Capítulo Único
A neve branca e fofa cobria o chão de Vancouver à medida que o tempo passava do lado de fora do chalé. O fogo crepitava suave e alegremente na lareira, mas era o vinho que estava me esquentando. Bebi um, dois, três goles da minha taça, distraído com a leitura de um livro, até perceber que já tinha ingerido toda a bebida. Coloquei a taça sobre o apoio do sofá, me segurando para não a encher por mais uma vez.
O chalé era pequeno e modesto, nada como o hotel que eu teria ficado se a equipe da companhia aérea tivesse conseguido me convencer. Tudo de melhor para o capitão. Mas eu preferia aquela quietude e paz, que encontrei por um acaso, escondido no anúncio do Airbnb.
Quando enjoei da leitura, finalmente fechei o livro, o colocando ao lado da taça. Duas horas haviam se passado sem notícias de Zöe, que nunca demorava em suas respostas. E não me respondeu rapidamente se queria ou não voltar para os Estados Unidos comigo.
Zöe Simons era muito mais do que uma simples mulher que encontrei em Vancouver. Seria até irônico o modo como a encontrei, considerando que ela não queria se achada. Zöe foi meu primeiro amor. Aos dezessete anos, pouco tempo antes de irmos para faculdades opostas, ela se mudou para o Canadá, deixando a mim e a todas as nossas histórias, sem sequer um adeus. A procurei muito tempo depois que ela se foi, mas nunca mais tive notícias dela e nunca mais a esqueci.
Desisti da busca, mas meu coração jamais desistiu do meu amor por ela. Com o passar dos anos eu via Zöe nos olhos de tantas garotas e no coração de tantas outras, mas nunca a enxerguei em nenhuma delas. Porque Zöe era única, e sempre seria.
Mesmo assim me apaixonei novamente, mesmo assim me casei com . Não quero ser mal interpretado, eu amava minha esposa. Amava o carinho que ela me transmitia, amava que ela havia me salvado de mim mesmo muitos anos atrás. Mas não era Zöe e nem tinha como ser. E eu me dedicava a minha esposa e ao meu lar, até porque sabia que jamais me encontraria com Zöe de novo.
Até que uma semana atrás, doze anos depois de me deixar para sempre, todos os meus vôos foram cancelados por conta de uma forte nevasca, que duraria muitos dias. Fiquei preso em Vancouver, e Zöe, presa no meu passado.
Achei incrível que, de todos os locais de Vancouver onde eu poderia ter me hospedado, eu tenha vindo diretamente até o modesto chalé na orla da floresta, que pertencia a ela. E o vizinho mais próximo estava bem ao meu lado, a casa da própria Zöe.
O tempo não havia passado para ela como para o resto de nós. Estava linda, jovial e resplandecente. O sorriso não chegava até os olhos, o que me incomodou. Zöe estava triste. Descobri logo depois que ela era divorciada e tinha uma filha de sete anos. Não quis conversar comigo no primeiro dia, mas eu insisti. Confidenciou que estava infeliz e se desculpou pelo que fez comigo.
Nos reconhecemos e nos reconectamos e eu nunca acreditei tanto em destino como estava acreditando naquela semana. Foram dias mágicos, intensos e surreais. Não isento da culpa. Eu sei que o que fiz foi errado. Eu havia traído , e estava devastado por isso. Porém também tinha encontrado o amor da minha vida e, sinceramente, quantas chances como essa teria?
Mas agora eu tinha que voltar para o trabalho. A tempestade persistia, mas as condições de voo estavam melhores e não tinha porque esperar mais.
Foi quando contei a Zöe que era casado. Que amava minha esposa e que me sentia péssimo pela traição, mas que eu tinha demorado tanto tempo para encontrá-la que queria mais dias com ela. Queria que voltássemos a ser amigos.
Zöe não me respondeu.
Olhei de relance para casa vizinha, onde a luz já estava acesa, e implorei que Zöe viesse logo dar sua resposta. Eu tinha que chegar ao aeroporto as seis e meia da manhã e era esse o tanto que poderia esperar por ela.
Suspirando, levantei-me do sofá, indo recolher meus pertences espalhados pelo local. Guardei o livro lido pela metade na mala, lavei a taça de vidro que tinha usado e a deixei sobre a pia. Dobrei as poucas roupas que tinha deixado dentro do guarda-roupa e juntei tudo em um canto, próximo à saída, para facilitar na hora de ir embora na manhã seguinte. Depois disso ainda esperei por Zöe por mais algumas horas, e como ela não apareceu, mesmo sentindo algo morrer dentro de mim, fui dormir, já que teria um dia cheio a partir de amanhã.
Acordei ao som do meu despertador. Enrolei um pouco antes de finalmente levantar e trocar de roupa. Passei pela cozinha e tomei um café da manhã com os alimentos que tinham sobrado na geladeira. Dei uma última conferida no chalé a fim de verificar se estava esquecendo alguma coisa e quando estava tudo certo chequei meu celular.
Ainda sem respostas.
Eu sabia que Zöe estava sozinha com a filha à pelo menos um mês. Sabia também que ela não queria que eu fosse até lá, mas eu era um romântico incurável e precisava saber a resposta dela. Alguns minutos criando coragem e a janela vizinha se acendeu. Ela estava acordada. Pedi um táxi e enquanto ele guardava meus pertences no porta-malas, avisei que iria a casa vizinha deixar a chave do chalé. O simpático taxista concordou, mas provavelmente estava intimidado pelo meu uniforme.
