Envio: Janeiro de 2021

Capítulo Único

Janeiro, Estados Unidos da América

null assistia sem prestar atenção a reprise de uma corrida na TV, estava em casa haviam duas semanas. Pensara que conseguiria fugir de seus sentimentos se saísse da fria Alemanha e voltasse para seu país. Não podia dizer que com aquela escolha voltava para casa, mesmo que a família ainda vivesse nos Estados Unidos, ele sabia bem que seu lar já não era daquele lado do Atlântico, mas sim no pequeno principado de Mônaco, não sabia que sentiria tanta falta daquele lugar até ter que ir embora. Sentia falta do ar, da gente rica que parecia se reproduzir naquele pequeno pedaço de chão, dos turistas embasbacados, de ser só mais um piloto vivendo sua vida em paz.
Sequer se deu conta da aproximação de seu irmão, Dino, que sorrateiramente desligou a TV. null somente percebeu dez segundos depois e quando procurou o culpado por aquilo, encontrou o cenho franzido do irmão mais velho.
- O que você está fazendo? Nem ouse dizer assistindo TV. – Ele indagou e null apertou os lábios, tentou se concentrar na janela mais perto do sofá.
- Refletindo. – Ele deu de ombros.

Dino expirou pesadamente, caminhou até o irmão e se sentou ao lado dele no sofá. Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos, como um acordo de que ninguém tocaria no assunto que ambos sabiam que deixava o mais novo tão fora de órbita.
- Olha – Dino suspirou, fechando os olhos e inclinando a cabeça. – eu sei que você acha que fez o melhor, mas se fazer o melhor for ficar assim...é melhor desfazer.
- Você não entende o que está em jogo. – Lembrou null.
- O que eu não entendo é você. – Dino balançou a cabeça negativamente. - Você tem algumas opções, pelo que vejo. A primeira é superar, já que não há nada para se fazer a respeito, seguir em frente, parar de ficar se lamentando pelos cantos como um cachorro que foi esquecido na mudança.
- Simples, não é? Sinceramente, você é um gênio. Não sei como não pensei nisso antes. – null debochou e riu sem humor.
- Cala a boca. – Ralhou o irmão. – A segunda, é ir atrás dela, contar a verdade e encarar as consequências, sejam elas quais forem. Mas eu acho que você não quer fazer isso, então voltamos a primeira opção. null, você não pode continuar assim, vivendo desse jeito, como uma sombra.

Doubt, doubt, doubt It kills everything that you love
Dúvida, a dúvida, dúvida Ele mata tudo o que você ama



- Você fala como se fosse fácil, mas tem coisas demais em jogo para eu fazer qualquer coisa. – null suspirou. – Eu sei o que eu quero fazer, mas não tenho certeza sobre isso...não sei se é o certo a se fazer ou se seria algo que seria bom só para mim.
- A dúvida é um veneno que mata devagar, meu irmão.
- E o que você acha que está acontecendo comigo agora? – null arqueou uma sobrancelha.

null sabia que estava se perdendo, sabia que as dúvidas o estavam matando. Não havia um dia sequer que não questionasse a atitude que tomou naquela maldita noite, nenhum dia se passava sem que ele remoesse, se arrependesse, depois se convencesse de que foi a escolha certa mais uma vez. Era um ciclo vicioso terrivelmente doloroso.
Depois da corrida no Brasil, na temporada anterior, quando seu tio e empresário havia ameaçado em pratos limpos a carreira dela, o inferno na Terra começara. François era como um pai, protetor, cego pelo desejo de que null seguisse seus passos e fosse um piloto tão brilhante quanto ele, mas sempre a qualquer preço. Para null, carreira, títulos, dinheiro, fama, tudo tinha o segundo lugar quando se tratava do grande amor de sua vida, null.
Entre tantos altos e baixos, tantas dificuldades, quando enfim conseguiram ficar juntos, François decidiu que um relacionamento o atrapalharia e usou sua influência para que null fosse despedida da rede de televisão para qual trabalhava. null conhecia melhor que ninguém o amor da jornalista francesa por seu trabalho, vê-la perder tudo pelo que lutara a vida inteira partiu seu coração, principalmente por ser por sua causa.
Mas antes que pudesse tomar qualquer decisão a favor de seu amor, seu tio o intimara a uma escolha, a carreira de null ou o relacionamento dos dois. null não podia fazer aquilo com a francesa, com a sua francesa. Odiava o tio por força-lo escolher, mas François era família, era sua família e o americano devia tanto a ele...
Duas semanas depois null se mudou para Alemanha, para ajudar o tio com negócios e para se preparar para a próxima temporada, já que por questões emocionais, não havia feito boas corridas no resto do ano, perdendo o campeonato que já estava praticamente em seu colo.

