Capítulo Único
Sexta-feira, 12:47
As flores da estação já enfeitavam as sacadas das casas, colinas e arbustos espalhados pela ilha. Eram de cores vivas e deslumbrantes, o cheiro característico composto pela miscelânea de flores desabrochando era forte no ar, dava uma sensação de paz e alegria. Os gregos contavam a história de Deméter, Perséfone e Hades sempre que qualquer pessoa comentava da beleza das flores. Não passavam da uma da tarde e já ouvira essa mesma história contada três vezes por pessoas diferentes.Ela se apaixonou por todos naquela ilha, eram sempre tão simpáticos e solícitos. Sempre tinham um sorriso fácil nos lábios e mesmo alguns não sabendo qualquer outra língua que não grego, tentavam ajudar de alguma forma. Apesar do clima agradável, se sentia como Deméter no outono e inverno quando não tinha a companhia da filha: triste e fria por dentro.
Pouco mais de doze meses se passou desde aquela noite no escritório de . E ela estava levando a vida muito bem, sabia que tinha o magoado, mas na época estava vivendo em um espiral de auto sabotagem e autodestruição. Não se via merecedora de felicidade alguma e antes de sofrer, acabou machucando uma pessoa que só queria o bem dela. Viveu nesse padrão por mais cinco meses depois do término com .
Foi necessário uma intervenção organizada por sua prima bem ao estilo de How I Met Your Mother, com direito a faixa e tudo. sempre fora louca pelo seriado e sempre quis fazer esse tipo coisa. Inicialmente, achou que era brincadeira, mas apesar do tom cômico da faixa, as mensagens de seus amigos foram dolorosas e a fizeram reavaliar a vida. Quebrar padrões não era fácil, ela como assistente social sabia bem isso. Por inúmeras vezes aconselhou pessoas a procurarem ajuda clínica necessária, mas ela mesmo acabou negligenciando a própria saúde mental.
Depois de muitas sessões regadas a choro e explosões de raiva, estava em seu processo de cura. Sua terapeuta a fez questionar toda a sua situação, a ajudou a chegar na conclusão que necessitava pedir desculpa a todas as pessoas que ela machucou, assim ela poderia se sentir melhor.
Levou muitos meses, mas a vida se encarregou de fazer os caminhos de e se cruzarem de novo. Ambos estavam em Santorini, Grécia, para o casamento de com o melhor amigo de , Jacques. Eram padrinhos dos noivos. No entanto, se assegurou que não entrassem juntos… até porque, entraria com a nova namorada, Hannah.
Hannah era uma mulher adorável, realmente uma ótima pessoa, o que tornava a situação de odiá-la muito difícil. Ela era uma amiga de longa data de , passaram a infância e pré-adolescência juntas, ficaram muitos anos longe uma da outra, mas sem perder o contato. Reencontraram-se de novo alguns anos atrás. Enquanto estava com , elas chegaram a sair juntas e ela era uma força da natureza. Tinha uma energia radiante e cativava todos a sua volta. tentava passar o menor tempo possível perto de Hannah, porque a presença da mulher trazia um misto de sentimentos: raiva de si, remorso, inveja e tristeza.
Sempre que a encontrava, era um sentimento mais aflorado que o outro. Naquele momento, vendo o casal dividindo uma casquinha de sorvete em frente à sorveteria, trocando beijos e sorrisos íntimos entre uma mordida e outra na massa gelada com sabor de alguma fruta típica da região, o sentimento que prevalecia era o de inveja com uma ponta de tristeza. Há alguns meses, quem era a merecedora de receber esses beijos e sorrisos era ela.
Sentiu o próprio sorvete que comera mais cedo querer fazer o caminho reverso e sair pela boca. Suprimiu a vontade de vomitar e desviou o olhar da cena que combinava muito com aquele lugar feliz. “, oi!” Hannah chamou a atenção dela. “Nós vamos encontrar para o almoço. Vem almoçar com a gente.” a mais baixa disse se aproximando.
ficou sem reação, apesar de manter uma relação de cordialidade com e planejar conversar com ele em algum momento daquele final de semana, não estava preparada para acompanhar o casal feliz em um almoço, por mais que também fosse fazer parte e possivelmente também Jacques. Ficar de vela para dois casais e um desses casais ser composto pelo ex-namorado? Ainda não estava desconstruída o suficiente para isso.