A chuva caia tímida e ruidosamente, e eu não tive coragem de tocar a campainha. Ao invés disso, fui até a janela da sala, onde Zöe estava com uma xícara fumegante em suas mãos. Ela não acordava cedo, então isso tinha que significar algo, certo? Mas então prestei atenção na roupa que ela usava. Estava de pijamas. Ela não iria para lugar algum.
Sem pensar, encarei a janela embaçada. Equilibrei meu guarda-chuva em uma das minhas mãos, com a outra desenhando um coração partido, grande o suficiente para que ela o visse. Quando me viu do lado de fora, Zöe veio a passos lentos até a janela, tentando entender o desenho.
Respire contra o vidro, Zöe, me mande um sinal, me mande qualquer coisa. A mulher se aproximou da janela, embaçando o vidro. Um ponto de interrogação. Sua boca se abriu como se ela fosse me falar algo e eu encostei minha mão na janela, mas nunca soube o que ela ia me dizer. A buzina soou ao longe e meu relógio dizia que eu tinha vinte e três minutos para chegar ao aeroporto, meu primeiro voo ocorreria dali há algumas horas. Deixei a chave do chalé no parapeito da janela e olhando os tristes olhos da mulher que eu amava, parti, indo em direção ao taxista.
Minhas ações me fizeram perder Zöe muitos anos atrás. E agora eu também perderia por tê-la traído e ficaria sem nenhuma das duas. Eu sabia que merecia isso, assim como sabia que tinha que contar a o que eu tinha feito. Assim, se ela quisesse sair de casa, teria três dias para arrumar suas coisas e tacar fogo nas minhas roupas. Eu honestamente não a culparia.
Quando cheguei ao aeroporto, fui direto para o exame médico, uma vez que estava praticamente em cima da hora. Após o exame físico, medição de pressão e frequência cardíaca, fui liberado para reunião a fim de buscar o relatório e discutir sobre o trajeto do voo. Verifiquei a previsão do tempo, que ainda tinha chuva, por isso me atentei em sinalizar corretamente aeroportos próximos a nossa rota caso fosse necessário um pouso de emergência. Depois de conversar com a chefe dos comissários de bordo, fui para o avião me preparar para a decolagem. Tinha cerca de alguns minutos, quando não resisti. Decidi mandar uma mensagem de voz para , uma vez que ela não tinha me atendido.
— Oi, amor. Estou indo para casa. Devido a rota, minha chegada é esperada em três dias. , eu quero que saiba que eu te amo. Que eu te amo muito. Mas que eu não te respeitei nesses últimos dias. O que estou tentando te dizer, , é que eu... eu te traí. Eu sei que não estamos bem e que você ameaçou sair de casa umas vezes, mas essa situação não me dava o direito de fazer isso. Vou entender se não quiser me esperar em casa. Vou entender se não quiser olhar para mim pelos próximos cinquenta anos. Eu te amo.
As palavras pareciam vazias até para mim, mas agora eu tinha que lidar com as consequências dos meus atos.
— Bom dia, . – Cumprimentou o copiloto sentando-se ao meu lado.
— Bom dia.
— Que humor ótimo, , espero que não desconte no avião. – Brincou Dean ao meu lado.
Suspirei, sorrindo forçado.
— Vai ficar tudo ótimo com o avião.
Começamos os protocolos de voo, verificando novamente as condições climáticas e mapeando nossa rota, além de uma inspeção completa nos sistemas de bordo. Deixei Dean cumprimentar os passageiros já que não estava de bom humor para isso, e vinte minutos depois eu já tinha começado a decolagem.
Deu tudo certo no primeiro e no segundo voo. Já tinham se passado três dias e não tinha me retornado. Tudo bem, eu estava preparado para o silêncio dela. Tentei ligar mais uma vez enquanto me preparava para o voo que finalmente me deixaria em Tulsa, em casa. Eram mais ou menos duas horas de voo, e estava animado em finalmente ficar com os pés no solo por um tempo, ainda mais depois da semana que eu tive. Antes de colocar meu celular no modo avião, finalmente uma mensagem de voz de .
— Oi, . Não vou dizer que está tudo bem, porque não está. Temos que conversar, com calma, então mesmo que eu esteja prestes a explodir de raiva e socar sua cara, vou te esperar em casa. Não queria te dar essa notícia assim, mas eu acho que deveria saber disso... eu estou grávida.
Depois da notícia eu não sabia bem como me sentir, mas demos novamente início aos protocolos de decolagem, e meu copiloto daquela jornada era Liam, com quem eu já tinha voado algumas vezes.
— Boa tarde, sejam todos muito bem-vindos a bordo a nave A320NEO, vôo 8760 com destino ao aeroporto de Tulsa, Oklahoma. – Comecei. – Nosso tempo estimado de voo é de uma hora e cinquenta e cinco minutos. Nesse momento temos uma chuva leve, temperatura de vinte e dois graus. Comandante falando e mais tarde retornaremos com mais informações.
Depois de uma decolagem tranquila, já estávamos em altura de cruzeiro e tanto Liam quanto eu estávamos concentrados na direção, quando mais ou menos uma hora e meia depois, recebemos uma mensagem na cabine.
