Capítulo 1
Algumas pessoas dizem que os amigos que você faz no Colégio serão aqueles que irá se lembrar pelo resto da vida, outros dizem que após a formatura a única memória que vai sobrar será de um rolê combinado pelo Whatsapp que nunca chegará a acontecer. Eu não acredito em nenhum dos dois pensamentos, prefiro não pensar muito no futuro e viver o presente, afinal, como diz aquele antigo lema: “Você só vive uma vez”.
Eu nunca fui popular, e também nunca dei importância a isso, meu círculo de amizade se resume a apenas três pessoas, ou como carinhosamente costumamos chamar: A Gangue. A Gangue é composta por mim, , Pedro e ; é meu amigo mais antigo, nos conhecemos aos dez anos quando me mudei para a mesma rua que ele mora. Ele adora falar sobre jogos de videogame, quadrinho e filmes de Heróis, talvez seja por isso que somos amigos por tanto tempo. Pedro é mais calado, ele não gosta muito de se enturmar e só entra no assunto quando estamos falando de alguma série de terror, suspense, mistério, policial, ou literalmente qualquer coisa relacionada a Sherlock Holmes.
E, finalmente, . Ela é a mais nova na Gangue, chegou na escola no meio do ano passado e, por algum motivo que ainda não entendo, começou a andar com a gente. é totalmente diferente de nós, ela tem perfil de garota popular, é extrovertida, engraçada e contagiante, qualquer coisa que sai da boca dela faz você ficar hipnotizado para não perder nenhum detalhe.
Neste momento estamos sentados em uma mesa na lanchonete perto da escola, que sempre vamos depois da aula, tomando milkshake enquanto conta a história de quando ela quase foi pega colando na prova pela professora de Matemática. Observo seu rosto, achando adorável a forma como ela gesticula e faz caretas enquanto fala, e solto uma risada quando ela imita voz da professora lhe repreendendo.
Dedico mais um pouco de tempo olhando-a. Não sei o porquê, mas acho extremamente encantadora a forma que ela sorri, e o som de sua risada é tão cativante que faz você querer rir junto, independente do que ela disse ser realmente engraçado ou não. Bem, talvez eu saiba o porquê, só não quero admitir para mim mesma.
Suspiro e desvio minha atenção para o copo em minhas mãos, remexendo o canudo dentro dele, e percebo de canto de olho me olhar como se eu fosse o último Serenata de Amor da caixa de bombons. Faz alguns meses que isso vem acontecendo, ele me lança olhares estranhos e desconfortáveis com bastante frequência, está sempre arrumando alguma desculpa para me abraçar ou segurar a minha mão e se oferece para fazer coisas para mim que não preciso de ajuda. Uma vez ele chegou a dizer que gostaria de ser muito mais do que meu amigo, mas graças a Deus chegou na hora e me salvou de ter que responder. Infelizmente nos afastamos bastante porque não me sinto mais tão a vontade perto dele e ainda não tenho a coragem de dizer o porquê não posso gostar dele, nem se eu quisesse.
— Ei, , você pode comprar outro milkshake pra mim? — chamo a atenção dele, que o faz pular na cadeira.
— C-claro — ele responde e se levanta antes que eu pudesse lhe dar o dinheiro.
Suspiro aliviada porque não aguentava mais o olhar dele em cima de mim, estava quase ficando ao ponto de explodir.
Volto a atenção para , que agora contava a história de quando ela quase viu o irmão se masturbando no banheiro, que havia sido descuidado e deixado a porta destrancada.
Infelizmente, cinco minutos depois já está de volta, carregando um copo gigante de milkshake e me fazendo arregalar os olhos. Ótimo, agora quero saber como vou fazer para tomar tudo isso, já que nem estava com vontade, para início de conversa.
— , é muito coisa, eu não vou conseguir tomar tudo isso sozinha.
— Eu posso tomar junto com você... — ele declara e percebo que haviam dois canudos no copo. Então foi tudo planejado? Patético
Dou uma rápida golada na bebida e faço uma careta antes de dizer:
— Hum, acho que já estou cheia, você pode ficar com tudo. — empurro o copo em sua direção e o sorriso em seu rosto some.
— , preciso falar com você sobre uma coisa...
— Então, gente, o que vocês vão fazer mais tarde? — pergunta, desviando o assunto.
— Eu vou pra casa maratonar Dark — responde Pedro, dando de ombros.
— Eu tenho que estudar pro vestibular — digo.
— Eu posso te ajudar. — se prontifica. — Não precisa, vou estudar História e Filosofia.
faz uma careta porque são as matérias que ele mais odeia, como vários estudantes que prefere Exatas, ele diz que História é só coisa velha e Filosofia são teorias malucas que nunca foram realmente provadas pela ciência.
— Nossa, vocês são muito chatos, sério, não acredito que vou ter que assistir Guerra Infinita sozinha! — protesta.
— Eu vou com você! — praticamente grita.
Suspiro aliviada por ter a atenção dele desviada de mim mais uma vez. Por um momento sinto pena de , já assistiu esse filme cinco vezes desde o lançamento, na semana passada, e assistir filmes de Heróis com é um tanto irritante, ele fica o tempo todo dizendo que as coisas não acontecem daquele jeito nos quadrinhos e explicando como de fato acontecem, e simplesmente não te deixa assistir ao filme em paz. Só não me ofereço para ir junto porque provavelmente ficaria nervosa demais entre eles dois — e também porque eu realmente preciso estudar Filosofia.
Nos despedimos e cada um segue para o seu destino. Quando chego em casa, vou direto para o quarto — não estava com fome por causa do milkshake. Tomo um banho e começo a revisar a matéria da semana. Faço alguns resumos e exercícios, mas infelizmente não consigo me concentrar por mais de duas horas por estar ansiosa demais pensando no que e poderiam estar fazendo ou conversando no cinema, então decido assistir uma nova série lançada na Netflix chamada Everything Sucks!. Fico um tanto em choque pela semelhança entre a forma que ela age e fala e como eu tenho me sentido ultimamente, mais ainda quando ela diz em alto e bom som que é lésbica. Assisto todos os episódios de uma vez e só percebo que chegou a hora do jantar porque ouço minha mãe me gritar. Vou até a cozinha e ajudo-a a por toda a comida na mesa, me sentando em seguida.
— Por que você não chama o pra jantar aqui essa semana, ? Faz tempo que ele não vem aqui — minha mãe diz.
— Hum, ele anda bem ocupado estudando pro vestibular... — minto.
— Então chame ele pra vir estudar com você, duas cabeças pensam melhor juntas! Ele é um bom garoto, respeitoso, inteligente, você deveria namorar com ele, filha.
— Ele é só meu amigo, mãe! — respondo pela milésima vez que ela diz a mesma coisa.
— Eu e o seu pai também éramos amigos e olha como estamos agora, casados e felizes!
— Maria, deixe a menina! Ela ainda é muito nova pra isso, precisa de dedicar nos estudos e passar no vestibular para Direito — meu pai diz.
Claro que ele não iria deixar de citar o tão sonhado curso de Direito, pena que esse sonho é exclusivamente dele, porque eu quero mesmo é fazer Cinema, mas ele sempre diz que é coisa de vagabundo maconheiro e que nunca terei um futuro com isso.
— Tudo bem, não está mais aqui quem falou! — minha mãe ergue as mãos, se rendendo. — Vamos fazer a oração.
Todos damos as mãos e meu pai começa a oração. Como em silêncio enquanto minha mãe conta como foi seu dia no Salão, e meu pai, assim como eu, só balança a cabeça e diz algo monossílabo.
Após lavar a louça, volto para o meu quarto e percebo que está chovendo, e para mim não há nada mais relaxante do que o barulho que os pingos fazem ao atingir o chão, a inspiração surge e decido terminar um dos milhares de contos inacabados que estão perdidos pelas profundezas das pastas no meu Notebook. Quando termino, já passa da meia-noite, então finalmente me apronto para dormir, pois preciso acordar cedo para a escola.
Escuto um barulho na minha janela no meio da noite e me assusto porque eu sei que não é somente a chuva. Olho para o relógio e ele marca duas e vinte da manhã, me levanto e vou até a janela, encontrando no meio da chuva a figura de ao lado de fora da minha casa, segurando uma caixinha de som.
Que diabos ele tá fazendo aqui a essa hora? Quem ele pensa que é pra aparecer na minha janela às duas da madrugada? Agora ele foi longe demais, eu preciso acabar com isso de uma vez!
Sinto o sangue subir ao meu rosto e saio do quarto tão rápido quanto o Flash e nem ligo se vou acordar alguém. Abro a porta da frente com uma certa violência, não dando importância à chuva, e atravesso a varanda pisando firme, quando abro o portão e dou e cara com , puxo-o para dentro da casa sem nenhuma delicadeza.
— Que porra você tá fazendo aqui? São duas horas da manhã, ! — praticamente grito.
— E-eu queria te fazer uma surpresa.
— Você ficou maluco? Não pode simplesmente aparecer na porta da minha casa a essa hora da madrugada! E se tivesse acordado meus pais, hein? — Ele encara o chão, envergonhado, e eu suspiro. — Olha, eu tenho pisado em ovos com você, eu tento ser o mais educada possível, mas você passou dos limites.
— Eu amo você, . — ele tenta se aproximar e eu o empurro.
— Mas eu não amo você, , pelo menos não desse jeito. Meu Deus, a gente se conhece desde pequenininhos, você é como um irmão pra mim! Nós somos só amigos! A-M-I-G-O-S! Coloca essa merda na sua cabeça!
— Mas se você me der uma chance, a gente pode mudar isso...
— Eu não posso fazer isso, .
— Por que não? Eu...
— Porque eu sou lésbica! — grito, interrompendo-o.
O silêncio preenche o local e os únicos barulhos audíveis são os dos pingos de chuva se chocando contra o telhado, mas eles ainda parecem longe para mim porque a única coisa que ecoa na minha cabeça é a minha própria voz. me encara com os olhos arregalados e a boca aberta em descrença e eu suspiro, sentindo um peso sair das minhas costas. De repente o garoto se vira e corre para fora da minha casa, sem dizer mais uma palavra. Minhas pernas ficam bambas e caio ajoelhada sobre o chão, soluçando, as lágrimas escorrem pelo meu rosto como uma cachoeira, mas não me importo porque sei que esse choro estava entalado há tempos em minha garganta. Esse choro é de felicidade, felicidade porque, pela primeira vez na vida, eu me sinto livre.
●●●
Não consigo mais dormir depois do que aconteceu durante a madrugada, fico ansiosa demais pensando no que faria. Será que ele vai contar para os meus pais? Ou para todo mundo na escola? Não sei se estou pronta para enfrentar isso ainda, não quero que as pessoas me tratem diferente só porque não me encaixo no que é julgado certo, e meus pais são conservadores demais para entender que não é uma escolha minha.
Após alguns minutos olhando para o nada e pensando na possibilidade da minha vida ser totalmente mudada nas próximas horas, me obrigo a levantar da cama e me arrumar para a escola porque a semana de provas e simulados está chegando e não posso perder nenhuma explicação ou revisão.
Não consigo comer nada durante o café, pois sinto meu estômago embrulhar devido à ansiedade, tenho a impressão de que se eu colocasse qualquer coisa dentro da minha boca, iria vomitá-la no segundo seguinte. Percorro os trinta minutos de caminhada até o colégio sozinha, normalmente pego carona na bicicleta do , mas é óbvio que ele não apareceria hoje depois do que aconteceu. Só pensar nisso me dá náuseas, e para pior ainda mais a minha situação, meu fone de ouvido havia quebrado no dia anterior, então sou atormentada durante todo o caminho pelos meus cruéis pensamentos.
Quando finalmente chego à sala, jogo o corpo sobre a habitual carteira no canto direito do cômodo e apoio a testa sobre os braços cruzados na mesa, suspirando.
Por que eu fui fazer aquilo? Não deveria ter contado aquilo tão de repente, deveria ter esperado o momento certo!
Tenho os pensamentos interrompidos por um barulho na carteira ao lado e finalmente levanto a cabeça, encontrando uma sorridente — não sei como ela consegue ser tão feliz às sete horas da manhã.
