FFOBS - Uma Carta Para Carl, por Scar


Uma Carta Para Carl

Última atualização: 05/10/2017

Capítulo 1

Sheboygan, Wisconsin.

A Madison Elementary é uma escola de ensino fundamental e médio que fica localizada na Dave Avenue e é recheada de adolescentes egoístas e fofoqueiros que fazem da sua vida um inferno.

Greta e eu costumávamos ser melhores amigas desde os quatro anos, quando os pais dela se mudaram para a casa ao lado da minha e as famílias logo trataram de se aproximar para que nós pudéssemos estar sempre juntas, como nas viagens de verão, nas aulas e ainda éramos chamadas de nerds porque estávamos em quase todos os grupos de estudo da Madison.

Quando tínhamos uns quinze anos, Greta disse que havia se inscrito para o teste de líder de torcida e foi aí que tudo desandou.

Eu não era a pessoa mais social que Sheboygan abrigava, estava bem longe disso, ainda mais com os alunos da Madison, que faziam questão de jogar na sua cara quando você é considerado esquisito por não se vestir ou agir igual aos descolados.

Os Descolados eram todos, ou quase todos, alunos do último ano, os meninos do futebol, as meninas que eram líderes de torcida e só. Os componentes do Clube de Física não estavam incluídos e, portanto, eu também não.

Pouco antes das férias de verão, aonde Greta e eu tínhamos combinado de viajar para Los Angeles, aonde minha avó morava, ela foi aceita no time das líderes de torcida e prometeu que não se tornaria uma sem-cérebro igual as outras, mas a popularidade subiu bem rápido à sua cabeça, e foi quando ela decidiu que não poderíamos mais ser amigas se eu continuasse uma zé-ninguém na escola. A briga foi fenomenal. No meio do pátio. Na hora do almoço.

- A estrela do clube de física não pode ao menos fazer um pequeno sacrifício pela suposta melhor amiga? - ela perguntava com desdém, serrando as unhas.

- G, por que você está fazendo isso? Se tornando uma delas? - apontava para as outras meninas presentes ali, não me importando se todos nos ouviam.

- Elas querem o meu bem Alessa, se você não quer isso, então acho que nós não precisamos mais nos comunicar. - decidiu e saiu do pátio, rodeada das novas amigas.

Depois de tentar falar com ela algumas vezes durante aquela semana, desisti. Ela era a única pessoa em que eu confiava naquele lugar, a única que eu tinha prazer em ser amiga, mas tudo que um dia prometemos para a outra, como "eu não vou abandonar você!", acabou num piscar de olhos e perdurou por mais dois anos, quando completei dezessete e soube que estava morrendo. Sim, morrendo. E não estou sendo pessimista.

Quando completei dezessete, estava doente. Muito doente. Eu não sabia o que era, mas doía meu corpo inteiro, me deixava fraca e com febre. Imaginava que seria uma gripe forte, mas logo vieram outros sintomas que eu considerava estranhos. Dores no seio, axilas, costas. A febre continuava, mas soube disfarçar tudo isso por oito meses. Pior decisão da minha breve vida! O que eu não sabia, era que no histórico de mulheres da minha família, haviam alguns casos de câncer de mama. Casos graves da doença. O que eu não esperava, era entrar para o histórico familiar, recebendo um exame no qual dizia que eu tinha um câncer em estado avançado. Isso fez com que eu começasse a enxergar o mundo de uma forma bem diferente, queria deixar de lado a fisinerd e começando a me arriscar mais, viver mais, antes que tudo isso acabasse de vez.

*

- Isso não é o fim do mundo Alessa! - o médico pediu, enquanto ouvia minha mãe chorar baixinho ao meu lado. - Vamos realizar alguns tratamentos, eles ajudam a diminuir o tumor e as dores...

- Mas... - minha mãe tentou intervir. Achei melhor não.

- Tem algum comprimido que eu possa tomar para amenizar as dores?

- Sim, alguns, mas não é nada certo, e eles são fortes demais e vão mexer com seu organismo. - fiz minha melhor expressão de desentendida - Eles vão deixá-la enjoada, você sentirá ânsia, tontura, fraqueza e mais alguns outros sintomas. Mas não precisa ser assim, há vários outros procedimentos que podemos fazer!

- Ele não tem cura, não é? - o doutor meneou com a cabeça. - Entendi. Bem, podemos conversar sobre tratamentos outro dia?

- Seria muito importante você começar com o tratamento o mais rápido possível e assim... Você sabe, as chances são maiores.

- Olha, doutor Richard, eu sinceramente não estou com vontade nenhuma de conversar agora.

- Alessa! - minha mãe me repreendeu, mas já estava a meio caminho da porta. - Alessa, você não pode desistir assim, sem tentar nada!

