Cena 1
- Eu odeio História – ela disse com a voz cansada, apoiando os cotovelos na mesa de centro da sala para segurar a cabeça entre as mãos.
- Eu adoro – contrariei, erguendo os olhos do livro à minha frente para ver sua expressão séria.
- Isso é porque você sabe.
Soltei uma risada baixa, apoiando as costas no sofá e o antebraço direito no joelho.
- Qual o problema?
- A Revolução Francesa. E tudo o que veio antes e depois dela.
Ri novamente, jogando a cabeça de leve para os lados afim de aliviar a tensão no pescoço.
- Manda.
- Aponte uma proposta da Revolução Francesa que influenciou a independência do Haiti e a principal diferença entre este processo e as outras lutas pela independência das colônias americanas.
- Uma das propostas foi a abolição da escravidão, que provocou cisão entre proprietários escravistas coloniais. A diferença foi a participação ativa dos negros, libertos ou escravos, na luta pela manutenção da liberdade conquistada pela colônia – respondi logo em seguida. Os olhos dela mantiveram-se fixos aos meus por alguns longos segundos, me deixando desconfortável.
- Eu te invejo – disse antes de finalmente quebrar o contato visual. Suspirei.
- É pura decoreba.
- Pode até ser para alguns, mas, no seu caso, é pura inteligência.
Sorri com aquilo, olhando-a rapidamente.
- Você também é inteligente, .
- Ah, é? Então por que eu não consigo explicitar o motivo central para a eclosão da Confederação do Equador e citar duas de suas propostas para a organização do poder do Estado?
- Porque você não prestou atenção no texto do enunciado. A resposta tá lá.
- Sério? – ela perguntou indignada, soltando a cabeça para segurar o livro.
Nós estávamos sentados ao redor da mesa da sala há pelo menos quatro horas, estudando para o vestibular. tentava entender sua tão odiada História enquanto meu problema maior era a Literatura. Tudo tão meloso, tão dramático, tão sentimental, tão brega.
- Ah, a época utrarromântica... - disse num suspiro teatralmente apaixonado, fazendo-a rir. Na maioria das vezes eu tentava ser engraçado apenas para ouvir a risada dela.
- O que você tem contra romance?
- Não tenho nada contra, só acho que não precisa ser tão cheio de frescura.
ergueu as sobrancelhas, abrindo a boca em protesto.
- Frescura? É a época mais linda, tá legal!?
Foi a minha vez de erguer as sobrancelhas. Peguei o livro à minha frente, recitando com a voz e a expressão neutras.
- Meu desejo? Era ser a luva branca que essa tua gentil mãozinha aperta, a camélia que murcha no teu seio, o anjo que por te ver no céu deserta - voltei o olhar para ela, que apertava os lábios para reprimir um riso. - Que porra é essa?
- Babaca - inclinei a cabeça num gesto mecânico, encarando-a com um meio sorriso. Ela ficou confusa. - O que foi?
- Fazia anos que você não me chamava disso.
Vi-a abrir a boca, sorrindo abertamente em vez de falar, e o brilho que correu os olhos dela limpou minha mente por um momento.
- Caramba, é verdade, né? Acha que eu deveria voltar?
Minha resposta foi interrompida pelo barulho do celular vibrando na mesa e soube de quem era a ligação só de ver a expressão no rosto dela.
- Oi, amor.
Engoli em seco, voltando a atenção ao livro à minha frente sem realmente conseguir focar em nada ali. Ela riu baixo, contou brevemente sobre o dia que teve e, então, seu tom de voz mudou. Ergui os olhos rapidamente, vendo a expressão passar de alegre para neutra.
- Você não vai? - perguntou, e a resposta do outro lado fez com que ela se levantasse e andasse até a TV, parando de costas para mim. A voz se tornou quase sussurrada, mas conseguia ouvir. - Mas, , é a minha apresentação... é importante pra mim...
