Prólogo
IAN
Tinha pego dinheiro o bastante para eles não darem falta, mas a grana já estava acabando e meu emprego na lanchonete não era o bastante para pagar meu aluguel e as aulas de piano. Depois de ser expulso do clube de luta e perder a única renda extra que eu tinha, precisava pensar em uma forma urgente de ganhar dinheiro sem ceder meu tempo, que eu não tinha. De todas as horas do dia só sobravam seis, que era a quantidade de horas que eu dormia.
Suspirei, cansado, encarando a página aberta do Google onde eu tinha digitado como ganhar dinheiro em casa. Tinham aparecido algumas opções ilegais, claro, mas também coisas como fazer biscoitos caseiros, manicure, artes gráficas, cuidador de animais. Nenhuma daquelas opções funcionavam, mas precisava de um jeito para ganhar dinheiro sem fazer nada.
Até que eu vi.
Alugue um cômodo do seu apartamento. Eu morava em um apartamento de dois quartos. Quer dizer, um deles era pequeno, não tinha banheiro, mal cabia uma cama e o closet estava uma zona, mas alguém certamente estaria procurando algum lugar. Estávamos em Nova York afinal de contas, o prédio ficava na parte boa do Brooklin, perto do metrô e o oitavo andar contribuía para uma vista magnífica da cidade.
Levantei do sofá rapidamente e fui até o quarto que eu não ocupava. O closet era grande, mas estava bem bagunçado, com algumas coisas minhas que não cabiam no meu quarto, algumas cartas, papéis de desenhos e partituras velhas. A cama parecia estar em boas condições e eu podia pedir ajuda para minha vizinha Carlie e tentar deixar esse quarto menos depressivo.
Olhei meu relógio e vi que ainda faltavam quarenta minutos para o plantão dela e que talvez ela estivesse em casa. Fui até o apartamento dela em poucos minutos, e bati na porta.
— Pois não, ? – Foi Dana, sua colega de quarto que atendeu. E ela não gostava muito de mim.
— Preciso falar com Carlie.
Dana suspirou.
— Se for para fazer um curativo em seus machucados de origem suspeita, ela não está. – Murmurou, fechando a cara.
— Não quero fazer curativo.
Sua expressão se suavizou, mas ela ainda parecia brava.
— Ela realmente não está. Trocou o plantão hoje.
— Tudo bem. – Respondi, desistindo e voltando para minha porta.
Escutei Dana bufando e fechando a própria porta.
— O que você quer? Talvez eu possa ajudar.
— Vou alugar um quarto.
— Certo.
— Ele está bem feio, ia pedir a Carlie umas dicas.
Dana sorriu, maldosa.
— Você seria um péssimo anfitrião. Já tenho pena do seu futuro inquilino. – Mas mesmo assim passou por mim e entrou no meu apartamento, indo diretamente para o quarto vago. Analisou por uns minutos e se virou em minha direção.
— E então?
— Eu tiraria essas porcarias do closet. A cama parece boa, mas acho que precisa comprar outro colchão. – Instruiu. – Esse está cheio de bolor e tenho certeza que pode ter ácaros. Coloque uma cortina escura na janela e um tapete no mesmo tom.
— Algo mais?
— Hmm. – Murmurou, pensativa. – Não precisa pintar as paredes, mas seria uma boa ideia colocar umas prateleiras. Fora isso, nada mal.
Segui Dana para fora do meu apartamento, tentando não me esquecer de nada que ela falou.
— Obrigado, Dana. – Agradeci, fechando minha porta assim que ela assentiu.
Gastei três dias e um total de duzentos dólares para arrumar o quarto. Comprei algumas coisas usadas, mas em bom estado, como a cortina e o tapete, mas as prateleiras e o colchão preferi comprar novo. Arrumei tudo conforme Dana havia orientado e peguei um saco de lixo grande para arrumar a bagunça no closet.
Limpei tudo e tirei algumas fotos para o anúncio de aluguel.
Talvez não fosse a melhor ideia que eu tive, mas eu poderia ter a grana extra que precisava de um jeito fácil. Só iria precisar abrir mão da minha própria privacidade.
Eu não sabia por quanto tempo precisaria continuar fugindo dos meus pais, mas não via isso acontecendo tão cedo. Meu pai era um médico importante preocupado demais em qualquer coisa que não fosse ele mesmo. A única coisa que ele queria na vida ele conseguiu, um filho homem. Mas eu não sou o que ele poderia considerar um sonho de filho, principalmente porque eu não queria seguir sua carreira e muito menos assumir a presidência do hospital. Minha mãe era um doce, mas submissa demais para me ajudar de alguma maneira. Ela obedecia ao meu pai, e se ele tinha falado que não poderia estudar música, então não estudaria música.
Conheci o piano através de uma aula extracurricular que para ser bem sincero não estava muito animado em aprender. Mas a professora que estava na sala me ensinou uns acordes bem básicos e bastou poucos dias para que me apaixonar pelo majestoso instrumento. Eu tinha apenas quatro anos.
Depois de quatorze anos me dedicando ao que minha mãe tinha certeza que era um hobby qualquer, decidi informar a minha família que gostaria de estudar em Juilliard. Meu pai retribuiu minha sinceridade esmurrando minha cara. Minha mãe suspirou e me mandou ir para o quarto, que no dia seguinte falaríamos sobre isso.
Nunca chegamos a conversar. Durante a madrugada, me esgueirei para fora de casa com apenas uma mochila grande e todo o dinheiro que eu tinha no quarto.
Dinheiro que agora estava acabando, e eu precisava de mais. Eu já tinha conseguido avançar tanto e agora só precisava fazer o teste de admissão para saber se tinha conseguido. Pensar no piano e no quanto eu queria estudar em Juilliard me fez ter certeza da decisão.
Respirando fundo e torcendo para não me arrepender, publiquei o anúncio.
Tinha pego dinheiro o bastante para eles não darem falta, mas a grana já estava acabando e meu emprego na lanchonete não era o bastante para pagar meu aluguel e as aulas de piano. Depois de ser expulso do clube de luta e perder a única renda extra que eu tinha, precisava pensar em uma forma urgente de ganhar dinheiro sem ceder meu tempo, que eu não tinha. De todas as horas do dia só sobravam seis, que era a quantidade de horas que eu dormia.
Suspirei, cansado, encarando a página aberta do Google onde eu tinha digitado como ganhar dinheiro em casa. Tinham aparecido algumas opções ilegais, claro, mas também coisas como fazer biscoitos caseiros, manicure, artes gráficas, cuidador de animais. Nenhuma daquelas opções funcionavam, mas precisava de um jeito para ganhar dinheiro sem fazer nada.
Até que eu vi.
Alugue um cômodo do seu apartamento. Eu morava em um apartamento de dois quartos. Quer dizer, um deles era pequeno, não tinha banheiro, mal cabia uma cama e o closet estava uma zona, mas alguém certamente estaria procurando algum lugar. Estávamos em Nova York afinal de contas, o prédio ficava na parte boa do Brooklin, perto do metrô e o oitavo andar contribuía para uma vista magnífica da cidade.
Levantei do sofá rapidamente e fui até o quarto que eu não ocupava. O closet era grande, mas estava bem bagunçado, com algumas coisas minhas que não cabiam no meu quarto, algumas cartas, papéis de desenhos e partituras velhas. A cama parecia estar em boas condições e eu podia pedir ajuda para minha vizinha Carlie e tentar deixar esse quarto menos depressivo.
Olhei meu relógio e vi que ainda faltavam quarenta minutos para o plantão dela e que talvez ela estivesse em casa. Fui até o apartamento dela em poucos minutos, e bati na porta.
— Pois não, ? – Foi Dana, sua colega de quarto que atendeu. E ela não gostava muito de mim.
— Preciso falar com Carlie.
Dana suspirou.
— Se for para fazer um curativo em seus machucados de origem suspeita, ela não está. – Murmurou, fechando a cara.
— Não quero fazer curativo.
Sua expressão se suavizou, mas ela ainda parecia brava.
— Ela realmente não está. Trocou o plantão hoje.
— Tudo bem. – Respondi, desistindo e voltando para minha porta.
Escutei Dana bufando e fechando a própria porta.
— O que você quer? Talvez eu possa ajudar.
— Vou alugar um quarto.
— Certo.
— Ele está bem feio, ia pedir a Carlie umas dicas.
Dana sorriu, maldosa.
— Você seria um péssimo anfitrião. Já tenho pena do seu futuro inquilino. – Mas mesmo assim passou por mim e entrou no meu apartamento, indo diretamente para o quarto vago. Analisou por uns minutos e se virou em minha direção.
— E então?
— Eu tiraria essas porcarias do closet. A cama parece boa, mas acho que precisa comprar outro colchão. – Instruiu. – Esse está cheio de bolor e tenho certeza que pode ter ácaros. Coloque uma cortina escura na janela e um tapete no mesmo tom.
— Algo mais?
— Hmm. – Murmurou, pensativa. – Não precisa pintar as paredes, mas seria uma boa ideia colocar umas prateleiras. Fora isso, nada mal.
Segui Dana para fora do meu apartamento, tentando não me esquecer de nada que ela falou.
— Obrigado, Dana. – Agradeci, fechando minha porta assim que ela assentiu.
Gastei três dias e um total de duzentos dólares para arrumar o quarto. Comprei algumas coisas usadas, mas em bom estado, como a cortina e o tapete, mas as prateleiras e o colchão preferi comprar novo. Arrumei tudo conforme Dana havia orientado e peguei um saco de lixo grande para arrumar a bagunça no closet.
Limpei tudo e tirei algumas fotos para o anúncio de aluguel.
Talvez não fosse a melhor ideia que eu tive, mas eu poderia ter a grana extra que precisava de um jeito fácil. Só iria precisar abrir mão da minha própria privacidade.
Eu não sabia por quanto tempo precisaria continuar fugindo dos meus pais, mas não via isso acontecendo tão cedo. Meu pai era um médico importante preocupado demais em qualquer coisa que não fosse ele mesmo. A única coisa que ele queria na vida ele conseguiu, um filho homem. Mas eu não sou o que ele poderia considerar um sonho de filho, principalmente porque eu não queria seguir sua carreira e muito menos assumir a presidência do hospital. Minha mãe era um doce, mas submissa demais para me ajudar de alguma maneira. Ela obedecia ao meu pai, e se ele tinha falado que não poderia estudar música, então não estudaria música.
Conheci o piano através de uma aula extracurricular que para ser bem sincero não estava muito animado em aprender. Mas a professora que estava na sala me ensinou uns acordes bem básicos e bastou poucos dias para que me apaixonar pelo majestoso instrumento. Eu tinha apenas quatro anos.
Depois de quatorze anos me dedicando ao que minha mãe tinha certeza que era um hobby qualquer, decidi informar a minha família que gostaria de estudar em Juilliard. Meu pai retribuiu minha sinceridade esmurrando minha cara. Minha mãe suspirou e me mandou ir para o quarto, que no dia seguinte falaríamos sobre isso.
Nunca chegamos a conversar. Durante a madrugada, me esgueirei para fora de casa com apenas uma mochila grande e todo o dinheiro que eu tinha no quarto.
Dinheiro que agora estava acabando, e eu precisava de mais. Eu já tinha conseguido avançar tanto e agora só precisava fazer o teste de admissão para saber se tinha conseguido. Pensar no piano e no quanto eu queria estudar em Juilliard me fez ter certeza da decisão.
Respirando fundo e torcendo para não me arrepender, publiquei o anúncio.
Capítulo Um
STELLA
Meu pai encarou meu notebook por cinco segundos antes de devolver seu olhar na minha direção, desconfiado. Eu tinha passado os últimos três meses tentando convencer o homem de quem sim, eu poderia sobreviver em Nova York e não, eu não queria ir para faculdade de direito como ele e não, não me sentia culpada.
— Então. – Começou, com um pesado suspiro. – Seu plano é que eu faça um teste com você.
Controlei meu corpo para que não desse um pulinho na cadeira onde estava.
— Exato. – Respondi. – Eu vou para Nova York, sem depender de você. E tenho três meses para me preparar para conseguir minha admissão em Juilliard.
— Se você não conseguir, vai estudar o curso que eu desejar, na instituição que eu escolher e tudo sem reclamar? – Continuou meu pai.
— Sim. Mas se eu conseguir, estudarei na Juilliard e o senhor irá custear toda a minha mensalidade, apostilas, materiais e moradia. E assistirá a todos os meus recitais.
Meu pai se encostou na cadeira ao lado da minha, de repente muito interessado na proposta. Ou ele era muito confiante, ou não dava mesmo nenhuma fé em mim e no meu potencial. Pensar nisso me deixou um pouco triste.
— Você venceu, . – Elogiou parecendo bravo, porém eu estava vendo o indício de um sorriso se formando debaixo dos seus grandes bigodes. – Você pode ir.
Levantei-me da cadeira dando um gritinho de animação, seguido de todos os pulinhos que controlei durante a conversa. Meu pai sacudiu a cabeça como se não houvesse salvação para minha alma e fechou meu notebook.
— Eu vou te ajudar esse mês. Vou deixar você usar o seu cartão para alugar um apartamento, mobiliar e comprar comida. Um mês depois irei cancelar esse cartão, então sugiro que encontre um lugar depressa.
Sorri.
— Fechado!
Ele já estava de costas de mim, mas virou-se de novo, com as mãos nos bolsos.
— Ah! E você vai me ligar. Toda quinta-feira à noite. – Finalizou, me fazendo rir de seu pedido tão específico.
Eu não tinha o menor jeito para advogada. Eu era eufórica, tinha a inteligência emocional de uma garota de seis anos e nunca ficava séria quando precisava. Não gostava de ler livros chatos, não gostava de homens que estudavam direito, a faculdade era muito velha e principalmente, eu não gostava de leis – eu respeitava as leis, mas não tinha interesse em estuda-las. Crescer com meu pai, um advogado de renome, foi o suficiente para me afastar desse mundo, no qual eu não me interessava.
Minha mãe era dançarina, uma muito boa. Descobri que chegou a protagonizar um filme uma vez, e me lembro de falar disso para meus colegas de sala durante toda minha infância. Ela gostava de dançar pela casa, mas dançava melhor quando achava que não tinha ninguém olhando, mal sabendo que eu estava ali, admirando a melhor dançarina que conhecia.
Ás vezes ela me falava sobre a Juilliard. Contava sobre seus dias de estudante, os professores que menos gostava e seu cantinho preferido. Não gostava do dormitório e sua colega de quarto era uma chata, mas pelo menos foi no dormitório que ela conheceu o papai. Ficávamos rindo e cheias de segredinhos quando meu pai passava pelo quarto bem quando ela estava contando a história. Ela me dizia que era segredo, mas depois eu ia direto até meu pai pedir a sua versão da história.
Mesmo com a Juilliard, minha mãe não prosseguiu com a profissão depois que eu nasci, mas se tornou professora infantil. Ensinou-me todos os meus primeiros passos de dança, e até mesmo meu pai ia em meus concertos mais ou menos até meu nono ano de vida.
Depois que mamãe morreu, ele nunca mais quis me ver dançar. Lidamos com isso de uma forma muito diferente, eu acho. Dançar me aproximava dela, me fazia sentir mais leve, mais feliz. Mas para o meu pai deveria ser uma memória dolorosa de tudo que ele não podia ter: ver minha mãe dançando pela casa de novo.
Peguei o notebook e digitei na barra de pesquisa, procurando por anúncios de aluguéis baratos. Eu não era burra e meu pai não ofereceria seu cartão se não tivesse uma pegadinha envolvida. Ele estava mesmo achando que eu iria alugar um apartamento incrível por dois mil por mês que eu não conseguiria manter e falhasse. Eu sou mais esperta, papai.
A maioria dos imóveis que eu olhava estava cobrando muito caro por um espaço muito pequeno, até que um me chamou atenção.
Custava apenas quinhentos dólares por mês, o que achei bem suspeito. O apartamento parecia pequeno, mas era bem cuidado. O quarto com certeza era minúsculo, mas o colchão ainda estava dentro do saco, pelo menos era novo. Tinha uma cortina cinza paredes brancas e algumas prateleiras do outro lado. O closet era relativamente bom, mas mesmo que o lugar não fosse espetacular, ainda assim tinha achado quinhentos dólares muito barato. E então descobri o motivo.
Procura-se pessoa responsável e jovem que não faça perguntas e nem se incomode com barulho. A pessoa irá compartilhar o apartamento comigo, mas terá quarto e banheiro individuais. A cozinha poderá ser usada para preparar refeições, e enquanto eu não estiver, a sala de TV será de uso livre. Costumo estar no apartamento apenas para dormir e aos finais de semana.
Não aceito animais, crianças ou casais. Favor não insistir. Em caso de interesse, favor consultar . Meu telefone está na última imagem.
Eu poderia dividir um apartamento com um cara?
Meu pai jamais iria permitir, mas ele não precisava saber. A localização do prédio era muito boa, e tinha uma estação de metrô a menos de uma quadra. A vaga tinha sido publicada há mais de duas semanas e eu não tinha como saber se ele já tinha conseguido alguém ou não, por isso decidi deixar nas mãos do destino.
Peguei meu celular, já digitando uma mensagem.
Demorou pelo menos cinco minutos para eu receber a resposta.
Ainda não.
Gostaria de vir visitar?
Eu sabia que precisava ter certeza se não era um maníaco, mas estava muito ansiosa e com medo do meu pai mudar de ideia.
Preciso de um adiantamento de duzentos
Mais o valor do aluguel
Para se mudar de imediato
Exato. Apenas no primeiro mês.
Combinado.
IAN
Eu percebi quem era a garota assim que o grande sedã preto estacionou em frente ao prédio. Qual outra garota, a não ser a que topa entregar quase dois mil dólares em dinheiro a um completo desconhecido, chegaria aqui com um chofer?
