Última atualização: 14/05/2021

Capítulo Único

descansava sua cabeça no apoio da cadeira de rodas que tinha se tornado seu lar de uns meses para cá. Observava a maré que subia e descia, o verde claro da água se esmorecendo até se tornar uma espuma branca na beira da praia. Escutava o alegre tilintar de taças e pratos vindos da sala de estar onde sua família se reunia para o almoço e inspirava com vontade o ar puro de sal e maresia que ele tanto amava.
Seus pais não estavam confortáveis com sua visita de hoje, mas ele precisava dela. O câncer já estava em seu estágio final e ele precisava se despedir de todos enquanto houvesse tempo. Não tinha vivido muito, mas tinha vivido o suficiente. O suficiente para saber que amor será amor em qualquer circunstância e o suficiente para saber se tinha ou não perdoado .
E ele não sabia.
Suspirando, deixou que as lembranças da maior traição da sua vida passassem por sua mente. Em um momento tão profundo e calmo, as memórias traiçoeiras inundaram sua cabeça, já não muito boa, com a dor de ser traído pela namorada e o melhor amigo.
não era um clichê ambulante. Ela era íntegra, amiga, honesta. Tinha estado ao seu lado em todas as quimios que ele precisou fazer, sustentando um sorriso encorajador em sua face durante todo o processo. Não só ela, assim como Winston, seu melhor amigo de infância, os acompanhava sempre que precisava. não sabia ou não conseguia entender em que parte do caminho e ele começaram a se perder um do outro.
Pior, ele não sabia em que parte e Winston se encontraram um no outro.
A traição não tinha sido carnal. era leal e tinha jurado por tudo e todos que jamais teria feito qualquer coisa enquanto estava com ele. Ela pediu sua benção mesmo assim, disse que sempre iria amá-lo, mas que por algum motivo estava apaixonada por Winston e não sabia o que fazer.
entendia, claro. Ele estava morrendo, sempre soubera disso. E se fosse para morrer e deixar sua noiva sozinha, ele não conseguia pensar em ninguém mais digno de recebe-la do que seu melhor amigo. Sabia que a amaria e cuidaria dela como se ele próprio o fizesse. Isso só não deixava as coisas exatamente fáceis.
Ele os afastou. Há cinco longos anos atrás optou por afastá-los, não queria olhar a felicidade que partilhavam sabendo que nunca seria parte daquilo, pelo menos não durante um tempo bem longo. Não sabia se estaria vivo para assistir ao casamento, nem para ver o nascimento do primeiro filho do casal. Não tinha como ter certeza de que seria uma visita alegre sempre que aparecessem. Não conseguia ver a mais remota possibilidade de fazer parte da vida deles.
— Você tem certeza de que quer fazer isso? – Perguntou Claire, preocupada, encostada do outro lado da janela. – Pode mudar ideia se quiser. Acho que ela não vai ficar chateada.
virou sua cadeira para que ficasse defronte à irmã, desviando os olhos da praia pela primeira vez.
— Não posso mudar de ideia. Não dessa vez. – Suspirou. – Ela merece isso. Ela merece um adeus.
— Ainda me sinto mal com isso tudo. Talvez você...
— Claire. – Ele a interrompeu, colocando sua mão sobre a dela. – Você, papai e mamãe são tudo de mais precioso para mim. Mas já sou adulto e, apesar de ser inútil nessa porcaria de cadeira, ainda sou dono da minha vida. Ainda.
— Não fala assim. – Repreendeu a mais jovem.
deu um meio sorriso.
— Quanto antes vocês aceitarem, melhor.
Ele olhou para o relógio e viu que já estava na hora combinada. Sabendo que os pais não eram favoráveis ao encontro, preferiu não os avisar sobre sua partida.
— Diga a eles que volto rápido. Podem me ver pela janela se precisar checar minha vitalidade. – Ironizou, fazendo Claire rolar os olhos.
