Última atualização: 07/04/2024

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Capítulo 21: Negócios Pendentes Sempre Voltam Para Te Chutar na Bunda

“Isn't it strange?
How people can change
From strangers to friends
Friends into lovers
And strangers again”
(Não é estranho?
Como pessoas podem mudar
De estranhos para amigos
Amigos para amantes
E estranhos novamente)
— Strange, Celeste

Los Angeles, CA
Atualmente





De absolutamente todas as más escolhas que já fiz na vida, ser uma pessoa que sempre honrava sua palavra deveria ser, muito possivelmente, a com piores consequências. Experimentar um cigarro debaixo da arquibancadas da escola com Joanne Johansson não havia nem chegado próximo do arrependimento que eu estava sentido neste exato momento.
Acontece é que a realidade da vida adulta é simples: negócios inacabados sempre voltam para te dar um chute na bunda. Essa é provavelmente a razão cujo você faz terapia no auge dos seus vinte e poucos anos. Se eu for honesta? Essa é a razão pela qual eu faço terapia no auge dos meus quase trinta anos. Negócios inacabados sempre voltam para te chutar na bunda. E, fazendo uma citação direta à The Smiths: os céus sabem que agora eu estou miserável.
E nem mesmo a nostalgia de andar pelas ruas de Los Angeles e refazer cada passo que eu costumava fazer em direção ao prédio da Capitol Records era o suficiente para sacudir o mau humor que havia sido instaurado em meu corpo. Eu estava aborrecida desde que havia pisado no LAX e, por mais que eu tentasse me convencer de que talvez o motivo do aborrecimento fossem as três horas de diferença entre Nova York e Los Angeles, eu sabia muito melhor que isso.
O motivo do meu aborrecimento possuía malditos cabelos claros cortados em formato desigual, a parte superior de seu corpo completamente coberta de tatuagens, olhos que eu sempre fui incapaz de reproduzir a cor nos diversos desenhos que havia feito em segredo no meu ateliê em Nova York e ele também tinha nome e sobrenome. James . Ou, como eu carinhosamente havia o apelidado, Devil’s Spawn. Filhote do Capeta.
Eu não costumava ser o tipo de pessoa rancorosa. Lembrando de como eu era cinco anos atrás, eu acho que poderia considerar minha mudança uma regressão completa de todo o trabalho que Liana havia feito nos últimos anos para me fazer uma pessoa menos traumatizada. Mas o cenário aqui me impedia de esboçar qualquer tipo de reação diferente de irritação: tinha estragado as coisas mentindo para mim quando eu tinha entregado a ele meu coração e rezado a qualquer um que me escutasse para que ele não o quebrasse. E o quebrou em centenas de caquinhos que me cortaram profundamente todas as vezes em que eu tentava colhê-los e colá-los novamente. E agora, eu me via como a garota de cinco anos atrás: um ratinho de laboratório sendo observado por milhares de olhos, como se todos esperassem pelo momento que eu finalmente iria explodir em um surto raivoso e jogar objetos enquanto gritava histericamente.
Respirei fundo, sentindo a mão de Sabrina em meu ombro com um aperto incentivador. Ela havia estado comigo desde a entrevista com Jimmy e havia sido a apoiadora número um para que eu não aceitasse a proposta de trabalhar na produção musical do novo álbum da Rowdy. Mas eu estava presa à uma promessa. Uma promessa estúpida feita por uma inocente demais para enxergar as consequências dela a longo prazo.
— Ainda dá tempo de fingirmos que você está grávida e teve um enjoo e por isso não vai conseguir ir - Sabrina murmurou, notando que o prédio da gravadora ficava cada vez mais próximo.
— Pelo amor de Deus, Brinnie - soltei um risinho divertido, me distanciando do mau humor dos últimos dois dias por alguns segundos antes de encará-la. - Está tudo bem, é só um álbum e então eu posso voltar para a minha vida longe de .
— Você está em estado de negação.
— Eu só estou cansada de fingir que essa parte da minha vida não aconteceu. Eu me mudei para o outro lado do país só para fugir dele e de todas as memórias com os garotos, não posso mais continuar fazendo isso se quiser seguir em frente.
— Você não precisa perdoar quem te machucou.
— Não é sobre perdoar - eu a assegurei. - É sobre fechar um ciclo que está em aberto faz muito tempo. Eu terminei com ele no meio de uma premiação e fugi sem nem olhar para trás ou dar as devidas explicações, não foi um encerramento de ciclo. Eu entendo as coisas que fez, mas isso não significa que eu vou correr para os braços dele na primeira oportunidade e esquecer de tudo. Eu quero distância, mas não posso ter isso se não fechar esse ciclo de uma vez.
— Pelo menos você vai estar com Cass e os rapazes - Brina sorriu. - E eu vou poder ficar com meu belíssimo namorado por mais tempo.
— Eu te disse que você poderia ter permanecido em LA.
— E te deixar sozinha na sua pior época? Nem pensar. Além disso, eu prefiro Nova York que Los Angeles, apesar do caos da cidade.
— A cidade onde os sonhos são feitos e toda essa merda.
— Deveríamos colocar essa na setlist do próximo show em Nova York.
— Nós já temos aquele cover da Adele.
— Não estou disposta a trocar as alfinetadas no .
— Não eram alfinetadas, eu só gosto da música.
— Qualquer coisa que fizer você dormir melhor a noite, amor.
— Meu sofrimento paga seu salário, Sabrina.
— Yep, você quem escolheu monetizar seus traumas, eu apenas te ajudo com a administração e gestão de crises - Sabrina ajeitou seus óculos de sol em seu rosto. - Você me jogou no ácido e me fez sentir como se eu merecesse tudo o que fosse acre - ela cantarolou. - Nossa, eu amo essa.
— Eu sei.
— Pronta para ver a cria de satanás?
— Sim, senhora.
— Certo, quanto mais rápido a gente entrar, mais rápido vamos sair - Sabrina sorriu, abrindo a porta e saindo em seguida. Não tardou para que eu fizesse o mesmo.
O estacionamento da Capitol estava tão cheio quanto uma segunda-feira permitia. Consegui reconhecer o Maserati amarelo de Griffin e o Aston roxo de logo em seguida. Os carros destoavam o suficiente dos demais, principalmente pelas cores chamativas em uma enorme fila de carros pretos e prateados.
Respirei fundo, adentrando o prédio da gravadora e desenhando meu caminho para o elevador com Sabrina ao meu lado. Ser uma artista da agenciada permitia que nós ao menos precisássemos parar no balcão de identificação. Entramos e Brina apertou o botão que indicava a cobertura onde a sala de reuniões de Ashleigh aconteciam.
O trajeto até a cobertura parecia ter levado uma eternidade. As paredes de vidro ridiculamente limpas mostravam cada uma das pessoas presentes na sala, possibilitando a entrada na sala sem a cordialidade de precisar bater. O barulho havia cessado quase de imediato e eu sentia os olhares de todos em mim. Engoli em seco, finalmente encarando um ponto diferente de Ashleigh.
estava lá, claro que estava. E ele continuava tão bonito quanto eu me lembrava. O filhote de Lúcifer ainda mantinha os cabelos em um corte desalinhado e a franja caía por sua testa em mechas irregulares chegando até pouco abaixo das sobrancelhas. Ele usava um boné, a camiseta três tamanhos maiores do que o que seria ideal, uma calça colada com rasgos nos joelhos e coturnos pesados, todos pretos. A única coisa destoante eram os cadarços rosa-neon e as estampas brancas na camiseta.
Ele parecia surpreso, como se não acreditasse que eu realmente apareceria. Como se a minha presença fosse a coisa mais chocante que ele já havia presenciado. Talvez qualquer outra pessoa não notasse, sempre havia sido muito discreto com suas mudanças de humor quando estava sóbrio, mas eu me lembrava de seus sinais como se eles tivessem sido tatuados em minha cabeça. A forma como seus ombros tensionavam, o leve arquear de suas sobrancelhas e os lábios levemente contraídos. Acho que algumas coisas nunca mudam, afinal.
— Sempre pontual - Ashleigh sorriu, andando em minha direção para me receber com um abraço apertado. - É muito bom ter você em casa.
— Você fala como se não fosse me visitar sempre que possível - retornei o gesto na mesma intensidade. - É bom estar de volta.
— É difícil de me acostumar com você não sendo uma constante nos corredores - Ash apertou levemente meus ombros.
— Deixe um pouco de abraços da para a gente, temos certa prioridade aqui - Donnie se pronunciou, levantando-se da cadeira para vir em minha direção.
— Sempre dramático - eu rolei os olhos, sendo envolvida pelo abraço apertado, que tirou meus pés do chão e me girou no ar.
Não pude deixar de soltar uma gargalhada sincera. Deus sabia o quanto havia sentido falta do apoio e abraços quentinhos do homem nos últimos anos. Dom havia me visitado poucas vezes em Nova York, a maioria das vezes em períodos de recesso e nossas saídas nunca eram vistas pelo público, graças ao fato dele ter feito questão de comprar um apartamento no mesmo prédio para que a distância não fosse um empecilho. O colo de Dom nos piores momentos do término com foram algo completamente inesperado.
Donnie e Thomas tentando seu melhor para ir até minha casa em escapadas secretas para sessões de filmes e sorvete. Os carinhos e abraços quando resolveu ser um babaca lançando músicas que me faziam a vilã. As ligações de vídeo como comemoração por lançamentos de álbuns, singles e papéis na TV. Eles haviam sido uma rede de apoio que eu nunca ao menos achei que poderia contar. Ambos haviam sido tão importantes quanto Griffin e me ajudado em qualquer pequena oportunidade.
— Puta merda, como eu senti saudades! - ele disse, alto o suficiente para que a fachada continuasse intacta. - Estou me sentindo horrível por fingir, mas saiba que eu faço tudo por você - ele sussurrou, depositando um beijo em minha bochecha. - Nosso novo roadie é um babaca, eu me arrependo todos os dias de não ter você com a gente.
— Ele não te dá conselhos de roupa?
— Pior! - ele exagerou na reação. - Ele é um babaca pretensioso. Um dia desses ele me deixou plantado por vinte minutos no backstage porque se esqueceu onde tinha colocado meu ponto.
— Novatos - rolei os olhos.
— Não é?
— Ganho um abraço também? - Tommy parou ao meu lado com os braços abertos em um convite. Eu assenti, indo de encontro com seu corpo - Fico feliz de ter você em LA, me poupa o trabalho de mentir para ir até sua casa - ele sussurrou, apertando-me. - Senti sua falta.
— Eu também – sorri.
— E aí, babaca - Griffin gritou, fazendo uma saudação com ambos os dedos na têmpora. - Não vou seguir com a baboseira, nos vimos tempo o suficiente para eu enjoar da sua cara.
— Se fode, Griff - rolei os olhos. - Bom te ver também.
— Sempre um prazer, irmãzinha.
Griffin mandou um beijo no ar e eu sorri, pegando-o e levando até meu peito. Andei em direção à cadeira próxima de Griffin e do lado oposto de que permanecia em silêncio observando como todas as pessoas à nossa volta reagiam.
— Como falamos mais cedo, a proposta é que você ajude na produção do novo álbum da banda. Eles têm algo produzido, mas aparentemente não está bom o suficiente então estamos cogitando descartar e começar do zero.
— Mas já foram lançados singles, não?
— Sim, mas acho que podemos fazer como a Ashley e lançar um álbum com conceito diferente do primeiro single.
— Tudo bem, quais são as propostas?
— Estávamos pensando em três feats - Tommy começou. - tem algumas letras e nós fizemos algumas também, então você pode chegar com suas letras e assim podemos ver o que dá para fazer com elas. A ideia do álbum é uma temática bem mais pessoal. Nós todos concordamos que o Paris Renaissance e o Rocky Horror Type Of Show, por mais comercial que fossem, não passam exatamente a sinceridade que a gente construiu com o público e com nós mesmos nos álbuns anteriores e, principalmente, no Bloom. decidiu que já estava na hora de falar sobre os temas que foram ignorados cinco anos atrás.
— E o que seriam os temas, exatamente? Eu não estou fazendo uma checagem para saber se vocês pretendem falar sobre mim, para deixar claro. Eu só quero saber o que vou precisar montar de inspirações para poder ajudar vocês da melhor forma possível, sem tirar a legitimidade e a identidade que vocês vêm construindo nos últimos anos - expliquei, encarando os rapazes. Donnie, Griff e Tommy se encararam, como se estivessem ponderando a resposta antes de finalmente se pronunciar, sem tirar sua atenção de mim por um segundo sequer.
— Minha overdose, depressão e tentativas de suicídio. É um assunto que tem sido motivo de rumores desde muito tempo, eu não quero mais esconder. ‘Tô cansado de perder coisas por omissão, os fãs merecem algo sincero e não alguma merda comercial que eles podem encontrar em qualquer rádio de pop do mundo.
— Oh, certo… - eu assenti, encarando-o de volta. - Acho que podemos trabalhar em um cronograma que seja benéfico para os dois lados. Eu tenho algumas entrevistas marcadas e está correndo um rumor que provavelmente entraremos em período de quarentena devido ao COVID-19, então não sei exatamente como serão os processos até lá. Teremos que colocar a possibilidade de um atraso de quinze dias para o início das produções e quem sabe agendar reuniões virtuais se isso de fato se consolidar.
— Certo - Ashleigh sorriu. - Além disso, estamos pensando em uma turnê em conjunto, como um throwback do começo de tudo. Pensamos que seria bom.
— Sobre isso… - suspirei. - Eu acho que não vou conseguir a tour em conjunto, eu tenho a minha própria turnê, então é fora de cogitação. Mas acredito que podemos combinar alguns shows para que eu apareça. E existe a questão de uma possível pandemia no meio disso, então acredito eu que a turnê vai ter que ser remarcada para o próximo ano, se as coisas melhorarem. Tanto a minha quanto a de vocês.
— Pelo menos assim teremos mais tempo para trabalhar músicas e videoclipes. Eu vou ficar maluco se eu precisar ficar trancado em casa por muito tempo sem produzir nada - Donnie rolou os olhos. - A questão da turnê nós podemos resolver quando as vacinações começarem por aqui e os shows forem liberados novamente, okay?
— Por mim tudo bem - assenti.
— Podemos pensar em uma outra alternativa: se vocês fizerem o lockdown juntos, a produção do álbum não vai sofrer tanto com o processo. Usualmente as produções duram em torno de seis meses entre composições, gravações e acertos. Podemos pegar um estúdio que tenha um espaço para vocês trabalharem que seja grande o suficiente para que vocês consigam trabalhar juntos e não se verem pelo resto do dia. Queen fez isso na produção de A Night at the Opera. E vocês já fizeram isso antes quando era roadie da banda, não vai ter muita diferença.
— O quão grande estamos falando? - arqueei uma sobrancelha.
— Grande o suficiente para que vocês consigam seguir suas rotinas sem que o outro esteja lá o tempo todo.
— Podemos pensar nisso se o lockdown durar mais que quinze dias - sorri de canto. - Mais alguma coisa? — Queremos saber se pelo seu lado existe alguma exigência. - Griff me encarou.
— Ah, sobre isso - me ajeitei na cadeira. - Precisamos de um termo de confidencialidade. Eu não quero que essas participações sejam citadas até lançarmos o primeiro single desse álbum. Já tive que lidar com rumores e fãs raivosos por tempo demais, não estou inclinada a abrir mão disso.
— Por mim não faz diferença - Griffin deu de ombros. - ? — Não vou sujeitar a a novos rumores se eu puder evitar que isso aconteça - ele concordou, me surpreendendo de uma forma positiva ao menos uma vez na vida. - Ela já sofreu o suficiente por minha causa, não vou cometer o mesmo erro duas vezes.
— Certo - assenti. - Meus advogados vão entrar em contato para resolver a questão contratual e a agenda. Ashleigh, meninos, foi ótimo ver vocês - me levantei, sorrindo em um agradecimento silencioso enquanto minha cabeça funcionava a milhões de milhas por segundo.
A realidade era que o comportamento de havia me afetado mais do que eu gostaria que tivesse. Eu havia me preparado para o cenário que eu havia encontrado quando comecei a trabalhar como roadie da banda sete anos atrás. Eu esperava que estivesse na defensiva e preparado para me foder discordando com cada pequena decisão e pergunta que saísse de meus lábios, apenas para me ver perder a compostura e destruir toda e qualquer maturidade emocional que eu havia construído nos últimos anos longe de sua presença.
E algo me dizia que a cara de Sabrina demonstrava a mesma coisa que eu estava pensando.
— Desembucha.
— O que foi que eu acabei de ver aqui? - Brina sussurrou. - Quero dizer, uma coisa foi ver longe de você nesses últimos tempos e ele de fato parecia uma pessoa diferente. Outra completamente diferente foi encarar essa maturidade que saiu sabe-se lá Deus de onde em uma reunião onde ele estava sentado exatamente na sua frente.
— Exatamente, que porra acabou de acontecer? - sussurrei, encarando Brina com uma sobrancelha arqueada. - Que porra, eu estava esperando ser completamente humilhada por minhas exigências, não que ele endossasse os pedidos e ainda reconhecesse a parcela de culpa dele para que eu tomasse a decisão.
— Eu estou tão chocada quanto você.
- escutei a voz do diabo e parei por alguns segundos, sentindo-me como se tivesse contado com a vitória cedo demais.
— Você pode ignorar - Sabrina me encarou.
— Não, acho que posso dar o benefício da dúvida depois do que aconteceu naquela sala. Ele me escutou, nada mais justo que eu faça o mesmo.
— Okay, mas se as coisas passarem dos limites, eu vou intervir.
— Tudo bem - sorri de canto, me virando em direção ao diabo e andando até ele como uma maldita mariposa sendo atraída para a luz. - , eu esqueci algo? — Você mudou bastante - ele me encarou dos pés à cabeça com uma expressão triste. - É bom te ver novamente.
— É, eu acho que sim - assenti, silenciosamente.
— Olha, eu não quero brigar - murmurou. - Eu realmente não pensei em usar isso como uma chantagem ou algo do tipo, eu só achei que se você estivesse na produção do álbum, ele poderia alcançar seu potencial completo. A Rowdy trabalha melhor com você, . Eu trabalho melhor com você.
E lá vai novamente. Comprovando que até mesmo o pior dos homens pode conseguir fingir algo minimamente genuíno mesmo após todo o tempo em que não tivemos contato algum.
— Certo, mais alguma coisa?
— Não. Quer dizer, sim.
— Poderia ir direto ao ponto, por favor?
— Podemos marcar um almoço? Precisamos conversar.
— Pode falar com a Sabrina, ela pode agendar uma nova reunião.
— Não quero uma reunião, . Nós temos assuntos pendentes e eu gostaria de… - ele parou por alguns segundos antes de continuar - conversar. Sobre nós. Sobre o que aconteceu naquela noite no Soul Train. Sobre tudo o que aconteceu nos últimos anos antes de…
— Não existe nós - eu o cortei antes mesmo que ele continuasse. - Não temos nada para conversar, você deixou claro o que sentia me tornando a vilã da história para o mundo todo e me acusando de ter te abandonado na sua pior fase. Está tudo claro para mim. O que restou para conversar?
— As coisas não foram simples assim, você sabe, eu estava…
— Eu sei? - arqueei a sobrancelha
— Não foi isso que eu quis dizer.
— É.
— Eu só… - ele suspirou, passando a mão por seu rosto enquanto eu cruzava meus braços e o encarava. - Eu só queria dizer que nós deveríamos resolver os nossos problemas antes que isso afetasse os outros. Eles sentem sua falta e Cassie também sente. Depois de nós dois, ela foi a pessoa que mais foi afetada com tudo isso. Eu entendo você não querer me perdoar pelas coisas que fiz, eu realmente entendo. Mas eu estou aqui, com a maior sinceridade que já tive em anos, para dizer que estarei pronto quando você estiver para sentarmos e resolvermos todas as coisas não ditas. Eu posso lidar com a sua distância, mas, por favor, não obrigue Cassie a fazer o mesmo por minha culpa. Eu assino todos os contratos de confidencialidade se for o que você quer, por Deus, eu assino até mesmo um contrato para nunca sequer tocar no seu nome de novo, mas não se distancie de Cassie por culpa das coisas que fiz. Ela não merece isso e você também não. Sei que você também sente falta dela.
Cassie.
A filha de , o floco de felicidade que havia entrado em minha vida e assumido um papel importante na pessoa em que eu havia me tornado nos últimos anos. A garotinha que havia me feito começar a construir minha carreira pouco a pouco. E umas das razões pelas quais eu aguentei tantas coisas ao lado de . Meu medo de perdê-la quando havia tomado a decisão de ir embora havia me deixado paralisada por noites a fio. Ainda me lembrava dos calafrios causados pela possibilidade dela um dia não querer contato algum comigo após minha partida.
Mas ela não o fez. Cassie ainda continuava tendo contato comigo em cada pequena oportunidade que ela tinha, como um pequeno segredo que somente os demais membros da Rowdy, Sabrina e eu sabíamos. As videochamadas quando Griffin estava em minha casa, a felicidade de quando ela finalmente terminou o primeiro capítulo de sua história em quadrinhos. Todas essas pequenas coisas eram feitas em segredo, longe dos olhos de .
Eu havia continuado sendo presente na vida de Cassie por todos esses anos, mesmo que sem vê-la sequer uma vez.
— Tudo bem - eu assenti. - Eu não consigo fazer isso agora, . Não sei se um dia eu vou estar preparada para isso, não posso prometer algo que não sei se vou conseguir cumprir.
— Está tudo bem - ele sorriu, quase como se tivesse aliviado. - Saber que existe uma possibilidade, mesmo que mínima, já é o suficiente para mim.
— Okay.
— Eu vou falar com a Cassie. Você deveria ter visto o quão feliz ela ficou quando eu contei para ela que você tinha aceitado a proposta. Podemos marcar algo com os rapazes, se você quiser ver ela qualquer dia desses. E se seguirmos com a ideia da quarentena em conjunto, posso ver com Ashleigh de levar ela com a gente.
— Eu gostaria disso - eu assenti. - Mais alguma coisa?
— Não - ele sorriu.
— Certo, até mais, .
— Até.
E, com um aceno de cabeça, eu desenhei meu caminho em direção à Sabrina.
Eu costumava me perguntar como duas pessoas poderiam ir de amantes a completos estranhos. Agora, eu gostaria de não saber a resposta para essa pergunta.