Now, now, now I'm losing myself on the run
Agora, agora, agora estou me perdendo na corrida



O Americano era alguém diferente agora, inseguro, perdido, ansioso, triste. Todo seu bom humor e alegria desaparecera, e nas pistas não eram nem sombra do null que todos conheciam e aquilo começava a despertar atenção dos jornalistas para a próxima temporada. No fundo, null torcia para ler alguma matéria ou assistir alguma reportagem em que null o criticasse, falasse mal dele ou algo do tipo, mas a jornalista aparentemente se esquecera de sua existência.
null evitava, mas quando não podia conter seus impulsos, recorria à internet e passava noites inteiras assistindo vídeos de entrevistas, lendo recortes de jornais e revistas, olhando fotos do casal antes do rompimento. Tentando de maneira simples e a distância, matar a saudade que tanto o sufocava.



Março, Estados Unidos da América

And I flew to California Thought I could leave Every piece of you right here
Yeah, I flew to California Still wide awake Oh the sun burned it on clear

E eu voei para a Califórnia pensei, que eu poderia deixar cada pedaço de você aqui
Sim, eu voei para a Califórnia, ainda bem acordado Oh, o sol tornou mais claro.




Enquanto assistia as ondas quebrarem nas pedras, formando espumas grossas e barulhentas, null observava o céu fechado. Ainda não eram três da tarde, mas as nuvens pesadas faziam parecer noite, choveria muito em breve e o vento cortante era anúncio.
Era segunda-feira, o fim de semana de corrida na Malásia não fora bom. Sua nova equipe investira pesado em marketing sobre sua contratação, muitas especulações desde o final da última temporada no ano anterior, mas, infelizmente não conseguia alcançar aquelas expectativas. Não conseguia porque já não era mais o mesmo homem. Existiu um null antes de null, fraco, imaturo, impulsivo. Houve o null com null, centrado, feliz, calmo, e o null depois dela, perdido, triste, confuso e solitário.
Quando decidiu que sempre voltaria para casa da família, na Califórnia, pensava que aquilo tornaria tudo mais fácil, estar na presença dos amigos de infância, familiares...mas era como se ele não encontrasse mais seu lugar, nenhum espaço era confortável, nenhuma cama, nenhuma roupa, nem sua própria pele. O sol parecia mais claro, doía os olhos, tudo era incômodo. Quando null deixou Mônaco, pensou estar deixando lá tudo que o fazia lembrar a francesa, mas aos poucos percebia que os pedaços dela que faltavam estavam colados a ele.

How I still love you I still love you
Como eu ainda te amo, ainda te amo



Ainda era perdidamente apaixonado por null, cada segundo que passava longe dela só o fazia ter certeza. A falta de seus questionamentos filosóficos, de seus livros pela casa, dos gatos, das flores, do cheiro de seu cabelo. null era como um viciado em abstinência. Amava null, talvez não fosse possível que os dois ficassem juntos, mas a amava de todo coração.