Passou pela irmã em direção a grande porta balcão que tinha na casa com cheiro de infância. Fizeram um caminho adaptado em madeira para que ele pudesse ir até a beira do mar na cadeira de rodas sempre que precisasse, então seguiu em direção a ela, parando na metade do caminho. Aguardou pelo que pareceu longos minutos, e foi o cheiro do perfume dela que o alertou de sua presença.
. – Sussurrou.
Ela não tinha mudado nada, a não ser um globo no centro da barriga, onde agora gerava um bebê. Um bebê que jamais seria seu. O anel dourado na mão esquerda entregava o que ele não tinha a audácia de perguntar, embora já suspeitasse e, conforme o combinado, ela estava sozinha.
— Casa da praia. As duas em ponto. Venha sozinha e não se atrase. – Leu em uma carta, com os lábios curvados em um meio sorriso. – Sempre muito enigmático, não?
tinha trago uma cadeira de praia que ficavam sempre guardadas no mesmo lugar e a armou para sentar-se ao lado dele. Por um momento nenhum dos dois disse nada, mas então a mulher esticou a mão para segurar seu braço.
— Como você está, ? – Por trás do tom casual, a preocupação era real. Ele se perguntou por quanto tempo ela tinha pensado nele depois que ele os afastou, quantas vezes tinha sido assunto de conversa entre ela e Winston e se por um acaso desejou procura-lo mesmo depois de ter pedido que não o fizesse.
quis contar a verdade. Quis dizer que ainda estava com o ego ferido, que jamais imaginaria ser abandonado tão próximo do casamento, que sentia muito pelo afastamento que ele mesmo tinha proposto. Queria contar que as dores pioraram e ele não podia mais usar as pernas, que o médico dobrou sua dose, mas que isso causava perda de memória e tontura, e que ele estava torcendo para esse pesadelo acabar logo. Queria confidenciar que se ela não o tivesse deixado, tudo aquilo seria mais fácil.
Mas ao invés disso preferiu manter a conversa em um tom educado. E mentiroso.
— Estou bem.
Ela assentiu, olhando para as ondas que iam e vinham.
— Faz tempo que não venho aqui. – Sussurrou, olhando fixamente para frente.
— Faz tempo mesmo. – Concordou. – A gente vinha para cá quase todo final de semana.
sorriu, olhando para ele.
— As festas! – Os dois disseram ao mesmo tempo, rindo em seguida.
— Ah, nada nunca vai superar as festas do Bart. – Pontuou, referindo-se as festas feitas pelo vizinho na época da adolescência. Ele era pelo menos uns três anos mais velho que eles, então as festas quase nunca acabavam bem.
— Minha mãe sentia o cheiro das festas de longe. – Disse .
— Aquela fez que ela dirigiu de Los Angeles até aqui porque “sentiu que você estava fazendo algo errado”. – Lembrou .
soltou uma gargalhada.
— Eu estava pirada de bêbada. Fiquei de castigo um tempão.
— E eu tive que levar Georgina Mosley para o baile porque você estava de castigo.
— Caramba, você foi o par da Georgina Mosley.
— Bom, pelo menos eu fui ao baile.
— Muito obrigada, . – Disse ficando séria de brincadeira. – Ainda acho que foi a Claire que me dedurou.
Eles riram de novo.
— Ali foi onde te ensinei a andar de bicicleta. – Apontou , para um arco no final da propriedade.
— Eu lembro.
— Ainda não acredito que você não aprendeu a andar de bicicleta até os quatorze anos.
— Ei, eu tinha treze. – Defendeu-se o homem. – Caí um bocado antes de aprender a me equilibrar.
inclinou-se para trás, apoiando as mãos na barriga.
— Você chorou quando ralou o joelho na areia depois que caiu pela décima vez.
— Não chorei!
— Ah, chorou sim!
— Eu posso ter... reclamado um pouco. – Cedeu , para as risadas sinceras e saudosas de . – Ali foi onde eu vi Claire dando seu primeiro beijo. – Falou, apontando para as dunas.
— Você queria matar o cara!
— Era amigo do Bart, devia ser pelo menos uns seis anos mais velho que ela!
— Ah, homens. – Suspirou, de repente se empertigando na cadeira e apontando para a cadeira de balanço. – E ali foi onde Winston deu aquela...
