Quando eu olho nos seus olhos, e você olha de volta nos meus, tudo parece… não estar muito normal. Porque eu me sinto mais forte e mais fraco ao mesmo tempo. Eufórico e, ao mesmo tempo, apavorado. A verdade é que eu não sei como me sinto, só sei o tipo de homem que eu quero ser.
(Homem-Aranha)
(Homem-Aranha)
O Filme
— Vai, teia! Shazam! — eu repetia o símbolo da aranha sem parar com os dedos cobertos pela luva vermelha e azul enquanto pulava entre os móveis da sala.
— Serviu direitinho mesmo. — minha namorada e colega de quarto analisou a fantasia de Homem-Aranha que encomendamos pela internet há meses. — E o seu bumbum ficou lindo nela, J! — disse, me acertando um sonoro tapa na bunda.
Arranquei a máscara do rosto abruptamente, fazendo os pingentes dos brincos de argola balançarem e o cabelo comprido cair pelos meus olhos. Estava precisando de um corte, mas sempre dizia que eu ficava sexy com o cabelo amarrado e algumas mechas despencando, então mantive o comprimento. E sim, eu fazia todas as vontades dela, exceto daquela vez: ela queria que fôssemos à festa de Halloween como Wanda Maximoff e Visão, da série WandaVision, a atual obsessão dela, mas eu jamais me vestiria como um sintozoide diante da oportunidade de ser meu herói favorito por uma noite.
— Quem é "J"? Eu não sou o "J"! — bufei. — Eu sou o Peter Parker! E você é a Gwen Stacy, esqueceu?
— Na verdade, eu sou a Gwen-Aranha, a variante bailarina da Terra-52! Eu tive que tingir uma das minhas ponteiras favoritas para compor a personagem, mais respeito, por favor. — ela protestou apontando as sapatilhas azuis, o item mais fácil da fantasia dela, já que era, de fato, uma bailarina. — Agora vai tirar essa roupa antes que você acabe rasgando.
— Tirar? — cobri o emblema de aranha no próprio peito, abraçando a mim mesmo. — Mas eu sou o amigão da vizinhança! E se a vizinhança precisar de mim?
— Amor, se o Duende Verde aparecer por aqui, eu peço para ele esperar até você colocar sua roupa, tá? — escovou a peruca loira de Gwen antes de guardá-la na caixa.
— Por que ele apareceria? Seu sentido aranha está te dizendo alguma coisa? — coloquei a máscara de volta e fiz mais uma pose de ação.
— Você não fica sem ar com essa coisa na cara?
— "Essa coisa na cara?" — repeti, ofendido. — Essa coisa na cara protege a minha identidade secreta, amor. Por Stan Lee, que tipo de nerd é você?
— Eu é que pergunto: que tipo de nerd é você? Norman Osbourne já sabe a identidade do Homem-Aranha há séculos! — ela agitou a escova de cabelo. — E não invoque o nome de Stan Lee em vão!
— Não mais, o Doutor Estranho apagou o teioso da memória de todo mundo!
— Em um dos multiversos! — ela rebateu.
— Em todos! O feitiço era bem claro, todos esquecerão o rosto dele! — discordei. Eu amava poder discutir quadrinhos e cultura geek com a minha namorada. sempre fazia uma carinha fofa de indignação durante as "brigas".
— Quer tirar essa roupa logo? — insistiu, suspirando e cruzando os braços.
— Arrá! — estalei os dedos. — Você entregou os pontos, eu ganhei!
— Como você consegue ser tão competitivo o tempo todo? — ela espremeu as têmporas.
— Como você consegue ficar tão linda até com raiva de mim? — me aproximei e selei os lábios dela.
— Tira ou eu arranco de você. — ela me disse entre dentes.
— Isso é uma ameaça ou uma promessa? — pisquei, envolvendo a cintura dela e intensificando o beijo. correspondeu à minha investida e gemeu baixinho quando eu escorreguei pela base das costas dela, por dentro do suéter levinho "de ficar em casa".
— Isso é um aviso. — ela empurrou meu peito levemente, lutando para desgrudar a boca da minha. — Eu ainda tô com raiva de você.
