Finalizada em: 24/12/2021

Capítulo 1

Morro do Dendê - Rio de Janeiro
Década de 90


saltou do ônibus com graciosidade e logo se pôs a subir o Morro do Dendê.
Sua pressa fazia a saia de cetim rosa balançar ao vento, enquanto ela abria passagem entre as pessoas. A avenida estava agitada pela confusão de pedestres, carros e motos que subiam e desciam o morro, fazendo o lugar parecer um formigueiro.
Andando a passos rápidos, tropeçou numa falha da calçada íngreme e quase caiu. Xingou a si mesma mentalmente e voltou a correr para não se atrasar mais para a aula, sem perceber um olhar vidrado nela.
- O Dendê tá bem frequentado mesmo, hein! Tem até princesa andando por aí. - Ela ouviu uma voz num tom suave e malandro projetada na direção dela.
Olhou para o lado e viu um rapaz negro, com cabelo black e camisa aberta deixando a mostra várias correntes de ouro e prata. Ele pilotava uma moto e desacelerou para conseguir acompanhar o passo de .
- Eu estou atrasada, com licença. - Ela respondeu, sem dar atenção para ele.
Parou na beira da calçada, e conferiu os dois lados da avenida, se preparando para atravessar a rua.
- Tá com pressa, né?! Onde você tá indo? - Ele insistiu.
Os veículos não paravam de passar na avenida, e esperava impaciente para poder atravessar.
- Eu estou indo para o alto do morro. Preciso ir para escola de dança, do lado do bar do Amadeu, mas estou atrasada.
- Posso te dar uma carona. - O rapaz insistiu. - Hoje é seu dia de sorte, princesa. Seu príncipe num cavalo branco chegou. Sobe aí! - Ele deu um sorriso malicioso e parou, olhando para ele com deboche e pensando se deveria aceitar a oferta.
Ela estava atrasada para a aula e suas aluninhas já deveriam estar esperando há um certo tempo. Então quando ele parou a moto, ela subiu na garupa.
- Obrigada.
segurou timidamente nos ombros do rapaz conforme ele acelerava o veículo.
- Segura com força! - Ele virou o rosto para trás e gritou para ela.
A garota se inquietou na garupa, mas seguiu a recomendação. Passou os braços ao redor da cintura dele e apertou.
Tão próxima assim, ela pôde sentir que ele tinha cheiro de cigarro, suor e perfume barato.
O rapaz acelerou a moto e subiu o morro.
Sentindo o vento em seu rosto, fechou os olhos e contava os segundos para chegar logo na ONG.
Num breve momento em que abriu os olhos, ela viu o reflexo sorridente dele no retrovisor. Ele ria satisfeito ao sentir as mãos da garota ao redor do seu corpo.
- Chegamos, princesa! - o ouviu dizer ao mesmo tempo em que a moto parou.
Ela logo desceu e ajeitou sua saia que havia levantado um pouco durante o trajeto.
- Muito obrigada pela carona. - Ela sorriu timidamente e acenou com a cabeça para o desconhecido.
Da calçada ela já conseguia ouvir as crianças rindo e brincando, então se preparou para entrar na ONG. Quando virou de costas, o rapaz falou:
- Imagina! Estou às suas ordens sempre que precisar. Se quiser me encontrar, é só perguntar pelo , eu tô sempre por aí no morro.
- Beleza , tchau! - Ela acenou rapidamente e se dirigiu até a porta da ONG.
- Qual é, gostosa? Não vai nem me falar qual seu nome? - falou em voz alta.
De costas para ele, parou naquele exato momento e se virou bruscamente. Andou até ele, que estava sentado na moto, a passos largos.
Ela ficou cara a cara com , que mantinha um largo sorriso debochado estampando seu rosto.
- Olha bem pra mim. - disse em voz baixa, apontando o dedo indicador na cara do rapaz. - Você acha que eu dou moral para vagabundo? Se liga, eu uso salto alto maior do que teu pau!
Com raiva, a garota virou as costas e entrou de uma vez por todas na ONG, enquanto se manteve no mesmo lugar, sem reação. Pela primeira vez na vida, uma garota deu um fora nele - mais do que isso: o esculachou - e ele não soube como reagir.
Numa situação como essa, a maioria de seus amigos teria ficado com raiva e xingado a garota, ou desdenhado dela, mas ele não; por algum motivo estranho, se sentiu instigado a se aproximar da bailarina. Afinal, ele não era homem de recusar um desafio.

Chegando no barracão que servia como a sede do Comando Vermelho no Morro do Dendê, desceu de sua moto com um fuzil na mão e entrou no local.
Andou por ali cumprimentando os amigos do movimento e subiu até o segundo andar, onde era o “escritório” de Evandro, seu chefe e dono do morro.
- Aí, deixa eu perguntar uma coisa! - falou em voz baixa ao se aproximar de Evandro e outros amigos que estavam ali - Vocês sabem quem é aquela menina que tá na ONG das crianças?
- Que menina? Lá é cheio de menina! - Evandro respondeu sem paciência.
- É uma morena, mais ou menos desse tamanho - gesticulou com a mão na altura do queixo - Nossa, ela é muito gata! Ela tava andando pelo morro com aquelas roupas que as meninas da ONG usam, sabe? Uma meia rosa, saia…
A cada palavra que dizia, ficava mais eufórico lembrando da garota que chamou sua atenção. Só de pensar nela, seu coração batia mais rápido e seu sorriso se abria. Hiperativo, não conseguia nem mais ficar parado e sem gesticular enquanto falava.
- Acho que é a , ela é professora de ballet na ONG. - Afonso, o contador do Comando disse. Ele estava de braços cruzados e encostado na mesa de Evandro. - Mas por que o interesse?
colocou a mão no peito, como se tivesse sido atingido ali.
- Eu acho que tô apaixonado! Eu dei ideia na gatinha hoje quando vi ela na rua, mas ela me esnobou total. Mas eu não vou dar bobeira com uma gostosa dessa.
- Que porra é essa, ? Tá achando que o Dendê é bagunça? - Evandro bateu as mãos na mesa - Não quero saber de ninguém perseguindo mulher aqui, não! Principalmente você que faz parte do Comando, tem que ter postura. Se a mina não te deu mole, segue o baile.
- Eu conheço a , ela é gente fina. Se ela te deu um fora, provavelmente tu mereceu, idiota do jeito que é. - Afonso tirou sarro e fez os colegas rirem. respondeu apenas dando o dedo do meio.
- Que isso, patrão! Pode ficar sossegado. Eu quero saber quem ela é pra poder chegar com jeitinho, na maciota. Jamais iria forçar nada com ela. Ela vai se encantar comigo naturalmente. - Ele sorriu e levantou a gola da camisa, fazendo charme. Os colegas, inclusive Evandro, gargalharam do convencimento de , mas ele nem ligou, focado em ajeitar seu cabelo no reflexo de um espelhinho laranja pendurado num canto qualquer do barracão.


Capítulo 2

O paredão do baile fazia o copo de whisky tremer na mão de .
Ele estava junto de seus amigos num espaço reservado para o Comando. Já um pouco alterado, se divertia botando seu fuzil para o alto e dando tiros à toa.
Uma mulher que havia acabado de conhecer e ele nem sabia o nome se sentou em seu colo e começou a beijar seu pescoço.
A camisa com botões abertos deixou o caminho livre para ela passar as mãos pelo peitoral do rapaz, enquanto ele finalizava seu copo de bebida.
Uma gota de whisky escorreu pelo canto da boca dele e a mulher lambeu. Enquanto ela continuava as carícias, uma garota morena ao longe chamou a atenção de .
Ela estava de costas e conversava com Geise, mulher de Evandro. De repente, a morena se virou num movimento que parecia em câmera lenta. Pelo menos aos olhos de , com suas pupilas dilatadas.
Naquele instante, o rapaz observou se virar, jogando o longo cabelo de lado e passando a mão em seu rosto para limpar o suor causado pelo calor humano e a noite quente do Rio de Janeiro.
Por um breve segundo, os olhares de e se encontraram e ele mordeu os lábios para conter seu desejo. Já nem notava mais a presença da mulher em seu colo.
Uma das luzes do baile piscou na direção de Geise e no exato momento em que a bailarina revirou os olhos ao ver , e ele pôde ver a reação dela.
A garota se despediu de Geise e sumiu rapidamente em meio à multidão.
se levantou depressa e acabou derrubando a mulher que ainda estava em seu colo. Ela o xingou de algo que ele não compreendeu e se pôs de pé sozinha, enquanto ele saía correndo até Geise.
- E aí, ! - Ela falou em voz alta ao ver o rapaz.
Eles tiveram que se aproximar para conversar ao pé do ouvido, pois só assim poderiam ouvir um ao outro.
- Salve, patroa. Você conhece aquela menina? - Ele perguntou, agitado.
- A ?! Conheço, sim. Ela é minha amiga. - Geise levantou uma sobrancelha. - Mas desencana, porque ela não é pro teu bico não!
- Ih, qual é, patroa? Descola o telefone dela pra mim!
- Cê acha que uma patricinha da Zona Sul vai olhar pra ti? - Geise riu.
coçou a cabeça, tentando pensar em alguma maneira de convencer a mulher a lhe dar o número de .
Distraída, Geise já havia voltado a dançar e curtir o baile, como se nem estivesse mais ali.
De repente, ele a puxou pelo braço, fazendo Geise revirar os olhos e bufar.
- Se tu me der o telefone da , eu levo uma fita sua para um amigo meu que é DJ lá na Baixada Fluminense. - falou quase gritando para fazê-la escutar.
Geise respirou fundo e pensou por um instante. Ela tentava emplacar seu sonho de ser funkeira há anos, mas o mais próximo do sucesso que ela chegou foi ser DJ da rádio comunitária do Dendê, função que o próprio Evandro patrocinava.
- Teu amigo é DJ mesmo? - Ela questionou.
- É sim! Ele tá sempre colando com o DJ Marlboro e já fez até música com uns gringos e os caralho à 4. - garantiu.
- Passa lá em casa amanhã pra pegar a minha fita e o número da . - Geise virou as costas e saiu. sorriu e esfregou as mãos animadamente.
- Aê Baiano, desce mais whisky que hoje é por minha conta! - Ele gritou para um de seus amigos e pegou novamente seu fuzil e disparou as balas que ainda restavam.

As unhas recém pintadas fizeram demorar a conseguir tirar o telefone do gancho. No último toque, ela atendeu.
- Alô. - Disse impaciente.
- Agora sim meu dia ficou bom! E aí minha princesa, curtiu o baile de ontem?
- Quem é?
- Não tá reconhecendo minha voz, gatinha? - Ele riu. - Aposto que ia reconhecer meu cheiro.
A linha ficou muda por alguns segundos, enquanto tentava reconhecer a pessoa com quem falava. Provavelmente era algum amigo lhe passando um trote.
Num instante de lucidez, sua mente deu um estalo e a garota sentiu seu rosto ficar vermelho e esquentar de raiva.
- Você é muito cara de pau, moleque! Eu não te dei meu telefone.
- Ah, eu dei meu jeito, gatinha. Eu te vi no baile ontem, você tava mais gostosa do que antes. Acho até que eu te vi olhando pra mim e me dando bola. - Ele a provocou.
- Eu? Te dando bola? - gargalhou sarcasticamente. - Eu não fico com bandido.
- Porra, você é difícil, hein! Não me maltrata, princesa. Eu até desço o morro até o asfalto pra te ver!
- Ah, então você já descobriu que eu sou da Zona Sul! Deve ser por isso que não sai do meu pé. Eu sou “carne nova” no pedaço e você quer ser o primeiro a comer a patricinha que subiu o morro, né?! Nem perde seu tempo, cara!
- Se você não curtisse bandido, tu já tinha desligado o telefone na minha cara. - Ele respondeu como última cartada.
A ligação ficou em silêncio de novo, mas jurou ter ouvido um risinho do outro lado.