— Comandante , turbulência em breve.
Liam e eu nos entreolhamos, não tínhamos detectado nenhuma turbulência em nosso radar, e como essa não estava mapeada não tínhamos nem como dar a volta por ela.
— Avise os pax sobre a turbulência, e peça para colocarem os cintos. – Pedi para Liam, enquanto tentava falar com a torre de controle.
A chefe dos comissários informou que tiveram alguns desmaios, mas que o resto dos passageiros pareciam tranquilos e estavam de cinto, o que era de maior importância no momento.
A turbulência veio, e foi leve como o esperado. O avião tremeu um pouco, mas não o suficiente para os solavancos que eu estava esperando e torcia para que o resto dos passageiros passassem esses minutos pensando como eu. Doze minutos depois, deixamos a turbulência para trás, mas a pior coisa que poderia ter acontecido, aconteceu: pane nas turbinas.
— O que aconteceu? – Perguntei a Liam.
— Um pássaro, . Um pássaro explodiu um dos motores.
Claramente as pessoas deviam estar assustadas quando viram que um dos motores estava expelindo uma fumaça acinzentada, então precisei explicar que conseguiríamos sobrevoar por horas mesmo assim, e que o avião não iria cair. Em tese. Na prática, eu nunca tinha passado por isso. Foi quando a segunda luz vermelha começou a piscar no painel.
— A segunda turbina também parou. – Murmurou Liam, em pânico. Deu para ver que ele também não tinha passado por essa situação em toda sua carreira.
— Aguenta firme, Liam, o centro de controle está a par. – Mesmo eu não parecia tão seguro de mim quanto parecia, só conseguia pensar nas palavras de e que 188 pessoas dependiam de mim agora.
Lembrei dos treinamentos e das simulações, eu tinha sido feito para suportar emergências desse tipo. Faltavam vinte minutos para chegarmos ao nosso destino e, por sorte, estávamos a quatro minutos do aeroporto mais próximo. Por isso calculei que tínhamos oito minutos planando antes de perdermos força.
— Teremos que fazer um pouso de emergência. Avise os outros.
Enquanto Liam fazia o que tinha que fazer, calculei a rota até o aeroporto mais próximo, pedindo permissão para aterrissar. A torre de controle acompanhou o caso comigo, e o aeroporto me concedeu permissão para realizar o pouso mais arriscado da minha carreira. estava grávida. Dezenas de pessoas depositavam confiança em mim e eu pedia a quem quer que fosse que me ajudasse nesse pouso tão difícil.
Enquanto Liam e eu operávamos com a maior calma que podíamos, pensei em minha esposa, pensei em Zöe e no quão canalha eu tinha sido. Deixar o Canadá anuviar minhas emoções por uma semana inteira, no que eu estava pensando?
Eu sabia que uma parte de mim sempre amaria Zöe, mas ela não era minha esposa. Não tinha sido ela a se dedicar no nosso lar enquanto eu voava. Não era com ela que eu me deitava sempre que estava em casa.
Lembrei de quando conheci , de quando nos amamos pela primeira vez, de quando a pedi em casamento e nos bons oito anos juntos que ela tinha me proporcionado. Eu não podia estragar tudo morrendo e levando pessoas comigo. Eu tinha que terminar minha conversa com , tinha que conhecer meu filho, ser um exemplo de pessoa melhor do que eu fui.
Eu não sabia em que pensar, mas não podia terminar assim. Mandei a vergonha para longe e comecei a falar. A torre estava confusa, mas depois eles entenderam o que era.
Uma mensagem de despedida.
— , se estiver ouvindo isso, eu sinto muito. Eu sinto tanto. Me perdoe por tudo. Eu nunca quis partir seu coração, eu nunca quis te fazer chorar e eu tenho fé que vou salvar todas essas pessoas de uma queda terrível. Eu sei que eu não vou deixar esse avião cair, porque sempre que fecho os olhos, vejo você, sempre que penso no seu sorriso, ouço você e eu não vou deixar que uma semana fora do normal estrague o que você está carregando. Eu vou voltar para casa. Eu vou voltar para você.
Liam mal me olhava, estava pálido e parecia que ia desmaiar a qualquer momento. Não o culpava, a situação era desgastante para qualquer um, até mesmo para um piloto com anos de experiência.
— Vamos, Liam. – Disse a ele, depois de todos os passageiros estarem devidamente informados, e colocarem os cintos, bem como o restante da tripulação. – Hora de salvarmos a nave.
Liam assentiu, reunindo uma coragem que ele certamente não tinha, e juntos seguimos as coordenadas passadas pela torre de comunicação, nos guiando o tempo todo conforme o avião ganhava velocidade. O som do avião caindo era horrível, e de um modo egoísta agradeci por não poder ouvir o que os passageiros poderiam estar dizendo. Uma última mensagem de voz, uma última ligação, uma mensagem de texto, a certeza de que iriam morrer.
Eu segurava o controle com tanta força que fiquei com medo de que ele se quebrasse. Sem as turbinas era impossível manter o avião no ar, assim como era impossível controlar a velocidade da queda. Só podíamos torcer para o aeroporto não possuir nenhum empecilho na pista, porque até a mais suave colisão poderia ser fatal, tamanha a velocidade que estávamos descendo.