— Ah, ! Eu já pedi desculpas... — protestei quanto ao severo castigo que ela me tinha imposto.
— Desculpas não devolvem aquele dinheiro todo. Você deveria ter falado comigo primeiro.
Já faziam dois ou três dias que me negava fogo por causa de uma compra impulsiva que eu tinha feito: um quadrinho raro do Espetacular Homem-Aranha, desenho original de Steve Dicko e primeira aparição do Homem-Areia... Me custou quase um dos rins. O outro, minha própria namorada quase arrancou quando contei a ela o preço da brincadeira.
— Mas eu tô com saudade. — confessei manhoso no ouvido dela, puxando-a de volta. — O que a gente faz agora?
— Bom, agora eu vou tomar banho e você não pode vir.
— Posso espiar? — sorri ladino.
— Não. — fechou o punho direitinho como eu havia lhe ensinado nas lições de boxe e socou meu peitoral de leve. Ri fraco feito um canalha, prendendo o lábio inferior. sabia que eu adorava “apanhar” dela. — Você não tem jeito.
— Eu tenho. Mas é só você que sabe. — mordi o lóbulo da orelha dela e retomei o caminho que eu tinha começado por baixo da roupa, encontrando mais pele e menos resistência ao beijo firme, mas gentil.
As mãos que estavam cerradas no meu tronco rumaram a minha nuca e procuraram o zíper embutido na fantasia, emitindo o som típico da abertura e afrouxando a pressão do tecido ao redor dos meus braços e da minha barriga. Soprei um sorriso na boca dela, apreciando a vitória depois de tantas noites indo dormir duro. Livrei os membros e o pano pesou, revelando meu peito morno de desejo, enquanto me ajudava descobrindo minha cintura baixa e as veias saltadas das minhas entradas, me deixando ansioso por despertar — três dias sem ela eram dias demais. Nu da metade de cima, tive os braços apalpados e meu abdômen roçou no tecido felpudo da roupa dela, que cheirava a amaciante. Nosso único problema, no entanto, era que da metade para baixo eu ainda estava metido numa fantasia de super-herói super difícil de sair.
Balancei desajeitado quando tentou tirar meus quadris da roupa apertada e, ao percebermos que o elástico havia chegado ao limite e não esticaria mais sem romper, rimos da nossa agonia e desespero, roçando os narizes. deferiu o segundo tapa na minha bunda, mais cheio que o primeiro, usando as duas mãos dessa vez. Reclamei e ela desistiu da empreitada de me despir achando graça daquele desfecho nada sexy. Arrisquei alguns passos com ela envolta nos meus braços, impelindo-a andar para trás até parar no nosso sofá, para onde cambaleamos numa confusão deliciosa de pernas, línguas e do meu corpo por cima do dela.
— Acho que o Homem-Aranha não vai ter essa aventura hoje. — deu uma risada rouca e suspirou, arranhando a curva das minhas costas.
— Ah, ele vai sim… — sussurrei quente. — Eu coloco fogo nessa fantasia só para ter você, . — me ajeitei entre as suas pernas e encaixei o rosto no decote dela, conseguindo mais uma risada linda.
— Brinca com ela mais um pouco, vai ceder. — ela afagou meu cabelo comprido e eu me torci num arrepio delicioso. — Aí você tira e brinca comigo.
Balbuciei uma resposta que nem eu entendi e escorreguei pela fenda dos seios dela com os olhos querendo fechar por causa do carinho. A tarde quentinha lá fora aquecia o apartamento pequeno, mas com a nossa cara e o nosso jeito. Embora ainda tivesse muito rosa e insistisse nas plantas que sempre esquecíamos de regar, eu gostava da cor das paredes, da vista, da sombra, e mais do que qualquer coisa, eu amava — eu amava muito — quem dividia ele comigo.
— Me desculpa pelo quadrinho, amor. — beijei demorado e doce. — Quando eu achar a edição limitada que eu estou de olho há séculos, eu mando mensagem para você. — nossas testas e lábios estavam colados e eu mordisquei o que encontrei dela. — Depois que eu comprar.
