Parte 1 – Amargo
Eu odeio o Natal.
Odeio o frio, as músicas, a neve... Odeio as luzes e o papo mole de que ano que vem tudo vai ser melhor. Odeio ainda carregar essa porra de anel comigo.
Odeio que ela tenha me dito não.
OK. Eu não cheguei a pedir oficialmente. Mas eu ia. era minha melhor amiga desde os 13 anos e acabamos nos apaixonando. Começamos a namorar e a morar juntos, fazia sentido que um dia nos casássemos, certo? Bom, era o que eu achava, mas quando eu toquei no assunto, ela fugiu. Saiu de casa, me pediu um tempo. E o tempo já estava demorando quase um mês.
Um tempo era pior que um término. Um término era um fim definitivo, um nocaute, cara na lona, encerra-se a luta. Um tempo era um limbo, nem me deixava inerte nem me deixava ir a lugar algum, só me permitia pairar no ar feito fumaça.
Ela poderia ter deixado o nosso apartamento depois das festas de fim de ano. Não que existisse uma data boa para uma crise no relacionamento, mas às vésperas do Natal conseguia ser bem pior. Minha cabeça martelava só de pensar em aparecer na casa dos meus pais sem a e ter que explicar para eles todo o inferno que eu vinha atravessando desde que ela foi passar uns dias na casa da melhor amiga, . Tentei ter raiva dela quando ela fez as malas, mas nem isso eu conseguia. Só o que eu conseguia fazer era o mesmo que eu estava fazendo naquele momento: ir para a academia socar o saco de pancadas até ficar cansado o suficiente para não ter que pensar na falta que ela me fazia.
— Jungkook?
Porra. Eu estava com tanta saudade que estava ouvindo a voz dela?
— Achei mesmo que você estivesse aqui. — surgiu confirmando que eu não estava louco. Ainda.
— ? O que você está fazendo aqui? — perguntei, tirando o cabelo úmido de suor dos olhos e pensando se eu deveria vestir uma camisa mesmo estando encharcado.
— Deixa de ser bobo. — pareceu ler minha mente ou perceber meu desconforto por trazer apenas um calção curtíssimo no corpo. — Eu já vi você em bem menos roupa.
Ri soltando o ar pelo nariz e procurando acertar a respiração ofegante da sequência de golpes que eu parei abruptamente, me causando uma palpitação que eu não sabia se atribuía ao excesso de esforço ou à presença da , mais linda do que nunca com aquele novo corte de cabelo.
— Eu tentei te ligar, mas você não atendeu. — ela continuou, aproximando-se.
— Meu celular descarregou. Larguei ele ali. — apontei para a bolsa abaixo do ringue e voltei a bater, num ritmo mais lento.
— Como você está? — ela me perguntou, apertando o próprio braço.
Tentando aprender a me mexer sem me despedaçar. Estou feito um vidro trincado desde que você me deixou, . Se eu me mover, eu quebro. Eu estilhaço. É assim que eu estou.
— Bem. — respondi no lugar. — Como é morar com a ?
— Ótimo. O problema é morar com o Namjoon. Ele esquece que eu estou lá e…
— Eu sei. — cessei os golpes novamente e fiz um gesto para que parasse de falar. — Por favor, não me faça lembrar que eu também já vi o Namjoon pelado.
— Qual o problema? Ficou com medo de gostar? — ela zombou.
— Quem não gostaria? É um tremendo gostoso. — brinquei e ela riu.
Eu sentia falta de vê-la assim. Por um momento, parecia que nada tinha mudado entre nós, mas aquele relance do que éramos durou muito pouco e meu coração tornou a revolver aflito dentro de mim quando revelou o propósito da visita:
— Eu queria levar a poltrona, J... Aquela, da sala. Tudo bem por você?
— Como é que é? Não! — neguei enfaticamente, feito uma criança. Por raiva. Por birra. Porque doía e eu não sabia como pedir colo.
suspirou, amarrando o que sobrou do cabelo num elástico que, antes, costumava ser responsabilidade minha. Ela sempre prendia uma liga no meu pulso alegando que, se deixasse na bolsa ou no próprio braço, acabaria perdendo. Vê-la “não precisar mais de mim” mesmo para uma coisa tão simples me moeu por dentro.
— Sabia que você resistiria. Por isso que eu tenho uma proposta. — ela se agachou e passou pelas cordas de segurança do ringue, já descalça. — Se eu te derrubar por cinco segundos, você me deixa ficar com a poltrona.
— , tá maluca? Você andou tendo aulas, mas eu não vou lutar com você. — respondi, removendo as ataduras do punho e contemplando as juntas vermelhas e doloridas.
— Por quê? Tá com medo de levar uma surra da sua aluna? — ela começou a se aquecer.
— Não mesmo. Eu adoro quando você me bate. — sorri. Maldito fetiche em apanhar de mulher bonita.
— Então hoje pode ser o melhor dia da sua vida. Feito? — ela me estendeu a mão e eu apertei balançando a cabeça, incrédulo. Não que eu quisesse mesmo aceitar, eu só queria uma desculpa para tocá-la.
me agarrou pelos braços e meu corpo reconheceu o toque, eriçando-se. Ela enganchou a panturrilha por trás da minha e começou a investir força, tentando, sem sucesso, me empurrar para baixo e escorregando por causa do suor. Eu apenas finquei os pés e usei meu centro de massa para me manter estável, rindo da situação, ao passo que ela, já com o rosto ruborizado, seguia inutilmente se esforçando para me derrubar. Era engraçado vê-la, tão menor que eu, convicta de que tinha plenas condições de medir força física comigo, mas quando ela apoiou o pé no chão de mau jeito e gemeu de dor ao ver tornozelo vacilar, caindo sentada na lona, eu esqueci tudo e ajoelhei ao lado dela imediatamente:
— , você tá bem?