- Podemos ir para casa? Por favor? - ela cedeu depois de alguns segundos. Me olhava com sentimentos que variavam da raiva à pena. Não quero ninguém com pena de mim mamãe!

Assim que saímos da clínica e estávamos a caminho de casa, senti meus ombros pesarem e minha cabeça começar a doer, sobressaindo a que sentia em meu seio. O diagnóstico começou a ficar claro na minha cabeça.



Recostei minha cabeça no vidro gelado do carro e fechei meus olhos. Você não deveria desistir sem ao menos tentar. Meus pensamentos me alertavam, mas eu estava no auge de uma vida e gostaria de poder ir às festas, namorar, encher a cara, entrar para a faculdade, tocar os negócios da família sem ter que gastar meu tempo passando por sessões de quimioterapia, radioterapia ou qualquer outro tipo de terapia... tudo isso ficaria apenas na história, nos meus sonhos e devaneios e eu seria lembrada apenas como a garota do câncer no peito.

Numa cidade pequena como a que moramos, é esse tipo de lembrança que as pessoas têm. Se eu não estivesse mais aqui para escolher pelo quê ser lembrada, ao menos no que me restava de vida eu mostraria aqueles medíocres moradores fofoqueiros como se vive.

- Posso usar o fundo da faculdade para viajar? - as palavras saíram da minha boca antes mesmo que um filtro as fizesse parar. Ella, minha mãe, me olhou perplexa e com os olhos vermelhos. Não sinta pena de mim. Fora as dores eu estou me sentindo bem mamãe!

- Viajar para onde? - meu pai, sempre mais contido, pediu.

- Longe. - respire fundo. - Bem longe de preferência.

- Eu não acredito no que estou ouvindo! - minha mãe jogou as mãos para o alto, sua marca registrada, e encarou meu pai.

- Mãe... não é como se eu fosse ter tempo para faculdade. Queria tentar algumas coisas antes de... - não consegui continuar. Ainda precisava pensar em tudo que havia sido despejado em mim. - Vocês podem ao menos pensar no assunto? - meu pai sorriu pelo retrovisor e mamãe apenas voltou a encarar a paisagem enevoada que a janela do carro mostrava.

No dia seguinte fui para a escola como se nada tivesse acontecido. Vi Greta rodeada das amigas. Precisava ao menos conversar com ela nesse momento. Ter a ilusão de que ainda tinha uma amiga naquele lugar.

- Ah.. Será que posso falar com você? - ela se assustou quando me viu ali. Não nos falávamos a dois anos. Ela assentiu e me seguiu até o pátio.

- Uau! Esse pátio me traz memórias... - ela disse sorrindo. Greta estava tão diferente que eu quase não a reconhecia. Os cabelos curtos e loiros eram sua única característica dos velhos tempos. - O que manda fisinerd? - odiava os apelidos idiotas que as pessoas me chamavam. Odiava ainda mais quando Greta me chamava assim.

- Deixo você me chamar de Alessa. - ela revirou os olhos. - Nós podemos sentar e tomar um café, conversar, como nos velhos tempos?

- Alessa, nós não estamos nos velhos tempos! O que aconteceu?

- É que... Bem, eu ainda confio em você e isso é demais para ficar guardando dentro de mim, por isso precisava conversar e eu só confio em você para isso...

- Al, você está falando um monte de coisa... Você faz isso quando fica nervosa. O que foi? - ela parecia nervosa. Isso era bom? Ela ainda se importava comigo?

- Eu estou doente. - ficamos nos olhando por incontáveis minutos. Não queria que ela sentisse pena de mim, apenas que ela conversasse comigo, como se ainda fôssemos melhores amigas.

- Doente de quê?

- Só... doente. Muito doente. - respirei fundo quando ela semicerrou os olhos. - Você lembra quando a minha avó morreu?

- Sim, claro. Fomos até o funeral e tudo. Aonde você quer chegar com isso?

- Você lembra do quê ela morreu? - Greta negou. - Câncer.

- Vo-você está com câncer? - ela arregalou os olhos e levou as mãos a boca quando afirmei com um movimento de cabeça.

- Ficaria mais do que grata se você não comentasse isso com as suas amigas. - ela confirmou, ainda em choque. - Sabe, eu sei que não nos falamos a alguns anos, mas eu precisava desabafar com alguém e... você sempre será minha melhor amiga G. Sempre.

- Al, eu sei que as vezes eu sou uma estúpida e tudo mais, mas...

- Tudo bem, elas são suas amigas também. Só precisava conversar um pouquinho.

- Você está bem?

- Não.

- Você vai fazer algum tratamento? - ela perguntou depois de muitos minutos que ficamos num silêncio agradável.

- Eu quero viajar... Acho que para Los Angeles.

- Viajar? Mas que diabos... Por que viajar? Você precisa se tratar!

- Não é como se o tratamento fosse surtir um efeito muito grande, o médico disse que está num estágio avançado e que apenas poderia controlar o câncer, não fazê-lo sumir...