— Argh, SpiderKook!
se debateu — e me bateu — tentando se liberar do meu domínio, e eu a imprensei mais ainda no meu abraço, me divertindo da sua irritação. Ficamos deitados preguiçosamente ali, curtindo o nosso sofá e um ao outro, até eu finalmente conseguir sair da calça para fazê-la minha e eu dela. Dos beijos longos e ofegantes, romperam das nossas gargantas os gemidos de satisfação e, durante um bom tempo, fez-se um vaivém gostoso, estreito, derramando prazer e escorrendo saudade. Já estava escuro quando terminamos e a noite caiu amena na nossa intimidade feroz.
O tempo dissipou a nuvem de raiva acima da cabeça da . O tempo e meus 68 kg de pura gostosura, convenhamos. Ela não conseguia manter as mãos longe de mim e não foi capaz de resistir ao meu bumbum supervalorizado pela fantasia de Homem-Aranha. A peça única já havia cedido e se ajustado perfeitamente ao meu corpo, tamanha a frequência que eu a usava e, no dia da festa, ela já era como uma segunda pele. Já perto da hora de sair, borrifei o perfume favorito da atrás da orelha e tentei vestir a máscara, mas a visão da minha namorada fantasiada me congelou no ato.
— E então? — me perguntou, fazendo um arabesque.
— É normal eu estar excitado? — perguntei, admirando a malha justa marcar deliciosamente todo o corpo dela.
— Sim. Eu sou nerd e gostosa, seu tipo ideal.
— Você é. E você está linda em todas as realidades. Até mesmo nessa aqui, em que você tá loira. — brinquei com a peruca que escondia o cabelo negro dela.
— Essa é minha parte menos favorita do look. A Gwen seria muito melhor com o cabelo preto. E um traje todo escuro.
— Uau. Desde quando você virou a rainha das trevas?
— "Você foi adotado pelas trevas. Eu nasci nelas. Fui moldada por elas." — ela citou a frase do Bane em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge e eu quase chorei de emoção.
— Você só melhora, sabia? — agarrei , arrastando o rosto pelo pescoço dela e espalhando pequenas marcas de beijos por toda a área.
— Amor... — ela choramingou. — De novo não. Já passamos por isso, dá o maior trabalhão tirar essa roupa.
— Não sabemos com certeza, não testamos com a sua. — ignorei a repreensão e fiz o mesmo do outro lado, eriçando a pele dela e ganhando um suspiro mais sofrido que o anterior como resposta. — Aposto que eu consigo tirá-la rapidinho.
— Chega! Vamos sair de casa antes que eu faça alguma coisa que acorde você. Vai ficar bem evidente nessa sua roupinha colada. — circulou minha pélvis.
— Você sabe que não é preciso muito. — alonguei as pernas, puxando a boxer e tentando redistribuir o volume que queria se formar.
— Por isso mesmo a gente tem que se mandar agora. Ainda temos que buscar o Namjoon e a . — ela jogou as chaves do meu carro. — Você dirige. A não ser que você queira ir de teia até lá.
— É uma pena que a não possa beber na festa. — lamentei ao lembrar que eu e a namorada do meu melhor amigo não habilitado nos alternávamos como motoristas e que a volta para casa seria responsabilidade dela hoje.
— Nem me fala. Ela estava mesmo precisando de um bom porre para aliviar o estresse antes do espetáculo. — respondeu enquanto passava o batom e eu a admirei, encantado. A escola de balé para crianças que ela e abriram em sociedade, En L’Air Dance School, era um verdadeiro sucesso no bairro e já tinha turmas suficientes para que as duas conseguissem organizar a primeira apresentação das pequenas bailarininhas num teatro. — Ela está quase tendo um acesso de raiva com a figurinista, eu temo pela segurança do Namjoon. Vai sobrar para ele.
— Quando não sobra? Aliás, quer saber? Bem feito. Eu passei anos tentando convencer esse desastrado a se mudar para Nova York. — segui até a porta, admirando a belíssima visão traseira. — Como foi que a conseguiu em tão pouco tempo?
— Amor, pensa um pouquinho... — acariciou minhas mãos enquanto andávamos até o carro. — O que é que a pode fazer pelo Namjoon que você não pode? — ela arqueou uma sobrancelha.