Capítulo 3

- Muito bem! Vocês estão cada dia mais lindas. Agora podem ir, porque as mães de vocês já estão esperando.
se despediu de suas alunas enquanto elas saíam da ONG.
De canto de olho, ela viu uma figura já conhecida a observando por uma das janelas.
sorriu, mas não retribuiu. Em vez disso, começou a andar pelo local arrumando-o antes de sair. Guardava as bolas, bambolês e outros materiais que usou na aula.
Conforme as crianças saíram, o silêncio reinou ali, e ainda de costas, ouviu passos se aproximando.
- Boa tarde! Eu queria saber quando tu vai me dar uma aula de dança? Mas só nós dois. - disse e agradeceu por estar de costas, assim ele não veria o sorriso em seu rosto. Ela não podia negar que ele era engraçadinho - e até um pouco charmoso - com toda aquela arrogância.
Sem responder a cantada, ela trancou o armário de ferro onde guardava os materiais e andou até o rapaz. Ficou cara a cara com ele, quase o tocando, e o olhou profundamente nos olhos.
- Posso te pedir uma coisa? - Ela disse.
- Qualquer coisa… - Ele respondeu, sentindo o perfume doce dela que deveria ser caro. Ele lambeu os lábios enquanto ela falava.
- Sei que tu é do Comando e eu respeito isso. Até porque, esse lugar nem existiria se não fosse pelo Comando. - apontou para o cômodo ao redor deles - Mas você pode não vir aqui carregando uma arma? Não quero que minhas crianças vejam isso aqui.
Ela não pôde evitar olhar fixamente para o fuzil pendurado no peito do traficante.
- “Isso” não! Ela tem nome; é Julieta. - respondeu sério.
- Você deu nome para um fuzil? - revirou os olhos e deu um riso sarcástico e sem humor.
- Claro! Tipo, essa daqui é a Julieta. - Ela alisou a arma carinhosamente. - Também tem a Berenice, que tá lá em casa. O patrão falou que semana que vem vai chegar um carregamento e eu vou ganhar um fuzil novo. Tô pensando em chamar de , o que tu acha?
Ele deu um riso de lado e olhou para esperando uma resposta que não veio, pois a bailarina permaneceu em silêncio.
- Pô, qual é, gatinha? - Ele falou em voz baixa, enquanto olhava para os lados conferindo se havia alguém por perto. - Todo mundo aqui no morro tá acostumado em ver a gente andando pra cima e pra baixo com os bicos. Pega nada, não!
- Eu sei. Mas eu quero que aqui seja um lugar neutro, onde elas não tenham que ver armas, drogas, tiro, violência, nada disso. Entende? - o olhou suplicante.
Antes que pudesse responder, uma das bailarinas entrou correndo de volta na ONG.
- Tia , arruma meu cabelo? - A pequena pediu toda serelepe, com os cachos soltos e bagunçados.
- Ai Jéssica, soltou seu coque de novo, menina? - riu e pegou um elástico que estava em seu pulso e o usou para amarrar o cabelo da aluna. - Pronto! Agora você vai estar linda quando mãe chegar para te buscar.
- Obrigada, tia! - Maria abraçou as pernas da professora e saiu correndo de novo, indo atrás de suas amiguinhas.
- De nada! Até amanhã. - gritou enquanto acenava para a criança.
reparou no sorriso que ela tinha estampado no rosto.
- Cê gosta mesmo dessa criançada, né?!
- Eu gosto, . Gosto muito! Elas são o que faz tudo isso valer a pena.
- “Tudo isso” o que? - Ele perguntou, notando claramente o carinho no olhar dela ao falar de suas alunas.
respirou fundo com a pergunta e se arrependeu por ter falado muito.
- Nada. - Ela balançou a cabeça em negação.
deu alguns passos e se aproximou de , chegando seu rosto o próximo possível do rosto dela.
- Como tu veio parar aqui? - Ele falou em voz baixa.
prendeu a respiração, nervosa com aquela proximidade inesperada.
A barba por fazer, o olhar firme, a camisa com os botões abertos deixando parte do peitoral à mostra, os músculos dos braços tentos enquanto ele segurava o fuzil - a Julieta - com força e aquele maldito cheiro de perfume barato e cigarro; tudo aquilo tirava a concentração de enquanto estava no mesmo ambiente que . Sua mente viajava para longe, deixando para trás o aqui e o agora, e imaginando como seria se aproximar dele um pouco mais, só mais um passo…
Fechou os olhos e balançou a cabeça, tentando desanuviar os pensamentos impuros que passaram por sua mente, e deu alguns passos para trás.
- É uma longa história.
- Deve ser longa mesmo. Pra uma patricinha querer sair da Zona Sul e subir o morro só pra brincar com as crianças. - Ele riu.
- Promete que não conta pra ninguém?
- Claro, gatinha! Sou fechamento.
- Há uns meses atrás eu estava saindo de uma festa com alguns amigos e fomos parados numa blitz. Meus amigos me deram as drogas deles para guardar na minha bolsa, já que eu era quem tinha “as costas quentes” no grupo. Meu pai trabalhava no gabinete do ex-prefeito, então eles achavam que eu não podia me ferrar se fosse pega, ao contrário deles. Mas desde que o ex-prefeito perdeu o cargo, a influência do meu pai diminuiu bastante… - Ela superou e olhou pela janela, vendo o caos de fios de energia, rabiolas e muros de tijolo à vista - Acabou que a polícia me pegou com quantidade o suficiente pra me prender, mas pelo último pingo de respeito que meu pai ainda tinha com o governo, eu fui condenada a fazer serviço social em vez de ir parar na Febem.
olhava para baixo com vergonha das palavras que acabavam de sair de sua boca.
ficou em silêncio por um tempo, até que começou a rir baixinho e aos poucos seu riso se tornou uma gargalhada. o fitou sem compreender.
- Então quer dizer que a princesa, essa princesinha aqui na minha frente - Ele apontou para ela com o dedo indicador-, foi pega com droga e quase foi em cana? Acho que a gente não é tão diferente assim, gatinha.
As bochechas de ficaram vermelhas e ela riu sem jeito.
- Tu já foi preso?
balançou a cabeça negativamente.
- Tira nenhum me pega, não! Prefiro morrer do que ir praquele inferno.
- Mas você já fez muita coisa que poderia te levar ser preso?
a olhou quase chocado, como se ela tivesse perguntado algo ridiculamente óbvio, como “o céu é azul?” ou “a Lua é redonda?”.
- Se eu contasse você não iria acreditar, minha linda…
Ele tocou o queixo dela levemente.
A dançarina estremeceu, mas surpreendentemente, não sentiu aquele impulso involuntário de se afastar do rapaz que ela sentia desde que o conhecera.

Capítulo 4

desceu do ônibus e teve que tapar seus olhos com as mãos por conta do Sol de meio-dia que clareava o Dendê.
Com os olhos semicerrados, ela viu no ponto de ônibus no lado oposto da avenida. Ele andava de um lado para o outro segurando seu fuzil.
- Já reparou que você sempre aparece nos lugares onde eu estou?! Eu estou começando a achar que você me segue. - disse ao se aproximar dele e viu um sorriso surgir no rosto do rapaz.
- Seguindo não, princesa. Tô te acompanhando! - Ele disse e se colocou ao lado da bailarina. Passou o braço direito por cima do ombro dela e a puxou para começarem a subir o morro.
lhe lançou um olhar repreensivo e entendeu o recado, afastando seu braço.
- Eu vim te acompanhar, gostou? - Ele perguntou sorrindo.
- Bom, obrigada por se preocupar. Mas eu sempre subi o morro sozinha sem problemas. - deu de ombros.
- Se eu não tivesse te dado uma carona naquele dia, você teria chegado atrasada na ONG. - Ele disse.
- Você sempre tem uma resposta para tudo? - bufou.
- Só quando eu tô certo, princesa.
riu e aproveitou para se reaproximar alguns centímetros. Levantou o braço para colocá-lo sobre os ombros da garota novamente, mas sem jeito, desistiu.
Eles subiam as ruas íngremes conversando e rindo lado a lado.
- Por que você não está com sua moto? - A bailarina perguntou.
- Se eu te acompanhasse a pé até a ONG, a gente podia trocar uma ideia. De moto não dá pra conversar, né.
Num primeiro impulso, desviou seu olhar para o chão, mas logo levantou a cabeça e tomou coragem de olhá-lo nos olhos.
- Sabe, às vezes eu gosto de conversar com você, . - Disse com toda a sinceridade.
- Só às vezes? Eu curto conversar contigo sempre, princesa. Os dias que você vem no morro são os melhores dias da semana, sem caô.
Ambos pararam de andar e ficaram frente a frente. Nem notaram que já haviam chegado em frente à ONG, tão distraídos estavam com a conversa.
- Bom, tá na hora de eu ir. As meninas estão me esperando. - ajeitou a mochila em seu ombro, mas sem querer sair dali.
- Certo, vai lá.
- Pode ir. Tchau! - se despediu.
- Eu já vou, gatinha. Mas só depois que você entrar. - Ele cruzou os braços e a olhou firme.
Ela balançou a cabeça e riu. Num gesto inconsciente, se aproximou e puxou pelo ombro, dando-lhe um beijo na bochecha.
- Obrigada por me acompanhar. - Ela acenou para ele e entrou correndo na ONG, deixando um surpreso e muito sorridente do lado de fora.
Ele colocou a mão no bolso e acendeu um cigarro silenciosamente, sorrindo satisfeito consigo mesmo.

ouviu batidas na porta de metal da ONG enquanto as meninas corriam agitadas para o bebedouro num intervalo da aula.
- Lá vem… - Ela sussurrou para si mesma.
- E aí, princesa. Vim te buscar pra levar embora! - sorriu.
verificou o relógio na parede da sala de dança.
- Como você conhece todos os meus horários?
- O Comando sabe de tudo que acontece no Dendê. - Ele deu de ombros.
- Nem tudo! Hoje eu estendi um pouco a aula, então ainda não terminei.
- Eu espero. - piscou o olho direito para ela e se escorou no batente da porta.
virou as costas e voltou a atenção para suas meninas.
Ela reparou que carregava sua arma transpassada no corpo, mas dessa vez não estava na frente, como sempre; estava nas costas. Na sua opinião, o mínimo que ele poderia fazer era não andar com fuzis expostos na frente de crianças, mas ainda assim, ficou contente por ele ter aceitado um pedido seu.
- Meninas, vamos voltar para a barra! - falou em voz alta.
O grupo de crianças distraídas correu até a barra de metal onde faziam seus exercícios de dança e se posicionaram uma ao lado da outra.
- Plié! - A professora disse e as meninas flexionaram os joelhos, se abaixando levemente. - Muito bem. Agora grand plié.
Elas se abaixaram mais, até quase chegarem no chão.
- Jeniffer, lembra que a tia falou da postura de girafa? - falou com uma das meninas e ela riu - Costas retinhas e pescoço beeem esticado.
foi até a garota e com as mãos, ajeitou delicadamente a postura dela.
Pelo espelho que havia na parede, ela pôde ver que ainda estava lá, parado na porta, onde ela o deixou.
- Agora vamos treinar o pas couru que eu ensinei na última aula. Vocês ainda lembram?
- SIIIIM! - As aluninhas gritaram empolgadas.
- Tá bom, então eu quero ver. Virem de lado e segurem a barra com o braço esquerdo. Braços em terceira posição. - Ela andou de um lado para o outro conferindo as posições de cada uma.
- Lígia, essa é a segunda posição. Vamos fazer a terceira? - Ela fez a posição para exemplificar para a aluna que fazia errado, e assim a menina se corrigiu. - Agora façam o pas couru sem sair do lugar!
De longe, observava com as crianças. Ela tinha paciência e cuidado, bem diferente daquela menina sarcástica e ferina que ela era com ele.
Ela as corrigia quando era preciso, mas de forma gentil, e tinha calma para lidar com várias crianças de idades diferentes que se distraíam facilmente.
Mas não era só a personalidade de que chamava a atenção de .
Ele reparava bem em todos os movimentos graciosos que ela fazia. A forma como seu corpo se alongava; as pernas levementes torneadas que ele podia ver por baixo da meia-calça rosa; a saia de um tecido leve e quase translúcido que às vezes se levantava e deixava parte do collant à mostra.
- Professora, meu pé tá doendo! - Uma das garotas reclamou.
- É porque você está com os dedos na ponta, Renata. Tem que fazer esse passo com os dedos flex, lembra como é? - se aproximou dela e sorriu quando a menina se corrigiu sozinha, sem precisar mostrar qual era a posição certa.
Ela observou as dançarinas por mais um tempo.
- Tudo bem, podem parar. - E assim elas fizeram.
- Tia! - Uma delas chamou.
- Sim, Lígia?
- O seu namorado não vai dançar com a gente? - A aluna apontou para na porta e riu, fazendo todas as garotas gargalharem com ela e darem início a um coro de “tá namorando! tá namorando!”.
apenas riu e balançou a cabeça com a sinceridade das crianças. Enquanto sentiu que seu corpo ficou vermelho dos pés à cabeça.
- Shhhh! - Ela pediu silêncio. - Vamos encerrar a aula de hoje, né?!
As meninas saíram da barra e foram pegar suas mochilas enquanto tentou dizer que não era seu namorado, mas distraídas e alvoroçadas, elas já não davam mais atenção.
- Tchau, tia!! - As meninas falavam enquanto saíam da ONG.
- Tchau, até semana que vem! Cuidado na rua, hein. - Ela respondeu.
saiu da porta para dar espaço para as crianças passarem e entrou na ONG.
- Tu tá sabendo que vai ter baile amanhã? - Ele perguntou.
- Ah, é? Não sabia não. - respondeu despretensiosamente.
- É o melhor baile do morro, a gente esperou o mês inteiro pra isso! Qual é, bora comigo?
parou de mexer em sua bolsa e virou nos calcanhares para olhá-lo.
- Tu tá me chamando para ir no baile contigo?
- Tô, ué! E aí, cê topa?
- Eu sou o que? - fez uma expressão pensativa sarcástica - A quarta ou quinta garota que você convida? Com certeza não sou a primeira.
- Não fala assim, princesa! Você é a primeira, sim. - se aproximou e colocou a mão no rosto dela de maneira cuidadosa - Só não é a única, porque sabe como é né, eu sou disputado! - Ele riu ao provocá-la.
bufou e deu um tapa na mão dele, o afastando. Virou de costas e continuou a guardar seus pertences em sua bolsa, enquanto ria da irritação dela.
- Calma, princesa. Eu to brincando! Claro que você é a única. Eu quero que o morro todo veja tu do meu lado. - Ele falou sério.
- Não saio com cara igual tu! - respondeu sem olhar para ele.
- Igual a mim como? Bandido? - Ele cruzou os braços.
- Não! Cara, que usa uma aliança de ouro e nove alianças de prata. Eu não sirvo pra ser só mais uma! - Ela jogava suas coisas dentro da bolsa com raiva.
- Princesa, não fica bolada comigo! Eu só tava brincando.
- Eu posso até ir ao baile, mas não com você!
coçou a cabeça, tentando pensar numa maneira de retirar o que disse e convencer a aceitar seu pedido.
Quando ela fechava o zíper de sua bolsa, uma de suas polainas caiu no chão e ela se abaixou para pegá-la, mas foi mais rápido.
Ele colocou a mão para trás, escondendo a peça.
- Se você quiser essa meia de volta, vai ter que ir buscar no baile comigo! - Ele disse.
- Sério, ? Para de ser infantil. Me devolve. - Ela disse séria, estendendo a mão para pegar a polaina.
- Eu devolvo, sim. Mas no sábado à noite, lá no baile.
- Eu já disse que não vou. - Ela tentou puxar a polaina da mão dele, mas ele levantou o braço bem alto e ela não conseguiu pegar. bufou, desistindo. - Eu não tenho mais idade para ficar brigando com um menino que pegou minhas coisas à força, sinceramente. Fica com a polaina, eu não vou para o baile de jeito nenhum.
- Tu vai, sim. - Ele sorriu e guardou a peça no bolso da bermuda. - Porque se você não for buscar, eu vou dar essa meia de presente pra alguma das minhas amigas.
piscou e deu um beijo estalado no rosto de .
Com raiva, ela passou a mão no rosto para tirar qualquer resquício do perfume dele que poderia ter ficado ali.
De repente, o rádio de tocou e uma voz masculina começou a falar.