Quando chegamos a uma velocidade mais baixa, consegui erguer o nariz do avião, o que nos fez perder velocidade. Não podíamos comemorar muito cedo, porque ainda estávamos caindo. Finalmente encontrei a pista abaixo de mim, e pude ver que já esperavam um avião desenfreado para pousar.
Foi, sem dúvida, a pior aterrisagem feita. Muitos passageiros poderiam ficar traumatizados a vida inteira e até mesmo um piloto mal treinado poderia nunca mais voar. Mesmo enxergando a pista, não abaixei o nariz do avião. Liam se remexeu nervoso ao meu lado, mas eu disse a ele que, se fizesse isso, poderíamos colidir com o próprio chão, e o avião explodiria. Dei a volta como pude indo para o mais longe possível que a pista do aeroporto me permitia chegar. O avião estava quase no chão, e chacoalhava a todos nós. Pedi silenciosamente que todos estivessem de cinto; o solavanco era tão forte que poderia quebrar o pescoço de alguém.
Com um enorme estrondo, a primeira roda tocou o chão, o que nos fez pular em nossos assentos. Liam agora parecia preocupado com um acidente terrestre, mas eu não tinha trago o avião até o chão somente para falhar. Monitorei a grande nave até que ela fosse perdendo a velocidade gradativamente e por fim, paramos.
Inteiros.
Vivos.
— Você conseguiu. – Disse Liam ao meu lado, lívido.
Eu não estava muito melhor, mas consegui sorrir.
— Nós conseguimos. Nós dois. – Corrigi, fazendo o jovem piloto sorrir também. – Pode fazer as honras.
Entrei o microfone para ele, que sorriu mais largamente.
— Boa tarde, senhores passageiros. Enfrentamos uma turbulência seguida de pane em ambas as turbinas, e o pouso de emergência foi um sucesso. Aguardaremos no aeroporto até encaixarmos seus voos novamente. Peço gentilmente que sigam em ordem até a saída, onde serão devidamente orientados. – Falou Liam, com sua voz profissional. – Copiloto Liam Neeson falando, tenham todos uma ótima tarde.
Permiti-me ficar no avião até todos desembarcarem e em seguida fui guiado até a sala especial do aeroporto que eu não conhecia. Acharam melhor eu não guiar mais nenhum avião naquele dia, os exames físicos apresentavam stress e minha frequência cardíaca estava altíssima, e com razão. Fui encaixado no primeiro avião para Tulsa, que partiria em doze minutos, e deixei a sala, sob os aplausos da tripulação que estava comigo no avião que quase caíra.
Eu tinha que ter passado por isso para saber como lidar com emergências assim. Mas essa situação só serviu para mostrar como a vida é pequena, inferior e descartável. Que eu quase morri deixando minha esposa sabendo que tinha sido traída e que tinha um bebê que nunca iria conhecer.
Eu sabia que tinha contas a prestar quando chegasse. Eu sabia que não seria fácil, e nem estava esperando por isso. Minha aventura com Zöe parecia a melhor coisa para mim no momento, mas eu não estava pensando direito.
Estava sendo um idiota.
A falta de caráter era muita e a vergonha me inundou, mas não pude deixar de me sentir aliviado quando vi o rosto de no meio da multidão quando desembarquei. Ao contrário do que imaginei, ela veio correndo na minha direção, com o rosto cheio de lágrimas.
— . – Falou, me beijando por todo meu rosto. Demorei para perceber que eu chorava também. – você está vivo. Você está vivo.
ficou pendurada nos meus braços por minutos, e eu não reclamei.
— , eu...
Estava tão envergonhado que não conseguia nem olhar para ela.
— Depois a gente fala sobre isso. – Falou, secando as lágrimas do meu rosto. – Eu ouvi sua mensagem. Na cabine. Eu estou muito mal pelo que aconteceu, estou me sentindo péssima pelo que você me contou e só Deus sabe o quanto eu chorei.
Encarei minha esposa, tão pequena, os olhos cansados, o cabelo desalinhado. Porque eu tinha sido tão irresponsável.
— Mas você quase morreu, . Quase foi mais um número de uma estatística horrível. – Continuou. – Vamos para casa. A gente conversa depois.
Assenti.
Pegamos minhas malas, fomos até o estacionamento do aeroporto de Tulsa e calmamente dirigia até nossa casa.
— . – Chamei. – Você acha esse é o fim da linha para nós? Acha que um dia vai me perdoar por isso?
A mulher suspirou, olhando o trânsito. Nosso casamento não ia bem a um tempo, era verdade. Mais por culpa da minha ausência do que por falta de tentar. Paramos em um sinal vermelho quando ela olhou para mim.
— Não sei se um dia vou conseguir te perdoar. Não por isso.
E com isso entendi que tinha perdido minha esposa para sempre. estava me ajudando porque no fim das contas ainda se preocupava comigo, mas notei tarde demais que minha esposa já não queria mais nada comigo. Que todas as discussões e provocações tiveram o fim que mereceram e que por mais chateada que ela estivesse, no fundo estava aliviada de não precisar mais insistir em um relacionamento como o nosso.
Mesmo que nunca mais quisesse ver minha face, eu jamais pararia de tentar. Eu depositaria todas as minhas fichas na gente e nunca mais desistiria do meu amor por ela, como tinha feito naquela fria semana no Canadá.