Abril, Austrália

- Você não pode continuar assim, null! – François gritou pela centésima vez quando o sobrinho voltou para a garagem depois de mais uma corrida fracassada. – Olhe para mim enquanto falo com você, garoto.

null respirou fundo, retirou a balaclava e girou em seu próprio eixo, encarando o tio.
- O que pensa que está fazendo? Destruindo sua carreira assim. Jogando um nome tão tradicional nas corridas na lama. Como se não fosse nada. - François bronqueou aos berros. – Agindo como se não fizesse diferença, como se nem mesmo quisesse estar ali.
- Eu dei o meu melhor. – null respondeu desanimado.
- Ainda tem a audácia de dizer isso...eu devia te dar as surras que não dei quanto era criança. – Falou o mais velho.
- Nós realmente temos algumas contas para acertar. – Concordou null.
- Então é sobre isso. – François sorriu presunçosa, mudando rapidamente seu semblante. – Ainda está fazendo pirraça por causa daquela garota de Mônaco...sabe, você pode encontrar uma daquelas em qualquer lugar, aos montes.
- Você está enganado, sobre tudo e não devia falar dela. Não você. – null repreendeu trincando os dentes.
- Você é muito emocionado, null. – O tio zombou. – Agora seja homem e honre seus compromissos, não seja como... – François parou de falar quando percebeu que estava prestes a ofender a família do sobrinho. Não se importava em ofende-los, mas sabia que naquele momento, irritar mais o jovem piloto seria má ideia.
- Agir como um homem? Como você agiu? – null riu em escárnio e se aproximou do tio, olhando em seus olhos. – Me usando como um fantoche, manipulando minha vida ao seu gosto, me obrigando a ficar longe da mulher que eu amo para que você pudesse ficar um pouco mais rico? Se for assim, prefiro que complete a frase, prefiro não ser homem como meu pai. – Sentenciou.
- Não vou perder meu tempo com essas contendas infantis. Vá se trocar, talvez pelo menos isso você faça com alguma velocidade. – François fingiu-se de desentendido e deu as costas para o sobrinho.

Com a saída do homem, null descarregou a raiva que sentia chutando a parede algumas vezes. Não entendia como alguém que ele amava tanto podia ser tão frio e distante como François era, tão mais interessado em poder e em dinheiro do que na sua felicidade. Capaz de destruir um casal apenas para que tivesse um pouco mais de dinheiro, apenas em benefício próprio.
- Calma aí, cara. – Dino pediu se aproximando do irmão de repente.
- Não, não me peça para ficar calmo. – Bufou.
- Foi uma corrida ruim, mas é só a terceira da temporada. Você ainda pode se recuperar.
- Não, foi uma corrida horrível e se continuar assim, não sei se vou me recuperar. – null pontuou e então apoiou a testa na parede e expirou profundamente. – Talvez seja melhor, se eu não for mais o null piloto, posso seguir minha vida sem todo esse caos que me persegue.
- Está falando do tio François? Eu ouvi a conversa de vocês. – Dino se aproximou e tocou o ombro do irmão com gentileza. – É verdade? Você e null se separaram por causa dele?
- Sim, mas a escolha foi minha. – Admitiu depois de uma risada amarga. – Ele tem muitos contatos, fez com que ela fosse despedida e que ninguém do jornalismo esportivo abrisse as portas para ela.
- Ele tem influência para tudo isso? – Dino indagou surpreso.
- Me usando como moeda de troca, tem. – Contou null. – Depois de fazer isso, ele deixou implícito que se eu o acompanhasse e ajudasse ele a assumir a presidência da escuderia, null não teria mais problemas profissionais. Todos ganhariam.
- Isso é nojento. – Dino cuspiu. – Não sei como você consegue olhar para ele depois disso.
- Não consigo, mas preciso. – null girou o corpo e colou as costas na parede, fechando os olhos e inclinando a cabeça para trás. – O problema é que eu não aguento mais, não aguento mais essas corridas horríveis, não aguento mais de saudades dela...não aguento mais.