Meu coração errou uma batida, ficando apertado no peito. Mais uma vez, mais uma desculpa. Quantas mais seriam necessárias?
Ela voltou ao lugar, pegando o lápis num gesto automático enquanto corria os olhos pelo livro, sem realmente prestar atenção em nada ali. Podia vê-la apertando os dentes, tentando parecer não tão afetada pelo fato do nosso amigo de infância tê-la dispensado, provavelmente, por uma noite mais legal com os amigos novamente.
- Tudo bem? - perguntei, cauteloso.
- Ah, sim, era o ... parece que ele não vai conseguir ir hoje à noite.
- Ah... - foi o que consegui dizer, não porque não estivesse curioso sobre a desculpa da rodada, mas porque sabia que ela não queria falar sobre algo quando cutucava o canto dos dedos. Pousei o olhar no papel, brincando com o lápis entre os meus, e o barulho do ponteiro do relógio foi a única coisa que ouvimos pelos próximos tensos segundos. Eu a observava de relance, sentindo o coração se apertar mais e mais conforme a luz dela se apagava. No fim das contas, quem era o babaca?
- Chega, preciso de um tempo - joguei o livro longe, rodando o pescoço para aliviar os músculos. concordou primeiro com um gesto.
- É, somos dois. Quer um sanduíche?
- Boa ideia.
Nós deixamos os livros de lado e fomos até a cozinha, onde ela me entregou uma toalha de mesa enquanto pegava algumas coisas na geladeira.
- Nervosa pra sua apresentação?
- Um pouco - respondeu sentando-se ao meu lado. - É um público bem maior do que estamos acostumadas.
- Tenho certeza de que vai ser maravilhoso, sempre é.
desviou brevemente os olhos do pão que cortava para os meus, sorrindo fraco.
- É, espero que sim.
- A que horas tem de estar lá?
- Às vinte, nós entramos no palco às vinte e uma.
- Eu acho incrível o que vocês fazem - disse, vendo-a rechear o pão com presunto e bastante queijo.
- Na chapa? - neguei com a cabeça, recebendo o prato. - Como assim, o que fazemos?
- Momento angular - levei o lanche à boca, mas interrompi a mordida ao ver a cara de interrogação dela. - A parte da física destinada à análise dos giros que vocês fazem, os fouetté.
Ela franziu a testa, apoiando os cotovelos na mesa.
- Você sabe essa palavra?
Assenti. Ela sorriu.
- É bem incrível como vocês mantêm o eixo de gravidade constante pra tantas rotações contínuas - concluí, terminando também a mordida. me olhava de um modo que não consegui identificar, mas parecia bom.
- Quando foi que você ficou tão ridiculamente inteligente?
- Eu sempre fui inteligente - ironizei.
- Ah, é? Mesmo quando quis pintar Plutão de verde?
Foi a minha vez de ter um enorme ponto de interrogação na testa. Ela riu baixo, olhando e apontando para a mesa com um gesto de cabeça que me deixou ainda mais confuso. Até que, boom, uma sinapse.
- Caramba, como foi se lembrar disso? - indaguei com a boca cheia, a testa franzida em espanto e alegria.
- Algumas broncas a gente não esquece.
- Foi um trabalho de ciências, não foi? - ela assentiu. - É, lembro alguma coisa sobre esse dia.
- Tipo?
Engoli o último pedaço mastigado antes de responder.
- Você me chamando de babaca.
riu mais abertamente, mexendo a cabeça de um lado para o outro.
- Por que eu te chamava tanto assim?
- Excelente pergunta.
- A gente colocou tinta até no carro dos meus pais, céus...
- Se não me engano, rolou uma dificuldade na limpeza do meu cabelo.
apoiou o rosto em uma das mãos, me olhando com o carinho que fazia as minhas suarem.
- A gente sabia se divertir.
- A gente tinha dez anos - apontei o óbvio, rindo ao vê-la olhar para cima com um biquinho nos lábios.