— Nossa, você tá péssima! Parece que bebeu todas e virou noite no meio da rua, tá precisando passar uns rebocos nessas olheiras — ela comenta, se sentando ao meu lado.
— Queria eu ter bebido alguma coisa. — Suspiro. — apareceu na minha casa às duas da manhã e nós brigamos, não consegui dormir depois.
arregala os olhos. Não sei o porquê eu ter contado a verdade à ela, talvez seja por ela sempre passar uma imagem de apoio, independente do que você tenha feito, ela sempre tenta ajudar. É uma das coisas que mais me encantam nela.
— Então ele foi mesmo na sua casa?
— Você sabia disso? — questiono, arqueando uma das sobrancelhas.
— Sim, ele me pediu umas dicas de como fazer para conquistar você e eu sugeri que ele te fizesse uma surpresa na sua casa, mas não imaginei que ele fosse aparecer de madrugada.
— De qualquer jeito, não faria diferença o horário porque eu nunca vou gostar dele desse jeito, somos só amigos. — Dou de ombros.
— Sério? Que bom! — ela diz e eu a escaro com o cenho franzido. — Quer dizer, que chata essa situação entre vocês, mas tenho certeza de que logo tudo vai voltar ao normal.
Balanço a cabeça em concordância, porém não tenho um pingo de esperança de que alguma coisa vai voltar a ser como antes, na verdade, acho que a tendência é só piorar.
— Escuta, você não quer ir para minha casa estudar depois da aula? Estou tendo um pouco de dificuldade em Física e queria alguém pra estudar comigo.
— Claro! — respondo, prontamente. — Eu adoraria.
— Beleza, então. Me encontra na entrada depois da aula.
Ela sorri e eu retribuo, o professor de Filosofia entra na sala e todos começam a retirar o material de dentro das suas mochilas. Não trocamos mais nenhuma palavra durante a aula, mas não consigo tirar o maldito sorriso do rosto.
●●●
As aulas passam se arrastando, olho o relógio na tela do celular a cada cinco minutos e não consigo me concentrar em nada pensando que pela primeira na minha vida eu ficaria com em um quarto sem mais ninguém. Apenas nós duas. Em um quarto. Sozinhas.
Quando o sinal finalmente toca, enfio tudo dentro da mochila com um certo desespero e em poucos segundos já estou na porta. me olha com a sobrancelha arqueada e ri, juntando-se a mim até a saída. Vinícius, o irmão mais velho dela, nos busca na porta da escola e seguimos para a casa deles. Os pais de são médicos, então raramente estão em casa, por isso ela passa a maior parte do tempo sozinha ou com a Gangue. sempre tenta arranjar alguma coisa para fazermos à tarde, seja desde ir à Praça assistir aos meninos jogando futebol à assistir filmes na sala de TV enorme que tem na casa na dela, mas geralmente ela convida todo mundo, por isso achei tão estranho só ter nós duas.
— Você não convidou os meninos? — pergunto assim que entramos na casa.
— Não, eu queria que fosse só uma coisa entre garotas, sabe? Os meninos me irritam um pouco às vezes, principalmente o — ela revira os olhos e eu rio, concordando com a cabeça. — Não tem problema ser só nós duas, né?
— Não! — quase grito. — C-claro que não.
— Que bom. — ela sorri. — Você tá com fome? Vou preparar alguma coisa pra gente comer.
se vira e começa a andar em direção à cozinha, então eu a acompanho, em silêncio.
Ela abre a enorme geladeira inox de duas portas — daquelas que sai água na porta e faz qualquer pessoa de classe abaixo da média, como eu, suspirar quando vê o comercial.
— Acho que vou fazer uns sanduíches, você prefere doce ou salgado?
— Doce — respondo enquanto me sento na cadeira rente ao balcão. se vira para mim e sorri.
— Eu também! Pão com casca ou sem?
— Com. Não sei por que as pessoas tiram a casca, é a melhor parte.
— Eu sempre digo isso! — ela retira todos os ingredientes que precisa e os espalha na bancada. — Meu irmão sempre diz que eu exagero demais, mas a casca está lá, é por algum motivo. — ergue os ombros e eu dou uma risada, concordando. — Gosta de Nutella?
— Hum... Na verdade, nunca comi — respondo, envergonhada, e seus olhos se arregalam.
— Como assim você nunca comeu Nutella? — ela diz em um tom horrorizado e eu dou de ombros.
— É um pouco caro, então minha mãe nunca me deixou comprar.
— Isso é um absurdo, ! Precisamos mudar isso agora mesmo!
A garota põe a colher dentro do pote oval e a retira segundos depois abarrotada com o creme, ela circula a bancada, caminhando em minha direção, e enfia a colher na minha boca antes que eu pudesse dizer alguma coisa. Sinto o sabor do chocolate e em seguida o amargo do avelã. É gostoso, porém não mais do que assistir levar a colher até os próprios lábios e lamber os resquícios do doce que havia nela.
— É gostoso, né? — ela questiona e balanço a cabeça freneticamente, ainda hipnotizada pelo movimento de seus lábios. — Eu te disse!
Ela sorri satisfeita e volta para o seu lugar inicial, ao outro lado do balcão. Ela lambuza o doce em cada lado de um pão e junta suas extremidades, repetindo o mesmo com mais três pares. Ela pede para que eu pegue o suco na geladeira e eu o faço, e logo depois seguimos para o quarto dela, largamos as mochilas no chão e nos sentamos na cama em posição de índio. O quarto de é tão grande quanto o resto dos cômodos da casa — desconfio até que seja maior que a minha casa — e é como o de uma adolescente dos anos 90: Tem pôsteres de bandas como Beatles, Nirvana, Oasis, The Smiths espalhados por todos os cantos.
— É tão estranho e ao mesmo tempo legal estar aqui sem os meninos, é tão... Tranquilo.
— Viu, só? Eu sabia que seria uma boa ideia não chamar os meninos, tem certas coisas que eles não entendem e eu não tenho mais paciência pra tentar explicar. — Ela dá uma mordida em seu sanduíche e eu faço o mesmo o com o meu. — Mas agora me conta, o que tá rolando entre você e o ?
— Nada, não tá rolando nada! Ele que fica me lançando uns olhares estranhos e ontem apareceu na minha casa de madrugada dizendo que me ama, mas eu não sinto nada por ele, eu... — Suspiro. — Eu posso te contar uma coisa? Você jura que não conta pra ninguém?
— Claro, o que foi?
Respiro fundo, enchendo o peito de ar, e esfrego as mãos na minha calça jeans, que estavam começando a suar devido ao nervosismo.
— Eu sou lésbica.
Espero que ela grite, arregale os olhos, pule da cama ou algo do tipo, qualquer coisa que demonstrasse surpresa ou pavor, mas já havia se passado vários segundos de silêncio e ela ainda continuava com a mesma expressão serena de sempre.
— Você ouviu o que eu disse? — pergunto e ela balança a cabeça em afirmação, mordendo seu sanduíche. — E não vai dizer nada?
— Eu já sabia. — Ela ergue os ombros e foi a minha vez de arregalar os olhos. Como assim ela já sabia? — Quer dizer, não sabia, mas desconfiava. Qual é, toda vez que eu ou qualquer outra garota tenta falar sobre garotos com você, você age indiferente. Sua crush pela Mulher-Maravilha e a Gal Gadot é um pouco intensa pra alguém hétero, além disso, você houve Hayley Kiyoko demais, então eu só juntei as pontas.
Fico alguns instantes encarando-a, boquiaberta. Eu não sei o que dizer ou como reagir, não sei se estou mais chocada pelo fato dela dizer tudo isso com tanta naturalidade ou por ela ter reparado em mim o suficiente para descobrir os detalhes que me denunciavam.
Acho que ela percebe a minha luta interna porque deixa seu lanche de lado e segura minhas mãos entre as dela, sorrindo em forma de conforto.
— Ei, não tem nada de errado com você, ok? Eu sei que é um pouco assustador no começo, mas com o tempo você vai ver como é bom se sentir livre pra ser quem você realmente é e a opinião das outras pessoas não será mais tão importante. Eu sou bissexual, já namorei com algumas meninas antes de namorar o Samuel — ela diz com naturalidade e meus olhos ficam alarmados de novo. — Você tem sorte em não gostar de meninos, sério, eles são nojentos e babacas, só dão dor de cabeça. — revira os olhos e depois nós duas rimos. — Amor é amor, não importa o gênero.
Ela sorri e se inclina um pouco em minha direção, envolvendo-me com os braços. Suspiro, me sentindo amparada pela primeira vez. Eu nunca tive com quem conversar sobre esse tipo de coisa, nunca tive em quem confiar para contar os meus segredos e aflições, nunca tive alguém para me abraçar e dizer que tudo ficaria bem.
— Obrigada por me ouvir e me apoiar, — digo, timidamente.
— Ah, que isso! Imagina, não precisa agradecer! É pra isso que servem os amigos, né?
Balanço a cabeça em concordância e sorrio, tentando não demonstrar a minha frustração.
Infelizmente nunca seremos nada mais do que amigas.
Terminamos nossos lanches em silêncio enquanto um filme qualquer passa na televisão. Entediada, suspira e joga o corpo, deitando-se sobre a cama, e eu a acompanho. O silêncio continua pesando o ar, então resolvo iniciar uma conversa:
— E aí, como vão as coisas com você é o Samuel? — questiono e ela suspira.
— Terminamos — ela responde, cabisbaixa, e meus olhos se arregalam.
— Nossa, eu não imaginava. Sinto muito.
— Tá tudo bem, foi melhor assim, eu já não gostava dele do mesmo jeito. — dá de ombros. — Eu fiquei um pouco aliviada quando ele terminou comigo, mas ao mesmo tempo fiquei muito magoada porque ele agiu de uma maneira tão fria, como se eu não fosse importante na vida dele e esses dois anos de namoro que passamos juntos não significassem nada.
Vejo lágrimas se acumularem em seus olhos e meu coração aperta. Viro-me de lado e estico a mão até a dela, segurando-a entre os dedos e fazendo um leve carinho em sinal de conforto, e ela também se vira de frente para mim.
— Sabe o que eu acho? Eu acho que foi ele quem saiu perdendo. Você é uma garota incrível, é linda, inteligente, divertida, engraçada, extrovertida, todos adoram você! Se eu tivesse no lugar dele, não deixaria você escapar.
— Você acha mesmo que eu sou tudo isso? — ela diz em um tom de surpresa.
— Claro que sim. Você é perfeita.
Um sorriso enorme se forma em seus lábios, iluminando todo o seu rosto, e seus olhos brilham de uma maneira hipnotizante. leva uma de suas mãos ao meu rosto, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha, e com o polegar ela acaricia a minha bochecha. Ela passeia os dedos sobre meus lábios, e seu olhar é direcionado à minha boca.
E então tudo acontece em câmera lenta, começa a se aproximar de mim, e eu fico imóvel, sem saber como reagir, enquanto seu rosto fica cada vez mais próximo do meu. Quando nossos lábios se encontram, sinto como se algo tivesse explodido dentro de mim, uma mistura intensa de sensações se apossa do meu corpo, deixando-me completamente eletrizada.
Eu estou tendo meu primeiro beijo. Eu estou tendo meu primeiro beijo com uma garota. E não é apenas uma garota, é a .
Não sei como agir, afinal, nunca havia feito isso antes, então levo minha mão até o rosto dela e repito os mesmo movimentos que ela faz sobre a minha boca.
Sinto gosto de Nutella. O beijo de tem gosto de Nutella.
De todas as vezes que fantasiei o meu primeiro beijo — muito mais com atrizes ou cantoras famosas do que com alguém que eu conheça de verdade — nenhuma se compara a ter os lábios de sobre os meu, sentir o seu calor sob a palma da minha mão e seu sabor em minha língua.
O ar começa a faltar em meus pulmões, mas não quero parar porque tenho medo de que tudo isso seja apenas um sonho, no entanto, começa a se afastar de mim, me fazendo suspirar em frustração.
Ela me encara por alguns instantes e morde o lábio inferior, agora avermelhado e inchado, parecendo apreensiva com a minha reação.