— Quem disse que eu não posso? Eu tive um passado antes de você. — brinquei e beijei a testa da antes de abrir a porta para ela.
Chegamos à festa e eu vasculhei o local para me certificar de que eu era o único Peter Parker do evento. Houve uma época em que eu era muito mais avesso a aglomerações e à música alta, mas eu estava com a minha garota, meus amigos e um copo da minha cerveja favorita. Estava decidido a me divertir e foi o que fizemos. sempre me fazia ter vontade de me soltar e eu adorava o Jungkook que eu havia me tornado ao lado dela. Se eu me atrapalhava nos passos, ela ria de mim e me acompanhava, e nossos corpos se moviam entre beijos e carinhos na pista de dança. pulsava na minha frente com os flashes do jogo de luz e eu tive a certeza, mais uma vez, de que era com ela que eu queria dançar todas as músicas do mundo.
O local era uma espécie de depósito abandonado e “assustador”, decorado com abóboras, sangue falso e tudo mais que uma festa de Halloween tinha direito. Respirei cansado dos pulos da última dança — a banda começou a tocar pop das antigas, não dava para ficar parado quando os Backstreet Boys mandavam “everybody rock your body”! — e eu avistei um local mais tranquilo perto do bar e de um grupo vestido de Liga da Justiça. Havia uma mesa e lugares vagos bem atrás do Batman.
— É essa aqui do canto, tá vendo? — Namjoon pinçou a tela do celular e deu zoom na imagem quando nos recolhemos para sentar. — Essa eu vou trocar pelo meu Bulbassaur, que está repetido… Vai ter evento semana que vem.
— Ainda na saga das figurinhas? — perguntou para , que revirou os olhos, confirmando.
— Eu adoro Pokémon, mas o Namjoon está saindo de controle. Quando é que eles crescem, hein?
— Eu também queria saber. Jungkook e eu tivemos uma briga terrível porque o lindo gastou a maior grana num quadrinho. E adivinha só? Ainda falta uma edição para a coleção ficar completa. — semicerrou os olhos para mim.
— Faça como eu fiz com o Namjoon. — sugeriu. — Deixe de castigo.
— Ela não consegue. — me intrometi na conversa. — A sua amiga aqui, , é a maior tarada.
— E isso aí é o álcool falando, SpiderKook. — deixou uma garrafa de água na minha outra mão e um beijo no meu rosto. — Bebe essa também de vez em quando, tá?
— Você cuida tão bem de mim. — beijei minha namorada com gosto de cerveja.
— Kim Namjoon, se você me acertar essa pokébola mais uma vez, o som desse osso batendo na sua cabeça vai ser a última coisa que você vai ouvir na vida, entendeu? — balançou o adereço da fantasia dela.
— Mas eu sou o Ash, amor, eu tenho que coletar os pokémons! E você tá vestida de Cubone! — Namjoon levantou o boné para analisar a roupa da namorada. — Bom, pelo menos foi o que você me disse, porque quase não tem roupa aí.
— Continua reclamando e eu tiro o pouco que tem.
— Esquentadinha. — Namjoon se debruçou para beijar . — Vou te buscar uma coca-cola bem gelada, tá?
— E uma cerveja, Joonie! — pediu, terminando de virar a dela.
— Para mim também! — aproveitei o embalo, mas desisti quando vi Namjoon derrubar mais uma vez a pokébola no chão. — Aliás, deixa que eu vou, hyung. Você equilibrando quatro bebidas é pedir pelo desastre.
— Eu preciso ir ao banheiro. — avisou, virando-se para . — Vigia a criança para mim, amiga? — e apontou para o Namjoon, que agora estava entretido jogando Pokémon Go.
— Pode deixar. A tia já ensinou que não é para ir muito longe. — assentiu.
Caminhei até o bar e dei um gole grande no primeiro copo que o barman depositou no balcão enquanto esperava os outros três. A espuma geladinha se desfez rápida e saborosa no meu bigode e eu senti meu celular vibrar com uma chamada de um contato que eu salvei como “Caveira Vermelha, O Guardião”:
— Alô? Senhor Jeon?