- , cadê tu, moleque? O patrão precisa de você no barracão!
- Agora, Gilmar? - fechou a cara.
- AGORA!
- Beleza, tô subindo! - Ele desligou o rádio e o prendeu no cós da bermuda.

- Eu tenho que ir, princesa. Eu não vou poder te acompanhar até o ponto de ônibus, mas algum dos moleques vai te levar, tá?!
- Não precisa, não. - pendurou a bolsa em seu ombro e trancou a porta da ONG.
- Eu faço questão. Não vou te deixar ir embora sozinha. - viu um de seus amigos do Comando passando na rua e o chamou - Aí, Dodô, chega aqui! Leva a até a entrada do morro.
- Pode deixar, ! - O jovem respondeu.
- Mas olha aqui, é só pra acompanhar ela, entendeu? Não é pro teu bico, não.
- Relaxa, irmão. Bora, moça! - O garoto chamou .
- Tchau gatinha, até sábado! - piscou e acenou para , enquanto ela descia o morro junto do rapaz que a acompanharia.

Capítulo 5

Subindo o morro sob um céu estrelado, sentia o vento bagunçar seu cabelo.
Na garupa da moto de , ela chamava a atenção dos frequentadores do baile que viram eles chegarem juntos, como se fossem um casal.
Ambos desceram da moto e ao longe viu Geise com algumas outras amigas.
- Eu vou cumprimentar a Geise, tá? Já volto! - Ela avisou .
- Vai lá, gatinha! - Ele concordou. Andou até seus amigos e os cumprimentou.
Com o fuzil para o alto, ele atirou para sinalizar sua chegada no baile e para deixar clara sua posição na hierarquia dentro do morro.
- Aê , tá tirando onda mesmo! Mó gatinha essa . - Um dos colegas de falou.
- Mais respeito, hein! Tu tá falando da minha mulher.
- “Minha mulher”? Se liga, todo mundo sabe que tu leva toco da mina todo dia! - Outro rapaz debochou.
- Levo toco mas trouxe ela pro baile, e vocês? Trouxeram quem?
- Mas aí, tu vai conseguir ficar longe das outras gatinhas hoje?
- É claro que eu vou! Sou um homem apaixonado agora.
Todos os rapazes ali gargalharam, incapazes de acreditar que o cara mais pegador do Dendê realmente se dedicaria a uma só mulher.
Observando dançar ao longe, ele sentia crescer descontroladamente a gana de ter aquela garota em seus braços e em sua vida.
A beleza dela era estonteante, com certeza uma das mulheres mais bonitas que ele já viu na vida. Mas isso não era tudo.
A personalidade forte dela chamava tanta atenção quanto a aparência. era decidida e não se importava em agradar ninguém, mas ao mesmo tempo era gentil e delicada, fazendo com que fosse fácil gostar dela. E o seu grande talento para a dança era o detalhe final que definia uma garota encantadora.
A forma como ela mexia o corpo no ritmo da música o hipnotizava. Quando ela rebolava e descia, quase encostando no chão, a saia dela subia, deixando muita coisa à mostra.
passou a mão em sua nuca suada para se livrar das mechas de cabelo que estavam grudadas ali.
Pelo cantos dos olhos, ela notou que a observava a certa distância e passou a dançar de maneira mais provocativa, mas sem olhar para ele.
Naquela altura, já estava consciente do poder que tinha sobre . Ele estava comendo em sua mão, e ela demorou para admitir, mas gostava disso.
Contudo, uma visão desagradável a fez interromper sua dança imediatamente.
Uma mulher que ela não conhecia havia se aproximado de e conversava com ele de maneira bem íntima. Ela não tirava os olhos dele e ria de tudo o que ele falava. Em dado momento, chegou a pegar o copo de whisky que estava na mão dele e deu um gole.
deixou as amigas, a música e a dança para trás e foi em direção ao rapaz sem pensar.
- Eu não era a única que você tinha convidado para vir no baile? - Ela disse com a mão na cintura, parada em frente a e a garota desconhecida.
- Princesa, essa é a Mariana, uma amiga minha que mora ali no Parque Royal.
- Eu achei que moradores de lá não tinham autorização para andar no Dendê. - respondeu com cara de poucos amigos.
O Parque Royal era o morro vizinho ao Dendê. Comandado por facções rivais, eles viviam uma relação tensa, por isso os moradores de um morro não tinham autorização para perambular pelo outro.
- Eu sou cunhada do Evandro, por isso eu posso andar por aqui sem problemas. - Mariana respondeu tranquilamente.
Realmente só uma pessoa ligada ao chefe do Morro poderia ter esse tipo de autorização.
- Eu queria apresentar vocês. Vocês seriam boas amigas! - falou no pé do ouvido de .
- Não precisa. Eu já tenho amigas o bastante. - Ela olhou para Mariana de cima a baixo.
- , eu vou pegar alguma coisa para beber, beleza? Depois a gente se fala. - Mariana se despediu e saiu rapidamente. olhou para sem entender nada.
- Ué gatinha, por que tu espantou a Mariana sem mais nem menos? Nem quis conhecer ela.
- Ela tava muito perto de tu. - disse ficando na ponta do pé e segurando pela nuca. - Perto demais pro meu gosto!
Ela puxou ele para um beijo voraz que ele logo retribuiu, mesmo estando surpreso. Nada o preparou para aquela situação, tendo a menina que se fazia de difícil desde que se conheceram, dando um ataque de ciúmes e tomando a iniciativa.
a pegou pelo quadril e a levantou colocando as pernas de ao redor de sua cintura. Para ambos, era como se mais ninguém estivesse ali. Não importava se eles estivessem chamando atenção e todos ao redor estivessem olhando; finalmente tomou coragem e assumiu seus desejos.
- Vamo sair daqui! - falou no ouvido dela, sem perguntar, apenas comandando. assentiu, sem fôlego e segurou a mão dele, o seguindo.
A caminhada seria curta até o barracão onde todo o trabalho do Comando acontecia. Mas incapazes de se controlar, e paravam o tempo todo, entre os becos e vielas do morro, para se pegar sem pudor algum.
Ao entrar no barracão, eles subiram no segundo andar, onde era a sala de Evandro.
jogou para o chão todos os objetos que estavam em cima da mesa de seu chefe, abrindo espaço para sentar no móvel.
Ele retirou do bolso de sua camisa um saquinho plástico com cocaína e o abriu com pressa.
- Quer? - Ofereceu para , sussurrando no ouvido dela - Com efeito de pó é mais gostoso.
Ela sorriu maliciosa e concordou. pegou um pouco da droga com o dedo indicador e passou na gengiva de . Ela sorriu satisfeita.
No meio daquele turbilhão de tesão, ele nem havia notado que ela já estava tirando a roupa. Ao vê-la sem o top que vestia até poucos segundos antes, fez uma carreira fina de cocaína entre os seios da garota e procurou apressadamente por uma nota de 50.000 cruzeiros. Quando a encontrou, a enrolou com agilidade e aspirou todo o pó do corpo de .
Alguns grãos ficaram ali, grudados no suor dela, então ele passou o dedo para pegá-los e esfregou o dedo na gengiva, tentando aproveitar até o último miligrama antes de voltar a beijar intensamente aquela mulher que o estava enlouquecendo.

estava em cima da mesa de Evandro, enquanto estava sentado na cadeira do chefe, de frente para ela.
Ele beijava lentamente as pernas dela, desde os pés até a parte interna das coxas. A pele macia dela parecia chamá-lo, e ele não conseguia se manter longe. Principalmente após uma madrugada inteira em que eles não se afastaram por nem um minuto.
Dos pés à cabeça, tinha sido tomada pelo perfume de . Ela iria embora, mas o cheiro dele a acompanharia.
Ela deu um risinho quando mordeu o interior da coxa dela, causando cócegas.
Mas o momento foi interrompido pelo som do portão sendo aberto no primeiro andar, e diversos passos adentrando o barracão.
ajeitou seu cabelo e as roupas, para estar apresentável caso desse de cara com as pessoas que entravam.
Um homem subiu as escadas e chegou ao escritório com outros três homens armados atrás de si, aparentando ser seus guarda-costas.
- Salve, Bebeto! - falou, se levantando da cadeira e apertando a mão do homem, que tinha uma das expressões mais sérias que já vira. Seus capangas permaneciam em silêncio.
- Salve, . O Evandro tá chegando aí pra gente conversar, eu preciso falar com vocês.
- Algum problema no Comando, chefe? - indagou com receio.
- Problema sério. - O homem mal encarado respondeu enquanto passava a mão pela barra de sua camisa, deixando a mostra uma pistola que estava no cós de sua calça. - Mas a gente vai resolver hoje.
Ele olhou para , parecendo finalmente notar a presença dela ali. Sem dar muita importância para ela, apontou para o portão do barracão e disse:
- Bora, manda a piranha pra fora que a gente tem muito o que conversar.
engoliu em seco o impulso de responder a altura o xingamento daquele homem. Em qualquer outra situação ela se defenderia, mas ela sabia que Bebeto era importante no Comando, e não queria deixar numa posição vulnerável.
Logo, seus pensamentos foram interrompidos pela voz marrenta do rapaz à sua frente:
- Não fala com ela assim não, porra! Ela não é qualquer uma, Bebeto. Ela tá comigo!
sentiu seu sangue ferver ao ouvir Bebeto se referir à daquela forma.
- , tá tudo bem… - colocou a mão no ombro dele para impedi-lo de se aproximar mais de Bebeto.
- Quem tu acha que é pra me enfrentar? Não passa de um moleque de merda, não representa nada dentro do Comando. - Bebeto respondeu e fez seus guarda-costas rirem.
- Posso saber o que tá acontecendo aqui? - Evandro chegou no escritório notando o clima de tensão entre os presentes.
- O Bebeto desrespeitou a como se ela fosse uma qualquer. Eu posso não ser o chefe do Dendê, mas pelo menos eu sei respeitar mulher!
Evandro respirou fundo.
- Bebeto, ela tá com o agora! Né, ? - Evandro olhou para o rapaz, que confirmou com a cabeça. - Então todo mundo deve respeito a ela, igual respeitam a minha mulher e a sua. Certo?
Bebeto assentiu, a contragosto. Ao lado de , tinha a respiração pesada, sentindo o ódio ainda pulsando em seu peito.
- Agora vamo resolver a treta do Comando logo, porque eu não tenho tempo de ficar de conversinha! - Bebeto disse e todos consentiram.
- , leva ela embora e volta aqui. - Evandro indicou a saída do barracão com a cabeça.
- Falou, chefe. - pegou pela mão e a puxou para descer as escadas. Quando passou por Bebeto, o encarou de maneira ameaçadora. Era loucura enfrentar o chefe geral do Comando daquela maneira; não se atrevia a afrontar nem mesmo Evandro, que era chefe apenas do Morro do Dendê. Mas ele ficou fora de si ao se tratar de .
Já na rua, ele puxou a garota para um beijo.
- Foi mal, princesa. O Bebeto foi um cuzão! Esse desrespeito não vai ficar barato, eu te prometo. - Ele disse enquanto segurava o rosto delas com as duas mãos e a olhava nos olhos.
- , você não vai fazer nada! Eu nem ligo pra ele. Não quero que você se meta em problemas por causa de mim, entendeu?
Ele continuou a olhando em silêncio. Para , era muito estranho vê-lo demonstrar raiva e impulsos violentos, já que o rapaz era só sorrisos e piadas sempre que eles se encontravam.
- Me entendeu? - Ela repetiu.
- Tá certo, princesa. - Ele suspirou e pegou a mão dela, dando um beijo de leve. - Você vai embora sozinha?
- Vou sim, não se preocupa. Parece que já tem bastante motivo para você se preocupar lá dentro. - Ela olhou de relance para o barracão onde os outros homens esperavam por .
Ela o beijou novamente e virou as costas, deixando para ele a bela visão de sua bunda.