Mas a frase morreu em sua boca no momento em que fez uma careta de dor. se odiou por estragar o momento bom em que estavam, mas infelizmente não podia voltar no tempo.
— Me desculpe, eu não queria...
Mas sorriu.
— Está tudo bem. – Garantiu, olhando para o balanço. – Winston deu uma pirueta e quebrou o braço. Eu me lembro disso também.
sorriu, mas ficou tensa de repente. Talvez não tenha a chamado ali apenas para conversarem sobre o passado. não queria que perdessem a interação que estavam tendo, mas receava que o assunto fosse mais sério.
, você não me chamou aqui para falar do passado, foi?
Ele ficou um pouco em silêncio, assustado no modo como ela tinha sido direta no assunto. Não importava. estava certa.
— Não de verdade. – Confessou, olhando em seus olhos. Apesar do sol, o tempo não estava exatamente bom para um passeio externo, mas aos seus olhos estavam bem agasalhados. Um vento passou chiando por eles enquanto o homem organizava seus pensamentos. – Eu sei que a ideia de vivermos uma vida separada foi minha e apenas minha. Nunca irei te culpar por isso.
corou e nenhum dos dois sabia se era o frio ou a culpa.
— Não se preocupe.
— Sei que dei a entender que estava tudo ótimo, mas...
— Sim? – Encorajou a mulher.
— Eu estou no estágio terminal do câncer, . Parei os tratamentos há cinco meses atrás. Estamos apenas esperando... dar minha hora.
levou as mãos a boca, mas tentou não demonstrar muito choque.
— E você me chamou aqui para...
— Para me despedir. – Completou o que ela não teve coragem de dizer em voz alta. – E dizer que eu perdoo você.
E no momento em que ele disse isso, soube que era verdade. No fim das contas, e Winston não fizeram nada de errado. Ninguém escolhe por quem se apaixona.
Uma lágrima escorreu do rosto de . Ela não ousava acreditar. Achava que estava ali para um pedido de reconciliação, de repente. Não uma despedida. E não era uma despedida qualquer, não iria simplesmente se mudar. Ele ia morrer!
Ele estava morrendo.
Ainda que tivesse recebido o perdão que tanto sonhou, a culpa e a vergonha lhe atravessaram, fazendo-a se sentir a pior pessoa do mundo. O que ela tinha passado com , depois se apaixonou e casou com seu melhor amigo, maculando para sempre a amizade dos dois.
. – Chamou . – Não te chamei aqui para sofrer. Só para me despedir. Passar a tarde comigo. Colocar o papo em dia. Essa é uma história que vou querer saber. – Disse gentilmente apontando para a barriga dela.
sorriu em meio ás lágrimas. No fim de tudo, sabia que ficaria tudo bem.
Passou a tarde toda conversando com e tentando desesperadamente encaixar cinco anos em algumas horas. Trocaram confidencias antigas, relembraram mais histórias engraçadas da adolescência e conseguiram arrancar várias confissões de Claire, que aparecera durante o final da tarde para oferecer um lanche.
sabia que sentiria falta do homem que tinha sido seu melhor amigo, seu namorado e seu noivo. Sabia que tinham muitas coisas em si mesma que devia a ele e que quando ele se fosse dessa Terra, muita gente iria lembrar de como o homem incrível, passional e gentil que ele era.
A tarde se transformou em noite e se despediu para voltar para casa. Houve mais lágrimas e mais desculpas, mas , sendo a pessoa especial que era, conseguiu que estivesse em condições seguras para dirigir, não queria que ela pegasse a estrada se estivesse emotiva demais.
beijou a face de e sorriu, olhando pela janela uma última vez. E a imagem lhe agradou. Agradou tanto, que ela não resistiu e no último minuto revolveu tirar uma foto para guardar em um retrato. A foto que tinha cara de lar. O lugar cheio das mais diversas lembranças, boas e ruins.
A praia deles.




Fim!



Nota da autora: Espero que gostem!




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