Capítulo 22: Quarentena, Meias-Verdades e Conversas Desconfortáveis

“It's gettin' hard to fake how I feel when your face still taunts me
I know it's hard to fake how you feel, do you not still want me?
How'd you run away from the place you brought me?
I did it to myself, though, go ahead and blame this on me”
(Está ficando difícil esconder como eu me sinto, quando seu rosto ainda me irrita
Eu sei que é difícil para você esconder como você se sente, você ainda não me quer?
Como você pôde fugir do lugar para onde me trouxe?
Eu fiz isso sozinho, vá em frente e coloque a culpa em mim)
— Waste Love, Machine Gun Kelly feat Madison Love
Franklin, TN
Atualmente





Nós havíamos pensado que a quarentena duraria somente quinze dias.
Claramente, nós estávamos completamente errados.
Após os primeiros quinze dias, focamos em tentar acertar questões burocráticas antes de iniciarmos as preparações para a produção. Tínhamos reuniões remotas com todos os advogados e equipe para alinharmos as expectativas e, mesmo que eu estivesse morrendo por dentro todas as vezes em que não podia simplesmente puxar para uma chamada a parte e resolver tudo antes de nos encontrarmos pessoalmente, eu sabia melhor do que fazê-lo.
Se eu fosse sincero, ver novamente depois de tanto tempo e acompanhá-la de longe me fazia sentir como se fosse Ícaro: voando com minhas asas de cera próximo demais do sol. E seria uma questão de tempo até que eu colidisse contra a Supernova que era.
E, de fato, foi o que ocorreu. Depois de longos dois meses entre uma reunião e outra, Ashleigh decidiu que esse álbum não sairia tão cedo se continuássemos nos juntando virtualmente, o que era verdade. Como alguém que havia acompanhado o efeito em todos os membros da banda, Ash sabia muito bem que o sucesso desse álbum contava com a liberdade de estarmos todos juntos a um corredor de distância, no mínimo, para alterações e debates acalorados.
Mesmo que cada um de nós estivesse com planos para alguns agrados aos fãs durante o período de isolamento, Ashleigh decidiu que a produção do álbum já havia sido atrasada o suficiente e, depois de muitas exigências feitas por Donnie, e eu, ela se sentiu compadecida o suficiente para fechar um contrato que poderia ou não ser prolongado de acordo com os avanços na produção.
O Dark Horse Recording, a casa-estúdio de gravação que Ashleigh havia fechado para a nossa quarentena, ficava na saída de Nashville, localizado na área rural de Franklin, no Tennessee. Uma casa de três andares, construída de forma rústica com direito a um grande espaço de grama cercado por árvores. O interior era tão confortável quanto o exterior e o espaço dentro da casa era bom o suficiente para que Donnie conseguisse gravar as lives que ele havia intitulado carinhosamente como “Donnie’s Talk Show” no andar superior da casa ou no sótão, que era igualmente bem conservado. Entretanto, o que me deixou satisfeito o suficiente era a possibilidade de conseguir fazer minhas corridas matinais durante o tempo sem preocupações de ter contato com qualquer pessoa. Isso era uma das coisas que eu havia adotado como substituição para as drogas e havia se tornado um novo vício.
De qualquer forma, eu havia chegado no estúdio com Cassie havia pouco mais de dois dias quando os outros rapazes chegaram, acompanhados de e Sabrina, algo que eu já deveria esperar. Minhas apostas estavam todas em cima da possibilidade de ter ficado na casa de Griffin durante todo esse tempo. Não levou mais que trinta segundos para que Cassie flagrasse e corresse em direção à figura mascarada de minha ex, sem ao menos hesitar.
A reação de , entretanto, foi algo que não cansava de me surpreender todas as vezes em que presenciava as interações das duas nos anos anteriores ao meu término com . Ela, assim como em todas as vezes, largou suas coisas no porta-malas da van como se elas não fossem algo relevante e se virou de imediato em sua direção, abrindo seus braços para que Cassie pulasse contra ela, somente para envolvê-la em um abraço forte.
— Por Deus, você cresceu tanto - consegui escutar a voz de falhar por alguns segundos antes dela continuar. - Princesa, eu senti tantas saudades, seu cabelo está enorme. Os rapazes disseram que você estava parecida comigo e eu achei que era uma forma deles implicarem comigo - ela soltou uma risadinha, apertando as bochechas de minha filha da mesma forma que uma mãe orgulhosa faria
— Eu também senti saudades, você não foi mais para Los Angeles - ela sorriu, assim como uma criança alegre faria. - Seus shows são proibidos para menores e eu não tinha como ir - eu senti uma pontada de culpa se emaranhar em meu peito. Cassie tinha ficado tanto tempo sem contato com por minha culpa, em todos os sentidos possíveis.
— Oh, baixinha - tombou a cabeça para o lado e eu conseguia ver o biquinho que ela fazia em seus lábios, mesmo por baixo da máscara - Me desculpe, eu prometo que tentarei meu melhor para não estar tão distante agora, se estiver tudo bem para o seu pai - ela me encarou, como se esperasse por algum tipo de resposta.
— Sim, claro, sem problemas algum - eu assenti. - Vocês precisam de ajuda com as malas? Eu posso ajudar com isso.
— Não, está tudo bem - se levantou, apoiando uma de suas mãos no ombro de Cassie, que agora alcançava sua cintura. - Eu trouxe duas malas, apenas. Se precisar de algo mais, posso pedir para entregarem aqui.
— Eu insisto, os quartos ficam nos andares de cima e as escadas são um pouco apertadas. Tem um quarto no andar de baixo, mas não sei se você vai querer ficar com ele.
— Posso te mostrar os quartos? - Cassie encarou , o olhar tão cheio de expectativa quanto poderia.
— Claro, se vocês não se importarem - ela encarou os demais.
— De forma alguma, pode ir. Nos ajeitamos com as malas - Donnie puxou uma das malas de e colocando no chão com certa dificuldade. - , amor, você está carregando o que nessa mala?
— Corpos de homens curiosos - ela sorriu, dando uma piscadela e sendo arrastada pela mão por Cassie em direção ao chalé.
— Parecem duas crianças alegres - Tommy murmurou, puxando mais uma mala do porta-malas. - Devo dizer que senti falta da dinâmica entre essas duas.
— Não é? Traz algo tão nostálgico - Donnie sorriu enviesado. - É como 2016 tudo de novo: e em uma Guerra Fria enquanto todos nós fingimos que eles não querem transar feito dois coelhos no cio.
— Ei, tem razões o suficiente para estar do jeito que está - Sabrina apontou o dedo em aviso em direção à Donnie. - Eu te amo, , mas você sabe que estou certa.
— Você está, tem mesmo razões o suficiente para me tratar do jeito que está me tratando. Eu mereço mais um banho de água fria, na real - dei de ombros, andando em direção à Tommy e Donnie e pegando duas malas. - Ao menos vou tentar ir ajeitando as coisas entre nós nesse período. Não dá para permanecer assim o tempo inteiro sem prejudicar o álbum.
Eu puxei as malas, dando de costas para os rapazes e Sabrina antes de voltar para dentro do chalé e subir as escadas com uma dificuldade que somente duas malas gigantescas poderiam fornecer.
Parei no começo do corredor, colocando as malas próximas da primeira porta, onde eu acreditava que todas as malas ficariam até que os demais decidissem seus quartos. Não levou muito tempo para que o restante deles parassem, espalhados pelo corredor.
— Bom, temos dois quartos com camas de casais e sofá-cama, um quarto com duas beliches no andar de cima e um quarto de casal no andar inferior. Eu peguei um dos quartos com a cama de casal do segundo andar e o sofá por Cassie, então temos os outros restantes.
— Sabrina e Griffin podem ficar com um dos quartos de casal, eu não quero ter que escutar as coisas que esses dois vão fazer entre quatro paredes - Donnie fez uma careta.
— Eu posso ficar com o quarto com os beliches, sem problema algum - finalmente se pronunciou, parando com Cassie ao seu lado.
— Nah, não vamos deixar você dividindo quarto comigo ou Donnie - Tommy a abraçou de lado. - Nós temos insônia e ficamos acordados por horas a fio, pode pegar o quarto de casal do andar de cima. Eu fico com os beliches e Donnie, e Sabrina fica com Griff no quarto de baixo.
— Tem certeza?
— Claro, - ele sorriu. - Pode ficar, eu e Donnie já basicamente moramos juntos a esse ponto, não vai fazer muita diferença.
— Okay, então. Obrigada pela ajuda, pessoal.
agradeceu com um maneio de cabeça, saindo dos braços de Tommy para pegar as duas malas que havia trazido antes de desenhar seu caminho pelo corredor até o quarto que havia sido designado para ela.
— Ela está… diferente - comentei com Sabrina, que havia sido a única a continuar dos corredores. - Você acha que ela vai me perdoar?
— Honestamente, ? Eu não sei. ficou um caco depois de tudo o que aconteceu. Ela mudou bastante e você também não ficou muito atrás. Quero dizer, você começou a fazer terapia, não?
— Sim. Eu estou no oitavo passo agora, preciso fazer as pazes com as pessoas que eu machuquei com meus atos. é a única que falta e ela foi a que mais machuquei. Não quero forçar as coisas, preciso que ela esteja preparada para me escutar.
— Olha, eu genuinamente não sei. costumava ser uma pessoa mais razoável antes de todos os problemas com o pai dela. Hoje em dia ela é bem mais… fechada. Acredito que você vai precisar dar tempo ao tempo. Ela ter aceitado o convite pode ter significado algo, mas precisaremos saber como as coisas vão seguir durante as próximas semanas. Te desejo boa sorte.
— Obrigado - eu sorri de canto quando Sabrina deu tapinhas no meu ombro e desceu as escadas novamente.
Respirei fundo e passei a mão por meus cabelos, correndo em direção ao meu quarto e buscando pelas folhas de composições que havia trabalhado nos últimos dias. Ao menos aquilo seria algo bom o suficiente para tentar puxar algum assunto com . Ao encontrá-las, peguei com cuidado e sai do quarto sem ao menos me atentar que a mulher em questão estava vindo em minha direção, trombando com ela quase de imediato.
— Puta merda, me desculpa - eu me apressei, encarando que trazia uma careta em seu rosto. Ela já não usava a máscara e seus cabelos estavam presos no topo de sua cabeça. - Eu estava indo te procurar e acabei não prestando atenção.
— Está tudo bem - ela deu de ombros. - O que você queria?
— Eu separei algumas das letras que eu fiz nesses últimos tempos para você ver se algo é útil. Não sei se você já quer começar a trabalhar, mas achei que seria bom aproveitar que já estamos aqui e te deixar ciente das coisas que andamos escrevendo - eu estendi as folhas em sua direção e as pegou, folheando as páginas antes de me encarar.
— Certo, eu agradeço - assentiu. - Eu vou levar essas comigo e olhar enquanto fumo um cigarro. Não sei se você ainda fuma, mas se quiser me acompanhar junto com Donnie, vamos estar do lado de fora.
— Tudo bem, posso acompanhar vocês.
balançou a cabeça positivamente, se movendo para dar espaço o suficiente para que eu seguisse pelo corredor em direção às escadarias com ela em meu encalço. O silêncio entre nós dois era grande o suficiente para que eu conseguisse cortá-lo no ar e me odiasse cada vez mais. Alguns anos atrás, nós passaríamos pelo caminho até o lado de fora em meio a risadas e brincadeiras.
A caminhada da vergonha logo chegou ao fim com o clima ameno de primavera nos recebendo de bom grado quando encontramos Donnie sentado em um dos bancos, com um cinzeiro que eu honestamente não sabia de onde ele havia tirado. sentou em um dos bancos, colocando as folhas em cima da mesa para ler as letras que eu havia escrito durante o tempo.
— Eu acho que podemos começar com Glass House e Waste Love - pigarreou, puxando as duas folhas. - Vocês podem escolher qual das duas.
— Essas são as de , são bem pessoais - Donnie se levantou. - Vou deixar essa para vocês, a ideia era dueto e eu posso ser mais útil nos arranjos. Amo vocês, não se matem - Donnie deu um beijo estalado no rosto de antes de sair correndo em direção a parte de dentro da casa.
— Ele realmente fez isso? - me encarou, soltando uma risadinha.
— Ele fez - eu encarei o banco de Donnie, em choque. - Você está confortável com isso?
— Não é a primeira vez que preciso trabalhar com pessoas que não tenho intimidade - ela deu de ombros, fazendo uma careta logo em seguida. - Me desculpa, não quis soar como uma babaca. Eu quis dizer que você não é de longe alguém que eu me sentiria desconfortável de trabalhar junto. Nós já trabalhamos juntos antes, está tudo bem.
— Acho que mereci essa - eu sorri de canto. - Essas são bem descritivas em relação à algumas coisas que aconteceram nos últimos anos, incluindo… - ela me interrompeu antes que eu pudesse terminar.
— A noite no Soul Train Notei isso quando bati o olho em um trecho que diz “vi um táxi amarelo levá-la pela Broadway”. Exceto que não era um taxi e era a Vegas Boulevard - ela me encarou, sorrindo de canto. Era um sorriso tristonho, como se ela estivesse sendo forçada a isso. - Tudo bem, . É uma experiência sua, eu não posso pedir para que você simplesmente apague isso da sua cabeça. É um direito seu da mesma forma que é meu.
voltou sua atenção às folhas, puxando o caderno de moleskine de seu bolso com a conhecida caneta roxa que ela sempre utilizava para as suas composições. Ela clicou a caneta, mordendo o lábio como se pensasse em algo antes de me encarar.
“Tentei me safar com o pior, dessa vez você me pegou, tentei dar lugar as palavras para que eu pudesse me desculpar, é tão ruim como eu desperdiço o amor, eu sei que é uma merda como desperdiço o amor. Volto para casa todas as noites chapado” quais são os seus planos nessa?
— Eu estava pensando em fazermos algum dueto como duas pessoas que foram machucadas durante uma sucessão de erros. Considerando tudo, penso que não tem ninguém que saiba melhor o que colocar aqui senão você.
— Sim, de fato - ela balançou a cabeça. - O que você acha de “você tentou escapar com o pior e dessa vez eu te peguei. Tentei te fazer ficar com as palavras, mas agora eu te perdi. É uma merda como você desperdiça meu amor, você sabe que é uma merda como você desperdiça meu amor, volto para casa todas as noites e você está completamente chapado”? - eu engoli em seco, sentindo as conhecidas pontadas da culpa que havia me consumido pouco a pouco.
— Que tal "tentei te fazer ficar com minhas palavras, mas dessa vez eu te perdi" acho que "dessa vez" fica melhor do que "agora".
— Okay, estamos chegando em algum lugar aqui - franziu o cenho, tocando um piano imaginário no ar antes de fazer uma observação. - Acho que "é uma merda como você desperdiça amor" ao invés de colocar "meu amor" funciona melhor.