Descendo o morro sozinha em direção ao asfalto, passou por dois rapazes sentados no meio-fio.
- E aí, gatinha! Chega aqui pra conversar com a gente. - Um deles falou, assediando .
O outro homem, sentado ao seu lado, deu uma cotovelada nele e falou num tom baixo, mas que ainda pôde ouvir:
- Não mexe com ela, caralho! Ela é mulher do , tá louco?
continuou andando e não conseguiu ouvir mais o diálogo deles, mas sorriu ao ouvir aquelas palavras. “Ela é mulher do .

Capítulo 6

chegou apressadamente na ONG e olhou o relógio na parede, confirmando que a aula ainda estava na metade.
- Não parem de fazer essa repetição. Demi plié; plié. Demi plié; plié. Demi plié; plié. Continuem! - Ela disse para as alunas, enquanto andou até , parado na porta.
- Por que veio me buscar? A aula não acabou ainda.
- Eu sei, princesa. Mas é que eu preciso da sua ajuda. - Ele coçou a cabeça e desviou o olhar - Bom, na real o Evandro precisa da sua ajuda.
cruzou os braços e arqueou a sobrancelha.
- Tá, eu ajudo no que eu puder. Assim que a aula terminar, eu subo até a casa do Evandro.
Ela já se preparava para dar as costas e voltar para suas meninas, quando a segurou pelo braço.
- Tem que ser agora, gatinha! Eu não teria vindo se não fosse importante.
- , eu não posso. - Ela disse entredentes, se soltando da mão dele. - Não posso parar minha aula no meio e deixar as crianças sozinhas só porque seu chefe precisa de mim. Eu não sou do Comando!
- Mas eu sou! E se tu tá comigo, tem que me ajudar. - Pela primeira vez ele usou um tom sério para falar com , e isso a fez perceber que o assunto era realmente urgente. Ela engoliu em seco e se virou para olhar as garotas.
- Podem parar o exercício. Meninas, eu tive um problema e vamos ter que encerrar a aula agora, tá?! - Ela ouviu um coro de tristeza - Na próxima aula, nós iremos ensaiar por alguns minutos a mais, para repor esse tempo perdido. Não façam essa carinha!
As meninas tinham uma expressão desanimada no rosto, tristes pela atividade que elas gostavam tanto terminar antes do previsto.
- Não fiquem tristes, eu prometo que isso não vai acontecer de novo. - Ela olhou para ao proferir a última frase.

Eles subiram o morro na moto de para não perder tempo.
fez questão de se segurar nas alças laterais do veículo, em vez de passar os braços ao redor do corpo do rapaz, como sempre fazia.
Quando chegaram na casa de Evandro, a maior e mais bonita do morro, ele a levou para a laje.
Ela já havia estado ali antes, mas a cada vez que ia lá, parecia que a residência estava mais luxuosa.
Contudo, não teve tempo de pensar muito sobre isso, ou sobre qualquer outra coisa, pois em poucos segundos a luz do Sol ofuscou seu olhar. Estavam na laje Evandro, outros homens do Comando que o cercavam e um homem estranho, que nunca havia visto antes.
colocou a mão nas costas da garota e a empurrou de leve para frente.
- Oi, Evandro. Mandou me chamar?
- Mandei. Eu quero que você traduza o que esse cara tá falando.
O olhar confuso de pulou de Evandro para o homem desconhecido, depois para e de volta para o desconhecido.
- Como assim, Evandro? Quem é ele?
- Princesa, os caras do Comando pegaram esse cara fotografando as pessoas aqui no morro, mas parece que ele só fala francês ou sei lá que merda. Ele pode ser da polícia, por isso a gente precisa entender o que ele tá falando. Aí eu lembrei que tu sempre fala umas palavras estranhas nas aulas de balé, e o Evandro me pediu pra te chamar aqui e traduzir o que o cara tá dizendo.
fechou os olhos e respirou fundo.
- , eu não sei falar francês! As únicas palavras que eu sei são os nomes técnicos do ballet, só isso. Não adianta me pedir para conversar com um cara da França, porque a gente não vai se entender!
- Porra, gatinha! Quebra essa pra gente, por favor. Pelo menos tenta.
Evandro olhava para o casal discutindo e sentia sua paciência se esvaindo, enquanto o gringo balbuciava algumas palavras incompreensíveis.
- Tá, eu vou tentar. Mas não prometo nada!
concordou e olhou para Evandro, que assentiu, autorizando que a garota conversasse com o homem.
Ele era um homem branco de meia idade, aparentemente, e tinha próximo de seus pés algumas bolsas com câmeras, lentes e rolos de filme fotográfico. Com certeza não era o estereótipo de pessoa que frequentava o Dendê, por isso sua presença deve ter chamado a atenção.
Ele estava sentado numa cadeira de plástico e dois homens do Comando o cercavam.
deu alguns passos para frente e se ajoelhou no chão, ficando mais próxima do homem.
Ele a olhou sem entender o que ela fazia ali, e impaciente, Evandro deu um tapa no ombro dele para apressá-lo.
- Fala, gringo!
O homem balbuciou algumas sílabas e gaguejou, antes de respirar fundo e começar a falar com :
- Je m'appelle Charles. Je suis journaliste en France. Je suis venu photographier les quartiers pauvres du Brésil.
arqueou as sobrancelhas, confusa. Ainda assim, ele se recusou a admitir que não compreendeu quase nada, afinal, contava com ela.
- Tá. Charles. Jornalista. - Ela repetia as informações para si mesma. - Então, tu é jornalista, Charles?
- Journaliste! Oui, journaliste. - O homem respondeu.
- Ok. E polícia? Polici, police… - jogava palavras aleatórias sem saber se estavam corretas ou não, tentando se comunicar na base da sorte.
- Police? Je ne suis pas policier. Crois-moi! - Charles disse de modo quase desesperado.
Frustrada, desistiu e se levantou, sob os olhares atentos e ansiosos do Comando. Principalmente de e Evandro.
- , eu disse que não sei falar francês. - Ela falou, quase envergonhada.
- Tu não entendeu nada, princesa?
- Nada! Quer dizer, eu entendi que ele se chama Charles, é jornalista e parece que veio fotografar o Brasil, sei lá. Eu queria poder ajudar mais.
- Relaxa, já ajudou bastante. - Evandro falou. - Agora a gente se resolve com ele. , pode levar ela!
assentiu e pegou pela mão, a direcionando para descer a escada da laje.
Enquanto descia, ela se virou para trás e lançou um olhar sobre o homem que ficou lá, com uma expressão temerosa.
Ao sair da casa de Evandro e chegar na rua, se virou para de maneira grave:
- Como assim o Evandro manda me buscar, aí depois que está satisfeito manda me levar embora? Eu não sou um cachorro em que você pode colocar uma coleira e levar para onde quiser, !
- Calma, princesa! Ele pediu para eu te chamar só porque era importante.
- Ele pediu para me chamar ou mandou me chamar? - Ela se mantinha de braços cruzados, longe do rapaz.
- Eu não queria que você viesse. - Ele desabafou num sussurro. - Eu não quero você metida com o Comando, entendeu? Isso não é vida pra você! Muita merda acontece aqui.
engoliu em seco ao ouvir aquilo. Sentiu um soco no estômago em pensar nas “merdas” que aconteciam ali e teve um calafrio de medo; não por si mesma, mas pelo rapaz.
- O que vai acontecer com ele se o Comando decidir que ele não pode ficar aqui no Dendê?
- Princesa, esquece isso, tá bom?! Não se preocupa com o que acontece da porta da ONG pra fora.
segurava o rosto dela com as duas mãos de maneira cuidadosa, quase encostando a ponta dos seus narizes.
- Mas será que ele vai ficar bem…
- Shhh. Esquece isso, ! Eu prometo que vou tentar deixar você longe disso tudo, tá? - Ele a beijou antes que a garota pudesse responder.
a puxou para um abraço e beijou o topo da cabeça dela com carinho.
Sentindo os braços do rapaz ao redor do seu corpo e as mãos ásperas e quentes acariciando suas costas, sabia que poderia confiar totalmente nele.

- Coloquem o quadril para dentro! A postura correta é super importante para fazer os movimentos sem se machucar. - As alunas se atentavam às ordens de .
- É… bonjour. - Uma voz masculina pronunciou, chamando a atenção da professora.
Ela se virou rapidamente e viu na porta da ONG aquele homem do qual ela jamais esqueceria o rosto.
- Incrível como não consigo dar uma simples aula de ballet sem ser interrompida! Essa ONG parece a casa da mãe Joana. - Ela disse em voz baixíssima, mais para si mesma do que para qualquer outra pessoa. - Olá. Charles, né?!
- Oui, oui. Sim, sou o Charles. Espero não atrapalhar. - Ele sorriu timidamente.
- Não atrapalha não, imagina. - forçou um sorriso falsamente simpático.
- Eu queria saber se posso tirar fotografie… fotos, sabe? De suas crianças.
- Fotografar as meninas? Eu não sei… - cruzou os braços e olhou para as aluninhas em dúvida. Era muito estranho um homem desconhecido que surgiu no morro há poucos dias pedir para fotografar pessoas aleatoriamente.
- Eu sou jornaliste e estou no Brasil a trabalho. Vim tirar fotos de comunidades carentes e agora tenho autorizaçon de Evandro.
- Fotografar comunidades carentes? E veio no Dendê? - riu sarcasticamente - Essa comunidade só é carente de Estado, porque o Comando não deixa faltar nada por aqui. Enfim, se o Evandro autorizou então tu pode fotografar. Só vou avisar as meninas…
Se o chefe do morro deu sua benção para algo acontecer no Dendê, não seria que iria contrariá-lo. Ela não concordava com as ações violentas do Comando, mas sabia qual era seu lugar e não ousava desafiar ninguém. Principalmente agora, que seu lugar era ao lado de , e ela não queria causar problemas para ele.
- Ah, non non. Por favor, não avise elas. Assim eu posso tirar fotos spontané… é, como posso dizer? Espontâneas.
- Só tenta não interromper a aula, por favor. Sabe como é criança, né?! Se distraem facilmente.
- Claro, . Merci. Obrigado!
Ela se voltou para as meninas e continuou com os exercícios e passos de dança, ignorando a presença do jornalista.
Contudo, ela sentiu satisfação em ver que ele estava são e salvo - ao menos é o que parecia -, depois de ter se preocupado com o que aconteceria a ele naquele dia tenso na casa de Evandro.