“Oi, Anna.” falou olhando nos olhos de Hannah. Não se atreveu a desviar o olhar para , porque se fizesse não conseguiria olhar para outra coisa depois. Ele estava usando óculos escuros e bermuda, sua terceira combinação favorita de roupas e acessórios nele. Ficava apenas atrás dele em um terno de três peças e ele vestindo nada a não ser sua própria pele. “Obrigada pelo convite, mas devo recusar.” sorriu tentando suavizar a rejeição do convite. “Marquei de almoçar com a Chiandra.” apontou por sobre o ombro, indicando a posição da amiga que se encontrava parada em frente a uma loja de artesanatos.
Hannah lamentou o fato; as duas jogaram um pouco de conversa fora até Chiandra chegar perto de e chamá-la para almoçar. Durante todo o tempo que conversou com Hannah, pela sua visão periférica, percebeu trocando o peso do corpo entre os pés e viu seu maxilar travado. Doeu ver aquele tipo de reação dele a presença dela, e doeu mais ainda em saber que a causadora daquilo tudo fora ela.
Sábado, 20:33
Era a noite anterior ao casamento e todos os padrinhos e madrinhas estavam reunidos no restaurante do hotel, eles ofereciam um jantar em homenagem aos noivos. e Jacques ficaram emocionados com a surpresa e depois da rodada de discursos e declarações de amor e suporte, ficaram mais relaxados. Os noivos estavam nervosos com a noite pós-casamento, seria naquela noite que viajariam não só para a lua de mel, mas como também para um início de vida longe de todos os familiares e amigos.Como eram apaixonados pelo mar, os dois fizeram um planejamento e sairiam de férias para dar volta ao mundo a bordo de um veleiro. A expedição tinha um cronograma montado para durar dois anos, só seria possível rever a todos novamente apenas dali um ano e meio. O jantar era uma celebração pelo casamento e um desejo de boa viagem e muita felicidade para o casal.
“, eu estou tão feliz que você organizou esse jantar pra gente.” disse abraçando a prima “Não adianta nem discordar, porque eu sei que isso foi ideia sua.” comentou rindo, apertando mais ainda seus braços em volta de .
“Vocês merecem isso e muito mais!” disse deslizando um envelope de carta dobrado dentro do bolso da calça de . “Essa é uma carta de todos nós, apenas abram quando estiverem a bordo ou nada do que está aqui fará sentido.” riu da expressão confusa que a prima fez “Eu sei como você é curiosa e começaria a ler assim que eu virasse as costas, então a carta está codificada. Um presente de casamento de Samir.”
e Jacques saíram do restaurante extasiados, a segunda paixão que tinham em comum era por enigmas e mensagens codificadas. Quando enfim chegasse a bordo do veleiro deles, poderiam decodificar a carta e achariam uma mensagem de cada um dos padrinhos escrita especialmente para eles, além disso, embaixo do travesseiro da cama de casal, encontrariam um cartão pré-pago carregado com uma boa quantia em dinheiro para ajudar nas despesas da viagem.
se sentia feliz pela prima, apesar de estar passando por uma fase difícil na vida, não deixava de ficar feliz pelas pessoas que amavam. Pensando nisso enquanto ia ao banheiro, tentava criar coragem para se aproximar de e chamá-lo para conversar. Em seu caminho de volta para o restaurante, aproveitou a oportunidade perfeita que se apresentava a sua frente: estava saindo do banheiro masculino ao mesmo tempo que ela saía do feminino.
“, oi…” chamou a atenção dele que estava de cabeça baixa olhando para a tela do celular “Será que poderíamos conversar?” perguntou um pouco baixo, ainda estava insegura da decisão, mas tinha que colocar para fora o que estava sentindo.