— Uau! Isso foi...
— Meu primeiro beijo — declaro e seus olhos se arregalam.
— Ai, meu Deus, me desculpa! Eu não deveria ter feito isso! — Ela diz em tom de desespero e começa a levantar, porém seguro em seu braço.
— Não, tá tudo bem, eu... Gostei. — Mordo o lábio inferior e encho o peito de ar, soltando-o pela boca. — Eu gosto de você, , muito, muito mesmo.
— Eu também gosto de você, , muito, muito mesmo.
Nós duas rimos e ficamos quietas por alguns instantes, apenas olhando nos olhos uma da outra, aproveitando o momento e absorvendo tudo que havia acabado de acontecer.
— Eu posso te beijar de novo? Eu quero muito fazer isso — ela pergunta, insegura, e eu não hesito em concordar com a cabeça e trazer eu mesma o rosto dela de encontro ao meu.
rola sobre a cama, apoiando um joelho de cada lado do meu corpo e ficando por cima de mim, intensificando o beijo, em seguida, seus lábios se arrastam pelo meu queixo até o pescoço, onde ela começa a dar rápidas sugadas. Ofego e aperto sua cintura entre os dedos. Meu Deus, isso é bom demais.
Não demora muito até os lábios de estarem sobre os meus de novo, arrancando todo o meu fôlego, até fazer o peito doer, e me obrigando a me afastar.
— Acho melhor... A gente... Dar... Um tempo... — digo, ofegante, e ela ri, maneando a cabeça.
Fico alguns segundos encarando o teto do quarto dela, o peito subindo e descendo descontroladamente e o coração batendo forte no peito, porém não consigo tirar o sorriso enorme estampado em meu rosto.
Eu simplesmente não consigo acreditar em tudo que aconteceu há apenas alguns minutos, ainda acho que vou ouvir o despertador tocar, me acordando daquele sonho.
Sinto os dedos de se encontrarem com os meus no espaço que nos separava sobre a cama e viro o rosto, encontrando-a sorrindo tanto quanto eu. Nos aproximamos mais, ainda de mãos dadas, e ela apoia a cabeça no meu ombro. sugere vermos um filme, e eu confirmo, porque não teria cabeça pra estudar agora e só queria aproveitar um pouco mais de sua companhia. Ela coloca o filme “Nunca Fui Santa”, dizendo ser o filme mais engraçado e fofo que ela já havia visto, mas não consigo prestar atenção nele, pois estou vidrada demais observando o rosto de , quero memorizar cada detalhe do dia de hoje para caso isso seja mesmo só um sonho.
Passamos o resto da tarde assim, deitadas na cama dela, conversamos um pouco e damos mais alguns amassos, obviamente, até minha mãe me ligar dizendo que eu deveria voltar para casa e ajudá-la a preparar a janta, o que nos fez resmungar em descontentamento, e me leva até a porta.
— Tem certeza que não quer que meu irmão te leve em casa? — pergunta pela milésima vez.
— Tenho, são menos de dez minutos até em casa, posso ir andando. — Ela morde o lábio inferior, ainda receosa. — Ei, não precisa ficar preocupada comigo, eu vou ficar bem.
— É claro que preciso ficar preocupada, você é minha namorada! — ela diz, exasperada, e eu sorrio, puxando-a para um selinho. — Me avise quando chegar em casa, ok?
Afirmo com a cabeça, ainda um tanto aérea por ouvir ela me chamar de namorada. Não tínhamos oficializado nada ainda, mas estou feliz por ela já me considerar sua namorada.
me abraça e segura meu rosto entre as mãos, me dando um longo selinho. Quando começo a me afastar, ela segura em minha mão, impedindo-me.
— Ei, quer ir no cinema comigo amanhã? Não consegui entender nada com o falando o tempo todo. — Ela revira os olhos e eu emito uma risada.
— Bem-vinda ao meu mundo, passo por isso há sete anos.
Tento brincar, porém me sinto triste pela situação com o . Apesar do que aconteceu, ainda o considero meu melhor amigo. Acho que ela percebe a minha tristeza, pois levanta meu rosto em sua direção e diz:
— Vai ficar tudo bem entre vocês, , logo logo vocês vão voltar a ser aquela dupla imbatível de novo, você vai ver.
Sorrio fraco e concordo com a cabeça, ela me puxa pela mão e me dá um beijo intenso, me deixando radiante novamente. Meu celular vibra no bolso e eu resmungo, me afastando dela.
— Preciso ir ou minha mãe vai me dar uma bronca e não vai querer me deixar voltar aqui. — Estico-me e lhe dou um selinho. — Tchau, namorada.
Me viro, porém percebo de canto de olho ela sorrir com as palavras que saíram da minha boca. Começo a caminhar para longe, sem conseguir tirar o sorriso do rosto e me sentindo mais feliz do que jamais estive em toda a minha vida.
Bem, parece que agora somos muito mais do que apenas amigas, afinal das contas.
Eu nunca fui popular, e também nunca dei importância a isso, meu círculo de amizade se resume a apenas três pessoas, ou como carinhosamente costumamos chamar: A Gangue. A Gangue é composta por mim, , Pedro e ; é meu amigo mais antigo, nos conhecemos aos dez anos quando me mudei para a mesma rua que ele mora. Ele adora falar sobre jogos de videogame, quadrinho e filmes de Heróis, talvez seja por isso que somos amigos por tanto tempo. Pedro é mais calado, ele não gosta muito de se enturmar e só entra no assunto quando estamos falando de alguma série de terror, suspense, mistério, policial, ou literalmente qualquer coisa relacionada a Sherlock Holmes.
E, finalmente, . Ela é a mais nova na Gangue, chegou na escola no meio do ano passado e, por algum motivo que ainda não entendo, começou a andar com a gente. é totalmente diferente de nós, ela tem perfil de garota popular, é extrovertida, engraçada e contagiante, qualquer coisa que sai da boca dela faz você ficar hipnotizado para não perder nenhum detalhe.
Neste momento estamos sentados em uma mesa na lanchonete perto da escola, que sempre vamos depois da aula, tomando milkshake enquanto conta a história de quando ela quase foi pega colando na prova pela professora de Matemática. Observo seu rosto, achando adorável a forma como ela gesticula e faz caretas enquanto fala, e solto uma risada quando ela imita voz da professora lhe repreendendo.
Dedico mais um pouco de tempo olhando-a. Não sei o porquê, mas acho extremamente encantadora a forma que ela sorri, e o som de sua risada é tão cativante que faz você querer rir junto, independente do que ela disse ser realmente engraçado ou não. Bem, talvez eu saiba o porquê, só não quero admitir para mim mesma.
Suspiro e desvio minha atenção para o copo em minhas mãos, remexendo o canudo dentro dele, e percebo de canto de olho me olhar como se eu fosse o último Serenata de Amor da caixa de bombons. Faz alguns meses que isso vem acontecendo, ele me lança olhares estranhos e desconfortáveis com bastante frequência, está sempre arrumando alguma desculpa para me abraçar ou segurar a minha mão e se oferece para fazer coisas para mim que não preciso de ajuda. Uma vez ele chegou a dizer que gostaria de ser muito mais do que meu amigo, mas graças a Deus chegou na hora e me salvou de ter que responder. Infelizmente nos afastamos bastante porque não me sinto mais tão a vontade perto dele e ainda não tenho a coragem de dizer o porquê não posso gostar dele, nem se eu quisesse.
— Ei, , você pode comprar outro milkshake pra mim? — chamo a atenção dele, que o faz pular na cadeira.
— C-claro — ele responde e se levanta antes que eu pudesse lhe dar o dinheiro.
Suspiro aliviada porque não aguentava mais o olhar dele em cima de mim, estava quase ficando ao ponto de explodir.
Volto a atenção para , que agora contava a história de quando ela quase viu o irmão se masturbando no banheiro, que havia sido descuidado e deixado a porta destrancada.
Infelizmente, cinco minutos depois já está de volta, carregando um copo gigante de milkshake e me fazendo arregalar os olhos. Ótimo, agora quero saber como vou fazer para tomar tudo isso, já que nem estava com vontade, para início de conversa.
— , é muito coisa, eu não vou conseguir tomar tudo isso sozinha.
— Eu posso tomar junto com você... — ele declara e percebo que haviam dois canudos no copo. Então foi tudo planejado? Patético
Dou uma rápida golada na bebida e faço uma careta antes de dizer:
— Hum, acho que já estou cheia, você pode ficar com tudo. — empurro o copo em sua direção e o sorriso em seu rosto some.
— , preciso falar com você sobre uma coisa...
— Então, gente, o que vocês vão fazer mais tarde? — pergunta, desviando o assunto.
— Eu vou pra casa maratonar Dark — responde Pedro, dando de ombros.
— Eu tenho que estudar pro vestibular — digo.
— Eu posso te ajudar. — se prontifica. — Não precisa, vou estudar História e Filosofia.
faz uma careta porque são as matérias que ele mais odeia, como vários estudantes que prefere Exatas, ele diz que História é só coisa velha e Filosofia são teorias malucas que nunca foram realmente provadas pela ciência.
— Nossa, vocês são muito chatos, sério, não acredito que vou ter que assistir Guerra Infinita sozinha! — protesta.
— Eu vou com você! — praticamente grita.
Suspiro aliviada por ter a atenção dele desviada de mim mais uma vez. Por um momento sinto pena de , já assistiu esse filme cinco vezes desde o lançamento, na semana passada, e assistir filmes de Heróis com é um tanto irritante, ele fica o tempo todo dizendo que as coisas não acontecem daquele jeito nos quadrinhos e explicando como de fato acontecem, e simplesmente não te deixa assistir ao filme em paz. Só não me ofereço para ir junto porque provavelmente ficaria nervosa demais entre eles dois — e também porque eu realmente preciso estudar Filosofia.
Nos despedimos e cada um segue para o seu destino. Quando chego em casa, vou direto para o quarto — não estava com fome por causa do milkshake. Tomo um banho e começo a revisar a matéria da semana. Faço alguns resumos e exercícios, mas infelizmente não consigo me concentrar por mais de duas horas por estar ansiosa demais pensando no que e poderiam estar fazendo ou conversando no cinema, então decido assistir uma nova série lançada na Netflix chamada Everything Sucks!. Fico um tanto em choque pela semelhança entre a forma que ela age e fala e como eu tenho me sentido ultimamente, mais ainda quando ela diz em alto e bom som que é lésbica. Assisto todos os episódios de uma vez e só percebo que chegou a hora do jantar porque ouço minha mãe me gritar. Vou até a cozinha e ajudo-a a por toda a comida na mesa, me sentando em seguida.
— Por que você não chama o pra jantar aqui essa semana, ? Faz tempo que ele não vem aqui — minha mãe diz.
— Hum, ele anda bem ocupado estudando pro vestibular... — minto.
— Então chame ele pra vir estudar com você, duas cabeças pensam melhor juntas! Ele é um bom garoto, respeitoso, inteligente, você deveria namorar com ele, filha.
— Ele é só meu amigo, mãe! — respondo pela milésima vez que ela diz a mesma coisa.
— Eu e o seu pai também éramos amigos e olha como estamos agora, casados e felizes!
— Maria, deixe a menina! Ela ainda é muito nova pra isso, precisa de dedicar nos estudos e passar no vestibular para Direito — meu pai diz.
Claro que ele não iria deixar de citar o tão sonhado curso de Direito, pena que esse sonho é exclusivamente dele, porque eu quero mesmo é fazer Cinema, mas ele sempre diz que é coisa de vagabundo maconheiro e que nunca terei um futuro com isso.
— Tudo bem, não está mais aqui quem falou! — minha mãe ergue as mãos, se rendendo. — Vamos fazer a oração.
Todos damos as mãos e meu pai começa a oração. Como em silêncio enquanto minha mãe conta como foi seu dia no Salão, e meu pai, assim como eu, só balança a cabeça e diz algo monossílabo.