Ela aproveitou o fato de eu estar sentado sobre as pernas para me empurrar rapidamente, me fazendo cair de costas. Sentou-se em cima do meu abdômen, apertou as coxas ao redor da minha cintura e teve que se debruçar um pouco para conseguir segurar minhas mãos. Ela deixou escapar um sorriso convencido, achando que estava tendo sucesso em me prender, enquanto na verdade eu só estava paralisado pela visão do decote dela, apontado pelo pingente do colar que pendulava para frente e para trás num ritmo hipnótico que meus olhos acompanhavam com devoção.
— Qual o problema, lutador? — ela ironizou. — Não sabe reconhecer um gemido falso?
— Como eu reconheceria? Você nunca fingiu nenhum pra mim.
Ergui o tronco e inverti as posições, deitando-me sobre o corpo dela, coberto por um vestido azul-marinho rodado e de mangas curtas que ela sempre usava em dezembro. Precisei apenas de uma mão para prender as duas, lindas, pequenininhas, da acima da cabeça dela. Ela ofegava, com o pulso acelerado e o corpo morno, quase suplicante. Respirava completamente errado e não parava de olhar para a minha boca.
Caralho, que saudade.
Estava quente do treino e dela, minha pele úmida aderiu ao tecido do vestido e não se importou que eu estivesse em cima dela quase sem roupa e quase sem juízo. Ainda restava um fio de consciência, que se desfez quando ela umedeceu os lábios e soprou o ar densamente, correndo os olhos pelo meu braço suado.
Caralho, que saudade!
Beijei a com a língua, com os lábios e com os dentes. Beijei com desejo, com saudade e até com raiva por ela ter me deixado. Eu beijei a com tudo o que eu tinha, tudo o que eu sentia bem ali, se derramando na boca dela. E ela, lânguida, entregue, bebia tudo, quer fosse doce ou agonia. Estava sedenta de mim. E eu dela.
O ar faltava e gemeu baixinho quando buscou fôlego. Aquele sim. Aquele eu reconhecia.
— ... não geme no meio do beijo. Eu não vou aguentar. — implorei.
— Não me faz gemer, então. — ela sussurrou.
— Eu quero tanto você agora... Mas não assim. Não enquanto você não for minha de novo. — reuni um punhado de forças que tirei não sei de onde e me levantei, me afastando dela.
— Jungkook... — sentou-se no chão, na posição da borboletinha. — Eu só te deixei porque eu achei que seria mais fácil pra você.
— Não fala isso, . Nada disso está sendo fácil. Talvez esteja pra você, mas pra mim, não.
— Quem disse que está sendo fácil pra mim?
— Não está? Nós demos um tempo. Tempo! E você já está levando sua parte da mobília embora. Você tem tanto medo de divórcio que não percebe que estamos vivendo um? — disparei no calor, sem pensar, e o semblante dela fechou imediatamente.
— Sabe, é bem impressionante como você me beija e me magoa com a mesma boca.
descruzou as pernas e ficou de pé para sair num rompante, sem sequer olhar para trás. Dei um grito de frustração quando ela já não estava mais ao alcance da minha vista e acertei o saco de pancadas num só golpe, que me abriu as juntas arrancando sangue e derrubou o peso morto no chão.
Recolhi as correntes e pendurei o saco de volta no lugar, lutando agora contra o choro que queria se formar na garganta. Um misto amargo de raiva e arrependimento, tudo ao mesmo tempo, latejando tal qual as minhas mãos feridas. Meu corpo reclamou e pediu descanso, mas se eu parasse, eu seria obrigado a enfrentar o turbilhão de sentimentos que me açoitavam o peito. Queria treinar até cair. Até apagar. Até... esquecer.
— Por que a porta não abre? — ressurgiu perto do tatame, com o rosto avermelhado e a voz falha da tentativa de segurar as lágrimas.
— Você fechou quando passou? — cocei o nariz e tentei parecer inabalado.
— Fechei.
— Ela está emperrada. Só abre do lado de fora. — murmurei.
— O quê? — estalou a língua com frustração. — E agora?
— E agora liga para alguém vir te tirar daqui.
— Carro.
— O quê?
— Eu deixei meu celular no carro. — ela espalmou a mão na testa.
— Então estamos presos aqui até virem nos soltar amanhã. — afirmei com certa tranquilidade. Eu passava mais tempo na academia do que em casa ultimamente, ficar “preso” ali não era novidade alguma para mim.
— Não é possível, tem que ter mais de uma saída.
— Pode procurar se quiser. — desci do ringue e passei por ela, alcançando a minha bolsa num banco. Remexi e encontrei uma toalha, um calção e um moletom limpos, selecionando o último. — Toma. Veste isso. Vai esfriar.
relutou em aceitar a peça, tentando a maior cara de desprezo que pôde. Dividir roupas era uma coisa muito íntima, muito nossa, e ela estava irritada demais para concordar em se vestir com meu perfume de amaciante e óleo de bebê.
— Você quem sabe. Eu vou deixar aqui. — e coloquei a peça num canto do tatame.
— Não é melhor você parar por hoje? — ela perguntou quando viu minhas mãos pegando a toalha branca e manchando-a de vermelho. — Deve estar doendo.