But sometimes you have to go trade your heart for bones
to know you need to come back home, come back home

Mas às vezes você precisa trocar a emoção pela razão
Para saber que você precisa para voltar para casa, voltar para casa




- Você está sendo tonto demais, irmão. – Dino disse.
- Como assim?
- Por que não largou tudo e foi atrás dela ainda? Fica pensando no que seria melhor, protegendo a carreira dela, protegendo a null do François, como se ela precisasse disso, mas a que custo para vocês dois?
- Isso não é ser tonto, é colocar a null em primeiro lugar. – null se defendeu.
- E isso não é ser racional? – Indagou balançando a cabeça. – Me ouça, sabe por que você sempre foi um piloto brilhante? Você seguia sua intuição, sua emoção e isso fazia de você diferente. Você tinha técnica, mas também tinha essa aura de piloto. Às vezes é preciso parar de ouvir os ossos, a razão para ouvir o coração. Mas no caso da null, ouça seu coração e aja racionalmente, afinal, será que vocês juntos não podem enfrentar o tio François?

Paint-chipped skies nothing is ever as it seems
Behind these codeine eyes blind to the world in between

Céus desbotados, nada é como parece
Por trás desses olhos entorpecidos, cego para o mundo em volta




Os dias se passavam como um borrão, como se null não estivesse vivendo, apenas assistindo a algum filme chato enquanto pensava no que comeria a seguir. Mal acompanhava os movimentos ao seu redor, estava melancólico, perdido, cego para tudo que não tivesse a ver com null.
Numa manhã ensolarada, enquanto observava o céu ainda deitado imóvel na cama, um casal de gaios azuis adentrou o quarto numa revoada agitada. Enquanto os observava, null pensava no quão fácil era a vida daquelas aves, poder apenas viver o momento, sem se preocupar com as teias de sentimentos que envolviam as relações humanas e toda aquela droga que o impedia de estar onde queria estar.
Mas a quem ele queria enganar? Não havia nenhuma teia o prendendo além das que ele mesmo criou. Enquanto se encolhia de medo, deixando que outras pessoas decidissem sua vida, null devia estar seguindo em frente, sua garota devia estar com outros caras, enquanto ele ficava pelos cantos, cheirando a cerveja e maconha. null e null nasceram um para o outro, tinha certeza disso e não podia aceitar que outros tivessem sua garota enquanto ele passava os dias se lamentando e assistindo a vida passar.
null sempre fora o amante mais apaixonado da vida, adorava viver e estar vivo, aproveitar o tempo que lhe cabia na Terra, mas agora não passava de um fantasma se arrastando por aí, sem a mínima vontade de existir. Quando o casal de passarinhos voou para fora do quarto, null pôs-se de pé, tomou um longo banho gelado e depois se dirigiu ao barbeiro mais próximo, era hora de parar de fugir e de ter pena de si mesmo.

XX



Horas depois, com barba feita, cabelo cortado e malas em mãos, null desembarcava em Mônaco. Não aguentava mais esperar, não entendia a razão de ter protelado aquela ação por tanto tempo, ter atrasado aquele reencontro. Tentava ensaiar o que diria, como explicaria a situação para null, como contaria a ela que abriu mão do amor de sua vida sem lutar, com tanta facilidade.
Precisava tanto vê-la, que mesmo não fazendo ideia do que dizer, se dirigiu o mais rápido que pôde ao apartamento da francesa, da sua null.

Meia hora depois, já estava subindo as escadas que davam acesso ao terceiro andar do prédio antigo nos arredores de Mônaco. Se sentia trêmulo, as pernas bambas, coração acelerado, borboletas no estômago, imaginou tantas vezes aquele encontro, mal podia acreditar que enfim estava ali, a distância de apenas uma porta de null.
Respirou fundo e bateu na porta, duas vezes, como sempre fizera para que ela soubesse que se tratava do americano. null pode ouvir passos do outro lado da porta e então cessaram, como se null não acreditasse que aquelas batidas viessem de quem geralmente vinham. O piloto pode ouvir a ex-namorada expirar pesadamente e então a porta foi destrancada e os olhos incrédulos de null se encontraram aos ansiosos de null. Por alguns segundos o olhar da mulher fora terno, dócil e até mesmo feliz, mas rapidamente se transformou em mágoa, surpresa e um pouco de decepção e de rancor.