"Não! Peter Parker!", respondi mentalmente, emburrado, ao atender e confirmar:
— Sim, é ele.
— O senhor esteve aqui mais cedo pedindo para reservar um exemplar de edição limitada, certo?
— Certo. — confirmei, começando a ficar nervoso. A tal edição que eles tinham era única, eu tive arrepios quando o vi. Era perfeita, fez meus olhos brilharem na hora. Eu só não comprei no ato porque tinha esquecido a carteira em casa.
— Senhor Jeon, temos outro comprador querendo o mesmo exemplar. — o Guardião me avisou e eu engasguei. — O senhor ainda está interessado?
— Estou! — gritei e derrubei a cerveja, meio descoordenado do álcool e daquele susto. — Estou muito interessado! Não venda! Não venda, pelo amor de Odin! Ele é meu, ouviu? Eu estou indo aí agora mesmo! — desliguei com o corpo em chamas.
Estava mais ferrado que o Capitão América em Guerra Civil. A não podia saber daquela compra. O Namjoon daria com a língua nos dentes. Eu estava meio alto, não podia dirigir, e um aplicativo demoraria demais... Por sorte, a loja não era tão longe de onde estávamos e eu conseguiria ir a pé. Era uma das melhores coisas sobre morar num bairro pequeno, tudo era pertinho. Mas como eu sairia despercebido? Eu não tinha tempo para pensar numa boa desculpa, a parte do meu cérebro que deveria fazer isso tinha ido dormir algumas cervejas atrás. Eu precisava de cobertura, mas quem me cobriria?
— ! — estalei os dedos sozinho. Se eu estivesse numa história em quadrinhos, uma lâmpada surgiria acima da minha cabeça quando eu saí feito uma bala à procura dela.
Atravessei um mar de gente: todas as mulheres da festa resolveram ir ao banheiro ao mesmo tempo e havia uma fila imensa diante de mim. O líquido balançava no meu estômago e queria voltar para a garganta, mas felizmente a ânsia passou quando avistei o Cubone:
— ! ! ! — chamei aos gritos e aos pulos.
— Credo, menino! — me repreendeu quando eu, tropeçando, a encontrei. — O que foi dessa vez? O Namjoon quebrou alguma coisa?
— Não! — neguei, reavendo o fôlego.
— O Namjoon se quebrou?
— Não é nada com o Namjoon! Eu preciso de um favor, talvez o maior favor que eu já pedi a alguém! Só você pode me ajudar, eu estou desesperado!
— Jungkook! — me deu um peteleco. — Respira! O que você quer?
— Seja meu nerd da cadeira! Ai! — esfreguei a testa atingida, processando a dor com alguns segundos de delay.
— O quê?
— Eu tenho uma missão muito importante e eu preciso ir agora!
— Que brincadeira é essa, hein?
— , eu nunca falei tão sério. — tentei minha expressão mais sincera. — Escuta, eu estou prestes a te revelar o meu maior segredo.
— Não vai me dizer que você é mesmo o Homem-Aranha... — desdenhou.
Arquejei impaciente, dei uma varrida no local para me certificar de que ninguém nos ouviria e sussurrei a história para , usando o que me restava do meu poder de síntese.
— Entendeu? — concluí, agitado. — É um limitado, ! Eu quase chorei quando eu vi! Se eu não for agora, outra pessoa vai levá-lo!
— Tá. — fez um gesto para que eu parasse de falar. — E o que você quer que eu faça?
— Toma. — entreguei um cartão com o endereço da loja para ela. — Coloca esse trajeto no seu GPS e me guia. Eu não vou conseguir correr e olhar as direções no celular. Você me liga e me dá as coordenadas. E arruma uma desculpa bem boa para o meu sumiço!
Coloquei a máscara de volta, pronto para viver meu momento de herói. Resgatar aquela edição desse novo comprador enxerido era caso de vida ou morte, eu tinha que completar aquela missão a qualquer custo. Imaginei que precisaria bolar um nome de supervilão para o metido abelhudo quando fosse narrar minha jornada secreta um dia, mas não pude pensar muito sobre o assunto porque corri alguns metros e me ligou. Encaixei o celular no ouvido, usando a máscara para mantê-lo no lugar, e escutei as direções que ela me dava. "Esquerda, direita, vire na próxima, siga reto...", me direcionava objetiva e eficiente, como um bom nerd da cadeira, e eu cheguei ao meu destino em 20 minutos, suado, ansioso e, por incrível que pareça, feliz. Aquela era a aquisição mais certa de toda a minha vida.