- Bem colocado.
Dei outra mordida e encostei na cadeira, deixando a cabeça cair de um lado para o outro. Quatro horas na mesma posição tinham acabado com qualquer traço de músculo na minha nuca e fiz uma pequena careta de dor ao senti-los queimarem com os movimentos. se levantou e saiu da cozinha sem dizer nada, voltando minutos depois com um tubo na mão.
- Onde dói? - perguntou, se posicionando atrás de mim.
- Mais fácil te falar onde não dói.
- Oh, pobre vestibulando acabado... - debochou, e encostei a cabeça na barriga dela, erguendo o rosto para olhá-la.
- Babaca.
emitiu o som que eu mais amava no planeta, batendo de leve na minha testa.
- Ei, essa fala é minha!
Voltei a olhar para frente e ouvi o barulho da tampa do tubo sendo aberta, e então as mãos geladas envolveram meu pescoço. O cheiro de menta invadiu minhas narinas com força, abrindo caminho por todos os espaços ocos no meu rosto assim como os dedos dela abriam caminho na minha pele. Frio, quente, pelos eriçados nos braços. Fechei os olhos quando um arrepio subiu da espinha até o topo do meu cérebro. Ela os pressionava gentil e profundamente, soltando os nós nos ombros, e tudo estava indo controladamente bem até resolver passá-los por baixo da gola da minha blusa. Frio, quente e meio sanduíche querendo voltar a ser um.
- Sabe se o natal vai ser na minha ou na sua casa esse ano? - perguntou, os dedos encontrando cada vez mais áreas inexploradas.
- N-não...
- Já comprou presentes?
- N-não...
- E já sabe o que vai me dar?
- N-não...
Os dedos dela pararam de se mover e só então percebi que meus olhos estavam fechados, a mente concentrada na rajada de hormônios que corria meu corpo.
- Tá tudo bem, ?
- S-sim, tá tudo ótimo... eu só... - procurei por alguma coisa mentalmente, suspirando quando pareci voltar a mim. - Você é boa nisso.
riu e deslizou os dedos até minha nuca, entrelaçando-os nas pontas dos meus cabelos e fazendo com que fechasse os olhos novamente, apertando-os num misto de prazer e desespero.
- O diz a mesma coisa.
Abri os olhos, regojizado pela canção contida em tais palavras que, invadindo meu interior, deleitava minha alma.
Ah, a época ultrarromântica.
- Acho que é o suficiente, tô melhor - disse com minha melhor voz.
- Tem certeza?
- Absoluta, obrigado.
- Tá certo - ela tirou as mãos de mim e voltou a sentar ao meu lado. - Não vai terminar o sanduíche?
Assenti com minha melhor cara de claro, com certeza e mordi o sanduíche sob mil protestos de um sistema digestivo que já não mais funcionava. De repente, eu estava apagado.
- Está tudo bem mesmo, ? - perguntou com o cenho franzido. - Você ficou estranho.
- Eu estou cansado, só isso - forcei um sorriso.
- É, somos dois.
- Acho melhor eu ir, ver se consigo dormir um pouco antes da sua apresentação.
- Claro, talvez eu deva fazer o mesmo.
Sorrimos um para o outro ao mesmo tempo e foi uma ótima deixa para eu largar o resto do lanche sobre o prato antes de levantar e ir à sala recolher minhas coisas. me encontrou na porta e aproximei o rosto para beijar o dela, mas parei ao notar sua expressão.
- O quê?
- Tem uma coisa no seu rosto.
Levei a mão livre até a bochecha num ato automático.
- Onde?
- Aqui, ó!
espalmou a mão coberta por catchup na minha cara, esfregando-a até que toda minha pele estivesse melecada. O cheiro me causou certo enjoo, mas foi impossível não sorrir com a lembrança que cruzou minha mente e, quando vi, estava rindo de um jeito que não ria há tempos.