- null?
- Oi, null. – Ele cumprimentou sorrindo fechado.
- O que você quer aqui? – Quis saber ríspida.
- Eu voltei, voltei para ficar. Voltei para lutar por nós dois, voltei para você. – null anunciou se aproximando um pouco mais do batente da porta.
- Voltou...- null riu amarga e rolou os olhos. – É isso, se trata disso para você, não é? Você acorda num dia me dizendo que se cansou de mim, que quer aproveitar a vida sozinho, vai embora e quando se cansa da nova vida acha que pode simplesmente voltar. Acha que a idiota da null vai estar te esperando de braços abertos, não é?
- Não, eu sei que não. Mas se me der uma chance, só uma chance...eu posso, posso explicar tudo. – Pediu suplicante.
- Eu não quero te dar outra chance, não quero que você entre na minha vida de novo, null. Não quero que bagunce tudo que consegui arrumar nesses meses. – null disse decidida, cruzando os braços sobre o peito e levantando o queixo.
- Eu sei que não tenho esse direito, sei que não posso voltar aqui depois de todo esse tempo e pedir para que esqueça de tudo...null, mas eu...eu gostaria muito de pelo menos me explicar, contar tudo o que aconteceu a você. – null pediu, sabia que ela tinha razão, era injusto com a francesa impor sua presença novamente, mas precisava corrigir aquele erro.
- Eu não quero desculpas, não quero explicações. – null negou e bateu a porta, sem ao menos dar tempo para que null a impedisse.

And I flew to California thought I could leave every piece of you right here
Yeah, I flew to California still wide awake, Oh the sun burned it on clear

E eu voei para a Califórnia, pensei que eu poderia deixar cada pedaço de você aqui
Sim, eu voei para a Califórnia ainda bem acordado. Oh, o sol tornou mais claro




null apoiou a testa na porta, sabia que seria um reencontro difícil, mas no fundo tinha alguma esperança de que fosse um pouco melhor. Do outro lado da chapa grossa de madeira de pinho, podia ouvir o choro baixo de null, odiava aquilo, ouvi-la chorar por sua causa. Mas não enfiaria o rabo entre as pernas e voltaria para casa, não sem tentar.

- null, eu sei que sou a última pessoa que quer ver...ouvir. Mas eu vim até aqui porque cansei de me arrastar nesses últimos seis meses, cansei de me sentir um fantasma, impotente por medo. – null disse de olhos fechados, ainda com a testa grudada a porta. – Quando eu fui embora, não foi por mim, eu juro. Espero que algum dia tenha a chance de te explicar a razão por trás de tudo isso, mas não espero que entenda ou concorde. Quando eu fui para Califórnia, achei que conseguiria me afastar, que deixaria cada pedaço de você aqui, que me afastando, tudo isso deixaria de me afetar. – O piloto expirou pesadamente. – Mas não é bem assim, não funciona assim. Tudo ficou pior, a saudade que senti foi enlouquecedora, é enlouquecedora. Até a luz do sol me faz mal quando estou longe de você. – Confessou.

Do outro lado da porta, null, sentada ao chão, ouvia aquelas palavras, parte sua queria acreditar, sentia tanta falta de null que mal podia respirar, mas outra parte estava tão ferida com sua partida que apenas desejava gritar, bater nele e chorar. Era a parte mais ferida que a francesa escolhera ouvir naquele momento, não podia baixar a guarda para ser ferida mais uma vez pela mesma pessoa.

How I still love you I still love you
Como eu ainda te amo, ainda te amo



- Eu precisei de muito tempo, infelizmente, para perceber que sou mais forte quando estou com você, para perceber que juntos podemos enfrentar qualquer coisa...qualquer pessoa. Precisei de tempo para perceber que eu te amo incondicional e completamente. E é essa a verdade, null. – null riu entredentes. – Eu te amo e vou te amar para sempre, só existe eu se você estiver comigo. Eu te amo, você é a minha vida.