- Você quer viajar quando? Você quer morrer longe daqui? - ela semicerrou os olhos enquanto eu revirava os meus.

- Não quero morrer burra! Por Deus Greta, vou terminar meus estudos antes disso! - nós sorrimos e Greta gargalhou. - Agora no verão acho um bom momento.

- Você é a aluna de honra desde sempre! Não conheço alguém mais inteligente que você.

- Talvez o professor Joules, ele tem física até no sobrenome! Por Deus! - tivemos mais um acesso de riso. Joules era meu professor favorito.

- Posso passar hoje na sua casa, caso ainda queira conversar e ajeitar as coisas para a viagem. - Greta sugeriu e assenti. Antes de se levantar, ela segurou uma das minhas mãos no colo e acrescentou - Sabe Al, você também ainda é a minha melhor amiga!

*

Comecei uma rotina para que meus pais autorizassem minhas férias na Califórnia: continuar com meus méritos acadêmicos, conversar com eles todos os dias sobre o porquê de eu não querer um tratamento e frequentar um psicólogo, um senhor de cabeça branca que amava física assim como eu. Nós nos encontrávamos todos os dias, depois da escola e aos finais de semana no final das tardes. Carl conseguiu deixar de ser apenas meu psicólogo e tornando-se um amigo, pelo menos para mim, já que confiava nele de olhos fechados.

- Hoje nós vamos falar sobre o que? - entrei em seu consultório assim que fui chamada. Estava sorridente e ao menos sabia o porquê.

- Não sobre física! - reclamei com um muxoxo, fazendo o velho sorrir e me indicar a poltrona vermelha à sua frente. - Seus pais me ligaram mais cedo e pediram para avisar que sua viagem para Los Angeles está autorizada!

- O que? - Sabia que havia um motivo para tanta alegria. Até Greta tirou sarro de mim mais cedo. - E por que eles não me disseram nada?

- Eles queriam saber a minha opinião. Além de que, eles disseram que nós somos amigos e que eles acham isso ótimo porque você não tem mais nenhum... - ele brincou e sorrimos. Ele era um senhor muito adorável! - Já que nós somos amigos, nada mais justo do que dar essa notícia a você!

- Isso não está fazendo um mínimo de sentido na minha cabeça, mas aceitava essa notícia até do diretor da Madison!

- Falando em Madison... você falou com a Greta hoje?

- Ela não está entendendo muito essa coisa da viagem, mesmo que ainda não estivesse tudo certo, como agora.

- Ela não quer que você viaje?

- Minha mãe e Greta conversaram... ela quer que eu me submeta aos tratamentos que não vão me tirar o pé da cova, coisa que não adianta fazer.

- Você tem muita certeza de que não acontecerá nenhum milagre.

- Não sou das mais religiosas, não vejo o por quê de Deus fazer um milagre em mim.

- Alessa, já conversamos sobre o seu pessimismo. A ciência já fez tantos avanços que você não precisaria de um milagre.

- Não quero me submeter a tratamentos que vão agredir ainda mais o meu corpo, por mais egoísta que seja a minha decisão, o corpo ainda é meu!

- Eu sei disso, mas...

- Carl, por favor, sem essa coisa de mas... Já conversei com o Dr. Richards, ele mesmo disse que eram 3% de chance. Por favor, chega disso.

- Tudo bem, sobre o que quer conversar?

- O que acha de nossa contínua discussão dos conceitos de partículas? - sugeri, fazendo que o velho caísse na gargalhada.



As semanas seguintes foram difíceis e as brigas em casa só faziam tudo piorar ainda mais. Minha mãe estava me odiando, mas não posso me entregar a tratamentos que vão acabar ainda mais comigo para só depois ter alguma esperança, apenas esperança, de melhora. Admito ser egoísta por pensar assim, mas o corpo é meu e a doença é minha. Eles não vão me curar e ela precisa entender isso! Por dias eu bombardeava meu psicólogo com meus lamentos sobre as brigas que estavam se tornando frequentes em casa, Carl pedia paciência, isso me estressava. Eu o procurava como amigo e ele vinha com opiniões profissionais, certa vez, reclamei "Eu venho aqui porque penso que nós somos amigos, não médico e paciente!". Ele não se aborrecia com meus surtos, me achando engraçada por muitas vezes. Em certo momento, notei que a nossa amizade era mais forte do que a relação profissional-paciente, que antes me impedia de contar o que realmente estava acontecendo.

Por outro lado, tinha Greta, que frequentava minha casa todos os dias, pouco depois que chegava do consultório de Carl, tentando me convencer a ficar em Sheboygan e me tratar, suas promessas eram singelas e fofas, como nos velhos tempos, quando crianças. Brigávamos e depois ela pedia perdão com um novo ursinho em mãos. Nossa amizade parecia voltar aos trilhos, mesmo com nossas atuais divergências tão absurdas.