“, talvez não seja o melhor momento…” soltou um suspiro pesaroso, a encarou nos olhos. Essa era outra qualidade dele, sempre encarava as pessoas nos olhos, no começo do relacionamento achou isso um pouco intimidante, mas com o tempo sentiu conforto, porque mostrava que ele realmente estava prestando atenção à conversa.
“Tudo bem, você pode passar no meu quarto mais tarde? Por volta das 21:30?” ao ver a expressão no rosto dele, logo emendou. “Eu sei que isso é estranho, mas eu realmente queria falar com você, leve o Jacques como testemunha. Ele deve ficar no quarto dele jogando videogame até mais tarde de qualquer forma, não se importará de fazer isso no sofá do quarto quanto a gente conversa.”
“Não sei…” colocou as mãos no bolso. “Não acho isso certo. Melhor não fazermos isso aqui, talvez quando voltarmos para casa? Marcamos em alguma cafeteria ou coisa do tipo.” ele disse e apertou o ombro dela como uma forma de conforto. “Fica bem. Tchau” caminhou em direção aos elevadores.
ficou encarando as costas dele, o vendo a cada passo mais longe dela. Estava realmente esperançosa de que conseguiria conversar com ele, apesar da demonstração de raiva na tarde do dia anterior, tinham conseguido manejar a presença um do outro, e com a organização do jantar surpresa, passaram a conversar bem mais que um simples “oi, como vai?” e “vou bem e você?” quando se encontravam nos encontros de amigo, e como tinham muitos amigos em comum, isso acontecia pelo menos duas vezes no mês.
A organização do jantar fez com que tivessem que conversar quase que diariamente através do grupo no aplicativo de mensagens. Apesar de triste, entendeu a decisão dele. Ia respeitar e não mais abordá-lo, nem sempre tudo acontecia da forma que esperava, mas isso também seria bom para que ela se preparasse por mais um tempo. Voltou para o restaurante e resolveu aproveitar mais um pouco da presença dos amigos, desligar um pouco a mente da situação que era a sua vida.
Sábado, 23:11
estava digitando um relatório para o trabalho, encontrava-se sentada no chão do quarto com o notebook apoiado na mesinha de centro que tinha na pequena área reservada como uma sala de estar/TV. Chiandra e estavam até pouco tempo no quarto dela jogando um pouco de conversa fora, e Chiandra tentavam acalmar uma muito ansiosa com os eventos do dia seguinte. Depois de muito vinho - e água, porque a noiva e as madrinhas não poderiam aparecer com cara de ressaca nas fotos, finalmente se acalmou um pouco e foi tentar descansar. Chiandra seguiu a amiga minutos depois.ouviu um barulho na porta e já levantou segurando o celular que Chiandra esquecera na mesa. “Sabia que você volt…” falou abrindo a porta, mas parou de súbito ao ver que não se tratava de Chiandra, mas de parado ali. Estava com os cabelos bagunçados e olhar cansado. Ele abriu um pequeno sorriso de lado ao encarar a camisa que ela estava usando, era a camisa da faculdade… dele. “Bela camisa” riu ao vê-la se sobressaltar com o comentário dele, ela voltou para o quarto rapidamente, convidando-o ao mesmo tempo para que entrasse. Após a saída das amigas, tinha retirado a calça de pijama que estava vestindo. Estava apenas de camisa e calcinha.
Ele percorreu os olhos pelas pernas dela e deu uma checada na bunda parcialmente coberta pela camisa. Entrou e fechou a porta atrás de si, esperou um pouco de pé ali na porta antes de se encaminhar para o sofá, deu os minutos que ela precisava para colocar mais uma peça de roupa no corpo. Ao mesmo tempo que sentava no sofá, ela retornava para encontrá-lo, já vestida de novo com a calça de um pijama.
“Desculpa por agora” disse sem graça “não estava esperando ninguém.” comentou apertando as mãos juntas na frente do corpo.
