Capítulo Único
Árvores e mais árvores, os latidos eram ouvidos mesmo àquela distância; o inverno havia chegado mais cedo e, com ele, os Servant's. No verão havia a caça, mas com a escassez de alimentos no inverno, era justamente a oportunidade perfeita para os malditos! Havia áreas inexploradas por eles, as quais conhecia tão bem quanto a casa em que vivia, no entanto, com o passar dos anos, os Servant's estavam invadindo o espaço da floresta. O vilarejo já lhes pertencia, uma briga tosca gerou uma guerra sem precedentes e, como consequência, eu vi meu pai cair perante eles…
— …
— Babe?
— Está tudo bem, acorde, por favor…
Uma doce e suave voz foi como uma âncora, trazendo-me de volta à realidade e me mostrando que tudo não passava de um pesadelo. Meus olhos, ainda com a visão embaçada, enxergou o borrão que era figura de ; suas mãos seguravam meus braços, enquanto sua face estava próxima o suficiente para que eu sentisse sua respiração contra a minha clavícula.
Pisquei algumas vezes, de modo a espantar o sono. Os traços da mulher da minha vida foram tomando forma e a cada vez que a observava, era como admirar a criatura mais bela.
Aqueles doces e sinceros olhos me observaram com cuidado, a preocupação estampada em cada gesto. Suas mãos seguraram meu rosto e sua testa tocou a minha, enquanto soltava um suspiro de alívio. Conseguia ouvir as batidas de seu bravo coração, o qual estava disparado.
— Está tudo bem? — Indaguei-a, sentando-me, e a envolvi em um abraço.
— Você estava se debatendo, suas garras fizeram uma bela bagunça. — Ela me respondeu, deitando sua cabeça contra o meu tronco. Suas mãos me seguravam, enquanto ela mesma buscava se acalmar.
Havia espuma, tecido e algodão espalhados pelo quarto, o colchão teria que ser trocado pela terceira vez naquela semana.
Eu sabia que as lembranças com as quais eram cenários de meu pesadelo todas as noites se davam justamente por dormir com a descendente do maior inimigo da minha família; era apenas uma vítima que caiu de paraquedas numa guerra travada há décadas... muito sangue havia sido derrubado para que eu pudesse me manter respirando. Todos da minha espécie haviam sido caçados e mortos pela linhagem da minha luz, a mulher da minha vida e inimiga de sangue.
— Você não é a culpada. — Ergui o queixo dela com o meu indicador, inclinei minha face capturando os lábios dela nos meus num suave e delicado beijo. — Você é a minha luz, , se estou respirando é por sua causa. — Descansei minha testa na dela, fechando meus olhos.
Nossas respirações se misturavam, enquanto eu ouvia nossos corações sincronizados em cada batida.
— Se eu tivesse chegado alguns minutos mais tarde... — as mãos dela seguraram o tecido da minha camiseta, sua voz soou baixa e frágil, tendo a angústia presente em cada palavra dita.
— Nada do que aconteceu é sua culpa, meu amor. — Beijei a fronte dela, abraçando-a outra vez, desta vez com um pouco mais de força. — Seu pai se perdeu no ódio que sua família carrega.
Ela procurou segurar seus soluços, enquanto as lágrimas silenciosamente deixavam seus canais lacrimais tracejando um caminho solitário e doloroso na face angelical de minha adorável garota. Deixei-a colocar para fora o que sentia, enquanto a mantinha em meus braços.
Era doloroso o quanto me sentia inútil, eu odiava vê-la sofrer e desejava ferozmente que fosse eu a sentir a dor silenciosa que carregava em seus olhos.
Passamos horas na mesma posição antes de iniciar uma conversa e, com calma e cuidado, apresentei os fatos históricos que nossas famílias protagonizaram. Busquei garantir que ela não possuía qualquer culpa sobre os atos de seu pai. As garotas que ela havia resgatado estavam instaladas na cidade mais próxima da ilha em que vivíamos.
Inicialmente, tudo o que fizemos foi nos esconder, enquanto os machucados e feridas se curavam. Ela conseguiu um emprego num restaurante — os donos eram um casal de senhores que ficaram mais do que felizes com a nossa ajuda — e o restaurante aos poucos foi cativando cada vez mais os moradores. Enquanto trabalhava na área administrativa, eu ajudava com pequenas reformas e, mais à noite, era o responsável pela musicalidade do local.