Capítulo 7

- As crianças da ONG não podem me ver carregando um fuzil, mas podem ver a professora fumando? - riu vendo acender um cigarro que ela pegou do maço dele.
As pessoas na rua, amigos e conhecidos de , cumprimentavam o casal que subia o morro de mãos dadas.
- Hoje eu tô de folga! E é só um cigarro, não tem nada demais. Um fuzil é muito pior! Aliás, me desculpe. Fuzil não; Julieta. - soltou a fumaça e revirou os olhos.
- Não fica com ciúmes, princesa! Eu te amo, mas a Julieta é a mulher da minha vida. Eu conheci ela muito antes de te conhecer.
- Eu devia dar um sumiço nessa arma, já que você gosta mais dela do que mim. - Ela beliscou de leve.
Algumas pessoas conversam com seus animais de estimação, outras conversam com as plantas, mas conversava com suas armas. Ele sempre falava delas como se fossem mulheres, dava nomes para elas, dizia que as amava e cuidava muito bem, impedindo qualquer um de tocá-las. , assim como todo o Comando, achava graça e sempre tirava sarro do rapaz por isso.
- Ai, ! - Ela esfregou o local do beliscão. - A Julieta e a Berenice são minhas garotas, mas você é a minha mulher! - Ele disse e a beijou.
- Você é tão brega, . - ria entre um selinho e outro. - Cheio de frases melosas, parece que tirou de algum livro de romance barato.
- Ah, é? Tu me acha brega? Tu não viu nada! - Ele soltou a mão da namorada e correu até um carro estacionado na rua e saltou, subindo no capô num pulo.
- AÍ DENDÊ: EU AMO A , ELA É A MULHER DA MINHA VIDA! - levantou os braços e começou a gritar a plenos pulmões, para que a rua toda ouvisse.
- Desce daí, ! - ordenou - Seu maluco, você tá pisando no carro de uma pessoa!
Ela ria nervosamente, com medo do dono do carro ver em pé sobre o veículo. Mas ele só se divertia, mandando beijos para ela do alto.
- CARALHO, , METE O PÉ DAÍ! TÁ DE SACANAGEM? - O casal se virou para ver de onde vinha aquela voz masculina com raiva. Era Afonso, o contador do Comando.
Ele estava na laje da casa de Evandro, e lá de cima viu em pé em seu carro.
- Foi mal, Afonso! É tanto amor que eu fiquei empolgadão. - gritou de volta e pulou direto do carro para o chão.
- Chega de declarações, né?! - Ela se aproximou do namorado e o abraçou. passou o braço pela cintura dela e eles continuaram a andar juntos, chegando até a casa de Evandro.
Eles entraram e enquanto subiam as escadas, colocou a mão na bunda de .
- Para com isso!!! - Ela chiou para ele e lhe deu um tapa na mão. - Agora não! Mais tarde. - Ela riu e piscou.

Chegando na laje da casa de Evandro, encontraram muitos dos homens do Comando, além da família de Evandro. Naquele dia, todos se juntavam para comemorar o aniversário do filho mais velho do chefe.
- E aí Ayrton, parabéns muleque! - cumprimentou o garoto que completava 9 anos. - Já tá na idade de arrumar umas namoradinhas, né não?!
- Deixa o menino em paz, ele nem deve pensar nisso ainda. - cutucou o namorado com uma cotovelada de leve. - Aposto que ele se interessa muito mais pelo presente que eu trouxe.
- Você trouxe um presente? - Os olhos do menino se acenderam de empolgação.
- Claro! Eu fiquei sabendo que tu ganhou um video game novo, né?! Acho que você vai gostar disso aqui. - Ela tirou de sua bolsa um pacote retangular que Ayrton abriu com pressa.
- Abre devagar, garoto! Pra guardar o papel de presente. - Sua mãe, Geise, chegou dizendo.
- Obrigado, ! Olha só mãe! - Ele mostrou para Geise os cartuchos de video game que ganhou da garota.
- De nada. Foi o quem escolheu os jogos.
- Eu escolhi os mais maneiros pra tu me chamar pra jogar contigo. - O rapaz disse.
- , o Evandro tá ali na churrasqueira com o Gilmar e o Afonso. Chega ali!
- Beleza, patroa, pode deixar. Só vou dar um cheiro na minha princesa antes.
Ele abraçou por trás e deu vários beijos no pescoço dela, causando-lhe arrepios.
Dali eles tinham uma visão da Baía de Guanabara, meio distante, mas ainda assim, bonita.
- O Rio de Janeiro continua lindo. E você continua ficando mais linda a cada dia.
- E você cada dia mais brega! - riu - Mas pode continuar. Eu gosto de um conquistador barato. - Ela se virou e o beijou, antes dele sair para ir ao encontro dos amigos.
Geise se aproximou de e encarou a menina sorrindo sozinha, toda boba.
- No começo é assim mesmo; tudo lindo, um mar de rosas. - Geise começou a dizer em voz baixa para a amiga - Mas tu tá pronta pra enfrentar essa vida, ? Namorar traficante não é só curtir baile funk e cheirar pó de graça, não. Aqui o buraco é bem mais embaixo.
ficou séria e não hesitou para responder:
- Eu sei onde tô me metendo! Você sabe bem que eu evitei ao máximo me aproximar do desde que o conheci, justamente por ele ser do Comando. Mas o que eu poderia fazer? Quanto mais eu conhecia ele, mais eu me sentia envolvida de um jeito que nenhum cara da Zona Sul me fez sentir.
- Eu sei, amiga! Acredita em mim, eu senti a mesma coisa. Mas eu só quero te avisar aquilo que ninguém me avisou quando eu conheci o Evandro: nunca fica mais fácil. Daqui pra frente, você só se envolve mais e mais com a vida dele. Não tem volta, entendeu?
Geise se afastou e observou de longe rindo com os amigos. Uma brisa bateu e balançou a camisa dele, deixando à mostra a pistola em sua cintura. mordeu o lábio ao ter aquela visão, pensativa sobre o que acabara de conversar com Geise.
Ela foi até o rapaz e sentou ao seu lado, entrelaçando seus dedos nos dele e acariciando sua mão.
- Qual foi? - Ele perguntou ao ver a namorada rir baixinho.
- Seu nariz tá sujo. - Ela sussurrou e virou o rosto dele devagar, limpando discretamente um restinho de pó branco que estava ali.
- Porra, que vacilo, nem percebi.
- O que seria de você sem mim? - beijou-o no rosto.

O fim de tarde lançava uma luz alaranjada sobre o rosto de , contraindo sua pupila.
No ponto mais alto do morro, onde ficava a torre de rádio, e conversavam por horas sentados no capô do carro dele.
- Esse aqui é o melhor pior lugar do mundo. - soltou a fumaça e passou o beck para a namorada.
- Como assim?
- É difícil viver aqui, é sofrido. Mas eu não ia conseguir viver em nenhum outro lugar! Seria meu pior castigo. Eu sou cria do Dendê! Foi aqui que eu nasci, cresci e onde meu pai disse que eu deveria seguir o caminho dele.
- Seu pai era do Comando? - se surpreendeu.
assentiu.
- Eu cresci dentro dessa vida, sabendo que a gente faz o que tiver que fazer pra sobreviver. Eu já sabia atirar antes de ter entrado para a escola.
- Você nasceu para ser um soldado do Comando. E você é o melhor deles! Seu pai ficaria orgulhoso. - Sentada entre as pernas do namorado, se virou e deu um beijo no pescoço dele.
- Todo mundo pensa em ganhar a vida e sair daqui, mas eu não! Eu quero subir no Comando, ser chefe do morro e dono de tudo isso aqui.
- Você não sairia daqui por nada? Nem por mim? - perguntou.
- E você, subiria o morro por mim? - Ele rebateu.
- Eu tô aqui, não tô?
- Eu quero dizer subir pra valer, deixar o asfalto pra trás. Eu quero ser dono do morro, mas quero você do meu lado! - Ele olhou nos olhos e ela viu a verdade estampada no rosto dele. era um homem transparente em todas as suas palavras, expressões e atitudes. não era capaz de duvidar de nada que ele dizia.
Enquanto ela permanecia em silêncio, pensando no que ele disse, concluiu seu pensamento:
- Mas eu sei que isso não vai acontecer. Eu gosto muito de você, , mas o lance que a gente tem não vai durar. Logo você vai perceber que eu não sou o cara certo pra você e não posso dar a vida que uma menina do seu nível merece. Eu queria você ao meu lado no topo.
sentiu um nó na garganta que a silenciou. Se tentasse dizer uma palavra sequer, as lágrimas rolariam e ela não queria isso.
Respirou fundo para se conter e virou o rosto, sem conseguir encarar o namorado.
Deixou seu corpo sentir o aperto dos braços de ao seu redor por alguns instantes para se acalmar.
- Posso te pedir uma coisa? - disse.
- Qualquer coisa, princesa.
- Me ensina a atirar.
- Tu tá falando sério? - Ele a olhou surpreso.
- E eu sou mulher de brincadeira? - Ela se forçou a dar um falso sorriso.
concordou e foi até o banco traseiro do carro, pegando Bianca, o primeiro fuzil que ele ganhou na vida e sua primeira paixão.
Entregou a arma na mão da namorada devagar.
- Cuidado, tá carregada. - Ele avisou.
pegou o fuzil e apontou para uma direção qualquer, apenas para tentar se familiarizar com o peso e o tamanho da arma.
- Tá, antes de qualquer coisa: coloca a bandoleira. - falou e permaneceu parada, o olhando com uma expressão de dúvida. - Essa alça aí na arma! Passa ela pelo seu pescoço.
Ela fez como ele disse, e assim que a alça passou pelo seu corpo, ela empunhou o fuzil e o apontou.
corrigiu a postura e se pôs a olhar através da mira da arma, simulando confiança sobre aquilo o que estava fazendo.
se colocou atrás da garota e tocou seu corpo devagar, ajustando aos poucos os detalhes que a fariam atirar corretamente.
Sua fala mansa arrepiou os pêlos da nuca de :
- Já escolheu seu alvo?
olhou ao redor, determinando qual seria sua “vítima”. Distante alguns metros, havia uma antiga placa de metal onde, entre a tinta descascada e a ferrugem, ainda era possível ler as palavras “NÃO ULTRAPASSE - ÁREA RESTRITA”.
- Aquela placa ali. - Ela apontou e concordou com a cabeça.
- Com a mão esquerda você segura a arma. Bem aqui, ó! - Ele pôs a mão dela no lugar indicado e fechou seus dedos sobre os dela, para garantir que ela segurasse com força. - Essa mão serve para apoiar a arma e diminuir o recuo, o “coice” que a arma dá quando você atira. Agora flexiona o cotovelo direito e junta os braços o mais perto possível do seu corpo, assim você diminui a área de exposição em que seu inimigo pode atirar.
se surpreendia a cada palavra que o namorado dizia. Explicações detalhadas, termos técnicos e muito conhecimento sobre o assunto. Ela nunca o ouvira falar com tanta propriedade sobre qualquer outra coisa.
- Deixa a coronha da arma sempre encostada no teu ombro! Se você apoiar a arma num local mais baixo, vai perder toda a estabilidade do tiro. Então olha seu alvo pela mira, respira fundo e segura a respiração.
a segurou pelos ombros e os apertou de leve, tentando relaxar a tensão da garota.
Após inspirar profundamente, deslizou seu dedo pelo gatilho e o pressionou, emitindo um som estridente e muito mais alto do que ela esperava.
Alguns pombos que estavam próximos se assustaram e alçaram voo para longe.
Mesmo a certa distância, eles conseguiam ver perfeitamente o buraco que a bala havia feito na placa de metal.
De repente, a risada de capturou sua atenção.
- Viu como é fácil?! Mandou bem, princes…
Antes que pudesse concluir sua frase, apertou o gatilho novamente, mas dessa vez com mais força. E não soltou.
Ela ouvia as balas sendo lançadas para fora da arma aos montes, várias por segundo, e até desistiu de tentar contar. Seu dedo continuou sobre o gatilho, mesmo escutando os protestos do namorado:
- Chega, ! Vai acabar com todas as balas! - Ele até tentou retirar o fuzil da mão dela, mas achou perigoso.
Os braços dela tremiam com a pressão constante que as balas faziam ao sair tão rapidamente.
Quando por fim a última bala foi disparada e o local ficou em silêncio novamente, jogou de lado as mechas de cabelo que caíam sobre seu rosto e se virou para o namorado. Ele observava boquiaberto a placa de metal furada como uma peneira.
- Tá maluca? O Evandro vai me matar por ter dado tantos tiros, bala não cresce em árvore não!
virou a cabeça para trás rapidamente, conferindo o resultado do seu descontrole na placa de aviso. Agora era impossível ler qualquer palavra ali, tão deformada ela havia ficado.
Com lágrimas nos olhos, a garota tirou a bandoleira do fuzil do seu corpo e empurrou a arma no peito de .
- NUNCA MAIS, tá me ouvindo? Nunca mais diz o que eu vou ou não fazer. Você decidiu sozinho que um dia eu vou acordar e perceber que você não é bom pra mim, que eu não posso namorar com traficante e o caralho a 4. Mas só eu posso decidir quando ir ou quando ficar. E eu não pretendo ir embora, sacou? Meu lugar é aqui contigo. - Ela pegou o rosto dele com força e o puxou para um beijo.
Ela o largou e entrou no carro dele, batendo a porta do lado do passageiro com força e cruzando os braços ao se sentar.