É uma merda como você desperdiça amor - cantarolei. - Canta essa linha de novo, do jeito que fiz. Pensei em uma harmonia.
— Okay - assentiu. - É uma merda como você desperdiça amor...
— É uma merda como eu desperdiço amor
...
É uma merda como você desperdiça amor ...
— Eu sei que é uma merda como eu desperdiço amor... -
cantei em um tom abaixo de , da mesma forma que havia feito antes. Ela balançou a cabeça positivamente, fazendo as anotações no canto da folha que eu havia entregado a ela.
— Acho que é um bom começo, essa parte com sobreposição dos diálogos ficaria boa na ponte antes do final.
— Eu não cheguei a pensar na parte final ainda - eu fiz uma careta.
Essa música havia sido feita com o objetivo de ao menos tentar mostrar a o quanto eu estava arrependido de todas as coisas que havia feito nos anos anteriores. Entretanto, havia uma lacuna gigantesca entre o começo e o final, coisas que eu ainda não havia conseguido pensar ao certo como seguir. A mulher sentada próximo a mim havia provado que nós dois éramos um capítulo que havia se encerrado há muito em sua vida e eu ainda me perguntava como seguir com tudo.
— Acho que é uma história que ainda está sendo escrita, então - ela largou a caneta, tateando os próprios bolsos em busca do maço de cigarros e do isqueiro. - Vamos ter um longo processo fazendo tudo, acho que até o dia de começarmos as gravações ela vai estar terminada. Você se importa? - apontou.
— Não realmente, eu ainda fumo - levantou uma sobrancelha. - Cigarros, tabaco, digo.
— Oh, entendi - ela soltou um risinho, tirando um dos cigarros e acendendo somente para dar uma tragada. - Isso é… bom. Não para os seus pulmões, claro.
— É, eu acho que é um avanço. Tentei parar um ano atrás, mas não tive muito sucesso. Estou tentando ir aos poucos.
— Entendi.
E lá estávamos nós, em completo silêncio novamente enquanto tombava sua cabeça para trás para soltar a fumaça, que se dissipou pelo ar rapidamente graças a brisa fresca que a casa no campo e as árvores ao seu redor forneciam. Ela mexia as pernas ansiosamente, o que fazia com que os pesados contornos amassassem as folhas secas debaixo de seus pés.
Me limitei a observá-la. Os olhos fechados, como se ela estivesse sentindo o beijo terno da brisa primaveril e finalmente estivesse em um momento de paz e harmonia. Como se não estivesse perto do responsável por destruir sua vida nos dois últimos anos. Como se estar longe dos olhos da cidade e dos montes de Los Angeles significasse que a minha presença não era de longe a pior coisa que ela poderia provar. Como se ela fosse intocável.
Eu não me lembrava dessa . Também não me lembrava da que tinha horror a tecnologias, a que possuía um perfil privado que não tinha uma unidade de informação que pudesse ser ligada a ela. E tão pouco me recordava da expressão dura que transformou seu rosto quando ela abriu os olhos e me encarou, se suavizando logo em seguida quando Donnie apareceu em nosso campo de visão.
— Tive uma ideia para o meu verso em "I Think I'm OKAY".
— Eu tive uma também.
— Coloca seu celular para gravar ou eu não vou me lembrar. Agora, .
— Okay, okay - levantei as mãos em rendição, puxando meu celular e abrindo no aplicativo de notas de voz. - Tá pronto.
Me enrole, me fume, amor; nós podemos voar pela noite; me enrole, me fume, amor; Nós podemos voar pela noite; Você toma drogas para deixar ir e é descobrir tudo por sua conta, você toma drogas em túmulos para descobrir tudo por conta; me assista pegar uma coisa boa e foder tudo em uma noite - Donnie cantarolou. - Aí podemos sobrepor várias vozes como se uma multidão estivesse cantando nesse refrão. Eu tive, tipo, uma puta ideia se fizermos essa como um single. Mas só se vocês estiverem de acordo e agora essa é sua deixa para dizer sua ideia e parar de gravar - Donnie sorriu, apontando para o celular enquanto eu o encarava sem palavras.
— Eu estou tão acostumado em te ver sendo um maluco que frequentemente me esqueço que você é um rapper de estilo livre também - eu pisquei algumas vezes, passando a gravação em meio ao riso divertido de . - Pensei em algo como "essa é minha vida e posso tirar ela se quiser, mas não posso me esconder nos montes da Califórnia, porque esses montes tem olhos e eu tenho paranoia, eu me machuco às vezes, isso é muito assustador para você?"
— Isso é bom para caralho, é exatamente isso - Donnie apontou. - , amor, posso usar sua caneta?
— Fique à vontade.
— Obrigado, amor, você é incrível - ele sorriu, anotando minhas linhas depois de procurar pelas diversas letras espalhadas no papel e encontrar a folha de "I Think I'm OKAY" - Com isso, já temos o começo, minhas linhas e um refrão. Precisamos dos trechos para o final.
— E se você ficasse com o final?
— Vou ter esse privilégio?
— A música é sua, cara, você deve - eu sorri de canto. - Mas eu pensei em algo para o começo, um riff de violão. Vou gravar esse e arrumar no violão depois - eu murmurei, colocando o gravador do celular para gravar. - Se liga, podemos ir com algo tipo assim tarã nã na nãn dam tarã na na nân tarandandan. - harmonizei os sons aleatórios em minha cabeça, ciente de que ambos os músicos ao meu lado compreenderiam minhas observações. - E esse riff pode seguir durante toda a música, um pouco mais baixo nas partes cantadas.
— Vocês podem adicionar um piano também, algo como tãm dãm dãm. - apontou. - O piano pode continuar no fundo para não atrapalhar a levada da música. Algo para marcar o tempo, sabe?
— Uhum - Dom assentiu. - Vamos lá dentro. Tem um violão e um piano. Podemos já ir fazendo as anotações desse jeito, o que acham?
— Acho que a parte que eu estava vendo com já está certa, podemos voltar nela depois.
— Claro - eu assenti, me levantando do banco e encarando enquanto ela fazia o mesmo e pegava as folhas para ir até o interior da casa.
Não levou mais que alguns minutos para que se sentasse em frente ao piano com as letras espalhadas no topo dele, fazendo algum tipo de aquecimento em suas mãos e dedos antes de tocar algum conjunto de notas. Eu me dirigi em direção ao violão que havia deixado no canto da sala dias antes, tirando ele do suporte e me sentando em cima no sofá em seguida. Levei alguns minutos para acertar a afinação, tentando acertar a ordem do riff antes de escutar do lado oposto da sala.
— Acho que o riff em Sol, Sol, Si Sustenido - eu testei as notas, repetindo algumas vezes antes de encarar .
— Eu gostei disso, tenta o riff completo por três repetições, vou encaixar o piano no começo da segunda.
Eu assenti positivamente, iniciando as notas da composição do riff enquanto se concentrava em uma contagem imaginária antes de iniciar o seu trecho no piano. Tentamos a repetição por duas vezes antes de eu gritar rapidamente para que ela não parasse de tocar.
Me assista pegar uma coisa boa e foder com ela em uma noite, me pegue eu sou um fugitivo dos holofotes, sem dormir acordado a semana desperdiçando tempo com pessoas que não gosto, eu acho…
Tem algo errado comigo - Donnie me acompanhou na linha final, dando pulinhos de alegria. - Puta merda, acho que tem que virar um membro oficial da Rowdy.
– Vocês me dão crédito demais - ela riu fraco
– Nem fodendo que vocês chegaram não faz nem uma hora e já estão trabalhando - Tommy ralhou, parando no batente da porta. - E nem tiveram a decência de me chamar.
– Achei que você estava procurando comida - franziu uma sobrancelha. - Pode se juntar, se quiser.
– Estou satisfeito em só observar por hora. Vocês já estão bem imersos, prefiro ficar no instrumental.
– Você só quer uma desculpa para impressionar seu namorado - eu o desafiei.
– Espera aí, Tommy tem um namorado? - me encarou.
– Não, eu não tenho.
– Seu mentiroso desgraçado - voltou sua atenção para Tommy.
– Não estou mentindo.
– Então qual a explicação para você estar esfregando a manga da sua camisa? Você só faz isso quando está ansioso ou omitindo algo - sorriu.
– Que porra é essa? Um episódio de Mentes Criminosas? Vocês agora são especialistas em linguagem corporal, é isso?
– Você não desmentiu.
– Tá, , talvez eu esteja saindo com alguém. Feliz agora?
– Não realmente, senta aqui e me mostra, assim podemos falar sobre o meu também.
O cômodo inteiro repentinamente ficou em um silêncio sepulcral enquanto Tommy andava em direção à . Definitivamente estar com alguém não era uma informação que eu gostaria de saber. Honestamente, havia poucos momentos em que eu desejava me enterrar em um buraco fundo no centro da terra e aquele definitivamente era um deles. Era óbvio que seguiria com sua vida depois de quase três anos, eu só não conseguia processar a possibilidade quando ela virava um fato consolidado.
– Bom, ele definitivamente é diferente do que eu estou acostumada a ver no meio - se pronunciou ao observar atentamente a tela do celular de Tommy. - Ele é todo fofo, influencer e tem uma filha também - ela sorriu. - E ela é tão fofa, meu Deus. Você a conhece?
– Sim, já saímos algumas vezes - Tommy sorriu, orgulhoso. - O nome dela é Courtney.
– Como a Love?
– Exato.
– Como vocês se conheceram?
– Ele fez uma campanha para arrecadação de fundos para a realização de cirurgias para pessoas aliadas à comunidade LGBTQIA+ e eu participei. Ainda participo na verdade, faço doações anuais.
– Isso é incrível, Tommy.
– Eu não teria conseguido as minhas se não fosse por campanhas como essas antes da fama, outras pessoas merecem isso.
– Sim, eu imagino - sorriu, tirando o celular de seu bolso e desbloqueando a tela. - Como prometido, está aqui.
Tommy pegou o telefone em suas mãos e tocou algumas vezes na tela. Engoli em seco, focando toda a minha concentração em não me render ao ímpeto de correr em direção ao piano e roubar o celular de das mãos do meu melhor amigo.
A curiosidade se enrolava em meu peito como uma serpente pronta para dar o bote. Eu me pegava pensando o que o pretendente misterioso de possuía de tão especial para que ela de fato resolvesse assumi-lo. Mas eu sabia melhor que isso. Nunca nos últimos três anos eu havia escutado rumores sobre se relacionar com alguém. Talvez com uma amiga ou outra quando eram flagrados saindo juntos, mas eu sabia melhor do que acreditar em qualquer tabloide.
– O nome dele é Mark. Ele é coreógrafo, foi um dos dançarinos da última turnê da Taylor Swift. - explicou e eu voltei minha atenção ao violão. Merda, o cara sabia dançar. Não tinha como competir com isso.
– Você fala sobre mim, mas isso definitivamente foge dos seus padrões.
– E quais seriam esses padrões?
– Você sabe muito bem - eu consegui enxergar pela visão panorâmica o leve inclinar de cabeça de Tommy em minha direção.
– Estou fugindo de rockstars pelos próximos vinte anos. Os fãs são loucos demais - ela riu fraco. - E só existe um cara capaz de me fazer repensar isso - uma pequena faísca de esperança voltou a crescer em meu peito.
– Quem?
– Ronnie Radke - um silêncio se instaurou na sala novamente, em contraste com meu coração sendo quebrado em pedacinhos enquanto eu me esforçava para manter a naturalidade. - Brincadeira, odeio esse cara.
Eu suspirei lentamente, fechando os olhos ao balançar a cabeça negativamente. O assunto sobre possíveis amantes já havia sido o bastante para a minha cabeça degenerada. Apenas me levantei, deixando o violão em cima do sofá antes de fazer meu caminho em direção à cozinha.
Lidar com pessoalmente estava sendo mais tranquilo do que eu esperava que pudesse ser. Entretanto, conversas casuais sobre pessoas que ela estava se envolvendo não eram algo que eu gostaria de ouvir. Respirei fundo, pegando um dos copos da pia para encher de água.
– O que rolou? - escutei a voz de Donnie invadindo a cozinha
– Como assim?
– Você saiu do nada.
– Eu estava com sede. Cantar sem aquecimento antes é uma bosta - fiz uma careta, tomando um gole de água.
– Achei que pudesse ser algo relacionado a .
– Não, eu não me importo - dei de ombros. Obviamente, eu me importava até demais. Mas isso não seria algo que diria para qualquer um dos meus amigos. Aquilo era algo que ficaria entre minha terapeuta e eu. - Foi realmente porque eu estava com sede.
– Então pode continuar falando sobre quem ela está pegando?
– Não é como se nós tivéssemos algo – expliquei. - Daqui a pouco faz três anos que terminamos, ela merece seguir em frente.
– E você não?
– Não é o que eu quis dizer.
– Então me explica uma coisa - Donnie se aproximou, sentando na bancada. - Por que só a está seguindo em frente?
– Donnie, eu estive em processo de recuperação nos últimos anos. Se tem uma coisa que aprendi com toda a merda que aconteceu entre eu e ela, foi que eu não tenho como permanecer sóbrio se me envolver com outra pessoa. É pedir para eu colocar a responsabilidade da minha sobriedade nas costas de alguém que não sou eu. Não quero repetir os mesmos erros. Eu me arrependo de verdade disso, é o que eu estou tentando provar para ela. Que eu mudei e me arrependo de tudo.
– Você ainda gosta dela, né? - Donnie sorriu de canto, sua voz quase um sussurro.
– Porra, claro que sim - eu ri seco. - Mais do que gostei de qualquer outra. Eu a amo, cara. E mesmo depois desse puta tempo, ela ainda é a responsável por fazer meu coração perder o ritmo. Mas eu não posso simplesmente jogar isso no colo dela e esperar que seja o suficiente. Não quero que ela pense que isso tudo é um plano para ficar com ela de novo. Eu só ‘tô tentando manter ela na minha vida. Não só por mim, mas por vocês e pela Cassie. Quero uma boa relação porque sei que foi uma merda vocês não poderem se ver durante todo esse tempo por minha culpa.
– Não foi sua culpa.
– Ambos sabemos que você só está tentando me deixar menos triste - eu sorri de canto. - Não precisa medir as palavras, eu entendo. Eu sei bem o quanto ela fez falta.
– Ela fez - Donnie concordou com um aceno de cabeça. - Vocês dois juntos, na verdade. Gosto quando meus melhores amigos ficam juntos em um único lugar.
– Eu também, cara, eu também.
Donnie sorriu, pulando de cima do balcão. Ele deu alguns tapinhas em meu ombro antes de voltar para a sala e eu apenas me limitei em terminar o resto da água em meu copo e seguir o mesmo caminho de meu melhor amigo.
Eu estava sendo honesto. Me acertar com era a minha prioridade no momento, garantir o retorno do meu relacionamento com ela ficava em segundo plano. Um plano bem distante que naquele momento eu não fazia questão de cumprir.
Mesmo que meu peito se quebrasse a cada momento em que eu estava ao lado dela sem poder tomá-la em meus braços.