— Não é isso que dói agora. — me limitei a responder antes de voltar para o ringue e me exaurir golpeando aquele saco.
***
A lona estava molhada do meu suor, meus pulmões ardiam cada vez que eu inspirava e as costelas protestavam a cada expiração. O corpo queimava e meu cérebro me avisou que eu tinha que desacelerar ou desmaiaria ali mesmo. O coração vindo na boca. Esgotamento total. Bom, era isso o que eu queria, usar a exaustão para distrair da dor. Mas a dor estava dormindo a alguns metros de distância, encolhida num dos colchonetes do ringue clássico de quatro cantos, e finalmente tinha se rendido e se agasalhado com o meu moletom.
Decidi tomar uma chuveirada no banheiro da academia, esfriar as fibras e a cabeça. Exceto que a cabeça não parava, especialmente depois de me enxugar, me vestir, e ver enrolada numa roupa minha num contexto tão diferente e tão mais doído. Mas, como sempre, com a boquinha redonda entreaberta, que costumava falar umas coisas sem sentido durante o sono que ela dormia tão bem no meu peito.
Deitei ao lado dela, me contentando em olhar para o rosto bonito ali. Mesmo que doesse me mover, eu deslizei o mindinho pela tez fina e achei o nariz gelado e ela se mexendo minimamente, fechando-se em si para se aquecer.
— , você tá congelando. Vem cá. — minha mão foi sozinha para a cintura dela, puxando-a para mim com a facilidade de costume.
— E você tá quente. — ela balbuciou, despertando. — O que é isso?
— Treinei muito. O corpo demora a esfriar. — respondi.
— Ah... Eu tô bem aqui. — resistiu.
— Seu nariz tá rosa. Vem logo. — amaciei o tom enquanto pedia e a virava para encaixá-la na conchinha de dentro, passando o braço por baixo da cabeça dela e as pernas por cima das suas.
Finalmente.
Silêncio na minha mente turbulenta. Um bálsamo no corpo cansado. estava nos meus braços de novo: quem tinha razão, quem não tinha, quem foi embora, quem ficou, nada mais importava. Não havia mais aparências a manter e eu não tinha mais energia alguma para fingir que estava bem: era claro que eu não estava, não enquanto eu estivesse apartado dela. Inalei o cheiro de xampu de maçã verde que nunca tinha mudado e senti o conforto do aroma familiar e do corpo perfeitamente ajustado ao meu, como uma roupa que sempre servia, independente da ocasião. Amoleci por completo, esfregando sutilmente o nariz pelos fios pretos, e minha voz saiu baixinha, em tom de segredo, quando confessei:
— … Eu tô com saudade de você dançando pela casa.
Ela não respondeu, apenas suspirou fundo, apertando minha mão e fungando um pouco.
— Me desculpa por ter falado com você daquele jeito. — pedi, preenchendo o silêncio.
— Me desculpa por ter ido embora. — ela beijou minha mão machucada com uma boca úmida de algumas lágrimas. — Eu não queria ter feito a gente passar por nada disso, J. Se você está zangado comigo, eu entendo.
— Eu não tô zangado. Só estou magoado. — cuidei em esclarecer. Eu senti raiva de mim, da situação, mas dela, dela em si, eu só sentia falta. Tanta falta que a apertei mais contra o peito ainda morno. — Eu queria casar com você, . Dizer nos nossos votos que me apaixonei pela minha melhor amiga. Ter filhos com você. Eu ainda quero. — respirei longo. — Mas você saiu fugindo de mim.
aplicou mais força ao segurar minha mão, levando-a para perto do rosto que parecia ter esquentado um pouco mais depois do meu abraço e daquele choro contido que ela se permitiu derramar nos meus braços.
— ... eu só preciso entender por que você fez isso… Se não para resolver, então pelo menos para que eu... — aquelas palavras me dilaceraram antes mesmo de eu proferi-las. — ...siga em frente.
A última frase saiu sem credibilidade alguma e foi recebida com tanto descrédito quanto foi proferida. Seguir em frente? E eu queria seguir em frente? Para onde eu poderia ir além da ? Eu não queria seguir para lugar nenhum sem ela, e ela sabia disso quando virou-se para mim, sem sair daquele nosso enroscado que só nós sabíamos tão bem, com os olhos marejados.
— Eu também quero casar com você um dia, mas o único casamento que eu conheço é um fracasso de proporções épicas, Jungkook. — ela soprou. — Meus pais não se suportam. Eles sequer se falam. Eu tenho que remanejar meus feriados e me rasgar entre duas casas, sem estar inteira em nenhuma. — suspirou pesado antes de continuar. — Sabe todas essas coisas que você odeia no Natal? As luzes, as músicas, a ceia em família... Eu nunca tive. Eu sempre quis e eu nunca tive. O divórcio dos meus pais arruinou tudo o que eu mais gostava.
— Eu sei disso, . Eu estava do seu lado esse tempo todo. — arrisquei uma carícia no rosto dela, lembrando o pesadelo que eram os recitais de balé, quando apenas um dos pais poderia estar presente, nunca os dois. — Eu só ainda não sei por que isso tirou você de mim.
— Porque eu tive medo. Quando você começou a falar em casamento, eu fiquei apavorada. As coisas sempre foram tão boas entre nós que eu não queria associar a gente a algo que podia terminar num desastre. Acho que eu quis te deixar antes que o que aconteceu com meus pais acontecesse com a gente. — aceitou o carinho e me encarou com os olhos grandes. — Mas eu não consigo te deixar de jeito nenhum, Jeon Jungkook. Mesmo que eu não saiba o que o futuro nos reserva. Mesmo que eu não tenha como me proteger. Eu não consigo deixar você.