“Tudo bem. Eu não viria hoje à noite, tentaria falar com você depois do casamento, mas Jacques comentou comigo que estava aqui com você, então resolvi vir.” disse esfregando as mãos nas coxas. “E pensando agora, foi uma decisão bem estúpida, você tem que levantar cedo amanhã e já está tarde.” levantou-se e foi em direção à porta.
Antes que ele pudesse chegar mais perto da saída, deu um passo e se colocou à frente dele, impedindo que avançasse mais. “Por favor, fica. Eu só preciso de alguns minutos, se não quiser falar, tudo bem.” disse tentando encontrar os olhos deles, mas ele os mantinha afastados dos dela, encarando o chão.
Dirigiram-se para o sofá e ali tentaram ficar confortável para a conversa. começou falando, apenas escutava e ocasionalmente comentava ou rebatia alguma fala de . A conversa começou amigável, mas já estava escalando para níveis de vozes mais altos. estava em pé de um lado do quarto e do outro.
“Eu estou feliz que você está melhor” começou “mas não dá para desfazer tudo o que eu sinto por você em alguns meses...” disse fechando as mãos em punhos “Você me machucou pra caralho. Você não vai ter meu perdão tão cedo, desculpa, mas não vou tentar aliviar a sua dor com uma mentira.”
“Eu não quero que você minta, quero que você me diga o que está sentindo.” disse cruzando os braços “O que não dá, é eu ver você apertar o maxilar e não querer me olhar. Você me odeia tanto assim?”
“Te odiar? , eu estava tentando não ficar duro do lado da minha namorada enquanto pensava naquela noite no escritório.” admitiu passando a mão no cabelo, frustrado. “Você estava com a mesma blusa daquele dia, isso disparou memórias que eu achava que estavam esquecidas.”
ouvia tudo aquilo com espanto e felicidade. Espantada por descobrir que ele nutria algo por ela que não fosse apenas raiva e desgosto, e feliz pela massagem no ego que recebeu com aquela declaração, nunca admitiria para alguém, mas se sentia muito bem com isso.
"Olha, eu não tive qualquer intenção de provocar, até porque nem lembrava disso" começou se desculpando "Da roupa, eu digo. Porque daquela noite eu lembro cada momento, cada cheiro..." disse enquanto se aproximava dele até ter poucos centímetros separando seus corpos, o suficiente para não tocar, mas para sentir a presença um do outro. "Cada gosto." Eles se encaravam. A respiração de ambos se misturavam tamanha a proximidade. "Eu quero voltar a ser nós, não quero mais ser apenas eu."
deu um passo atrás, colocando espaço entre eles. "Agora eu sou um nós com a Hannah." ele apertou a própria nuca “Eu te amo, me dói dizer isso, mas ainda te amo pra caralho. A única coisa que me segura de te foder contra a parede, é saber que Hannah não merece esse tipo de coisa. Por que eu já senti isso na pele e não vou fazer com ela.”
Ele deu um pequeno beijo na bochecha dela, mas antes de se afastar encheu os pulmões com o cheiro do perfume dela e sussurrou um “Tchau, . Nos vemos amanhã” e saiu do quarto.
já não segurava as lágrimas, apesar de ter conseguido colocar tudo para fora, a conversa só trouxe a confirmação que todo o sentimento que tinha por que achava ter acabado e restado apenas uma gratidão pelos tempos que viveram juntos, ainda estava lá e agora queimava mais forte. Respeitaria o tempo dele, não tentaria acabar com a relação que ele tinha com Hannah, mas agora nas suas orações noturnas, pediria para que ele voltasse a ser dela.
O universo já a ajudou a reencontrar com ele, ajudaria mais uma vez a fazê-lo voltar para o lado dela, tinha certeza disso.
FIM
Nota da autora: Olá!! Deixem seus comentários aqui embaixo, amarei ler todos! E vejam a 3ª Parte dessa Trilogia: Who Knows?
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