secava os copos distraidamente, ao lado de sua sogra lavando as louças.
- Ouça-me bem, amor, preste atenção: o mundo é um moinho. Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos, vai reduzir as ilusões a pó… - A senhora cantarolava baixinho enquanto fazia o serviço.
jogou o pano de prato sobre o ombro e olhou pela janela, vendo um risco preto e fino de fumaça que manchava o céu do Dendê há alguns dias já. A nuvem havia surgido muito mais escura e longa, acompanhada de um forte cheiro amargo de queimado, que agora já estava dissipado.
- Dona Virgínia, teve incêndio em algum lugar do morro? Aquela nuvem de fumaça tá demorando dias para sumir.
A mulher permaneceu impassível em frente à pia quase vazia.
- Não se preocupa não, minha filha. O Comando já tem tudo sob controle. - Foi só o que ela disse.
- Mas o que aconteceu? - não entendeu a resposta evasiva da sogra.
- O Sol tá forte hoje, né?! - A mulher andou em direção à janela da sala onde observava o céu e fechou as cortinas, tapando a visão da garota. - Pode ir encontrar o , eu termino de arrumar a cozinha.
A atitude de dona Virgínia deixou com várias pulgas atrás da orelha, mas ela apenas concordou, pois queria mesmo ver seu namorado.

O Sol estava a pino enquanto andava pelo Dendê à procura de .
O calor era o mesmo de sempre, mas o morro parecia diferente. As ruas e vielas sempre alvoroçadas, com carros subindo e descendo, pessoas conversando e música alta tocando, estavam muito mais silenciosas, como se todos estivessem dormindo em pleno meio-dia.
- Esqueceu de mim, ? Passei um tempão te esperando. Tive que ir sozinha pra tua casa. - protestou ao chegar no ponto de venda de drogas próxima à saída do morro.
Se aproximou e cumprimentou o namorado com um selinho.
Todos os dias em que ela ia para a ONG, a buscava no fim da aula para ficarem juntos. Mas naquele dia ele não apareceu e nem mandou nenhum de seus amigos.
- Pô, foi mal, gatinha! - Eu fiquei ocupado com umas coisas aqui e nem vi a hora passar. - Ele a puxou para perto e a beijou, enquanto passava a mão com carinho no cabelo dela.
Porém, o momento durou pouco, e logo desviou sua atenção da namorada para os homens que o acompanhavam:
- Anda, caralho! Pega tudo e desmonta essa boca logo. - Ele tinha um tom de voz firme, mas conseguia ler em seu rosto o quanto ele estava exasperado.
Os homens andavam de um lado para o outro carregando armas, numerosos pacotes de drogas, cadernos cheios de anotações e uma mala de viagem que, viu, estava repleta de maços de dinheiro.
Enquanto estava um pouco afastado, falando com alguém em seu rádio comunicador, observava tudo, e os homens passavam por ela com pressa, parecendo nem notar sua presença ali.
- O que que tá acontecendo? - Ela questionou em voz alta, esperando que qualquer um que lhe ouvisse pudesse responder.
- É guerra, ! A S.A declarou guerra contra o Comando e a gente tá se movimentando pra atacar esses filhos da puta… - Um dos rapazes começou a explicar, mas foi interrompido por um irritado.
- Cala a boca, Tricolor! Porra! Para de assustar a . Não é nada disso, amor. Relaxa!
Pela primeira vez, ouviu o namorado a chamar de amor, e por um segundo seu coração se aqueceu. Contudo, o momento conturbado foi como um balde de água fria.
- O que tá acontecendo, ? - Ela o puxou pelo braço e falou de maneira urgente, no mesmo instante em que ouviu inúmeros tiros sendo disparados ao longe. Tão longe que ela nem saberia dizer se haviam sido disparados no Dendê ou em outro morro.
ficou estático por um momento, pensando em como contar para a garota sobre o que estava prestes a começar. Ele já nem se abalava mais, acostumado com a violência e o perigo recorrentes, mas não queria deixar preocupada. Para ele, seria apenas mais um dia normal, mas para ela seria um choque.
- Não tá rolando nada demais! O Evandro viajou para o Paraguai e me deixou como frente do Dendê. - Ele respirou fundo antes de prosseguir - E os caras da S.A, uma facção rival, resolveram cobrar uma dívida antiga.
- Essa facção vai invadir o Dendê e você tá na linha de frente???
Instantaneamente, ouviu sua consciência lhe dizendo “viu? Eu disse que era melhor não contar para ela.” Mas no fundo ele sabia que não era justo deixá-la sem saber de nada.
- Princesa, ninguém vai invadir o morro! Enquanto o Evandro não tá aqui, eu sou o responsável pelo Dendê e pelos homens do Comando. Eu sei o que tô fazendo, ok? Morador do Dendê é sagrado; ninguém vai se machucar aqui, e te garanto que nem os caras da S.A e de nenhuma outra porra de facção vai entrar aqui.
- , eu não vou sair daqui, tá? Eu vou ficar do teu lado. - Ela segurou o rosto dele com as duas mãos.
- Você não vai ficar aqui e não tem discussão! Eu não quero você aqui se acontecer alguma coisa. Eu não posso descer o morro agora, mas algum dos caras vai te levar para casa em segurança.
- Não, . Por favor… - A voz suplicante de foi cortada pelo som do rádio de .

- Fala, . Aqui é o Russo.
- Russo?
- Escuta bem, seu arrombado, que eu vou te dar o papo uma vez só: se tu não tiver no campinho meia-noite com o meu dinheiro, a gente vai entrar com tudo no Dendê! Eu quero que se foda morador, membro do Comando e quem mais entrar no meu caminho. A gente vai invadir e quebrar tudo nessa favela de merda! Já é?
- Tu é um filho da puta mesmo, né?! Esperou o Evandro estar fora pra atacar, porque sabe que com ele aqui tu ia morrer. Eu só vou te entregar essa grana porque ele mandou, se fosse por mim teu pagamento seria em bala!
- Já esperei tempo demais. Cês acham que podem me passar a perna? Não sou banco pra dar empréstimo pra ninguém. No passado, essa grana salvou a vida do Evandro e eu vou cobrar o pagamento, seja com dinheiro ou seja com a vida dele. Tu tá muito nervosinho, . Eu já falei que se você me entregar o Evandro, eu esqueço toda a dívida que o Comando tem comigo.
- Tu é mais podre que os vermes! Eu não dou o Evandro nem que me mate, e tu pode tentar!
- Só porque o Evandro te deixou como chefe do Dendê você tá se achando o dono da porra toda, né não? Vamo fazer o seguinte: te dou só duas horas pra me entregar esse dinheiro, porque eu não tenho paciência pra aturar moleque. Agora, se o Comando não tiver a quantia toda, a gente pode buscar a sua princesinha. Ela é bonitinha, ia fazer sucesso com meus homens. - Russo deu uma risada sarcástica do outro lado da linha e sentiu ódio descendo por sua espinha e asco subindo por sua garganta.
- Se você falar, olhar ou pensar na de novo, todo dia eu vou matar uma pessoa da sua família até só restar você. E aí eu vou te torturar até você implorar para morrer, mas eu não vou te matar porque seria muito fácil. Eu te enterro vivo pra te ouvir agonizar enquanto os vermes começam a roer teu corpo podre, seu desgraçado.
O silêncio reinou na conversa, exceto pelas respirações de ambos. Russo parecia tentar controlar sua respiração, enquanto ficava cada vez mais descontrolado, sentindo todo o oxigênio deixar seu corpo. Ele não conseguia mais pensar direito, tamanho era seu ódio. Ele apertou o rádio tão forte em sua mão direita que teve que fazer um esforço descomunal para não parti-lo ao meio.
- Duas horas, entendeu? Ou a gente invade o Dendê pra pegar o que é nosso e de quebra ainda traz sua princesinha pra dançar aqui no nosso morro. - Russo afirmou, finalizando a discussão.

A ideia de ter Gabriella ameaçada por seus inimigos, mesmo que não passasse de um blefe, fazia delirar.
O espaço e o tempo desapareceram. Ele não sentia mais seu corpo; pensamentos alvoroçados passavam por sua mente, mas não conseguia mantê-los por muito tempo.
O único som que ouvia agora era sua respiração cada vez mais pesada. Sua visão se tornava turva e escurecida, como se a fúria tomasse seus olhos.
Num impulso, atirou seu rádio há vários metros de distância, o perdendo de vista completamente.
Sem perceber, sua boca se abriu num grito de puro ódio e agonia. Sentia como se seu lado mais animalesco estivesse se libertando. Pessoas nos quatro cantos do Morro do Dendê conseguiram ouvir aquele som gutural assustador.
Quando enfim a última gota de raiva foi expelida de seu interior, enfim se voltou para o objeto de sua afeição.
Ele se virou para trás e viu o observando aflita. Ele havia se afastado dela para conversar com Russo sem que ela ouvisse nada, e naquele momento, agradeceu por ter tomado essa decisão.
- Meu amor, eu tô assustada. E preocupada. - Ela disse em voz baixa quando ele se aproximou a passos largos.
- Você vai sair daqui agora, . Por tudo que é mais sagrado, não discute comigo. - Ele disse ao vê-la abrir a boca para dizer algo.
- Tudo bem, eu vou sem reclamar. - Tudo nele, a expressão facial, o tom de voz, a postura, deixavam claro que a situação no morro se agravou. - Só me diz quando a gente vai se ver de novo? Pra eu poder ficar em paz.
- Eu não sei, princesa. O bagulho tá sinistro por aqui e não posso prometer nada. Eu tenho que resolver tudo o que o Evandro deixou na minha mão.
sentiu os olhos ficando úmidos e se agarrou no pescoço do rapaz. Inspirou profundamente e sentiu o cheiro dele, aquele perfume inesquecível que a encantou desde a primeira vez que o sentiu.
Ela queria poder congelar o tempo bem ali.
- Volta pra mim. - disse ao pé do ouvido de .
Em todos os anos desde sua fundação, com certeza o Dendê nunca viu um beijo tão apaixonado quanto ele. Era como se a força daquela carícia pudesse tornar ambos um ser só.
colocou num carro e mandou um dos homens do Comando a levar para casa e ficar de campana na rua da casa dela, para garantir sua segurança.
Ele ficou em pé assistindo o carro partir em direção a Zona Sul, levando a pessoa com quem ele mais se importava no mundo todo.

