Finalizada em: 27/03/2021

Capítulo Único



Havia algo em se tornar adulto que não era de todo ruim. Os gritos enfurecidos do meu pai já não me assustavam tanto como quando eu era apenas um garotinho encolhido no quarto. Acho que isso é o que eles dizem sobre você ser um homem agora, bicho papão não existe e não há mais o que temer. Eu só tinha que ouvir. Não podia iniciar uma briga, mas podia me defender e isso já era algo a mais do que eu tinha na infância. E era isso que eu mais queria, vendo a fúria do meu pai, que ele iniciasse uma briga para que eu pudesse finalmente me defender.
— Não haja como a porra de um moleque insolente, . — A sua raiva era tanta que eu senti sua saliva. Era nojento assim como tudo que cercava a minha família.
— Você está me ameaçando, pelo amor de Deus, eu sou teu filho.
— Você é um bastardo sortudo. Não se engane, se não fosse o fato de você ser o único herdeiro, eu nem teria me dado o desprazer de te reencontrar.
— Eu não posso acreditar que está chantageando a vida da mãe do seu filho. — Gritei em sua direção. Que espécie de ser humano era aquele?
— Não seja tão menininha. Se quer as contas do hospital pagas, então se case com Catherine. — Senti meu rosto se contorcer em desgosto. Desde antes da descoberta do câncer da minha mãe, ele a traía constantemente. Eu era o único que a visitava no hospital, principalmente depois que essa doença a consumiu de uma maneira que nada mais fazia efeito, ainda assim eu precisava lutar. Nunca imaginei que ele poderia me chantagear com a vida da mulher dele.
— Você é nojento. — Levantei-me, decidido a encerrar aquela discussão, mas meu pai me agarrou pelo cotovelo. — Solte-me ou eu vou me defender e não será nada bonito.
Ele não tinha medo de mim, mas sabia o que raiva podia fazer com um ser humano e logo ele me largou. Eu sabia que aquela briga não tinha terminado naquele momento, mas eu precisava de um ar puro. Um ar que não tinha cheiro de charuto caro e whisky.



— Mamãe, cheguei! — Gritei, já colocando meu violão do lado da porta assim que a fechei atrás de mim.
Ela não precisou responder para que eu soubesse que estava em casa. Minha mãe ainda se recuperava do seu último derrame. O som da televisão no quarto me indicava que ela ainda estava acordada. Apesar do horário, ela sempre me esperava para jantar, mesmo que eu dissesse que não era necessário.
Quando me aproximei do quarto, a encontrei sorrindo para o seu programa favorito. Era um sorriso que parecia errado, quase torto, mas sincero. E aquilo era tudo que eu precisava ver quando chegava em casa. Ela ainda estava sorrindo e feliz, apesar de tudo.
— Como foi hoje, minha filha? Muitos fãs enlouquecidos? — Perguntou e rapidamente eu me sentei ao seu lado na cama, passando minha mão pelo seu cabelo escuro.
— Com certeza, hoje até pediram para eu repetir a última música. — Ri ao me lembrar do meu último show na estação do trem perto de casa. Não era o meu trabalho fixo, mas às vezes davam boas gorjetas.
— Um dia vão descobrir seu talento e você será jurada no programa de bolos.
— Com certeza, mamãe. — Deixei um leve beijo na sua testa antes de me levantar e ir até o banheiro para tomar um último banho antes de dormir.
Nosso apartamento era pequeno, mas o suficiente para nós duas. Eu não podia reclamar dele pelo preço que pagamos, até mesmo eu tinha direito à privacidade de um quarto. Ainda assim, os remédios estavam cada vez mais caros e o salário de bibliotecária não era tão alto assim, mas era bom o suficiente por não tomar muito do meu tempo. Eu precisava cuidar da minha mãe pela tarde, pelo menos por enquanto. Não era a vida adulta que eu imaginava para mim quando era criança, mas eu tinha aprendido a lutar e a sobreviver.

Alguns dias depois…



Não tinha nada pior do que os dias de chuva para cantar na rua. As pessoas ficavam tão apressadas para chegar em suas casas que ninguém parava para ouvir. Eu não teria vindo se soubesse que o clima mudaria tão rapidamente como naquele fim de tarde. Eu preferia muito mais aproveitar o tempo com um chocolate quente, a companhia da minha mãe e uma possível busca por empregos melhores.
Quando estava quase desistindo de tentar chamar atenção de qualquer pessoa daquele trem, algo sutil me chamou atenção. Algo que eu não tinha visto até aquele momento, provavelmente, porque estava muito focada em não errar as notas daquela música nova que estava tocando. Tinha alguém prestando atenção em mim. Um homem parado do outro lado tinha seus olhos fixos no que eu estava fazendo. Ele desviou o olhar assim que notou que eu havia percebido. Não sabia se continuava ou corria, mas não era um olhar ameaçador ou nojento, como às vezes eu reconhecia em alguns homens que olhavam para mim. O garoto parecia apenas cansado. Eu reconhecia aquele olhar em qualquer pessoa, pois era o que eu via às vezes quando parava na frente do espelho.
Resolvi voltar a tocar, apesar de não ter nenhuma gorjeta na capa do violão aberta no chão. Era apenas um espectador, mas seja lá qual fosse o problema, eu ficaria feliz sabendo que minha música estava ajudando de alguma forma. Talvez ela o ajudasse, assim como me ajudou tantas vezes. Quando voltei minha atenção ao violão, quase consegui sentir seus olhos em cima de mim de novo. Uma sensação estranhamente íntima para se ter no meio de uma rodoviária com tantas pessoas, parecia que era apenas nós dois no meio daquela multidão.
A última nota soou no meu violão e eu ainda sentia a vibração das cordas quando abri meus olhos e o vi parado na minha frente.
— Você é muito boa. — Levantei meu rosto para encará-lo e me surpreendi com o quão jovem ele parecia ser de perto.
— Bom, eu tenho dias melhores. — Sorri um pouco mais tímida do que eu era naturalmente.
— Sim, eu também. — Acenei, concordando e analisando um pouco melhor a sua roupa, eu poderia dizer isso também. Apesar do terno formal demais para alguém da idade dele, a gravata estava jogada pelo pescoço e, eu não tinha certeza, pequenas gotas de sangue na blusa social branca indicavam que realmente aquele não era um bom dia para ele também.
— Você precisa de ajuda? — Perguntei e ele percebeu meu olhar nas manchas vermelhas.
— Conhece algum bar aqui perto? Eu só preciso de um banheiro e uma bebida.
— Claro, me dê apenas um minuto e eu te levo. — Comecei a guardar meu violão como sempre fazia, mas rapidamente vi que a capa não estava vazia como antes. Em algum momento, o garoto jogou a gorjeta sem que eu reparasse. — Isso não é muita coisa? — Pisquei, surpresa com a quantidade de notas.
— Eu daria mais se eu tivesse com a minha carteira. — Encolheu os ombros.
— Você realmente não deve ter nada mais importante para gastar seu dinheiro mesmo. — Falei, mas logo me arrependi. — Quer dizer…
— Não, você está certa. Eu não tenho mesmo. — Sorriu. — Confio em você para que dê um final melhor para ele.
— Pode ter certeza, o que não falta na minha vida é conta para pagar. — Coloquei as notas no bolso da minha calça. Sentia cada ação minha ser analisada pelo homem à minha frente.
— Não, tudo sobre controle. Faço isso de olhos fechados. — Sorri, logo passando a alça por cima do meu ombro. — Vamos lá, tem um bar aqui perto que você pode se lavar.
— E encher a cara. — Completou, sorrindo sem muito humor. — Eu preciso disso também.
— Quem não precisa disso, não é?
A chuva parecia ter dado uma trégua e agora era quase que um sereno e um ar frio nos acompanhando pela rua molhada. O olhei de perfil apenas para notar o quanto ele era bonito. Uma beleza quase aristocrática. Lábios finos, nariz arrebitado e um cabelo escuro que caía pela testa. E por mais desarrumado que ele parecia, ainda parecia que ele tinha acabado de sair de uma sessão de fotografia de alguma revista de modelo.
— Eu estou parecendo tão mal assim? — Comentou e eu rapidamente voltei a encarar a minha frente, tentando não parecer como se tivesse sido pega no flagra.
— Péssimo. Você não tem vergonha de andar assim na rua? — Tentei brincar, afastando qualquer estranheza do momento. Era o que eu fazia melhor antes de ficar nervosa.
— Desculpe por ter te envergonhado… — Parou, ainda sorrindo.
. — Completei.
. — Nos encaramos rapidamente. Quase que ao mesmo tempo, colocamos as nossas mãos em nossos bolsos desviando o olhar um do outro. — Você canta todos os dias?
— Não, apenas aos finais de semana. É mais fácil tentar conquistar a atenção das pessoas quando elas não estão correndo para casa depois de um dia merda de trabalho.
— Sinceramente, eu acho meio difícil que você não consiga chamar a atenção de alguém por mais apressado que ele esteja. — Senti meu coração bater mais rápido, mas mantive meu rosto virado para frente.
— Bem, obrigada, mas acho que você percebeu que as pessoas não estavam muito animadas hoje… — Encolhi os ombros. — Então obrigada por me escutar também. Eu teria ido embora se não tivesse te visto, mas acho que você precisava de alguma música. — Confessei, mais sincera do que costumava ser com estranhos sujos de sangue na rua. Mas tinha algo em seus profundos e tristes olhos castanhos que eu conseguia decifrar. Eu conseguia me identificar.
— Eu precisava. Você está certa. Minha vida está… — Ele parou, como se procurasse uma palavra.
— Cansativa? — Tentei adivinhar e ele assentiu, sorrindo. Todos os seus sorrisos parecendo tristes. Nenhum chegava ao redor dos olhos ou mostrava os dentes.
— Sim, às vezes, é só cansativo tentar nadar contra uma correnteza com a certeza de que você vai se afogar, não importa o que aconteça. — Levei meu olhar até ele mais uma vez.
— Você só precisa achar uma ilha. — me encarou, parecendo confuso. — Você não precisa sair do mar, apenas encontrar uma ilha para ficar e esperar toda a tempestade passar. — Expliquei, lembrando-me do que minha mãe costumava me falar quando eu estava me afogando. Nunca em um mar de verdade, mas sempre na minha cabeça. "Encontre a sua ilha", ela me dizia. A música era isso para mim.
— Você já encontrou a sua? — Seus olhos castanhos ainda estavam fixos em mim, tão perdidos, como se eu, de alguma forma, tivesse a resposta para os seus problemas.
— Não, mas eu estou construindo uma. — Virei minha atenção para o letreiro do outro lado da rua. — Não é a sua ilha, mas a bebida pode ser um bote salva-vidas até lá.
— Sim, eu acho que pode. — Um sorriso nasceu nos seus lábios e eles pareciam quase verdadeiros.