O chalé era pequeno e modesto, nada como o hotel que eu teria ficado se a equipe da companhia aérea tivesse conseguido me convencer. Tudo de melhor para o capitão. Mas eu preferia aquela quietude e paz, que encontrei por um acaso, escondido no anúncio do Airbnb.
Quando enjoei da leitura, finalmente fechei o livro, o colocando ao lado da taça. Duas horas haviam se passado sem notícias de Zöe, que nunca demorava em suas respostas. E não me respondeu rapidamente se queria ou não voltar para os Estados Unidos comigo.
Zöe Simons era muito mais do que uma simples mulher que encontrei em Vancouver. Seria até irônico o modo como a encontrei, considerando que ela não queria se achada. Zöe foi meu primeiro amor. Aos dezessete anos, pouco tempo antes de irmos para faculdades opostas, ela se mudou para o Canadá, deixando a mim e a todas as nossas histórias, sem sequer um adeus. A procurei muito tempo depois que ela se foi, mas nunca mais tive notícias dela e nunca mais a esqueci.
Desisti da busca, mas meu coração jamais desistiu do meu amor por ela. Com o passar dos anos eu via Zöe nos olhos de tantas garotas e no coração de tantas outras, mas nunca a enxerguei em nenhuma delas. Porque Zöe era única, e sempre seria.
Mesmo assim me apaixonei novamente, mesmo assim me casei com . Não quero ser mal interpretado, eu amava minha esposa. Amava o carinho que ela me transmitia, amava que ela havia me salvado de mim mesmo muitos anos atrás. Mas não era Zöe e nem tinha como ser. E eu me dedicava a minha esposa e ao meu lar, até porque sabia que jamais me encontraria com Zöe de novo.
Até que uma semana atrás, doze anos depois de me deixar para sempre, todos os meus vôos foram cancelados por conta de uma forte nevasca, que duraria muitos dias. Fiquei preso em Vancouver, e Zöe, presa no meu passado.
Achei incrível que, de todos os locais de Vancouver onde eu poderia ter me hospedado, eu tenha vindo diretamente até o modesto chalé na orla da floresta, que pertencia a ela. E o vizinho mais próximo estava bem ao meu lado, a casa da própria Zöe.
O tempo não havia passado para ela como para o resto de nós. Estava linda, jovial e resplandecente. O sorriso não chegava até os olhos, o que me incomodou. Zöe estava triste. Descobri logo depois que ela era divorciada e tinha uma filha de sete anos. Não quis conversar comigo no primeiro dia, mas eu insisti. Confidenciou que estava infeliz e se desculpou pelo que fez comigo.
Nos reconhecemos e nos reconectamos e eu nunca acreditei tanto em destino como estava acreditando naquela semana. Foram dias mágicos, intensos e surreais. Não isento da culpa. Eu sei que o que fiz foi errado. Eu havia traído , e estava devastado por isso. Porém também tinha encontrado o amor da minha vida e, sinceramente, quantas chances como essa teria?
Mas agora eu tinha que voltar para o trabalho. A tempestade persistia, mas as condições de voo estavam melhores e não tinha porque esperar mais.
Foi quando contei a Zöe que era casado. Que amava minha esposa e que me sentia péssimo pela traição, mas que eu tinha demorado tanto tempo para encontrá-la que queria mais dias com ela. Queria que voltássemos a ser amigos.
Zöe não me respondeu.
Olhei de relance para casa vizinha, onde a luz já estava acesa, e implorei que Zöe viesse logo dar sua resposta. Eu tinha que chegar ao aeroporto as seis e meia da manhã e era esse o tanto que poderia esperar por ela.
Suspirando, levantei-me do sofá, indo recolher meus pertences espalhados pelo local. Guardei o livro lido pela metade na mala, lavei a taça de vidro que tinha usado e a deixei sobre a pia. Dobrei as poucas roupas que tinha deixado dentro do guarda-roupa e juntei tudo em um canto, próximo à saída, para facilitar na hora de ir embora na manhã seguinte. Depois disso ainda esperei por Zöe por mais algumas horas, e como ela não apareceu, mesmo sentindo algo morrer dentro de mim, fui dormir, já que teria um dia cheio a partir de amanhã.
Acordei ao som do meu despertador. Enrolei um pouco antes de finalmente levantar e trocar de roupa. Passei pela cozinha e tomei um café da manhã com os alimentos que tinham sobrado na geladeira. Dei uma última conferida no chalé a fim de verificar se estava esquecendo alguma coisa e quando estava tudo certo chequei meu celular.
Ainda sem respostas.
Eu sabia que Zöe estava sozinha com a filha à pelo menos um mês. Sabia também que ela não queria que eu fosse até lá, mas eu era um romântico incurável e precisava saber a resposta dela. Alguns minutos criando coragem e a janela vizinha se acendeu. Ela estava acordada. Pedi um táxi e enquanto ele guardava meus pertences no porta-malas, avisei que iria a casa vizinha deixar a chave do chalé. O simpático taxista concordou, mas provavelmente estava intimidado pelo meu uniforme.
A chuva caia tímida e ruidosamente, e eu não tive coragem de tocar a campainha. Ao invés disso, fui até a janela da sala, onde Zöe estava com uma xícara fumegante em suas mãos. Ela não acordava cedo, então isso tinha que significar algo, certo? Mas então prestei atenção na roupa que ela usava. Estava de pijamas. Ela não iria para lugar algum.