— E não se esqueça, Archie, se papai perguntar...
— Te deixei em frente a um lindo prédio com um jardim florido e uma fonte de aparência cara. – Completou o motorista, sério, retirando a quarta mala do porta malas.
Acho que deixei escapar um suspiro, pois os dois olharam para mim.
sorriu, segurando uma das malas de rodinhas.
— Você deve ser o . – Falou, andando em minha direção. – Prazer. Obrigada por me ajudar com a bagagem.
Franzi o cenho.
— Eu não ia ajudar.
e o chofer se entreolharam antes de rirem de mim.
— Tudo bem. – Disse a garota, nem um pouco abalada pela minha má educação.
O motorista estendeu a mim uma pequena bolsa. Abri um pouco e vi o dinheiro, mas deixaria para verificar depois. Olhei para , que parecia lutar com o tanto de coisa que tinha. Ela colocou uma das malas nos ombros, a menor ficou em cima de uma maior de rodinha e a outra de rodinhas foi sendo levada pela outra mão. Se despediu do motorista e me olhou com expectativas.
— Vamos. – Murmurei.
Eu sabia que o elevador estava funcionando e ia bem, mas segui em direção as escadas. Tinha que ser legal com ela, sabia disso também, mas se eu começasse a ser gentil demais ela poderia entender tudo errado, e eu precisaria arrumar outra pessoa. O fato de ela precisar mais de mim do que eu precisava dela não passou despercebido, então talvez tivesse algo ao meu favor.
subia as escadas com dificuldades, mas não reclamou nenhuma vez. Levantava uma mala atrás da outra sem pedir para que eu a ajudasse, mas estava lenta. Quando chegamos ao quinto andar, a garota já estava arfando.
— Só por curiosidade... qual é o andar mesmo? – Questionou.
— Oitavo.
Ela resmungou algo que eu não ouvi.
— Algum problema?
— Não, nada.
E tornou a subir com todas as suas quatro malas aparentemente pesadas. Quando chegamos no oitavo andar, abri a porta do apartamento sem esperar por ela, que ainda lutava com a bagagem, ao mesmo tempo que a porta do elevador se abriu, revelando Carlie e Dana. Olharam minha nova inquilina carregando todas as malas saindo da escada. Dana sorriu com maldade e Carlie lançou um olhar de repreensão para mim.
Merda.
— Porque não usou o elevador, querida? – Perguntou Carlie para a recém-chegada.
se virou para me encarar com um olhar acusatório.
— Tinha elevador? Porque não me disse?
Dei de ombros.
— Você não me perguntou.
Deu para ver, nos olhos dela grudados na bolsinha que eu carregava, que estava cem por cento arrependida de ter concordado se mudar. Mas agora já era tarde, afinal ela tinha me pagado três meses adiantados e eu não iria devolver.
Bufando, arrastou o resto das suas coisas para dentro, sem se despedir das novas vizinhas.
— Seja legal com ela, . – Cochichou Carlie, finalmente entrando em seu próprio apartamento. Mesmo que ela não estivesse olhando, rolei os olhos, fechando minha porta e indo encarar minha nova colega de quarto.
Ela me aguardava enfurecida, mas não me disse nada.
— Bom, seu quarto fica ali. – Apontei. – E não tem um banheiro no quarto, mas pode usar esse do corredor. Como eu tenho um banheiro no meu, não irei usar esse.
— Certo.
— Pode fazer suas refeições na cozinha e usar minha TV quando eu não estiver.
— Obrigada. Algo mais?
— Se for trazer homens para o apartamento você precisa me avisar antes.
me olhou ofendida.
— Certo.
Ainda arrastando suas coisas, dirigiu-se em direção ao seu novo quarto. Pelo o resto do sábado só escutei ela resmungando coisas no telefone, para uma pessoa chamada Savannah, e arrumando o seu closet. Saiu do quarto apenas uma vez, quatro horas depois que chegou, para buscar uma sacola de comida chinesa que havia pedido.
Conforme as semanas se arrastavam, notei que não via no apartamento. Era como se ela nem morasse lá. Quando eu acordava para ir para a aula de piano ela já tinha saído e quando eu chegava do trabalho o cheiro de sabonete e os temperos no banheiro e na cozinha denunciavam que ela já tinha comido e tomado banho e não iria sair de seu quarto. A única coisa que me lembrava que ainda morava ali eram as pequenas coisas que apareciam no ambiente: uma planta nova na sacada, panos de prato que eu não tinha antes, talheres de alumínio. Reparei que ela jogou todos os meus talheres descartáveis fora.
Em uma quinta-feira à noite saí do meu quarto e ouvi ela usando um tom de voz mais formal, então suspeitei que era um de seus pais. Fui em direção a cozinha ver o que tinha na geladeira e achei um pote com uma nota. Fiz macarronada para mim e não aguentei comer tudo. Pode comer, se quiser. Senti uma espécie de gratidão que me deixou constrangido, mas não comi o que ela tinha preparado. Devolvi o pote na geladeira e pedi uma pizza.
Meu pai encarou meu notebook por cinco segundos antes de devolver seu olhar na minha direção, desconfiado. Eu tinha passado os últimos três meses tentando convencer o homem de quem sim, eu poderia sobreviver em Nova York e não, eu não queria ir para faculdade de direito como ele e não, não me sentia culpada.
— Então. – Começou, com um pesado suspiro. – Seu plano é que eu faça um teste com você.
Controlei meu corpo para que não desse um pulinho na cadeira onde estava.
— Exato. – Respondi. – Eu vou para Nova York, sem depender de você. E tenho três meses para me preparar para conseguir minha admissão em Juilliard.
— Se você não conseguir, vai estudar o curso que eu desejar, na instituição que eu escolher e tudo sem reclamar? – Continuou meu pai.
— Sim. Mas se eu conseguir, estudarei na Juilliard e o senhor irá custear toda a minha mensalidade, apostilas, materiais e moradia. E assistirá a todos os meus recitais.
Meu pai se encostou na cadeira ao lado da minha, de repente muito interessado na proposta. Ou ele era muito confiante, ou não dava mesmo nenhuma fé em mim e no meu potencial. Pensar nisso me deixou um pouco triste.
— Você venceu, . – Elogiou parecendo bravo, porém eu estava vendo o indício de um sorriso se formando debaixo dos seus grandes bigodes. – Você pode ir.
Levantei-me da cadeira dando um gritinho de animação, seguido de todos os pulinhos que controlei durante a conversa. Meu pai sacudiu a cabeça como se não houvesse salvação para minha alma e fechou meu notebook.
— Eu vou te ajudar esse mês. Vou deixar você usar o seu cartão para alugar um apartamento, mobiliar e comprar comida. Um mês depois irei cancelar esse cartão, então sugiro que encontre um lugar depressa.
Sorri.
— Fechado!
Ele já estava de costas de mim, mas virou-se de novo, com as mãos nos bolsos.
— Ah! E você vai me ligar. Toda quinta-feira à noite. – Finalizou, me fazendo rir de seu pedido tão específico.
Eu não tinha o menor jeito para advogada. Eu era eufórica, tinha a inteligência emocional de uma garota de seis anos e nunca ficava séria quando precisava. Não gostava de ler livros chatos, não gostava de homens que estudavam direito, a faculdade era muito velha e principalmente, eu não gostava de leis – eu respeitava as leis, mas não tinha interesse em estuda-las. Crescer com meu pai, um advogado de renome, foi o suficiente para me afastar desse mundo, no qual eu não me interessava.
Minha mãe era dançarina, uma muito boa. Descobri que chegou a protagonizar um filme uma vez, e me lembro de falar disso para meus colegas de sala durante toda minha infância. Ela gostava de dançar pela casa, mas dançava melhor quando achava que não tinha ninguém olhando, mal sabendo que eu estava ali, admirando a melhor dançarina que conhecia.
Ás vezes ela me falava sobre a Juilliard. Contava sobre seus dias de estudante, os professores que menos gostava e seu cantinho preferido. Não gostava do dormitório e sua colega de quarto era uma chata, mas pelo menos foi no dormitório que ela conheceu o papai. Ficávamos rindo e cheias de segredinhos quando meu pai passava pelo quarto bem quando ela estava contando a história. Ela me dizia que era segredo, mas depois eu ia direto até meu pai pedir a sua versão da história.
Mesmo com a Juilliard, minha mãe não prosseguiu com a profissão depois que eu nasci, mas se tornou professora infantil. Ensinou-me todos os meus primeiros passos de dança, e até mesmo meu pai ia em meus concertos mais ou menos até meu nono ano de vida.
Depois que mamãe morreu, ele nunca mais quis me ver dançar. Lidamos com isso de uma forma muito diferente, eu acho. Dançar me aproximava dela, me fazia sentir mais leve, mais feliz. Mas para o meu pai deveria ser uma memória dolorosa de tudo que ele não podia ter: ver minha mãe dançando pela casa de novo.
Peguei o notebook e digitei na barra de pesquisa, procurando por anúncios de aluguéis baratos. Eu não era burra e meu pai não ofereceria seu cartão se não tivesse uma pegadinha envolvida. Ele estava mesmo achando que eu iria alugar um apartamento incrível por dois mil por mês que eu não conseguiria manter e falhasse. Eu sou mais esperta, papai.
A maioria dos imóveis que eu olhava estava cobrando muito caro por um espaço muito pequeno, até que um me chamou atenção.
Custava apenas quinhentos dólares por mês, o que achei bem suspeito. O apartamento parecia pequeno, mas era bem cuidado. O quarto com certeza era minúsculo, mas o colchão ainda estava dentro do saco, pelo menos era novo. Tinha uma cortina cinza paredes brancas e algumas prateleiras do outro lado. O closet era relativamente bom, mas mesmo que o lugar não fosse espetacular, ainda assim tinha achado quinhentos dólares muito barato. E então descobri o motivo.
Procura-se pessoa responsável e jovem que não faça perguntas e nem se incomode com barulho. A pessoa irá compartilhar o apartamento comigo, mas terá quarto e banheiro individuais. A cozinha poderá ser usada para preparar refeições, e enquanto eu não estiver, a sala de TV será de uso livre. Costumo estar no apartamento apenas para dormir e aos finais de semana.
Não aceito animais, crianças ou casais. Favor não insistir. Em caso de interesse, favor consultar . Meu telefone está na última imagem.
Eu poderia dividir um apartamento com um cara?
Meu pai jamais iria permitir, mas ele não precisava saber. A localização do prédio era muito boa, e tinha uma estação de metrô a menos de uma quadra. A vaga tinha sido publicada há mais de duas semanas e eu não tinha como saber se ele já tinha conseguido alguém ou não, por isso decidi deixar nas mãos do destino.
Peguei meu celular, já digitando uma mensagem.
Oi, meu nome é .
Gostaria de saber se a vaga está disponível.
Demorou pelo menos cinco minutos para eu receber a resposta.
Ainda não.
Gostaria de vir visitar?
Não precisa.
Eu vou ficar com o quarto.
Eu sabia que precisava ter certeza se não era um maníaco, mas estava muito ansiosa e com medo do meu pai mudar de ideia.
Preciso de um adiantamento de duzentos
Mais o valor do aluguel
Para se mudar de imediato
Seria então setecentos dólares?
Exato. Apenas no primeiro mês.
Posso pagar três meses adiantados?
Mil e setecentos dólares.
Combinado.
IAN
Eu percebi quem era a garota assim que o grande sedã preto estacionou em frente ao prédio. Qual outra garota, a não ser a que topa entregar quase dois mil dólares em dinheiro a um completo desconhecido, chegaria aqui com um chofer?
— E não se esqueça, Archie, se papai perguntar...
— Te deixei em frente a um lindo prédio com um jardim florido e uma fonte de aparência cara. – Completou o motorista, sério, retirando a quarta mala do porta malas.
Acho que deixei escapar um suspiro, pois os dois olharam para mim.
sorriu, segurando uma das malas de rodinhas.
— Você deve ser o . – Falou, andando em minha direção. – Prazer. Obrigada por me ajudar com a bagagem.
Franzi o cenho.
— Eu não ia ajudar.
e o chofer se entreolharam antes de rirem de mim.
— Tudo bem. – Disse a garota, nem um pouco abalada pela minha má educação.
O motorista estendeu a mim uma pequena bolsa. Abri um pouco e vi o dinheiro, mas deixaria para verificar depois. Olhei para , que parecia lutar com o tanto de coisa que tinha. Ela colocou uma das malas nos ombros, a menor ficou em cima de uma maior de rodinha e a outra de rodinhas foi sendo levada pela outra mão. Se despediu do motorista e me olhou com expectativas.
— Vamos. – Murmurei.
Eu sabia que o elevador estava funcionando e ia bem, mas segui em direção as escadas. Tinha que ser legal com ela, sabia disso também, mas se eu começasse a ser gentil demais ela poderia entender tudo errado, e eu precisaria arrumar outra pessoa. O fato de ela precisar mais de mim do que eu precisava dela não passou despercebido, então talvez tivesse algo ao meu favor.
subia as escadas com dificuldades, mas não reclamou nenhuma vez. Levantava uma mala atrás da outra sem pedir para que eu a ajudasse, mas estava lenta. Quando chegamos ao quinto andar, a garota já estava arfando.
— Só por curiosidade... qual é o andar mesmo? – Questionou.
— Oitavo.
Ela resmungou algo que eu não ouvi.
— Algum problema?
— Não, nada.
E tornou a subir com todas as suas quatro malas aparentemente pesadas. Quando chegamos no oitavo andar, abri a porta do apartamento sem esperar por ela, que ainda lutava com a bagagem, ao mesmo tempo que a porta do elevador se abriu, revelando Carlie e Dana. Olharam minha nova inquilina carregando todas as malas saindo da escada. Dana sorriu com maldade e Carlie lançou um olhar de repreensão para mim.
Merda.
— Porque não usou o elevador, querida? – Perguntou Carlie para a recém-chegada.
se virou para me encarar com um olhar acusatório.
— Tinha elevador? Porque não me disse?
Dei de ombros.
— Você não me perguntou.
Deu para ver, nos olhos dela grudados na bolsinha que eu carregava, que estava cem por cento arrependida de ter concordado se mudar. Mas agora já era tarde, afinal ela tinha me pagado três meses adiantados e eu não iria devolver.
Bufando, arrastou o resto das suas coisas para dentro, sem se despedir das novas vizinhas.
— Seja legal com ela, . – Cochichou Carlie, finalmente entrando em seu próprio apartamento. Mesmo que ela não estivesse olhando, rolei os olhos, fechando minha porta e indo encarar minha nova colega de quarto.
Ela me aguardava enfurecida, mas não me disse nada.
— Bom, seu quarto fica ali. – Apontei. – E não tem um banheiro no quarto, mas pode usar esse do corredor. Como eu tenho um banheiro no meu, não irei usar esse.
— Certo.
— Pode fazer suas refeições na cozinha e usar minha TV quando eu não estiver.
— Obrigada. Algo mais?
— Se for trazer homens para o apartamento você precisa me avisar antes.
me olhou ofendida.
— Certo.
Ainda arrastando suas coisas, dirigiu-se em direção ao seu novo quarto. Pelo o resto do sábado só escutei ela resmungando coisas no telefone, para uma pessoa chamada Savannah, e arrumando o seu closet. Saiu do quarto apenas uma vez, quatro horas depois que chegou, para buscar uma sacola de comida chinesa que havia pedido.
Conforme as semanas se arrastavam, notei que não via no apartamento. Era como se ela nem morasse lá. Quando eu acordava para ir para a aula de piano ela já tinha saído e quando eu chegava do trabalho o cheiro de sabonete e os temperos no banheiro e na cozinha denunciavam que ela já tinha comido e tomado banho e não iria sair de seu quarto. A única coisa que me lembrava que ainda morava ali eram as pequenas coisas que apareciam no ambiente: uma planta nova na sacada, panos de prato que eu não tinha antes, talheres de alumínio. Reparei que ela jogou todos os meus talheres descartáveis fora.
Em uma quinta-feira à noite saí do meu quarto e ouvi ela usando um tom de voz mais formal, então suspeitei que era um de seus pais. Fui em direção a cozinha ver o que tinha na geladeira e achei um pote com uma nota. Fiz macarronada para mim e não aguentei comer tudo. Pode comer, se quiser. Senti uma espécie de gratidão que me deixou constrangido, mas não comi o que ela tinha preparado. Devolvi o pote na geladeira e pedi uma pizza.
Capítulo Dois
STELLA
As aulas de dança já tinham sido pagas com o cartão do meu pai no início do mês, bem como meu aluguel. Só precisava arranjar um emprego de meio período para poder me alimentar e pronto! Por sorte, dois dias depois da minha chegada, passei em frente a um restaurante que estava precisando de uma garçonete para cobrir uma funcionária em licença maternidade. Era perfeito! O salário não era alto, mas o suficiente para eu me alimentar, e ainda sobrava um pouco já que eu não tinha que gastar com nada. O restaurante era pequeno, então me pagavam em dinheiro. Eu guardava minhas economias em um espaço bem reservado no meu closet.
Meu pai parecia bem confiante de que eu iria falhar. Provavelmente ele já tinha visto que eu tinha gastado quase dois mil reais em uma transação, mal sabia ele que tinha pago todo o aluguel com o dinheiro dele. Eu disse que era mais esperta.
— Muito bem, turma, dispensados. – Gritou Sra.Tenner, a professora de jazz.
Alguns, como eu, ficaram cinco minutos depois da dispensa para finalizar uns movimentos ou se alongar antes de ir para o vestiário tomar um banho. Se eu tomasse banho no estúdio, teria apenas meia hora para chegar em casa antes de e como iria correndo ainda teria que tomar banho de novo e não daria tempo. Então depois do alongamento só vesti meu moletom com capuz, peguei minha bolsa e saí sob a fina chuva que caía em Manhattan em direção ao metrô que me deixaria no Brooklin. Aprendi a andar em Nova York de uma maneira bem rápida e agora não dependia do Google Maps debaixo do meu nariz o tempo todo.