Quando aquele dia começou, eu não poderia imaginar que terminaria comigo, em um bar com uma estranha, bebendo feliz como eu não estive há muito tempo. . Os seus cabelos cacheados, parte preso no topo da cabeça e o resto nas suas costas. Seus olhos castanhos sempre divertidos, mesmo quando me encarava como se fosse capaz de resolver tudo que eu tinha dentro de mim, como se ela quisesse se afogar comigo. Algo que eu nunca poderia permitir, mas que eu queria.
— Aquele pestinha simplesmente me encarou e perguntou o que era um dicionário! — Contou, brava, me fazendo sorrir, verdadeiramente sorrindo, como eu nem me lembrava mais ser capaz.
— Para alguém que trabalha em uma biblioteca, isso me parece horrível. — Estávamos sentados um de frente para o outro no balcão do pequeno bar que ela me mostrou. Os dois acompanhados por um segundo copo já meio vazio de cerveja.
— Não apenas isso, mas depois daquele dia, eu entrei na crise dos 23. — Riu.
— Você superou essa crise?
— Eu tinha, até eu ler no Twitter que algumas pessoas realmente não sabem que Love Story é da Taylor Swift, mas sim um hit de Tik Tok. — Ela parecia cada vez mais aborrecida e eu mais encantado.
— Um crime, eu diria, certo? — Fingi não saber do que ela estava falando.
— Não me faça contar toda a importância dessa música para a indústria musical. — Brincou e nós dois rimos. Ela pareceu se lembrar de algo e desviou seu olhar para os seus dedos, que passavam pela borda do copo agora vazio. — Posso te perguntar uma coisa?
— Sim, eu sei quem é Taylor Swift. Não se preocupe, . — Ela revirou os olhos.
— O que aconteceu? — Ela não precisava ser específica, seu olhar para o sangue seco na minha camisa branca era o suficiente para eu entender.
— Briga de família. — Respondi, sério, e levei o último gole da bebida aos meus lábios.
— Nada que eu precise me preocupar, certo? Tipo você ser um assassino que está fugindo da sua cena de crime? — Tentou amenizar a situação, conseguindo mais uma vez me arrancar uma risada breve.
— Não, relaxe, eu nunca mataria você.
— E nem outra pessoa, certo… — Levantei uma sobrancelha, a encarando. Ela sorriu, assim como eu.
— Dependendo de quem, eu diria que sim. — Ela arregalou seus divertidos olhos castanhos e eu me forcei a sorrir, sabendo que sim, eu mataria meu pai se fosse preciso, mas ela não precisava saber disso.
— Você é misterioso, . Meio assustador, mas eu gostei 一 Gargalhei alto chamando a atenção das pessoas ao redor.
一 Você salvou meu dia, . 一 A encarei mais profundamente do que gostaria, mas ela não parecia se importar, pois não desviou o olhar.
一 Você também, . 一 Sorriu abertamente. Um sorriso lindo e que me lembrou de tudo o que tinha me levado até aquele fim de noite. Foi como um clique fazendo com que eu acordasse desse sonho. Ela ficou linda ao sorrir e deveria permanecer assim. Desviei o olhar para os nossos copos vazios, começando a reunir coragem para dizer adeus para aquela mulher encantadora.
一 Acho que está na hora de ir embora. 一 Anunciei, pegando algum dinheiro restante de dentro do meu paletó. Reparei de canto de olho quando ela acenou e seu sorriso vacilou.
一 Sim, sim. Está tarde, homens que andam de terno dormem cedo, eu presumo. 一 Brincou mais uma vez, conseguindo aliviar o clima. 一 Pode deixar que eu pago, um cara muito estranho me deu muita gorjeta hoje.
Dividimos a conta e fomos até a porta da frente do bar. A chuva ainda não tinha voltado a cair e agora era apenas o tempo frio após uma tempestade. Paramos um de frente para o outro, ela com o seu violão nas costas e eu segurando o meu paletó molhado por cima do ombro.
一 Acho que é isso então. 一 Disse, parecendo meio incerta, sem permanecer com seu olhar em mim por muito tempo. 一 Foi um prazer conhecer você, homem misterioso. 一 Ofereceu sua mão para um aperto, finalmente olhando para cima para me encarar.
Seus olhos castanhos me olhando tão puramente, a bebida na minha cabeça e todos os sorrisos que ela me arrancou naquele curto espaço de tempo apenas faziam com que eu me inclinasse em sua direção. Meu coração batendo forte e torcendo para que ela não recuasse, minha mente gritando para eu parar. Apenas um beijo. Apenas isso e eu nunca mais a encontraria. Como se ela soubesse das minhas intenções, ela puxou sua mão e se aproximou o suficiente para que tudo que eu precisasse fazer fosse me inclinar em sua direção. Joguei todo o controle fora, derrubei meu paletó no chão, usando a mão para puxar seu corpo para mim enquanto a outra ia até sua nuca. Sentir seus lábios macios foi o suficiente para quebrar qualquer tipo de proteção que eu ainda poderia ter. Puxei-a para mais próximo do meu corpo, sentindo suas mãos no meu peito e um sorriso nascer em sua boca enquanto nos beijávamos como se a salvação estivesse ali, naquele momento e naquela noite fria.
O ar não demorou a faltar e ela foi a primeira que se afastou, ainda permanecendo próxima o suficiente para que eu contasse as suas sardas e colocasse uma mecha do seu cabelo atrás da orelha.
一 Eu não costumo beijar estranhos na rua. 一 Disse, um pouco ofegante, me encarando.
一 Eu não costumo beijar cantoras estranhas também. 一 Sorrimos juntos até sentirmos as primeiras gotas de chuva caindo. Uma nova tempestade estava se formando, como um aviso. Afastei-me rapidamente, perdendo o calor das suas mãos. 一 Eu preciso ir. 一 Não esperei uma resposta e dei as costas para a coisa mais brilhante que eu tinha visto em toda minha vida. Um brilho que eu não queria apagar.