- Eu te pego, sua idiota!
- Eu adoro – contrariei, erguendo os olhos do livro à minha frente para ver sua expressão séria.
- Isso é porque você sabe.
Soltei uma risada baixa, apoiando as costas no sofá e o antebraço direito no joelho.
- Qual o problema?
- A Revolução Francesa. E tudo o que veio antes e depois dela.
Ri novamente, jogando a cabeça de leve para os lados afim de aliviar a tensão no pescoço.
- Manda.
- Aponte uma proposta da Revolução Francesa que influenciou a independência do Haiti e a principal diferença entre este processo e as outras lutas pela independência das colônias americanas.
- Uma das propostas foi a abolição da escravidão, que provocou cisão entre proprietários escravistas coloniais. A diferença foi a participação ativa dos negros, libertos ou escravos, na luta pela manutenção da liberdade conquistada pela colônia – respondi logo em seguida. Os olhos dela mantiveram-se fixos aos meus por alguns longos segundos, me deixando desconfortável.
- Eu te invejo – disse antes de finalmente quebrar o contato visual. Suspirei.
- É pura decoreba.
- Pode até ser para alguns, mas, no seu caso, é pura inteligência.
Sorri com aquilo, olhando-a rapidamente.
- Você também é inteligente, .
- Ah, é? Então por que eu não consigo explicitar o motivo central para a eclosão da Confederação do Equador e citar duas de suas propostas para a organização do poder do Estado?
- Porque você não prestou atenção no texto do enunciado. A resposta tá lá.
- Sério? – ela perguntou indignada, soltando a cabeça para segurar o livro.
Nós estávamos sentados ao redor da mesa da sala há pelo menos quatro horas, estudando para o vestibular. tentava entender sua tão odiada História enquanto meu problema maior era a Literatura. Tudo tão meloso, tão dramático, tão sentimental, tão brega.
- Ah, a época utrarromântica... - disse num suspiro teatralmente apaixonado, fazendo-a rir. Na maioria das vezes eu tentava ser engraçado apenas para ouvir a risada dela.
- O que você tem contra romance?
- Não tenho nada contra, só acho que não precisa ser tão cheio de frescura.
ergueu as sobrancelhas, abrindo a boca em protesto.
- Frescura? É a época mais linda, tá legal!?
Foi a minha vez de erguer as sobrancelhas. Peguei o livro à minha frente, recitando com a voz e a expressão neutras.
- Meu desejo? Era ser a luva branca que essa tua gentil mãozinha aperta, a camélia que murcha no teu seio, o anjo que por te ver no céu deserta - voltei o olhar para ela, que apertava os lábios para reprimir um riso. - Que porra é essa?
- Babaca - inclinei a cabeça num gesto mecânico, encarando-a com um meio sorriso. Ela ficou confusa. - O que foi?
- Fazia anos que você não me chamava disso.
Vi-a abrir a boca, sorrindo abertamente em vez de falar, e o brilho que correu os olhos dela limpou minha mente por um momento.
- Caramba, é verdade, né? Acha que eu deveria voltar?
Minha resposta foi interrompida pelo barulho do celular vibrando na mesa e soube de quem era a ligação só de ver a expressão no rosto dela.
- Oi, amor.
Engoli em seco, voltando a atenção ao livro à minha frente sem realmente conseguir focar em nada ali. Ela riu baixo, contou brevemente sobre o dia que teve e, então, seu tom de voz mudou. Ergui os olhos rapidamente, vendo a expressão passar de alegre para neutra.
- Você não vai? - perguntou, e a resposta do outro lado fez com que ela se levantasse e andasse até a TV, parando de costas para mim. A voz se tornou quase sussurrada, mas conseguia ouvir. - Mas, , é a minha apresentação... é importante pra mim...
Meu coração errou uma batida, ficando apertado no peito. Mais uma vez, mais uma desculpa. Quantas mais seriam necessárias?