Capítulo 23: Corridas Matinais e Reações Involuntárias

"It's like waking up in surgery
I can't seem to see right past the lights and I'm
So scared to take a knife to my chest
Let you see, the heart that's inside."

(É como acordar em cirurgia
Eu não consigo ver através das luzes e eu estou
Com tanto medo de tirar a faca do meu peito
E deixar você ver o coração que está dentro)
— The Fall, half•alive


Nashville, TN
Atualmente





A primeira semana cercada pelos rapazes havia sido melhor do que o que eu havia esperado.
Até mesmo minha relação com estava em um ponto agradável o suficiente para mim: mantendo sua distância, respeitando meu espaço pessoal e não exigindo de mim mais do que eu era capaz de dar.
Apesar de nunca estarmos sozinhos por muito tempo, ele havia respeitado minha decisão de não falar sobre assuntos relacionados aos anos anteriores. Ou ao nosso término.
E ainda que Mark, o rapaz com quem eu havia transado casualmente durante o último ano, insistisse que eu e em uma casa afastada da população fosse uma ideia péssima, eu mantinha a esperança pífia de que nada poderia dar errado quando eu não estava sozinha com .
E foi com essa mentalidade positiva que eu saí durante os primeiros raios solares para a minha corrida matinal ao redor da casa. As árvores e o fato do estúdio ser tão afastado haviam me deixado ligeiramente alegre. Poder andar deliberadamente sem fotos tiradas por paparazzi era algo do qual eu sentia falta desde que havia me tornado uma figura pública.
Não que eu odiasse as facilidades e os privilégios que a vida sendo alvo de holofotes havia me proporcionado. Ter os melhores instrumentos que o dinheiro poderia me proporcionar, não me limitar em aproveitar a vida e de fato conseguir ter qualquer coisa a uma mensagem de distância era extremamente prazeroso. Mas isso me afetou em todas as minhas relações com outras pessoas. Era impossível ter uma vida normal, um café da manhã com amigos que não eram da indústria ou uma única publicação sem comentários agressivos. E mesmo após todos esses anos longe de , o motivo dos comentários era sempre o mesmo: minha relação com e como eu o havia traído.
Então, a minha estadia em uma fazenda na saída de Nashville estava sendo consideravelmente confortável durante os últimos dias. A brisa primaveril acertava meu rosto enquanto eu corria, focando na música tocando em meus fones de ouvido. Eu estava há pouco mais de vinte minutos em minha corrida de uma hora quando uma imagem conhecida começou a se materializar em meu campo de visão. E, mesmo sem meus óculos e com a visão completamente borrada devido à miopia, eu ainda conseguiria identificar a figura alta e platinada correndo em minha direção.
Ele sorriu alegremente, tirando um dos fones de ouvido e parando em minha frente logo em seguida. Eu suspirei pesadamente, tirando meus headphones e os apoiando em meu pescoço para encará-lo.

— Bom dia, - o sorriso em seu rosto era tão grande quanto o de uma criança.
— Bom dia, - eu balancei a cabeça negativamente.
— O que você está fazendo por aqui? - ele colocou as mãos dentro do bolso da calça de moletom cinza que usava, como costumava fazer quando estava desconfortável.
— Correndo? - eu apontei para as minhas roupas, como se isso fosse explicação o suficiente.
— Se importa se eu me juntar a você?
— Eu comecei faz vinte minutos, minha rotina de corrida geralmente vai em torno de uma hora.
— Eu consigo acompanhar.
— Então, tá.
Eu dei de ombros, iniciando no ritmo lento que costumava fazer para aquecer antes de começar minhas corridas diárias. não pareceu apresentar dificuldades para acompanhar o ritmo que eu havia definido.
— Então… - ele murmurou - Você não costumava correr antes.
— Nunca tive tempo hábil. E você também não.
— Precisava de algo para substituir meus vícios. E você?
— Minha saúde estava uma merda, precisava de uma dose diária de uma hora de exercícios para compensar os anos vivendo de cigarro e café. - murmurei, fazendo menção de colocar meus fones novamente quando pigarreou.
— Então… O cara que você está saindo, ele é um cara legal?
— Você está tentando puxar conversa? - eu alfinetei, sem encará-lo. Falar sobre minha vida com meu ex estava no topo de coisas que eu não tinha vontade alguma de fazer, principalmente quando tudo no mundo além daquele cantinho na saída de Nashville estava próximo a sucumbir com um vírus mortal.
— É que vai ser meio esquisito ficar uma hora em completo silêncio, né? - ele disse, como se fosse óbvio e eu estivesse perdendo um ponto muito importante de seu raciocínio.
— Ele é um cara legal.
— Vocês estão juntos há muito tempo?
— Alguns bons meses. - se eu não estivesse tão focada em manter o ritmo dos passos, eu provavelmente teria dado se ombros - Ele trabalha em turnês, eu também. Nossas agendas geralmente são lotadas e ele entende bem, então, funciona. E você?
— É bom estar com alguém que consegue entender isso, fico feliz por você - ele soou genuinamente sincero - Eu não tenho me envolvido com ninguém desde que deixei a reabilitação e comecei a fazer terapia. Não dá pra permanecer sóbrio e manter um relacionamento ao mesmo tempo.
Eu senti uma pontada em meu peito. As palavras de tinham esfregado na minha cara o quão inútil eu havia sido em nosso relacionamento. Era algo que eu costumava pensar o tempo inteiro desde que havíamos cortado contato por completo: se ele me amava tanto quanto dizia, então, por quais motivos ele não tentou mudar enquanto eu ainda estava presente em sua vida?
— Eu aprendi com meus erros e chegou um ponto em que eu estava colocando muita coisa em cima da Cass. Ela não merecia. Ela é jovem demais pra isso. Tô tentando compensar isso, ela está fazendo terapia também.
— Isso é ótimo, . - eu sorri. A informação havia me pegado de surpresa. e terapia era um relacionamento inesperado. - Uau, isso é algo gigantesco.
— Eu sei, é bem bom. Eu tô fazendo os passos para se manter sóbrio, sabe?
— Sei. - eu assenti. Havia me aproximado de pessoas em reabilitação o suficiente para entender bem sobre os doze passos. - Eu sou um dos seus?
Touché.
— Eu imaginei. - dei de ombros, parando abruptamente - Olha, sei que já disse isso antes… - antes que eu pudesse continuar, ele me cortou
— Olha, … - ele pausou por um segundo e se corrigiu - . Eu estou no processo de me redimir com as pessoas que machuquei, mas como eu te disse naquele dia quando conversamos a respeito, na Capitol, eu não estou fazendo isso só por mim. Se eu for honesto, eu estou fazendo isso mais pelos caras e pela Cassie do que por mim. Isso tudo não é um plano para te ganhar de volta ou fingir que nada aconteceu. Eu quero fazer esse álbum e jogar para fora tudo o que estive passando nos últimos anos e você foi parte disso tudo. Seria ridículo eu tentar falar sobre isso sem que outras pessoas tenham o seu ponto de vista. Todas as minhas ações tiveram consequências e boa parte delas foderam a sua vida, você merece ser ouvida. Eu compreendo o impacto que minhas ações tiveram. E eu estou sendo sincero quando digo que vou esperar o tempo que você precisar para sentarmos e conversarmos sobre. Quero escutar tudo o que você tem a dizer nos seus próprios termos.
— Mesmo que leve cinquenta anos? - eu arqueei uma sobrancelha.
— Porra, nem tanto né. - ele deu uma risadinha sincera e eu não consegui me segurar para não acompanhá-lo. - Mas eu, definitivamente, vou esperar mesmo que leve uns cinquenta anos, só não garanto que vou viver o suficiente.
— Você é ridículo. - eu balancei a cabeça negativamente, rindo.
— Você sentiu falta do meu humor.
— É bom saber que algumas coisas nunca mudam.
— Você mudou. - ele me encarou, sorrindo de canto.
— Eu fui obrigada. Agora, eu entendo o que você costumava dizer sobre pessoas se aproximando de você por fama. - eu suspirei, continuando a caminhar - Meu ritmo já tá ferrado, podemos só andar?
— Claro, no seu tempo. - ele assentiu, colocando as mãos no bolso da calça - Eu sinto muito por toda a situação com o seu pai, foi uma merda.
— Eu acho que deveria ter escutado Sabrina quando tudo aconteceu. Vocês estavam certos.
— O cara era seu pai, ninguém espera que alguém tão próximo faça algo assim. - ele simplesmente deu de ombros - Essa não é uma culpa que você deveria carregar.
— Eu sempre esperei o melhor das pessoas, acho que era questão de tempo até alguém provar o contrário. - murmurei, só então me dando conta que aquilo poderia soar como uma alfinetada.
— Eu quem o diga, né?
— Eu juro que não foi uma indireta - eu me apressei em corrigir.
— Relaxa, não precisa pisar em ovos comigo. Você já me disse coisas piores e, honestamente? Eu mereci todas elas.
— Nem todas.
Eu sorri de canto, me lembrando da minha reação exagerada no Soul Train. Eu acabei as coisas e simplesmente fui embora sem olhar para trás. merecia uma explicação naquela noite e eu estava tão transtornada que nem me dei ao trabalho de fazê-lo. Mais um arrependimento da minha extensa lista.
Em todos os anos que permaneci longe de , eu me perguntava se ele pensava sobre isso. Se os rapazes haviam contado todas as coisas que haviam acontecido para ele quando a informação chegou a eles. Se Sabrina, depois da minha permissão, de fato, havia sentado com e explicado alguma coisa.
— Boa parte delas. - ele me tirou de meus devaneios - Mas já passou, eu tô de boa com isso. É sério, não precisa medir suas palavras comigo. Se te fizer sentir um pouco melhor, sinto falta de quando você era nossa roadie e você invadia meu camarim nas minhas crises de pânico.
— Isso é, definitivamente, algo que não sinto falta. - eu o empurrei de lado com meu ombro - Deus, que nojeira.
— Você já me viu pior.
— Verdade. Ainda assim, nojento. Você é terrível.
— Você gosta.
— Essa afirmação é um exagero - eu pontuei - eu te aturo por um bem maior.
— E o bem maior provavelmente está dormindo.
— Ela cresceu muito, né?
— Demais, o tempo passa rápido pra caralho. - ele riu - Você não tem noção de como foram esses últimos três anos.
— Pode me atualizar.
— Ela fica mais parecida contigo a cada dia que passa. - ele encarou o céu - E explode suas músicas no quarto o dia inteiro, foi uma grande tortura por boa parte do tempo. Sabe o que ela me disse quando perguntei sobre a ideia de te chamar para fazer parte do álbum?
— Não faço ideia.
— "É, pai, finalmente você criou bolas para admitir que estava errado"
— Nem fodendo. - eu soltei uma gargalhada - Deus, eu amo aquela criança. Senti muita falta dela, sinto como se tivesse adotado uma criança.
— Ela definitivamente te vê assim também. Você cuidou dela por muito tempo, acho que era inevitável, né. E as garotas que vieram antes de você nunca realmente se esforçaram para criar um laço com ela.
— É complicado, crianças tendem a sentir bastante essa fase da vida. Eu tive uma infância meio parecida, fui sortuda de ter Leo e Scar como meus pais durante essa fase, mas não foi fácil.
— Sim, completamente. Mas você teve um puta impacto positivo pra ela. Ela leva bastante a sério a arte agora, graças às coisas que você ensinou pra ela.
— Não só eu, né?
— Eu não desenho merda nenhuma, sou completamente inútil nisso. Esse mérito é todo seu. - ele levantou as mãos em rendição, rindo.
— Família de artistas, né.
— E você faz parte dela, goste ou não.
— Você sabe exatamente como me comprar, não sabe?
— Preciso ter ao menos uma qualidade, além do senso de humor, pra te fazer ficar dessa vez. Estou tentando nivelar o jogo.
— Cassie já é um motivo enorme.
me encarou. Um sorriso genuíno desde que voltamos a nos falar. A realidade era que, mesmo com todo o rancor que ainda guardava por todas as coisas que havia feito, eu ainda sentia falta dele.
Sentia falta de ter as conversas rasas e sem sentido, de Cassie, de estar presente e comemorar as conquistas de , como quando comemoramos seu aniversário de sobriedade na França.
havia sido uma parcela gigante da minha vida e eu sentia como se estar perto dele depois de todo esse tempo fosse mais uma tortura do que algo bom. Ainda que eu tivesse meus limites muito bem estabelecidos, não poder abraçá-lo e dizer o quanto senti sua falta, mesmo estando machucada por suas mentiras, me deixava pior a cada segundo.
E, por mais que eu tentasse me convencer de que todos os meus sentimentos por tinham ido ralo abaixo com cada uma das músicas que ele escreveu sobre mim, algo em meu peito se acendia todas as vezes em que eu escutava sua voz ou via o sorriso genuíno se formar em seus lábios. Mas, pior do que todas essas coisas ridículas, o que mais me causava dores emocionais era estar em um estúdio com . Existia um abismo entre quem era dentro e fora das paredes isoladas de um.
A forma como ele fechava seus olhos enquanto experimentava notas, mergulhado entre acordes e partituras, era arte em seu estado mais puro. Eu amava a companhia do artista, do que se deixava engolir pelos elementos de sua própria arte, tão genuinamente carinhoso com suas produções que chegava a transbordar.