Ele se foi tão rápido quanto veio. Toquei meus lábios apenas para lembrar o que tinha acontecido. Parecia tão real, mas ao mesmo tempo era como se fosse um sonho. Um terrível, lindo e misterioso sonho. A chuva apertou, mas eu ainda permanecia parada, encarando para onde ele tinha caminhado, misturando com a multidão correndo ao seu redor. Ouvi o toque do meu celular e o atendi, saindo do meu transe.
一 Minha filha, você está bem? 一 Escutei minha mãe, preocupada, do outro lado. Balancei a cabeça para afastar os últimos minutos da minha vida.
一 Sim, mãe. Eu estou indo, devo chegar em alguns minutos. 一 A acalmei, finalmente tomando coragem para ir embora ao perceber que ele não iria voltar e perceber que não tínhamos trocado telefone. Aquele era um adeus, ele deveria saber disso. Esse deveria ser seu plano.

Alguns dias depois



一 Você realmente não sabe nada além do primeiro nome dele? 一 Ouvi minha amiga perguntar pela milésima vez só naquele dia. Ela encarava o computador com seus olhos focados.
, isso já faz uma semana. Esquece isso! 一 Continuei arrumando os papéis ao seu lado.
Como em todas as manhãs de segunda, e eu cuidávamos da pequena biblioteca da cidade. Aquele horário era tão calmo que sempre fazíamos uma aposta em quantas pessoas apareceriam por lá. Infelizmente, eu estava ganhando. Se tivéssemos tido mais do que três pessoas, e uma delas apenas entrando por engano, eu estaria perdendo a aposta, mas ganhando um sossego, algo que eu perdi uma semana atrás quando contei sobre para . A pessoa que tinha obsessões duríssimas até perder o total interesse nelas.
一 Ok, bem aqui. 一 Apontou para a tela. 一 Todos os do Facebook que eu encontrei nos últimos dias.
一 Como está o tricô? Aquela era uma obsessão mais saudável. 一 Encarei rapidamente o lugar que ela apontava, mas nenhum olhar marcante me chamou atenção. Minha amiga, por outro lado, não tinha percebido, pois ainda encarava as possibilidades como um grande desafio matemático.
一 Eu sou péssima naquilo. 一 Encolheu os ombros. 一 E isso é bem mais divertido.
一 Acredite em mim, eu prefiro o tricô. 一 Sussurrei, pegando alguns livros e indo para o depósito, deixando-a sozinha em sua missão interminável de encontrar alguém que claramente não queria ser achado.
As poucas prateleiras de livros perdidos era o meu lugar favorito para passar o tempo. Só tinha o acesso pelo balcão de madeira da frente, podia ser trancada por dentro e era o melhor lugar para se perder por horas em exemplares que ninguém tinha se preocupado em guardar. Quase não dava para ouvir nada do lado de fora. Era um bom lugar para me esconder da . Pelo menos foi por alguns minutos, até que ela apareceu afobada e gesticulando demais.
. Ele está lá fora, procurando por você. 一 Avisou, falando tudo tão rápido que ficou difícil acompanhar. ? Ele nem sabia onde eu trabalhava.
一 Você precisa realmente esquecer ele. Isso não é tão legal. 一 A ignorei, voltando a ler o livro de antes. Mas , insistente como costumava ser, foi até mim, tirando ele da minha mão.
一 Levanta dessa cadeira e vai atrás do seu homem, . 一 Bufei, me levantando, sem animação.
Eu só tinha que ir lá e provar para ela que não era ele. Pronto. teria que me deixar em paz depois daquilo. Mas todo o plano deu errado quando o vi parado com a mão nos bolsos de um casaco preto e seu olhar vagando pelo lugar. . Era realmente ele. Inevitavelmente, passei a mão pelos meus cabelos e roupa, tentando parecer mais apresentável do que em uma manhã de segunda, e me aproximei lentamente, até que seus olhos encontraram o meu rosto e ele sorriu.
一 Oi. 一 Disse, tentando não parecer tão sem ar como eu estava. 一 Perdido?
一 Ao contrário, eu estou apenas me encontrando. 一 Sorri, mas não disse nada, apenas querendo que ele explicasse o que estava fazendo ali. 一 Desculpa vir até o seu trabalho, espero que você não ache isso stalker demais…
一 Tudo bem, não é como se eu não tivesse visto um milhão de no Facebook apenas para tentar te achar. 一 Encolhi os ombros, torcendo para que aquilo não tivesse soado tão desesperado ou estranho para ele como pareceu para mim.
一 Eu não tenho Facebook… 一 Riu e surgiu atrás de mim, se postando ao meu lado e apoiando no balcão.
一 Percebemos depois dos 3 dias, senhor misterioso. Tentando esconder alguma coisa? 一 O encarou de olhos cerrados e a testa franzida.
A olhei rapidamente, pedindo silenciosamente que ela ficasse quieta, mas ela tinha aquela feição ameaçadora e obcecada, capaz de dissecar uma alma.
一 Não liga pra isso, . 一 Gesticulei. 一 Algo que eu possa fazer para te ajudar?
一 Podemos conversar lá fora? 一 Seu rosto desviou rapidamente de mim para .
一 Claro, definitivamente podemos. 一 Levantei a bancada e o acompanhei para fora rapidamente, com medo de ouvir algum comentário da minha melhor amiga.
A frente da biblioteca tinha uma pracinha que costumava ficar lotada de crianças naquele horário, apontei para o banco do outro lado da rua e caminhamos em silêncio absoluto em direção a ele.
一 Eu quero pedir desculpas por ter sumido tão de repente. 一 Soltou assim que sentamos virados para a frente da rua. 一 Foi um dia merda e eu…
一 Tudo bem, . Foi meio rude, mas não é como se você tivesse partido meu coração ou qualquer coisa assim. 一 O interrompi, tentando soar mais sincera do que eu realmente estava sendo naquele momento.
Tinha doído quando ele apenas desapareceu sem deixar vestígio, durante esses dias? Sim. Em alguns momentos, eu duvidei se tudo aquilo não tivesse sido apenas um sonho, mas não era como eu não estivesse acostumada a lidar com frustrações da minha vida.
一 Eu queria te chamar para sair. 一 O encarei rapidamente e ele soava mais nervoso do que eu esperava.
一 Tem certeza? 一 Brinquei. 一 Olha, você não precisa fazer isso só porque acha que foi um idiota. 一 “Quando foi embora depois do melhor beijo da minha vida”, completei apenas em pensamento.
一 Eu não estou duvidando sobre te chamar para sair. Disso eu tenho certeza. 一 Parou e virou seu corpo em minha direção. 一 Eu passei os últimos dias pensando em você e em crise existencial se deveria te encontrar ou não.
一 Como me achou, aliás? Eu deveria me preocupar sobre isso? 一 Não que fosse difícil encontrar a única biblioteca da cidade.
一 Você passou metade do seu tempo reclamando de crianças e internet, não foi complicado encontrar a única da biblioteca da cidade. 一 Assenti, já sabendo que eu não era a pessoa mais discreta sobre a minha vida.
一 Então você quer sair comigo? 一 Voltei ao assunto, apenas querendo que ele confirmasse que eu tinha escutado direito.
一 Sim, eu quero sair com você. 一 Repetiu, sorrindo. 一 Você está livre hoje?
一 Como uma borboleta. 一 Respondi, sem medo de demonstrar minha felicidade com aquele convite.
一 Sua amiga não para de olhar para cá, deveria me assustar? 一 Apontou rapidamente com a cabeça em direção ao outro lado da rua. A silhueta de estava visível através da grande vitrine de vidro que a biblioteca tinha.
一 Deveria sim. já ficou obcecada com defesa pessoal durante alguns meses, não se deixe enganar pelo seu tamanho. 一 Contei, lembrando dos meses em que ela gastou todo seu salário em roupas de ginástica e mensalidades na academia. Não durou muito, mas isso definitivamente a tornava um perigo ambulante para qualquer um que ela odiasse.
一 Vou anotar isso. 一 Sorriu daquela maneira sincera que ia até os seus olhos. Ele parecia mais tranquilo do que da última vez que o vi. O casaco preto com capuz e o jeans apertado eram bem diferentes das roupas formais do outro dia.
一 Eu preciso ir agora… 一 Olhando de relance, percebi que já tinha as mãos na cintura, e por mais que não conseguisse ver seu rosto, a sua impaciência logo ganharia e ela viria em nossa direção.
一 Eu posso anotar seu número? Para saber que horas posso vir te buscar. 一 Alívio passou por todo meu corpo. Sorrindo, dei o meu contato para ele e nos despedimos de maneira rápida com um aperto de mãos quase que desconfortável para nós dois. Dessa vez, eu quem dei o primeiro passo para ir embora, atravessando a rua nada movimentada e olhando por cima do ombro pela última vez, acenando em sua direção.
Nem um minuto se passou do sininho sinalizando minha entrada e já pulou na minha frente com uma testa franzida e um olhar semicerrado.
一 Algo nele é estranho. 一 Comentou, encarando a porta enquanto eu passava por ela.
一 Engraçado, você não disse isso do Daniel. 一 A lembrei, puxando a bancada e depois me apoiando sobre ela, incapaz de esconder meu sorriso ansioso. 一 Considerando que ele usava fantasia de super heróis por debaixo da roupa, eu diria que você não tem um bom radar para caras estranhos. 一 Ela bufou, vindo até minha direção, ficando do outro lado do balcão.
一 Que seja, . 一 Gesticulou. 一 Daniel tinha, pelo menos, uma rede social. Quem da nossa idade não tem nada?
一 Eu tenho e não uso, isso é realmente tão importante? 一 Tentei não soar tanto na defensiva, mas estava obcecada com por tanto tempo que eu achei que ela ficaria feliz se o encontrasse de novo, mas ela só parecia desconfiada. 一 Não era o que você queria? Encontrá-lo? Então, ele apareceu.
一 Não sei, algo nele é misterioso demais. 一 Afirmou, se virando para a porta e apoiando seus cotovelos no balcão. 一 Como se ele escolhesse algo.
一 Ótimo, temos sua nova obsessão. 一 Revirei os olhos, sem paciência. 一 Me irritar.
一 Pelo menos, essa é de graça. 一 Riu, aliviando um pouco a minha raiva. 一 Eu não sabia que demorava tanto para pagar as mensalidades de uma academia.