— Então não deixa. — segurei o rosto dela, colando as nossas testas. — Vem pra casa, . Volta pra mim.
Meus lábios já raspavam nos dela conforme eu falava e eu continuei insistindo, implorando, suplicando, só pelo prazer do contato com a boca alheia, até ela enfim me envolver no beijo que eu tanto pedi. Acordei de tudo, febril, respondendo àquela saudade com a língua. Quando dei por mim, estava deitada em cima dos meus quadris, apertando-os com as pernas, e os nossos troncos se roçavam desesperados de vontade e de menos roupa.
— Diz, . Por favor. — interrompi o beijo afoito, sabe Deus como. Eu carecia de uma confirmação, não suportaria uma simples recaída sem sentido se aquilo não a trouxesse de volta. — Diz que você ainda é minha.
— Eu nunca deixei de ser. — ela me selou e mordiscou meu queixo. — Nunca. Eu sou só sua.
me repetia aquela confirmação com um timbre rouco que me fez começar a dar sinais de vida e crescer abaixo dela, fazendo-a rebolar discretamente no meu colo. Ela suspirava no meio dos beijos que me deixava na boca e no pescoço: sua, só sua… Nós jamais tememos palavras de posse. Elas não nos demarcavam o corpo ou qualquer dimensão puramente física, mas, sim, e muito mais do que isso, o nosso desejo e decisão um pelo outro. Mais do que alguém para dividir a cama, alguém para dividir a vida. E era aquela certeza que eu buscava naquele momento, de que eu ainda era a escolha dela, porque ela, nem por uma fração de segundo, deixou de ser a minha.
— Acho que não podemos fazer isso aqui, J. — ela me largou num rompante, me deixando ainda meio zonzo. — Eu parei de tomar meu remédio e não temos proteção.
— Quem disse que não? — respondi com dificuldade, dando dois tapinhas na bunda dela, um em cada nádega.
Sentei sem perdê-la e rolei para o lado somente o necessário para ter ângulo de alcançar e mexer outra vez na bolsa. Quando voltei à posição de antes, me olhava com certo receio. Entendendo de imediato o motivo da preocupação, ergui as embalagens metalizadas para que ela as reconhecesse, o que não seria uma tarefa difícil. Eram muito específicas.
— São as mesmas que você colocou na minha bolsa há um tempo, lembra? — mostrei a máscara do Homem-Aranha no pacote, sentindo o estômago esfriar do susto ainda recente. — Você me deu antes de nós…. Terminarmos.
— Oh… — ela suspirou, aliviada, espalmando as mãos no vestido e rindo um pouco. Não sabia que estampavam as caras dos heróis em preservativos e também não foi nada discreta ao fazer a descoberta na farmácia perto de casa. — É que você ter camisinhas na bolsa me fez pensar que…
— Eu não tive ninguém além de você, . — interrompi, tranquilizando-a com um selinho demorado. — Eu não quero ninguém além de você.
livrou-se do moletom e não perdeu tempo tirando o vestido, saiu do meu colo apenas, posicionando-se de joelhos ao meu lado e apoiando-se nos cordões grossos do ringue. Meteu a mão por baixo da roupa e removeu a calcinha com destreza, enquanto eu, com a mesma simplicidade e urgência, ainda sentado, me resumi a baixar o cós do calção e deixar a minha vontade saltar ereta e falar por mim, vestindo-a com o látex. Era só o que precisávamos. As flores, o rosé doce que ela gostava, o quarto com pétalas e tudo o mais, isso nós deixaríamos para depois. Não podíamos esperar.
— Isso provavelmente vai acabar logo. — ela mesma posicionou as minhas mãos na sua cintura, sentando-se novamente nas minhas coxas e encaixando-se no membro rígido, arqueando o pescoço ao me receber no interior úmido dela. — Mas nós temos a vida toda, certo? — ela começou a subir e descer lentamente. — A vida inteira pra gente se aprender de novo. — me prometeu entre beijos.
Massageei os seios fartos e acesos e agradeci em silêncio pelo hábito que tinha de quase nunca usar sutiã, especialmente quando vestia um pano grosso e felpudo feito aquele, que dispensava o acessório por não marcar nada. Mas independentemente da roupa, da iluminação, da distância, eu sabia aquele corpo de cor e salteado e ele estava coberto demais para o meu gosto e para a minha necessidade de contato. Uma camada espessa de tecido não era o que eu queria sentir enquanto estava dentro da e o maldito ajuste na cintura não estava facilitando em nada a minha vida.
— O quanto você gosta desse vestido, ? — perguntei em desespero, sentindo ela me apertar ao se mover para cima e para baixo.
— O quanto você quiser que eu goste. — ela prendeu o lábio inferior com os dentes num meio sorriso.
— Ótimo.
Forcei as duas pontas abertas pelo zíper e rasguei o vestido, livrando-a completamente da peça. A manobra revelou a tatuagem de borboleta na fenda privilegiada entre os seios e o calor do corpo excitado e que eu despi violentamente.
— Eu senti falta deles… — suspirei, tomando o par nas minhas mãos e obrigando-a a se retirar de mim quando ergueu-se para que eu os provasse, percorrendo-os com a língua apressada.