*

- Você tem certeza disso? - meu pai perguntou pelo que parecia a oitava vez em menos de dez minutos. Assenti. - A sua avó disse que vai nos contar tudo Alessa, e não adianta você tentar enganá-la!

- Pai, eu vou ficar bem! Fica tranquilo... - eu sorri. Precisava amenizar minha despedida. Mesmo que ela fosse definitiva. - A vovó só me verá em casa de manhã, quando eu chegar de todas as festas que L.A. tem a oferecer!

- Mocinha... você... - ele não sabia o que falar e seus olhos estavam tão arregalados que poderiam pular fora de seu rosto a qualquer momento. Era hilário!

- Relaxa! Só estou indo para Los Angeles. Que mal a praia pode me fazer? Eu já estou com um câncer mesmo...

- Credo Al! - Greta reclamou e entortou os lábios.

- Eu odeio quando você fala isso. - Ella se pronunciou pela primeira vez desde que pisamos no aeroporto que me levaria para alguns milhares de quilômetros de distância deles.

- Não me odeie mãe! - sorri e beijei sua bochecha.

"Vôo L67 com destino à Los Angeles, embarque imediato pelo portão 2." A voz poderosa anunciou pelos alto-falantes presentes por ali.

- Bem, chegou a minha hora! - soltei o ar dos pulmões e abracei minha mãe, logo sentindo os braços do meu pai nos cercarem. Olhei ao redor, tentando enxergar Carl em algum rosto próximo, mas não achava. Eu queria me despedir dele.

- Por favor Alessa, não se esqueça de nós. Por favor. - a voz de Ella saia embargada pelas lágrimas não derramadas, me trazendo de volta ao atual momento. - Nos ligue ou mande uma mensagem, todos os dias...

- Você está parecendo um disco arranhado. Ela só vai passar o verão na casa da sua mãe Ella, deixe disso. - meu pai era o mais confiante. Espero que você esteja certo papai!

- Tente não morrer nesses três meses! - Greta falou baixinho, com sua voz chorosa, quando nos abraçamos. - Quero você aqui de volta quando o verão acabar. Eu estou falando sério Al, não me abandone!

- Vou tentar meu melhor! - beijei sua bochecha e segui para o portão de embarque.

***

Los Angeles é bonita em qualquer estação do ano e isso é simplesmente incrível! O sol, o ar, as pessoas, a praia. Tudo é lindo!

Minha avó é a pessoa mais excêntrica que eu já conheci. Está em seus sessenta anos, malhando, fazendo aulas de surf e com um namorado novo. Go grandma! O Paul é um homem muito bonito e alto. Muito alto. Ex-jogador da NBA. Acho que isso é normal aqui, pois as pessoas nem olham enquanto estamos indo até um restaurante encontrar com o neto dele, Caleb.

- O Caleb é um verdadeiro príncipe. Você vai adorá-lo! - ela sorriu assim que Paul estacionou. - E ele não é da família... tecnicamente. - acrescentou. Aonde você quer chegar com isso vovó?

- Como assim? - sorri nervosa.

- Só estou dizendo Al, que apesar de namorar com o Paul, o Caleb não é seu parente. Fique à vontade para fazer o que quiser! - minha avó não acabou de dizer isso!

- Donna, pare de deixar a menina constrangida! - Paul interveio a meu favor.

Não demorou muito para que nos dirigíssemos à mesa em que o tal Caleb estaria. E logo entendi o porque da minha avó estar tecendo tantos elogios à Caleb. Ele era lindo, fazendo jus aos genes do avô e a fama da cidade. O que mais chamava atenção eram seus olhos castanhos e repuxados. Lindo! A conversa fluía normalmente, sem que chamassem o câncer para a conversa e isso era absurdamente ótimo. Poderia conhecer dois caras legais sem que eles sentissem pena da minha condição de saúde.

- Acho que vocês deveriam dar uma saidinha... - Paul reforçou o que eu queria em pensamentos. Sim, vamos sair com o gatinho da cidade linda!

- Se estiver tudo bem para você.. - Caleb sorriu e assim decidimos que os casais fariam programas diferentes.

*

A praia é bem mais calma e tranquila de noite e o vento toma conta de tudo, combinado ao barulho das ondas. Sentada na areia, com um cara super gente boa ao meu lado, só conseguia pensar em como o vento forte e frio poderia varrer os resquícios do tumor que haviam se espalhado pelos meus linfonodos, podendo me deixar com uma vida inteirinha pela frente sem qualquer apreensão.

- Alessa... - Caleb sorriu.

- Oi, me desculpe. - sorri e olhei para ele. Não era possível alguém ser tão bonito assim.

- Sobre o que estava pensando?