Assim que ela fechou a porta da livraria, eu pude soltar todo ar que estava segurando. Eu não deveria ter ido ali, eu não deveria ter voltado para ela. Pelo menos, eu sabia que apanharia da sua amiga quando a magoasse, e eu iria. Aquilo era algo inevitável, mas ainda assim eu estava sendo egoísta o suficiente para ir atrás dela. O quão diferente eu era do meu pai? Os dois colocavam os seus sentimentos na frente do de outras pessoas. Assim que vi a porta fechar, levantei-me para ir até a única pessoa que gritaria comigo pelas razões certas.
一 Por que está usando isso? 一 Foi a primeira coisa que perguntou quando me viu do outro lado da porta do seu pequeno apartamento.
一 Não é nobre o suficiente para você, papai? 一 Respondi sem humor, passando por ele sem cerimônias, me jogando no grande sofá escuro da sua luxuosa sala. Só aquele cômodo poderia ser maior do que o local de trabalho da e sequer era sua verdadeira casa, mas sim seu local de fuga. Um lugar que a gente ia para fugir das obrigações de um nobre do século XXI.
一 Você foi atrás da garota. 一 Sentou ao meu lado. 一 Eu achei que você fosse menos egoísta do que isso, .
一 Eu também, mas acho que está no meu DNA. 一 Fechei os olhos, tentando esconder tudo o que eu pensava do meu melhor amigo, mas sabendo que isso era impossível. Ele poderia me ler como ninguém.
一 Você é melhor do que seu pai, . Na verdade, eu diria que é difícil ser pior do que ele.
一 Então eu deveria ligar para ela e cancelar tudo, certo? 一 Meus olhos ainda fechados e minha mente ainda borbulhando com imagens do seu sorriso alegre do dia que nos conhecemos.
一 Deveria, mas não é justo com ela…
一 Já não está sendo justo agora, . Eu só tenho duas semanas… 一 O lembrei e senti quando seus olhos caíram em minha direção.
一 Maldita hora para você se apaixonar, era para ser um mês de despedida de solteiro. 一 Tentou brincar, mas permaneci quieto. 一 Você sabe que vai ter que contar alguma hora, não sabe?
一 Eu sei, mas como falar para alguém que você chamou para sair e beijou, que está noivo e vai se casar em menos de duas semanas? 一 Talvez eu tivesse que ter contado para o motivo do sangue na minha roupa, uma terrível briga em família que começou com um casamento arranjado e terminou com um soco na cara do meu queridíssimo pai.
一 Não sei, cara, é por isso que meu coração está trancado a sete chaves. Aprendemos isso com menos de dez anos de idade, não lembra? 一 Riu.
一 Eu acho que faltei na aula de ser um tremendo galinha sem sentimentos. 一 Revirei os olhos, encarando meu melhor amigo, que por ser dois anos mais novo do que eu, ainda tinha um pouco da sua liberdade para aproveitar.
一 Bom, infelizmente não posso te ensinar nada agora, mas algo comum no nosso mundo são casos fora do casamento…
一 Nem termina, eu nunca faria isso com ela. Eu já estou bagunçando sua vida o suficiente. 一 O interrompi rapidamente. Nunca colocaria nessa posição mais do que estou fazendo agora.
一 Então aproveita essas duas semanas, , porque depois disso, você nunca mais vai poder fugir para uma cidadezinha pequena para encontrá-la. 一 Suspirei, sabendo que ele estava certo. Eu tinha apenas duas semanas com ela e depois tudo que me restava era desaparecer sabendo que eu deixei para trás a melhor coisa que já encontrei em toda a minha vida.



一 Vestido preto ou azul? 一 Perguntei pela milésima vez para minha melhor amiga. O telefone preso entre o ombro e a cabeça, e os vestidos jogados na cama me encarando como se lutassem para ter a sorte de participar daquele encontro.
一 Eu diria um pijama e pipocas. Eu estou com saudades da sua mãe e da nossa maratona de Masterchef Kids. 一 Revirei os olhos, mesmo sabendo que ela não veria.
一 Azul. 一 Respondi, ignorando seu comentário. 一 E nem pense em aparecer por lá, .
一 Eu jamais faria isso… 一 Deixou sua voz morrer e eu já sabia que ela totalmente faria algo assim. 一 Mas lembra quando eu fiquei viciada naquele filme do Shia LaBeouf? E eu realmente achava que meu vizinho era um psicopata…
一 Onde exatamente essa conversa vai levar? 一 A interrompi.
一 Bem, eu comprei um binóculo para espionar ele e eu poderia, sei lá, ficar do lado de fora do lugar que vocês vão, apenas para emergências…
一 Ok, primeiro de tudo, nunca mais diga em voz alta que você espiona o seu vizinho, . Sério, isso é esquisito. Segundo, eu não quero ter que explicar porque minha amiga está nos encarando com uma faca e um binóculo. 一 Falei, tentando soar séria, mas apenas a situação já me deixava com vontade de rir.
一 Ok, mas prometa levar uma com você. Eu realmente não confio nele. 一 Bufei alto. 一 É sério, . Ele não te deu o número dele, não disse nada sobre ter sumido, sabe? Nada. Pelo menos, uma mentirinha sobre ficar preso em algum trabalho burocrático. Nada. Ele só apareceu do nada…
一 Beleza, entendi, . 一 Disse, um pouco mais alto e nervosa do que normalmente. 一 Spray de pimenta na bolsa e seu número na discagem rápida. Eu vou ficar bem, tá legal? Se ele quisesse me matar, já teria feito isso.