— Eu vim para impedir seu plano maligno, Doutor Octopus! — anunciei energicamente, empurrando as portas de vidro do estabelecimento, esperando meus pulmões se recuperarem da corrida.
— É o quê? — o outro comprador me olhou confuso.
— Pode tirar esses seus braços mecânicos dessa belezinha! Eu vou comprá-la agora! — puxei o cartão do bolso como se sacasse uma arma. — Onde está o Guardião?
— Com licença... — o vendedor me cutucou o ombro, sorrindo, mas assustado. — O senhor pode tirar a máscara para entrar na loja? — ele apontou as câmeras de segurança. — Política da empresa. Prometo não revelar sua identidade secreta a ninguém! — ele brincou, colocando a mão no peito distintamente e rindo em hipérbole.
— Desculpe! Estou um pouco eufórico. — lembrei que eu não era o Homem-Aranha e saí do personagem. — Eu procuro o senhor Schmidt, Johann Schmidt. Fiz uma reserva de um item limitado com ele hoje de manhã e vim buscá-lo.
— Eu sei. Eu sou Johann Schmidt. Não se preocupe, eu o guardei. — ele pôs a mão no meu ombro, quase me abraçando, e me conduziu à seção exclusiva.
— Não é à toa que você tem o mesmo nome do Caveira Vermelha, o guardião da joia da alma. — observei risonho.
Johann não achou muita graça na minha referência, mas riu alto e falso porque eu estava prestes a gastar uma pequena fortuna que certamente lhe renderia uma gorda comissão. Apesar da bagunça que eu era depois de ter corrido tanto, fui exageradamente bem tratado por ele enquanto embalava cuidadosamente minha compra, usando luvas de linho marfim, manejo especial que o exemplar limitado requeria. Efetuei o pagamento e quase não contive as lágrimas nos olhos quando ele me entregou o pacote.
— Eu espero que lhe traga bons momentos, senhor Jeon. — Johann desejou.
— Eu também. — abri um sorriso.
Agora que eu tinha resolvido aquele mal-entendido, meu corpo já dava sinais de sobriedade e meus neurônios pareciam estar funcionais. Correr alguns quilômetros e suar por baixo daquela roupa ajudou, além do mais, Johann estava tão empenhado em me agradar que me ofereceu café e biscoitos, e eu abocanhei uns quatro ou cinco para que o açúcar e a cafeína anulassem o que restou de álcool no meu sangue. Analisei minha situação estrategicamente e concluí que não poderia voltar à festa com aquele pacote ou escondê-lo dentro do meu carro. Não era seguro. Avisei que faria mais uma parada e testei as pernas para arrancar novamente, dessa vez em direção ao nosso apartamento.
As árvores no caminho começaram a ficar familiares e eu fui desacelerando conforme me aproximava de casa, mas só quando eu pousei os pés na calçada de pedras brancas foi que eu me dei conta de que meu cérebro não estava operando tão normalmente quanto eu julguei que estivesse.
— Porra. — espalmei a mão livre na testa. — A chave.
Lá estava eu parado no meio da rua, vítima da minha péssima memória, metido numa fantasia de Homem-Aranha. O traje fez uma ideia mexer no fundo da minha cabeça e calcular rapidamente que, se eu subisse pelas escadas de incêndio e percorresse o prédio por fora até a janela do nosso quarto, não ganharia mais que uma fratura ou duas caso caísse do andar onde morávamos, o terceiro.
Parecia… um preço razoável a se pagar?