Os joelhos dela enfraqueceram e ela me cobriu o membro novamente ao agachar-se, sôfrega, me deixando penetrá-la outra vez. Agarrou as cordas da pilastra do ringue, que bambearam e se agitaram com os puxões, e fez delas o seu apoio enquanto se enterrava cada vez mais fundo e forte no meu órgão duro e latejando.
segurou a respiração por alguns instantes e eu a assisti, me deliciando em vê-la ditando o ritmo do próprio prazer. Um gemido arrastado fez com que ela soltasse o ar que vinha prendendo e ela chegou primeiro. Eu soube pela perna trêmula e pela expiração pesada. Eu soube pelas unhas que abandonaram os nós e afundaram no meu ombro. Eu soube pela cara de satisfação da , inesquecível. Eu soube porque poderiam se passar milhões de anos, os caminhos dela estavam tatuados na minha mente. E mais do que qualquer coisa que eu pudesse saber ali, afogado em tesão e vibrando de pré-gozo, eu sabia que ela queria mais, porque mesmo depois do orgasmo, continuava sentando em mim.
Os músculos aquecidos sinalizavam que meu corpo estava no meu limite e eu me sentia prestes a desfalecer de prazer e adrenalina. A taquicardia e a palpitação se misturaram numa vertigem que me obrigou a cerrar os olhos, que pesavam uma tonelada naquele momento, e fui avisado por um arrepio delicioso que era a minha vez.
— É você. Você entendeu? — balbuciei, entre gemidos, enquanto ainda montava no meu colo. — Você. — disse num sopro uma última vez, pressionando os dedos na sua nuca antes de gozar forte e gostoso dentro dela.
Descansei a cabeça na haste vertical e acolchoada que segurava as cordas do ringue e onde minhas costas estavam apoiadas, queimadas do atrito com o qual eu pouco me importei. Foda-se o plástico grudando com o suor, a dormência, o formigamento… Eu estava saciado.
Por ora. Ainda tinha muita saudade no corpo, na boca, na ponta dos dedos...
— Eu sei que você tá exausto do treino, e é só por isso que eu vou sair de cima de você agora. — me segurou pelo cabelo e mordeu minha orelha antes de se livrar da camisinha e subir meu calção. Um choque me percorreu e minha extensão tensionada relaxou subitamente.
— Não... — exalei, apertando a cintura da num espasmo quando ela ameaçou se mover. — Não sai de perto de mim agora não.
Ela selou meus lábios e minha testa, demorando os olhos no meu rosto, analisando cada detalhe daquele meu cansaço pós-foda que me mantinha com a boca aberta para facilitar a respiração. passeou pelo meu trapézio e desceu pelos meus braços, juntando minhas mãos e beijando-as repetidamente.
— Não vejo a hora de ir para casa e cuidar direitinho de você. — ela sussurrou com meus dedos nos lábios dela.
— Vamos ter que morar aqui agora. Eu não consigo me mexer. — a câimbra se espalhou por mim e a risada da foi a última coisa que eu ouvi.
***
— Bunda de marmanjo. Era só o que me faltava. Não tinha um calção mais comprido, garoto? — a voz de Joe, dono da academia, e o pé dele nas minhas costas me fizeram levantar num pulo e vê-lo vendando os olhos. — A está vestida?
— Como é que você sabia que era eu, hein? — respondeu por mim e se espreguiçou, risonha, outra vez com meu moletom por cima do vestido dividido ao meio.
— E quem mais seria? Eu não aguentava mais ouvir esse menino choramingando seu nome pelos cantos. — Joe resmungou e me jogou uma das camisas da academia que vendiam na recepção.
— Você andou chorando no ringue, amor?
— Não. No ringue eu dava soquinhos como um macho-alfa. — brinquei, mexendo o corpo dolorido. — E depois eu ia pra casa e chorava lá.
roçou o nariz no meu e eu a ajudei a levantar, juntando minhas coisas em seguida, sem lembrar do quanto estava frio lá fora. Estava dormente demais até para sensações térmicas, eu só sentia o cheiro da em mim e a marca dela impressa na minha carne. E minha carne estava faminta tanto dela quanto de comida, de fato. Quando ela ligou o carro, nossos estômagos roncaram junto com o motor e nos entreolhamos, dividindo a mesma ideia:
— Dona Aurora! — concluímos em coro.
Podíamos dizer que dona Aurora, a proprietária do café da esquina, era meio que a madrinha do nosso relacionamento. Ainda quando não sabíamos direito o que sentíamos um pelo outro, a senhora torceu por nós genuinamente e, na mesma toada, sofreu quando soube do nosso “tempo”. Contar para ela que o tempo, enfim, tinha acabado, certamente seria mais saboroso do que qualquer coisa que ela nos preparasse.
Descemos no pequeno café que já não era mais tão pequeno assim. Seguia intimista, os pratos carregados do carinho e do capricho inconfundíveis, mas o estabelecimento que começou num cantinho do parque mudou-se para um galpão maior mais à frente, ocupando quase o quarteirão inteiro. O sucesso foi tanto que Dona Aurora precisou recorrer à ajuda da neta, Luísa, que voltou do Brasil para auxiliar a avó na empreitada e que, assim como ela, era uma torcedora entusiasta do casal.
O sorriso que se abriu quando os olhos caíram nas minhas mãos entrelaçadas nas da foi mais quentinho e reconfortante que o café que eu planejava pedir. Luísa deu três pulinhos no lugar, largou os guardanapos que estava dobrando e gritou pela avó, sem se importar em chamar a atenção dos outros clientes, poucos por ainda ser cedo:
— Voltaram! Eles voltaram! — ela avisou, enérgica.