Para o meu completo horror, já estava em casa quando cheguei. Tinha passado exatamente dezessete dias sem vê-lo, mas aqui estava ele. Alto, forte e babaca do jeitinho que me lembrava. Ainda não tinha superado que ele tinha feito eu subir oito lances de escada com as minhas quatro malas e não me contou sobre o elevador.
— Oi. – Cumprimentei, passando direto por ele. Peguei meu pijama e voltei para a sala em direção ao banheiro.
— O chuveiro queimou. – Anunciou, antes que eu chegasse ao cômodo.
— Como? Posso usar o seu?
Ele se virou para me encarar pela primeira vez.
— Óbvio que não. – Retrucou. – Você não vai morrer se tomar um banho gelado para variar.
Bufei.
— Meu Deus, , está fazendo dezessete graus. – Comentei, já tensa.
— Não é problema meu.
A essa altura o estúdio já estaria fechado se eu quisesse tomar banho lá. Grunhi, brava, entrando no banheiro mesmo assim. Nota mental para comprar um chuveiro novo amanhã.
não colaborava para tornar nossa convivência mais harmoniosa, mas eu não estava ligando muito. Ia tomar meu banho gelado e mostrar para aquele cretino que eu não era fraca. Eu não devia ter pago adiantado sem conhece-lo antes, e sinto que isso é parte do motivo que vem fazendo ele se afastar de mim de todas as formas.
Depois do banho preparei um sanduíche com algumas coisas que tinha comprado, escovei os dentes e voltei para o meu quarto.
Saí cedo no sábado de manhã para comprar um chuveiro novo. Peguei parte da minha economia escondida no closet e desci pelo elevador até o térreo, seguindo as orientações do Google para o Walmart mais próximo do prédio. Antes que pudesse chegar, porém, meu celular vibrou com uma mensagem de .
Fiquei preso para fora de casa.
Pode abrir para mim?
Dei um sorriso maldoso.
Porra, vem logo,
Está frio
Minha vontade era de mandar aquele imbecil para a puta que pariu, mas eu não era esse tipo de pessoa. Eu poderia ser considerada uma otária por isso, mas não podia deixar na rua até eu voltar.
Bufando, dei meia volta e voltei para o prédio, listando pelo menos cinco favores que ele estaria me devendo até o fim da minha estadia. A lista incluída lavar toda minha louça e minhas calcinhas sujas de menstruação.
Era o que ele merecia, pelo menos.
estava parado do lado de fora do prédio, como havia dito. As vizinhas Carlie e Dana não estavam, ou teriam aberto o portão para ele. Ainda estaria sem a chave, mas pelo menos poderia esperar do lado de dentro.
O rapaz segurava uma pasta preta e fina e uma sacola de papel pardo. Não fiquei muito interessada no conteúdo, e seguimos em direção ao elevador. Quando olhei para o lado, estava sorrindo.
— Lembrando do dia que foi um completo babaca e não me ajudou com a bagagem? – Perguntei, seca.
— Foi a melhor cena que vi em anos. – Confessou. – Eu até ia te ajudar, mas você estava indo tão bem.
Revirei os olhos, saindo rapidamente do elevador para abrir a porta do apartamento que a gente – infelizmente – dividia. Fiz um gesto exagerado convidando ele para entrar e em seguida uma reverência.
— Agora que Vossa Alteza já se acomodou, estou indo para o Walmart. – Falei.
Mas antes que eu pudesse sair, segurou meu ombro.
— É o chuveiro?
Assenti.
— Não precisa. – Ele sacudiu a sacola de papel pardo. – Eu comprei. Vou instalar para você.
O choque não me deixou dizer muita coisa. Fiquei um pouco constrangida com o favor mudo que ele tinha me feito.
— Obrigada, eu acho.
— Eu saí mais cedo para comprar isso, não achei que você também iria. – Justificou. – Por isso deixei a chave aqui.
Ajudei a arrumar o chuveiro, e quando viu que estava funcionando, o rapaz apenas me desejou um bom dia e saiu de novo, levando sua pastinha preta com ele.
era um cara estranho, sem a menor dúvida.
Eu esperei que ele voltasse logo, mas ele não voltou. Me sentindo na obrigação de retribuir o favor, preparei um sanduíche para ele e deixei uma nota na geladeira.
Não restando muito a ser feito, apaguei as luzes do apartamento e me preparei para dormir.
IAN
Faltavam agora sete semanas para a audição e eu já estava começando a ficar nervoso. O sr. Van Gunter, meu professor de piano, estava muito confiante de que eu seria admitido, mesmo que nós dois soubéssemos que eu ainda não estava tocando as últimas notas da peça escolhida com perfeição. Sr. Van Gunter dizia que a emoção, ás vezes, vale mais tempo e nota do que a técnica. E que por muitas vezes, meu jeito de tocar, sem parecer um robô, poderia facilmente ser mais querido do que aqueles que tocavam com maestria. Mas naquele caso era justamente emoção que estava faltando
Eu tocava bem. Eu sabia que sim. Mas não tinha muita confiança naquela música. A melodia era calma, alegre e eletrizante, e a história por trás dessas notas trazia um homem apaixonado.
Minha intuição dizia que eu não tocava bem porque nunca tinha me apaixonado.
Sr. Van Gunter dizia que era falta de prática. Eu queria acreditar nele.
Depois de ensaiar por mais de cinco horas, meu professor me mandou voltar para casa. Tinha ido ensaiar depois do meu expediente na lanchonete, então já eram onze da noite quando resolvi finalmente voltar para o Brooklin. Quando estava chegando próximo ao prédio, passei pela praça quase deserta, mas reconheci . O que ela estaria fazendo ali, no meio da noite, totalmente desprotegida?
Percebi que seus ombros tremiam, e que ela soluçava, desolada. O choro era torturante até para mim, e fiquei sem saber o que fazer. Certamente eu não poderia ignora-la ali, quase meia noite em uma praça escura. Não queria me envolver com os problemas dela, mas não via outra solução.
— ? – Chamei. O choro cessou, e vi que ela estava limpando o rosto com a manga da blusa.
Quando me aproximei o bastante para vê-la, abriu um sorriso, mas a voz embargada com certeza denunciava que ela estava chorando.
— Oi, . Achei que já estava em casa.
Cruzei os braços.
— Eu também achei. – Silêncio. – O que faz aqui?
Ela fez uma careta tentando não chorar de novo.
— Eu caí. – Murmurou, triste, apontando para o pé. Examinei de uma maneira leiga, mas sabia que ela teria que visitar um médico. – Eu caí e não consigo andar.
Duas lágrimas solitárias caíram de seu rosto.
— Está doendo? – Perguntei. – É claro que está doendo, me desculpe. Vem.
Apoiei um de seus braços nos meus ombros a fim de suspender o pé machucado e ela se levantou sem muita dificuldade. Fomos andando devagar até o prédio, sem dizer nada um para o outro.
— Você não vai fazer eu subir de escada, vai? – Provocou. Sorri, ainda sem entender porque eu tinha feito aquilo no primeiro dia dela aqui. não estava mais chorando, mas parecia bem triste.
— Não me dê ideias. – Retruquei, apertando o botão do elevador, que abriu as portas imediatamente.
— Você é cheio de péssimas ideias.
Ajudei a entrar enquanto fingia pensar em uma resposta.
— Acho que faz parte do meu charme.
Apesar de estar toda ferrada, sorriu.
— Ah. Seu charme?
— Sim. – Concordei, me fazendo de ofendido.
— , você é zero charmoso.
— Sou bem charmoso quando quero.
Ela bem ia retrucar, mas chegamos ao oitavo andar. Abri a porta do apartamento e coloquei no sofá.
— Já volto.
Eu não sabia se Carlie estava em casa, mas era melhor tentar. Se ela estivesse, talvez nos poupasse uma viagem ao hospital. Toquei o interfone torcendo para Dana não me ver, e para o meu alívio, foi Carlie que me atendeu.
— . – Murmurou. – É quase meia-noite!
— Eu sei. Desculpe. – Isso chamou atenção de Carlie. Eu nunca me desculpava. – machucou o pé. Pode dar uma olhada?
Os olhos de enfermeira de Carlie se iluminaram, ela nunca perdia a oportunidade de ajudar alguém. Apertou o roupão e assentiu, voltando para pegar sua maleta de primeiros socorros e me acompanhando até onde estava.
— Oi, querida. – Carlie disse em um tom gentil. – me contou que se machucou. Pode me explicar como foi?
confirmou, o semblante péssimo. Estava doendo tanto assim? Talvez ela tivesse quebrado.
— Eu saí muito tarde hoje. – Ela não disse de onde. – Quando saí do metrô estava com medo porque estava tudo escuro, então comecei a correr. Aí tropecei e caí ali na praça.
Carlie afagou o cabelo dela em sinal de consolo. Dava a impressão que ela era muito mais velha que nós quando fazia coisas maternais assim, mas eu acho que Carlie não tinha mais que vinte e cinco anos.
— Vou examinar, está bem?
deixou, e Carlie analisou o ferimento. O pé esquerdo estava bem inchado, e estava roxo, mas isso parecia não incomodar Carlie. Ela fez alguns movimentos para determinar onde especificamente estava doendo. Explicou que ela tinha torcido o pé e logo estaria boa, e então fez um curativo no pé dela, usando um pedaço de madeira para fazer uma tala. Além disso, proibiu de fazer qualquer movimento com os pés. Durante todo o processo voltou a chorar, o que fez Carlie olhar preocupada para ela.
— Está doendo? Eu não posso te receitar nenhum remédio, mas podemos ir com você ao hospital. Ou pode tomar um analgésico.
negou.
— Não é isso. – Explicou. – Quando vou poder voltar a me mexer?
— Se ficar quietinha, em dez ou doze dias seu pé estará bom. No máximo duas semanas.
Eu sabia que era para consolar, e acho que também. Deu para ver que não eram notícias boas, mas de alguma forma ela conseguiu sorrir para minha vizinha.
— Obrigada, Carlie. – Agradeceu.
Carlie sorriu para ela, me passando uma série de orientações para que não precisasse sair da cama. Agradeci também, mas quando voltei para olhar a garota que descansava desolada em frente à TV, não pude deixar de sentir pena.
Não sei dizer como sabia disso, mas eu podia sentir, mais do que qualquer coisa, que aquele olhar triste que lançava para TV queria dizer que tinha fracassado em alguma coisa.
Mas o que poderia ser?
As aulas de dança já tinham sido pagas com o cartão do meu pai no início do mês, bem como meu aluguel. Só precisava arranjar um emprego de meio período para poder me alimentar e pronto! Por sorte, dois dias depois da minha chegada, passei em frente a um restaurante que estava precisando de uma garçonete para cobrir uma funcionária em licença maternidade. Era perfeito! O salário não era alto, mas o suficiente para eu me alimentar, e ainda sobrava um pouco já que eu não tinha que gastar com nada. O restaurante era pequeno, então me pagavam em dinheiro. Eu guardava minhas economias em um espaço bem reservado no meu closet.
Meu pai parecia bem confiante de que eu iria falhar. Provavelmente ele já tinha visto que eu tinha gastado quase dois mil reais em uma transação, mal sabia ele que tinha pago todo o aluguel com o dinheiro dele. Eu disse que era mais esperta.
— Muito bem, turma, dispensados. – Gritou Sra.Tenner, a professora de jazz.
Alguns, como eu, ficaram cinco minutos depois da dispensa para finalizar uns movimentos ou se alongar antes de ir para o vestiário tomar um banho. Se eu tomasse banho no estúdio, teria apenas meia hora para chegar em casa antes de e como iria correndo ainda teria que tomar banho de novo e não daria tempo. Então depois do alongamento só vesti meu moletom com capuz, peguei minha bolsa e saí sob a fina chuva que caía em Manhattan em direção ao metrô que me deixaria no Brooklin. Aprendi a andar em Nova York de uma maneira bem rápida e agora não dependia do Google Maps debaixo do meu nariz o tempo todo.
Para o meu completo horror, já estava em casa quando cheguei. Tinha passado exatamente dezessete dias sem vê-lo, mas aqui estava ele. Alto, forte e babaca do jeitinho que me lembrava. Ainda não tinha superado que ele tinha feito eu subir oito lances de escada com as minhas quatro malas e não me contou sobre o elevador.
— Oi. – Cumprimentei, passando direto por ele. Peguei meu pijama e voltei para a sala em direção ao banheiro.
— O chuveiro queimou. – Anunciou, antes que eu chegasse ao cômodo.
— Como? Posso usar o seu?
Ele se virou para me encarar pela primeira vez.
— Óbvio que não. – Retrucou. – Você não vai morrer se tomar um banho gelado para variar.
Bufei.
— Meu Deus, , está fazendo dezessete graus. – Comentei, já tensa.
— Não é problema meu.
A essa altura o estúdio já estaria fechado se eu quisesse tomar banho lá. Grunhi, brava, entrando no banheiro mesmo assim. Nota mental para comprar um chuveiro novo amanhã.
não colaborava para tornar nossa convivência mais harmoniosa, mas eu não estava ligando muito. Ia tomar meu banho gelado e mostrar para aquele cretino que eu não era fraca. Eu não devia ter pago adiantado sem conhece-lo antes, e sinto que isso é parte do motivo que vem fazendo ele se afastar de mim de todas as formas.
Depois do banho preparei um sanduíche com algumas coisas que tinha comprado, escovei os dentes e voltei para o meu quarto.
Saí cedo no sábado de manhã para comprar um chuveiro novo. Peguei parte da minha economia escondida no closet e desci pelo elevador até o térreo, seguindo as orientações do Google para o Walmart mais próximo do prédio. Antes que pudesse chegar, porém, meu celular vibrou com uma mensagem de .
Fiquei preso para fora de casa.
Pode abrir para mim?
Dei um sorriso maldoso.
Sinto muito, não estou em casa.
Vou demorar um pouco
Tive que vir comprar um chuveiro
Porra, vem logo,
Está frio
Minha vontade era de mandar aquele imbecil para a puta que pariu, mas eu não era esse tipo de pessoa. Eu poderia ser considerada uma otária por isso, mas não podia deixar na rua até eu voltar.
Bufando, dei meia volta e voltei para o prédio, listando pelo menos cinco favores que ele estaria me devendo até o fim da minha estadia. A lista incluída lavar toda minha louça e minhas calcinhas sujas de menstruação.
Era o que ele merecia, pelo menos.
estava parado do lado de fora do prédio, como havia dito. As vizinhas Carlie e Dana não estavam, ou teriam aberto o portão para ele. Ainda estaria sem a chave, mas pelo menos poderia esperar do lado de dentro.
O rapaz segurava uma pasta preta e fina e uma sacola de papel pardo. Não fiquei muito interessada no conteúdo, e seguimos em direção ao elevador. Quando olhei para o lado, estava sorrindo.
— Lembrando do dia que foi um completo babaca e não me ajudou com a bagagem? – Perguntei, seca.
— Foi a melhor cena que vi em anos. – Confessou. – Eu até ia te ajudar, mas você estava indo tão bem.
Revirei os olhos, saindo rapidamente do elevador para abrir a porta do apartamento que a gente – infelizmente – dividia. Fiz um gesto exagerado convidando ele para entrar e em seguida uma reverência.
— Agora que Vossa Alteza já se acomodou, estou indo para o Walmart. – Falei.
Mas antes que eu pudesse sair, segurou meu ombro.
— É o chuveiro?
Assenti.
— Não precisa. – Ele sacudiu a sacola de papel pardo. – Eu comprei. Vou instalar para você.
O choque não me deixou dizer muita coisa. Fiquei um pouco constrangida com o favor mudo que ele tinha me feito.
— Obrigada, eu acho.
— Eu saí mais cedo para comprar isso, não achei que você também iria. – Justificou. – Por isso deixei a chave aqui.
Ajudei a arrumar o chuveiro, e quando viu que estava funcionando, o rapaz apenas me desejou um bom dia e saiu de novo, levando sua pastinha preta com ele.
era um cara estranho, sem a menor dúvida.
Eu esperei que ele voltasse logo, mas ele não voltou. Me sentindo na obrigação de retribuir o favor, preparei um sanduíche para ele e deixei uma nota na geladeira.
Não restando muito a ser feito, apaguei as luzes do apartamento e me preparei para dormir.
IAN
Faltavam agora sete semanas para a audição e eu já estava começando a ficar nervoso. O sr. Van Gunter, meu professor de piano, estava muito confiante de que eu seria admitido, mesmo que nós dois soubéssemos que eu ainda não estava tocando as últimas notas da peça escolhida com perfeição. Sr. Van Gunter dizia que a emoção, ás vezes, vale mais tempo e nota do que a técnica. E que por muitas vezes, meu jeito de tocar, sem parecer um robô, poderia facilmente ser mais querido do que aqueles que tocavam com maestria. Mas naquele caso era justamente emoção que estava faltando
Eu tocava bem. Eu sabia que sim. Mas não tinha muita confiança naquela música. A melodia era calma, alegre e eletrizante, e a história por trás dessas notas trazia um homem apaixonado.
Minha intuição dizia que eu não tocava bem porque nunca tinha me apaixonado.
Sr. Van Gunter dizia que era falta de prática. Eu queria acreditar nele.
Depois de ensaiar por mais de cinco horas, meu professor me mandou voltar para casa. Tinha ido ensaiar depois do meu expediente na lanchonete, então já eram onze da noite quando resolvi finalmente voltar para o Brooklin. Quando estava chegando próximo ao prédio, passei pela praça quase deserta, mas reconheci . O que ela estaria fazendo ali, no meio da noite, totalmente desprotegida?
