em uma cama no meio de um grande quarto rodeado de arte. Em cada parede tinha diferentes fotografias e pinturas de variadas décadas contando uma história por onde ela passou nos últimos anos. Em algumas, ela estava presente e com um grande sorriso nos lábios; em outras, ela aparentava que tinha tirado a foto. Às vezes chegava a ser bizarro o tempo que os deuses vivem entre os humanos e eles não têm nenhuma ideia de que eles existem.
— Completamente diferente do terremoto que mexia com cada um de nós quando presente no recinto — Zeus continuou, com um sorriso no rosto. Se eu não o tivesse visto perdido nos braços de uma ninfa, até diria que ele a amava incondicionalmente. Ele se virou para mim e disse: — E agora? O que você precisa fazer?
— Eu… Eu não sei. — Olhei para Hades e logo depois para Zeus. — Eu não sei porque ela está chamando meu nome.
— Então vocês invadiram o meu palácio e não sabem nem ao menos o que precisam fazer? — Zeus riu sarcástico, enquanto balançava a cabeça. — Um belo plano esse que você tem, Fávlos. Eu sabia que eu nunca deveria ter deixado você passar pelos corredores do meu palácio.
— Zeus, que tal você pegar leve? — Hades começou, ficando em minha frente. — Nós viemos aqui pra ajudar, talvez você conheça alguém que possa nos ajudar. Nós estamos do mesmo lado.
— Agora vocês querem a minha ajuda? Quando ela — ele apontou para mim — enfiou uma adaga para me machucar, você não me ajudou em nada.
— Não pense que você foi o único. Hades também provou do que o sangue Fávlos pode fazer com um deus. — Me aproximei dele, colocando a mão na adaga presa em meu quadril. — Nós estamos do mesmo lado, Zeus. Se estamos pedindo sua ajuda, é porque nós queremos um final para essa história. Então, que tal em vez de ser um babaca — coisa que você faz perfeitamente —, você não pede pra umas das suas amigas ninfas para procurar alguém que possa ter alguma resposta. Eu tenho certeza de que elas devem conhecer alguém, que conhece alguém que possa ajudar a nossa comunicação com Hera.
— Eu não aprecio o jeito que você fala comigo, como se tudo isso fosse minha culpa. Nós estamos nessa tragicomédia por causa dele também.
— De todas as coisas que imaginei que você seria, nunca pensei que covarde seria uma delas.
Talvez no meio de uma briga com o deus dos raios, dentro do seu palácio, rodeada dos seus guardas, não seja uma boa ideia chamar o dono da casa de covarde. Zeus tentou chegar até mim, porém Hades e Ares ficaram em minha frente, e por mais que eles fossem fortes, um deus com raiva tem a força de um exército de mais de dez mil homens.
Comecei a andar para trás, como o intuito de achar uma rota de fuga, parei ao lado da cama de Hera, vendo-a de perto. Ares estava certo, ela parecia serena assim, como se ela estivesse em completa paz, longe de todas as loucuras do mundo dos deuses. Nossas mãos estavam perto da outra e eu pude perceber que ela tinha a mesma tatuagem de pena de pavão que minha mãe tinha no dedo anelar.
… como um sussurro ao meu lado, fazendo com que a minha mão tocasse a sua. Meu nome foi a última coisa que escutei antes de tudo ficar preto.
Eu não sei ao certo quanto tempo eu fiquei apagada, porém, como a primeira vez que cheguei ao submundo, eu senti que estava em um sonho, caindo em queda livre sem nenhuma chance de sobreviver. Minhas costas bateram no chão, fazendo com que eu soltasse um grunhido, e por mais que eu tivesse sangue dos Fávlos correndo em minhas veias que ajudava a me recuperar rápido, a dor ainda existia. Eu já tinha até esquecido como era sentir um tipo de dor assim.
Os trovões foram a primeira coisa que eu escutei que fizeram com que eu abrisse os olhos e olhasse para cima, dando de cara com um céu escuro, carregado de nuvens e trovões. Pela falta de discussão entre Ares, Hades e Zeus, dava pra perceber que, em qualquer lugar que eu estivesse no momento, eu estava sozinha.
Muito bem, ! Da última vez que você fez alguma coisa sozinha nesse universo dos deuses, você acabou quase petrificada por uma górgona. Sorte de milhões! Capaz de eu apostar na loteria e ser a única a não ganhar nada.
— Não! — Talvez ficar deitada em um lugar que eu não conhecia fosse a melhor alternativa. Me levantei em um movimento rápido, dando de cara com um grande muro coberto de videiras, que se estendia para ambos os lados. Olhei para trás, dando de cara com um grande precipício. — Não, por favor! — Eu podia ficar aqui, acredito até que seria melhor, mas meus pais me ensinaram a sempre ajudar ao próximo, especialmente quando eles mais precisavam então avante eu fui.