— Quem, menina? — Dona Aurora surgiu atrás do balcão. Os cabelos eram um tanto mais brancos e as lentes dos óculos, um tanto mais grossas, mas a energia ainda era a mesma e isso fazia com que ela parecesse mais moça do que nunca. — A minha bailarina e o meu lutador! — ela apressou-se em nos abraçar. — Enfiaram juízo nessas cabeças de vento?
— Ainda não estamos tão ajuízados assim… — respondeu por nós, enquanto eu tinha as bochechas espremidas. — Estamos desprevenidos nesse frio e precisamos de…
— Um frapuccino e um café preto para aquecer! — Luísa emendou com as nossas preferências.
— E um acompanhamento bem reforçado. — Dona Aurora cutucou minha barriga. — Você vai sumir de tanto treinar, rapaz. E você? — ela examinou . — Tá querendo entrar numa garrafa ou o quê?
Apenas rimos, concordando com as sugestões (ou imposições) de cardápio de Dona Aurora, e procuramos um lugar para desfrutar da refeição, a primeira em muito tempo. Redescobrimos os toques, brincando com as pernas por baixo da mesa, trocamos olhares como num primeiro encontro, gastamos tempo apreciando a conversa e, assim, como um rio que corre sem esforço ou uma música que a gente começa a dançar sem perceber, voltamos.
Depois do café, me encarreguei de acionar Namjoon e para nos ajudar a levar as malas da de volta e reinstalá-la, enfim, de onde ela nunca deveria ter saído. Não fiz mudança alguma no apartamento durante as semanas em que ela esteve fora, todos os espaços que ela havia esvaziado continuavam lá, esperando por ela: a prateleira do banheiro, o lado do guarda-roupa, a mesa de apoio onde ela deixava um livro ou dois, o canto da planta (que morria e era substituída — nunca entendi porque insistíamos em esverdear a casa, era claro que não tínhamos jeito…), assim, acomodá-la novamente não nos tomou mais que algumas horas. O plano, então, passou a ser ficar na cama, incomunicáveis, existindo apenas um para o outro.
— Aniyo! — reclamei em coreano, notando separar o pijama e colocá-lo em cima do colchão. já reconhecia algumas palavras por causa da convivência com meus pais, Namjoon e outros amigos com quem ela me ouvia conversar por telefone. O “não” dengoso era uma delas. E ela dizia que achava fofo.
— O que foi, hein? — ela me abraçou, querendo descobrir por que eu protestei contra as roupas com um bico tão grande. — Não gostou da cor, foi?
— Não é isso, é que… — acariciei a nuca dela e beijei-lhe o pescoço, perdendo um pouco o fio da meada por causa do perfume gostoso e envolvente daquela curva. — Não veste nada não, . — pedi ao pé do ouvido. — Faz dias que eu não sei o que é dormir bem e hoje eu só… Eu só preciso da tua pele.
assentiu, me beijando longo e demorado, e eu gemi, mas de frustração por vê-la me soltar e afastar-se de mim. Resmunguei, aumentando o beicinho, mas não sustentei a manha por muito tempo porque, quando me empurrou sentado e buscou o celular para selecionar uma das nossas músicas, eu percebi do que se tratava.
E eu só poderia me espalhar na cama, diminuir as luzes e apreciar o espetáculo meu, só meu, anunciado diretamente pela minha bailarina:
— Eu vou dançar pra você, meu amor.
Parte 2 – Doce
“Acabei de deixar a sua encomenda na portaria. Tá subindo.”, me avisou por mensagem e eu pensei que deveria mandar um presente de Natal para ela. era a minha nerd da cadeira, única aliada possível para surpreender minha namorada e, naquele dia, tinha “sequestrado” logo cedo, me dando tempo suficiente para arrumar tudo.
O apartamento voltou a ter cara de lar desde que tinha retornado e trazido consigo sua quinquilharia de objetos cor-de-rosa. Dezembro tinha começado amargo, mas, graças a Deus, o Natal prometia ser tão doce quanto os biscoitos que eu assei. Saíram inacreditavelmente bons para uma primeira tentativa, o que eu tinha certeza que irritaria um pouco, arrancando dela o seu famoso “você tem mesmo que ser tão bom em tudo?” quando provasse a fornada.
As luzes também estavam prontas, espalhadas pelo pinheiro gigantesco e por todo o resto da sala. Nunca imaginei que os cálculos de área e perímetro que eu aprendi na faculdade de engenharia e que eu usava todos os dias no trabalho me seriam tão úteis quanto foram para aquele momento, quando eu decidi cobrir cada metro do apartamento de pisca-piscas para surpreender com o Natal que ela tanto queria e nunca teve.
A árvore deu um pouco mais de trabalho: depois da péssima decisão de ornar o pinheiro ao meu gosto, o resultado não estava nem um pouco natalino, só uma grande bagunça incoesa de coisas brilhosas que eu joguei torcendo para que desse certo. Não deu: precisei recorrer a dois ou três tutoriais no YouTube e repetir quase milimetricamente a posição de todas as miudezas do jeitinho que o vídeo ensinava. Ainda sobrou uma guirlanda para a qual eu não achei lugar e simplesmente pendurei em volta do meu pescoço. Decorar aqueles galhos todos foi mais difícil do que carregá-los sozinho pelas escadas. Nosso prédio era pequeno e o elevador estava quebrado desde que nos mudamos, mas, se tudo saísse como eu planejava, em breve teríamos uma casa com bastante espaço, quintal e jardim (mesmo que não soubéssemos cuidar de plantas, podíamos contratar alguém para isso).