Percebi que seus ombros tremiam, e que ela soluçava, desolada. O choro era torturante até para mim, e fiquei sem saber o que fazer. Certamente eu não poderia ignora-la ali, quase meia noite em uma praça escura. Não queria me envolver com os problemas dela, mas não via outra solução.
— ? – Chamei. O choro cessou, e vi que ela estava limpando o rosto com a manga da blusa.
Quando me aproximei o bastante para vê-la, abriu um sorriso, mas a voz embargada com certeza denunciava que ela estava chorando.
— Oi, . Achei que já estava em casa.
Cruzei os braços.
— Eu também achei. – Silêncio. – O que faz aqui?
Ela fez uma careta tentando não chorar de novo.
— Eu caí. – Murmurou, triste, apontando para o pé. Examinei de uma maneira leiga, mas sabia que ela teria que visitar um médico. – Eu caí e não consigo andar.
Duas lágrimas solitárias caíram de seu rosto.
— Está doendo? – Perguntei. – É claro que está doendo, me desculpe. Vem.
Apoiei um de seus braços nos meus ombros a fim de suspender o pé machucado e ela se levantou sem muita dificuldade. Fomos andando devagar até o prédio, sem dizer nada um para o outro.
— Você não vai fazer eu subir de escada, vai? – Provocou. Sorri, ainda sem entender porque eu tinha feito aquilo no primeiro dia dela aqui. não estava mais chorando, mas parecia bem triste.
— Não me dê ideias. – Retruquei, apertando o botão do elevador, que abriu as portas imediatamente.
— Você é cheio de péssimas ideias.
Ajudei a entrar enquanto fingia pensar em uma resposta.
— Acho que faz parte do meu charme.
Apesar de estar toda ferrada, sorriu.
— Ah. Seu charme?
— Sim. – Concordei, me fazendo de ofendido.
— , você é zero charmoso.
— Sou bem charmoso quando quero.
Ela bem ia retrucar, mas chegamos ao oitavo andar. Abri a porta do apartamento e coloquei no sofá.
— Já volto.
Eu não sabia se Carlie estava em casa, mas era melhor tentar. Se ela estivesse, talvez nos poupasse uma viagem ao hospital. Toquei o interfone torcendo para Dana não me ver, e para o meu alívio, foi Carlie que me atendeu.
— . – Murmurou. – É quase meia-noite!
— Eu sei. Desculpe. – Isso chamou atenção de Carlie. Eu nunca me desculpava. – machucou o pé. Pode dar uma olhada?
Os olhos de enfermeira de Carlie se iluminaram, ela nunca perdia a oportunidade de ajudar alguém. Apertou o roupão e assentiu, voltando para pegar sua maleta de primeiros socorros e me acompanhando até onde estava.
— Oi, querida. – Carlie disse em um tom gentil. – me contou que se machucou. Pode me explicar como foi?
confirmou, o semblante péssimo. Estava doendo tanto assim? Talvez ela tivesse quebrado.
— Eu saí muito tarde hoje. – Ela não disse de onde. – Quando saí do metrô estava com medo porque estava tudo escuro, então comecei a correr. Aí tropecei e caí ali na praça.
Carlie afagou o cabelo dela em sinal de consolo. Dava a impressão que ela era muito mais velha que nós quando fazia coisas maternais assim, mas eu acho que Carlie não tinha mais que vinte e cinco anos.
— Vou examinar, está bem?
deixou, e Carlie analisou o ferimento. O pé esquerdo estava bem inchado, e estava roxo, mas isso parecia não incomodar Carlie. Ela fez alguns movimentos para determinar onde especificamente estava doendo. Explicou que ela tinha torcido o pé e logo estaria boa, e então fez um curativo no pé dela, usando um pedaço de madeira para fazer uma tala. Além disso, proibiu de fazer qualquer movimento com os pés. Durante todo o processo voltou a chorar, o que fez Carlie olhar preocupada para ela.
— Está doendo? Eu não posso te receitar nenhum remédio, mas podemos ir com você ao hospital. Ou pode tomar um analgésico.
negou.
— Não é isso. – Explicou. – Quando vou poder voltar a me mexer?
— Se ficar quietinha, em dez ou doze dias seu pé estará bom. No máximo duas semanas.
Eu sabia que era para consolar, e acho que também. Deu para ver que não eram notícias boas, mas de alguma forma ela conseguiu sorrir para minha vizinha.
— Obrigada, Carlie. – Agradeceu.
Carlie sorriu para ela, me passando uma série de orientações para que não precisasse sair da cama. Agradeci também, mas quando voltei para olhar a garota que descansava desolada em frente à TV, não pude deixar de sentir pena.
Não sei dizer como sabia disso, mas eu podia sentir, mais do que qualquer coisa, que aquele olhar triste que lançava para TV queria dizer que tinha fracassado em alguma coisa.
Mas o que poderia ser?
Capítulo Três
STELLA
Tinham se passado dez dias desde minha queda. Tive que justificar minha ausência no trabalho e Sra.Tenner me ligou para saber o motivo das faltas. Ela ficou até mais tensa do que eu quando informei sobre o machucado. Durante a ligação frisou diversas vezes que eu precisava ensaiar se quisesse uma chance na melhor e mais seletiva escola de artes cênicas do mundo, mas o mundo parecia não compreender meus planos. Não contei ao meu pai o que tinha acontecido, claro. Ele com certeza me mandaria voltar para casa imediatamente.
Eu sabia que minhas chances de ser admitida não eram mais tão boas, mas eu precisava pelo menos tentar. Eu precisava fazer a prova, era o que eu devia a mim mesma e a minha mãe.
Para minha completa confusão, tinha se mostrado um bom amigo nos dias em que precisei ficar de repouso. Ele levava minha comida para mim quando estava em casa, não reclamava da louça e nem que eu estivesse usando sua TV enquanto ele estava em casa. Às vezes até me fazia companhia na sala de estar. Apesar disso não trocamos muitas palavras a não ser as provocações de sempre.
Aparentemente ele estava de saco cheio de eu ficar lembrando da história do elevador. Então pedi para ele se desculpar de uma vez e tudo seria esquecido. Ele não se desculpou.
Eu estava assistindo o décimo episódio seguido de The Vampire Diaries quando chegou em casa com uma caixa de pizza. Meu estômago resmungou de fome e torci para ele me oferecer pelo menos um pedaço. sorriu para mim jogando sua mochila no tapete e se sentou ao meu lado.
— Pega. – Ofereceu a caixa de pizza.
— Você nem lavou a mão! – Reclamei, vendo ele pegar um pedaço.
deu de ombros.
— Fiz isso minha vida toda e não morri. Toma. – Falou de novo, inclinando a caixa na minha direção.
Revirei os olhos e peguei um pedaço da pizza de mussarela. Eu tinha lavado a mão.
— Ficou o dia todo nisso? – Questionou, apontando para a TV com a mão livre.
— Óbvio. Se não posso dançar, eu fico assistindo séries adolescentes e engordando.
— Eu posso tirar essa pizza daqui se for um problema...
— Não – Gritei. – Não estou reclamando.
riu, mordendo mais um pedaço.
— Você dança? – Perguntou.
Suspirei.
— Sim. Foi para isso que vim, para dançar. – Olhei para o meu pé enfaixado, sentindo meu ombro murchar. – Não sei se estou boa para Juilliard agora, mas eu preciso tentar.
me olhou com os olhos arregalados.
— Você está aqui para admissão da Juilliard?
— Sim, porque?
— Eu também estou. – Murmurou, parecendo um pouco abalado com a coincidência.
Ficamos em silêncio por um momento.
— Vai tentar o que?
Não consegui imaginar fazendo nenhuma coisa relacionada à arte.
— Piano. – Respondeu, voltando a mastigar.
Não combinava nem um pouco com ele. Piano era um instrumento gentil e elegante e era alto, forte e desajeitado. Tinha mãos muito grandes e não parecia ser delicado para tocar um instrumento assim. Mas então me lembrei da sua inseparável pastinha preta e de umas partituras velhas que encontrei no meu closet.
— Você não tem cara de pianista. – Analisei.
Ele riu.
— E você não tem cara de dançarina.
Peguei mais um pedaço de pizza.
— Agora eu não tenho mesmo. – Retruquei. – Mas dizem que eu sou bem boa.
— Quem diz?
— Bom... eu. – Falei, rindo.
sacudiu a cabeça, achando graça.
— Amor próprio é tudo. – Ele olhou para a TV a tempo de ver Klaus Mickaelson estripando pessoas inocentes. – Quer saber, essa série é uma porcaria. Me passa o controle.
Resmunguei, mas entreguei o controle mesmo assim. Afinal era tudo dele mesmo.
— E o que é isso? – Perguntei, vendo a série que ele tinha colocado na Netflix.
— Essa série é um clássico. – Falou, indignado. – Ah, pobre , você tem muito para aprender.
Ficamos quase três horas assistindo a série que ele tinha colocado, que por sinal era bem boa. Não me importava que meu pé estivesse debilitado ou que fosse bem babaca de vez em quando, mas eu me encontrei em Nova York. Me encontrei no meio daqueles prédios altos, daquelas pessoas apressadas e do mau cheiro nos metrôs. Me encontrei na minha rotina doida e nunca pensei que seria assim se formar no Ensino Médio. Até poucos meses atrás eu jamais iria me permitir viver assim. Meu plano era que meu pai bancasse tudo em um quarto de hotel com serviço de quarto e que minha única preocupação fosse ensaiar meu número.
Acho que foi bom para mim ter decidido viver sem o apoio financeiro dele, e sinto que isso foi parte do motivo que fez papai aceitar essa minha ideia maluca. Se ele soubesse que eu estava morando no Brooklin e dividindo o apartamento com um garoto, eu seria capaz de ser deserdada.
— Achei bonitinho como o tio Phil se torna um pai para o Will. – Comentei, quando e eu decidimos ir dormir.
me deu um meio sorriso, fechando a caixa de pizza agora vazia.
— Minha vida seria tão mais simples se pudesse contar com alguém assim. – Apesar do sorriso, parecia triste.
— Como assim?
Ele suspirou.
— Meu pai quer que eu faça medicina. E eu quero estudar música. Não tenho ninguém para me apoiar e por isso...
— O que?
Ele balançou a cabeça.
— Não, nada. Eu só não queria ser forçado a fazer medicina. – Completou.
Sorri.
— Eu te entendo muito. – Falei. – Fiz um trato com meu pai para estar aqui. Se eu não conseguir ser admitida na Juilliard, vou ter que fazer faculdade de direito. Você consegue me imaginar advogada?
riu.
— Nem um pouco.
Ele me ajudou a levantar e eu fui até meu quarto pulando em um pé só. Antes de entrar, virei para trás, onde ainda estava me olhando.
— Obrigada, .
— Pelo que?
Eu ri.
— A pizza. – Ele pareceu sem graça. – Boa noite.
— Boa noite, .
IAN
Depois de descobrirmos segredos um sobre o outro, nossa convivência mudou bastante. não ficava mais enfurnada no quarto o tempo todo e eu tentei me controlar para não ser maldoso com ela. Faziam três semanas que ela tinha conseguido voltar a ensaiar, e estava se esforçando como nunca. Chegava quase meia noite em casa e eu não deveria me preocupar com isso, mas me preocupava. Pensar nisso sempre me deixava irritado, eu sabia que era uma péssima ideia morar com uma garota.
Mas era a única interessada no apartamento em semanas e eu precisava da grana. Na época não fazia tanta diferença se fosse do sexo masculino ou feminino.
Tínhamos apenas mais duas semanas e meia para praticar e nossos ensaios estavam minando o tempo dos dois. economizou uma boa quantia com o dinheiro que fazia no restaurante, e quando viu que dava para se manter com o que tinha, resolveu se demitir para se dedicar aos ensaios. Eu não tive esse luxo, mas em compensação consegui a antiga vaga dela no restaurante, que pagava mais do que a lanchonete onde eu estava. Aos domingos, nós descansávamos. Geralmente era esse o plano. Gostávamos de assistir TV e as vezes pedíamos comida; a conversa ia e vinha sempre que o silêncio ficava pesado demais. tinha trago mais três vasos de plantas para meu apartamento e não era incomum vê-la conversando com as plantinhas em voz baixa. Além disso ela continuava fazendo comida extra para mim, e quando eu descobri que ela realmente fazia com intenção de me dar e não só porque sobrava, resolvi dar uma chance para os sanduíches dela.
Dava para ver que ela era iniciante na cozinha, mas os sanduíches eram bons.
Era domingo e eu tinha me permitido acordar um pouco mais tarde. era uma pessoa diurna, mas quando saí do meu quarto notei que ela não estava em casa. A porta do seu quarto estava fechada, mas dava para ver uma iluminação natural saindo pelo vão da porta, o que só podia significar que ela já tinha se levantado.
Quando fui até a cozinha, me deparei com um sanduíche pronto e uma nota Estou ansiosa demais para ficar em casa, estou dando uma volta. Comi o sanduíche e decidi ir atrás dela, também estava ansioso demais para ficar em casa.
Encontrei ela pouco depois, sentada na mesma praça onde tinha caído daquela vez, sentada em um balanço.
— Ei. – Falei, anunciando minha presença.
sorriu, me apontando o balanço ao lado do dela, onde eu me sentei.
— Duas semanas para as audições. – Murmurou ela.
— Está nervosa? – Perguntei.
Ela deu de ombros.
— A quantidade normal de nervoso, eu acho.
Suspirei, dando um impulso para me balançar devagar.
— É um saco nossos pais quererem que nos tornemos pessoas que não somos. – Resmunguei.
— Sim, é. – Concordou a garota, olhando para o chão. – Mas sabe o que eu acho?
— O que?
— Somos livres, no fim das contas. – Falou. Ela estava tão bonita assim, livre das preocupações e sem o peso constante de ser a filha perfeita. – Podemos ser quem nós quisermos.
— Os adultos não aceitam isso. – Retruquei.
— Eles insistem que sabem o que é o melhor para nós apenas porque vivem a mais tempo. – também está balançando agora, tentando me acompanhar. – A verdade é que apenas nós sabemos o que é bom para nós mesmos.
Usei meu pé para interromper o balanço, e também parou.
— Eu aprendi muita coisa com você. – Confessei. – Nenhum dos meus pais teria me ensinado a cuidar de plantas.
Ela sorriu para mim.
— Também aprendi muito com você. – Concordou, dando um sorriso debochado em seguida. – Mesmo que você tenha feito eu subir oito lances de escada.
— , quando você vai esquecer disso? – Resmunguei, me virando para ela.
— Nunquinha! – Respondeu, irritante e irresistivelmente perto de mim.
— ... – Sussurrei, colocando uma mecha de cabelo dela atrás da orelha. Ela era tão linda com aqueles olhos grandes, ingênuos e infantis. Com o semblante cheio de expectativa e a mente cheia de sonhos. Sua aura gentil e animada foi o suficiente para me deixar mais relaxado desde o primeiro dia dela aqui. Nenhum de nós dois sabíamos como seria nossa relação depois da prova de admissão. Eu não sabia se continuaria ali e provavelmente iria para o dormitório da universidade. Era tão incerto me apaixonar por ela sem mais nem menos, principalmente porque em duas semanas, todas as nossas certezas seriam testadas.
E mesmo sabendo disso, não pude deixar de perceber que ela queria que eu me aproximasse. Ela esperava por isso, e saber que também me queria de alguma forma me fez arrepiar, e eu não achava que fosse de frio.
Antes de me aproximar mais ainda dela, cometi o erro de olhar para o outro lado dela. O lado onde reconheci a careca de William, o guarda costas do meu pai.
— Merda. – Disse baixinho, encarando William e esperando que ele não me visse. – Merda!
Se William me visse eu teria que fugir de novo e eu não podia deixar , não com meu sentimento recém descoberto com ela. Não sem saber se ela também tinha sentimentos por mim. Não sem saber o que teria acontecido se eu não tivesse olhado para trás.
parecia visivelmente constrangida, porque se afastou de mim rapidamente, olhando distraidamente para os próprios pés.
— . – Chamei. – Olha para mim.
Ela olhou, os olhos redondos muito assustados.
— O que?
— Você confia em mim? – Perguntei.
— Confio? – Mais pareceu uma pergunta, mas a gente não tinha tempo para aquilo.
— Precisamos voltar para casa. Agora. – Falei, olhando para onde William estava. Ele ainda não tinha me visto. Os olhos de focaram para onde eu olhava, mirando William.
— Ele está armado? – Perguntou, a voz afinando de pavor.
Peguei o cotovelo dela, fazendo com que se levantasse.
– Vamos. – Pedi.
Ainda estava confusa e magoada, e mesmo me encarando brava me seguiu.
— Quem é você? – Perguntou. – Quem é aquele cara? Quem é você?
— , fica quieta. – Implorei. – Eu vou contar tudo, mas vamos para casa, está bem?
— Como vou saber se não vai fazer nada comigo?
Revirei os olhos, ainda arrastando , que não parecia muito confiar em mim.
— Moramos juntos há quase três meses, caramba. – Rosnei. – Me ajuda!
Alguma coisa no meu tom de voz fez com que ela me desse o benefício da dúvida. Me seguiu até o prédio e percebi que William não estava na nossa cola. permaneceu ao meu lado e não falou comigo até que chegássemos no apartamento.
— Desembucha. – Pediu, fechando a porta e cruzando os braços.
— O que?
— Vamos, ! – Acelerou, batendo palmas. – Se é que esse é seu nome mesmo.
Revirei os olhos.
— Esse é meu nome.
— Quem é você? Fugitivo da máfia? Porque aquele cara armado está te seguindo? Eu estou em perigo agora? Estou? – Quis saber, avançando em minha direção.