— Tá tudo bem? - me tirou de meus devaneios novamente - Você ficou quieta do nada.
— Claro, está sim. - eu sorri de canto - Só estava pensando em algo.
— O que seria?
— Nada demais, coisas de processo de composição. - eu murmurei, começando a avistar o chalé à distância. Pensei por alguns segundos em uma das letras de , harmonizando algo em minha cabeça. - Sabe aquela música que você fala sobre estar escrevendo as 5:3666 da manhã?
— Sei, o que tem?
— Escuta e me fala o que acha: “Meu pai vendeu fotos minhas sem autorização, que porra de família é essa? Eu não consigo entender. Graças a Deus, todos são uma merda, assim eu posso escrever essas letras” e então podemos ir para o refrão.
— Espera aí, deixa eu anotar isso - ele puxou o celular do bolso, digitando rapidamente o que eu havia dito antes de parar abruptamente e me encarar com uma expressão que misturava raiva e tristeza - Aquele escroto realmente fez isso?
— Uhum. - eu sorri, envergonhada de saber que ainda me conhecia como ninguém - Algumas fotos de quando eu era criança e outras de quando fui para Toledo. Um completo babaca. — Hoje em dia eu concordo com isso. Mas ele teve o quê mereceu: esquecimento. E um processo com uma multa de indenização grande o suficiente para que ele não ousasse citar meu nome em qualquer lugar de novo.
— Bom saber que você ficou firme com suas ameaças.
— Sempre fico. - dei uma piscadela em sua direção.
O caminho em direção ao chalé não levou mais que alguns minutos depois disso. Estávamos em um momento de silêncio confortável, que não havia sido facilmente conquistado desde o primeiro dia em que fomos colocados em um mesmo local novamente.
Meu celular começou a vibrar em meu bolso, me obrigando a checar o identificador de chamadas somente para me dar conta de que se tratava de Mark. O tirei do meu bolso e encarei .

— Preciso atender essa, pode ir.
— Beleza, nos encontramos lá dentro, então. - ele deu um sorriso desconfortável, se apressando para o lado de dentro antes que eu pudesse atender a chamada.
— Ei, tá tudo bem? - murmurei, logo que entendi a chamada.
Tá sim, só queria saber como minha garota está. - escutei o tilintar de vidro ao fundo da chamada quando Mark respondeu - Como está o processo? está fodendo sua vida?
— Está tudo bem. Ele está sendo bem receptivo aos meus apontamentos quando estamos juntos. Na maior parte do tempo, estou trabalhando com os outros garotos. - ajustei os fones em meu ouvido, encarando as árvores em meu campo de visão. - E por aí?
Nada demais, apenas ensaiando para manter a memória das coreografias. Você tem certeza que isso é uma boa ideia? É uma questão de tempo até o cara começar a mostrar quem ele realmente é e começar a ser um babaca.
— Relaxa, Mark. - o tranquilizei, sabendo que isso não seria o suficiente - Minha relação com o é só profissional e não vai fugir disso. Sei bem como colocar limites, não é minha primeira colaboração com a banda.
Você também pensava isso da última vez e olha só o que resultou, né? - eu conseguia imaginar Mark revirando os olhos do outro lado da linha, como sempre fazia quando se tornava o assunto em nossas conversas
— Eu não sou mais a pessoa inexperiente que era anos atrás e eu achei que tivéssemos esclarecido isso antes de eu vir. Não vou deixar os garotos na mão. Eu devo minha carreira a eles, Mark, não posso simplesmente dar as costas assim.
Não foi isso que me pareceu quando eles tomaram o lado do cara. - eu rolei os olhos, me segurando para não tornar aquilo uma briga, o que era algo frequente com Mark sempre que estava envolvido. - Eu deveria ter te acompanhado.
— Olha, pela última vez: eu sei me cuidar, não preciso de você para isso. E você sabe mais do que ninguém que essa não foi a história completa. Eu não sou responsável por suas inseguranças, Mark. A única coisa que sou capaz de fazer é te dizer que está tudo bem e que essa briga que você está tentando começar é ridícula. Nós temos mais alguns meses pela frente, eu me recuso a continuar com essa conversa. Me ligue novamente quando não quiser transformar isso sobre você.

Me limitei a finalizar a chamada antes mesmo que ele fosse capaz de responder, desenhando meu caminho em direção às cadeiras que ficavam no exterior da casa. Sentei em uma delas e apoiei meus pés contra a cadeira que estava em minha frente. Não tardou para que Tommy tomasse seu lugar ao meu lado, sorrindo em minha direção.
— Problemas no paraíso?
— Você não tem nem ideia.
— Vai lá, diz pra mim o que aconteceu. - ele se virou em minha direção, apoiando os braços na mesa para me encarar.
— Mark. - suspirei - Ele é uma pessoa legal, mas frequentemente eu fico de saco cheio sempre que é o assunto. Ele tem essa insegurança imensa em relação ao , como se, a qualquer momento, eu fosse milagrosamente esquecer tudo o que aconteceu e pular nos braços dele, sabe? Como se fosse um enorme vilão, calculando todos os passos para tornar minha vida miserável.
— Entendi - ele balançou a cabeça positivamente - Quero dizer, se minha ex tivesse que trabalhar com o cara que teve umas ações questionáveis, eu também estaria preocupado.
— Esse é meu ponto, Tom. - suspirei - teve ações questionáveis? Demais. Mas ele não é o vilão que o Mark tá tentando enfiar na minha cabeça. Ele mentiu, traiu minha confiança e colocou em cima de mim uma responsabilidade que não era minha. Mas, porra, ele não foi essa mente mirabolante que me manipulou até eu me autodestruir, sabe? Se eu for honesta, eu mesma tive minha cota de erros quando estávamos juntos e nem por isso ele fica jogando nas minhas costas, entende? - Eu massageei minhas têmporas - Eu admito que, quando recebi o convite, eu não queria ver ele pintado de ouro na minha frente. Eu tenho uma porrada de rancores guardados em relação a ele, mas também preciso ser justa.
— Eu acho que estou entendendo. Basicamente, o cara tá inseguro por você estar aqui e ele não estar junto?
— Tommy, se eu colocasse esses dois no mesmo lugar, nós sairíamos no noticiário da manhã por tentativa de homicídio - eu ri fraco. - Mark é uma pessoa boa, mas ele traça uma linha inquebrável em relação ao . Ele facilmente provocaria uma briga e seria bobo o suficiente para entrar nessa.
— Eu achei que não viveria o suficiente para te ver defendendo o depois de tudo o que aconteceu entre vocês dois.
— Não se engane, eu ainda acho que ele foi um escroto. Mas também sei que ele está se esforçando para tornar isso mais fácil. Como eu disse, não esqueci nada do que ele fez, mas preciso ser justa o suficiente para reconhecer o esforço. Ele me acompanhou na minha caminhada matinal hoje e comentou sobre estar seguindo os doze passos.
— É, isso é algo que sabemos. - Tommy concordou com a cabeça - Ele realmente está tentando, . E você sabe que eu não diria isso se não fosse verdade.
— Eu sei, conheço vocês para saber que vocês não iriam defendê-lo se não fosse genuíno.
— Mas, voltando ao ponto. - Tommy murmurou - Acho que você está certa em impor limites, é sua profissão no fim do dia. E até onde eu sei, ele não é seu namorado ou marido para fazer esse tipo de imposição. E mesmo se fosse, não seria nem um direito dele. Acho que, se chegar num ponto insustentável, dar um chute na bunda do cara é sempre uma opção.
— Claro. E eu não vou pensar duas vezes em fazer isso se ele continuar insistindo em algo que nem existe mais. - dei de ombros - Mas, diga, o que se passa nessa sua cabecinha?
— Tenho uma ideia para uma música, mas não sei se o quer colocar isso no álbum. Sei que tenho liberdade para fazer isso por fora, mas queria sua opinião. Tem uma outra também, aí podemos tentar convencer .
— Vamos lá, garoto bonito - eu me virei para ele - Me mostre.
— Lê aí.

Ele me passou seu celular. Aberto no bloco de notas, estava um rascunho de uma música chamada "Por que você está aqui?". Analisei a letra por alguns minutos, pensando em como aquilo entraria dentro do álbum. Para mim, ela se encaixaria perfeitamente dentro do que era a proposta. Ainda mais sendo tão explícita em relação ao uso de drogas, que era algo frequente na ideia que estava seguindo. Mas o que havia me deixado ainda mais apreensiva era o início da letra, que dizia "nós nunca seremos amigos". Essa era exatamente a forma como me sentia com . Como se a possibilidade de sermos amigos algum dia ficasse completamente enevoada pelo histórico de acontecimentos dentro da nossa dinâmica.

— Porra, Tommy. - eu sorri genuinamente - Se não colocar isso no álbum, eu mesmo faço questão de bater nele.
— Acha mesmo?
— Completamente.
— A outra é uma segunda opção, pode ver aí. - eu assenti, saindo da tela e clicando na segunda nota que levava o nome de "garotas suburbanas cantando músicas do the smiths" - Você tá descrevendo meu relacionamento com seu melhor amigo, é isso? - eu ri, observando Tommy corar levemente. - Meu Deus, você tá!
— Ei, ei, ei! - ele levantou as mãos em rendição - A culpa não é minha se vocês têm história. E é uma puta história. Esse álbum é basicamente dizendo sobre o que rolou entre vocês, eu só entrei na onda.
— Você me ofende.
— Não fode, somos basicamente Fleetwood Mac, do Nu Rock, a este ponto - ele me empurrou de leve - Opiniões?
— A primeira é a vibe do álbum. Mas a segunda eu acho que você deveria investir em lançar como um projeto solo. Você tem ótimas letras, Tommy, isso não deveria ficar guardado. O contrato permite em cláusula que vocês tenham projetos fora da Rowdy. Poderíamos incluir suas músicas na setlist das turnês.
— Eu não sei se tenho coragem o suficiente para isso - ele fez uma careta - Nós sempre fomos a Rowdy, sempre foi o frontman. E meus projetos solo não são a mesma coisa que o som da banda.
— E aí? Você ainda pode fazer isso. O sempre foi aberto para vocês tocarem suas músicas em tour. Deixa de ser bobo, investe nisso. Além do mais, eu também não tinha coragem de subir em um palco e olha só onde eu estou atualmente.
— Okay, okay - ele sorriu - Eu topo, mas sob uma condição.
— Diga seu preço.
— Falo com se você aceitar fazer um dueto comigo - Tommy sorriu - Temos trabalhado juntos por alguns anos e nunca de fato gravamos nada juntos. Acho que já está na hora.
— Certo - eu concordei, sorrindo. - Eu topo se isso significar que você vai fazer o mundo ver o que se passa por trás da sua cabecinha. Você é tão misterioso e quieto o tempo todo.
— Tá citando os tabloides, né?
— Definitivamente. Acho engraçado como eles te pintam como esse cara low profile que provavelmente é o mais certinho da banda, quando, na realidade, você é o diabo na terra.
— Eu só como quieto - ele me deu uma piscadela - Assim como você, .
— Nós deveríamos ter tirado uma com a cara deles.
— Oh, definitivamente.
Tommy riu, tirando o maço de cigarros do bolso de seu moletom e me oferecendo um. Agradeci com um menear de cabeça, pegando um e acendendo com meu isqueiro logo em seguida. Dei uma longa tragada, fechando meus olhos e tombando minha cabeça para trás enquanto sentia a mão quente de Tommy pousar em cima da minha e apertá-la levemente.
— Vai ficar tudo bem, tá? E, se não ficar, sempre estarei aqui para dar uma de Griffin e socar o cara.
— Obrigado, Tommy.