Sem pensar, encarei a janela embaçada. Equilibrei meu guarda-chuva em uma das minhas mãos, com a outra desenhando um coração partido, grande o suficiente para que ela o visse. Quando me viu do lado de fora, Zöe veio a passos lentos até a janela, tentando entender o desenho.
Respire contra o vidro, Zöe, me mande um sinal, me mande qualquer coisa. A mulher se aproximou da janela, embaçando o vidro. Um ponto de interrogação. Sua boca se abriu como se ela fosse me falar algo e eu encostei minha mão na janela, mas nunca soube o que ela ia me dizer. A buzina soou ao longe e meu relógio dizia que eu tinha vinte e três minutos para chegar ao aeroporto, meu primeiro voo ocorreria dali há algumas horas. Deixei a chave do chalé no parapeito da janela e olhando os tristes olhos da mulher que eu amava, parti, indo em direção ao taxista.
Minhas ações me fizeram perder Zöe muitos anos atrás. E agora eu também perderia por tê-la traído e ficaria sem nenhuma das duas. Eu sabia que merecia isso, assim como sabia que tinha que contar a o que eu tinha feito. Assim, se ela quisesse sair de casa, teria três dias para arrumar suas coisas e tacar fogo nas minhas roupas. Eu honestamente não a culparia.
Quando cheguei ao aeroporto, fui direto para o exame médico, uma vez que estava praticamente em cima da hora. Após o exame físico, medição de pressão e frequência cardíaca, fui liberado para reunião a fim de buscar o relatório e discutir sobre o trajeto do voo. Verifiquei a previsão do tempo, que ainda tinha chuva, por isso me atentei em sinalizar corretamente aeroportos próximos a nossa rota caso fosse necessário um pouso de emergência. Depois de conversar com a chefe dos comissários de bordo, fui para o avião me preparar para a decolagem. Tinha cerca de alguns minutos, quando não resisti. Decidi mandar uma mensagem de voz para , uma vez que ela não tinha me atendido.
— Oi, amor. Estou indo para casa. Devido a rota, minha chegada é esperada em três dias. , eu quero que saiba que eu te amo. Que eu te amo muito. Mas que eu não te respeitei nesses últimos dias. O que estou tentando te dizer, , é que eu... eu te traí. Eu sei que não estamos bem e que você ameaçou sair de casa umas vezes, mas essa situação não me dava o direito de fazer isso. Vou entender se não quiser me esperar em casa. Vou entender se não quiser olhar para mim pelos próximos cinquenta anos. Eu te amo.
As palavras pareciam vazias até para mim, mas agora eu tinha que lidar com as consequências dos meus atos.
— Bom dia, . – Cumprimentou o copiloto sentando-se ao meu lado.
— Bom dia.
— Que humor ótimo, , espero que não desconte no avião. – Brincou Dean ao meu lado.
Suspirei, sorrindo forçado.
— Vai ficar tudo ótimo com o avião.
Começamos os protocolos de voo, verificando novamente as condições climáticas e mapeando nossa rota, além de uma inspeção completa nos sistemas de bordo. Deixei Dean cumprimentar os passageiros já que não estava de bom humor para isso, e vinte minutos depois eu já tinha começado a decolagem.
Deu tudo certo no primeiro e no segundo voo. Já tinham se passado três dias e não tinha me retornado. Tudo bem, eu estava preparado para o silêncio dela. Tentei ligar mais uma vez enquanto me preparava para o voo que finalmente me deixaria em Tulsa, em casa. Eram mais ou menos duas horas de voo, e estava animado em finalmente ficar com os pés no solo por um tempo, ainda mais depois da semana que eu tive. Antes de colocar meu celular no modo avião, finalmente uma mensagem de voz de .
— Oi, . Não vou dizer que está tudo bem, porque não está. Temos que conversar, com calma, então mesmo que eu esteja prestes a explodir de raiva e socar sua cara, vou te esperar em casa. Não queria te dar essa notícia assim, mas eu acho que deveria saber disso... eu estou grávida.
Depois da notícia eu não sabia bem como me sentir, mas demos novamente início aos protocolos de decolagem, e meu copiloto daquela jornada era Liam, com quem eu já tinha voado algumas vezes.
— Boa tarde, sejam todos muito bem-vindos a bordo a nave A320NEO, vôo 8760 com destino ao aeroporto de Tulsa, Oklahoma. – Comecei. – Nosso tempo estimado de voo é de uma hora e cinquenta e cinco minutos. Nesse momento temos uma chuva leve, temperatura de vinte e dois graus. Comandante falando e mais tarde retornaremos com mais informações.
Depois de uma decolagem tranquila, já estávamos em altura de cruzeiro e tanto Liam quanto eu estávamos concentrados na direção, quando mais ou menos uma hora e meia depois, recebemos uma mensagem na cabine.
— Comandante , turbulência em breve.
Liam e eu nos entreolhamos, não tínhamos detectado nenhuma turbulência em nosso radar, e como essa não estava mapeada não tínhamos nem como dar a volta por ela.
— Avise os pax sobre a turbulência, e peça para colocarem os cintos. – Pedi para Liam, enquanto tentava falar com a torre de controle.
