Fanfic finalizada.

Capítulo Único

— Sabe, uma hora você vai ter que sair desse apartamento – falou baixinho, como se eu fosse me quebrar se falasse um pouco mais alto. No fim parecia que essa era a sensação mesmo.
Respondi colocando a coberta sobre minha cabeça, ignorando-a tacitamente. Acho que soltei um grunhido.
, sei lá, pelo menos vai tomar um banho – minha irmã franziu o nariz quando puxou a coberta de cima de mim – Há quanto tempo está com essa roupa?
Dei de ombros.
— Não sei. Há quanto tempo foi o enterro?
arquejou.
— Não toma banho há um mês? – ela me puxa pelos braços, me tirando de cima do sofá sujo. – Ah não, já chega. Você vai tomar banho nem que eu mesma tenha que te enfiar na banheira.
O que, dez minutos depois, ela de fato fez, porque eu não contribuí com um músculo. Sabia que estava ali com ela, mas não estava ali.
Minha mente estava em . Tudo ao meu redor me lembrava de . O risco na parede do lado da porta me lembrava de quando fizemos uma guerra de canetinhas depois que eu perdi no stop, e a mancha nunca saiu. A pontinha lascada da pia me lembrava de quando ele tinha deixado a furadeira cair quando foi consertar o espelho, que também tinha deixado uma marca. Os cantos do teto não estavam pintados direito, porque deixamos a tinta manchar quando nos distraímos pintando um ao outro. O carpete rasgado perto da banheira não tinha sido culpa nossa, mas me lembrava de quando decidimos comprar o apartamento mesmo assim, nos comprometendo a consertar depois – e nunca fizemos isso.
Um ano. Um ano, foi tudo que tivemos. E lembrar que quando nos casamos minha maior preocupação era sobre como eu iria lidar com o peso de ter um marido famoso. Como eu queria que essa tivesse mesmo sido minha maior preocupação.
? – chamou, estalando os dedos na minha cara. – Está me ouvindo? Eu disse que tenho uma coisa para você.
Percebi tarde demais que estava falando comigo.
A essa altura, eu não ligava. Só o que eu queria era meu marido de volta, e isso ninguém poderia dar para mim. Então eu só não ligava.
Em algum lugar na minha mente eu sabia que deveria me recompor, tomar um banho, limpar minha geladeira e fazer compras – coisas simples. Mas toda vez que pensava em fazer qualquer uma dessas coisas, a saudade tomava conta de mim e eu voltava à estaca zero.
— O que você tem para me dar? – perguntei a minha irmã, apenas porque sabia que era o que ela queria ouvir.
O rosto de se iluminou, e um sorriso esperançoso e calmo tomou conta de sua face enquanto ela estendia a toalha para que eu me enxugasse.
— Tenho certeza de que você vai adorar. É do .
A menção do nome de me fez parar. O que ela poderia querer me dar que fosse de ?
Pouquíssimas pessoas sabiam, mas e eu nos conhecemos através de um aplicativo de relacionamento. Ele não tinha foto, e estava registrado apenas como – seu segundo nome. Na descrição, colocou apenas que era músico.
Nos demos bem logo de cara, conversando quase todos os dias sobre todos os assuntos possíveis. Obviamente eu não fazia ideia de que estava trocando mensagens com um dos integrantes da minha finada boyband favorita. , como eu o conhecia, era gentil, engraçado e simpático e foi por isso que aceitei quando ele me convidou para assistir a um dos seus shows. Seria nosso primeiro encontro, e eu estava empolgada e ansiosa.
Não sei exatamente em que momento comecei a desconfiar que ele era mais que um músico, se foi quando vi o tamanho do espaço onde ele ia cantar ou se foi quando um segurança uniformizado veio me buscar para me acomodar. Quando vi o logo de por todos os lados, meu coração bateu mais rápido com emoção de que mesmo sem saber, tinha me levado para ver um dos meus cantores favoritos.
Imaginei então que ele fosse abrir aquele show, mas não houve nenhum no show de abertura. Mandei diversas mensagens para ele e enquanto não era respondida, aproveitei e cantei todas as músicas que conhecia. Durante o intervalo mandei outra mensagem:
- , cadê você? Acho que estou no lugar errado.
E minha resposta veio rápida dessa vez, um simples:
- Você está no lugar certo.
Arrepiada, só entendi essa mensagem quando me levaram para o camarim de , quando eu descobri que ele era de , com quem eu vinha trocando mensagens há quase um mês.
A gente sempre ria muito disso depois que alguns anos se passaram. As coisas evoluíram muito rápido porque sempre foi discreto diante da mídia; de fato eu só fui “descoberta” mais de um ano depois do início do relacionamento. Não me sentia exposta e, apesar do medo, foi fácil aceitar seu pedido de casamento.
Nenhum de nós dois sabíamos que ele tinha uma doença terminal quando nos casamos. Nenhum de nós dois sabíamos que depois de um ano de matrimônio, iríamos receber a notícia que não só iria ceifar sua carreira, como também sua vida.
Começou com uma rouquidão que não melhorava. foi em diversos médicos, fez diversos tratamentos, mas como seu trabalho dependia disso, ele não seguiu a recomendação principal, a de repousar a voz por um tempo. Mesmo com a qualidade do som diminuindo, ele não parou de cantar.
O sangue começou a surgir em algum momento depois disso, e quando fomos investigar já era tarde demais, o câncer já estava no estágio III. Foram meses de tratamento, e, por fim, uma cirurgia que o impediu de cantar para sempre. Mesmo depois disso, só teve mais três anos de vida. Só mais três anos.
Suspirei na toalha que segurava, cansada de pensar nisso, cansada de lembrar disso, me perguntando por que coisas ruins aconteciam com pessoas boas, mas só conseguia olhar o rosto calmo de como se ela fosse me dizer a qualquer momento que eu estava sonhando e aquilo era tudo um horrível pesadelo.
Mas não era.
Me sequei e me vesti, colocando um pijama limpo, e fui me sentar na minha cama razoavelmente limpa enquanto minha irmã vagava pelo apartamento tentando dar uma limpada rápida.
Quando terminou, me puxou de volta para o sofá, sentando-se na mesinha de centro a minha frente.
— Isso aqui é... As últimas palavras dele – começou , me estendendo um envelope. – Ele me entregou isso antes de... bom, não entreguei antes porque você estava mais... enfim, você pode ler agora.
Ela afagou minha cabeça e foi para o meu quarto, me deixando sozinha com uma tristeza enorme e as últimas palavras do meu marido para mim. Eram as últimas. Depois que eu terminasse aquela carta, nunca mais teria nada de inédito sobre ele na minha vida.
Segurando uma lágrima que iria cair a qualquer momento, e rompi o lacre que selava o envelope.