Após lavar a louça, volto para o meu quarto e percebo que está chovendo, e para mim não há nada mais relaxante do que o barulho que os pingos fazem ao atingir o chão, a inspiração surge e decido terminar um dos milhares de contos inacabados que estão perdidos pelas profundezas das pastas no meu Notebook. Quando termino, já passa da meia-noite, então finalmente me apronto para dormir, pois preciso acordar cedo para a escola.
Escuto um barulho na minha janela no meio da noite e me assusto porque eu sei que não é somente a chuva. Olho para o relógio e ele marca duas e vinte da manhã, me levanto e vou até a janela, encontrando no meio da chuva a figura de ao lado de fora da minha casa, segurando uma caixinha de som.
Que diabos ele tá fazendo aqui a essa hora? Quem ele pensa que é pra aparecer na minha janela às duas da madrugada? Agora ele foi longe demais, eu preciso acabar com isso de uma vez!
Sinto o sangue subir ao meu rosto e saio do quarto tão rápido quanto o Flash e nem ligo se vou acordar alguém. Abro a porta da frente com uma certa violência, não dando importância à chuva, e atravesso a varanda pisando firme, quando abro o portão e dou e cara com , puxo-o para dentro da casa sem nenhuma delicadeza.
— Que porra você tá fazendo aqui? São duas horas da manhã, ! — praticamente grito.
— E-eu queria te fazer uma surpresa.
— Você ficou maluco? Não pode simplesmente aparecer na porta da minha casa a essa hora da madrugada! E se tivesse acordado meus pais, hein? — Ele encara o chão, envergonhado, e eu suspiro. — Olha, eu tenho pisado em ovos com você, eu tento ser o mais educada possível, mas você passou dos limites.
— Eu amo você, . — ele tenta se aproximar e eu o empurro.
— Mas eu não amo você, , pelo menos não desse jeito. Meu Deus, a gente se conhece desde pequenininhos, você é como um irmão pra mim! Nós somos só amigos! A-M-I-G-O-S! Coloca essa merda na sua cabeça!
— Mas se você me der uma chance, a gente pode mudar isso...
— Eu não posso fazer isso, .
— Por que não? Eu...
— Porque eu sou lésbica! — grito, interrompendo-o.
O silêncio preenche o local e os únicos barulhos audíveis são os dos pingos de chuva se chocando contra o telhado, mas eles ainda parecem longe para mim porque a única coisa que ecoa na minha cabeça é a minha própria voz. me encara com os olhos arregalados e a boca aberta em descrença e eu suspiro, sentindo um peso sair das minhas costas. De repente o garoto se vira e corre para fora da minha casa, sem dizer mais uma palavra. Minhas pernas ficam bambas e caio ajoelhada sobre o chão, soluçando, as lágrimas escorrem pelo meu rosto como uma cachoeira, mas não me importo porque sei que esse choro estava entalado há tempos em minha garganta. Esse choro é de felicidade, felicidade porque, pela primeira vez na vida, eu me sinto livre.
Não consigo mais dormir depois do que aconteceu durante a madrugada, fico ansiosa demais pensando no que faria. Será que ele vai contar para os meus pais? Ou para todo mundo na escola? Não sei se estou pronta para enfrentar isso ainda, não quero que as pessoas me tratem diferente só porque não me encaixo no que é julgado certo, e meus pais são conservadores demais para entender que não é uma escolha minha.
Após alguns minutos olhando para o nada e pensando na possibilidade da minha vida ser totalmente mudada nas próximas horas, me obrigo a levantar da cama e me arrumar para a escola porque a semana de provas e simulados está chegando e não posso perder nenhuma explicação ou revisão.
Não consigo comer nada durante o café, pois sinto meu estômago embrulhar devido à ansiedade, tenho a impressão de que se eu colocasse qualquer coisa dentro da minha boca, iria vomitá-la no segundo seguinte. Percorro os trinta minutos de caminhada até o colégio sozinha, normalmente pego carona na bicicleta do , mas é óbvio que ele não apareceria hoje depois do que aconteceu. Só pensar nisso me dá náuseas, e para pior ainda mais a minha situação, meu fone de ouvido havia quebrado no dia anterior, então sou atormentada durante todo o caminho pelos meus cruéis pensamentos.
Quando finalmente chego à sala, jogo o corpo sobre a habitual carteira no canto direito do cômodo e apoio a testa sobre os braços cruzados na mesa, suspirando.
Por que eu fui fazer aquilo? Não deveria ter contado aquilo tão de repente, deveria ter esperado o momento certo!
Tenho os pensamentos interrompidos por um barulho na carteira ao lado e finalmente levanto a cabeça, encontrando uma sorridente — não sei como ela consegue ser tão feliz às sete horas da manhã.
— Nossa, você tá péssima! Parece que bebeu todas e virou noite no meio da rua, tá precisando passar uns rebocos nessas olheiras — ela comenta, se sentando ao meu lado.
— Queria eu ter bebido alguma coisa. — Suspiro. — apareceu na minha casa às duas da manhã e nós brigamos, não consegui dormir depois.
arregala os olhos. Não sei o porquê eu ter contado a verdade à ela, talvez seja por ela sempre passar uma imagem de apoio, independente do que você tenha feito, ela sempre tenta ajudar. É uma das coisas que mais me encantam nela.
— Então ele foi mesmo na sua casa?
— Você sabia disso? — questiono, arqueando uma das sobrancelhas.
— Sim, ele me pediu umas dicas de como fazer para conquistar você e eu sugeri que ele te fizesse uma surpresa na sua casa, mas não imaginei que ele fosse aparecer de madrugada.
— De qualquer jeito, não faria diferença o horário porque eu nunca vou gostar dele desse jeito, somos só amigos. — Dou de ombros.
— Sério? Que bom! — ela diz e eu a escaro com o cenho franzido. — Quer dizer, que chata essa situação entre vocês, mas tenho certeza de que logo tudo vai voltar ao normal.
Balanço a cabeça em concordância, porém não tenho um pingo de esperança de que alguma coisa vai voltar a ser como antes, na verdade, acho que a tendência é só piorar.
— Escuta, você não quer ir para minha casa estudar depois da aula? Estou tendo um pouco de dificuldade em Física e queria alguém pra estudar comigo.
— Claro! — respondo, prontamente. — Eu adoraria.
— Beleza, então. Me encontra na entrada depois da aula.
Ela sorri e eu retribuo, o professor de Filosofia entra na sala e todos começam a retirar o material de dentro das suas mochilas. Não trocamos mais nenhuma palavra durante a aula, mas não consigo tirar o maldito sorriso do rosto.
As aulas passam se arrastando, olho o relógio na tela do celular a cada cinco minutos e não consigo me concentrar em nada pensando que pela primeira na minha vida eu ficaria com em um quarto sem mais ninguém. Apenas nós duas. Em um quarto. Sozinhas.
Quando o sinal finalmente toca, enfio tudo dentro da mochila com um certo desespero e em poucos segundos já estou na porta. me olha com a sobrancelha arqueada e ri, juntando-se a mim até a saída. Vinícius, o irmão mais velho dela, nos busca na porta da escola e seguimos para a casa deles. Os pais de são médicos, então raramente estão em casa, por isso ela passa a maior parte do tempo sozinha ou com a Gangue. sempre tenta arranjar alguma coisa para fazermos à tarde, seja desde ir à Praça assistir aos meninos jogando futebol à assistir filmes na sala de TV enorme que tem na casa na dela, mas geralmente ela convida todo mundo, por isso achei tão estranho só ter nós duas.
— Você não convidou os meninos? — pergunto assim que entramos na casa.
— Não, eu queria que fosse só uma coisa entre garotas, sabe? Os meninos me irritam um pouco às vezes, principalmente o — ela revira os olhos e eu rio, concordando com a cabeça. — Não tem problema ser só nós duas, né?
— Não! — quase grito. — C-claro que não.
— Que bom. — ela sorri. — Você tá com fome? Vou preparar alguma coisa pra gente comer.
se vira e começa a andar em direção à cozinha, então eu a acompanho, em silêncio.
Ela abre a enorme geladeira inox de duas portas — daquelas que sai água na porta e faz qualquer pessoa de classe abaixo da média, como eu, suspirar quando vê o comercial.
— Acho que vou fazer uns sanduíches, você prefere doce ou salgado?
— Doce — respondo enquanto me sento na cadeira rente ao balcão. se vira para mim e sorri.
— Eu também! Pão com casca ou sem?
— Com. Não sei por que as pessoas tiram a casca, é a melhor parte.
— Eu sempre digo isso! — ela retira todos os ingredientes que precisa e os espalha na bancada. — Meu irmão sempre diz que eu exagero demais, mas a casca está lá, é por algum motivo. — ergue os ombros e eu dou uma risada, concordando. — Gosta de Nutella?
— Hum... Na verdade, nunca comi — respondo, envergonhada, e seus olhos se arregalam.
— Como assim você nunca comeu Nutella? — ela diz em um tom horrorizado e eu dou de ombros.
— É um pouco caro, então minha mãe nunca me deixou comprar.
— Isso é um absurdo, ! Precisamos mudar isso agora mesmo!
A garota põe a colher dentro do pote oval e a retira segundos depois abarrotada com o creme, ela circula a bancada, caminhando em minha direção, e enfia a colher na minha boca antes que eu pudesse dizer alguma coisa. Sinto o sabor do chocolate e em seguida o amargo do avelã. É gostoso, porém não mais do que assistir levar a colher até os próprios lábios e lamber os resquícios do doce que havia nela.
— É gostoso, né? — ela questiona e balanço a cabeça freneticamente, ainda hipnotizada pelo movimento de seus lábios. — Eu te disse!
Ela sorri satisfeita e volta para o seu lugar inicial, ao outro lado do balcão. Ela lambuza o doce em cada lado de um pão e junta suas extremidades, repetindo o mesmo com mais três pares. Ela pede para que eu pegue o suco na geladeira e eu o faço, e logo depois seguimos para o quarto dela, largamos as mochilas no chão e nos sentamos na cama em posição de índio. O quarto de é tão grande quanto o resto dos cômodos da casa — desconfio até que seja maior que a minha casa — e é como o de uma adolescente dos anos 90: Tem pôsteres de bandas como Beatles, Nirvana, Oasis, The Smiths espalhados por todos os cantos.
— É tão estranho e ao mesmo tempo legal estar aqui sem os meninos, é tão... Tranquilo.
— Viu, só? Eu sabia que seria uma boa ideia não chamar os meninos, tem certas coisas que eles não entendem e eu não tenho mais paciência pra tentar explicar. — Ela dá uma mordida em seu sanduíche e eu faço o mesmo o com o meu. — Mas agora me conta, o que tá rolando entre você e o ?
— Nada, não tá rolando nada! Ele que fica me lançando uns olhares estranhos e ontem apareceu na minha casa de madrugada dizendo que me ama, mas eu não sinto nada por ele, eu... — Suspiro. — Eu posso te contar uma coisa? Você jura que não conta pra ninguém?
— Claro, o que foi?
Respiro fundo, enchendo o peito de ar, e esfrego as mãos na minha calça jeans, que estavam começando a suar devido ao nervosismo.
— Eu sou lésbica.
Espero que ela grite, arregale os olhos, pule da cama ou algo do tipo, qualquer coisa que demonstrasse surpresa ou pavor, mas já havia se passado vários segundos de silêncio e ela ainda continuava com a mesma expressão serena de sempre.
— Você ouviu o que eu disse? — pergunto e ela balança a cabeça em afirmação, mordendo seu sanduíche. — E não vai dizer nada?
— Eu já sabia. — Ela ergue os ombros e foi a minha vez de arregalar os olhos. Como assim ela já sabia? — Quer dizer, não sabia, mas desconfiava. Qual é, toda vez que eu ou qualquer outra garota tenta falar sobre garotos com você, você age indiferente. Sua crush pela Mulher-Maravilha e a Gal Gadot é um pouco intensa pra alguém hétero, além disso, você houve Hayley Kiyoko demais, então eu só juntei as pontas.
Fico alguns instantes encarando-a, boquiaberta. Eu não sei o que dizer ou como reagir, não sei se estou mais chocada pelo fato dela dizer tudo isso com tanta naturalidade ou por ela ter reparado em mim o suficiente para descobrir os detalhes que me denunciavam.