Não faria nada tão imprudente, é claro. Tinha preparo físico por conta do boxe e uns anos de prática de parkour, fruto da minha adolescência rebelde. Ajeitei o pacote dentro da fantasia como pude, então, depois de me certificar que o volume estava seguro, decidi subir os degraus de metal da escada externa, procurando coragem a cada parada para reavaliar a altura no guarda-corpo. O chão ficava cada vez mais longe, mas eu não tinha escolha. Parei no nosso andar e mirei a beirada sobressalente por onde eu me esgueiraria em breve. Respirei fundo, precisava me manter calmo ou as mãos ficariam úmidas e escorregariam facilmente.
Vertigem. Os ouvidos zumbiam e o coração disparou feito um trem. Não restava mais nada a fazer a não ser pular. Bom, talvez torcer para nenhum vizinho fofoqueiro me flagrar e cantarolar o tema do Homem-Aranha no Aranhaverso com a voz trêmula.
Eu gosto de tudo no limite assim como você
Eu gosto de prédios altos para poder pular deles
Eu vou fundo, mesmo estando por um triz
Eu sou louco, mas na ponta dos pés
Eu poderia equilibrar o mundo no meu nariz.”
Um tiro de adrenalina percorreu minha espinha, meus músculos tencionaram e fui tomado por uma sensação de gravidade zero quando projetei o corpo no salto, agarrando a beira de concreto da fachada. Senti minha pupila dilatando, aguçando a percepção visual, e meu abdômen contraído sustentando o peso do meu corpo. O ar ficou mais quente e denso por uns minutos. Concentrei toda minha força para mexer os braços, arrastando os pés pelos tijolos a cada movimento para amortecer o impacto do meu corpo batendo de volta na parede, coberta de poeira fina de poluição. Depois que eu peguei o jeito, foi mais prazeroso e fácil do que eu achei que seria.
— What's up, danger?
O esforço árduo me fez liberar endorfina e eu lutei contra a física e a minha fadiga ao forçar o corpo para cima e me apoiar de cócoras no parapeito da nossa janela. O corpo relaxou um tanto, um sentimento gostoso de recompensa e dever cumprido, e eu esperei meu coração acertar o compasso para empurrar o vidro para entrar no nosso quarto.
Não precisava.
Mas eu dei uma cambalhota.
Demorei um pouco na clássica pose do aracnídeo, uma perna esticada e a outra dobrada, as pontas dos dedos apoiadas no chão, perfeitamente equilibrado. Uma pena que ninguém tenha visto. A entrada triunfal era o mínimo que eu merecia depois daquele trabalho hercúleo.
Abri espaço na primeira gaveta do guarda-roupa, onde eu guardava minhas cuecas e umas camisetas de dormir. As duas que me sobraram, na verdade, porque a já tinha me roubado todas, por isso era pouco provável, quase impossível, que ela por acaso remexesse ali. Escondi minha mais nova e preciosa aquisição bem no fundo da gaveta, como um verdadeiro tesouro, e usei uma saída menos heroica: peguei a nossa chave extra e deixei o apartamento pela porta como um cara normal. E, agora sim, pedindo um carro de aplicativo.
De todos os sinais de alerta que meu organismo poderia ter produzido durante minha epopeia e meu malabarismo em três andares, nenhum se comparava ao meu instinto de sobrevivência gritando quando retornei à festa e bati os olhos na com o rosto amarrado num bico de reprovação e os braços apoiados na cintura. Escalar alguns andares representava menos perigo do que a zangada comigo.
— Amor, por que você não me levou com você? Eu queria ter participado disso!
— O quê? — gelei. O que ela sabia?
— Vocês são um casal muito estranho. — interrompeu. — Eu disse a que um bando de nerds te abordou para uma partida de Dungeons And Dragons e em vez de terminar com você, ela diz que queria ter ido junto! — piscou sutilmente para mim.
— Ah… sim… é claro. — senti a alma retornar, aliviado, e minha cor foi sendo devolvida. fez um excelente trabalho em me acobertar, participar de uma campanha curta de D&D era perfeitamente uma coisa que eu aceitaria fazer sem questionar.
— Como foi? — me perguntou, encaixando-se no meu abraço.
— Eu tive que duelar com meu oponente e subir as montanhas de Wundagore, mas deu tudo certo. — contemplei minha namorada, que já tinha se livrado da peruca, e beijei o topo da cabeça dela, apoiando o queixo ali e abraçando-a contra o meu peito.