- Ah... - não comece com essa droga de "eu tenho câncer!" - Só que nós não somos nada na imensidão que é o mar, a terra, o céu, a galáxia... - bela mudança de assunto, assim parece que você fumou uma verdinha Alessa!

- Uau! Uma garota que gosta de filosofar. - ele brincou, nos fazendo rir.

- É sério. Tudo isso que nós fazemos para deixar alguma lembrança aqui não é absolutamente nada, mas nós continuamos tentando e não enxergando que isso não vai fazer diferença alguma. Isso não te assusta?

- Nunca parei para pensar em deixar alguma lembrança nesse mundo. - ele olhou para o horizonte e acrescentou - Feche os olhos e sinta essa imensidão então... Parafraseando o que você disse, nós somos só uma poeirinha mínima aqui...

- E você está me chamando de filósofa. - revirei os olhos enquanto ele deu de ombros.

Continuamos conversando sobre as maiores besteiras e nossos maiores desejos mas já passava das onze quando minha cabeça resolveu identificar que meu corpo não estava bem. As dores voltaram, sinal de que precisava tomar alguns remédios. Droga! Os remédios do enjôo! O vento estava mais frio e o mar mais escuro e revolto, fazendo com que minha consciência começasse a querer escapulir. Estava passando mal, talvez muito mal, e estava numa praia com um garoto que mal conhecia tagarelando sobre idiotices.

- Você está bem? - assenti. - Você está mais branca do que um fantasma! - nós sorrimos.

- Eu estou ótima! - nada do que algumas técnicas de respiração não me acalmem até chegar em casa.

***

Depois de um mês e meio em Los Angeles, as minhas crises por causa do medicamento e o agravo da doença, ficaram mais difíceis de esconder. Eu passava mal a qualquer momento, vomitava sangue e ele escorria pelo meu nariz, algumas vezes até desmaiava. Você está morrendo mais rápido porque quer. O tratamento está lá, esperando você. Não querendo pensar nas etapas do tratamento, me prendi as memórias fresquinhas em minha mente. As aventuras nas quais Caleb havia me metido foram épicas e quase fomos presos. Desde simples margueritas em bares a comprar e fumar nosso primeiro e último baseado.

- Nós não vamos repetir isso! - ele disse com autoridade depois de algumas horas que o efeito havia passado. Concordei assiduamente ainda sorrindo.

As ligações para casa, para Greta e para Carl eram diárias. Falar com eles era uma das melhores partes do meu dia.

Alguns dias antes...

- Sua mãe me contou que você está namorando Al! Como não disse nada antes?

- G, não acredite em tudo que a mamãe diga. Eu não estou namorando!

- Mas então, quem é esse Caleb?

- Ele é neto do namorado da vovó. Sim, ele é lindo e sim, nós já nos beijamos algumas vezes...

- Vocês transaram? - não respondi, fazendo com que Greta soltasse uma risada sonora carregada de sarcasmo. - Não precisa mais responder... Como foi?

- Foi... legal?

- Você está me perguntando se foi legal? Al, quem transou com o gato bronzeado da Califórnia foi você, não eu!

- Bem, foi uma experiência nova e meio dolorida para mim. Isso responde sua pergunta?

- Não. - ela sorriu. - Por que transou com ele? Ainda está na fase eu vou morrer e vou aproveitar tudo?

- Sim. - disse revirando os olhos.

- O Caleb sabe sobre..

- Não! - a interrompi. - Ele não precisa de toda essa merda. E eu não preciso de mais um me olhando como se eu fosse um cachorro que ninguém quer adotar. Isso é mais do que cansativo.

- Tudo bem. - ficamos em silêncio por alguns minutos, apenas ouvindo a respiração da outra. - Estou com saudade de você Al. Quando você volta?

- Isso não é algo que eu possa ter certeza, G.

- Odeio quando você está toda mórbida. Você não pode morrer ainda. Nós temos muita coisa para fazer...

- G, preciso que você me prometa uma coisa. - ela murmurou para que eu continuasse. - Quando isso tudo acabar, gostaria que você fosse até o consultório do Carl e conversasse com ele.

- Por que eu iria ver seu psicólogo?

- Talvez ele tenha algumas respostas para você. E então você entenda a minha decisão.

- Nós podemos mudar de assunto?

- Só me diga que você vai. Por favor. - suspirei e ouvi Greta fazendo o mesmo. - É importante para mim que você faça isso.

- Ok. Mas odeio você! - e desligou.

Greta estava empenhada em me fazer sentir melhor, ao menos que psicologicamente, e eu apreciava essa parte dela. Mas por que ela não poderia entender que seria melhor para mim simplesmente virar uma poeirinha? Até sendo uma poeirinha eu a incomodaria, ela só precisava se lembrar disso.

Caleb agora frequentava diariamente a casa da minha avó, as vezes vinha sem que Paul soubesse e tentava me arrastar para fora da residência, sem muito sucesso, já que meu corpo estava fraco e debilitado. Dr. Richards não mentiu sobre os efeitos colaterais do remédio.