— Boa noite, hoje irei fugir um pouco do normal. — Comentei assim que subi no palco.
observava tudo no fundo do restaurante, suas amigas cuidavam do bar, enquanto conversavam com os clientes.
— Geralmente começo cantando algo alegre para animar, mas hoje eu gostaria de dedicar a noite à minha garota... — pisquei um olho para ela, enquanto sorria meio sem jeito.
Ajustei o microfone, enquanto plugava o conector do violão na caixa de som.
— A minha e adorável . — Então me sentei na banqueta, começando a dedilhar as primeiras notas da canção.
Respirei fundo, antes de erguer meu olhar de encontro à mulher que havia me ensinado a viver. era luz em minha vida. Mesmo que o mundo estivesse contra nós, enquanto eu a tivesse ao meu lado, tudo ficaria bem.
— Somos todos estranhos...
Lutando nas ruas
Sem um terreno comum
Somos apenas estranhos
Tentando encontrar liberação
Quando não há ninguém por perto
Então tem você
Observei-a sorrir, enquanto colocava a mão sobre a boca, rindo meio envergonhada, enquanto o rubor tomava sua face. Nesses momentos agradecia à minha visão lupina.
Você não se sente tão estranho
Você se destaca de todas as multidões
Eu não me sinto muito em perigo
Eu estava perdido até encontrar você
Querida, querida, você não pode, por favor, me resgatar?
Eu realmente não quero ficar se você não estiver
Tudo o que sei é que preciso de você, baby
Me abrace para que eu possa finalmente respirar
Levantei-me, balançando de um lado para o outro, enquanto via as amigas de rirem — eu não me importava. Tudo era válido para que o sorriso de não se apagasse, eu não suportava vê-la chorar. Eu poderia suportar os piores golpes de Nyan, ser encarcerado, mutilado, mas não havia nada no mundo que me preparasse para o sofrimento de .
Somos todos estranhos
Lutando contra a gravidade, preso aqui no chão
Somos apenas estranhos
Tentando manter a paz
Quando não há ninguém por perto
Então tem você
Você é meu pequeno raio de sol
Você é imortalidade
Você me faz esquecer o tempo
E como está vindo para mim, então
Querida, querida, você não pode me resgatar?
Eu realmente não quero ficar se você não estiver
Tudo o que sei é que preciso de você, baby
Me abrace para que eu possa finalmente respirar
Finalmente respirar, finalmente respirar
Me abrace para que eu possa finalmente
O público batia palma, acompanhando o ritmo. Mesmo que apenas houvesse iluminação no palco, parecia brilhar como meu farol; ela era tudo o que meus olhos conseguiam enxergar. Meu astro particular, a luz que me iluminava minha embarcação, de modo a desviar das pedras afiadas que eram os obstáculos em nossas vidas.
Quando você me diz que me ama, querida
Você traz o sol e tira minha dor
E a ansiedade está a quilômetros de distância
Eu não sabia que podia me sentir assim
Eu não sabia que a vida era tão bonita até te abraçar
Oh sim
Seus olhos me fazem sentir como
Estou flutuando no ar
Quando você olha para mim
Foda-se tudo, menos você, sim
Eu não quero estar lá, então
Lembrei-me daquele primeiro instante em que nos encontramos, num vilarejo que parecia ter parado no tempo. Inimigos naturais, a fera e a herdeira de um legado de ódio, oposições naturais, mas que em face do brilho prateado da lua cheia, tiveram o destino selado.
Querida, querida, você não pode me resgatar?
Eu realmente não quero ficar se você não estiver
Tudo o que sei é que preciso de você, baby
Me abrace para que eu possa finalmente
Me abrace para que eu possa finalmente
Me abrace para que eu possa finalmente
Respirar
Terminei a primeira canção sem fôlego e deixei o violão de lado, seguindo a passos firmes até minha amada. Sentimentos em abundância tomavam cada micro célula de meu ser, eu sabia que tínhamos olhares nos cercando, mas não havia nada além de naquele instante. Como o magnetismo que a Lua exercia sobre o lobo, assim era o que me fazia sentir.
— Você é tudo o que eu preciso, .
FIM!
Coletânea - The Wolf and your Moon:
• 04. Winter White Hymnal
• 17. Além das Palavras
• 03. Otro Día Que Va
• 03. Playing God
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