Eu sorri, acariciando o topo de sua mão com meu polegar.
A realidade era que, no fim do dia, estava certo. Eu sabia que não poderia permanecer longe de todos eles novamente após tê-los por perto durante meses. E quando o álbum terminasse, eu não ficaria por ele. Eu ficaria pela família que havia construído graças a ele.

Capítulo 24: e a Saga de Fugir de Sentimentos Como o Diabo Foge da Cruz

"There goes my baby
She knows how to rock'n'roll
She drives me crazy"

(Lá vai a minha garota
Ela conhece o rock n roll
Ela me deixa maluco)


— Crazy Little Thing Called Love, Queen



Eu percebi que eu havia passado dos limites em minha obsessão por nosso novo álbum quando os primeiros raios de sol me deram bom dia escapando pela janela da sala de música. Eu havia virado a noite compondo e algo me dizia que eu já estava longe demais, sugado para o meu próprio mundo de criatividade para me importar com limites tão mundanos quanto uma noite com mais de três horas de sono.
Escutei o ranger de madeira vindo das escadarias e me limitei a parar de escrever por alguns segundos antes de ver a imagem de em roupas de academia invadir o meu campo de visão. Eu engoli em seco por severos segundos, afastando minha atenção de para o bem de minha própria sanidade, porque eu sabia melhor do que encará-la. Principalmente quando os raios solares beijaram sua pele, deixando-a ainda mais deslumbrante que o habitual. Os cachos que envolviam o rosto, deixados propositalmente de fora do rabo de cavalo que ela usava no topo de sua cabeça, me faziam tremer e entrar em estado de pânico. Meu estômago se revirava feito o de um adolescente e eu me sentia como se meu peito fosse explodir em centenas de milhares de pedacinhos caso eu não tocasse sua bochecha imediatamente. Entretanto, a sensação também poderia ser resultado das intermináveis xícaras de café que eu havia tomado ao decorrer da noite.

— Jesus Cristo! - ela levou a mão até o peito, quase tropeçando em seus próprios pés ao reconhecer minha presença no canto oposto da casa. - Poderia não ficar em silêncio no canto de algum um cômodo escuro como se fosse uma assombração? É assustador pra caralho. — Foi mal. - Eu soltei um riso divertido, colocando minha caneta em cima das folhas de papel e me apoiando no corpo do violão, resistindo ao impulso de não correr até ela e envolvê-la em meus braços, como havia sonhado em fazer desde o dia em que ela me deixou. — Você ao menos dormiu? - ela soou preocupada, andando em minha direção e parando contra o batente da porta. Ambos os braços estavam cruzados em frente ao seu corpo e ela franzia uma de suas sobrancelhas, como se estivesse contando os minutos para gritar comigo ou me estapear até que eu me desse por vencido e me deitasse para dormir. — Não… - respirou fundo antes de massagear a ponte do nariz e me encarar com a maior cara de decepção que eu já havia visto desde o dia em que ela foi me buscar na reabilitação - Eu fiquei a noite toda focado em arranjos e partituras que acabei não vendo o tempo passar. — Não é possível - balançou a cabeça negativamente, finalmente saindo do batente da porta e desenhando seu caminho até mim. Mas não sem antes analisar com minúcia cada elemento presente ao meu redor para finalmente começar a sua saga de comer meu fígado. - Estende a mão. — Qual é, . - eu ralhei, rolando os olhos. — Não é um pedido, . Estende a mão, preciso saber se você não está próximo de ter um piripaque e cair no chão porque tomou café demais. - ela rolou os olhos e eu estendi a mão trêmula em sua direção. Ela passou a mão por seu rosto, lutando contra a vontade de me dar um tapa como uma forma carinhosa de chamar minha atenção. - Você precisa comer e tomar uma água urgentemente, estamos bem longe de um hospital caso você tenha um ataque de ansiedade causado por excesso de cafeína. Toma. - ela me estendeu a garrafa que estava presa no cinto em sua cintura, me encarando.
— Já que você está tão preocupada com meu bem estar. - Peguei a garrafa de sua mão, abrindo e tomando um longo gole. - Feliz? - estendi a garrafa para novamente e ela só balançou a mão, negando pegá-la.
— Fica. Você precisa dormir pra compensar a besteira de ter ficado a noite toda acordado. Pode ficar no meu quarto se Cassie estiver tomando conta da cama, sei como ela pode ser espaçosa às vezes.
— Você nunca muda. Sempre com essa necessidade de cuidar das pessoas ao seu redor como uma figura materna.

Soltei um riso divertido, me levantando e ficando próximo demais de . Eu sabia que tinha que sair de perto ou poderia não resistir a tentação de afastar um dos cachos de seu rosto. Seu cheiro invadiu meus sentidos como uma onda que se choca contra uma parede de cimento. Ela me encarou. Os olhos castanhos enormes, emoldurados por cílios longos, iluminados pelo feixe de luz que escapava pelo espaço da cortina, tornando-a tão linda como uma pintura renascentista. Transparente com suas expressões, ainda que misteriosa. Encarei seus lábios. Cheios e entreabertos, mostrando a ponta dos dentes ridiculamente alinhados. Deus, como eu queria beijá-la.

— Alguém precisa cuidar de vocês. Preciso compensar o tempo perdido, né? - ela sorriu. E puta merda, como eu senti falta daquele sorriso. Para o inferno com meus impulsos, porque eu não consegui resistir a tentação de levar minha mão até sua bochecha. Senti endurecer contra meu toque, como se ele mandasse choques para o seu corpo. E Deus sabia que eu estava próximo de entrar em curto.
— Você não precisa compensar por erros que não foram seus, amor. - eu murmurei, só me dando conta das palavras que saíram dos meus lábios quando ela estremeceu, dando um passo para trás. Não hesitei em dar um passo para frente, tentando impedir o momento de escapar por meus dedos - Desculpa, eu não quis te deixar desconfortável. - abaixei minha mão, colocando-a em meu bolso.
— Eu não estou desconfortável, só me pegou de surpresa. - ela forçou um sorriso - Isso é algo que não escuto vindo de você com a mesma frequência que escuto dos garotos.
— E eles também não têm a mesma história que a gente.
— Também - balançou a cabeça em concordância. - Vamos lá, garotão, você precisa dormir se quiser ser produtivo hoje.
Ela passou por mim, balançando a cabeça em um pedido silencioso para que eu a seguisse até o andar superior e assim eu fiz, me mantendo em silêncio durante todo o percurso liderado por .
Não tardou até que finalmente chegássemos ao seu quarto, meticulosamente arrumado como eu sabia que seria, mesmo que algumas folhas de composições ainda estivessem espalhadas pela mesa de cabeceira junto com as típicas canetas roxas que eu sabia que ela gostava de usar.
— Fique à vontade para dormir até se sentir carregado novamente. Tenho algumas anotações de um projeto à parte com o Tommy, mas se quiser ler algo e fazer apontamentos até cair no sono, pode olhar. Também tenho alguns livros dentro da gaveta que trouxe caso eu ficasse entediada.
— Certo.
— Vou correr, se precisar de algo pode me mandar mensagem.
— Acho que eu só tenho o seu antigo número de telefone, não chegamos ao nível de intimidade em que você me permite te mandar mensagens.
— Oh, claro.
soltou um riso envergonhado, tirando o celular de seu bolso e digitando alguma coisa antes de eu sentir meu telefone vibrar em meu bolso. Me apressei em pegá-lo, abrindo a notificação do número desconhecido que continha uma sequência de emojis conhecida. Uma guitarra, dedinhos fazendo um símbolo de rock, uma clave de sol em uma partitura e uma nota musical. Eu não resisti em deixar um riso escapar por meus lábios antes de salvar seu contato em meu celular com o apelido que eu costumava chamá-la: Estrelinha.
— Agora você tem meu número. - ela sorriu, guardando o telefone novamente em seu bolso - Até mais tarde, tenha bons sonhos.
— Até, boa corrida.
assentiu, silenciosamente, antes de me dar as costas e sair do quarto, me deixando sozinho enquanto eu desenhava meu caminho até sua cama. Me sentei ao lado da mesa de cabeceira, fuçando cuidadosamente nas folhas de composições de Savie. Analisei folha por folha, algumas com letras espalhadas, outras com desenhos dos outros caras em momentos em que eles provavelmente estavam compondo algo. Mas algo chamou minha atenção nas folhas mais antigas do maço de folhas.
A folha era dividida entre desenhos de momentos que não achei que estava sendo notado por . Momentos em que eu tocava o piano, concentrado em achar a melodia perfeita enquanto testava harmonias atrás de harmonias. Essa página era dividida entre letras dela e letras de bandas que eu previamente conhecia. Ao lado do desenho do piano, um conjunto de versos descansava:

Stood on the edge
(Parado na borda)
We never shared
(Nós nunca dividimos)
Anything that felt too honest
(Nada que fosse honesto demais)
In the backseat
(No banco traseiro)
Kicked off your Nikes
(Chutando seus sapatos)
My hand in your jacket pocket but…
(Minha mão no bolso de sua jaqueta mas…)


Eu franzi o cenho, debatendo se aquilo era algo que realmente se sentiria confortável em me ver lendo. Se aquelas palavras eram sobre mim ou apenas sobre algo que ela havia passado no tempo em que estávamos separados. Mas a ideia de que talvez aquilo fosse sobre mim se tornava ainda mais real quando os versos estavam ao lado do desenho que ela havia feito de mim. Eu engoli em seco, levando minha atenção para os versos escritos no lado oposto.

Summer just lasts a season
(O verão dura apenas uma estação)
It gets fucked up for no good reason
(Acaba fodido por razão nenhuma)
Ooh, ooh, been tryin' to find the feelin'
(Oh, eu tenho tentado achar o sentimentos)
That we had, let's go back
(Que tínhamos, vamos apenas voltar)
No one has to know, just wanna go
(Ninguém precisa saber, quero apenas ir)


Não havia dúvidas, havia escrito aquilo pensando em mim. Talvez a nossa convivência estivesse causando nela os mesmos efeitos que estava causando em mim. A incerteza dos sentimentos dela me causavam esperança, ainda que eu me deixassem incerto quanto a liberdade que eu tinha para tentar conversar com ela sobre algo que era um assunto inacabado para nós dois.
Eu gostaria que pudéssemos ser honestos um com o outro. Que gritasse comigo, me xingasse, dissesse as piores coisas já ditas a alguém, porque isso significaria que ela ainda era atingida pelos sentimentos que tomavam meu coração desde o dia em que percebi que ela era a mulher da minha vida e que eu moveria montanhas para tê-la ao meu lado.
Encarei as folhas uma vez mais, vendo trechos de The Man Who Can’t Be Moved escritos no topo das páginas, fazendo minha cabeça girar com ideias. Aquela música era uma das favoritas de e de longe, era uma música que também descrevia como eu me sentia em relação à ela. Eu a esperaria por semanas, meses, até anos até que ela se sentisse preparada para me ouvir.
Coloquei as folhas ao lado da cabeceira da cama, retirando os cobertores e me colocando embaixo deles antes de me deitar contra o travesseiro. O cheiro dos cabelos de invadindo meus sentidos quase que de imediato, golpeando-me no estômago com a falta que eu sentia dela. De poder acordar de manhã e ver seus olhos me encarando como se eu fosse algo precioso para ela.
Me permiti fechar os olhos, deixando seu cheiro me invadir e servir como uma canção de ninar e não tardou para que eu caísse no sono, pensando sobre a possibilidade de que meus sentimentos por não fossem tão unilaterais assim.


Capítulo 25:Conselhos e Honestidade Repentina.

“When I left you all alone
Girl, I know it wasn’t fair
Cause I loved you”

(Quando eu te deixei
Garota, eu sei que não foi justo
Porque eu te amei)

— Nerves, DPR Ian

Nashville, TN
Atualmente



Eu estava sozinha dentro do estúdio, anotando algumas ideias de riffs para o início de Glass House quando soube que aquele dia não seria um dia qualquer, muito menos agradável. E então, quando eu desbloqueei meu celular e vi as centenas de mensagens de Mark sendo um babaca completo por uma crise de ciúmes, eu explodi. Explodi em um nível de jogar meu celular do outro lado do chão acarpetado do estúdio, sem ao menos me preocupar com a possibilidade de que ele poderia ter quebrado em diversos pedacinhos.

— Isso é o que eu ganho por ser uma pessoa compreensiva: uma dor de cabeça completamente desnecessária.

Balbuciei para mim mesma, voltando a guitarra no suporte antes de me levantar da cadeira e passar a mão pelo meu rosto. Eram em tempos assim em que eu me perguntava qual era o meu problema e o porquê de eu simplesmente não me enfiar em um buraco no meio do nada e me recusar a manter qualquer tipo de relação interpessoal. Tudo isso graças ao meu cansaço de estar o tempo todo tendo alguém duvidando das minhas palavras e tentando me manipular. Me tratando como se eu fosse idiota o suficiente para não ver o que estava diretamente na minha cara.
era o principal responsável por uma boa parcela de coisas ruins que aconteceram na minha vida nos últimos três anos. E claramente isso não mudaria da noite para o dia. O que me irritava ainda mais, porque poderia ser todas as piores coisas do mundo e, de fato, por um tempo ele havia sido. Entretanto, agora ele era apenas um estranho que eu estava aos poucos conhecendo. E, pelos céus, eu estava muito mais interessada em desbravar a nova faceta de do que realmente ficar me preocupando sobre seus possíveis planos mirabolantes para me conquistar de novo. Estávamos trabalhando bem juntos. Já tínhamos finalizado cinco letras e, no meio disso, eu estava ajudando Donnie e Tommy a compor projetos paralelos a Rowdy. Eu estava genuinamente feliz como não era há um bom tempo sempre que estava na conversa.
Tudo estava indo perfeitamente bem, até Mark resolver que seria uma boa ideia trazer o assunto proibido para nossas conversas como se eu já não tivesse coisas demais para me preocupar.
Grunhi, me deitando contra chão acarpetado, encarando o teto e respirando profundamente para manter minha cabeça no lugar e não descontar minhas frustrações em pessoas que não tinham nada a ver com o caos que eu me encontrava naquele momento. Uma auto análise se fazia necessária.
Mark estava enchendo a minha paciência e tirando de mim o meu último fio de vontade de manter qualquer coisa com ele. Minha relação com a banda estava mais forte que nunca. Eu estava com Cassie novamente, sempre mostrando minhas músicas para ela, assim como fazíamos quando eu era uma anônima. Eu podia passar tempo com Sabrina, como era durante a faculdade.
Então porque eu me sentia tão puta com as opiniões de Mark sobre ?