- Não quer sair por que seu amigo vai te ligar? - Caleb sabia sobre Carl, só não sabia que era apenas meu amigo, sem segundas intenções. - Você não deveria ficar me beijando quando tem um namorado caipira no Winsconsin!

- Caleb! Já disse que o Carl é realmente só meu amigo... ele é casado e tem filhos!

- E seus pais deixam você ficar com um cara casado? - ele sorriu e deitou-se ao meu lado.

- Cala essa boca! - toquei meus lábios rapidamente nos dele.

- Acho que hoje a praia estará ótima!

- Podemos apenas ficar aqui? - pedi ainda com os olhos fechados. - Não estou me sentindo muito bem.

- Você está doente? É gripe?

- É um pouquinho mais sério do que isso...

- Então o que? - ele sentou na beirada da minha cama. - Você não me passou sapinho, não é? - perguntou curioso, depois de várias vezes que havíamos nos beijado.

- A sua capacidade de me fazer sorrir num momento como esse é extraordinária!

- Alessa, fala logo.

- Não é nada Caleb, não se preocupe. - sorri fraco para ele quando se deitou ao meu lado.

- Você não está grávida, está?

- Por Deus Caleb! - tentava não sorrir para que meu corpo não doesse, mas depois dessa pergunta eu poderia aguentar um pouquinho de dor. - Claro que não!

- Então o quê? Você está estranha comigo, e Paul disse que você vive passando mal. Não me diga que está grávida do velhote com família! - por mais que ele estivesse tentando me alegrar, sabia que precisava contar a verdade.

- Ah... - Agora é a hora! - Eu tenho uma doença séria sabe... Tenho câncer. Câncer de mama. Câncer em um estágio avançado. Estágio três. - comecei a balbuciar as várias informações que tinha sobre a minha condição e percebi que Caleb estava cada vez mais vermelho. Não sinta pena de mim ou eu odiarei você!

- Por que não me contou antes? - ele disse mais sério.

- Achei que isso não fosse importante...

- Não fosse importante? - ele bufou e revirou os olhos - Alessa você está maluca? Você está doente e fica fazendo todas as loucuras que vêm a cabeça! - ele levantou abruptamente da cama e semicerrou os olhos para mim. Raiva é melhor que pena.

- Eu precisava fazer essas coisas, eu não vou durar muito mais de qualquer jeito...

- E por que não faz o tratamento? Você não pode ficar aí sentada esperando a morte!

- Caleb, relaxa! O câncer é meu, e se eu não estou preocupada, você também não deveria estar!

- Eu não vou conseguir relaxar com você doente e morrendo a cada segundo.

- Não gaste seu tempo com isso... Tempo é dinheiro e ele não vai voltar! - disse, já frustrada com o rumo da conversa.

- Mas... Você precisa se tratar.

- Não, não preciso. - e lá estava a pena no olhar dele. - Não quero que você sinta pena de mim, logo isso acaba e você esquece ou sei lá o que. Você não sabe o quão importante foi nessas últimas semanas, me mostrando tanta coisa nova e me deixando experimentar cada uma delas.

- Você não está se despedindo de vez, está?

- Não sei...

- Por que você não me disse isso antes?

- Uma vez eu te disse que nós sempre estamos fazendo as coisas para deixar alguma lembrança aqui... - ele assentiu. - Bem, basicamente, eu não quero ser lembrada como a garota do câncer, por isso não gosto de falar sobre isso.

- Eu não vou me lembrar de você assim... - nós sorrimos e ele voltou a deitar-se ao meu lado, me abraçando. - Você sempre foi cheia de vida e nunca dizia não para as coisas absurdas que eu propunha... E isso é bem legal.

- Espero que seja isso que todos pensem quando eu for.

- Você está muito mórbida! - ele sorriu e começou a me puxar para fora da cama. - Vamos a praia! Gosto mais de você filósofa do que assim pré-morte.

- Você se lembra quando disse que somos só uma poeirinha no vento? - perguntei tentando lembrar de todas as vezes que havíamos estado ali no pôr do sol. Ele assentiu.

- Já disse que lembro... O que tem isso? - ele sorriu quando não quis falar mais. - Aonde você está querendo chegar Alessa?

- Só estou pensando... Toda vez que você ver uma poeira, fique amigo dessa poeira e leve ela para passear na praia. - ele semicerrou os olhos mas acabou caindo na gargalhada.

- Você fumou alguma coisa?

- Não seu besta! - nós sorrimos. - Eu serei a poeirinha que te pertuba para você me trazer na praia!

- Entendi! Então estamos combinados.

***

- Então, como você está? - Carl perguntou, como em todas as outras vezes que havíamos nos falado.