Peguei minha adaga e entrei no pequeno portão à minha frente, dando de cara com outra parede, fazendo com que eu fosse para o lado. Segui em direção ao estreito corredor, ainda escutando os gritos ecoarem pelas paredes. À medida que eu avançava e dava de cara com lugares sem saída, eu sabia exatamente onde eu estava.
Quando aprendemos sobre os deuses durante nossas aulas na escola preparatória militar dos Fávlos, os labirintos eram a melhor maneira que os deuses encontravam de enganar os humanos ou qualquer criatura que não cumpria a sua promessa. Eles brincavam com aquela faísca de esperança que todos nós tínhamos e os deixavam à própria sorte à procura de uma saída por caminhos dificultosos e incertos. Era comum achar mais de uma criatura dentro do mesmo labirinto, sendo ela viva ou morta.
— Deixe-me ir! — As videiras ao meu redor começaram a se mover aos meus pés, traçando um caminho, e, pelo o que eu estudei sobre a história grega, elas me levariam à pessoa que estava gritando.
Andei a passos largos, segurando minha adaga em minha mão, dando de cara com o centro do labirinto, um lugar grande, em forma de quadrado, arrodeado de paredes de videiras e em uma delas alguém estava tentava lutar contras videiras que a puxavam para dentro. Corri em sua direção e comecei a cortar as videiras que continuavam crescendo. Quando umas de suas mãos apareceu, eu a segurei, a puxando com todas as minhas forças, fazendo com que nós caíssemos no chão.
— Você está bem? — perguntei, ainda com minha adaga em mãos. Olhei para as videiras à minha frente, esperando alguma reação, mas elas apenas se retraíram enquanto de espalhavam pelas paredes do labirinto.
— É você! — Senti duas mãos segurarem meu rosto, me virando para ela, dando de cara com Hera. Ou pelo menos uma versão mais exausta da mulher que eu vi deitada na cama do palácio de Zeus. — Eu estava te esperando, . Que bom que você está aqui! — Hera me abraçou forte, da mesma maneira que sua mãe havia feito quando a viu pela primeira vez.
— Aparentemente, muitos estavam ansiosos para me conhecer. Gostaria dizer o mesmo. — Ela se afastou de mim, e eu perguntei: — Você sabe há quanto tempo está aqui?
— Eu não sei ao certo como cheguei aqui. Eu acordei há alguns dias no centro do labirinto. Desde então, eu tento sair, mas, como você percebeu, as videiras sempre me pegam quando eu chego perto. Como você chegou até aqui?
— É uma longa história, uma que inclui o seu marido e muita gritaria. — Me levantei, trazendo-a comigo. — Mas isso nós podemos discutir quando sairmos daqui. — Segurei sua mão e comecei a andar em direção ao centro do labirinto.
— Acho que não vai ser tão fácil assim. — Quando Hera terminou de falar, o chão ao nosso redor começou a tremer. — Além das videiras, também temos o Mini, o Minotauro favorito de qualquer labirinto grego.
— Mas é claro que sim. Não seria um labirinto grego sem o toque teatral e dramático.
De Mini o Minotauro não tinha nada. Segurando um machado xangô, andando a passos lentos — e pesados, que faziam as folhas do chão tremerem — até o centro, Mini tinha a aparência de qualquer outro Minotauro das imagens que eu vi — com quase três metros de altura, cabeça e pernas de touro, com longos chifres e corpo de homem —, entretanto, vê-lo pessoalmente era dez mil vezes mais assustador.
Ele parou no centro do labirinto, em cima do círculo com um desenho de um labirinto com um Minotauro no centro e eu pude jurar que ele sorriu de lado.
— Den tha perásei. (Não passará) — ele disse, colocando o seu machado no chão. Agora era a minha vez de sorrir de lado e responder:
— Aftó tha doúme! (É o que vamos ver) — disse, pegando minha adaga. Comecei a correr em direção ao Minotauro da mesma maneira que ele começou a correr em minha direção, joguei a minha adaga em sua direção, fazendo com que ele desviasse, usando o seu machado. Me joguei no chão, usando as folhas no chão ao meu favor para deslizar por entre as suas pernas, acertando a parte de dentro da sua coxa, fazendo com que ele grunhisse alto. À medida que eu me levantei, Mini, se virou, jogando o machado em minha direção, fazendo com que eu me abaixasse novamente. Quando eu levantei novamente, o punho de Mini estava me acertando no rosto, fazendo com que eu caísse do outro lado do labirinto.
Logo eu senti o sangue descer por meu nariz, enquanto minha visão ficava turva. Escutei Hera gritando e quando levantei a minha cabeça, o Minotauro estava andando em sua direção. Virei meu rosto de lado, avistando minha adaga, e logo uma ideia surgiu. Eu tinha prometido que nunca mais iria fazer isso, mas tempos desesperadores faziam medidas desesperadoras serem tomadas. Peguei minha adaga, cortando parte do meu dedo, sentindo o sangue escorrer e logo o levei à minha boca.