Capítulo 8

tamborilava os dedos impacientemente enquanto escutava os toques do telefone.
Ao primeiro toque, ele bufou inquieto. No segundo toque, pensou em desligar e ir até a casa de para falar com ela pessoalmente.
Para seu alívio, do outro lado da ligação estava tão ansiosa quanto ele, e atendeu o mais rápido que pôde.
- Alô. - O telefone quase caiu da mão da garota por conta da rapidez com que ela o retirou do gancho. Seu coração batia tão rápido que ela achou que a pessoa do outro lado poderia até escutar.
- Oi princesa, sou eu. Eu preciso da sua ajuda. - Ele disse rapidamente.
estranhou a urgência na voz dele e a forma como ele mal a cumprimentou.
- O que aconteceu? Você tá bem? - Depois de passar dias sem notícias de , enquanto ele ficava incomunicável e ocupado com os conflitos do morro, foi um alívio finalmente receber uma ligação. Mas esse alívio aos poucos se tornava aflição, criando rugas de preocupação na testa de .
- Não aconteceu nada. Ainda não. Mas eu preciso de você para que não aconteça. Eu tenho que sair do Dendê e me esconder em algum lugar em que ninguém me encontre, e você é minha melhor opção.
- Você tá se escondendo da S.A? Eu achei que você ia resolver…
- Não, esquece a S.A. Isso já tá resolvido, mas um problema com a polícia vai estourar logo mais no Dendê e a Federal vai invadir o morro. Por isso eu preciso estar fora aqui antes que eles cheguem.
- , tu sabe que eu faço tudo por você, mas se esconder aqui em casa? Eu não sei… não posso envolver meus pais nisso.
- Qual é, gatinha? Eu não ia te pedir um favor desses se não fosse questão de vida ou morte. Não é a PM ou a Civil; é a Polícia Federal.
- , por que a Federal tá atrás de você? O que tá acontecendo? Caralho, eu não posso ficar no escuro, sem saber de nada que acontece contigo. Você confia em mim ou não? Então me conta as coisas, porra!
- , tu vai me desculpar mas eu não tenho tempo pra fofocar no telefone. Você vai me ajudar ou não? Eu não tenho mais pra onde ir! Tô visado no Dendê, hoje ou amanhã eu posso estar preso. Só preciso de um tempo para deixar a poeira baixar por aqui.
afastou o telefone do ouvido e bufou com irritação. Tentava pensarar rapidamente em alguma outra solução que não envolvesse receber seu namorado traficante foragido em casa, mas a pressão do momento não lhe deixava raciocinar direito.
- Eu não posso dar bobeira com esses vermes aqui no morro! Se eles me pegarem, já era. A gente vai ficar muito tempo longe um do outro se eu for em cana Isso se eu der sorte, né…
- Vem! Pode vir. - o interrompeu. A mera ideia de perdê-lo era insuportável, e por mais que odiasse fazer isso, ela colocaria sua integridade e a de seus pais em jogo para proteger o namorado. Algumas coisas - ou nesse caso, pessoas - valem a pena o risco, mesmo que seja um risco muito grande e que tem potencial de impactar a vida de todos os envolvidos.
- Sério, princesa? Você me salvou! - Ele deu um sorriso de alívio que ela pôde ouvir do outro lado da linha - Eu chego aí em meia hora.
- Eu nunca ia te deixar desamparado. - A ligação ficou silenciosa - Eu vou deixar a porta aberta, entra com cuidado, tá?!
- Pode deixar. Mas e a tua coroa?
- Não se preocupa, eu dou um jeito. Eu sempre dou, né.
afastou o telefone de seu ouvido, pronta para desligar, mas ainda ouviu proferir algumas palavras:
- Princesa, eu te amo, viu?! Muito.
Agora que havia permitido que ele ficasse na casa dela, a voz de emanava certa tranquilidade. Gradualmente o desequilíbrio desaparecia de sua voz, dando lugar aquele homem divertido e simpático que ele era na maior parte do tempo.
- Eu também. - Ela respondeu antes de desligar.

No horário previsto, estava na porta da casa de .
Antes de entrar, ele havia dado a volta pelo terreno da casa olhando por todas as janelas para garantir que não havia ninguém lá dentro e poderia entrar sem problemas.
Tentou fazer essa varredura de maneira rápida e imperceptível, pois um rapaz como ele, rondando uma casa num bairro classe média, com certeza chamaria atenção desnecessária.
Olhou para os dois lados da rua uma última vez antes de entrar pé ante pé, seguindo a recomendação da garota de não fazer barulho algum.
Ajeitou a mochila em seu ombro e posicionou a mão em sua pistola presa no cós da bermuda, por puro instinto. Avistou a escada no canto da sala e começou a subir devagar em direção ao segundo piso.
olhou o corredor comprido com diversas portas de mogno e não pôde evitar pensar em como a família de ainda podia pagar para manter aquele padrão de vida, depois do escândalo político em que o pai dela se envolveu e culminou no fim de sua carreira.
- O cara deve ter feito um belo caixa 2 antes de ser demitido. - O rapaz disse para si mesmo.
O tapete que decorava toda a extensão do corredor parecia tão caro que quase se sentia culpado por pisar nele.
De repente, passou por uma porta que contava com uma plaquinha de madeira com o escrito “” e o desenho de uma bailarina, todo cor de rosa, ao lado do nome. O objeto tinha uma pureza quase infantil, que em vez de agradá-lo, o fez sentir um arrepio.
era só uma menina antes deles começarem a namorar, e agora ele a tinha como cúmplice.
Ele abriu a porta rapidamente e entrou no quarto da namorada, querendo deixar aqueles pensamentos desagradáveis do lado de fora do cômodo.
Largou a mochila no chão e sentou na cama, sentindo a maciez do colchão de solteiro.
Ficou à vontade e deitou, como se morasse ali. Riu ao pensar que se irritaria ao ver seus sapatos em cima da cama, então ficou descalço.
Quando relaxou e deitou apoiando a cabeça sobre os braços, sentiu o cheiro do perfume dela no travesseiro e sorriu.
E ao sentir o cheiro dela e sorrir pensando naquela garota que o amava, ele se sentiu tão em casa - figurativa e emocionalmente - que adormeceu, sem nem notar.

Izabel inseriu a chave na fechadura e tentou girar, mas ela não se moveu.
Virou a maçaneta e empurrou a porta, que abriu sem problemas.
- , você não trancou a porta! - A mulher ralhou com a filha enquanto pegava as sacolas do mercado no chão e levava as compras para dentro.
- Desculpe mãe, saímos com pressa e achei que tinha trancado. - Ela entrava em casa com mais sacolas nas mãos do que conseguia carregar.
- Você só não esquece a cabeça porque é grudada no pescoço. Como pode ser tão desatenta?
- Ai, tá bom, foi sem querer! Não vai acontecer de novo. - Aquela hora já deveria ter chegado na casa e ela não podia esperar para conferir.
- Menina malcriada. - Izabel disse quando viu a garota largar as sacolas de compras em cima da mesa da cozinha com pressa e virar as costas, subindo as escadas com pressa.
ignorou veementemente o comentário, como sempre fazia em relação a tudo que a mãe falava, e seguiu seu caminho.
Respirou aliviada ao entrar no quarto e ter a visão de dormindo em sua cama. Já ele, não sentiu tanto alívio assim.
- Caralho, que susto! - Ele levantou num salto, assustado com a aparição repentina da namorada. Como reflexo, sacou a arma e apontou para ela, antes de perceber quem era.
levantou as duas mãos num sinal bem humorado de rendição.
- Calma, sou só eu. Mas fala baixo, porque minha mãe tá na cozinha. - Ela fechou a porta atrás de si sem fazer barulho e foi até a cama, sentando-se ao lado de .
- Onde você tava? - Ele perguntou, guardando a pistola.
- Eu precisava dar um jeito de tirar minha mãe de casa para você poder entrar, então convenci minha ela a ir ao mercado. - Ela sorriu e passou a mão pelo rosto dele - É chato, mas você sabe que vai ter que ficar escondido aqui no meu quarto, né?! Meus pais não podem nem sonhar que você está aqui.
- Eu sei disso, princesa. - Ele deu de ombros.
- É fácil enganar meu pai, já que ele passa a maior parte do tempo fora de casa ou trancado no escritório. Já minha mãe é mais atenta, então nada de sair daqui, hein.
- Eu vou ter que passar dias trancado no quarto contigo? Acho que não vou aguentar esse pesadelo. - Ele sorriu e a abraçou pela cintura, puxando para deitar ao seu lado na cama.
Ela o beijou com paixão, deixando o alívio por tê-lo por perto tomar conta de seu corpo. Mesmo que estivessem vivendo uma situação perigosa, o momento parecia um sonho se comparado com os dias anteriores, em que ela ficou sem nenhuma notícia dele.
Aos poucos o beijo foi se intensificando e a trouxe para cima de seu corpo, encaixando seus quadris.
- Peraí! - Ela deixou as palavras escaparem entre seus lábios e levantou da cama. Rapidamente foi até a porta e a trancou, para evitar que Izabel entrasse sem bater.
sorriu faceira e voltou para cama, continuando de onde haviam parado.

- Posso tomar um banho? - perguntou, afastando o corpo de devagar para poder se levantar.
- Claro! Pode ir, eu levo uma toalha pra você. - respondeu cansada.
Ele se levantou, incomodado com o suor que envolvia todo seu corpo, e pegou seu short do chão, o vestindo.
Deu alguns passos em direção ao banheiro da suíte, mas deu meia volta e foi até . A puxou pelo cabelo, levantando-a do colchão e mordendo a boca dela.
- Eu te amo. - sussurrou no ouvido dela, antes de ir tomar banho.
Arfando, tirou o cabelo da frente do rosto e se levantou. Com as pernas ainda bambas, foi ao guarda-roupa e pegou uma toalha limpa.
Antes de ouvir a água do chuveiro começar a cair, ela disse em voz alta:
- Depois que você terminar, nós temos que conversar.
parou a mão que já estava tocando o registro do chuveiro para abri-lo, e fechou os olhos. Encostou a testa no vidro frio do box, aceitando que aquela discussão aconteceria cedo ou tarde.
Contudo, fingiu não saber do que se tratava, numa tentativa frustrada de adiar o diálogo.
- Conversar sobre o que?
- Você sabe bem! Eu tenho o direito de saber o motivo de você fugir do Dendê às pressas, não tenho? Além disso, tem algo que eu preciso te perguntar…
- O que? - Ele desistiu de tomar banho, querendo terminar logo aquela conversa. Parou na porta do banheiro e se escorou no batente, acendendo um cigarro.
- Ontem eu estava assistindo o jornal da noite e vi uma notícia estranha…
Ela foi interrompida pelo som da maçaneta da porta do quarto sendo forçada.
- , a louça de hoje é sua! - Izabel gritava do lado de fora e batia na porta com força para chamar a atenção da filha.
A garota olhou assustada para e fez um sinal para que ele ficasse em silêncio.
- Eu deixei tudo limpo e você sujou um monte de coisas. Porra, pra quê usar tanta louça? Parece que come igual um boi. Eu não sou sua empregada!
Quando enfim a mulher zangada se calou e só se pôde ouvir os sons de seus passos se distanciando, abriu a porta e colocou a cabeça para fora e gritou:
- Eu lavo a louça sim, mas para de vir gritar no meu quarto! INFERNO. - Ela empurrou a porta com força, que bateu fazendo um barulho estrondoso.
deu um sorriso sem graça ao ver a expressão de ira no rosto da namorada.
- A coroa é chata, né?!
- Eu já tô acostumada. Ela sempre foi assim, só ficou um pouco pior depois que meu pai perdeu o emprego. - Ela deu de ombros - Enfim, eu preciso tirar uma dúvida que está me perturbando.
- Pode falar. Você sabe que eu nunca te escondo nada. - O rapaz se aproximou e passou a mão pelo queixo de de maneira gentil.
- Eu tava assistindo o jornal e falaram que um homem morreu. Ele não só morreu; foi assassinado. E no Dendê.
engoliu em seco, sabendo muito bem onde aquilo iria chegar.
- Infelizmente muita gente morre no Dendê. - Ele falou
- Mas esse homem era diferente… - Ela parecia ter dificuldade de deixar as palavras saírem de sua boca - Era aquele homem que eu conheci na casa do Evandro, sabe? O fotógrafo francês. Eu nem lembro o nome dele.
- E o que que tem? - mantinha seu tom de indiferença.
- O que que tem? , ninguém é assassinado no morro sem autorização do Comando. Eu quero saber… se vocês o mataram.
Ele ficou em silêncio por um tempo, pensando em como responder.
- Sei lá, gatinha. Eu tava muito ocupado nos últimos dias, você sabe. Os caras da S.A não me deram sossego, se alguém passou o gringo eu nem fiquei sabendo.
- … - não acreditou em nem uma palavra do que ele dissera - O Evandro viajou e deixou VOCÊ como frente do Dendê.
- Eu sei, . Mas…
se exaltava aos poucos e as palavras começaram a sair de maneira atropelada.
- NADA acontece lá sem que você saiba. Um homem inocente morreu e você tem coragem de mentir dizendo que não sabe?
- Peraí, você me perguntou, não foi?! Então me deixa explicar… - Ele era frequentemente interrompido por uma abalada. Ela não queria parar de falar, pois ao falar sua mente viajava para outro lugar e ela esquecia os detalhes escabrosos da morte do jornalista que foram divulgados no telejornal.
- Porra, sabia que ele tinha família? FAMÍLIA, !
- , não fala do que você não sabe. Muita coisa acontece naquele morro e você deveria ficar agradecida por eu não te contar… - Ele respirou fundo e jogou seu cigarro pela janela. Sua mão tremia por conta do nervosismo e ele dava passos em direção à garota.
- Ele só queria conhecer o morro e tirar fotos, nada demais.
- ELE IA DEDURAR A GENTE E ESSA É A LEI DO MORRO! - gritou, perdendo o controle de vez. - Porra, !
Ele permaneceu em pé no meio do quarto, imóvel.
- A gente pegou ele gravando várias coisas, até entrevista com a mãe do Evandro. Tudo escondido.
- E aí, vocês mataram ele? Só porque ele tinha gravações de vocês? Isso não é motivo…
- É MOTIVO, SIM! - Ele apontou o dedo na cara dela - É motivo, sim. X9, dedo duro, rato! Isso que ele era. Veio com essa história de fotógrafo só pra tentar enganar o Comando, mas ninguém engana o Comando e fica livre pra contar história.
se assustou ao sentir algo molhado em sua boca. Nem havia percebido as lágrimas que desciam por seu rosto, tão rápida e silenciosamente elas surgiram.
- Ele era uma pessoa, . Um profissional; um pai. Ele tinha duas filhas que ainda são crianças. Porra!
Ela começou a sentir um enjoo repentino e se ajoelhou no chão, tentando conter o impulso de vomitar.
“O corpo foi encontrado carbonizado e teve de ser reconhecido pela arcada dentária.”
As palavras ditas pelo âncora do jornal martelavam insistentemente na memória de .
“A vítima deixa duas filhas, de 10 e 6 anos, que vivem com a mãe na França.”
A bile subia amarga por sua garganta e ficava cada vez mais difícil de controlar. A respiração completamente descompassada também não ajudava em nada.
“Queimado vivo numa pilha de pneus…”
A vista dela escureceu. Escureceu como a nuvem de fumaça preta que indicava no céu do Dendê que algo estava acontecendo.
Ouvia palavras desconexas e distantes, que sua consciência sabia ser a voz de , mas não conseguia compreender. Era como mergulhar e tentar ouvir os sons de fora da água.
“Testemunhas disseram que era possível escutar os gritos do jornalista nos seus últimos momentos de vida.”
Como se tivesse voltado à superfície, levantou o rosto e olhou para o namorado que estava agachado ao seu lado.
- Você fez aquilo? - Foi só o que perguntou.
- O que? - Ele não conseguia manter seus olhos nela por muito tempo.
- Você matou ele? Você tava lá quando ele morreu? OLHA PRA MIM QUANDO EU FALO COM VOCÊ! - Ela gritou.
- Shhh! Sua mãe vai ouvir, . - Ele a segurou pelos ombros - Eu tava lá sim. Você quer saber?
Ela assentiu com a cabeça, mas se arrependendo instantaneamente.
- Eu ajudei a colocar ele nos pneus. Eu joguei gasolina e acendi o isqueiro. Eu matei ele, . Não é divertido, mas eu sei que é o meu trabalho. E você, sabe disso? Essa vida não é brincadeira, garota.
O que antes eram apenas lágrimas solitárias, se transformou num choro sentido e descontrolado.
Tudo ali parecia um pesadelo da pior espécie. Ela gritava e se debatia no colo do namorado, dando murros nele.
não conseguia fazer mais nada além de tentar segurá-la. O modo como ela reagiu foi muito pior do que ele poderia imaginar, mas no fundo ele sentia como se merecesse cada golpe.
- Como você pôde? Seu assassino!!! Duas crianças… Eu te odeio. Você não teria coragem… Nojo de você. Medo. - Ela dizia palavras desconexas entre um soluço e outro.
Ela olhou profundamente nos olhos dele e teve uma das piores sensações do mundo: sentiu como se não conhecesse aquela pessoa em sua frente. Não podia crer que aquele rapaz engraçado, gentil e charmoso seria capaz de um ato tão cruel.
Mas é claro que seria. Onde ela estava com a cabeça? Ela sabia desde o início onde estava se metendo.
O Comando não é uma brincadeira, um clube de escoteiros ou coisa parecida. Todo mundo que faz parte dele está disposto a matar e morrer o dia todo, todos os dias. Mas não ele. Não seu menino… Não poderia ser.
Num segundo de lucidez, se levantou e se afastou o máximo que pôde do rapaz. Ele ainda tentou segurá-la perto, mas falhou.
- , vem aqui… - Tentou pegá-la pelo pulso, mas ela desviou.
- Não encosta em mim nunca mais! - Ela apontou o dedo de forma ameaçadora. - Você vai embora amanhã, tá me ouvindo? Amanhã cedo eu quero acordar e não ver nenhum rastro da sua presença aqui.
- Princesa, não faz isso comigo. - Ele protestou.
- Eu ainda vou te deixar passar a noite aqui pelo resto de misericórdia que eu tenho. Mas se quando eu acordar amanhã, você ainda estiver aqui, eu mesma chamo a polícia pra você.