Intercalei as bolas de acrílico com as nossas fotos com outros enfeites, laços, bengalinhas de açúcar e mais luzes. O toque final veio de um spray branco que simulava a textura de neve. A sala ficou com um aroma discreto da árvore recém-cortada, encoberto pelo cheiro da massa de biscoitos quando eu tirei do forno para que esfriasse e eu pudesse cobrir com glacê. Provei um deles, do molde de estrelinha que tinha quebrado na ponta, e ele tinha o gosto de… um abraço aconchegante? Ou talvez fosse toda a baboseira do Natal me afetando.
Quem eu queria enganar? Agora que estava tudo pronto e aceso, eu entendia porque gostava tanto da data.
O Natal era lindo.
— Amor, eu che… guei. — anunciou da porta, deixando o queixo cair no meio da frase e largando as sacolas de compras e o casaco no chão.
Abri os braços no meio da sala, conferindo com o gesto uma visão panorâmica do suéter que eu estava usando: dois gatinhos com gorro de Natal brincando com um novelo de lã. gritou, bateu palmas e veio até mim pulando, enroscando as pernas em volta da minha cintura e me fazendo girá-la antes de colocá-la de volta em pé. Os olhos cor de mel acompanharam todas as luzes e ela me beijou com força, eufórica, me puxando pela mão enquanto apontava cada globo de neve, cada pelúcia de rena, cada cafonice que eu coloquei em cada canto do apartamento.
— Eu não acredito que você fez isso! — ela fechou os olhos e inalou o aroma marcante do cacau e do açúcar que escapou da cozinha e envolveu o cômodo. — E você assou biscoitos? Jungkook!
Ela correu para o balcão, saltitando, e eu me adiantei, removendo a guirlanda de mim mesmo. Eu tinha uma pergunta séria demais para fazer.
— Eu queria que enfeitássemos os biscoitos juntos, mas você vai entender porque eu não podia esperar. — avisei, tentando inutilmente conferir firmeza às minhas mãos desobedientes, que estremeceram quando eu retirei o pano de copa que cobria a bandeja.
leu silenciosamente o pedido que eu confeitei nos biscoitos e virou-se para mim, pálida, apoiando-se no granito. As letras ficaram tortas e de tamanhos diferentes, mas o importante é que ela tinha entendido e estava sorrindo lindo como eu nunca tinha visto antes. Minha voz quase não saiu, o que saiu foi o meu corpo do lugar, grudando-se ao dela.
— , eu amo você. — disparei baixinho. — Eu amo o seu cheiro de óleo de baunilha, eu amo quando você me procura na cama no meio da noite, eu amo o quanto você se importa com essas datas que eu nunca liguei… Mas isso vai mudar a partir de agora. Tudo que é especial pra você vai ser pra mim também.
Ajoelhei, apesar do tremor nas pernas. Apertei a articulação vacilante e corri a mão pela minha própria coxa até achar a pequena caixa preta no meu bolso, tomando-a entre as minhas palmas suadas. Eu achava que a parte mais difícil era conseguir a aliança e mantê-la em segredo. Não era. A parte mais difícil era não chorar enquanto eu falava.
— Eu prometo que eu vou acender todas as luzes do mundo pra você, . A nossa casa vai ser a mais iluminada da cidade, você vai ver. Eu vou montar a árvore com os presentes nas meias, eu vou usar esses suéteres combinando, e eu vou até me vestir de Papai Noel para os nossos filhos um dia... Eu vou te dar o Natal perfeito todos os anos, começando por esse.
desatou em pranto quando eu abri a caixa e revelei a safira com diamantes em volta. Peguei a mão dela e me preparei para repetir a pergunta mais importante da nossa vida, aquela que eu escrevi nos biscoitos e que estava guardada no meu coração há muito, muito tempo:
— Mildgard, casa comigo?
— Eu caso! Eu caso! — pulou em mim, me abraçando, e caímos juntos sobre o tapete felpudo, rindo e chorando ao mesmo tempo.
— ! — segurei a aliança que quase escapou com a queda. Depois da epopeia e do sacrifício que foi consegui-la, eu não poderia perder aquela joia sob nenhuma circunstância. — Me deixa fazer isso direito! — pedi entre risadas e lágrimas de alegria.
me estendeu a destra, gelada de nervosismo, eu ainda tremia todo por dentro e por fora, olhando embaçado de choro para a minha futura mulher. Beijei o dorso antes de finalmente colocar o anel no dedo dela e subi o beijo para a boca macia e quente.
— Por que a gente sempre acaba no chão, hein? — puxei o lábio dela, abraçando-a ainda deitado.
— Porque a sua noiva é uma maluca que te ama e te quer em qualquer lugar, Jeon Jungkook. — ela afagou o meu cabelo. — Em qualquer tempo, de qualquer jeito. — e me tomou em mais um beijo longo, brincando com meu piercing. — Para sempre, viu? — ela ergueu o anelar adornado pela safira.
Sorri calmamente, devolvendo o beijo e concordando com a nossa eternidade. Nos juramos infinito e nos amamos ali mesmo, e a noite toda depois disso.
E agora eu também amava o Natal.