A chefe dos comissários informou que tiveram alguns desmaios, mas que o resto dos passageiros pareciam tranquilos e estavam de cinto, o que era de maior importância no momento.
A turbulência veio, e foi leve como o esperado. O avião tremeu um pouco, mas não o suficiente para os solavancos que eu estava esperando e torcia para que o resto dos passageiros passassem esses minutos pensando como eu. Doze minutos depois, deixamos a turbulência para trás, mas a pior coisa que poderia ter acontecido, aconteceu: pane nas turbinas.
— O que aconteceu? – Perguntei a Liam.
— Um pássaro, . Um pássaro explodiu um dos motores.
Claramente as pessoas deviam estar assustadas quando viram que um dos motores estava expelindo uma fumaça acinzentada, então precisei explicar que conseguiríamos sobrevoar por horas mesmo assim, e que o avião não iria cair. Em tese. Na prática, eu nunca tinha passado por isso. Foi quando a segunda luz vermelha começou a piscar no painel.
— A segunda turbina também parou. – Murmurou Liam, em pânico. Deu para ver que ele também não tinha passado por essa situação em toda sua carreira.
— Aguenta firme, Liam, o centro de controle está a par. – Mesmo eu não parecia tão seguro de mim quanto parecia, só conseguia pensar nas palavras de e que 188 pessoas dependiam de mim agora.
Lembrei dos treinamentos e das simulações, eu tinha sido feito para suportar emergências desse tipo. Faltavam vinte minutos para chegarmos ao nosso destino e, por sorte, estávamos a quatro minutos do aeroporto mais próximo. Por isso calculei que tínhamos oito minutos planando antes de perdermos força.
— Teremos que fazer um pouso de emergência. Avise os outros.
Enquanto Liam fazia o que tinha que fazer, calculei a rota até o aeroporto mais próximo, pedindo permissão para aterrissar. A torre de controle acompanhou o caso comigo, e o aeroporto me concedeu permissão para realizar o pouso mais arriscado da minha carreira. estava grávida. Dezenas de pessoas depositavam confiança em mim e eu pedia a quem quer que fosse que me ajudasse nesse pouso tão difícil.
Enquanto Liam e eu operávamos com a maior calma que podíamos, pensei em minha esposa, pensei em Zöe e no quão canalha eu tinha sido. Deixar o Canadá anuviar minhas emoções por uma semana inteira, no que eu estava pensando?
Eu sabia que uma parte de mim sempre amaria Zöe, mas ela não era minha esposa. Não tinha sido ela a se dedicar no nosso lar enquanto eu voava. Não era com ela que eu me deitava sempre que estava em casa.
Lembrei de quando conheci , de quando nos amamos pela primeira vez, de quando a pedi em casamento e nos bons oito anos juntos que ela tinha me proporcionado. Eu não podia estragar tudo morrendo e levando pessoas comigo. Eu tinha que terminar minha conversa com , tinha que conhecer meu filho, ser um exemplo de pessoa melhor do que eu fui.
Eu não sabia em que pensar, mas não podia terminar assim. Mandei a vergonha para longe e comecei a falar. A torre estava confusa, mas depois eles entenderam o que era.
Uma mensagem de despedida.
— , se estiver ouvindo isso, eu sinto muito. Eu sinto tanto. Me perdoe por tudo. Eu nunca quis partir seu coração, eu nunca quis te fazer chorar e eu tenho fé que vou salvar todas essas pessoas de uma queda terrível. Eu sei que eu não vou deixar esse avião cair, porque sempre que fecho os olhos, vejo você, sempre que penso no seu sorriso, ouço você e eu não vou deixar que uma semana fora do normal estrague o que você está carregando. Eu vou voltar para casa. Eu vou voltar para você.
Liam mal me olhava, estava pálido e parecia que ia desmaiar a qualquer momento. Não o culpava, a situação era desgastante para qualquer um, até mesmo para um piloto com anos de experiência.
— Vamos, Liam. – Disse a ele, depois de todos os passageiros estarem devidamente informados, e colocarem os cintos, bem como o restante da tripulação. – Hora de salvarmos a nave.
Liam assentiu, reunindo uma coragem que ele certamente não tinha, e juntos seguimos as coordenadas passadas pela torre de comunicação, nos guiando o tempo todo conforme o avião ganhava velocidade. O som do avião caindo era horrível, e de um modo egoísta agradeci por não poder ouvir o que os passageiros poderiam estar dizendo. Uma última mensagem de voz, uma última ligação, uma mensagem de texto, a certeza de que iriam morrer.
Eu segurava o controle com tanta força que fiquei com medo de que ele se quebrasse. Sem as turbinas era impossível manter o avião no ar, assim como era impossível controlar a velocidade da queda. Só podíamos torcer para o aeroporto não possuir nenhum empecilho na pista, porque até a mais suave colisão poderia ser fatal, tamanha a velocidade que estávamos descendo.
Quando chegamos a uma velocidade mais baixa, consegui erguer o nariz do avião, o que nos fez perder velocidade. Não podíamos comemorar muito cedo, porque ainda estávamos caindo. Finalmente encontrei a pista abaixo de mim, e pude ver que já esperavam um avião desenfreado para pousar.