Para a surpresa de , não seria preciso.
O grampo que foi colocado no telefone de sua casa e no telefone de foram mais do que suficientes para que a polícia o encontrasse antes dela cogitar fazer uma denúncia.
A discussão deles foi abafada por um forte estrondo vindo do corredor, que arrebentou a porta do quarto de , a fazendo gritar de susto.
Vários homens armados entraram no cômodo e começaram a gritar de maneira desordenada, indo em direção a .
Por um segundo, ele tentou fugir pulando a janela do quarto, mas os vários fuzis apontados para ele o fizeram desistir e ele voltou.
- Mão na cabeça, vagabundo! - Um dos homens gritou.
tapou os ouvidos e seu choro recomeçou. Encostada na parede, ela foi deslizando até o chão e ali ficou, no canto do quarto, incapaz de processar o que acontecia.
- Calma, calma. Eu não tô armado. - levantou as duas mãos, em sinal de rendição.
- Pega a menina aí. - Um outro policial apontou para e ela olhou, vendo sua mãe entrar correndo no quarto.
- Minha filha, o que aconteceu? O que ele te fez? - Izabel também chorava, enquanto se abaixou no chão para abraçar a filha, sem entender como chegaram naquela situação.
- Vai, se abaixa! - O primeiro policial gritou para .
- Eu vou abaixar. - Ele disse - Vamo negociar. Qual teu preço? Hein, qual teu preço?
Sem coragem de olhar, apenas ouviu um protesto de dor.
O policial deu um chute nas costelas de que o mandou em direção a parede.
- Eu não negocio com vagabundo. Agora põe a mão na cabeça e fica quietinho.
fez como mandado e deu uma última olhada na namorada antes de ser algemado e levado para a viatura.
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O táxi deixou na porta de casa e ela desceu.
Observou os dois lados da rua à procura de carros suspeitos, apenas por força do hábito. Há um tempo que policiais deixaram de ficar à paisana na rua de sua casa em busca de algo que pudesse depor contra ela.
Depois que seu pai gastou o resto de influência que ele nem sabia que tinha para livrá-la de uma condenação por ser cúmplice de , a Polícia Federal não lhe deu sossego e ela teve que andar na linha.
Antes de entrar em casa, abriu a caixinha de correio e pegou as correspondências que sua mãe sempre esquecia de recolher.
Entrou na residência folheando tudo o que pegou, como contas, folhetos de propagandas e uma carta. Uma carta.
- Oi, mãe. Acabei de chegar! - Ela falou em voz alta, na esperança de que Izabel escutasse em qualquer cômodo onde estivesse.
Deixou as correspondências inúteis na mesa de centro e sentou-se no sofá, ligando a tv.
Conferiu novamente o destinatário e confirmou que era mesmo uma carta enviada para ela.
Rasgou um dos cantos do envelope com cuidado e pegou a folha de caderno meio amassada.
conhecia bem aquele perfume exalado pelo papel.

Querida ,

sei que nós terminamos a 1 mês atrás. Talvez mais, talvez menos. Aqui dentro o tempo passa de maneira muito diferente, pois cada segundo é uma tortura.
Eu daria tudo para estar aí do seu lado, mas saiba que você não está sozinha. Meus amigos são seus amigos também, e vão te ajudar com qualquer coisa que você precisar.
Isso, é claro, se você já não seguiu em frente e encontrou um novo alguém.
Saiba que para mim, você nunca foi só mais uma garota. Você é diferente, porque consegue despertar o melhor em mim.
Aqui dentro parece que meu coração tá afastado de toda a luz do Sol do nosso passado. Eu vivo um pesadelo, mas toda noite te vejo nos meus sonhos. Você é tão meiga, tão bonita.
Meu silêncio não significa que esqueci de você.
Espero que você esteja feliz, mas não mais do que você era comigo. Eu sou egoísta pra caralho, eu sei, mas não consigo te deixar ir.
Eu já disse que você é a garota mais linda que eu já vi? Aqui eu tenho muito tempo para inventar essas merdas românticas que você nunca acreditou, mas gostava de ouvir.
Mas espero que tenha acreditado quando eu disse pela primeira vez que te amava, porque era verdade.
Eu te despedacei, te desmereci, e agora meu coração miserável sente sua falta.
Eu consegui trazer uma foto sua que eu guardava na minha carteira. Todo mundo sempre diz as mesmas coisas: “ela é linda”, “ela parece gentil”, “ela deve te dar borboletas no estômago”. É tudo verdade.
Eu espero que você esteja feliz e te desejo tudo de melhor, de verdade.
Pense em mim com carinho quando suas mãos tocarem ele.

Te amo, Princesa.

.

secou suas lágrimas antes que mais delas manchassem o papel.
Desde que fora preso, não havia entrado em contato com ela. Os recados que vinham pelo advogado apenas diziam que ele se afastou para o bem dela.
Contudo, o turbilhão de emoções estava apenas começando, pois sua atenção foi roubada para a notícia que era dada no telejornal naquele exato momento.

“Hoje ocorreu uma rebelião no presídio do Canindé, no Rio de Janeiro. Ao que parece, o conflito se deu por conta da transferência de detentos membros da facção criminosa conhecida como Comando Vermelho para a ala dominada por outra facção, a Segunda Armada, ou S.A.
Diversos presidiários tiveram escoriações e um deles, Charles da Silva, foi alvo de um tiro. Ele foi levado ao Hospital Universitário para ser socorrido, mas durante sua internação, membros do Comando invadiram o hospital e o resgataram. A polícia acredita que ele esteja escondido no Morro do Dendê.
Foi aberta uma investigação para saber como os detentos conseguiram acesso à uma arma de fogo no presídio.”

agora chorava mais, mas de alegria.
estava machucado, levara um tiro, mas estava fora da prisão depois de meses trancafiado numa cela sofrendo sabe-se lá o que.
Ela não escutou nada que foi dito na televisão depois daquilo, pois só tinha ele no pensamento.
- … - Não havia notado a presença de sua mãe em pé atrás do sofá. Não sabe o quanto ela ouviu da notícia.
Sem titubear, a garota levantou e pôs-se a correr escada acima até seu quarto, com os berros de Izabel ao fundo.
Pegou uma mala velha de couro que guardava nos fundos de seu armário e começou a enchê-la de roupas sem critério nenhum, apenas pegando as primeiras peças que seus olhos tocavam.
Sua pressa era tamanha que algumas peças se enroscavam nos cabides, ficavam presas nas maçanetas das portas do armário ou caíam no chão.
Ela tropeçava entre um pé de sapato e outro e derrubou uma caixinha de grampos de cabelo ao puxar uma saia que estava próxima.
Quase prendeu seu dedo no zíper da bolsa ao puxá-lo rapidamente para fechar e antes de sair do quarto ainda se olhou no espelho, tentando inútilmente ajeitar alguns fios de cabelo arrepiados e secando suas lágrimas de alívio.
Quando abriu a porta, deu de cara com sua mãe, de braços cruzados no corredor.
A matriarca a olhou nos olhos e enunciou cada uma das sílabas sem vacilar nenhuma vez:
- , se você sair dessa casa para ir atrás dele, não precisa voltar nunca mais. Eu não terei mais filha, e nem neto…
O olhar de Izabel se abaixou para a barriga de sua filha, que começava a crescer e dar sinais de que carregava uma vida.
engoliu um soluço de choro e segurou a alça da mala com mais força. Passou reto por sua mãe e saiu de casa em direção ao Morro do Dendê sem olhar para trás.



Fim!



Nota da autora: mais uma fic pra conta! Muito obrigada por ter lido, de coração. Eu vou adorar saber oq vc achou, então deixe um comentário ou me conta lá no meu insta @autoraluanac. Lá você também pode conhecer minhas outras histórias :)

Essa fic é inspirada no personagem de uma das minhas séries favoritas, ‘Impuros’. O que eu quero dizer aqui é: VALORIZEM O AUDIOVISUAL BRASILEIRO! Essa indústria tem um potencial gigantesco e merece nossa atenção e apoio. Num governo que tenta, todos os dias, distorcer e apagar nossa cultura, valorizar a arte brasileira é um ato de resistência. <3






Outras Fanfics:
Wildest Dreams | Longfic - Crepúsculo - Em Andamento
MV: Robbers | MV - Pop - Finalizada
Two Worlds Collide | Shortfic - Especial Vida de Princesa - Finalizada
Nosso Primeiro Natal | Shortfic - Spin-off Wildest Dreams - Finalizada


Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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