Meu amor,

Faz um tempo que você não me ouve falar, mas pelo menos finja que está lendo com a minha voz, certo? Com a minha verdadeira voz.
Nem imagino o que você está sentindo agora. Quando troco de lugar e me imagino no seu, só sinto dor e raiva, e não consigo pensar em como alguém tão gentil e amorosa possa se sentir assim. Mas tudo bem se estiver sentindo.
Quando nos casamos eu achei que finalmente tinha conquistado meu feliz para sempre. Depois de uma carreira sólida, uma esposa linda e incrível, uma vida feliz e estável. Vivi no paraíso, , e só por sua causa. Você preencheu meu mundo de tal maneira que sair dele deixaria um rombo impossível de recuperar.
E mesmo depois do diagnóstico, você ficou. Mesmo quando perdi minha voz, você ficou. Mesmo quando estava depressivo, ranzinza e mal-humorado, você ficou. E você ficou tanto que não devia ter sido uma surpresa, mas foi.
Então aqui vai uma coisa que você não sabe:
, você salvou a minha vida. Você salvou a minha vida quando decidiu assistir aquele show. Você salvou a minha vida ao me dar uma chance. Você salvou a minha vida quando aceitou se casar comigo. Você salvou a minha vida quando passou por todo tratamento ao meu lado.
Você salvou a minha vida quando decidiu ficar comigo até o fim.
E, querida, se não fosse por você e sua força e amabilidade, eu já teria desistido há muito tempo.
Nenhum de nós dois queríamos isso, meu bem, mas vai acontecer. Enquanto você lê essa carta, já aconteceu. E não tenho nenhum conselho bom para te dar a essa altura, a não ser: viva.
Faça uma viagem para bem longe. Conheça novas pessoas. Comece novos hobbies. Conquiste uma nova vida. E em cada passo do caminho, em cada coisa nova, em cada nova primeira vez sem mim ao seu lado, saiba que estou com você.
E que tudo isso só está acontecendo porque, em primeiro lugar, você salvou a minha vida ao decidir me amar.
Eu sempre vou te amar, , onde quer que eu esteja.
Com todo amor,
Seu .


Abracei a carta, não ligando para as lágrimas que desciam. Pensei em toda dor e luto que ainda carregava, em tudo que vivi e tudo que tinha acabado de ler. Pensar nisso doeu, mas me fez perceber que apesar da dor insuportável, nenhuma tristeza era maior do que a alegria que eu tinha conquistado ao viver do lado dele.
Ah, . Você está tão errado. Não fui eu quem salvei sua vida.
Foi você quem salvou a minha.




Fim!



Nota da autora: Olá, fanfiqueiras! Obrigada para você que leu até aqui. Eu prometi que não iria mais entristecer os ficstapes da vida, mas esse plot mexeu com o meu coração.
Espero que tenham gostado!




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