O primeiro sinal de que estava dando certo era a minha visão que estava ficando mais nítida e a adrenalina correndo por meu corpo como uma corrente elétrica. Quando eu me levantei, em um movimento rápido, sentindo a ferida em meu pulso fechar, meu nariz já não doía mais. Mini estava com Hera em seus braços e a apertava com força. Guardei minha adaga, corri, pegando impulso, pulei, me agarrando nas costas do Minotauro, dando uma chave de braço em seu pescoço. Mini soltou Hera na mesma hora e tentou se soltar me dando uma cabeçada, porém meus braços apenas se apertaram em seu pescoço. Mini se contorceu todo enquanto tentava se soltar, porém eu estava muito mais forte e logo o “crack” do pescoço de Mini ecoou por meus ouvidos ao mesmo tempo que seu corpo caía pra frente.
Pulei para o lado, sentindo minha respiração ofegante.
— . — A voz de Hera saiu fraca, pois a minha mão estava ao redor do seu pescoço, o apertando com força. — , por favor. — À medida que minha respiração se regulava, minha mão no pescoço de Hera afrouxava. Me afastei dela, balançando a cabeça.
— Perdão, foi um reflexo.
— Não há nada que precise de perdão, . — Ela segurou meus ombros e continuou: — Sua família é muito diferente do resto dos Fávlos, mas o sangue deles ainda corre por suas veias. Só tome cuidado, ok?
— Obrigada por não me julgar.
— Tempos desesperados clamam por decisões desesperadoras.
— Você não saberia como poderíamos sair daqui?
— Pra falar a verdade, , eu sei, sim. — Hera andou a passos largos em direção ao machado de Mini, o arrastando em direção ao centro do labirinto. Ela o encaixou no buraco no meio, girando-o, fazendo com que as linhas do labirinto começassem a brilhar. — Você não vem? — Hera estendeu a mão para mim e logo eu andei até o centro do labirinto, segurando-a. Debaixo dos nossos pés, uma luz nos iluminou, fazendo com que eu fechasse os olhos e sentisse um calor correr pelo meu corpo. Logo senti meus pés tocarem o chão e eu abri os olhos lentamente, dando de cara com o teto do palácio de Zeus. Me sentei lentamente, dando de cara com Zeus e Hades gritando um com o outro, enquanto Ares tentava separar os dois.
— Ah, como é bom estar em casa — Hera falou, também sentada em sua cama, enquanto sorria de lado. Zeus parou de falar e se virou para Hera, incrédulo. À medida que Hera levantou-se da cama, Zeus já estava vindo em sua direção, a abraçando forte.
— Você realmente precisa parar de desmaiar na minha frente, . — Hades estendeu a mão para mim.
— Bem, se a visão quando eu acordo é do deus do submundo, eu não acho que seja algo tão mal assim. — Ele me levantou, passando o braço em minha cintura e escondendo seu rosto em meu pescoço. — Eu estou bem, não precisa se preocupar.
— está mais do que bem, pelo visto — Hera disse, fazendo com que eu olhasse para ela. Zeus a segurava forte pela cintura. — Mas basta com toda essa conversa, vamos ao que interessa. — Ela se virou para Zeus. — Querido, me solte um pouquinho. Obrigada.
— Hera, se você quiser descansar, nós podemos esperar — Hades disse, ao meu lado.
— Acredito que todos nós já esperamos demais, não acha? — Hera riu de lado e continuou: — Eu achei o cálice, mas eu sabia que não estava sozinha, os Fávlos já estavam na minha cola desde que eu virei amiga da sua mãe mesmo não sabendo que eu era Hera. Então eu o escondi, e qual o melhor lugar para esconder algo a não ser debaixo do nariz daqueles que o procuram? — Hera pegou umas das adagas em meu cinto, andou em direção à sua parede com diversas fotos e então cravou na sua foto com minha mãe a partindo no meio. Ela abriu o quadro e de lá tirou uma foto, estendo-a para mim. — Na época, os humanos estavam construindo esse museu e como eu era uma das principais curadoras, escondi o cálice em uma das estátuas de Dionisio. Quem duvidaria do deus do vinho segurando uma taça, certo? — Peguei a foto dando de cara com a foto de uma estátua segurando um cálice.
— O cálice está no museu do Romanticismo, na Espanha. — Olhei para Hades e continuei: — Nós estudamos todas as estátuas gregas ao redor do mundo ao estudar sobre os deuses gregos, era o sonho do meu avô destruir todas quando finalmente conseguisse o cálice. Se nós formos agora...
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— Sempre bom te ver, cunhadinho.
— Ares e Zeus, vejo-os depois.
Hades se virou para mim e continuou:
— E você, , vamos pra casa.
— É, vamos pra casa.
Continua...
Nota da autora: Sem nota.
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