Acho que ela percebe a minha luta interna porque deixa seu lanche de lado e segura minhas mãos entre as dela, sorrindo em forma de conforto.
— Ei, não tem nada de errado com você, ok? Eu sei que é um pouco assustador no começo, mas com o tempo você vai ver como é bom se sentir livre pra ser quem você realmente é e a opinião das outras pessoas não será mais tão importante. Eu sou bissexual, já namorei com algumas meninas antes de namorar o Samuel — ela diz com naturalidade e meus olhos ficam alarmados de novo. — Você tem sorte em não gostar de meninos, sério, eles são nojentos e babacas, só dão dor de cabeça. — revira os olhos e depois nós duas rimos. — Amor é amor, não importa o gênero.
Ela sorri e se inclina um pouco em minha direção, envolvendo-me com os braços. Suspiro, me sentindo amparada pela primeira vez. Eu nunca tive com quem conversar sobre esse tipo de coisa, nunca tive em quem confiar para contar os meus segredos e aflições, nunca tive alguém para me abraçar e dizer que tudo ficaria bem.
— Obrigada por me ouvir e me apoiar, — digo, timidamente.
— Ah, que isso! Imagina, não precisa agradecer! É pra isso que servem os amigos, né?
Balanço a cabeça em concordância e sorrio, tentando não demonstrar a minha frustração.
Infelizmente nunca seremos nada mais do que amigas.
Terminamos nossos lanches em silêncio enquanto um filme qualquer passa na televisão. Entediada, suspira e joga o corpo, deitando-se sobre a cama, e eu a acompanho. O silêncio continua pesando o ar, então resolvo iniciar uma conversa:
— E aí, como vão as coisas com você é o Samuel? — questiono e ela suspira.
— Terminamos — ela responde, cabisbaixa, e meus olhos se arregalam.
— Nossa, eu não imaginava. Sinto muito.
— Tá tudo bem, foi melhor assim, eu já não gostava dele do mesmo jeito. — dá de ombros. — Eu fiquei um pouco aliviada quando ele terminou comigo, mas ao mesmo tempo fiquei muito magoada porque ele agiu de uma maneira tão fria, como se eu não fosse importante na vida dele e esses dois anos de namoro que passamos juntos não significassem nada.
Vejo lágrimas se acumularem em seus olhos e meu coração aperta. Viro-me de lado e estico a mão até a dela, segurando-a entre os dedos e fazendo um leve carinho em sinal de conforto, e ela também se vira de frente para mim.
— Sabe o que eu acho? Eu acho que foi ele quem saiu perdendo. Você é uma garota incrível, é linda, inteligente, divertida, engraçada, extrovertida, todos adoram você! Se eu tivesse no lugar dele, não deixaria você escapar.
— Você acha mesmo que eu sou tudo isso? — ela diz em um tom de surpresa.
— Claro que sim. Você é perfeita.
Um sorriso enorme se forma em seus lábios, iluminando todo o seu rosto, e seus olhos brilham de uma maneira hipnotizante. leva uma de suas mãos ao meu rosto, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha, e com o polegar ela acaricia a minha bochecha. Ela passeia os dedos sobre meus lábios, e seu olhar é direcionado à minha boca.
E então tudo acontece em câmera lenta, começa a se aproximar de mim, e eu fico imóvel, sem saber como reagir, enquanto seu rosto fica cada vez mais próximo do meu. Quando nossos lábios se encontram, sinto como se algo tivesse explodido dentro de mim, uma mistura intensa de sensações se apossa do meu corpo, deixando-me completamente eletrizada.
Eu estou tendo meu primeiro beijo. Eu estou tendo meu primeiro beijo com uma garota. E não é apenas uma garota, é a .
Não sei como agir, afinal, nunca havia feito isso antes, então levo minha mão até o rosto dela e repito os mesmo movimentos que ela faz sobre a minha boca.
Sinto gosto de Nutella. O beijo de tem gosto de Nutella.
De todas as vezes que fantasiei o meu primeiro beijo — muito mais com atrizes ou cantoras famosas do que com alguém que eu conheça de verdade — nenhuma se compara a ter os lábios de sobre os meu, sentir o seu calor sob a palma da minha mão e seu sabor em minha língua.
O ar começa a faltar em meus pulmões, mas não quero parar porque tenho medo de que tudo isso seja apenas um sonho, no entanto, começa a se afastar de mim, me fazendo suspirar em frustração.
Ela me encara por alguns instantes e morde o lábio inferior, agora avermelhado e inchado, parecendo apreensiva com a minha reação.
— Uau! Isso foi...
— Meu primeiro beijo — declaro e seus olhos se arregalam.
— Ai, meu Deus, me desculpa! Eu não deveria ter feito isso! — Ela diz em tom de desespero e começa a levantar, porém seguro em seu braço.
— Não, tá tudo bem, eu... Gostei. — Mordo o lábio inferior e encho o peito de ar, soltando-o pela boca. — Eu gosto de você, , muito, muito mesmo.
— Eu também gosto de você, , muito, muito mesmo.
Nós duas rimos e ficamos quietas por alguns instantes, apenas olhando nos olhos uma da outra, aproveitando o momento e absorvendo tudo que havia acabado de acontecer.
— Eu posso te beijar de novo? Eu quero muito fazer isso — ela pergunta, insegura, e eu não hesito em concordar com a cabeça e trazer eu mesma o rosto dela de encontro ao meu.
rola sobre a cama, apoiando um joelho de cada lado do meu corpo e ficando por cima de mim, intensificando o beijo, em seguida, seus lábios se arrastam pelo meu queixo até o pescoço, onde ela começa a dar rápidas sugadas. Ofego e aperto sua cintura entre os dedos. Meu Deus, isso é bom demais.
Não demora muito até os lábios de estarem sobre os meus de novo, arrancando todo o meu fôlego, até fazer o peito doer, e me obrigando a me afastar.
— Acho melhor... A gente... Dar... Um tempo... — digo, ofegante, e ela ri, maneando a cabeça.
Fico alguns segundos encarando o teto do quarto dela, o peito subindo e descendo descontroladamente e o coração batendo forte no peito, porém não consigo tirar o sorriso enorme estampado em meu rosto.
Eu simplesmente não consigo acreditar em tudo que aconteceu há apenas alguns minutos, ainda acho que vou ouvir o despertador tocar, me acordando daquele sonho.
Sinto os dedos de se encontrarem com os meus no espaço que nos separava sobre a cama e viro o rosto, encontrando-a sorrindo tanto quanto eu. Nos aproximamos mais, ainda de mãos dadas, e ela apoia a cabeça no meu ombro. sugere vermos um filme, e eu confirmo, porque não teria cabeça pra estudar agora e só queria aproveitar um pouco mais de sua companhia. Ela coloca o filme “Nunca Fui Santa”, dizendo ser o filme mais engraçado e fofo que ela já havia visto, mas não consigo prestar atenção nele, pois estou vidrada demais observando o rosto de , quero memorizar cada detalhe do dia de hoje para caso isso seja mesmo só um sonho.
Passamos o resto da tarde assim, deitadas na cama dela, conversamos um pouco e damos mais alguns amassos, obviamente, até minha mãe me ligar dizendo que eu deveria voltar para casa e ajudá-la a preparar a janta, o que nos fez resmungar em descontentamento, e me leva até a porta.
— Tem certeza que não quer que meu irmão te leve em casa? — pergunta pela milésima vez.
— Tenho, são menos de dez minutos até em casa, posso ir andando. — Ela morde o lábio inferior, ainda receosa. — Ei, não precisa ficar preocupada comigo, eu vou ficar bem.
— É claro que preciso ficar preocupada, você é minha namorada! — ela diz, exasperada, e eu sorrio, puxando-a para um selinho. — Me avise quando chegar em casa, ok?
Afirmo com a cabeça, ainda um tanto aérea por ouvir ela me chamar de namorada. Não tínhamos oficializado nada ainda, mas estou feliz por ela já me considerar sua namorada.
me abraça e segura meu rosto entre as mãos, me dando um longo selinho. Quando começo a me afastar, ela segura em minha mão, impedindo-me.
— Ei, quer ir no cinema comigo amanhã? Não consegui entender nada com o falando o tempo todo. — Ela revira os olhos e eu emito uma risada.
— Bem-vinda ao meu mundo, passo por isso há sete anos.
Tento brincar, porém me sinto triste pela situação com o . Apesar do que aconteceu, ainda o considero meu melhor amigo. Acho que ela percebe a minha tristeza, pois levanta meu rosto em sua direção e diz:
— Vai ficar tudo bem entre vocês, , logo logo vocês vão voltar a ser aquela dupla imbatível de novo, você vai ver.
Sorrio fraco e concordo com a cabeça, ela me puxa pela mão e me dá um beijo intenso, me deixando radiante novamente. Meu celular vibra no bolso e eu resmungo, me afastando dela.
— Preciso ir ou minha mãe vai me dar uma bronca e não vai querer me deixar voltar aqui. — Estico-me e lhe dou um selinho. — Tchau, namorada.
Me viro, porém percebo de canto de olho ela sorrir com as palavras que saíram da minha boca. Começo a caminhar para longe, sem conseguir tirar o sorriso do rosto e me sentindo mais feliz do que jamais estive em toda a minha vida.
Bem, parece que agora somos muito mais do que apenas amigas, afinal das contas.
Capítulo 2
Chego em casa e logo percebo a bicicleta de na varanda, meu coração começa a bater forte contra o peito enquanto caminho em direção à porta. O que ele está fazendo aqui? Será que... Não, ele não faria isso comigo. Ou faria?
Adentro a casa e meus pais estão sentados no sofá, conversando com , e a julgar pelas expressões deles, a situação não parece nada ser boa.
— Cheguei — anuncio.
Quando os olhos de minha mãe se erguem e encaram os meus, automaticamente entendo que ela já sabe de tudo. Diferente de como sempre os vejo, seus olhos estão escuros e severos, consigo ver neles uma mistura de mágoa, raiva e o pior de todos: A decepção.
Ela se levanta e caminha até mim, julgando-me com o olhar.
— O que você estava fazendo na casa daquela garota?
— Mãe, eu posso explicar...
— Me responde, ! O que você estava fazendo na casa dela?
— E-eu estava estudando.
Sinto uma ardência contra minha bochecha e não demoro a constatar que ela havia me dado um tapa.
— É isso que você chama de estudar, ?
A mulher empurra o celular no meu rosto, mostrando uma foto de eu a nos beijando no portão da casa dela. Como eles conseguiram aquilo?
Ergo os olhos até os de e seu rosto está impassível, ele não demonstra nenhuma comoção ou remorso do que fez.
Como ele pôde fazer isso comigo?
— Depois de tudo que fizemos por você, a boa educação e os ensinamentos da bíblia que demos, você prefere mentir e escolher o pecado? — meu pai diz.
— Eu não escolhi ser assim, pai! — vocifero, entre lágrimas, recebendo outro tapa.
— Você nunca mais vai ver aquela garota, entendeu? Nós vamos te tirar daquela escola e você vai ser monitorada vinte e quatro horas por dia até aprender a não desrespeitar a palavra do Senhor!
A esse ponto já estou chorando tanto que não tenho mais energia para retrucar e também sei que não vai adiantar nada, pois eles não entendem.
Eles nunca vão entender.
Olho para de novo e agora ele tem um sorriso desenhado no rosto. De todos naquela sala, ele é quem mais me magoa porque a dor física nem se compara a com a dor de ver meu melhor amigo gostando de assistir o meu sofrimento.
— Espero que esteja feliz por ter destruído a minha vida, , porque a partir de hoje você está morto pra mim.
Viro-me e começo a correr escada acima em direção ao meu quarto e ouço os gritos de minha mãe atrás de mim. Bato a porta e a tranco, me recosto na madeira e começo a chorar tão copiosamente que minhas pernas cedem e caio no chão.
Meu celular começa a vibrar no bolso da calça e vejo que é , o que só faz meu coração apertar mais. Tento controlar um pouco as lágrimas e atendo a ligação.
— Minha namorada chegou bem em casa? — diz do outro lado e um soluço sai pela minha garganta. — O que aconteceu, ? Você tá chorando?