一 Eu preciso ir para não me atrasar. 一 Sem esperar uma despedida, desliguei o telefone e o joguei na cama.
Não queria deixar que aqueles pensamentos se infiltrassem na minha cabeça. Sim, ele era um cara misterioso e não tinha me dado nenhum tipo de contato, mas ainda assim, tinha algo sobre ele que me dizia que estava tudo bem. Poderiam ser seus olhos tristes e cansados daquela noite, ou seus sorrisos sinceros mesmo que raros. Eu sentia que podia confiar nele. De uma maneira estranha e irracional, eu poderia confiar em um estranho que me encontrou na rodoviária chuvosa enquanto eu cantava para ninguém. Ele me viu e parou para ouvir e isso era o suficiente por agora. Além do seu beijo, que fazia minhas pernas amolecerem e meu cérebro entrar em pane só de lembrar.
Decidi pelo vestido azul que nunca tinha usado, mas tinha sido o último presente da minha mãe antes do seu acidente. Era uma ocasião especial e seria uma boa lembrança que eu guardaria com carinho mesmo que nada desse certo. Eu sempre me classifiquei como uma pessoa corajosa, artistas precisam ser corajosos ou eles nunca teriam sobre o que contar em sua arte. Para achar o amor, você precisa ser corajoso o suficiente para lidar com a dor. Enviei o meu endereço para o seu número e fui até o quarto da minha mãe.
一 Sempre soube que esse vestido ficaria lindo em você, . 一 Sorriu e bateu no espaço vazio ao seu lado. 一 Venha aqui, precisamos ter aquela conversa…
一 Mãe, eu tenho 20 anos, por favor. 一 Rimos juntas.
一 Está levando um spray de pimenta? 一 Revirei os olhos, ainda sorrindo.
一 Sim, senhora. já fez o seu papel de guarda-costas. Nada com o que se preocupar. 一 A acalmei. 一 Não vou demorar muito, e qualquer coisa, apenas ligue para .
一 Eu não estou mais tão doente, . Não preciso de babás. 一 Assenti, passando a mão em seu cabelo. Era difícil lembrar que ela estava melhor agora, cada dia que passava ela estava voltando a ser o que era antes do AVC. Ainda assim, deixá-la sozinha era algo que eu não gostava de fazer se não fosse estritamente necessário.
Os minutos passaram rápido em sua companhia. Assistimos, pelo menos, um episódio e meio de algum programa sobre reformas que ela tanto amava antes de ouvir a campainha tocar, avisando que estava ali. Ele estava na minha porta. Algo que eu não poderia imaginar depois do seu sumiço, mas que eu desejei bastante antes de dormir.
一 Eu preciso ir. 一 Tentei me acalmar, mas sem saber exatamente o que fazer para não soar tão elétrica.
一 Divirta-se, minha filha. Nunca se esqueça, você é incrível e se nada der certo…
一 Só se morre de amor nos cinemas. 一 Completei, sorrindo com o conselho que ela me dava todas as vezes que eu voltava para casa com um coração partido e lágrimas nos olhos. Dei um beijo em sua testa, indo em direção ao meu quarto para me olhar no espelho pela última vez.



Assim que ela abriu a porta, eu senti meu coração parar e um sorriso inevitável aparecer no meu rosto. estava com um vestido azul que ia até os seus joelhos, mangas compridas, mas que deixavam os seus ombros descobertos. Ela estava linda como sempre e me encarava com seus olhos sinceros, o que me fez voltar. Tudo nela era real e isso não era algo que eu estava acostumado, vivendo no meio de falsidades e ego.
一 Você está linda. 一 Disse, vendo seu rosto corar. 一 Talvez eu tivesse que ter me arrumado um pouco mais.
一 Você está ótimo, . Coloque um saco de batata e ainda vai parecer um modelo de passarela. 一 Seu comentário me pegou desprevenido, não é como se eu não soubesse dos meus atributos físicos, mas ainda assim, saber que ela me achava bonito parecia ser a única opinião que importava para mim.
Ela morava no primeiro andar de um pequeno prédio no centro de Newport. Não era uma cidade grande, mas eu só costumava ir até lá para fugir com , então não sabia exatamente para onde levá-la. Descemos as escadas em silêncio e assim que alcançamos o térreo, virei em sua direção.
一 Você está encarregada de me mostrar a cidade hoje. 一 Contei e rapidamente ela tomou a frente do caminho, abrindo o portão de ferro da entrada para mim.
一 Serei sua guia, . 一 Rimos, divertidos. 一 Não que a cidade tenha algo especial, a coisa mais legal das redondezas é uma padaria que faz pãozinho em formatos do rosto da família Real. O Harry com chocolate é meu favorito, se quer saber.
一 Eu imagino que seja bom, mas podemos ficar longe da realeza hoje? 一 Eu não queria ter que explicar que conhecia o príncipe Harry e que eu frequentava os castelos da família.
一 Ok, sem nobres. 一 Acenou, caminhando ao meu lado. 一 E que tal artistas?
一 Os meus favoritos. 一 Sorri, a encarando.
一 Ótimo, tem esse barzinho meio hipster que todo dia tem alguma apresentação. Eu já toquei lá algumas vezes. Claro, não tem Harry com chocolate, mas acho que você pode gostar.
一 Eu imagino que sim…



Assistimos pelo menos duas apresentações terríveis de comédia e um monólogo sem graça sobre os problemas com as redes sociais. A menina estava interpretando o MySpace deprimido por ter sido deixado de lado. Um pouco esquisito para o meu gosto artístico, mas toda vez que encarava , ele parecia realmente focado.
一 Nunca imaginei que o MySpace tinha sofrido tanto. 一 Comentou, se aproximando bastante do meu rosto. Se eu apenas me virasse, talvez a gente pudesse se beijar, mas eu não sabia se era exatamente isso que ele queria naquele momento, então apenas foquei no palco.
一 Redes sociais com problemas sociais, realmente, um grande espetáculo. 一 Rimos juntos e batemos palmas para aguardar a próxima apresentação. 一 Então, quando conversamos naquele dia, você basicamente me ouviu falar.
一 Obrigado por ficar comigo aliás. Eu realmente precisava daquilo. 一 Ele pareceu momentaneamente triste de novo.
一 Problemas na família? 一 Tentei acertar e ele assentiu. 一 Sei bem como é.
一 Meu pai costuma ser uma péssima pessoa, sei lá… Vinte e quatro horas por dia. 一 Seu olhar estava perdido nos palhaços malabaristas à nossa frente.
一 O meu traiu a minha mãe. 一 Eu não sabia exatamente da onde tinha vindo aquilo, mas pareceu certo contar. me encarou, mas não tinha aquele olhar de pena, mas sim quase como se ele soubesse. 一 Na verdade, ele traiu a esposa dele com a minha mãe e aí eu nasci, mas ele continuou com o joguinho até que descobriram tudo quando eu tinha 13 anos. Sempre pensei que ele sumia porque trabalhava muito e não porque estava comemorando o aniversário de seus filhos legítimos…
一 Eu sinto muito, . 一 Sua mão procurou a minha por cima da mesa e a tocou. 一 O meu pai trai a minha mãe mais vezes do que eu penso ser humanamente possível também.
一 Pais… 一 Revirei os olhos, tentando soar descontraída. 一 Você brigou com ele aquele dia? Por favor, não me diga que aquele era o sangue do seu pai.
一 Mas era. 一 Sorriu sem humor. 一 As coisas saíram do controle rápido demais.
一 Sua mãe disse alguma coisa? 一 Senti quando sua mão apenas parou o carinho que estava fazendo e todo o seu corpo parou. Eu tinha tocado em algum assunto delicado. 一 Você não precisa dizer se não quiser. 一 Me apressei em falar.
一 Ela não está no seu melhor momento para cobrar qualquer coisa. 一 Ele parecia tenso ainda. 一 Você ainda fala com seu pai?
一 Ah, não. Ele foi embora de vez, assim que minha mãe descobriu tudo. 一 Expliquei, me lembrando dos piores momentos que tinha passado quando o vi sair sem olhar para trás.
一 E como ela ficou? 一 Perguntou, interessado e um pouco mais relaxado.
一 Ela só me disse “filha, só se morre por amor nos cinemas”, e ficamos bem, na medida do possível. 一 Contei as lembranças que eu tinha vividas ainda em minha mente. Eu estava na ponta da escada quando ela bateu a porta e me viu parada no canto. Seu sorriso apareceu e ela me deu o conselho que eu seguia até hoje.
一 Só se morre por anos cinemas? 一 Ele parecia confuso, assim como todos ficavam.
一 É de um filme super triste, a gente costumava assistir todos os dias enquanto esperávamos meu pai aparecer para jantar. O mocinho vai para guerra, e quando ele volta, a mulher que ele amava estava casada com outro porque a mãe achava que era o melhor para ela, e aí ela diz para filha que só se morre de amor nos cinemas.
一 E se você machucar muito alguém? Você acha que a gente consegue esquecer? 一 Ele me olhava quase triste.
一 Você não precisa esquecer, , apenas aprender a viver com as lembranças como algo bom, e não como coisas para te assombrar. 一 Ele segurava o meu olhar no seu e sua mão ainda em cima da minha me puxou para mais perto. Senti seu hálito quente no meu rosto e logo os nossos lábios estavam juntos, ouvi algumas palmas ao redor, mas tudo que existia naquele momento era ele. Aquele beijo me fazia questionar tudo o que eu tinha aprendido. Aquele não era um filme, mas eu já duvidava se não conseguiria morrer de amor na vida real.