— Calma, ! – Pedi, erguendo os braços como quem se rende. – Eu não sou um criminoso e você não está em perigo, está bem?
— Então porque estão te seguindo?
Soltei um pesado suspiro, me sentando no sofá.
— Eu fugi de casa, ok? – Confessei. – Há cinco meses atrás eu fugi de casa e tenho me mantido escondido aqui desde então.
— E da onde você é?
— Califórnia. São Francisco.
pareceu se acalmar, se sentando também.
— Você está bem longe de casa.
— É, mas agora me acharam. E eu ainda não fiz a prova.
segurou minha mão.
— Vai dar tudo certo. – Prometeu. Eu vou te ajudar.
Sorri para ela, sem saber se o momento pedia um beijo ou não. No fim das contas decidi que não mesmo, e apenas ligamos a TV para assistir filmes, como fazíamos todo domingo.
Eu não sabia se estava começando a sentir algo por mim, mas pelo menos sabia que nela eu finalmente tinha encontrado alguém com quem pudesse contar.
Tinham se passado dez dias desde minha queda. Tive que justificar minha ausência no trabalho e Sra.Tenner me ligou para saber o motivo das faltas. Ela ficou até mais tensa do que eu quando informei sobre o machucado. Durante a ligação frisou diversas vezes que eu precisava ensaiar se quisesse uma chance na melhor e mais seletiva escola de artes cênicas do mundo, mas o mundo parecia não compreender meus planos. Não contei ao meu pai o que tinha acontecido, claro. Ele com certeza me mandaria voltar para casa imediatamente.
Eu sabia que minhas chances de ser admitida não eram mais tão boas, mas eu precisava pelo menos tentar. Eu precisava fazer a prova, era o que eu devia a mim mesma e a minha mãe.
Para minha completa confusão, tinha se mostrado um bom amigo nos dias em que precisei ficar de repouso. Ele levava minha comida para mim quando estava em casa, não reclamava da louça e nem que eu estivesse usando sua TV enquanto ele estava em casa. Às vezes até me fazia companhia na sala de estar. Apesar disso não trocamos muitas palavras a não ser as provocações de sempre.
Aparentemente ele estava de saco cheio de eu ficar lembrando da história do elevador. Então pedi para ele se desculpar de uma vez e tudo seria esquecido. Ele não se desculpou.
Eu estava assistindo o décimo episódio seguido de The Vampire Diaries quando chegou em casa com uma caixa de pizza. Meu estômago resmungou de fome e torci para ele me oferecer pelo menos um pedaço. sorriu para mim jogando sua mochila no tapete e se sentou ao meu lado.
— Pega. – Ofereceu a caixa de pizza.
— Você nem lavou a mão! – Reclamei, vendo ele pegar um pedaço.
deu de ombros.
— Fiz isso minha vida toda e não morri. Toma. – Falou de novo, inclinando a caixa na minha direção.
Revirei os olhos e peguei um pedaço da pizza de mussarela. Eu tinha lavado a mão.
— Ficou o dia todo nisso? – Questionou, apontando para a TV com a mão livre.
— Óbvio. Se não posso dançar, eu fico assistindo séries adolescentes e engordando.
— Eu posso tirar essa pizza daqui se for um problema...
— Não – Gritei. – Não estou reclamando.
riu, mordendo mais um pedaço.
— Você dança? – Perguntou.
Suspirei.
— Sim. Foi para isso que vim, para dançar. – Olhei para o meu pé enfaixado, sentindo meu ombro murchar. – Não sei se estou boa para Juilliard agora, mas eu preciso tentar.
me olhou com os olhos arregalados.
— Você está aqui para admissão da Juilliard?
— Sim, porque?
— Eu também estou. – Murmurou, parecendo um pouco abalado com a coincidência.
Ficamos em silêncio por um momento.
— Vai tentar o que?
Não consegui imaginar fazendo nenhuma coisa relacionada à arte.
— Piano. – Respondeu, voltando a mastigar.
Não combinava nem um pouco com ele. Piano era um instrumento gentil e elegante e era alto, forte e desajeitado. Tinha mãos muito grandes e não parecia ser delicado para tocar um instrumento assim. Mas então me lembrei da sua inseparável pastinha preta e de umas partituras velhas que encontrei no meu closet.
— Você não tem cara de pianista. – Analisei.
Ele riu.
— E você não tem cara de dançarina.
Peguei mais um pedaço de pizza.
— Agora eu não tenho mesmo. – Retruquei. – Mas dizem que eu sou bem boa.
— Quem diz?
— Bom... eu. – Falei, rindo.
sacudiu a cabeça, achando graça.
— Amor próprio é tudo. – Ele olhou para a TV a tempo de ver Klaus Mickaelson estripando pessoas inocentes. – Quer saber, essa série é uma porcaria. Me passa o controle.
Resmunguei, mas entreguei o controle mesmo assim. Afinal era tudo dele mesmo.
— E o que é isso? – Perguntei, vendo a série que ele tinha colocado na Netflix.
— Essa série é um clássico. – Falou, indignado. – Ah, pobre , você tem muito para aprender.
Ficamos quase três horas assistindo a série que ele tinha colocado, que por sinal era bem boa. Não me importava que meu pé estivesse debilitado ou que fosse bem babaca de vez em quando, mas eu me encontrei em Nova York. Me encontrei no meio daqueles prédios altos, daquelas pessoas apressadas e do mau cheiro nos metrôs. Me encontrei na minha rotina doida e nunca pensei que seria assim se formar no Ensino Médio. Até poucos meses atrás eu jamais iria me permitir viver assim. Meu plano era que meu pai bancasse tudo em um quarto de hotel com serviço de quarto e que minha única preocupação fosse ensaiar meu número.
Acho que foi bom para mim ter decidido viver sem o apoio financeiro dele, e sinto que isso foi parte do motivo que fez papai aceitar essa minha ideia maluca. Se ele soubesse que eu estava morando no Brooklin e dividindo o apartamento com um garoto, eu seria capaz de ser deserdada.
— Achei bonitinho como o tio Phil se torna um pai para o Will. – Comentei, quando e eu decidimos ir dormir.
me deu um meio sorriso, fechando a caixa de pizza agora vazia.
— Minha vida seria tão mais simples se pudesse contar com alguém assim. – Apesar do sorriso, parecia triste.
— Como assim?
Ele suspirou.
— Meu pai quer que eu faça medicina. E eu quero estudar música. Não tenho ninguém para me apoiar e por isso...
— O que?
Ele balançou a cabeça.
— Não, nada. Eu só não queria ser forçado a fazer medicina. – Completou.
Sorri.
— Eu te entendo muito. – Falei. – Fiz um trato com meu pai para estar aqui. Se eu não conseguir ser admitida na Juilliard, vou ter que fazer faculdade de direito. Você consegue me imaginar advogada?
riu.
— Nem um pouco.
Ele me ajudou a levantar e eu fui até meu quarto pulando em um pé só. Antes de entrar, virei para trás, onde ainda estava me olhando.
— Obrigada, .
— Pelo que?
Eu ri.
— A pizza. – Ele pareceu sem graça. – Boa noite.
— Boa noite, .
IAN
Depois de descobrirmos segredos um sobre o outro, nossa convivência mudou bastante. não ficava mais enfurnada no quarto o tempo todo e eu tentei me controlar para não ser maldoso com ela. Faziam três semanas que ela tinha conseguido voltar a ensaiar, e estava se esforçando como nunca. Chegava quase meia noite em casa e eu não deveria me preocupar com isso, mas me preocupava. Pensar nisso sempre me deixava irritado, eu sabia que era uma péssima ideia morar com uma garota.
Mas era a única interessada no apartamento em semanas e eu precisava da grana. Na época não fazia tanta diferença se fosse do sexo masculino ou feminino.
Tínhamos apenas mais duas semanas e meia para praticar e nossos ensaios estavam minando o tempo dos dois. economizou uma boa quantia com o dinheiro que fazia no restaurante, e quando viu que dava para se manter com o que tinha, resolveu se demitir para se dedicar aos ensaios. Eu não tive esse luxo, mas em compensação consegui a antiga vaga dela no restaurante, que pagava mais do que a lanchonete onde eu estava. Aos domingos, nós descansávamos. Geralmente era esse o plano. Gostávamos de assistir TV e as vezes pedíamos comida; a conversa ia e vinha sempre que o silêncio ficava pesado demais. tinha trago mais três vasos de plantas para meu apartamento e não era incomum vê-la conversando com as plantinhas em voz baixa. Além disso ela continuava fazendo comida extra para mim, e quando eu descobri que ela realmente fazia com intenção de me dar e não só porque sobrava, resolvi dar uma chance para os sanduíches dela.
Dava para ver que ela era iniciante na cozinha, mas os sanduíches eram bons.
Era domingo e eu tinha me permitido acordar um pouco mais tarde. era uma pessoa diurna, mas quando saí do meu quarto notei que ela não estava em casa. A porta do seu quarto estava fechada, mas dava para ver uma iluminação natural saindo pelo vão da porta, o que só podia significar que ela já tinha se levantado.
Quando fui até a cozinha, me deparei com um sanduíche pronto e uma nota Estou ansiosa demais para ficar em casa, estou dando uma volta. Comi o sanduíche e decidi ir atrás dela, também estava ansioso demais para ficar em casa.
Encontrei ela pouco depois, sentada na mesma praça onde tinha caído daquela vez, sentada em um balanço.
— Ei. – Falei, anunciando minha presença.
sorriu, me apontando o balanço ao lado do dela, onde eu me sentei.
— Duas semanas para as audições. – Murmurou ela.
— Está nervosa? – Perguntei.
Ela deu de ombros.
— A quantidade normal de nervoso, eu acho.
Suspirei, dando um impulso para me balançar devagar.
— É um saco nossos pais quererem que nos tornemos pessoas que não somos. – Resmunguei.
— Sim, é. – Concordou a garota, olhando para o chão. – Mas sabe o que eu acho?
— O que?
— Somos livres, no fim das contas. – Falou. Ela estava tão bonita assim, livre das preocupações e sem o peso constante de ser a filha perfeita. – Podemos ser quem nós quisermos.
— Os adultos não aceitam isso. – Retruquei.
— Eles insistem que sabem o que é o melhor para nós apenas porque vivem a mais tempo. – também está balançando agora, tentando me acompanhar. – A verdade é que apenas nós sabemos o que é bom para nós mesmos.
Usei meu pé para interromper o balanço, e também parou.
— Eu aprendi muita coisa com você. – Confessei. – Nenhum dos meus pais teria me ensinado a cuidar de plantas.
Ela sorriu para mim.
— Também aprendi muito com você. – Concordou, dando um sorriso debochado em seguida. – Mesmo que você tenha feito eu subir oito lances de escada.
— , quando você vai esquecer disso? – Resmunguei, me virando para ela.
— Nunquinha! – Respondeu, irritante e irresistivelmente perto de mim.
— ... – Sussurrei, colocando uma mecha de cabelo dela atrás da orelha. Ela era tão linda com aqueles olhos grandes, ingênuos e infantis. Com o semblante cheio de expectativa e a mente cheia de sonhos. Sua aura gentil e animada foi o suficiente para me deixar mais relaxado desde o primeiro dia dela aqui. Nenhum de nós dois sabíamos como seria nossa relação depois da prova de admissão. Eu não sabia se continuaria ali e provavelmente iria para o dormitório da universidade. Era tão incerto me apaixonar por ela sem mais nem menos, principalmente porque em duas semanas, todas as nossas certezas seriam testadas.
E mesmo sabendo disso, não pude deixar de perceber que ela queria que eu me aproximasse. Ela esperava por isso, e saber que também me queria de alguma forma me fez arrepiar, e eu não achava que fosse de frio.
Antes de me aproximar mais ainda dela, cometi o erro de olhar para o outro lado dela. O lado onde reconheci a careca de William, o guarda costas do meu pai.
— Merda. – Disse baixinho, encarando William e esperando que ele não me visse. – Merda!
Se William me visse eu teria que fugir de novo e eu não podia deixar , não com meu sentimento recém descoberto com ela. Não sem saber se ela também tinha sentimentos por mim. Não sem saber o que teria acontecido se eu não tivesse olhado para trás.
parecia visivelmente constrangida, porque se afastou de mim rapidamente, olhando distraidamente para os próprios pés.
— . – Chamei. – Olha para mim.
Ela olhou, os olhos redondos muito assustados.
— O que?
— Você confia em mim? – Perguntei.
— Confio? – Mais pareceu uma pergunta, mas a gente não tinha tempo para aquilo.
— Precisamos voltar para casa. Agora. – Falei, olhando para onde William estava. Ele ainda não tinha me visto. Os olhos de focaram para onde eu olhava, mirando William.
— Ele está armado? – Perguntou, a voz afinando de pavor.
Peguei o cotovelo dela, fazendo com que se levantasse.
– Vamos. – Pedi.
Ainda estava confusa e magoada, e mesmo me encarando brava me seguiu.
— Quem é você? – Perguntou. – Quem é aquele cara? Quem é você?
— , fica quieta. – Implorei. – Eu vou contar tudo, mas vamos para casa, está bem?
— Como vou saber se não vai fazer nada comigo?
Revirei os olhos, ainda arrastando , que não parecia muito confiar em mim.
— Moramos juntos há quase três meses, caramba. – Rosnei. – Me ajuda!
Alguma coisa no meu tom de voz fez com que ela me desse o benefício da dúvida. Me seguiu até o prédio e percebi que William não estava na nossa cola. permaneceu ao meu lado e não falou comigo até que chegássemos no apartamento.
— Desembucha. – Pediu, fechando a porta e cruzando os braços.
— O que?
— Vamos, ! – Acelerou, batendo palmas. – Se é que esse é seu nome mesmo.
Revirei os olhos.
— Esse é meu nome.
— Quem é você? Fugitivo da máfia? Porque aquele cara armado está te seguindo? Eu estou em perigo agora? Estou? – Quis saber, avançando em minha direção.
— Calma, ! – Pedi, erguendo os braços como quem se rende. – Eu não sou um criminoso e você não está em perigo, está bem?
— Então porque estão te seguindo?
Soltei um pesado suspiro, me sentando no sofá.
— Eu fugi de casa, ok? – Confessei. – Há cinco meses atrás eu fugi de casa e tenho me mantido escondido aqui desde então.
— E da onde você é?
— Califórnia. São Francisco.
pareceu se acalmar, se sentando também.
— Você está bem longe de casa.
— É, mas agora me acharam. E eu ainda não fiz a prova.
segurou minha mão.
— Vai dar tudo certo. – Prometeu. Eu vou te ajudar.
Sorri para ela, sem saber se o momento pedia um beijo ou não. No fim das contas decidi que não mesmo, e apenas ligamos a TV para assistir filmes, como fazíamos todo domingo.
Eu não sabia se estava começando a sentir algo por mim, mas pelo menos sabia que nela eu finalmente tinha encontrado alguém com quem pudesse contar.
Capítulo Quatro
STELLA
Tinha apenas mais dois dias para ensaiar e estava pirando. Cada hora que passava era uma hora a menos para praticar. Meu pé ainda não estava cem por cento, mas permitia que eu fizesse os movimentos necessários para minha performance. Comecei a ficar no estúdio até o máximo de tempo que eu podia, e para nos proteger, me esperava no metrô para que pudéssemos voltar juntos. Não vimos William pelas redondezas, mas ainda tomávamos cuidado, por precaução.
O clima que tinha acontecido na praça não voltou a acontecer. Acho que estávamos preocupados e exaustos demais para pensarmos nisso; pelo menos eu estava. parecia estar com tendinite nas mãos, para o seu desespero, mas conseguimos que Carlie nos ajudasse e agora ele precisava fazer exercícios todos os dias para não sobrecarregar seus dedos, ou então não iria conseguir fazer sua audição de admissão.
Os ensaios tinham terminado na semana anterior e a professora havia deixado o estúdio aberto a semana toda para irmos ensaiar. Ela não falou muito sobre meu pé, mas eu tinha uma sensação horrível de que todos os inscritos naquela sala eram melhores do que eu. Hoje havia ido ensaiar pela última vez antes das audições. Eu queria estar descansada no sábado, e para isso iria tirar a sexta para descansar. Não estava muito confiante desse plano, mas se eu estivesse muito exausta teria mais chances de falhar. Meu pai disse que viria assistir minha apresentação, e eu fiquei tão animada com a surpresa que decidi que daria o melhor de mim mais ainda.
chegou em casa com uma garrafa de vodka.
— Você é maluco? – Questionei sua sanidade. – Sabe que daqui dois dias será o dia mais importante de nossas vidas?
revirou os olhos, me dando uma risadinha debochada.
— Precisamos comemorar. – Explicou. – Podemos brincar de verdade ou desafio.
Dei risada.
— Ok, eu não terminei o ensino médio para isso. Cresce, .
Ele se sentou do meu lado no sofá, esticando a garrafa para mim.
— Você sabe que você quer... – Falou cantando.
Fingindo estar brava, arranquei a garrafa da mão dele, sentindo o líquido arder conforme chegava ao meu estômago vazio.
— Pronto. – Falei, devolvendo. – Já estou tonta.
E estava mesmo. achou que eu estava brincando, então ficou me desafiando para beber com ele. Começou de um jeito bem idiota.
— Se você acha que vai ser aceita na Juilliard, te desafio a beber um gole.
Bufei, dando mais um gole.
— Se você acha que sua mão vai doer muito na hora da apresentação, te desafio a beber um gole. – Eu devia ser banida do planeta como a pior bebedeira da história. Eu nem sabia mais o que estava falando.
riu.
— Eu não vou beber. – Falou. – Você claramente não entendeu a brincadeira. Mas eu te desafio a beber se... acha que seu pai está vindo só para ver se você conseguiu mesmo.