— Eles descobriram tudo, ! Eles vão me mudar de escola, eu nunca mais vou poder ver você!
Um breve silêncio se faz do outro lado da linha enquanto tudo que consigo fazer é soluçar.
— Vamos fugir — diz e meus olhos se arregalam.
— O quê? Como assim fugir, ?
— Meus pais tem uma casa na praia não muito longe daqui, a gente pode ir pra lá por enquanto. Arrume suas coisas, passarei aí em cinco minutos. Amo você.
Fico tão aturdida que não consigo responder e ela desliga a ligação. Ela acabou de dizer que me ama e quer fugir comigo?
Minha vida virou de cabeça pra baixo em menos de um dia, mas está certa. Não posso ficar aqui, não posso deixar que eles atrapalhem a minha vida e tirem de mim a única coisa real que tenho. Vamos, , se recomponha!
Levanto-me do chão e limpo os rastros de lágrimas do rosto. Esvazio a minha mochila e abro o armário, selecionando as peças de roupas que eu mais gosto, e os únicos objetos que pego são meus fones de ouvido e os óculos que havia me dado logo quando nos conhecemos.
Ponho a mochila sobre os ombros e passeio o olhar pelo quarto, despedindo-me do meu antigo lugar favorito no mundo, o único lugar onde sempre me senti segura. Suspiro e abro a porta, desço as escadas e caminho em direção a porta sem dizer uma palavra. Meus pais ainda estão na sala e provavelmente já foi embora, pensando que havia conseguido o que queria, mas eu gostaria que ele tivesse aqui e visse que agora, graças a ele, vou ser feliz longe daqui com a garota que amo.
— Onde pensa que está indo? — meu pai pergunta.
— Vou embora, se não posso ser eu mesma nessa casa porque é considerado pecado, então é melhor eu não ficar mais aqui.
— Se você cruzar essa porta, , esqueça que nós existimos, esqueça que já teve uma família — minha mãe diz.
Abro a porta e viro a cabeça em direção aos meus pais, encaro fixamente os olhos da mulher que me trouxe ao mundo, ergo os ombros e digo:
— Família não é machucar e proibir e julgar, família é amor, carinho e apoio. Eu nunca tive uma família.
Saio da casa sem olhar para trás e sinto um peso enorme sair do meu peito enquanto ando em direção à saída. Abro o portão e logo encontro recostada a um Jipe novinho e minha boca se abre em descrença.
— Uau, que carro maneiro! Você pode dirigir? — pergunto com a sobrancelha arqueada.
— Tecnicamente, não, mas Vinícius sempre me ensinava uma coisa ou outra quando me buscava na escola. — Ela dá ombros. — E meus pais iriam me dar o carro quando eu fizesse dezoito mesmo, só decidi pegar um pouco antes da hora.
Nós duas rimos e ela segura meu rosto entre as mãos, dando-me um beijo, e abre a porta do carro para mim, em seguida indo para o lugar do motorista.
— Como eles descobriram? — ela pergunta enquanto dá partida no carro e eu suspiro.
— contou tudo e provavelmente me seguiu o dia todo porque até foto da gente se beijando ele conseguiu.
A boca de se abre e logo em seguida seu rosto fica carregado em ódio quando ela desfere um soco no volante.
— Aquele filho da... Ei, não é ele ali? — a garota aponta para frente.
Estreio os olhos para enxergar o ponto em que ela se referia e vejo alguém pedalando uma bicicleta à alguns metros de distância. A medida que começamos a nos aproximar, tenho cada vez mais certeza de que é ele.
— Vamos dar uma lição nele — diz, sorrindo.
A garota acelera o carro e passa bem ao lado do garoto enquanto buzina, fazendo-o se desequilibrar e cair com a bicicleta. dá a ré, estaciona próximo dele e abaixa os vidros.
— Achou mesmo que conseguiria derrubar a gente? Foi a gente que derrubou você! — Ergo os dois dedos do meio para ele. — Vai se foder, seu idiota!
arranca com o carro e nós duas começamos a gargalhar.
— Você viu a cara dele de assustado? — ela comenta, entre risadas.
— Acho que ele pensou que a gente fosse passar por cima dele! — respondo, também rindo.
— Mas eu bem que poderia... — sugere e encaro-a boquiaberta.
— Nossa, você é vingativa mesmo!
— Só com quem machuca a minha namorada. — Ela me lança uma piscadela e acaricia o meu rosto, trazendo-me para perto e me dando um selinho.
Sorrimos uma para a outra e ela liga o rádio. Uma música da Hayley Kiyoko está tocando e nós duas começamos a cantar a plenos pulmões. Coloco os óculos escuros e ponho a cabeça para fora da janela, entoando a letra e sentindo o vento bater em meu rosto. Eu nunca havia me sentido tão livre em toda a minha vida.
— Olha, um bar! — indico para . — Vamos?
— Não sei, , parece perigoso... — Ela aperta o volante em nervosismo. — Nós nem temos idade o suficiente pra entrar.
— Também não temos idade pra fugir de casa e dirigir. — Dou de ombros. — Eu sempre quis ir a um lugar assim, por favor, !
Faço cara de cachorrinho que caiu da mudança e bufa, revirando os olhos, porém acaba cedendo e balança a cabeça em concordância, fazendo eu soltar um grito de animação.
O céu já está escuro, então o bar estar bem cheio — provavelmente são pessoas que acabaram de chegar do trabalho e estão fazendo happy hour. Caminhamos até o balcão e nos sentamos nos bancos rentes a ele.
— Dois shots de tequila, por favor! — peço.
O barman me olha com uma das sobrancelhas arqueada.
— Quantos anos vocês duas tem?
— Dezoito — respondo.
— Posso ver as identidades?
— Esquecemos em casa — responde, dando de ombros.
O homem nos encara com os olhos semicerrados, parecendo nervoso. tira a carteira do bolso, pega uma nota de cem reais e arrasta sobre o balcão.
— Olha, nós só queremos beber alguns drinks e depois ir embora, ok?
O homem bufa e pega a nota da mão dela, virando-se para preparar as bebidas em seguida. Sorrio, animada, e me viro para , entrelaçando meu dedos aos dela, porém um homem à nossa esquerda nos lança um olhar estranho, obrigando-me a soltá-la.
O barman volta com as duas bebidas pedidas e me instrui sobre o que eu deveria fazer: Primeiro lamber o sal, depois tomar a bebida e por fim chupar o limão. Fazemos caretas devido ao ácido da fruta e gargalhamos juntas.
— Olha, uma mesa de sinuca! Vamos jogar!
Aponto e em seguida seguro na mão de e puxo-a até a mesa, onde alguns homens jogavam.
— Você sabe jogar? — pergunta e eu nego com a cabeça.
— Quer que eu ensine, princesa? — um homem questiona em tom malicioso.
— Eu sei jogar, pode deixar que eu ensino — responde com rigidez e o homem ergue as mãos em defesa própria.
pega o taco e passa o giz na ponta e em seguida o entrega pra mim.
— Você é destra, então precisa segurar a base do taco com a mão direta e fazer a ponte com a esquerda. Se incline sobre a mesa e apoie a ponta entre em cima do dedão e abaixo do indicador — ela pede e eu obedeço. — Qual bola você quer encaçapar?
— A vermelha — respondo.
Ela se debruça sobre mim, apoiando as mãos em cima das minhas, ajustando a posição para que a mira fique diretamente na bola vermelha. Sinto sua respiração em minha nuca, fazendo os pelos se eriçarem.
— Comece empurrando o taco devagar e aumente a velocidade conforme ele for chegando mais perto da bola.
Mais uma vez faço exatamente o que ela manda, apesar de ser um pouco difícil me concentrar com ela tão perto e falando no meu ouvido. Assisto em câmera lenta a bola branca rolar pela mesa e bater na vermelha, jogando-a para dentro do buraco.
Abro a boca em descrença e solto taco, virando-me de frente para e me jogando em seus braços.
— Eu consegui! — grito e a garota ri da minha animação.
— Parabéns, .
Ela sorri, acariciando meu rosto, e eu retribuo o sorriso, envolvendo sua nuca com meus braços, e começamos a dançar ao ritmo da música que tocava na Jukebox. Ela estava tão perto que me fazia perder o ar.
— Vocês são namoradas? Dá um beijinho aí pra gente ver! — um homem diz, acabando totalmente com o clima entre nós duas.
revira os olhos e se afasta de mim, segurando em minha mão e me puxando de volta ao bar. Peço uma caipirinha e ela pede água, pois iria dirigir e não podia beber muito.
Bebemos mais alguns shots e dançamos mais um pouco — dessa vez sem nenhum inconveniente para atrapalhar. Não sei se foi por causa da tontura que a bebida me causou, mas começo a ficar com sono, então puxo até um sofá velho no canto do bar e me deito em seu colo. Fecho os olhos e ela começa a passear os dedos pelos meus cabelos até eu pegar no sono.
De repente sinto meu corpo ser balançado e me levanto no susto. Esfrego os olhos e constato que somos as últimas no lugar.
— Ei, já são seis da manhã, vocês precisam ir embora porque tenho que fechar o bar — o barman anuncia.
Emito bufada de ar e resmunga. Pego meu casaco jogado no sofá e segura em minha mão, guiando nos duas para o lado de fora.
Entramos no carro e ela dá a partida, ainda me sinto sonolenta e minha cabeça lateja, então decido apoiar a cabeça seu ombro para tentar dormir mais um pouco.
Subitamente um barulho alto de freada entra pelos meus ouvidos e meu corpo é jogado para frente. Abro os olhos, assustada, e vejo a frente do carro coberta de fumaça.
— O que aconteceu? — pergunto.
— Um carro vinha em nossa direção e pra não bater tive que jogar o carro para fora da estrada e acabei acertando uma placa.
Encaro o rosto de e de repente nós duas começamos a gargalhar. Saímos do carro para ver o tamanho do estrago e felizmente só o para-choque e o capô amassaram um pouco.
— Pelo menos não foi tão ruim. Não podemos ligar para o reboque ou algo assim?
— Não, nós provavelmente vamos parar na delegacia. Não tenho os documentos do carro aqui e mesmo se tivesse ainda não estão no meu nome, além de que não tenho idade para dirigir ainda.
Praguejo mentalmente e dá um chute no pneu do carro. Analiso a estrada deserta em nossa frente e digo:
— Podemos ir andando.
— Ficou louca? Falta tipo uns dois quilômetros.
— A gente pede uma carona ou sei lá.
bufa e pega sua mochila no banco traseiro e eu faço o mesmo. Começamos a andar pelo canto da estrada e nenhum carro ou caminhão aparece por ali.
— Estou cansada — diz, ofegante e eu ergo uma sobrancelha.
— Já? Estamos caminhando não tem nem meia hora.
— Você é acostumada a ir para a escola andando, eu não. — ela dá de ombros, fazendo-me rir.
— Sobe nas minhas costas, vou carregar você.
— Sério? — ela questiona e eu balanço a cabeça em confirmação.
se aproxima e pula em cima de mim, envolvendo meu pescoço com os braços. Agarro em suas coxas e começo a brincar com ela, andando em ziguezague, enquanto rir. Ela avista um carro vindo em nossa direção e aponta, eu a coloco de volta no chão e nós duas começamos a pular e fazer sinal com as mãos para que o motorista veja, porém o carro passa direto.
— Babaca! — grito, atirando meu casaco contra o veículo e vendo-o cair no chão.
Bufo e pego o casaco novamente. Voltamos a caminhar enquanto o Sol começa a ficar cada vez mais forte e a sede a apertar. A cidade parecia cada vez mais longe e minhas pernas doem. Vejo um carro parado à alguns metros de distância e aperto os olhos para me certificar de que não estava vendo coisas.
— Ei, tem uma picape ali! — indico para .
— Deve estar quebrada.
— Não, tem alguém ali dentro, eu vi. Se a gente correr talvez consiga pegar uma carona.
Começo a correr o mais rápido que consigo e subo na traseira da caminhonete, , que estava mais cansada, não consegue acompanhar meu ritmo e acaba ficando para trás. O carro começa a se mover e arregalo os olhos.