- As dores diminuíram sem que eu tomasse o remédio, o que foi um alívio. Ah, e fui a praia hoje! E você?

- Você não vai à praia todos os dias por que não quer... - brincou. - Estava ajudando o Junior com o dever de física e lembrei de você.

- Isso é ótimo! Sobre o que era?

- O que você acha? - ele sorriu. - Ele precisava fazer uma dissertação sobre partículas. Trabalho de férias.

- Se você tivesse ligado antes, eu teria dado uma aula para ele, afinal, todos sabem que sou muito melhor em física do que você! - desdenhei, nos fazendo sorrir.

- Estou emocionado pela parte que me toca, fisinerd! - não me incomodava mais o apelido maldoso, agora ele era até engraçado.

- Você se lembra da carta?

- Ah... sim. - ele demorou para responder. - Aconteceu alguma coisa?

- Não, ainda não. Mas acho que não está longe...

- Por que acha isso?

- Não estou sentindo tantas dores e...

- E...? - pediu para que continuasse.

- Talvez eu esteja sentindo alguma coisa tomando conta de mim... É uma sensação ambígua de alívio e medo.

- As vezes você me assusta com o que fala, mocinha.

- Desculpe por isso. Preciso ir, boa noite Carl! Você é um grande amigo!

- Além de seu psicólogo! - nós sorrimos. - Boa noite Alessa!

*

O que Caleb, vovó, Paul, mamãe, papai, Greta, Carl e, principalmente eu, não imaginávamos, era que naquele fim de tarde, depois que voltei para a casa da minha avó e falei com Carl, passei muito mal, com mais uma sequência de vômitos e fui parar no hospital. Paul e vovó ainda tentaram fazer alguma coisa antes de chamar a ambulância, mas quando lá cheguei, já estava inconsciente devido a grande quantidade de sangue perdido no caminho. A equipe médica tentou me trazer de volta mas não teve muita coisa para ser feita. Eu já havia me entregado ao vento e ele já havia me levado.

Carta para Carl.

Oi Carl! Antes de começar de fato, obrigada por fazer isso por mim. Obrigada por me ouvir. Obrigada pela sua amizade.

Gostaria que você lesse essa carta para as pessoas referidas. Não entregue nada a ninguém, a carta é sua.

Ah, Caleb sente ciúmes da nossa amizade. Quão fofo ele pode ser? Acho que nós formaríamos um belo casal. Analise isso sr. sabe tudo de todos! - estou revirando os olhos para você!

Agora vamos às cartas.

Para mamãe e papai:

Mãe, eu sei que vai ser difícil para você. Desde o início disso foi, não é? Mas não quero que você chore muito por mim. Você é nova, saudável e pode ter outros filhos. Eu adoraria um irmãozinho!

Me desculpe por não fazer as suas vontades, mas eu precisava viver essa experiência para aprender que eu não era apenas aquela filha exemplar para você. Eu precisava sair um pouco dos limites e quebrar algumas regras. Eu não sou perfeita, e nem nunca fui. Tentava ao máximo ser o que você queria, e não pense que estou reclamando, porque eu não estou! Eu agradeço os seus ensinamentos, mas precisava tentar coisas novas, coisas que você achava bobagem, mas eu era adolescente e seria o máximo de rebeldia que eu conseguiria. Me desculpe pelo que farei na Califórnia! (estou rindo enquanto escrevo isso!)

Pai, obrigada por tentar entender! Mas me desculpe por você ser otimista em minha frente sendo que você estava um caco por trás. Obrigada por tudo que você já fez por mim e por todas as vezes que você me levou para a biblioteca. Aquele era meu lugar favorito em todo o mundo!

Eu não tenho o que reclamar de vocês! Vocês foram os melhores pais que eu poderia imaginar, mas não se prendam a mim, eu estou bem! E aonde quer que eu esteja, eu estarei com vocês! Eu sempre amarei vocês!

Para vovó:

Vó, desculpa por chegar em sua casa com essa bomba de doença. Eu sei que aqui na Califórnia serão meus últimos dias, mas não queria preocupar você. Obrigada por me afastar um pouco de casa. Gostaria de ser mais igual a você... Sempre viajando e buscando por novas experiências, sem medo do que possa acontecer. Você sempre irá me lembrar da experiência do gato de Schrödinger, não por achar que você está viva e morta ao mesmo tempo (você é viva demais!), mas porque você pode ou não surgir com uma ideia maluca ao mesmo tempo. É sempre essa loucura perto de você e eu amo isso! (se ficar em dúvida, pergunte ao Carl sobre o gato, ele é tão bom em física quanto eu!) obrigada por ser a avó que faz biscoitos e leite quente quando preciso e que me chama para frequentar o sexy shop depois! Amo muito você!