Consigo escutar as engrenagens do teu cérebro girando daqui, - a voz de Sabrina invadiu meus ouvidos pelas caixas de som da sala e eu me apoiei em meus cotovelos quando ela abriu a porta da cabine e colocou a cabeça para dentro -, quer conversar?
— Só se você prometer não me julgar.
— Nunca, amor.
Sabrina sorriu carinhosamente e adentrou a cabine, andando em minha direção apenas para se sentar à minha frente. Seus cabelos estavam amarrados em um meio-rabo de cavalo com ondas levemente bagunçadas. Ela usava seus inseparáveis óculos de gatinho com pijamas de moletom azul-bebê e pantufas fofinhas. Era como uma versão real da Lindinha, de As Meninas Super Poderosas.
— Okay, desembucha. É o ?
— Não exatamente - eu suspirei -, de certa forma é, mas não é exatamente algo que ele fez. É só o Mark. Ele está insuportável desde que aceitei a proposta dos meninos e isso tá me deixando maluca, Brie. - massageei minhas têmporas.
— Certo - Sabrina assentiu positivamente -, continue. O que o Mark fez?
— Eu estava conversando com Mark sobre estar animada com os resultados das composições com os meninos e ele achou que seria de ótimo tom voltar ao assunto de sempre.
sendo um manipulador que está fazendo essas coisas somente para te ferrar e que eventualmente ele vai ser um babaca de novo?
— Isso.
— Aí, pelo amor de deus - Brie rolou os olhos com tanta força que por um momento, eu fiquei preocupada de eles não voltarem ao lugar -, ele não tem nada melhor para fazer, não? Ensaiar coreografias? Bater uma punheta? Assistir uma série? Sei lá, qualquer coisa seria melhor do que ficar te enchendo o saco com esse assunto. Você já deixou claro que as escolhas da sua carreira não é algo que está aberto a discussão e ele continua batendo nessa tecla.
— Aparentemente não. - eu bufei - Eu só tô cansada, sabe? Parece que todo mundo de fora me trata como se eu fosse ingênua pra caralho e não soubesse o que é melhor pra mim. Eu sei tudo que aconteceu por consequência do . Eu estava lá em cada momento. Eu vivi tudo. Só cansei de fingir que nada aconteceu, sabe? Poxa, estamos aqui há um mês e tudo o que Mark sabe fazer é reclamar de tesão e de como o é uma pessoa horrível. Ele nunca pergunta como meus projetos estão. É tudo sobre ele. Como ele se sente. Como ele não aguenta mais o isolamento. Como ele sente falta dos palcos. É tudo sobre ele o tempo todo. É a primeira vez que eu me sinto genuinamente orgulhosa e confiante em um trabalho desde que tudo aconteceu entre e eu. E tudo o que ele sabe fazer é tornar tudo sobre ele.
— Meu amor…
Brinie suspirou, se deitando ao meu lado e batendo em sua barriga para que eu deitasse contra ela. Assim o fiz e ela começou a afagar carinhosamente meus cabelos, envolvendo seus dedos entre os fios até meu couro cabeludo, cuidadosamente, para que meus cachos não se desfizessem com seus movimentos.
— Quer saber minha opinião sobre ou apenas desabafar? - a voz de Brie era carregada de cuidado e eu agradeci silenciosamente aos céus por me darem uma melhor amiga como ela.
— Quero desabafar e quero sua opinião sobre.
— Acho que você merece mais que alguém que vai tratar suas conquistas como algo sem importância por puro ego - ela suspirou -, e eu acho que Mark não é essa pessoa, sabe? Goste ele ou não, você e a Rowdy tem uma história que vai muito além da sua relação com o . E isso vale para qualquer pessoa que se envolver com você no futuro. Seu irmão é membro da banda. Tommy e Donnie são seus melhores amigos. tem Cassie, que a essa altura do campeonato só não te chama de mãe porque eu acho que ela tem medo que isso te afaste, já que você foi o mais próximo de uma presença materna que ela teve nos últimos anos. Isso - Sabrina apontou ao redor -, vai muito além de você estar em um projeto com um ex-namorado. Isso é, literalmente, sua família. A família que você construiu depois de sair de Toledo e ter que começar sua vida do zero mais de uma vez. Essa é a família que te viu ruir quando tudo aconteceu com seu pai. E também quem te ajudou a voltar nos trilhos de novo. Alguém que é tão inseguro a ponto de não saber reconhecer isso não é alguém que vale seu tempo.
— Sim, realmente - concordei - mas ainda assim, não acho justo terminar tudo por mensagem. E não é como se a gente tivesse algo oficial. A gente se pega às vezes e é isso. Eu nunca quis nada além, não sei de onde ele tirou que tinha direito de opinar.
— O que você pode fazer é deixar isso claro pra ele. Ignorar ele, se for necessário e você não estiver pronta para perder uma foda fixa, ainda que eu ache que você tem uma fila imensa de pessoas querendo uma chance contigo - Brie riu, divertida -, mas é isso, sabe? Que bom que você já estabeleceu seus limites e até onde está disposta a encarar toda a situação.
— Minha terapia está em dia. - eu ri - Mas existe um outro ponto que queria conversar contigo. É sobre o . - me virei em sua direção para encará-la.
— Oh. - Brie sorriu - Ele mudou bastante, né?
— O fato de ele respeitar meus limites e não tentar conversar comigo sobre algo que deixei claro que não sei se vou ser capaz de falar tão cedo provou isso. - eu concordei - Ele genuinamente não tocou mais no assunto desde então. Sempre falamos sobre outras coisas, os únicos momentos em que a noite do Soul Train vem à tona é quando estamos compondo e só.
— É doido ver isso, né? Não vou mentir, se eu não tivesse acompanhado isso, também ficaria meio descrente.
— Completamente - assenti -, mas acho que, ainda voltando ao ponto de encerrar um ciclo, sinto que isso é algo que preciso fazer. Essa ferida nunca vai se fechar se eu não passar pela dor da sutura, sabe? Preciso conversar com ele e colocar tudo esclarecido. Por melhor que tudo esteja sendo, acho que se a gente de fato ficar em bons termos, vamos ser melhores na produção. Mais rápidos, digo.
— Se você se sente preparada, eu acho que é uma boa ideia. Genuinamente. Vocês merecem esse encerramento.
— Sim. Mas eu tenho medo de não conseguir lidar com tudo. Porra, Brie. está em tudo o que eu faço, o tempo inteiro. Ele está nas letras que escrevo. Nas melodias que produzo. E ainda que exista uma parte de mim que odeia tudo o que ele fez nos últimos anos, ainda tem uma parte em mim que me lembra diariamente que ele esteve lá em todos os momentos mais importantes da minha vida. Ele foi quem me levou aos palcos de novo depois de tanto tempo. Ele é uma parte de mim. Uma parte que eu sou incapaz de tirar.
— Então, por qual motivo você quer tirar isso de você? - Brie me encarou, carinhosa - Ele é uma parte sua. Da mesma forma que você também é uma parte dele. Vocês são parte um do outro. Como o sol e a lua. Mesmo que vocês não se relacionem romanticamente. Ele deixou a marca dele em você e eu tenho certeza que ele também se sente assim. Você pode manter ele aqui - Brie apontou para o meu peito -, não necessariamente significa que você vai esquecer tudo o que aconteceu entre vocês. Você sempre vai ter gratidão por ele. No final, mesmo não sendo o responsável por te dar o que você tem hoje, ele foi uma parte importante do processo.
Fiquei em silêncio, encarando o teto por alguns segundos. foi uma grande parte da minha vida. Foi ele quem havia insistido, dia após dia, para que eu o ajudasse em suas composições. também me ajudou com o processo de superar meu medo de palco e finalmente ressignificar uma parte da minha vida que, por muitos anos, só havia me causado dor.
E ainda que uma parte de mim o odiasse pelas coisas que foram resultados de ações suas, ela se tornava quase inexistente perto da falta que sua amizade fazia em minha vida.
— Você está certa. Sempre está, na verdade - eu murmurei, me virando para abraçá-la pela cintura -, preciso resolver isso. Acha que é um bom momento?
— Da última vez que eu o vi, ele estava fumando com o Griff no lado de fora.
— Obrigado.
Eu sorri, me levantando do chão e estendendo uma mão para ajudar Sabrina. Ela aceitou e se levantou, me acompanhando para fora do estúdio de gravação. Nos separamos quando chegamos na sala de estar e eu desenhei meu caminho pelo interior da casa até a porta de saída onde eu sabia que e Griffin estariam. Parei antes mesmo de sair pela porta, me arrependendo pela curiosidade quando a voz do meu irmão invadiu meus ouvidos.
E como estão as coisas entre você e ? - a voz dele soava esquisita, como se ele estivesse falando ao mesmo tempo que segurava a fumaça.
Não é diferente do que vocês veem no dia a dia, na real. - respondeu - Estamos bem. Nos últimos dias eu consegui até tirar um sorriso ou outro dela, foi algo que fez minha semana, não vou mentir. - riu, sem graça - Eu senti muita saudades dela, cara. Muita mesmo.
— Vocês conversaram? - Griff soou curioso.
Não. - admitiu - Prometi a mim mesmo que não tocaria mais no assunto a menos que ela o fizesse primeiro e se sentisse preparada pra isso. Eu não quero cometer os mesmos erros de antes. E insistir em algo que ela disse explicitamente que não queria fazer foi meio que nos colocou nessa situação toda em primeiro lugar. Se ela se sentir preparada, vou estar aqui para conversar sobre. Mas até lá, vou continuar deixando as coisas do jeito que estão.
Você ainda gosta dela, né?
Muito. - ele riu fraco - é a mulher da minha vida e eu não acho que isso vai mudar tão cedo, Griffin. Três anos não foram o suficiente para mudar isso. E acho que nada vai ser. Estar ao lado dela depois de tanto tempo me fez perceber que nós ainda somos a mesma coisa. Ela mudou. Eu mudei. Mas a conexão que temos é algo muito surreal pra ser ignorado.
Ainda vai se sentir assim se ela começar a se relacionar com outra pessoa? - Griff questionou.
Como ela se sente é algo que não posso controlar, Graham. - riu fraco - O que eu sinto sobre ela nunca vai mudar, mas não posso esperar que os sentimentos dela funcionem assim. Eu a machuquei pra caralho. Fiz coisas que pra maioria das pessoas seriam imperdoáveis e eu não espero que ela seja capaz de colocar tudo pra trás e finja que nada aconteceu. O que posso fazer é mostrar pra ela que mudei e que não sou a mesma pessoa que a machucou anos atrás. Posso me esforçar ao máximo para nunca sequer cogitar machucá-la de novo. Essas são as coisas que estão ao meu alcance. Eu quero estar com ela? Porra, pra caralho. Quero poder abraçá-la. Que ela seja a primeira coisa que vejo ao acordar e a última quando eu dormir. Mas se ela não quiser nada comigo, eu fico mais do que feliz em continuar apenas como amigos. Só não quero ter que viver mais tempo sem ela na minha vida. Eu engoli em seco, me sentindo culpada por ouvir algo que nem de longe era para eu estar escutando. Decidi que já havia escutado o suficiente e simplesmente voltei a desenhar o caminho em direção ao lado oposto. Meu coração batia rápido demais e eu conhecia muito bem o sentimento. Bem até demais, mesmo que ele estivesse dormente nos últimos três anos em que me mantive distante de .
Era uma chama, apenas aguardando a hora de entrar em combustão e me tomar por inteira. Mesmo depois desse tempo, mesmo depois de tudo, ainda sentia algo por mim. E eu ainda o tratava com hesitação, inconscientemente esperando o momento em que ele mostraria que nada havia mudado e que ele estava apenas fingindo algo apenas para me ganhar novamente.
Me senti como a pior pessoa do mundo. Eu me joguei contra o sofá quando me senti distante o suficiente da conversa, fechando os olhos enquanto tentava não me debulhar em lágrimas com a culpa que corroía meu peito. Não era como se eu estivesse tratando como se ele fosse um monstro. Mas ainda assim, eu não o tratava da mesma forma que tratava os outros rapazes.
Algo me fazia ser hesitante e ter medo de admitir para mim mesma que, mesmo com toda a história entre nós, eu ainda tinha sentimentos por . Por mais que eu odiasse a parte de mim que me fazia suspirar por cada pequena coisa que ele fazia.
Me permiti ficar apenas estática, tentando processar algo que eu nem deveria saber em primeiro lugar. Ainda mais quando eu já havia estabelecido que e eu iríamos trabalhar juntos em Glass House mais tarde naquele mesmo dia.
Merda.