Outch. Eu não tinha pensado que meu pai queria vir me ver apenas para testemunhar meu fracasso. Ou seria a vodka me dizendo coisas? Quem sabe? Em todo caso, quando me perguntou fez sentido. Por isso eu bebi de novo.
— Você vai beber se me acha a maior gata. – Falei, sem nenhum filtro. Comecei a ter um ataque de risadinhas, fazendo ficar corado.
— Eu só vou beber porque não quero ficar sóbrio. Não porque eu concordo.
Dei um tapa fraquinho no braço dele.
— Eu não estou bêbada. – Expliquei. Não estava mesmo, estava apenas sem meu filtro de bom senso. – Se você beber é porque concorda.
Ele bebeu e eu bati palminhas, comemorando.
— Então tá bom. Você vai beber se me acha o maior gostoso. – Ditou ele, erguendo as sobrancelhas.
— .
— O que?
— Esse jogo está ficando perigoso.
Ele sorriu, malicioso.
— E o que tem?
— Eu te acho o maior gostoso. – Confessei, bebendo um gole da garrafa.
Ele comemorou de um jeito bem hétero que me fez sentir vergonha alheia.
— Ok, pode pegar pesado. – Pediu, já segurando a garrafa.
— Eu vou pegar pesado.
— Pergunte, então.
— Você vai beber se quiser que eu tire a minha blusa.
Antes que eu sequer terminasse a frase, deu dois longos goles, seguido de uma careta.
— Valeu totalmente a pena. – Afirmou, esperando.
Bufei, puxando minha blusa para cima.
— Vai, manda mais. – Pedi, me inclinando para frente.
— Você vai beber se quiser que eu tire a camiseta. – Falou.
Imitei , bebendo como se fosse água, e ri.
— Vamos, !
Ele puxou a blusa devagar, eu tinha certeza que era para me provocar. Me inclinei mais, puxando a camiseta para cima de uma vez. me olhou assustado.
— Que apressada. – Observou.
não tinha um corpo musculoso, o que era compreensível para sua idade. Mas tinha braços bem torneados, acredito que por causa do piano, e ombros bem largos. Apesar de morarmos no mesmo apartamento, eu nunca tinha visto sem camisa porque ele tinha um banheiro no quarto dele e nunca saia dele sem camisa.
— Posso pegar mais pesado? – Sussurrei.
me olhou desconfiado.
— Você pode fazer o que quiser.
Sorri, deixando a garrafa na mão dele.
— Você precisa beber se... quiser me beijar.
não bebeu, mas se aproximou de mim. Ele chegou muito perto, e seu hálito de vodka só me deixou com mais vontade dele. Era errado porque a gente morava junto e mal nos conhecíamos, mas eu precisava admitir que pensava em dessa forma há semanas, e estaria mentindo se dissesse que não queria ver onde isso ia dar.
— ? – Chamei, apontando para a garrafa. Por um momento fiquei apreensiva de ter entendido tudo errado e ter criado um clima estranho entre nós. colocou a garrafa no chão, se aproximando até ficar quase em cima de mim.
— Eu não preciso de bebida para admitir que quero beijar você. – Sussurrou, por fim.
E então ele me beijou, vorazmente, e como eu parecia esperar com isso há muito tempo. Deu um jeito de me deitar no sofá, me colocando entre suas pernas, sem parar de me beijar em nenhum momento.
— A gente ainda está jogando? – Sussurrei.
— Shhh. – respondeu, usando sua boca para calar a minha.
Cruzei minhas pernas nas suas costas, deixando que ele passeasse com sua boca pelo meu pescoço e descesse até meu colo. Meu sutiã de repente ficou apertado demais, e buscando minha permissão com o olhar, soltou a peça que separava meu seio do abdome dele. Deixei que ele me beijasse, puxando seus cabelos como aprovação. foi descendo seus beijos pela minha barriga, finalmente chegando ao cós da minha calça.
— Quão bêbada você está? – Quis saber, os olhos suplicantes e cheio de desejos.
— Não tão bêbada para não saber o que estou fazendo agora e bêbada o bastante para lidar com o que acontecer depois.
sorriu, me levantando do sofá.
— É o suficiente.
Então me puxou para o colo dele, onde finalmente me levou até seu quarto.
Acordei melhor do que achei que estaria. Sem ressaca forte e sem arrependimentos, o que era a melhor parte.
— Bom dia. – Disse quando viu que eu estava acordada.
Sorri.
— Bom dia.
— Dormiu bem? – Provocou, malicioso.
Suspirei, sonhadora.
— ... se você tocar piano tão bem quanto você fode, sua vaga está garantida.
deu risada, me puxando para um abraço.
— Vou buscar nosso café da manhã. – Avisou, colocando uma camiseta. – Volto já.
Ele me deu um selinho e saiu, me deixando de lençol na cama dele.
Me joguei na cama, suspirando de novo. A noite anterior tinha sido tão surreal que me negava a acreditar que tinha acontecido. Passei as mãos pelo meu corpo, me lembrando de todas as partes que tinha tocado, com tanto desejo, tanta devoção. Seus olhos extremamente profundos me queriam, suas mãos me desejavam tanto. Era inebriante.
estava demorando muito, mas permaneci como estava. Tinha essa fantasia cinematográfica de receber café na cama, enrolada nua em um lençol. Enquanto pensava na noite passada, ouvi meu celular tocando do outro lado do apartamento, no meu quarto. Fui correndo até ele, enrolada no lençol e tudo. Era meu pai.
— ? – Chamou. - Estou aqui embaixo, pode abrir para mim?
— Pai! – Ai meu, Deus! Meu pai está aqui e eu estou nua e iria voltar a qualquer momento! Eu estava tão morta. – Claro, um momento.
Larguei o telefone no viva voz, colocando a primeira roupa que eu vi na frente.
— ?
— Estou abrindo! – Tentei enrolar. – Vê se foi.
Escutei um barulho do meu pai tentando forçar a porta, enquanto eu terminava de colocar as roupas.
— Não está abrindo, !
Fui até a cozinha e abri o portão de verdade para ele.
— Tenta de novo.
—Abriu.
— Pode pegar o elevador! Estou no oitavo andar. – Disse, desligando meu celular em seguida.
O que eu poderia fazer? Ok, impedir de subir ali parecia um bom plano. Fechei a porta do quarto dele e tarde demais vi meu sutiã e minha blusa junto com a camiseta de no pé do sofá. Porcaria! Escutei meu pai batendo na porta e joguei as peças de roupas comprometedoras do lado do sofá. Agora tinha que impedir de subir e meu pai de se sentar no sofá errado.
— ! – Ele chamou, batendo a porta. Coloquei um sorriso na cara e fui atende-lo, tentando não deixar muito na cara que tinha passado a noite bebendo e transando.
— Pai! – Exclamei, quando o vi. Ele me olhou desconfiado, mas mesmo assim se abaixou para me abraçar. Atrás dele vinha Archie, o traidor. – Archie!
Enquanto meu pai olhava o imóvel, fiz uma pergunta a Archie pelo olhar e ele discretamente balançou a cabeça. Então pelo menos meu pai não sabia sobre .
— Você está bem, . – Observou, me olhando. – Parece que esse negócio de dançar fez bem para você.
Ergui a sobrancelha.
— Pai, eu danço desde que aprendi a andar.
Ele riu, bagunçando meu cabelo.
— Estou ansioso para a apresentação de amanhã.
— É, eu também. – Precisava mandar uma mensagem para sem meu pai ver. – Pode se sentar aqui, pai, assiste um pouco de TV. Está com fome?
Acomodei meu pai no sofá, bem longe da prova do crime, e discretamente enviei uma mensagem para .
Meu pai está aí?
William te achou?
— E então, . – Chamou meu pai. Não consegui responder , mas pelo menos tinha dado meu recado. Estava torcendo para ele me ouvir pelo menos uma vez. – Soube que suas aulas foram bem.
— Foi tudo bem, sim, pai. Podemos falar sobre como vai funcionar depois do teste?
— Você fica sabendo da resposta no mesmo dia?
— Não... e meu contrato de aluguel vence em poucos dias.
Meu pai sorriu.
— Bem, então amanhã você volta para Washington comigo até receber o resultado. Se passar vamos conseguir um lugar melhor para você. – Comentou, analisando o apartamento simples no qual eu estava morando.
Eu estava torcendo para também passasse, apesar de saber, no fundo, que morarmos juntos e ficarmos não daria certo por muito tempo.
— Bem, eu gosto daqui.
Meu pai bufou.
— De jeito nenhum. – Contestou, como um bom advogado. – Se for para morar sozinha vai ser perto da faculdade. Em um lugar seguro.
Sorri porque gostei de ver que ele estava mudando de ideia sobre saber o que é melhor para mim. Além disso ele parecia aceitar que eu estava crescendo e provou isso mostrando que poderia respeitar meu espaço.
— Vou ir para o meu hotel, agora. – Ele se aproximou de mim para me dar um beijo na testa. – Eu iria te desejar boa sorte amanhã, mas sua mãe me ensinou que o certo é “quebre a perna”
— Pode deixar. – Teria dado tudo certo se resolvesse me obedecer.
Mas ele não obedeceu. Ao invés disso, bem na hora que meu pai ia sair, saiu pela porta.
— ! Você está bem? – Tinha vindo correndo, um dos cafés estava pela metade e provavelmente tinha caído no caminho. Ele olhou para o meu pai. – Quem é você? O que está fazendo aqui?
Balancei a cabeça atrás do meu pai, fazendo gestos desesperados para calar a boca, mas ele não estava me vendo.
Sem responder, meu pai cruzou os braços, analisando .
— Eu que te pergunto o que você está fazendo aqui.
E lá se foi dizendo a pior coisa que poderia dizer, antes que eu pudesse impedi-lo.
— Eu moro aqui.
Ah, não. Fechei os olhos, torcendo para ser um pesadelo e eu ainda estar nua e enrolada no lençol na cama de . Mas eu não estava e quando abri meus olhos meu pai me encarava vermelho, sua face se inflando como um baiacu.
— . – Falou.
— Pai, não é o que parece...
— Pare de falar.
— ... temos quarto separados, entende, realmente não é....
— . – Falou, um pouco mais alto e até Archie parecia estar prendendo a respiração.
— Pai...
Ele parecia decepcionado agora e tudo que eu não queria era fazer isso com ele, principalmente porque eu tinha tido a chance de ter essa experiência.
— Nós vamos dormir em Nova York hoje, mas amanhã iremos para casa. Sem audição para você.
Engasguei com a minha própria saliva. parecia que ia vir ao meu socorro, mas eu o silenciei com um olhar.
— Isso não é justo! Eu já cheguei até aqui.
— Você mentiu para mim. – Falou, parecendo realmente magoado. – Pega suas coisas. Te espero lá embaixo. Archie, ajude com a bagagem.
E saiu do apartamento sem nem olhar para trás. Archie entrou no meu quarto, colocando todas as minhas porcarias em qualquer mala que ele estava vendo na frente. Lancei um olhar ferido para .
— Você não podia ter feito o que eu pedi, só dessa vez? – Perguntei, segurando as lágrimas. Eu não estava brava com ele de verdade, era só mais conveniente descontar nele.
— Desculpa, . – Parecia arrependido de verdade. – Você não me respondeu mais, achei que William tivesse te achado, você não faz ideia do que meus pais são capazes.
— Você devia ter esperado lá embaixo. – Sussurrei, indo no meu quarto ajudar Archie com a bagagem.
Quando estava tudo pronto, encontrei do mesmo jeito que eu tinha deixado.
— Minhas chances já eram. – Falei. – Mas arrase amanhã. Vou torcer por você.
— , não desiste.
— Não tenho escolha. – Coloquei a bolsa mais leve no meu ombro enquanto Archie empurrava as outras malas e seguia em direção ao elevador. – Obrigada por me deixar morar aqui.
não conseguiu dizer nada, e nem precisava. Segui em direção ao elevador que me levaria diretamente a versão do meu pai que eu menos gostava. Durante todo o caminho até o hotel já fui me preparando psicologicamente para ser uma estudante de direito, como era para ter acontecido desde o começo.
IAN
Sentia-me péssimo pelo que tinha acontecido, mais do que isso: me sentia responsável. Estava no meu quarto, onde ainda conseguia sentir o cheiro de no meu travesseiro, amargurado e desejando ser capaz de voltar no tempo. Sem pensar, resolvi dar uma volta para esfriar a cabeça.
Estava andando pela praça há vinte minutos, quando sentei no mesmo balanço que e eu nos sentamos no outro dia.
Não conseguia parar de pensar no quanto queria estar com ela e no que deveria ter acontecido de fato naquela manhã. Resolvemos dar folga da Juilliard e planejamos nossa sexta feira do saco cheio para relaxarmos antes do grande dia. Estava tão chateado que nem percebi quando alguém parou ao meu lado.
— Achei você. – Disse a voz de William do meu lado. Gelei, já me preparando para a fuga. – Não tente fugir, . Seu pai te espera no carro.
Vendo que eu tinha perdido de novo, segui William até um grande carro preto estacionado junto ao meio fio, do outro lado da praça. Abri a porta de qualquer jeito e sentei, emburrado. Sabia que estava parecendo um garoto de cinco anos, mas meu dia já estava uma merda mesmo.
— . – Meu pai disse, seu rosto não denunciava de nenhuma maneira que há quase seis meses ele não tinha notícias minhas. Era um egoísta mesmo. – Como você está? Praticando muita música?
Bufei.
— Fale logo do que você precisa. – Fui direto ao assunto, fazendo meu pai dar uma risada fria.
— Você não vai para Juilliard. Mesmo se passar, como vai sustentar a mensalidade da faculdade?
— Vou tentar uma bolsa de estudos. – Resmunguei.
— Muito inteligente. – Meu pai suspirou, me encarando como homem pela primeira vez. – Vamos fazer isso de um jeito ou de outro, meu filho. Você precisa decidir se quer do jeito fácil ou do jeito difícil.
— Não quero fazer medicina.
— Não me importa o que você quer. Importa o seu futuro, o futuro do nosso hospital. Preciso que alguém assuma depois de mim.
— Pelo amor de Deus, estamos no século vinte e um. Você não precisa de mim para isso!
Meu pai fez uma careta.
— Eu não gastei milhares de dólares em fertilização artificial para ter uma bichinha que quer passar o resto da vida tocando piano. Eu pedi um homem! Homem!
— Vejo que além de egoísta é preconceituoso também. – Sussurrei. Meu pai me respondeu me estapeando na cara.
— Vamos voltar para São Francisco. – Pontuou. – Hoje.
— Porque quem eu sou não basta para você, pai? – Supliquei. – Porque não pode aceitar quem eu sou? Porque não pode aceitar que eu sou diferente de você e que eu nunca vou e nem quero ser como você?
— ...
— Porque você insiste em mudar meu jeito de ver o mundo? Você tem o dom da medicina. – Apesar de ser um péssimo ser humano, é um excelente médico, e eu não podia negar isso. – Aceita de uma vez que eu não nasci com esse dom. Você não pode cobrar de mim minha própria existência, pai. Eu não pedi para nascer.
Meu pai debochou do meu discurso, rolando os olhos e pedindo para William dirigir até o aeroporto. Acho que eu teria que fazer do jeito difícil então.
Mas aí eu lembrei de e do que eu tinha estragado para ela. Se eu não pudesse fazer meu teste, pelo menos queria dar a ela a chance de fazer o dela. Sabia que estava planejando um pacto com o próprio diabo, mas naquele momento meu pai era a única chance de ajudar .
— Pai, espera. – Pedi. – Podemos fazer um trato.
Meu pai me acelerou com as mãos com impaciência.
— Me dê mais um dia, preciso ajudar uma pessoa. Amanhã vou te encontrar onde você quiser, vou para casa sem reclamar e farei faculdade onde você quiser, desde que seja em um lugar bem longe de casa.
O homem ergueu uma sobrancelha.
— Deixa você aqui? Para você fugir de novo?
— Pode deixar William de olho em mim. Eu não me importo, só queria uma chance de consertar algo para uma pessoa que gosto muito.
Ele refletiu por um momento, assentindo em seguida.
— Tudo bem, então. Vou avisar sua mãe que ficarei mais um dia para você resolver sua bagunça. Amanhã eu vou vir te buscar. E William ficará com você.
— Sem problemas.
Demorei o resto do dia para fazer com que me respondesse, mas ou ela estava muito magoada, ou seu pai tinha confiscado seu celular. De qualquer forma, a presença de William tornou tudo mais emocionante, porque ele era muito bom em descobrir coisas. Descobriu o hotel que estava, o número do quarto e que horas seria a audição dela.
Eu só precisava de uma distração para tirar o pai dela do quarto, sabia que Archie cooperaria com o que quer que fosse. Ele parecia ser amigo de .
No dia da audição, William foi comigo até o hotel em que estava hospedada. O guarda costas se aproximou do balcão, sendo atendido por uma moça bem nova.
— Preciso falar com Sr. Nicholas . – Falou, inclinando-se para a recepcionista. – Ele está no quarto 205. É muito importante.
A carreira de ator estava vetada para William, mas a mulher pareceu acreditar nele. Me escondi próximo ao vaso de plantas que flanqueava o corredor de elevadores até ver o pai de andando em direção a recepção com um olhar muito raivoso. Fiquei com pena de William, mas não durou muito. Assim que o homem grande passou por mim, me esgueirei para dentro do elevador, indo até o segundo andar. Achei o quarto sem dificuldade, e a porta foi aberta por Archie, que me deixou passar sem fazer perguntas.
— ! – Exclamou , para minha surpresa, me dando um abraço. – Meu pai tomou meu celular, me desculpe... Espera, o que está fazendo aqui?