Depois de alguns minutos sem obter qualquer resposta, null resolveu ir embora. Conhecia null o suficiente para saber que a francesa precisaria de certo tempo para lidar com tudo aquilo, para racionalizar tudo que sentia no momento e não queria ser intrusivo. A despedida não fora fácil, o reencontro também não seria, mas ao menos ele tinha uma certeza, lutaria por aquele amor até suas últimas forças se fosse necessário.

But sometimes you have to go trade your heart for bones
To know you need to come back home, come back home

Mas às vezes você precisa trocar a emoção pela razão
Para saber que você precisa para voltar para casa, voltar para casa




Estar de volta não era nada fácil, explicar para os amigos e todos que se importavam as razões que levaram null a partir sem se despedir fora uma tarefa extremamente difícil. Todos se sentiam traídos, abandonados, e convence-los de que aquela tinha sido a melhor escolha se tornava cada vez mais difícil, principalmente por null já não ter mais certeza. Se perguntava o tempo todo se tio François era mesmo alguém tão terrível, um vilão tão invencível, se juntos, ele e null não conseguiriam escapar daquele problema.
Nas semanas que se passaram, null deixava a cidade apenas para as competições, seus resultados estavam melhorando, parecia voltar a ter o controle sobre sua própria vida. Vez ou outra esbarrava com null nos corredores, mas a jornalista fingia não conhece-lo quase sempre.
null sempre soubera que a jornalista francesa era dona de um orgulho impenetrável, mas numa situação como aquela, não podia culpa-la. Quando decidiu que seria melhor partir, a desculpa que usou foi a mesma que null sempre repetiu durante as investidas do piloto americano, de que ele logo se cansaria dela. Imaginava o quanto aquilo a devia ter destruído, mas naquela época, pensava que aquilo seria o melhor para ela, libertá-la daquela bagunça que ele trazia consigo. Aparentemente, null estragava tudo que tocava e não queria estragar a vida de sua amada também.

Getaway, I always thought I needed a getaway
Escape, eu sempre achei que precisava de um escape



Refletia sobre tudo isso enquanto esperava que terminassem de ajeitar a luz para dar início a entrevista.

- Vamos começar em 3...2...1...- Anunciou o jornalista. – E não é só nas montanhas russas que temos altos e baixos, a carreira de qualquer piloto, mesmo os melhores pode enfrentar períodos de vacas magras. – Ele disse e fez o sinal combinado anteriormente para que null começasse a falar sobre a crise de sua carreira.
- Como piloto nós estamos sujeitos a passar por muitas coisas, como qualquer outro atleta ou profissional. Se o carro não está bom, se não estamos bem fisicamente ou se o emocional não está legal...nós sofremos do mesmo jeito, claro que são consequências diferentes, mas sofremos. – null explicou. – Não somos máquinas para ter o mesmo desempenho para sempre, acho que isso é o que falta todos compreenderem.
- null, você diria que essa má fase tem mais a ver com o carro e a mudança de equipe, a nova adaptação, ou é algo com o null null, piloto? – Perguntou o repórter.
- A mudança de equipe tem alguma influência, com toda certeza. Mas as questões que me atrapalharam no final da última temporada e no início dessa foram questões emocionais, fatores emocionais que eu ignorei, mas que atingiram e interferiram no meu desempenho bem mais do que eu imaginei que interfeririam. – Confessou.
- O que pode afetar tanto a vida de um piloto assim? Surgiram muitos boatos na mídia, alguns diziam que você pretendia parar de correr, outros falavam sobre uso de drogas. – O jornalista lembrou e null riu abafado, sem humor e fechou os olhos, balançando a cabeça negativamente e encarando o chão por alguns segundos.
- Eu fiz escolhas ruins, escolhas de vida ruins. Na minha vida pessoal eu não sou tão corajoso e inteligente quanto nas pistas, acabei cometendo erros achando que estava acertando, por isso perdi alguém muito importante. Isso me desestabilizou muito, eu nunca mais fui o mesmo sem a presença dessa pessoa na minha vida, e provavelmente nunca volte a ser. – Fechou os olhos e expirou profundamente, num suspiro doloroso.
- Acho que digo por todos quando digo que lamentamos a sua perda. – O repórter lastimou. – Mas o que importa para você é o resto da temporada, eu imagino.
- Não totalmente. – Anuiu. – Eu realmente pensei em parar de correr várias vezes. Eu amo correr, mas minha carreira vem em segundo plano, em primeiro estão as pessoas que eu amo. Por elas eu abandonaria minha carreira, status e tudo que está ligado a isso num piscar de olhos.
- Você trocaria seu último mundial por isso? Para reverter as escolhas que te trouxeram até essa fase ruim? – O jornalista quis saber curioso.
- Eu trocaria todos os meus títulos, minha carreira, tudo...trocaria tudo pela chance de voltar atrás e fazer uma escolha diferente. – null confessou e sentiu o nó na garganta roubar seu ar.