Para Greta:

G, obrigada! Sei que ficamos por tanto tempo sem trocar um oi no corredor da Madison, ou na rua, no shopping ou em qualquer lugar. Isso é culpa minha! Eu como sua melhor amiga, deveria ter apoiado você quando entrou para as líderes de torcidas, mas eu não poderia mudar. Eu sempre fui como sou e não gostaria de mudar. Eu não queria mudar. Eu amo ser a fisinerd, a não-descolada, a que todos pedem cola, a que vai sem par para a formatura, a mimada pelos pais, a aluna de honra do colégio. Eu amo tudo isso. Isso é o que eu sou e você sempre aceitou isso tão bem. Eu não queria aceitar a sua mudança e foi por isso que nós passamos dois anos afastadas. Me desculpe. Eu amo você. Você é a minha melhor amiga, a que me fez rir desesperadamente por besteira e que me acolheu quando precisava chorar por coisas sérias. Você foi a minha base desde os meus quatro anos e você sempre será.

G, mesmo que você não aceite as minhas decisões, eu estou indo para a Califórnia no início do verão e você só saberá isso de mim um dia antes. Eu sou péssima com despedidas e você sabe disso. Sei que você vai ao aeroporto comigo e provavelmente vai chorar com a minha mãe (estou revirando os olhos para isso!), mas por favor, que essa seja a última vez que você chore por mim. Eu não quero que você chore! Odeio ver você chorando. O seu sorriso é tão lindo que deveríamos emoldurá-lo! Voltando... Eu já disse que a minha decisão está tomada e eu não vou mudar. Depois que Carl me disse que estava autorizada a viajar para Los Angeles, eu fiquei feliz e depois pensei que eu teria que deixá-la de vez e meu cérebro teve uma síncope. Nós acabamos de voltar a nos falar e eu vou sumir. Me perdoe por isso, por favor. Eu só preciso estar longe daqui quando isso acontecer. Por favor, me entenda! Eu amo você e nunca vou abandoná-la de fato!

Essa parte da carta é para você, Carl:

Carl, se você está lendo essa carta, quer dizer que eu já não estou mais no mundo dos vivos. - estou revirando meus olhos no momento - e antes de começar a realmente falar do além com você, lembre-se que a carta deve ficar com você.

Eu não sei como fazer uma carta de despedida - é isso o que essa carta representa, a minha despedida. - por vezes eu tentei soar menos fúnebre, sei que você não gosta quando falo assim, mas eu sinto que estou indo embora, e não tive coragem o suficiente para dizer isso na última vez que nos falamos, você estava animado por que a Janet vai cursar psicologia, eu não queria chegar com meus problemas e estragar a comemoração. E eu sei que você é meu psicólogo, mas a tempos já deixei de me sentir assim em relação a você. Você é o meu melhor amigo, aquela pessoa que eu conto quase tudo. Me desculpe pelo quase. As vezes eu preciso deixar as coisas só para mim.

Senti falta de você, da Donna e das crianças - eles são pouca coisa mais velhos do que eu, mas serão sempre crianças! - no aeroporto. Queria ter lhe dado um último abraço. Sei que não voltarei para Sheboygan, sei que não durarei muito mais tempo e queria ter uma última consulta com você. Eu lhe diria que estou com medo, com dores, com vontade de fazer os tratamentos... mas agora é tarde. Eles não vão ajudar, eu sinto isso. Para mim, é estranho sentir que estou morrendo. É um sentimento diferente de tudo que eu já vi na vida. Carl, me desculpe por não ter dito nada antes, eu sei que você gostaria de ter me ouvido - você e Caleb eram os únicos que ainda me ouviam. - você teria discutido comigo se eu tivesse exposto meus medos, mas agradeço por você ter parado de tentar me analisar como se ainda fosse sua paciente. Não sei se você notava quando eu estava trêmula e estava louca para dar com a lingual os dentes. Eu sempre fui ótima para guardar segredos, menos de você, então foi bem difícil para mim.

Nesses últimos dias, me sinto mais leve depois das minhas crises. Ah, estou passando muito mal, desculpe-me por não poder ligar em certos momentos. Estou tendo uma crise de riso ao escrever essas coisas desconexas para você... que bom que você sabe que sou mais inteligente do que isso!

Eu acho que vou finalizar por aqui. Não quero que você me odeie por não ter tentado mais, tudo bem? Eu acho que minhas decisões, apesar de egoístas, foram boas. Boas para mim e para a minha paz de espírito.

Muito obrigada por ser meu amigo. Gostaria de tê-lo encontrado antes. Dê um beijo na Donna, Junior e na Janet em meu nome. Sentirei saudade. Amo você Carl!





FIM



Nota da autora: Existe uma parte dois da fic, e vocês podem ler nesse link.





Outras Fanfics:
Uma Carta Para Alessa, 13. Una Canción, 10. All I Ask, Between Law & Crime, A Loira do Biquini Azul, A Final do Vôlei e Five Months of Love.


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