— Não temos tempo. – Falei, segurando ela pelos dois ombros. – Coloca sua roupa da audição. Depressa. William está enrolando seu pai, mas não temos muito tempo.
Em dez minutos estava pronta, e Archie sabiamente se trancou no banheiro fingindo que não tinha visto nada. Segurei pela mão até as escadas, sabendo que seu pai muito provavelmente não as usaria. Quando por fim chegamos ao térreo, Nicholas ainda estava na recepção, ameaçando processar William por calúnia e difamação. Eu odeio advogados. Gesticulei com as mãos para chamar atenção de William, e e eu nos escondemos debaixo do mesmo vaso de plantas para esperar o pai dela passar.
— Dívida, francamente. – Resmungou quando passou por nós.
reconheceu William quando chegamos, mas eu a tranquilizei.
— Meu pai me achou. – Expliquei. – Vamos logo antes que ele mude de ideia.
William nos levou até onde seria a apresentação de . Eu deixaria ela na porta e seguiria para outra direção. Teria que voltar para casa e fazer algo que não gostava de fazer, mas no momento não tinha escolha. Essa era minha vida e, quem sabe, um dia eu poderia gostar de medicina de verdade.
— Você vai se atrasar também! – Disse , arfando. Eu não tinha contado para ela que não faria minha audição. Para ser sincero nem dava mais tempo, meu horário já tinha expirado.
— Claro. – Falei, fingindo estar com pressa. me lançou um sorriso bonito e aconchegante e por um momento me perguntei se algum dia voltaria a assistir esse sorriso. – Quebre a perna, .
Ela riu, passando seus braços pelo meu pescoço. Quando estava se afastando, segurei ela mais um tempo, sem que ela soubesse que era nosso último abraço. Aproveitei e a beijei também, eu precisava desse beijo.
— Até daqui a pouco. – Ela disse, se afastando de mim e indo correndo em direção ao auditório.
Eu não contei do plano que fiz com meu pai e nem que não faria minha audição. Não contei que planejava fazer uma faculdade a quilômetros de distância de onde eu estava. Antes de ir para casa, porém, vi o imenso piano que ficava ali para os transeuntes tocarem. Sorri, pensando que talvez pudesse ser minha última vez com um piano também.
Fui até o banco e estralei os dedos, começando a peça na qual vinha ensaiando há meses. Algumas pessoas não se abalaram, mas a maioria parou para me assistir. Toquei com toda a emoção que havia em mim, do jeito que meu professor havia me ensinado.
Pensei em naquele primeiro dia, cansada de subir as escadas, mas sem parar para me pedir ajuda. Pensei em suas plantinhas que ela vinha trazendo clandestinamente e que sem cuidado morreriam. Pensei em todas as vezes que ela tinha cozinhado para mim e no dia que torceu seu pé. Toquei a música pensando em seu beijo, em seu corpo e no quanto eu sentiria falta dela.
As últimas notas foram tocadas com perfeição, algo que eu nunca tinha conseguido fazer antes. Esse era o poder de um homem apaixonado tocando o piano. Quando acabou, sequei uma lágrima do meu olho e as pessoas aplaudiram. Até mesmo William parecia emocionado com a minha apresentação, mas apenas caminhei em direção a ele.
— Me leve para casa, William. – Pedi.
Deixando para trás minha doce , minha amada Nova York e todos os sonhos que eu tinha cultivado por ali.
Tinha apenas mais dois dias para ensaiar e estava pirando. Cada hora que passava era uma hora a menos para praticar. Meu pé ainda não estava cem por cento, mas permitia que eu fizesse os movimentos necessários para minha performance. Comecei a ficar no estúdio até o máximo de tempo que eu podia, e para nos proteger, me esperava no metrô para que pudéssemos voltar juntos. Não vimos William pelas redondezas, mas ainda tomávamos cuidado, por precaução.
O clima que tinha acontecido na praça não voltou a acontecer. Acho que estávamos preocupados e exaustos demais para pensarmos nisso; pelo menos eu estava. parecia estar com tendinite nas mãos, para o seu desespero, mas conseguimos que Carlie nos ajudasse e agora ele precisava fazer exercícios todos os dias para não sobrecarregar seus dedos, ou então não iria conseguir fazer sua audição de admissão.
Os ensaios tinham terminado na semana anterior e a professora havia deixado o estúdio aberto a semana toda para irmos ensaiar. Ela não falou muito sobre meu pé, mas eu tinha uma sensação horrível de que todos os inscritos naquela sala eram melhores do que eu. Hoje havia ido ensaiar pela última vez antes das audições. Eu queria estar descansada no sábado, e para isso iria tirar a sexta para descansar. Não estava muito confiante desse plano, mas se eu estivesse muito exausta teria mais chances de falhar. Meu pai disse que viria assistir minha apresentação, e eu fiquei tão animada com a surpresa que decidi que daria o melhor de mim mais ainda.
chegou em casa com uma garrafa de vodka.
— Você é maluco? – Questionei sua sanidade. – Sabe que daqui dois dias será o dia mais importante de nossas vidas?
revirou os olhos, me dando uma risadinha debochada.
— Precisamos comemorar. – Explicou. – Podemos brincar de verdade ou desafio.
Dei risada.
— Ok, eu não terminei o ensino médio para isso. Cresce, .
Ele se sentou do meu lado no sofá, esticando a garrafa para mim.
— Você sabe que você quer... – Falou cantando.
Fingindo estar brava, arranquei a garrafa da mão dele, sentindo o líquido arder conforme chegava ao meu estômago vazio.
— Pronto. – Falei, devolvendo. – Já estou tonta.
E estava mesmo. achou que eu estava brincando, então ficou me desafiando para beber com ele. Começou de um jeito bem idiota.
— Se você acha que vai ser aceita na Juilliard, te desafio a beber um gole.
Bufei, dando mais um gole.
— Se você acha que sua mão vai doer muito na hora da apresentação, te desafio a beber um gole. – Eu devia ser banida do planeta como a pior bebedeira da história. Eu nem sabia mais o que estava falando.
riu.
— Eu não vou beber. – Falou. – Você claramente não entendeu a brincadeira. Mas eu te desafio a beber se... acha que seu pai está vindo só para ver se você conseguiu mesmo.
Outch. Eu não tinha pensado que meu pai queria vir me ver apenas para testemunhar meu fracasso. Ou seria a vodka me dizendo coisas? Quem sabe? Em todo caso, quando me perguntou fez sentido. Por isso eu bebi de novo.
— Você vai beber se me acha a maior gata. – Falei, sem nenhum filtro. Comecei a ter um ataque de risadinhas, fazendo ficar corado.
— Eu só vou beber porque não quero ficar sóbrio. Não porque eu concordo.
Dei um tapa fraquinho no braço dele.
— Eu não estou bêbada. – Expliquei. Não estava mesmo, estava apenas sem meu filtro de bom senso. – Se você beber é porque concorda.
Ele bebeu e eu bati palminhas, comemorando.
— Então tá bom. Você vai beber se me acha o maior gostoso. – Ditou ele, erguendo as sobrancelhas.
— .
— O que?
— Esse jogo está ficando perigoso.
Ele sorriu, malicioso.
— E o que tem?
— Eu te acho o maior gostoso. – Confessei, bebendo um gole da garrafa.
Ele comemorou de um jeito bem hétero que me fez sentir vergonha alheia.
— Ok, pode pegar pesado. – Pediu, já segurando a garrafa.
— Eu vou pegar pesado.
— Pergunte, então.
— Você vai beber se quiser que eu tire a minha blusa.
Antes que eu sequer terminasse a frase, deu dois longos goles, seguido de uma careta.
— Valeu totalmente a pena. – Afirmou, esperando.
Bufei, puxando minha blusa para cima.
— Vai, manda mais. – Pedi, me inclinando para frente.
— Você vai beber se quiser que eu tire a camiseta. – Falou.
Imitei , bebendo como se fosse água, e ri.
— Vamos, !
Ele puxou a blusa devagar, eu tinha certeza que era para me provocar. Me inclinei mais, puxando a camiseta para cima de uma vez. me olhou assustado.
— Que apressada. – Observou.
não tinha um corpo musculoso, o que era compreensível para sua idade. Mas tinha braços bem torneados, acredito que por causa do piano, e ombros bem largos. Apesar de morarmos no mesmo apartamento, eu nunca tinha visto sem camisa porque ele tinha um banheiro no quarto dele e nunca saia dele sem camisa.
— Posso pegar mais pesado? – Sussurrei.
me olhou desconfiado.
— Você pode fazer o que quiser.
Sorri, deixando a garrafa na mão dele.
— Você precisa beber se... quiser me beijar.
não bebeu, mas se aproximou de mim. Ele chegou muito perto, e seu hálito de vodka só me deixou com mais vontade dele. Era errado porque a gente morava junto e mal nos conhecíamos, mas eu precisava admitir que pensava em dessa forma há semanas, e estaria mentindo se dissesse que não queria ver onde isso ia dar.
— ? – Chamei, apontando para a garrafa. Por um momento fiquei apreensiva de ter entendido tudo errado e ter criado um clima estranho entre nós. colocou a garrafa no chão, se aproximando até ficar quase em cima de mim.
— Eu não preciso de bebida para admitir que quero beijar você. – Sussurrou, por fim.
E então ele me beijou, vorazmente, e como eu parecia esperar com isso há muito tempo. Deu um jeito de me deitar no sofá, me colocando entre suas pernas, sem parar de me beijar em nenhum momento.
— A gente ainda está jogando? – Sussurrei.
— Shhh. – respondeu, usando sua boca para calar a minha.
Cruzei minhas pernas nas suas costas, deixando que ele passeasse com sua boca pelo meu pescoço e descesse até meu colo. Meu sutiã de repente ficou apertado demais, e buscando minha permissão com o olhar, soltou a peça que separava meu seio do abdome dele. Deixei que ele me beijasse, puxando seus cabelos como aprovação. foi descendo seus beijos pela minha barriga, finalmente chegando ao cós da minha calça.
— Quão bêbada você está? – Quis saber, os olhos suplicantes e cheio de desejos.
— Não tão bêbada para não saber o que estou fazendo agora e bêbada o bastante para lidar com o que acontecer depois.
sorriu, me levantando do sofá.
— É o suficiente.
Então me puxou para o colo dele, onde finalmente me levou até seu quarto.
Acordei melhor do que achei que estaria. Sem ressaca forte e sem arrependimentos, o que era a melhor parte.
— Bom dia. – Disse quando viu que eu estava acordada.
Sorri.
— Bom dia.
— Dormiu bem? – Provocou, malicioso.
Suspirei, sonhadora.
— ... se você tocar piano tão bem quanto você fode, sua vaga está garantida.
deu risada, me puxando para um abraço.
— Vou buscar nosso café da manhã. – Avisou, colocando uma camiseta. – Volto já.
Ele me deu um selinho e saiu, me deixando de lençol na cama dele.
Me joguei na cama, suspirando de novo. A noite anterior tinha sido tão surreal que me negava a acreditar que tinha acontecido. Passei as mãos pelo meu corpo, me lembrando de todas as partes que tinha tocado, com tanto desejo, tanta devoção. Seus olhos extremamente profundos me queriam, suas mãos me desejavam tanto. Era inebriante.
estava demorando muito, mas permaneci como estava. Tinha essa fantasia cinematográfica de receber café na cama, enrolada nua em um lençol. Enquanto pensava na noite passada, ouvi meu celular tocando do outro lado do apartamento, no meu quarto. Fui correndo até ele, enrolada no lençol e tudo. Era meu pai.
— ? – Chamou. - Estou aqui embaixo, pode abrir para mim?
— Pai! – Ai meu, Deus! Meu pai está aqui e eu estou nua e iria voltar a qualquer momento! Eu estava tão morta. – Claro, um momento.
Larguei o telefone no viva voz, colocando a primeira roupa que eu vi na frente.
— ?
— Estou abrindo! – Tentei enrolar. – Vê se foi.
Escutei um barulho do meu pai tentando forçar a porta, enquanto eu terminava de colocar as roupas.
— Não está abrindo, !
Fui até a cozinha e abri o portão de verdade para ele.
— Tenta de novo.
—Abriu.
— Pode pegar o elevador! Estou no oitavo andar. – Disse, desligando meu celular em seguida.
O que eu poderia fazer? Ok, impedir de subir ali parecia um bom plano. Fechei a porta do quarto dele e tarde demais vi meu sutiã e minha blusa junto com a camiseta de no pé do sofá. Porcaria! Escutei meu pai batendo na porta e joguei as peças de roupas comprometedoras do lado do sofá. Agora tinha que impedir de subir e meu pai de se sentar no sofá errado.
— ! – Ele chamou, batendo a porta. Coloquei um sorriso na cara e fui atende-lo, tentando não deixar muito na cara que tinha passado a noite bebendo e transando.
— Pai! – Exclamei, quando o vi. Ele me olhou desconfiado, mas mesmo assim se abaixou para me abraçar. Atrás dele vinha Archie, o traidor. – Archie!
Enquanto meu pai olhava o imóvel, fiz uma pergunta a Archie pelo olhar e ele discretamente balançou a cabeça. Então pelo menos meu pai não sabia sobre .
— Você está bem, . – Observou, me olhando. – Parece que esse negócio de dançar fez bem para você.
Ergui a sobrancelha.
— Pai, eu danço desde que aprendi a andar.
Ele riu, bagunçando meu cabelo.
— Estou ansioso para a apresentação de amanhã.
— É, eu também. – Precisava mandar uma mensagem para sem meu pai ver. – Pode se sentar aqui, pai, assiste um pouco de TV. Está com fome?
Acomodei meu pai no sofá, bem longe da prova do crime, e discretamente enviei uma mensagem para .
SOS
Não venha para casa! Por favor
NÃO VENHA
Meu pai está aí?
William te achou?
— E então, . – Chamou meu pai. Não consegui responder , mas pelo menos tinha dado meu recado. Estava torcendo para ele me ouvir pelo menos uma vez. – Soube que suas aulas foram bem.
— Foi tudo bem, sim, pai. Podemos falar sobre como vai funcionar depois do teste?
— Você fica sabendo da resposta no mesmo dia?
— Não... e meu contrato de aluguel vence em poucos dias.
Meu pai sorriu.
— Bem, então amanhã você volta para Washington comigo até receber o resultado. Se passar vamos conseguir um lugar melhor para você. – Comentou, analisando o apartamento simples no qual eu estava morando.
Eu estava torcendo para também passasse, apesar de saber, no fundo, que morarmos juntos e ficarmos não daria certo por muito tempo.
— Bem, eu gosto daqui.
Meu pai bufou.
— De jeito nenhum. – Contestou, como um bom advogado. – Se for para morar sozinha vai ser perto da faculdade. Em um lugar seguro.
Sorri porque gostei de ver que ele estava mudando de ideia sobre saber o que é melhor para mim. Além disso ele parecia aceitar que eu estava crescendo e provou isso mostrando que poderia respeitar meu espaço.
— Vou ir para o meu hotel, agora. – Ele se aproximou de mim para me dar um beijo na testa. – Eu iria te desejar boa sorte amanhã, mas sua mãe me ensinou que o certo é “quebre a perna”
— Pode deixar. – Teria dado tudo certo se resolvesse me obedecer.
Mas ele não obedeceu. Ao invés disso, bem na hora que meu pai ia sair, saiu pela porta.
— ! Você está bem? – Tinha vindo correndo, um dos cafés estava pela metade e provavelmente tinha caído no caminho. Ele olhou para o meu pai. – Quem é você? O que está fazendo aqui?
Balancei a cabeça atrás do meu pai, fazendo gestos desesperados para calar a boca, mas ele não estava me vendo.
Sem responder, meu pai cruzou os braços, analisando .
— Eu que te pergunto o que você está fazendo aqui.
E lá se foi dizendo a pior coisa que poderia dizer, antes que eu pudesse impedi-lo.
— Eu moro aqui.
Ah, não. Fechei os olhos, torcendo para ser um pesadelo e eu ainda estar nua e enrolada no lençol na cama de . Mas eu não estava e quando abri meus olhos meu pai me encarava vermelho, sua face se inflando como um baiacu.
— . – Falou.
— Pai, não é o que parece...
— Pare de falar.
— ... temos quarto separados, entende, realmente não é....
— . – Falou, um pouco mais alto e até Archie parecia estar prendendo a respiração.
— Pai...
Ele parecia decepcionado agora e tudo que eu não queria era fazer isso com ele, principalmente porque eu tinha tido a chance de ter essa experiência.
— Nós vamos dormir em Nova York hoje, mas amanhã iremos para casa. Sem audição para você.
Engasguei com a minha própria saliva. parecia que ia vir ao meu socorro, mas eu o silenciei com um olhar.
— Isso não é justo! Eu já cheguei até aqui.
— Você mentiu para mim. – Falou, parecendo realmente magoado. – Pega suas coisas. Te espero lá embaixo. Archie, ajude com a bagagem.
E saiu do apartamento sem nem olhar para trás. Archie entrou no meu quarto, colocando todas as minhas porcarias em qualquer mala que ele estava vendo na frente. Lancei um olhar ferido para .
— Você não podia ter feito o que eu pedi, só dessa vez? – Perguntei, segurando as lágrimas. Eu não estava brava com ele de verdade, era só mais conveniente descontar nele.
— Desculpa, . – Parecia arrependido de verdade. – Você não me respondeu mais, achei que William tivesse te achado, você não faz ideia do que meus pais são capazes.
— Você devia ter esperado lá embaixo. – Sussurrei, indo no meu quarto ajudar Archie com a bagagem.
Quando estava tudo pronto, encontrei do mesmo jeito que eu tinha deixado.
— Minhas chances já eram. – Falei. – Mas arrase amanhã. Vou torcer por você.
— , não desiste.