But I still love you I still love you
Mas eu ainda te amo, ainda te amo



null tinha os olhos focados na omelete que seria seu café da manhã, o cheiro de ovos e pimenta do reino se espalhava pela cozinha e perfumava todo ambiente. As sete da manhã o movimento dos carros na avenida já era intenso e os ruídos começavam a alcançar o vigésimo andar, no apartamento de null null. null retirou a frigideira do fogo e serviu a omelete, mas antes que pudesse se servir da primeira garfada, a campainha tocou insistentemente. Não fora avisado pela portaria, o que sugeria ser alguém conhecido, se arrastou até a porta, com os cabelos ruivos totalmente bagunçados e com roupa de dormir.
Quando girou a maçaneta, seus olhos mal podiam acreditar naquela cena, null estava diante dele, de pé em sua porta, com olhos injetados e agitados, olheiras e cabelos presos. O estado da jornalista denunciava suas incertezas e angustias. null piscou rapidamente e quando se deu conta de que não estava sonhando, convidou-a a entrar.
- Desculpe o horário. – Ela disse enquanto encarava o chão e encaixava as mãos nos bolsos traseiros do jeans.
- Não, está tudo bem. Você nunca incomoda.
- Não vou enrolar. – Ela se aproximou alguns passos e olhou firmemente nos olhos do piloto. – Eu assisti sua entrevista. Quero ouvir de você, o quanto aquilo tudo é verdade...porque, ou você é o mentiroso mais manipulador do universo, ou está realmente arrependido...
- Eu estou. – null a interrompeu.
- Não terminei de falar. – Ela o repreendeu. – Eu não sei se está arrependido por minha causa ou por causa da sua carreira. Falar é muito fácil, qualquer um pode falar o que quiser para comover as pessoas, mas sentir, null? Sentir é que é difícil.
- Você está aqui, veio me ouvir, certo? – Ele tentou agir com paciência. – Me deixe te explicar, então. Sente comigo, me deixe te contar tudo e depois você julga se eu mereço seu perdão ou não.

null o encarou ressabiada, mas mesmo assim concordou e se sentou, prestando atenção a cada palavra que saía da boca do ex-noivo.

But sometimes you have to go trade your heart for bones
To know you need to come back home, come back home

Mas às vezes você precisa, trocar a emoção pela razão
Para saber que você precisa para voltar para casa, voltar para
casa