— Corre, ! — grito, estendendo a mão para ela.
começa a correr mais rápido até conseguir alcançar minha mão, eu a seguro e a puxo para dentro da caçamba da caminhonete. A garota se deita, ofegante, nos encaramos e começamos a rir sem parar. estica a mão até mim, acariciando meu rosto, sorri e começa a se aproximar cada vez mais, porém, antes que ela pudesse me beijar, a caminhonete para de andar e o motorista sai.
— Que porra é essa? O que vocês estão fazendo aí? Saiam da minha caminhonete!
— A gente só tava pegando uma carona! — respondo, me levantando.
— E vocês acham que eu sou o quê? O Papai Noel? Saiam, anda!
Emito uma bufada de ar e nós duas descemos da caçamba.
— Ei, você é filha do Pastor Jorge, não é? — o homem questiona e eu balanço a cabeça, afirmando. — Cresceu, hein? Quase não te reconheci. O que está fazendo por aqui?
— Nosso carro quebrou e precisamos de uma carona até a praia. Você pode nos ajudar?
O homem estica a mão até mim e passeia os dedos pelo meu rosto, inspecionando todo o meu corpo com os olhos, fazendo eu me encolher, e sorri.
— Claro, linda. Você pode ir no carona comigo e sua amiga vai atrás.
Concordo com a cabeça e dou a volta no carro, abrindo a porta.
— O que tá fazendo? Vai mesmo pegar carona com esse cara? — pergunta.
— Não temos outra opção, .
— , esse cara é perigoso, viu o jeito que ele olhou pra você? E como ele te tocou? Não entra nesse carro, , por favor.
— Acha que eu não sei me defender? O que você planeja fazer? Ir andando? Já estamos andando há mais de uma hora e nada!
— A gente pode dar um jeito, pegar carona com outra pessoa, sei lá.
— Não tem outra pessoa! Entra no carro, !
— Não, eu não vou entrar no carro de um pervertido, , e você também não deveria fazer isso!
Encaro , furiosa, e entro no carro, batendo a porta em seguida.
— , por favor, não faz isso.
Ignoro-a e faço sinal com a cabeça para que ele siga viagem. O homem passeia a mão pelos meus cabelos, colocando uma mecha atrás da orelha.
— Não fica triste, linda, ela é que tá perdendo.
Encolho no lugar e respiro fundo. Calma, ele conhece a minha família, certo? Então não vai fazer nada.
— Quem é aquela garota? Sua amiga?
— É minha namorada — digo, firme, para mostrar que não quero nada com ele.
— Namorada, é? — Ele põe a mão sobre a minha coxa. — Isso é porque você ainda não conheceu o homem certo.
— Tira a mão de mim! — vocifero, afastando-o.
— Hum, que selvagem! Vamos ver se você também vai agir assim quando eu estiver fodendo você.
Ele para o carro e sai, dando a volta. Sinto meu corpo inteiro se encher de desespero quando ele abre a minha porta e segura em meu braço, puxando-me para fora.
— Por favor, não faça isso — imploro, me debatendo e sentindo as lágrimas se acumularem em meus olhos.
— Calma, linda, você vai gostar. Vai sentir o que é ser fodida por um homem de verdade.
Não consigo mais segurar e as lágrimas começam a descer pelo meu rosto.
— Não, por favor... — imploro, entre soluços.
Minha mente dá um apagão e tudo acontece rápido demais: Não sei como, mas consigo acertar um chute no meio das pernas dele e o homem cai no chão, agonizando.
Começo a correr na direção contrária, corro tão rápido que me falta ar nos pulmões e ignoro totalmente as minhas pernas reclamarem e latejarem de dor. Sinto o vento gelado bater em meu rosto, secando as lágrimas que rolam por ele. De repente avisto alguém caminhando na beira da estrada e pelo casaco sei que é ela.
— ! — chamo.
Ela se vira, sorrindo, e não demora mais do que alguns segundos até eu estar entre seus braços, grudando meus lábios aos dela. Descarrego naquele beijo todas as emoções que se passavam pelo meu corpo: O medo, o arrependimento, o alívio e o amor.
— Desculpa, desculpa, desculpa — murmuro repetidamente, com a testa colada a dela. — Eu amo você, .
— Eu também amo você, .
Ela sorri e volta a colar os lábios aos meus e abraço-a tão forte contra mim que acabamos caindo no chão, mas não paramos. Estamos nos beijando, deitadas no meio da estrada com vários perigos em volta, mas não ligo. Não ligo porque nesse momento ela é tudo que eu preciso.
Adentro a casa e meus pais estão sentados no sofá, conversando com , e a julgar pelas expressões deles, a situação não parece nada ser boa.
— Cheguei — anuncio.
Quando os olhos de minha mãe se erguem e encaram os meus, automaticamente entendo que ela já sabe de tudo. Diferente de como sempre os vejo, seus olhos estão escuros e severos, consigo ver neles uma mistura de mágoa, raiva e o pior de todos: A decepção.
Ela se levanta e caminha até mim, julgando-me com o olhar.
— O que você estava fazendo na casa daquela garota?
— Mãe, eu posso explicar...
— Me responde, ! O que você estava fazendo na casa dela?
— E-eu estava estudando.
Sinto uma ardência contra minha bochecha e não demoro a constatar que ela havia me dado um tapa.
— É isso que você chama de estudar, ?
A mulher empurra o celular no meu rosto, mostrando uma foto de eu a nos beijando no portão da casa dela. Como eles conseguiram aquilo?
Ergo os olhos até os de e seu rosto está impassível, ele não demonstra nenhuma comoção ou remorso do que fez.
Como ele pôde fazer isso comigo?
— Depois de tudo que fizemos por você, a boa educação e os ensinamentos da bíblia que demos, você prefere mentir e escolher o pecado? — meu pai diz.
— Eu não escolhi ser assim, pai! — vocifero, entre lágrimas, recebendo outro tapa.
— Você nunca mais vai ver aquela garota, entendeu? Nós vamos te tirar daquela escola e você vai ser monitorada vinte e quatro horas por dia até aprender a não desrespeitar a palavra do Senhor!
A esse ponto já estou chorando tanto que não tenho mais energia para retrucar e também sei que não vai adiantar nada, pois eles não entendem.
Eles nunca vão entender.
Olho para de novo e agora ele tem um sorriso desenhado no rosto. De todos naquela sala, ele é quem mais me magoa porque a dor física nem se compara a com a dor de ver meu melhor amigo gostando de assistir o meu sofrimento.
— Espero que esteja feliz por ter destruído a minha vida, , porque a partir de hoje você está morto pra mim.
Viro-me e começo a correr escada acima em direção ao meu quarto e ouço os gritos de minha mãe atrás de mim. Bato a porta e a tranco, me recosto na madeira e começo a chorar tão copiosamente que minhas pernas cedem e caio no chão.
Meu celular começa a vibrar no bolso da calça e vejo que é , o que só faz meu coração apertar mais. Tento controlar um pouco as lágrimas e atendo a ligação.
— Minha namorada chegou bem em casa? — diz do outro lado e um soluço sai pela minha garganta. — O que aconteceu, ? Você tá chorando?
— Eles descobriram tudo, ! Eles vão me mudar de escola, eu nunca mais vou poder ver você!
Um breve silêncio se faz do outro lado da linha enquanto tudo que consigo fazer é soluçar.
— Vamos fugir — diz e meus olhos se arregalam.
— O quê? Como assim fugir, ?
— Meus pais tem uma casa na praia não muito longe daqui, a gente pode ir pra lá por enquanto. Arrume suas coisas, passarei aí em cinco minutos. Amo você.
Fico tão aturdida que não consigo responder e ela desliga a ligação. Ela acabou de dizer que me ama e quer fugir comigo?
Minha vida virou de cabeça pra baixo em menos de um dia, mas está certa. Não posso ficar aqui, não posso deixar que eles atrapalhem a minha vida e tirem de mim a única coisa real que tenho. Vamos, , se recomponha!
Levanto-me do chão e limpo os rastros de lágrimas do rosto. Esvazio a minha mochila e abro o armário, selecionando as peças de roupas que eu mais gosto, e os únicos objetos que pego são meus fones de ouvido e os óculos que havia me dado logo quando nos conhecemos.
Ponho a mochila sobre os ombros e passeio o olhar pelo quarto, despedindo-me do meu antigo lugar favorito no mundo, o único lugar onde sempre me senti segura. Suspiro e abro a porta, desço as escadas e caminho em direção a porta sem dizer uma palavra. Meus pais ainda estão na sala e provavelmente já foi embora, pensando que havia conseguido o que queria, mas eu gostaria que ele tivesse aqui e visse que agora, graças a ele, vou ser feliz longe daqui com a garota que amo.
— Onde pensa que está indo? — meu pai pergunta.
— Vou embora, se não posso ser eu mesma nessa casa porque é considerado pecado, então é melhor eu não ficar mais aqui.
— Se você cruzar essa porta, , esqueça que nós existimos, esqueça que já teve uma família — minha mãe diz.
Abro a porta e viro a cabeça em direção aos meus pais, encaro fixamente os olhos da mulher que me trouxe ao mundo, ergo os ombros e digo:
— Família não é machucar e proibir e julgar, família é amor, carinho e apoio. Eu nunca tive uma família.
Saio da casa sem olhar para trás e sinto um peso enorme sair do meu peito enquanto ando em direção à saída. Abro o portão e logo encontro recostada a um Jipe novinho e minha boca se abre em descrença.
— Uau, que carro maneiro! Você pode dirigir? — pergunto com a sobrancelha arqueada.
— Tecnicamente, não, mas Vinícius sempre me ensinava uma coisa ou outra quando me buscava na escola. — Ela dá ombros. — E meus pais iriam me dar o carro quando eu fizesse dezoito mesmo, só decidi pegar um pouco antes da hora.
Nós duas rimos e ela segura meu rosto entre as mãos, dando-me um beijo, e abre a porta do carro para mim, em seguida indo para o lugar do motorista.
— Como eles descobriram? — ela pergunta enquanto dá partida no carro e eu suspiro.
— contou tudo e provavelmente me seguiu o dia todo porque até foto da gente se beijando ele conseguiu.
A boca de se abre e logo em seguida seu rosto fica carregado em ódio quando ela desfere um soco no volante.
— Aquele filho da... Ei, não é ele ali? — a garota aponta para frente.
Estreio os olhos para enxergar o ponto em que ela se referia e vejo alguém pedalando uma bicicleta à alguns metros de distância. A medida que começamos a nos aproximar, tenho cada vez mais certeza de que é ele.
— Vamos dar uma lição nele — diz, sorrindo.
A garota acelera o carro e passa bem ao lado do garoto enquanto buzina, fazendo-o se desequilibrar e cair com a bicicleta. dá a ré, estaciona próximo dele e abaixa os vidros.
— Achou mesmo que conseguiria derrubar a gente? Foi a gente que derrubou você! — Ergo os dois dedos do meio para ele. — Vai se foder, seu idiota!
arranca com o carro e nós duas começamos a gargalhar.
— Você viu a cara dele de assustado? — ela comenta, entre risadas.
— Acho que ele pensou que a gente fosse passar por cima dele! — respondo, também rindo.
— Mas eu bem que poderia... — sugere e encaro-a boquiaberta.
— Nossa, você é vingativa mesmo!
— Só com quem machuca a minha namorada. — Ela me lança uma piscadela e acaricia o meu rosto, trazendo-me para perto e me dando um selinho.
Sorrimos uma para a outra e ela liga o rádio. Uma música da Hayley Kiyoko está tocando e nós duas começamos a cantar a plenos pulmões. Coloco os óculos escuros e ponho a cabeça para fora da janela, entoando a letra e sentindo o vento bater em meu rosto. Eu nunca havia me sentido tão livre em toda a minha vida.
— Olha, um bar! — indico para . — Vamos?
— Não sei, , parece perigoso... — Ela aperta o volante em nervosismo. — Nós nem temos idade o suficiente pra entrar.
— Também não temos idade pra fugir de casa e dirigir. — Dou de ombros. — Eu sempre quis ir a um lugar assim, por favor, !