Eu tentava ao máximo evitar ligar para , mas eu já estava preso em uma sinuca de bico. Se eu não ligasse, a machucaria, porque eu não podia simplesmente sumir do nada, mas se eu voltasse para encontrá-la todas as noites, tudo terminaria dando errado de qualquer maneira. Aquilo tinha começado errado e terminaria da mesma maneira. O meu tempo estava acabando cada vez mais rápido, tinha se passado duas semanas desde que eu a vi pela primeira vez, duas semanas do nosso beijo e muito mais o que aconteceu em encontros rápidos e quartos no apartamento do , que eu fingia ser o meu. Tudo o que eu fazia era mentir.
一 Você precisa arrumar essa situação. 一 não parava de brigar comigo desde que eu pedi para ele não voltar aquela noite.
一 Eu pretendo fazer isso em breve. 一 Abri a geladeira para pegar o leite e colocar no copo em cima do balcão. Estava de costas para ele, mas sabia que sua cara não deveria estar nada boa.
一 Ah, é? Você pode me dizer como? 一 Apoiei minhas mãos na pia e segurei a respiração. 一 Ela precisa saber que daqui cinco dias você será um homem casado.
一 O pai dela traiu a mãe. Eu estou colocando ela na mesma situação que a mãe dela estava anos atrás, eu não posso simplesmente contar tudo. 一 Eu não conseguia parar de pensar nas suas palavras. Eu machucaria ela muito mais do que pensava.
一 Bem, isso é uma merda, mas qual é a sua outra opção? Simplesmente desaparecer da cidade? 一 Virei-me para encará-lo. 一 , você precisa arrumar antes que dê uma merda maior.
一 Eu só preciso de mais alguns dias… 一 Pedi, eu pretendia ir embora no início da semana, mas estava quase que viciado em tudo sobre ela. As histórias da sua infância, as loucuras da , que ainda não era minha fã, suas músicas, seus beijos, seu corpo… Eu não conseguia ir embora.
一 Hoje é a última vez que você tem meu apartamento. 一 Avisou e pegou a chave no balcão sem me dar uma chance de resposta. Ele saiu e bateu a porta com força atrás dele. Eu ainda não era capaz de soltar o ar que segurava, eu não conseguia fazer isso desde que comecei a primeira mentira.




一 Trouxe a roupa que me pediu. 一 me entregou um blazer preto para que eu colocasse por cima da minha blusa branca de gola alta.
Nunca tinha feito um evento como aquele. Na verdade, ainda tentava entender o telefonema misterioso para participar de um casamento, mas o dinheiro era ótimo, tão bom que eu poderia desconfiar se era verdade até eu receber naquela manhã o local do evento e perceber que era no Castle Cardiff, eu nem sabia que se poderia alugá-lo para eventos.
一 Será que é alguém da família real? 一 Minha amiga me perguntou, animada, sentando na cama atrás de mim enquanto eu decidia se deixava o blazer aberto ou fechado, encarando-me no espelho.
一 Ah, claro, como uma cantora de rua iria parar em um casamento real? 一 Perguntei, a encarando pelo reflexo. 一 Aberto ou fechado?
一 Aberto. 一 Disse, se apoiando em seus cotovelos. 一 Falando em realezas, alguma notícia do seu príncipe misterioso?
一 Já disse para não chamá-lo assim. 一 Briguei, mas parte de mim já estava ficando preocupada. não costumava sumir mais, pelo menos, não desde aquela vez que nos conhecemos, mas desde ontem ele não atendeu ao telefonema. Eu nem tinha conseguido avisar sobre essa oportunidade que tinha recebido. 一 Ele deve ter ido em algum trabalho da empresa do pai.
, eu sei que você odeia quando eu… 一 Começou, mas logo me virei em sua direção e gesticulei para que ela parasse.
一 Ele nunca faria isso comigo, . Eu não o conheço há anos, mas nunca faria isso. 一 Fui em direção à minha bolsa, jogando algumas coisas dentro dela sem ter coragem para levantar minha cabeça e encarar minha amiga.
Eu não podia pensar naquilo, machucava muito a possibilidade dele realmente me tratar da única maneira que eu nunca poderia aceitar. Eu tinha contado para ele sobre a traição do meu pai, sobre a minha mãe e tudo que eu passei. nunca me colocaria nesse papel.
一 Não está mais aqui quem falou. 一 Seu tom era quase triste, sabia que se a encarasse, ela estaria com aquele olhar de pena. Foquei mais ainda em jogar tudo que eu encontrava na minha bolsa, mesmo sabendo que não precisava de metade daquelas coisas, ainda assim era melhor do que encarar aquele olhar que eu conhecia tão bem. Era a mesma maneira que todo mundo olhava para minha mãe.
一 Estou pronta. 一 Peguei a capa com o violão e passei por cima do ombro, a bolsa na minha mão. 一 Espero que não tenha só comida de passarinho. 一 Tentei descontrair o momento. se levantou em um pulo, ficando na minha frente.
一 Do jeito que você jogou tudo do seu quarto nessa bolsa, provavelmente, deve ter algum pedaço de pizza perdido aí dentro. 一 Disse, dando batidinhas no meu ombro, fiz uma careta, mostrando a língua para ela. 一 Agora, vamos lá que você tem uma festa de rico para animar. 一 Ela se virou para a porta, mas parou e olhou por cima dos ombros como se tivesse acabado de lembrar de dizer algo importante. 一 Ah, não esquece de filmar caso perceba que tudo vai começar a dar errado, eu ainda tenho a meta de ver uma noiva fugindo em um casamento.




一 Você ainda pode fugir. 一 Ouvi a voz de atrás de mim, mas não tive coragem de virar para encará-lo em seu traje formal que me lembraria ainda mais do que estava prestes a acontecer.
一 Não, eu não posso. 一 Eu nem conseguiria se quisesse. Sei que me ajudaria se eu pedisse, até mesmo minhas irmãs fariam isso por mim, mas e depois? Eu nunca trabalhei, sempre fui uma sombra de tudo que eu poderia ter sido, mas que ficou escondido atrás dos desejos do meu pai. Eu tinha me colocado naquela situação e eu precisava lidar com isso.
一 E ? 一 Murmurou. 一 Falou com ela?
一 Não consigo. 一 Respondi em um sussurro. Estava com vergonha de olhar em direção ao celular e ver suas mensagens e ligações perdidas. Não podia quebrá-la daquele jeito, eu iria terminar com tudo, mas da melhor maneira que eu pudesse fazer isso. Eu iria sumir para o outro lado do país, apagar seu número e torcer que o tempo é poderoso em apagar as coisas, torcendo para que ela não fosse tão presa naquilo quanto eu.
… 一 Chamou e me puxou para encará-lo. 一 Você precisa contar para ela.
一 E depois o quê? 一 Gritei. 一 Eu estou fazendo a única coisa que eu sei que ela não pode lidar, . Eu não tenho coragem de fazer isso. Eu sou a merda de um covarde.
一 Ela merece uma explicação, você não pode ir embora simplesmente do nada. 一 Seu rosto estava furioso, eu entendia o motivo. Eu me olharia da mesma maneira se tivesse coragem para, pelo menos, encarar o meu reflexo, mas até mesmo naquilo eu estava falhando.
Antes que eu pudesse, ouvimos batidas na porta e logo nosso mordomo estava dentro da sala.
一 Está tudo pronto, senhor Philips. Todos te aguardam no jardim. 一 Senti o olhar do meu amigo em mim.
一 Já estou indo. 一 Sinalizei para que fôssemos deixados sozinhos e respirei fundo antes de me preparar para sair, passando por que segurou meu pulso.
一 Temos dois cavalos lá fora, . Você não precisa fazer isso, sua mãe entenderia. 一 Sem encará-lo nos olhos, soltei meu braço de seu aperto e fui em direção ao meu casamento.