Parte Final – Dois cubinhos de açúcar
Acertei o "teto" da cabaninha de lençóis ao levantar o braço e quase derrubei tudo. Um colchão grande e quentinho, travesseiros, vários cordões de luz e a bagunça mais deliciosa no meio da sala de estar viraram mais uma tradição nossa na casa nova. Era do jeitinho que sonhamos, inclusive com o jardim imenso que dava umas belas margaridas em agosto.
— Assim? O appa está fazendo direitinho? — perguntei, imitando os movimentos de balé dos braços curtos e gordinhos na minha frente, pensando em morder aquelas mãozinhas.
Jungmi, ou Minnie, como a gostava de chamar, estava perto dos quatro anos, mas eu achava que ela estava crescendo rápido demais. O pijama rosa já quase não abarcava a barriguinha cheia da mamadeira que eu tinha feito há pouco. Agarrei a pequena bailarina, arrastando-a para o meu colo e fazendo cócegas, quando sofri o segundo ataque:
— Appa! — Jungho, mais velho que a Minnie por apenas alguns minutos, pulou no meu braço. Fiz cócegas nele também e fiquei tentando equilibrar ele e a irmã, que subiam em mim como se eu fosse um brinquedo de escalar.
— Você acredita que somos pais de gêmeos? — perguntei para minha esposa no meio do malabarismo, com o pezinho da Jungmi na minha cara e Jungho agora pendurado nas minhas costas.
— E a culpa é sua. Você é tão bom em tudo que, quando resolvemos ter um bebê, fez logo dois de uma vez. — ela brincou e veio em meu socorro, acomodando Jungmi enquanto eu resgatava o Jungho de ponta-cabeça lá atrás.
— Posso pintar os desenhos do seu blaço? — Jungho pediu para colorir minhas tatuagens com uma boquinha banguela que ainda não diferenciava o "l" do "r".
— Amanhã, tá bom? Agora é hora de nanar. — respondi, cheirando o cabelo dele e reparando que ele tinha escolhido a roupa de Homem-Aranha para dormir naquela noite. Ele sempre dormia vestido de super-herói para proteger a caçula dos monstros imaginários no armário.
— Não quelo! — os dois protestaram em uníssono.
— Então eu vou contar um segredo. — interveio. — Amanhã é Natal, certo? Se a gente dormir agora, o Natal vai chegar mais rápido! E o Papai Noel também!
Sorri lembrando de separar um daqueles travesseiros todos para usar como barriga falsa e compor o meu figurino. Concordamos que os pinguinhos de gente já tinham idade para receber a visita do “bom velhinho”, que nada mais era que o pai deles com uma barba feita de algodão e uma roupa alugada. Os gêmeos Jung se entreolharam com a cumplicidade dos irmãos e se enfiaram nas cobertas, rindo. piscou para mim e sorriu, deitando-se ao lado deles. Ela sabia mesmo como dar a volta nas crianças e se mostrava uma mãe cada dia mais incrível.
— Appa, canta! — Jungmi pediu sorrindo com dentinhos faltando.
— É, appa! Canta! — Jungho acompanhou o pedido e o sorriso da irmã.
— A omma também quer ouvir o appa cantar! — se embrulhou junto com os pequenos.
— Eu estou fodid… — confessei para minha esposa, que fingiu uma tosse para disfarçar o palavrão que eu quase falei na frente dos gêmeos, me fazendo reformular a frase. — Eu estou encrencado. Esses dois aqui têm o mesmo sorrisinho de quem quer alguma coisa que o seu. Vocês vão conseguir tudo de mim assim.
— A gente sabe disso. Somos três contra um, é melhor você começar a cantar logo. — roçou o nariz no de Minnie, ao lado dela, e debruçou-se um pouco para fazer o mesmo no nariz de Jungho.
— Eu não ganho beijinho de boa-noite? — reclamei, com um biquinho, que ela selou após se esticar um pouco mais.
— Eu te amo, lutador. Muito. Agora cante. Precisamos agir em equipe para vencer o Coisa 1 e a Coisa 2 aqui. — ela disse, me fazendo rir com a referência.
Cantei embalando o sono das crianças, que foram se acalmando e sendo vencidas pela minha voz. fazia um carinho no cabelo preto da Minnie e eu passeava os dedos pelo rostinho de Jungho, vendo os olhinhos de jabuticaba como os meus e grandes como os da mãe começarem a querer fechar. As crianças adormeceram na segunda estrofe e piscava devagarinho, até que se rendeu quando eu cheguei ao refrão. Abracei minha família apertado enquanto eu cantava, respirando leve, pleno e feliz. Quando a música acabou, me aninhei todo, afagando os três melhores pedacinhos de mim. Meu coração continuou cantando e eu caí no sono repetindo a melodia:
— You are the cause of my euphoria…

Nota da autora: Essa foi a última dança, meus arabesquinhos! Arabesque, que só me trouxe alegria em todas as fics que fazem parte desse universinho, acaba aqui. Mas você pode sempre voltar quando estiver com saudades (ou me cutucar lá no insta pra ver se eu de repente continuo os spin-offs!). Muito obrigada mais uma vez por todo o carinho nesse doce e, pra não perder o costume, um abraço especial pra minha betamiga Daphne, a culpada de tudo!



Outras Fanfics:
Flamme
Flamme 2
Arabesque
En L’Air
Jeté


Nota da beta: Agora me digam: como eu posso gostar de Natal se não tem um JK na minha vida pra fazer tudo isso aí por mim? Fica difícil, viu? Gostaria de dizer obrigada a todo mundo que acompanhou e que não me arrependo de ter cutucado a Ilane pra essas fics saírem (vão encher a DM dela pedindo mais fic).
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