Faço cara de cachorrinho que caiu da mudança e bufa, revirando os olhos, porém acaba cedendo e balança a cabeça em concordância, fazendo eu soltar um grito de animação.
O céu já está escuro, então o bar estar bem cheio — provavelmente são pessoas que acabaram de chegar do trabalho e estão fazendo happy hour. Caminhamos até o balcão e nos sentamos nos bancos rentes a ele.
— Dois shots de tequila, por favor! — peço.
O barman me olha com uma das sobrancelhas arqueada.
— Quantos anos vocês duas tem?
— Dezoito — respondo.
— Posso ver as identidades?
— Esquecemos em casa — responde, dando de ombros.
O homem nos encara com os olhos semicerrados, parecendo nervoso. tira a carteira do bolso, pega uma nota de cem reais e arrasta sobre o balcão.
— Olha, nós só queremos beber alguns drinks e depois ir embora, ok?
O homem bufa e pega a nota da mão dela, virando-se para preparar as bebidas em seguida. Sorrio, animada, e me viro para , entrelaçando meu dedos aos dela, porém um homem à nossa esquerda nos lança um olhar estranho, obrigando-me a soltá-la.
O barman volta com as duas bebidas pedidas e me instrui sobre o que eu deveria fazer: Primeiro lamber o sal, depois tomar a bebida e por fim chupar o limão. Fazemos caretas devido ao ácido da fruta e gargalhamos juntas.
— Olha, uma mesa de sinuca! Vamos jogar!
Aponto e em seguida seguro na mão de e puxo-a até a mesa, onde alguns homens jogavam.
— Você sabe jogar? — pergunta e eu nego com a cabeça.
— Quer que eu ensine, princesa? — um homem questiona em tom malicioso.
— Eu sei jogar, pode deixar que eu ensino — responde com rigidez e o homem ergue as mãos em defesa própria.
pega o taco e passa o giz na ponta e em seguida o entrega pra mim.
— Você é destra, então precisa segurar a base do taco com a mão direta e fazer a ponte com a esquerda. Se incline sobre a mesa e apoie a ponta entre em cima do dedão e abaixo do indicador — ela pede e eu obedeço. — Qual bola você quer encaçapar?
— A vermelha — respondo.
Ela se debruça sobre mim, apoiando as mãos em cima das minhas, ajustando a posição para que a mira fique diretamente na bola vermelha. Sinto sua respiração em minha nuca, fazendo os pelos se eriçarem.
— Comece empurrando o taco devagar e aumente a velocidade conforme ele for chegando mais perto da bola.
Mais uma vez faço exatamente o que ela manda, apesar de ser um pouco difícil me concentrar com ela tão perto e falando no meu ouvido. Assisto em câmera lenta a bola branca rolar pela mesa e bater na vermelha, jogando-a para dentro do buraco.
Abro a boca em descrença e solto taco, virando-me de frente para e me jogando em seus braços.
— Eu consegui! — grito e a garota ri da minha animação.
— Parabéns, .
Ela sorri, acariciando meu rosto, e eu retribuo o sorriso, envolvendo sua nuca com meus braços, e começamos a dançar ao ritmo da música que tocava na Jukebox. Ela estava tão perto que me fazia perder o ar.
— Vocês são namoradas? Dá um beijinho aí pra gente ver! — um homem diz, acabando totalmente com o clima entre nós duas.
revira os olhos e se afasta de mim, segurando em minha mão e me puxando de volta ao bar. Peço uma caipirinha e ela pede água, pois iria dirigir e não podia beber muito.
Bebemos mais alguns shots e dançamos mais um pouco — dessa vez sem nenhum inconveniente para atrapalhar. Não sei se foi por causa da tontura que a bebida me causou, mas começo a ficar com sono, então puxo até um sofá velho no canto do bar e me deito em seu colo. Fecho os olhos e ela começa a passear os dedos pelos meus cabelos até eu pegar no sono.
De repente sinto meu corpo ser balançado e me levanto no susto. Esfrego os olhos e constato que somos as últimas no lugar.
— Ei, já são seis da manhã, vocês precisam ir embora porque tenho que fechar o bar — o barman anuncia.
Emito bufada de ar e resmunga. Pego meu casaco jogado no sofá e segura em minha mão, guiando nos duas para o lado de fora.
Entramos no carro e ela dá a partida, ainda me sinto sonolenta e minha cabeça lateja, então decido apoiar a cabeça seu ombro para tentar dormir mais um pouco.
Subitamente um barulho alto de freada entra pelos meus ouvidos e meu corpo é jogado para frente. Abro os olhos, assustada, e vejo a frente do carro coberta de fumaça.
— O que aconteceu? — pergunto.
— Um carro vinha em nossa direção e pra não bater tive que jogar o carro para fora da estrada e acabei acertando uma placa.
Encaro o rosto de e de repente nós duas começamos a gargalhar. Saímos do carro para ver o tamanho do estrago e felizmente só o para-choque e o capô amassaram um pouco.
— Pelo menos não foi tão ruim. Não podemos ligar para o reboque ou algo assim?
— Não, nós provavelmente vamos parar na delegacia. Não tenho os documentos do carro aqui e mesmo se tivesse ainda não estão no meu nome, além de que não tenho idade para dirigir ainda.
Praguejo mentalmente e dá um chute no pneu do carro. Analiso a estrada deserta em nossa frente e digo:
— Podemos ir andando.
— Ficou louca? Falta tipo uns dois quilômetros.
— A gente pede uma carona ou sei lá.
bufa e pega sua mochila no banco traseiro e eu faço o mesmo. Começamos a andar pelo canto da estrada e nenhum carro ou caminhão aparece por ali.
— Estou cansada — diz, ofegante e eu ergo uma sobrancelha.
— Já? Estamos caminhando não tem nem meia hora.
— Você é acostumada a ir para a escola andando, eu não. — ela dá de ombros, fazendo-me rir.
— Sobe nas minhas costas, vou carregar você.
— Sério? — ela questiona e eu balanço a cabeça em confirmação.
se aproxima e pula em cima de mim, envolvendo meu pescoço com os braços. Agarro em suas coxas e começo a brincar com ela, andando em ziguezague, enquanto rir. Ela avista um carro vindo em nossa direção e aponta, eu a coloco de volta no chão e nós duas começamos a pular e fazer sinal com as mãos para que o motorista veja, porém o carro passa direto.
— Babaca! — grito, atirando meu casaco contra o veículo e vendo-o cair no chão.
Bufo e pego o casaco novamente. Voltamos a caminhar enquanto o Sol começa a ficar cada vez mais forte e a sede a apertar. A cidade parecia cada vez mais longe e minhas pernas doem. Vejo um carro parado à alguns metros de distância e aperto os olhos para me certificar de que não estava vendo coisas.
— Ei, tem uma picape ali! — indico para .
— Deve estar quebrada.
— Não, tem alguém ali dentro, eu vi. Se a gente correr talvez consiga pegar uma carona.
Começo a correr o mais rápido que consigo e subo na traseira da caminhonete, , que estava mais cansada, não consegue acompanhar meu ritmo e acaba ficando para trás. O carro começa a se mover e arregalo os olhos.
— Corre, ! — grito, estendendo a mão para ela.
começa a correr mais rápido até conseguir alcançar minha mão, eu a seguro e a puxo para dentro da caçamba da caminhonete. A garota se deita, ofegante, nos encaramos e começamos a rir sem parar. estica a mão até mim, acariciando meu rosto, sorri e começa a se aproximar cada vez mais, porém, antes que ela pudesse me beijar, a caminhonete para de andar e o motorista sai.
— Que porra é essa? O que vocês estão fazendo aí? Saiam da minha caminhonete!
— A gente só tava pegando uma carona! — respondo, me levantando.
— E vocês acham que eu sou o quê? O Papai Noel? Saiam, anda!
Emito uma bufada de ar e nós duas descemos da caçamba.
— Ei, você é filha do Pastor Jorge, não é? — o homem questiona e eu balanço a cabeça, afirmando. — Cresceu, hein? Quase não te reconheci. O que está fazendo por aqui?
— Nosso carro quebrou e precisamos de uma carona até a praia. Você pode nos ajudar?
O homem estica a mão até mim e passeia os dedos pelo meu rosto, inspecionando todo o meu corpo com os olhos, fazendo eu me encolher, e sorri.
— Claro, linda. Você pode ir no carona comigo e sua amiga vai atrás.
Concordo com a cabeça e dou a volta no carro, abrindo a porta.
— O que tá fazendo? Vai mesmo pegar carona com esse cara? — pergunta.
— Não temos outra opção, .
— , esse cara é perigoso, viu o jeito que ele olhou pra você? E como ele te tocou? Não entra nesse carro, , por favor.
— Acha que eu não sei me defender? O que você planeja fazer? Ir andando? Já estamos andando há mais de uma hora e nada!
— A gente pode dar um jeito, pegar carona com outra pessoa, sei lá.
— Não tem outra pessoa! Entra no carro, !
— Não, eu não vou entrar no carro de um pervertido, , e você também não deveria fazer isso!
Encaro , furiosa, e entro no carro, batendo a porta em seguida.
— , por favor, não faz isso.
Ignoro-a e faço sinal com a cabeça para que ele siga viagem. O homem passeia a mão pelos meus cabelos, colocando uma mecha atrás da orelha.
— Não fica triste, linda, ela é que tá perdendo.
Encolho no lugar e respiro fundo. Calma, ele conhece a minha família, certo? Então não vai fazer nada.
— Quem é aquela garota? Sua amiga?
— É minha namorada — digo, firme, para mostrar que não quero nada com ele.
— Namorada, é? — Ele põe a mão sobre a minha coxa. — Isso é porque você ainda não conheceu o homem certo.
— Tira a mão de mim! — vocifero, afastando-o.
— Hum, que selvagem! Vamos ver se você também vai agir assim quando eu estiver fodendo você.
Ele para o carro e sai, dando a volta. Sinto meu corpo inteiro se encher de desespero quando ele abre a minha porta e segura em meu braço, puxando-me para fora.
— Por favor, não faça isso — imploro, me debatendo e sentindo as lágrimas se acumularem em meus olhos.
— Calma, linda, você vai gostar. Vai sentir o que é ser fodida por um homem de verdade.
Não consigo mais segurar e as lágrimas começam a descer pelo meu rosto.
— Não, por favor... — imploro, entre soluços.
Minha mente dá um apagão e tudo acontece rápido demais: Não sei como, mas consigo acertar um chute no meio das pernas dele e o homem cai no chão, agonizando.
Começo a correr na direção contrária, corro tão rápido que me falta ar nos pulmões e ignoro totalmente as minhas pernas reclamarem e latejarem de dor. Sinto o vento gelado bater em meu rosto, secando as lágrimas que rolam por ele. De repente avisto alguém caminhando na beira da estrada e pelo casaco sei que é ela.
— ! — chamo.
Ela se vira, sorrindo, e não demora mais do que alguns segundos até eu estar entre seus braços, grudando meus lábios aos dela. Descarrego naquele beijo todas as emoções que se passavam pelo meu corpo: O medo, o arrependimento, o alívio e o amor.
— Desculpa, desculpa, desculpa — murmuro repetidamente, com a testa colada a dela. — Eu amo você, .
— Eu também amo você, .
Ela sorri e volta a colar os lábios aos meus e abraço-a tão forte contra mim que acabamos caindo no chão, mas não paramos. Estamos nos beijando, deitadas no meio da estrada com vários perigos em volta, mas não ligo. Não ligo porque nesse momento ela é tudo que eu preciso.
FIM.
Nota da autora: Nada mais representativo do que eu te terminado essa fic no dia da visibilidade lésbica, não é mesmo? Hahaha Foi uma honra escrever essa fic baseada nesse clipezinha da porra com essas duas mulherões da porra. Awomen, Lesbian Jesus. Awomen, Kehlani. Enfim, é isto, ainda pretendo aparecer aqui com mais fics de sapatão, me aguardem hahahaha Espero que tenham gostado tanto quanto eu gostei de escrever e não se esqueçam de comentar o que acharam <3
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