— Não tenho escolha. – Coloquei a bolsa mais leve no meu ombro enquanto Archie empurrava as outras malas e seguia em direção ao elevador. – Obrigada por me deixar morar aqui.
não conseguiu dizer nada, e nem precisava. Segui em direção ao elevador que me levaria diretamente a versão do meu pai que eu menos gostava. Durante todo o caminho até o hotel já fui me preparando psicologicamente para ser uma estudante de direito, como era para ter acontecido desde o começo.
IAN
Sentia-me péssimo pelo que tinha acontecido, mais do que isso: me sentia responsável. Estava no meu quarto, onde ainda conseguia sentir o cheiro de no meu travesseiro, amargurado e desejando ser capaz de voltar no tempo. Sem pensar, resolvi dar uma volta para esfriar a cabeça.
Estava andando pela praça há vinte minutos, quando sentei no mesmo balanço que e eu nos sentamos no outro dia.
Não conseguia parar de pensar no quanto queria estar com ela e no que deveria ter acontecido de fato naquela manhã. Resolvemos dar folga da Juilliard e planejamos nossa sexta feira do saco cheio para relaxarmos antes do grande dia. Estava tão chateado que nem percebi quando alguém parou ao meu lado.
— Achei você. – Disse a voz de William do meu lado. Gelei, já me preparando para a fuga. – Não tente fugir, . Seu pai te espera no carro.
Vendo que eu tinha perdido de novo, segui William até um grande carro preto estacionado junto ao meio fio, do outro lado da praça. Abri a porta de qualquer jeito e sentei, emburrado. Sabia que estava parecendo um garoto de cinco anos, mas meu dia já estava uma merda mesmo.
— . – Meu pai disse, seu rosto não denunciava de nenhuma maneira que há quase seis meses ele não tinha notícias minhas. Era um egoísta mesmo. – Como você está? Praticando muita música?
Bufei.
— Fale logo do que você precisa. – Fui direto ao assunto, fazendo meu pai dar uma risada fria.
— Você não vai para Juilliard. Mesmo se passar, como vai sustentar a mensalidade da faculdade?
— Vou tentar uma bolsa de estudos. – Resmunguei.
— Muito inteligente. – Meu pai suspirou, me encarando como homem pela primeira vez. – Vamos fazer isso de um jeito ou de outro, meu filho. Você precisa decidir se quer do jeito fácil ou do jeito difícil.
— Não quero fazer medicina.
— Não me importa o que você quer. Importa o seu futuro, o futuro do nosso hospital. Preciso que alguém assuma depois de mim.
— Pelo amor de Deus, estamos no século vinte e um. Você não precisa de mim para isso!
Meu pai fez uma careta.
— Eu não gastei milhares de dólares em fertilização artificial para ter uma bichinha que quer passar o resto da vida tocando piano. Eu pedi um homem! Homem!
— Vejo que além de egoísta é preconceituoso também. – Sussurrei. Meu pai me respondeu me estapeando na cara.
— Vamos voltar para São Francisco. – Pontuou. – Hoje.
— Porque quem eu sou não basta para você, pai? – Supliquei. – Porque não pode aceitar quem eu sou? Porque não pode aceitar que eu sou diferente de você e que eu nunca vou e nem quero ser como você?
— ...
— Porque você insiste em mudar meu jeito de ver o mundo? Você tem o dom da medicina. – Apesar de ser um péssimo ser humano, é um excelente médico, e eu não podia negar isso. – Aceita de uma vez que eu não nasci com esse dom. Você não pode cobrar de mim minha própria existência, pai. Eu não pedi para nascer.
Meu pai debochou do meu discurso, rolando os olhos e pedindo para William dirigir até o aeroporto. Acho que eu teria que fazer do jeito difícil então.
Mas aí eu lembrei de e do que eu tinha estragado para ela. Se eu não pudesse fazer meu teste, pelo menos queria dar a ela a chance de fazer o dela. Sabia que estava planejando um pacto com o próprio diabo, mas naquele momento meu pai era a única chance de ajudar .
— Pai, espera. – Pedi. – Podemos fazer um trato.
Meu pai me acelerou com as mãos com impaciência.
— Me dê mais um dia, preciso ajudar uma pessoa. Amanhã vou te encontrar onde você quiser, vou para casa sem reclamar e farei faculdade onde você quiser, desde que seja em um lugar bem longe de casa.
O homem ergueu uma sobrancelha.
— Deixa você aqui? Para você fugir de novo?
— Pode deixar William de olho em mim. Eu não me importo, só queria uma chance de consertar algo para uma pessoa que gosto muito.
Ele refletiu por um momento, assentindo em seguida.
— Tudo bem, então. Vou avisar sua mãe que ficarei mais um dia para você resolver sua bagunça. Amanhã eu vou vir te buscar. E William ficará com você.
— Sem problemas.
Demorei o resto do dia para fazer com que me respondesse, mas ou ela estava muito magoada, ou seu pai tinha confiscado seu celular. De qualquer forma, a presença de William tornou tudo mais emocionante, porque ele era muito bom em descobrir coisas. Descobriu o hotel que estava, o número do quarto e que horas seria a audição dela.
Eu só precisava de uma distração para tirar o pai dela do quarto, sabia que Archie cooperaria com o que quer que fosse. Ele parecia ser amigo de .
No dia da audição, William foi comigo até o hotel em que estava hospedada. O guarda costas se aproximou do balcão, sendo atendido por uma moça bem nova.
— Preciso falar com Sr. Nicholas . – Falou, inclinando-se para a recepcionista. – Ele está no quarto 205. É muito importante.
A carreira de ator estava vetada para William, mas a mulher pareceu acreditar nele. Me escondi próximo ao vaso de plantas que flanqueava o corredor de elevadores até ver o pai de andando em direção a recepção com um olhar muito raivoso. Fiquei com pena de William, mas não durou muito. Assim que o homem grande passou por mim, me esgueirei para dentro do elevador, indo até o segundo andar. Achei o quarto sem dificuldade, e a porta foi aberta por Archie, que me deixou passar sem fazer perguntas.
— ! – Exclamou , para minha surpresa, me dando um abraço. – Meu pai tomou meu celular, me desculpe... Espera, o que está fazendo aqui?
— Não temos tempo. – Falei, segurando ela pelos dois ombros. – Coloca sua roupa da audição. Depressa. William está enrolando seu pai, mas não temos muito tempo.
Em dez minutos estava pronta, e Archie sabiamente se trancou no banheiro fingindo que não tinha visto nada. Segurei pela mão até as escadas, sabendo que seu pai muito provavelmente não as usaria. Quando por fim chegamos ao térreo, Nicholas ainda estava na recepção, ameaçando processar William por calúnia e difamação. Eu odeio advogados. Gesticulei com as mãos para chamar atenção de William, e e eu nos escondemos debaixo do mesmo vaso de plantas para esperar o pai dela passar.
— Dívida, francamente. – Resmungou quando passou por nós.
reconheceu William quando chegamos, mas eu a tranquilizei.
— Meu pai me achou. – Expliquei. – Vamos logo antes que ele mude de ideia.
William nos levou até onde seria a apresentação de . Eu deixaria ela na porta e seguiria para outra direção. Teria que voltar para casa e fazer algo que não gostava de fazer, mas no momento não tinha escolha. Essa era minha vida e, quem sabe, um dia eu poderia gostar de medicina de verdade.
— Você vai se atrasar também! – Disse , arfando. Eu não tinha contado para ela que não faria minha audição. Para ser sincero nem dava mais tempo, meu horário já tinha expirado.
— Claro. – Falei, fingindo estar com pressa. me lançou um sorriso bonito e aconchegante e por um momento me perguntei se algum dia voltaria a assistir esse sorriso. – Quebre a perna, .
Ela riu, passando seus braços pelo meu pescoço. Quando estava se afastando, segurei ela mais um tempo, sem que ela soubesse que era nosso último abraço. Aproveitei e a beijei também, eu precisava desse beijo.
— Até daqui a pouco. – Ela disse, se afastando de mim e indo correndo em direção ao auditório.
Eu não contei do plano que fiz com meu pai e nem que não faria minha audição. Não contei que planejava fazer uma faculdade a quilômetros de distância de onde eu estava. Antes de ir para casa, porém, vi o imenso piano que ficava ali para os transeuntes tocarem. Sorri, pensando que talvez pudesse ser minha última vez com um piano também.
Fui até o banco e estralei os dedos, começando a peça na qual vinha ensaiando há meses. Algumas pessoas não se abalaram, mas a maioria parou para me assistir. Toquei com toda a emoção que havia em mim, do jeito que meu professor havia me ensinado.
Pensei em naquele primeiro dia, cansada de subir as escadas, mas sem parar para me pedir ajuda. Pensei em suas plantinhas que ela vinha trazendo clandestinamente e que sem cuidado morreriam. Pensei em todas as vezes que ela tinha cozinhado para mim e no dia que torceu seu pé. Toquei a música pensando em seu beijo, em seu corpo e no quanto eu sentiria falta dela.
As últimas notas foram tocadas com perfeição, algo que eu nunca tinha conseguido fazer antes. Esse era o poder de um homem apaixonado tocando o piano. Quando acabou, sequei uma lágrima do meu olho e as pessoas aplaudiram. Até mesmo William parecia emocionado com a minha apresentação, mas apenas caminhei em direção a ele.
— Me leve para casa, William. – Pedi.
Deixando para trás minha doce , minha amada Nova York e todos os sonhos que eu tinha cultivado por ali.
Epílogo
cinco anos depois...
STELLA
Entrei em meu novo prédio cercada de malas. Archie tinha me deixado ali com elas, mas dessa vez eu estava bem treinada. Nova York sempre seria minha casa, eu não tinha dúvidas disso. Minha primeira residência oficial depois da formatura finalmente tinha ficado pronta e eu não via a hora de me instalar.
Enquanto o elevador não chegava, repensei no que tinha acontecido para que eu chegasse onde estava. Meu pai não tinha ficado feliz quando fugi do hotel para fazer a audição, mas eu fui aceita e como combinamos, ele teria que me bancar se eu fosse aceita. Papai pode ser rígido, mas cumpre com a sua palavra.
Dizia que estava orgulhoso de mim, e tinha em seu escritório um pupilo chamado Joshua Helker, de quem gostava muito e era a ele que papai pretendia se associar mais para frente. Ele conseguiu um herdeiro decente e eu consegui ser a dançarina que eu queria. Ainda não tinha surgido nenhum trabalho realmente importante, mas comecei como minha mãe tinha terminado: estava dando aula de dança para crianças, em um estúdio no centro. Bastou poucos dias de aula para eu decidir que era aquilo que eu queria fazer pelo resto da vida: ajudar crianças a descobrirem um novo amor através da dança. O estúdio não era meu, mas decidi que no futuro iria querer abrir um com meu nome e ser referência para essa faixa etária.
Ganhava bem o bastante para viver como vivia, e olhando em retrocesso, não me arrependia nenhum dia do que fiz para chegar ali. Cada ensaio valeu a pena, cada prova, cada teste e cada provocação.
Meu pai aprendeu a me assistir novamente e de vez em quando me visitava em Nova York. Tínhamos que marcar logo uma visita para ele analisar meu novo apartamento.
— O elevador está demorando? – Perguntou uma voz atrás de mim. Uma voz que não deveria ser familiar, mas era.
— Sim. – Respondi, virando-me para o dono da voz. – Ah!
Ele me olhou assustado, sem saber se estava olhando direito. Precisei respirar fundo várias vezes para ter certeza que eu não estava louca.
— ?
Sorri. Eu não estava louca.
— Oi, . – Respondi. Ele não tinha bagagem, então provavelmente já morava ali. Mas que coincidência.
Eu nunca me esqueci do que fez por mim, mas ainda não tinha entendido porque desistiu. Nunca o vi em Juilliard e depois descobri que ele sequer havia aparecido no teste. O procurei depois da minha audição, mas ele não estava em lugar algum. Além disso também tinha bloqueado meu número, então não consegui mandar mensagens. Fiquei muito tempo me perguntando o que tinha acontecido com ele, e agora estava bem na minha frente. Pelo modo como estava vestido e um jaleco pendurado nos seus braços, podia dizer que havia tomado o caminho da medicina. Era residente, sem sombra de dúvidas.
— Vejo que se tornou médico. – Analisei, apontando o jaleco.
— Vejo que passou na Juilliard. – Retrucou, apontando para minhas roupas de dança.
Sorrimos um para o outro, ainda que o dele estivesse triste. Deveria ser horrível querer mudar alguém a ponto de escolher o futuro dessa pessoa sem que ela queira.
Houve um minuto de silêncio.
— Está se mudando para cá? – Perguntou.
— Sim, décimo andar. Você mora aqui? – Respondi.
Ele assentiu, no exato momento em que o elevador se abriu, vazio. Empurrei minhas coisas para dentro dele e me ajudou com a bagagem que não consegui puxar sozinha.
— Não vai fazer eu subir de escada hoje? – Provoquei, sorrindo.
deu risada, colocando a última mala dentro do elevador. A risada era do mesmo jeito que eu me lembrava e me senti mal de ter pedido contato com ele. Apertando o número dos nossos respectivos andares, balançou a cabeça.
— Eu não acredito que você ainda não esqueceu disso.
STELLA
Entrei em meu novo prédio cercada de malas. Archie tinha me deixado ali com elas, mas dessa vez eu estava bem treinada. Nova York sempre seria minha casa, eu não tinha dúvidas disso. Minha primeira residência oficial depois da formatura finalmente tinha ficado pronta e eu não via a hora de me instalar.
Enquanto o elevador não chegava, repensei no que tinha acontecido para que eu chegasse onde estava. Meu pai não tinha ficado feliz quando fugi do hotel para fazer a audição, mas eu fui aceita e como combinamos, ele teria que me bancar se eu fosse aceita. Papai pode ser rígido, mas cumpre com a sua palavra.
Dizia que estava orgulhoso de mim, e tinha em seu escritório um pupilo chamado Joshua Helker, de quem gostava muito e era a ele que papai pretendia se associar mais para frente. Ele conseguiu um herdeiro decente e eu consegui ser a dançarina que eu queria. Ainda não tinha surgido nenhum trabalho realmente importante, mas comecei como minha mãe tinha terminado: estava dando aula de dança para crianças, em um estúdio no centro. Bastou poucos dias de aula para eu decidir que era aquilo que eu queria fazer pelo resto da vida: ajudar crianças a descobrirem um novo amor através da dança. O estúdio não era meu, mas decidi que no futuro iria querer abrir um com meu nome e ser referência para essa faixa etária.
Ganhava bem o bastante para viver como vivia, e olhando em retrocesso, não me arrependia nenhum dia do que fiz para chegar ali. Cada ensaio valeu a pena, cada prova, cada teste e cada provocação.
Meu pai aprendeu a me assistir novamente e de vez em quando me visitava em Nova York. Tínhamos que marcar logo uma visita para ele analisar meu novo apartamento.
— O elevador está demorando? – Perguntou uma voz atrás de mim. Uma voz que não deveria ser familiar, mas era.
— Sim. – Respondi, virando-me para o dono da voz. – Ah!
Ele me olhou assustado, sem saber se estava olhando direito. Precisei respirar fundo várias vezes para ter certeza que eu não estava louca.
— ?
Sorri. Eu não estava louca.
— Oi, . – Respondi. Ele não tinha bagagem, então provavelmente já morava ali. Mas que coincidência.
Eu nunca me esqueci do que fez por mim, mas ainda não tinha entendido porque desistiu. Nunca o vi em Juilliard e depois descobri que ele sequer havia aparecido no teste. O procurei depois da minha audição, mas ele não estava em lugar algum. Além disso também tinha bloqueado meu número, então não consegui mandar mensagens. Fiquei muito tempo me perguntando o que tinha acontecido com ele, e agora estava bem na minha frente. Pelo modo como estava vestido e um jaleco pendurado nos seus braços, podia dizer que havia tomado o caminho da medicina. Era residente, sem sombra de dúvidas.
— Vejo que se tornou médico. – Analisei, apontando o jaleco.
— Vejo que passou na Juilliard. – Retrucou, apontando para minhas roupas de dança.
Sorrimos um para o outro, ainda que o dele estivesse triste. Deveria ser horrível querer mudar alguém a ponto de escolher o futuro dessa pessoa sem que ela queira.
Houve um minuto de silêncio.
— Está se mudando para cá? – Perguntou.
— Sim, décimo andar. Você mora aqui? – Respondi.
Ele assentiu, no exato momento em que o elevador se abriu, vazio. Empurrei minhas coisas para dentro dele e me ajudou com a bagagem que não consegui puxar sozinha.
— Não vai fazer eu subir de escada hoje? – Provoquei, sorrindo.
deu risada, colocando a última mala dentro do elevador. A risada era do mesmo jeito que eu me lembrava e me senti mal de ter pedido contato com ele. Apertando o número dos nossos respectivos andares, balançou a cabeça.
— Eu não acredito que você ainda não esqueceu disso.
Fim!
Nota da autora: Oi, perdidas! Quero começar essa nota dizendo que sempre tento deixar o mais realista possível, mas na internet tem pouquíssimas informações sobre o processo seletivo da Juilliard. Tenham em mente que a maior parte do que escrevi saiu da minha cabeça e não condiz com a realidade, ok?
Tirando isso, me digam o que acharam! Vou ficar super animada lendo o comentário de vocês.
Beijos!
Outras Fanfics:
LONGFIC
The Only Girl [original/em andamento]
Burn With You [original/finalizada]
Take Me Back To San Francisco [especial A Whole Lot Of History/ em andamento]
SHORTFIC
I Want To Write You A Song [especial A Whole Lot Of History/finalizada]
ONESHOT
Loved You First [especial A Whole Lot Of History/finalizada]
You Know I'll Be Your Love [especial A Whole Lot Of History/finalizada]
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