🎸🤘🎼🎵


— Você já se sentiu sozinho?
Eu murmurei, divagando em meus próprios pensamentos enquanto tentava não o encarar. A realidade era que toda a conversa que eu havia escutado ainda me deixava incerta sobre como abordar a situação com . E, mesmo que e eu estivéssemos trabalhando na música pela última hora, vez ou outra eu evitava de manter contato visual, com medo do que poderia ver ali.
, você já se sentiu sozinho? - eu levantei a cabeça do desenho que fazia, finalmente encontrando em mim a coragem para encará-lo.
— Aconteceu alguma coisa? - franziu o cenho, tirando o foco dos próprios rascunhos - Você está esquisita. Quase não olhou pra mim desde que começamos.
— Desculpa, eu só estou me sentindo meio… - eu respirei fundo, tentando buscar as palavras -, sinto que preciso falar sobre algo e você é a única pessoa que talvez entenda.
— Certo… - ele se virou em minha direção, deixando os papeis na mesa de centro -, manda.
— Tenho me sentido sozinha frequentemente. - suspirei - Acho que é uma boa forma de começar. Então, você já se sentiu sozinho?
— O tempo todo. - ele sorriu de canto - Acho que os únicos momentos em que não me sinto assim são os momentos que estou com Cassie ou com os caras. Isso tem sido um tema frequente na minha terapia, na real. - confidenciou.
— Eu nunca achei que isso fosse um problema até me mudar para Nova York. Mesmo tendo Sabrina comigo o tempo inteiro, é tudo tão solitário. Eu sinto como se ninguém realmente pudesse entender de fato como me sinto. Soa até ridículo falar assim. ‘Como alguém que tem fãs pelo mundo inteiro consegue se sentir tão sozinha?’, mas é real. Quando meu pai voltou, foi meio que a única vez que me senti menos só. Até cogitei negociar a vinda dele para Los Angeles na época, assim poderíamos nos reconectar. Ter pelo menos algo que me lembrasse de casa, sabe? - eu ri fraco.
— É um dos motivos pra eu me manter próximo dos caras o tempo todo.
— É. - eu assenti - Eu nunca fui o tipo de pessoa a romantizar a vida nos holofotes, vocês me treinaram bem demais pra isso. Mas por um segundo, eu pensei que fosse ser diferente pra mim. Eu sempre fui uma pessoa que gostava de estar sozinha, então seria menos pior. Eu me sinto em casa nos palcos, as turnês são cansativas, mas é quando me sinto menos pior. Só que eu sinto falta de quando eu era apenas uma roadie qualquer e podia fazer coisas comuns sem ter uma porrada de manchetes dizendo que tenho um affair ou que uma coisa simples se torne algo que não sou capaz de controlar.
— É difícil separar o que é real e o que é por interesse quando estamos nessa indústria, né? - ele me encarou e eu me senti vista pela primeira vez em um algum tempo. Mais do que apenas um produto de entretenimento.
— Muito. É um inferno, na real. Viver sempre hesitante porque nunca se sabe quem está contigo. Se gostam de você ou porque tem segundas intenções relacionadas ao quão conhecido você é. E isso me fez mudar pra pior. O tempo inteiro eu fico bitolada achando que não tenho nada a oferecer além de um nome nos trending topics. - eu ri amarga.
? - ele me chamou e eu o encarei - O que aconteceu com você e seu pai naquela viagem?
— Acho que não é nada que você não saiba a esse ponto. - dei de ombros.
— Não sei muito, na verdade. Sei das coisas que você e Sabrina me contaram naquela ligação, mas não achei que pudesse arrancar a informação do restante. Eu não tinha esse direito. Não tenho até hoje, na real.
— As memórias que eu tinha do meu pai eram diferentes da realidade. - suspirei - Eu me lembrava dele sendo um marido amoroso com minha mãe, dos natais que cantávamos juntos no piano. A partir do momento em que ele me encontrou de novo, tudo o que ele fez foi me diminuir. Minhas conquistas não eram nada, tudo era fácil demais, eu não merecia nada do que tenho hoje. E eu sempre tentei enxergar o melhor nele, dizer pra mim mesma que ele não estava acostumado com a minha presença depois de tanto tempo. E então eu o vi bebendo e se tornando uma pessoa muito menos agradável. Disse pra mim mesma que eu não tinha o direito de julgá-lo quando…
Parei no meio da frase, ciente das coisas que viriam depois disso. Eu não tinha como julgá-lo por ter vícios quando eu estava dando uma segunda chance para , que estava fazendo o mesmo. Ele sorriu de canto.
— Está tudo bem, . - garantiu - Eu entendo, não precisa medir as palavras. Isso nunca foi um problema pra gente antes, não quero que se sinta pressionada a fazer isso agora. O que passou, passou.
— Eu não penso mais assim, aliás. - eu sorri de canto, envergonhada - Sei que é mais complicado que somente parar de usar e só. Sei que você tem lutado para se manter sóbrio desde que saiu da reabilitação.
— Você sempre soube, isso não significa que você estava isenta de sentir as coisas como sentiu. - suspirou - Eu não te culpo por como as coisas aconteceram, Estrelinha. Era o que você conseguia fazer na época. Eu tive minha parcela grande de culpa e o que você fez foi só uma consequência dos meus atos.
— Estrelinha. - eu ri fraco, me lembrando do apelido de . - Faz muito tempo desde a última vez que te ouvi me chamar assim.
— Posso parar se isso te deixar desconfortável, não quero cruzar seus limites. - hesitou.
— Não. - balancei a cabeça negativamente - Está tudo bem. Acho que senti falta disso, sabe? Senti falta da amizade que tínhamos por boa parte do tempo em que estivemos separados.
— Eu senti também.
— Eu sei.
Era agora ou nunca. Eu deveria ser honesta com ele. Dizer que havia escutado toda a conversa e deixar claro que não o culpava mais. Que estava pronta para escutá-lo e encerrar um capítulo em aberto. Era o certo a se fazer. Mesmo que eu talvez escutasse algo que eu não gostasse.
— Sabe? - ele franziu o cenho.
— Escutei sua conversa com Griffin hoje mais cedo, quando vocês estavam conversando. Eu não queria, mas acabei sendo enxerida demais para o meu próprio bem. - mordi meu próprio lábio, esperando pela reação de .
— O quanto você escutou daquilo? - ele parecia incerto, coçando sua nuca e se esforçando para não quebrar o contato visual.
— Até a parte onde você disse que você me quer na sua vida, mesmo que seja somente como amigos.
— Ah… - ele riu -, okay, isso é meio constrangedor, na verdade. Queria ter feito algum gesto bonito e de fato ter me declarado pra você eventualmente, não estava nos meus planos que você escutaria tudo daquele jeito preguiçoso. - ele riu - Escrevi centenas de músicas, planejei coisas para quando você se sentisse disposta a falar sobre o que aconteceu, mas não achei que seria tão rápido assim.
— Quer que eu volte a agir como se nada tivesse acontecido? - brinquei e os olhos de se arregalaram.
— NÃO! - a voz dele soou esganiçada e então ele pigarrou e se corrigiu - Quer dizer, não. De forma alguma. Estamos em um momento bom agora, Deus que me livre de voltarmos ao clima tenso da primeira vez que nos vimos de novo.
— Realmente. - eu soltei uma risada - Então, vá em frente. Você já sabe meu lado da história agora.
— Gostaria de ter me preparado melhor. - ele foi honesto - É só que eu me arrependo de como fui na época. Eu fui um péssimo amigo, um péssimo namorado e joguei tudo fora porque não sabia como ter uma relação saudável. Eu fiquei completamente descompensado da cabeça. Escrevi músicas e mandei indiretas rezando para que elas te afetassem de alguma forma e eu pudesse ter uma desculpa pra conversar contigo, porque ter você gritando e esbravejando comigo era melhor do que não te ter de maneira alguma. Porque ter você puta comigo significava que eu ainda tinha alguma chance de te ganhar de volta. Significava que eu ainda era um tópico sensível pra você. Sabe aquela história de ‘’a indiferença é a melhor forma de tratar um alguém que te machucou’’? Completamente verdade. A sua indiferença e você agindo como se eu não te afetasse em nada em todas as entrevistas que te perguntavam sobre mim acabou comigo. E então eu te tratei como vilã da história porque tentar te odiar era melhor do que admitir que eu tinha fodido absolutamente tudo.
— Eu nunca fui indiferente, só fingia muito bem.
Eu ri, me lembrando de como havia ficado quando In These Walls chegou nas plataformas de streaming e tudo o que eu conseguia ler nos comentários de publicações eram como eu era uma vadia por ter deixado da forma que deixei.
— Bem, até demais. - ele concordou - Eu errei contigo, fui um puta babaca durante os últimos anos e nada do que eu fizer vai fazer com que eu compense todas as coisas que fiz contigo. E eu peço desculpas por isso, . Me desculpa mesmo. Queria muito poder voltar no tempo e meter a porrada no do passado e deixar claro que as coisas que ele fez o fariam perder a mulher da vida dele. Mas não posso, então me desculpa. Eu prometo fazer meu melhor para que isso nunca se repita de novo. Fiquei estática, tentando processar cada uma das palavras que havia dito. Em um passado não muito distante, nunca seria capaz de admitir os próprios erros da forma que havia acabado de fazer. Eu havia esperado por aquelas palavras de forma inconsciente por tantos anos e agora era tudo tão real. Senti meus olhos se encherem de lágrimas e me amaldiçoei por me sentir tão sensível. E só aí eu pude ser capaz de ver que eu não era a única com lágrimas naquela sala.
— Eu também tive uma boa parcela de erros nessa história, você não merecia que eu tivesse saído sem dar explicações e simplesmente sumido. - eu admiti - Me desculpa por isso, . Eu sinto muito por ter te deixado sem explicações por tanto tempo.
— Era o que eu merecia até então, nunca fui muito transparente contigo. Foi uma merda ficar do outro lado da história. - ele riu, limpando as lágrimas.
— Você foi sincero quando disse que quer minha companhia mesmo que eu não te queira romanticamente? - murmurei, incerta.
— Muito. - ele assentiu - Você está em todos os lugares na minha vida, . Você é uma presença tão grande em mim que eu já não sei mais onde você termina e onde eu começo. Nunca soube o que amor realmente era até te conhecer. Nunca soube o que músicas românticas tinham de tão bom até você aparecer. Agora, todos os clichês fazem sentido pra mim. E está tudo bem se você não se sentir da mesma forma. Aceito ser apenas o seu amigo. Mas eu não quero mais seguir vivendo sem ter você como algo frequente nos meus dias. Três anos já foram mais que o suficiente para que eu aprendesse. Você me faz uma pessoa melhor todos os dias. E agora eu não quero mais melhorar só por você. Quero melhorar porque você me fez ver que eu sou capaz de fazer isso. E quero que você esteja lá para me acompanhar no processo. Quero ter você na minha vida, como você quiser estar, estrelinha.
— Eu sinto falta de você na minha vida também. - meu coração se encheu e eu me peguei completamente sem palavras - Eu não posso garantir nada além de amizade agora. Mas posso te dizer que a sua presença é algo que eu gosto de ter. - eu sorri, genuinamente.
— Podemos começar de novo? Somente nós dois, sendo amigos e estúpidos juntos. Assistindo filmes e comemorando nossas conquistas juntos.
— Estrelinha e Raio-de-sol.
— Como deveríamos ter sido se eu estivesse em condições melhores naquela época. Vou aceitar qualquer chance que você me der. Não vou exigir mais do que você seja capaz de me dar, isso é algo que sou capaz de prometer. Eu tenho sido seu desde o começo, . Isso é algo que nunca vai mudar. Mesmo que sejamos apenas amigos.
— Você já tem sido um ótimo amigo faz tempo, . Eu só me recusava a admitir - peguei a folha do meu caderno de Moleskine e rasguei a página relacionada ao desenho que havia feito dele antes de me levantar. fez o mesmo -, obrigada, Raio de Sol. Eu parei diante dele, envolvendo sua cintura em um abraço apertado pela primeira vez em muito tempo. Seu perfume invadiu meus sentidos, me deixando completamente inebriada. Ele demorou alguns segundos para me devolver o ato, mas o fez. E a forma como ele me apertou contra si me dizia que ele também achava que aquilo era algo que poderia escapar por seus dedos a qualquer momento.
Me desvencilhei de seus braços, ficando na ponta dos pés o suficiente para depositar um beijo terno em sua bochecha antes de entregar a folha de papel em suas mãos e sair de dentro da cabine de gravação.
Alguns minutos depois, meu celular - intacto após a queda, diga-se de passagem -, apitou com uma notificação que dizia que havia postado pela primeira vez em seu Instagram depois de um tempo. Agora, eu apenas interagia com seus posts em minha conta privada. Uma conta que não tinha nenhum seguidor famoso para levantar suspeitas. Apenas as contas privadas dos meus amigos próximos, sem foto alguma minha ou algo relacionado ao meu nome.
Eu abri seu perfil, sorrindo inevitavelmente com a imagem que tomou conta de meu telefone. Era o desenho que eu havia feito dele, em cima das folhas com as letras que havíamos escrito antes. O desenho cobria boa parte delas, deixando apenas frases soltas no fundo e a superfície do piano à mostra.

RowdyPete: I take the chances that I am given, cause I am desperately all yours.





Continua...



Nota do autor:GOD BLESS OUR TROOPS, GOD BLESS AMERICA, AND GENTLEMAN: START. YOUR. ENGIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIINES.
Senhoras, senhores e pessoas que não se identificam com conceitos binários de identidade: OS PRÓXIMOS CAPÍTULOS VEM AÍ E COM MUITAS EMOÇÕES. Não vou mentir, esse capítulo me drenou emocionalmente e me trouxe alguns gatilhos em relação a algumas coisas pessoais da minha vida fora do meu pseudônimo de autor.
Sempre digo que The Roadie é uma história pessoal, então acho que é uma boa falar um pouco sobre como Peter e Savannah surgiram dessa vez. Um pouco de honestidade é bom para que vocês talvez saibam um pouco mais sobre mim e não somente das pessoas que me cercam.
Gosto de dizer que Savannah e Peter são duas partes de mim que se entrelaçam em um ponto em que eu não consigo definir com qual deles me identifico mais. Savannah foi a minha forma de trabalhar um luto não processado. Peter foi a minha forma de compreender meus erros com alguém que eu amo muito.
Hoje em dia, gosto de me definir como um músico aposentado. Eu toco, canto e componho, então futuramente é uma possibilidade que vocês vejam algo que foi escrito inteiramente por mim nas letras da Rowdy e Savannah. Meu ponto é: me afastei disso porque me traz lembranças que ainda são dolorosas para mim e, mesmo pegando o violão e ainda escrevendo, é bem difícil alguém me ver cantando de fato. Geralmente faço isso quando tô sozinho e longe de olhos, porque hoje em dia a ideia de fazer isso na frente de alguém de novo me causa pânico. Eu desenvolvi um pânico descomunal de ser visto por outras pessoas enquanto sendo o Carter Músico. Soa familiar?
Agora, em relação a Peter, eu preciso citar uma frase que minha amiga Mayara sempre diz quando conto algo da minha vida: ''Se sua vida fosse uma fanfic, eu ia achar que o autor tá forçando muito''. Assim como ele, eu tive minha cota de erros em um relacionamento por não estar com a saúde mental em dia. Eu genuinamente fui uma pessoa muito difícil de lidar entre 2015 - 2019. Eu não seria meu amigo nessa época, tão pouco namorado. Assim como Peter, eu coloquei em alguém o peso de uma responsabilidade que nunca havia sido da outra pessoa em primeiro lugar e eu também fui a pessoa que resolveu terminar tudo porque sabia que era inevitável no momento.
Depois disso, eu decidi que era hora de voltar pra terapia e melhorar enquanto pessoa. Não por ele, mas por mim.
Eu precisei de muita coragem para reconquistar a confiança de alguém que eu havia machucado. Precisei mostrar que eu havia me tornado melhor e que eu aceitaria quaisquer condições necessárias para ter ele de volta como parte da minha vida. E, eventualmente, eu consegui isso.
Então, ainda que essa nota seja contando um pouco de mim pra vocês, ela também é algo pra ele.
Theo, um dia você me perguntou se eu já havia escrito algo inspirado em você e essa é a resposta: Absolutamente todos os dias da minha vida destes - quase - sete anos. Você está em tudo o que faço e, assim como o Pete, eu já não sei mais identificar onde eu termino e você começa. Você é a razão pela qual todos os clichês começaram a fazer sentido. O amor dos filmes, aquele que parece inalcançável. Impossível.
Você me mostra todos os dias que amar é fácil e absurdamente leve. Que é possível seguir se apaixonando pela mesma pessoa todos os dias. Você está nas músicas que escrevo, nos personagens que crio, nos desenhos que faço e nas maiores declarações de amor que já escrevi. E eu me sinto capaz de encontrar você em uma multidão, porque meu coração bate em sincronia com o teu.
Todas as minhas lembranças boas nos últimos anos são acompanhadas do seu sorriso.
E, porra, como é incrível poder realizar meus maiores sonhos com você e nossos gatos ao meu lado.
Sou terrível em demonstrar meus sentimentos de forma física, sou conhecido por me expressar através da minha escrita melhor do que através da minha fala, então, aqui vai uma promessa: eu te prometo colocar todos os meus sentimentos por você em absolutamente todas as coisas que escrever. E que elas te encontrem e te façam entender que não existe um segundo em que eu duvidei de que meu lugar era do seu lado e que você é a melhor parte dos meus dias.
Com essa declaração pública, eu encerro as notas deixando meu instagram de autor, onde pretendo atualizar sobre a att de TR e projetos futuros. Até mais.

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