- Eu não acredito...você não tinha o direito de fazer isso, não podia escolher por mim! – null gritou pondo-se de pé.
- Eu sei que não, hoje eu vejo isso, null. Mas na época, tudo que eu enxerguei foi a mim e a minha família estragando as coisas para você. – null confessou.
- Você...você diz isso, mas continuou ao lado dele, todo esse tempo. Você...você fica dizendo que me amava e toda essa besteira, mas...mas a sua escolha não mostra isso.
- Não? Como não! – null aumentou a voz, alterado pela acusação de null.
- null, você escolheu o caminho mais fácil, como sempre fez. Escolheu não brigar e apenas obedeceu seu tio como um cordeiro, destruiu todos os planos que tínhamos feito, tudo pelo que lutamos.
- Eu sei que devia ter brigado, eu sei. Mas eu tive medo, tive medo de você me odiar por saber que a culpa de tudo era minha, tive medo de que você me mandasse embora...então eu mesmo fui, null. Eu fui. – Admitiu ele em um suspiro, depois levou as mãos à cabeça e bagunçou os cabelos.- Eu tive medo de perder sua admiração, seu respeito...e o François...ele é família, uma das poucas famílias que me restam...
- Você podia ter sido sincero, podia ter me contado a verdade e nós resolveríamos isso juntos, mas você...eu nem sei o que dizer, null. Seria melhor se você tivesse perdido o interesse por mim. – Ela disse enquanto jogava o corpo sobre o sofá e cobria o rosto com as mãos.
- Eu daria tudo...qualquer coisa para voltar naquela noite e fazer uma escolha diferente.
- Mas não pode, não pode voltar atrás, o que foi feito está feito. E sabe o pior disso? – Ela riu entredentes, sem humor. – O pior é que eu sei que se algum dia tentássemos de novo, e seu tio tentasse interferir, você cederia mais uma vez...e o pior disso, é saber que eu ainda te amo, mas não posso amar alguém assim.
- null, eu também te amo. – null declarou ajoelhando-se diante a mulher.
- Eu sei, vejo isso nos seus olhos...e isso, null, é o que torna tudo tão horrível. – null pôs-se de pé, e sem que null tivesse tempo de raciocinar caminhou até a porta.
- Não, não vá. Por favor, não faça isso comigo. – Implorou enquanto tentava alcança-la.
- Por que, null? Por que eu não devo fazer o mesmo que fez comigo? Por que devo te dar outra chance? Por que me iludir com você novamente, para que quando François assoviar, você me deixe e vá atrás dele novamente?
- Por que eu mudei, null! – Ele gritou. – Eu te amo. Eu estou aqui, vim até aqui apenas para tentar consertar as coisas entre nós, deixei tudo para trás porque eu te amo. Do jeito mais maluco, torto e imaturo, porque eu sou assim. Me desculpe não ser um homem perfeito, maduro, bem resolvido, que não tem medo, traumas e gatilhos emocionais. Me perdoe por não saber fazer escolhas difíceis, me perdoe por ter falhado. Mas eu estou tentando mudar, estou tentando ser alguém melhor por você, por nós. Eu aprendi que só sei amar a vida, se você estiver nela, que só sei ser feliz se for com você.
-null...eu...- null titubeou.
- Eu te amo e estou aqui...eu sei que está triste, decepcionada, sei que está com raiva de mim, mas por favor, fique comigo, fique comigo mesmo com raiva, me beije com raiva. – null pediu e acabou com a distância entre os dois, beijando null antes que ela pudesse recuar.

O beijo não durou muito, mas fora suficiente para os fazer relembrar todos os sentimentos adormecidos e sufocados pelo tempo. Tudo que antes se incendiaria quando os dois estavam juntos, agora era ressuscitado, as chamas alimentadas na proporção em que as línguas se encontrava.

Getaway, I always thought I needed a getaway
Escape, eu sempre achei que precisava de um escape



- Eu achei que precisava fazer isso, achei que precisava fugir daqui...fugir de você. Mas eu percebi que só fugi de mim mesmo, porque tinha medo da intensidade do amor que sentia por você. – null declarou olhando nos olhos de null. – Eu amo você, null. Hoje eu amo você e prometo fazer o impossível para que estejamos juntos para o resto das nossas vidas

Dizendo isso, ele uniu seus lábios mais uma vez, se assegurando de manter aquele momento na memória para sempre.



Fim.



Nota da autora: Oie, que bom que passou por aqui. Espero que tenha curtido essa história ♥
Um grandeee beijo!!






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