Foi, sem dúvida, a pior aterrisagem feita. Muitos passageiros poderiam ficar traumatizados a vida inteira e até mesmo um piloto mal treinado poderia nunca mais voar. Mesmo enxergando a pista, não abaixei o nariz do avião. Liam se remexeu nervoso ao meu lado, mas eu disse a ele que, se fizesse isso, poderíamos colidir com o próprio chão, e o avião explodiria. Dei a volta como pude indo para o mais longe possível que a pista do aeroporto me permitia chegar. O avião estava quase no chão, e chacoalhava a todos nós. Pedi silenciosamente que todos estivessem de cinto; o solavanco era tão forte que poderia quebrar o pescoço de alguém.
Com um enorme estrondo, a primeira roda tocou o chão, o que nos fez pular em nossos assentos. Liam agora parecia preocupado com um acidente terrestre, mas eu não tinha trago o avião até o chão somente para falhar. Monitorei a grande nave até que ela fosse perdendo a velocidade gradativamente e por fim, paramos.
Inteiros.
Vivos.
— Você conseguiu. – Disse Liam ao meu lado, lívido.
Eu não estava muito melhor, mas consegui sorrir.
— Nós conseguimos. Nós dois. – Corrigi, fazendo o jovem piloto sorrir também. – Pode fazer as honras.
Entrei o microfone para ele, que sorriu mais largamente.
— Boa tarde, senhores passageiros. Enfrentamos uma turbulência seguida de pane em ambas as turbinas, e o pouso de emergência foi um sucesso. Aguardaremos no aeroporto até encaixarmos seus voos novamente. Peço gentilmente que sigam em ordem até a saída, onde serão devidamente orientados. – Falou Liam, com sua voz profissional. – Copiloto Liam Neeson falando, tenham todos uma ótima tarde.
Permiti-me ficar no avião até todos desembarcarem e em seguida fui guiado até a sala especial do aeroporto que eu não conhecia. Acharam melhor eu não guiar mais nenhum avião naquele dia, os exames físicos apresentavam stress e minha frequência cardíaca estava altíssima, e com razão. Fui encaixado no primeiro avião para Tulsa, que partiria em doze minutos, e deixei a sala, sob os aplausos da tripulação que estava comigo no avião que quase caíra.
Eu tinha que ter passado por isso para saber como lidar com emergências assim. Mas essa situação só serviu para mostrar como a vida é pequena, inferior e descartável. Que eu quase morri deixando minha esposa sabendo que tinha sido traída e que tinha um bebê que nunca iria conhecer.
Eu sabia que tinha contas a prestar quando chegasse. Eu sabia que não seria fácil, e nem estava esperando por isso. Minha aventura com Zöe parecia a melhor coisa para mim no momento, mas eu não estava pensando direito.
Estava sendo um idiota.
A falta de caráter era muita e a vergonha me inundou, mas não pude deixar de me sentir aliviado quando vi o rosto de no meio da multidão quando desembarquei. Ao contrário do que imaginei, ela veio correndo na minha direção, com o rosto cheio de lágrimas.
— . – Falou, me beijando por todo meu rosto. Demorei para perceber que eu chorava também. – você está vivo. Você está vivo.
ficou pendurada nos meus braços por minutos, e eu não reclamei.
— , eu...
Estava tão envergonhado que não conseguia nem olhar para ela.
— Depois a gente fala sobre isso. – Falou, secando as lágrimas do meu rosto. – Eu ouvi sua mensagem. Na cabine. Eu estou muito mal pelo que aconteceu, estou me sentindo péssima pelo que você me contou e só Deus sabe o quanto eu chorei.
Encarei minha esposa, tão pequena, os olhos cansados, o cabelo desalinhado. Porque eu tinha sido tão irresponsável.
— Mas você quase morreu, . Quase foi mais um número de uma estatística horrível. – Continuou. – Vamos para casa. A gente conversa depois.
Assenti.
Pegamos minhas malas, fomos até o estacionamento do aeroporto de Tulsa e calmamente dirigia até nossa casa.
— . – Chamei. – Você acha esse é o fim da linha para nós? Acha que um dia vai me perdoar por isso?
A mulher suspirou, olhando o trânsito. Nosso casamento não ia bem a um tempo, era verdade. Mais por culpa da minha ausência do que por falta de tentar. Paramos em um sinal vermelho quando ela olhou para mim.
— Não sei se um dia vou conseguir te perdoar. Não por isso.
E com isso entendi que tinha perdido minha esposa para sempre. estava me ajudando porque no fim das contas ainda se preocupava comigo, mas notei tarde demais que minha esposa já não queria mais nada comigo. Que todas as discussões e provocações tiveram o fim que mereceram e que por mais chateada que ela estivesse, no fundo estava aliviada de não precisar mais insistir em um relacionamento como o nosso.
Mesmo que nunca mais quisesse ver minha face, eu jamais pararia de tentar. Eu depositaria todas as minhas fichas na gente e nunca mais desistiria do meu amor por ela, como tinha feito naquela fria semana no Canadá.
Fim!
Nota da autora: Estou deixando essa nota aqui para dizer que é óbvio que eu não faço ideia de como se pilota um avião. Pesquisei algumas coisas para não ficar tão sem sentido, mas tenham em mente que a maior parte das coisas eu apenas inventei e não condiz com a realidade.
Dado o recado, espero que tenham gostado!
Beijinhos!.
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