— Você salvou o dia, meu SpiderKook. — virou-se para mim e me beijou.
E eu soube exatamente quem eu era.
A Cena Pós-créditos
Thanos enfiou a mão na manopla forjada por Eitri, anunciou a icônica frase "Eu mesmo faço isso" e a tela foi escurecendo ao encerrar o segundo filme dos Vingadores. e eu sabíamos todas as falas decoradas de tanto que já havíamos assistido à franquia, mas alguma coisa sobre o nosso jeitinho de maratonar todos os filmes do universo Marvel tornava aqueles momentos incansáveis e deliciosos. Separávamos nossas guloseimas favoritas, fazíamos a maior bagunça de cobertores e travesseiros no meio da sala e perdíamos uma cena ou várias trocando beijos e provocações.
— Por mim, ele aniquilava a outra metade! — disparou imitando o famoso estalar de dedos e espreguiçando-se em seguida, fazendo a barriga aparecer.
— Eu ia ficar birutinha se fosse blipado. Imagina virar poeirinha cósmica e não ter mais a minha bailarina? — cutuquei o umbigo da antes de arrastá-la para o meu colo, deixando um beijo no nariz gelado.
— Esfriou, amor. — ela se encolheu no meu abraço. — Me dá seu moletom?
— Você e sua mania de vestir minhas roupas. — inalei o perfume de maçã verde do cabelo dela.
— É que elas têm um cheirinho gostoso de óleo de bebê e, bom… de você. — ela confessou, dengosa, e eu não pude resistir.
Fui até o quarto, abri a primeira gaveta e sorri para o tecido rubro e azul-petróleo coberto por outras peças. Um filme passou pela minha cabeça ao recordar a loucura que cometi semanas atrás ostentando aquele símbolo de aranha no peito.
— Vem logo, meu SpiderKook. — gritou por mim da sala. — Temos seis joias do infinito para encontrar!
Afastei o traje de Homem-Aranha, revelando o valioso item que adquiri heroicamente na noite em que o vesti e que mantive em segredo até então:
— Eu já encontrei a joia mais importante de todas. — disse a mim mesmo, brincando com a pequena caixa preta e aveludada. Abri e admirei o anel de safira azul com brilhantes em volta uma última vez antes de escondê-lo de novo entre as minhas roupas. — Já já ela vai parar no seu dedo, .
RETORNARÁ EM ARABESQUE 3
— Por mim, ele aniquilava a outra metade! — disparou imitando o famoso estalar de dedos e espreguiçando-se em seguida, fazendo a barriga aparecer.
— Eu ia ficar birutinha se fosse blipado. Imagina virar poeirinha cósmica e não ter mais a minha bailarina? — cutuquei o umbigo da antes de arrastá-la para o meu colo, deixando um beijo no nariz gelado.
— Esfriou, amor. — ela se encolheu no meu abraço. — Me dá seu moletom?
— Você e sua mania de vestir minhas roupas. — inalei o perfume de maçã verde do cabelo dela.
— É que elas têm um cheirinho gostoso de óleo de bebê e, bom… de você. — ela confessou, dengosa, e eu não pude resistir.
Fui até o quarto, abri a primeira gaveta e sorri para o tecido rubro e azul-petróleo coberto por outras peças. Um filme passou pela minha cabeça ao recordar a loucura que cometi semanas atrás ostentando aquele símbolo de aranha no peito.
— Vem logo, meu SpiderKook. — gritou por mim da sala. — Temos seis joias do infinito para encontrar!
Afastei o traje de Homem-Aranha, revelando o valioso item que adquiri heroicamente na noite em que o vesti e que mantive em segredo até então:
— Eu já encontrei a joia mais importante de todas. — disse a mim mesmo, brincando com a pequena caixa preta e aveludada. Abri e admirei o anel de safira azul com brilhantes em volta uma última vez antes de escondê-lo de novo entre as minhas roupas. — Já já ela vai parar no seu dedo, .
FIM.
Nota da autora: Sem nota.
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Nota da beta: Gente, eu amo TANTO! Sério. Bem, o Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
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En L’Air
Jeté
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