Ok, talvez estivesse certa. Aquele parecia, de fato, um casamento real. Todas as regras para deixar o celular do lado de fora, as revistas que eu tive passar e a vergonha de explicar todas as coisas desnecessárias em minha bolsa realmente me fizeram perceber que aquele era um casamento mais sério do que costumava ser. O grande jardim do castelo estava arrumado com bancos brancos enfeitados com camélias brancas. As mulheres estavam com longos vestidos e os homens com ternos que pareciam custar a minha casa. Perto da grande entrada do castelo, estava o local do padre e um grande tapete vermelho se estendia em sua direção. Um dos empregados com roupa engraçada de filme, levou-me em direção até ao piano que ficava exatamente do lado do início do tapete vermelho. O instrumento era branco e dourado, provavelmente, feito por encomenda e as teclas eram macias de baixo dos meus dedos.
一 Assim que todos se levantarem, você começa a tocar, entendido? 一 Assenti, rapidamente me sentando no banco e preparando as partituras no lugar. Meu coração estava mais acelerado que o normal. As mãos estavam suadas e eu tentava a todo momento secá-las no meu blazer.
Alguns minutos se passaram e os convidados já estavam em seus lugares apenas esperando o noivo aparecer atrás de mim para que eles pudessem se levantar. Respirei fundo por uma última vez e quase que no mesmo momento, uma trombeta soou, sinalizando o início do casamento. As pessoas levantaram e todos olharam para o início da caminhada e onde estava o arco dourado. Comecei a tocar a música e inevitavelmente fechei meus olhos apenas sentindo meus dedos atravessarem as teclas levemente. Eu gostava de casamentos, pessoas dizendo seus votos e declarando seu amor uma para outra.
Senti que o noivo estava perto de mim, pois o burburinho aumentou e abri meus olhos para ver para quem eu estava tocando aquela música. Virei meu rosto para o lado e a primeira nota soou desafinada quando meus dedos escorregaram, senti meu coração parar de bater por rápidos segundos. Ele se assustou e finalmente seu rosto estava na minha direção e eu reconheci na hora. . Ele estava na minha frente, caminhando para o seu casamento. Vi quando seus lábios sussurram meu nome com horror em seus olhos.
Meus dedos estavam parados em cima das teclas e as pessoas começavam a encarar nós dois, mas tudo que eu conseguia fazer era encará-lo, minha mão começando a tremer e meus olhos embaçando com as lágrimas que surgiam rapidamente. Ele deu um passo em minha direção e foi quando eu acordei daquele estupor. Levantei-me, tropeçando no banco e caindo no jardim. As lágrimas caindo cada vez mais forte, meu cérebro congelado na imagem dele naquele tapete vermelho e sentindo os olhos de todos os convidados em cima de mim.
… 一 Ouvi seu nome me chamar, mas foi o suficiente para que eu me recuperasse e me apoiasse para me levantar. 一 , por favor…
一 Não encosta em mim. 一 Minha voz saiu afiada como nunca tinha ouvido antes e acho que ele percebeu, pois, sua mão tinha parado no ar em minha direção. Levantei-me com dificuldade, e por mais que ainda sentisse que tinha virado o centro da atenção de centenas de pessoas, eu não me importei com isso. Eu só queria sair o mais rápido que conseguisse daquele lugar com o mínimo de dignidade que ainda me restava.
, me escute… 一 Eu comecei a correr para a entrada e vi as minhas coisas juntas em uma grande caixa e foi o suficiente para que eu apertasse os meus passos, ainda sentindo que tentava me alcançar. Sem olhar para trás uma única vez, peguei meu violão e minha bolsa, mas senti quando ele chegou e me segurou pelos ombros para fazer com que eu me virasse. Sentir seu toque em minha foi o suficiente para que minha mente ficasse nublada com ódio e a única coisa que fui capaz de fazer foi bater forte em seu rosto. O mais forte que eu consegui fazer com a palma da minha mão queimasse com o atrito.
一 Vai para o inferno. 一 Cuspi as palavras e me virei, o deixando para trás. A adrenalina diminuía cada vez que a dor aumentava nas minhas pernas com a corrida que eu fazia. Eu corria, corria e corria cada vez mais para longe daquele lugar.



Ela tinha ido embora. Ainda sentia o toque de seus dedos no meu rosto, a leve dor do tapa não era nada perto do que eu sentia dentro de mim. Era como se tudo estivesse em chamas, me consumindo por dentro. Eu a fiz chorar daquele jeito. Eu a deixei daquela maneira, com seus olhos felizes perdidos em tristeza, sem nenhum sorriso e apagada de toda a felicidade que eu mais amei encontrar. Eu a trouxe para esse jardim e destruí tudo. As pessoas me encaravam, algumas confusas, outras atentas para mais um show. Eu permaneci parado, vendo ela ir embora para sempre.
! 一 Ouvi alguém chamar repetidas vezes, mas nada fazia com a minha mente voltasse a funcionar. Eu estava bêbado, parado, apenas olhando fixamente para onde ela tinha me deixado. 一 ! Caralho, , por favor, olha para mim. 一 apareceu na minha frente, segurando meus ombros e me sacudindo, meu olhar lentamente focou no meu amigo.
… 一 Murmurei. 一 Ela estava aqui…
一 Eu sei, eu vi tudo. Todo mundo viu, . 一 Avisou e eu apenas assenti, aquela não era uma preocupação que eu tinha no momento.
一 Philips. 一 Senti quando todos ergueram suas costas e pararam os cochichos. A voz firme do meu pai era a única coisa que eu não seria capaz de lidar naquela hora. 一 Pare de envergonhar sua família por uma qualquer e continue esse casamento. 一 Gritou de onde ele estava, parado perto do padre, do outro lado do tapete. Sua voz soou tão alta que mesmo com a distância eu senti como se ele estivesse do meu lado.
一 Vamos embora daqui, . 一 Ouvi meu amigo sussurrar, mas eu o deixei para trás. Virei-me em direção ao meu pai e andei até ele. Seu sorriso triunfante era tudo que eu precisava para saber que foi ele quem fez aquilo.
一 Você sabia? 一 Perguntei, reunindo toda força que eu consegui para não matá-lo naquele instante.
一 É óbvio. Você realmente achou que eu te deixava andar sozinho por aí? Não pense que você é livre, você nasceu com um dever e vai cumpri-lo agora. 一 Segurei minha respiração e acenei. Ele estava certo. Eu estava preso, eu não tinha nada e ele ganhou. Eu seria infeliz pelo resto da minha vida depois daquele dia, mas eu merecia cada segundo daquilo.



一 Ei, . 一 colocou a cabeça para dentro do meu quarto e eu gesticulei para que ela entrasse. 一 Trouxe chocolate. 一 Sorriu, tentando claramente me animar.
一 Eu estou bem, . 一 Me apoiei em meus cotovelos e a observei quando se sentou na cadeira da escrivaninha de frente para a minha cama.
一 Sua mãe não sabe a verdade, não é? 一 Perguntou mais baixo.
Me joguei de volta na cama e suspirei alto antes de responder.
一 Não tive coragem de dizer para ela que eu cai no papinho de um traidor, no mesmo papo que a gente caiu anos atrás com meu pai. 一 Para ela, tinha apenas se mudado de cidade por causa do trabalho.
Quando eu cheguei chorando naquela tarde, ela estranhou meu rosto vermelho de tanto chorar, mas não perguntou muito depois que eu apenas fui para o quarto chorar sozinha. E eu chorei por horas ou por tempo suficiente, chegou um momento que eu já não tinha mais lágrimas para derramar. Doía como o inferno. Era como se minha mãe estivesse mais uma vez contando sobre a outra família do meu pai, mas a verdadeira, a que ele passava mais tempo. Nunca a nossa. A nossa família era “a outra”, aquela dos finais de semana, das madrugadas, das sombras. Eu era isso para . Eu fui a menina dos encontros rápidos, das noites curtas e dos dias contados. Eu estava quebrada.
一 Ele tentou ligar? 一 Minha amiga parecia quase com vergonha, mas aquele olhar era familiar demais para mim. O olhar de pena que eu tanto quis evitar na minha vida.
一 Mais do que fez em todas as vezes que estivemos juntos… 一 Ri sem humor quando notei o que tinha dito. 一 Quer dizer, nunca realmente fomos qualquer coisa, não é?
一 Tem algo que eu possa fazer? 一 Resolvi me levantar para olhar em sua direção. Ela estava com seu rosto visivelmente triste por mim. não era a pessoa que se entristecia facilmente, nem eu era essa pessoa. Sempre odiei ficar triste. Respirei fundo e olhei para o meu violão jogado do outro lado do quarto.
一 Só se morre de amor nos cinemas, . 一 Levantei em um pulo e fui em direção a ela. 一 não vai me destruir assim. Se meu pai não destruiu minha mãe, então eu consigo. Venha, eu tenho um show de rua para fazer. 一 Ela sorriu pela primeira vez desde que havia entrado naquele quarto, e eu escondi qualquer tristeza no fundo da minha alma.



一 Cadê a Catherine? 一 perguntou quando me viu no meio da sua sala. Desde o casamento, eu tinha desaparecido. A lua de mel foi péssima, nem mesmo minha esposa estava contente com aquilo, mas assim como eu, ela também não tinha muita escolha.
一 Compras, eu sinceramente não sei. 一 Encolhi os ombros, dobrando o papel que tinha acabado de escrever e guardando no bolso. 一 Eu preciso de um favor.
, o que você está fazendo aqui? 一 Ignorou o que eu disse e veio em minha direção para sentar ao meu lado. 一 Você não deveria estar na cidade.
一Eu não fui falar com ela… 一 Sequer conseguia dizer seu nome em voz alta sem evocar todas as lembranças do último dia que a vi.
一 Ótimo! Porque ela não merece isso, cara. 一 Assenti, tocando no meu casaco apenas para sentir a carta que estava lá.
一 Eu vou embora, . 一 Falei um pouco mais firme e vi quando meu amigo me encarou sem nenhuma surpresa. 一 Vou para Londres.
一 Eu imaginei que sim. 一 Suspirou. 一 Eu vou visitar você, não se preocupe, amigo.
一 Eu sei, nunca me preocupei com isso. 一 Dei um pequeno sorriso. 一 Mas antes de ir, eu preciso… Eu só preciso me explicar pra ela.

一 Não, me escuta. 一 Virei meu corpo em sua direção. 一 Eu escrevi uma carta, não vou falar com ela. Eu sei que isso seria estúpido, ela não atendeu nenhuma das minhas ligações nesses dias. Eu só preciso dizer adeus.
一 Você quer que eu entregue para ela?
一 Sim, ela costumava tocar na rodoviária aos sábados. 一 Expliquei e seu rosto se suavizou. 一 Eu fico longe, eu só…
一 Prometa que vai deixar a garota para trás, . 一 Pediu com firmeza e eu apenas acenei. 一 Eu entendo que você gosta dela, mas se não é o suficiente para mandar seu pai ir à merda, então não é o suficiente para estragar a vida dela também.
一 Você não entende, . Eu não posso fazer isso com a minha mãe. 一 Ele nunca entenderia o que era depender de alguém como meu pai para salvar a vida de quem eu mais amava no mundo. Eu era um bastardo, alguém que só está com um terno caro agora porque o pai não teve outros filhos meninos. Se não ele teria ido embora e provavelmente eu nem saberia sobre meu sobrenome na realeza.
一 Ela não ia querer ver o filho dela infeliz pelo resto da vida, . 一 Era o que ele dizia sempre, pelo menos, desde que praticamente deram a minha mãe como morta meses atrás. Ela estava em coma desde o início do ano, mas eu não tinha coragem de desligar os aparelhos e ainda sonhava com a notícia que ela acordaria um dia. Meu pai pagava por todo o tratamento e se eu não casasse então não sobraria mais nenhuma maneira para ajudá-la.
一 Apenas espere anoitecer e entregue a carta para ela, por favor. 一 Dei o assunto como encerrado e o entreguei o papel agora já amassado. Saí do apartamento sem me despedir e fui para o lugar onde a vi pela primeira vez, no dia que meu pai me ameaçou. O dia que tudo deu errado, mas que eu encontrei a coisa mais certa que poderia existir. Eu não tinha nada e ela não poderia me salvar.
Quando a noite caiu, me afastei até a árvore e vi quando ela arrumava suas coisas no chão. não estava sozinha como sempre, sua amiga estava ao seu lado. As duas conversavam, mas ela não tinha aquela felicidade que era capaz de iluminar tudo ao seu redor. Seus ombros estavam caídos e tudo que ela fazia era sorrir sem muita animação. Do outro lado da rua, já estava à espera. Fui para mais perto da árvore, querendo me esconder da visão dos dois. Eu realmente não queria que nenhum dos dois me visse. Ela sentou no seu banquinho, colocou o violão no colo e começou a tocar. De onde eu estava, não tinha como ouvir, mas reparei quando seus olhos fecharam e ela apenas parecia presa dentro do seu próprio mundo. Olhei para e ele já caminhava até ela. Sem parar, ele passou na sua frente e jogou o papel dentro da capa do violão aberta no chão. Eu não queria estar lá quando seus olhos encontrassem as minhas últimas palavras para ela.
Aquele era o nosso adeus. Aquilo era o que eu tinha que ter feito quando a conheci, mas eu era fraco demais, egoísta demais e apenas fui em sua direção, mas não agora. Eu precisava deixá-la.



一 Sério que jogam papel? Que gente mão de vaca. 一 Ouvi reclamar do meu lado e ri sem querer. Ao abrir meus olhos e olhar para a capa no chão, vi um bilhete. Não era algo tão incomum assim, algumas pessoas apenas deixavam recados com palavras agradáveis.
一 Às vezes isso me anima mais do que dinheiro. 一 Respondi e peguei o papel na mão. Assim que comecei a ler, olhei ao meu redor, o procurando.
一 O que foi? 一 Minha amiga percebeu e perguntou. 一 O que tem na cartinha?
一 Você viu quem deixou isso aqui? 一 Levantei-me e comecei a procurar qualquer sinal de .
一 Um bonitão todo engravatado. 一 Ela me encarava, nervosa, agora. 一 Por quê? O que tem aí?
一 É dele. 一 Voltei a olhar o papel na minha mão. Sem ter muita certeza se queria abrir, rasgar ou apenas deixar para lá.
? 一 Ela gritou. 一 Mas não foi ele que jogou, eu perceberia e o mataria aqui mesmo com testemunha e tudo mais.
一 Ele deve ter pedido algum dos seus súditos reais. 一 Disse com ironia.
一 Você vai ler? 一 Ela soava realmente curiosa.
一 Tanto faz. 一 Fingi que não era algo tão importante assim e abri o papel, respirando fundo e me preparando para o que estava escrito.

When we met, I wasn't me
(Quando nos conhecemos, eu não era eu)
I was so numb, I was so lonely
(Eu não sentia nada, eu estava tão sozinho)
Out on the run, I wasn't free
(Sem chances de ganhar, eu não era livre)
And you came along, but you couldn't save me
(Então você apareceu, mas não pode me salvar)
My hesitation and holdin' my breath
(Minha hesitação e como eu prendia minha respiração)
I led you into the garden of my loneliness
(Eu te guiei até o jardim da minha solidão)
Wished that you left before it all burned down
(Queria que você tivesse ido antes de tudo queimar)
, I'm sorry what I do to ya
(, eu sinto muito pelo o que fiz com você)
I push and pull and mess with your head
(Eu empurro, puxo e bagunço com a sua cabeça)
Then get in your bed 'cause I'm weak deep down
(Depois vou para sua cama, porque sou fraco)
, I wish I never lied to ya
(, eu queria nunca ter mentido para você)
I never meant to hurt you like that
(Eu nunca quis te machucar desse jeito)
And if I could go back, I'd leave you alone
(E se eu pudesse voltar atrás, eu te deixaria em paz)
When I left, I wasn't sure
(Quando eu fui embora, eu não tinha certeza)
That I could love, love anymore
(Que eu poderia amar outra vez)
I won't lie to you no more
(Eu não vou mentir mais para você)
'Cause I know I did before
(Porque eu sei que fiz isso antes)
Hope you find what you're looking for
(Espero que você encontre o que está procurando)

Com amor, .

一 E então? 一 perguntou, me trazendo de volta para onde eu estava. Encarei mais uma vez as suas palavras e amassei o papel, sem dizer nenhuma palavra, apenas a entreguei.
一 Por favor, jogue no lixo. 一 Voltei a segurar o violão, e sem esperar a sua resposta, toquei com tudo que me restava. Um coração partido e uma certeza de que nunca mais conseguiria entregá-lo da mesma maneira para alguém depois de .



Fim!



Nota da autora: Ok, um drama. Eu amo um bom drama e corações partidos. Essa música é a minha favorita de todo o álbum e eu não consegui resistir escrever uma história sobre um pedido de desculpas. Eu realmente espero que vocês tenham gostado desses personagens e dessa história tanto quanto eu. Não fiquem tímidos e comentem! Eu realmente, realmente espero que vocês gostem e não esqueçam de ler ouvindo a música, o drama fica muito maior haha. Ah, e se você tem o seu coração partido no momento em que está lendo isso, não se esqueça: só morremos de amor nos cinemas.
Ps: Para quem se interessar, o filme que tem essa frase é o musical “Os guarda-chuvas do amor (1964)”. O filme é uma tristeza só então preparem os lencinhos.

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Nota da beta: Bia, você acabou com meu coração! Eu estava 100% esperando um conto de fadas, sabe? Eu estava vendo um final de realeza no primeiro “ela não imaginava que eu conhecia o príncipe Harry”. Porra! Por que eu não li a letra para me preparar, pelo menos? Mas tirando a tristeza do final, você arrasou demais, hein? Eu senti cada detalhezinho dessa história no fundo da alma, eu amo sua escrita, amo seus personagens, amo como você constrói tudo. Amei, de verdade! 💙

Qualquer erro nessa atualização ou reclamações somente no e-mail.


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