Ela voltou ao lugar, pegando o lápis num gesto automático enquanto corria os olhos pelo livro, sem realmente prestar atenção em nada ali. Podia vê-la apertando os dentes, tentando parecer não tão afetada pelo fato do nosso amigo de infância tê-la dispensado, provavelmente, por uma noite mais legal com os amigos novamente.
- Tudo bem? - perguntei, cauteloso.
- Ah, sim, era o ... parece que ele não vai conseguir ir hoje à noite.
- Ah... - foi o que consegui dizer, não porque não estivesse curioso sobre a desculpa da rodada, mas porque sabia que ela não queria falar sobre algo quando cutucava o canto dos dedos. Pousei o olhar no papel, brincando com o lápis entre os meus, e o barulho do ponteiro do relógio foi a única coisa que ouvimos pelos próximos tensos segundos. Eu a observava de relance, sentindo o coração se apertar mais e mais conforme a luz dela se apagava. No fim das contas, quem era o babaca?
- Chega, preciso de um tempo - joguei o livro longe, rodando o pescoço para aliviar os músculos. concordou primeiro com um gesto.
- É, somos dois. Quer um sanduíche?
- Boa ideia.
Nós deixamos os livros de lado e fomos até a cozinha, onde ela me entregou uma toalha de mesa enquanto pegava algumas coisas na geladeira.
- Nervosa pra sua apresentação?
- Um pouco - respondeu sentando-se ao meu lado. - É um público bem maior do que estamos acostumadas.
- Tenho certeza de que vai ser maravilhoso, sempre é.
desviou brevemente os olhos do pão que cortava para os meus, sorrindo fraco.
- É, espero que sim.
- A que horas tem de estar lá?
- Às vinte, nós entramos no palco às vinte e uma.
- Eu acho incrível o que vocês fazem - disse, vendo-a rechear o pão com presunto e bastante queijo.
- Na chapa? - neguei com a cabeça, recebendo o prato. - Como assim, o que fazemos?
- Momento angular - levei o lanche à boca, mas interrompi a mordida ao ver a cara de interrogação dela. - A parte da física destinada à análise dos giros que vocês fazem, os fouetté.
Ela franziu a testa, apoiando os cotovelos na mesa.
- Você sabe essa palavra?
Assenti. Ela sorriu.
- É bem incrível como vocês mantêm o eixo de gravidade constante pra tantas rotações contínuas - concluí, terminando também a mordida. me olhava de um modo que não consegui identificar, mas parecia bom.
- Quando foi que você ficou tão ridiculamente inteligente?
- Eu sempre fui inteligente - ironizei.
- Ah, é? Mesmo quando quis pintar Plutão de verde?
Foi a minha vez de ter um enorme ponto de interrogação na testa. Ela riu baixo, olhando e apontando para a mesa com um gesto de cabeça que me deixou ainda mais confuso. Até que, boom, uma sinapse.
- Caramba, como foi se lembrar disso? - indaguei com a boca cheia, a testa franzida em espanto e alegria.
- Algumas broncas a gente não esquece.
- Foi um trabalho de ciências, não foi? - ela assentiu. - É, lembro alguma coisa sobre esse dia.
- Tipo?
Engoli o último pedaço mastigado antes de responder.
- Você me chamando de babaca.
riu mais abertamente, mexendo a cabeça de um lado para o outro.
- Por que eu te chamava tanto assim?
- Excelente pergunta.
- A gente colocou tinta até no carro dos meus pais, céus...
- Se não me engano, rolou uma dificuldade na limpeza do meu cabelo.
apoiou o rosto em uma das mãos, me olhando com o carinho que fazia as minhas suarem.
- A gente sabia se divertir.
- A gente tinha dez anos - apontei o óbvio, rindo ao vê-la olhar para cima com um biquinho nos lábios.
- Bem colocado.
Dei outra mordida e encostei na cadeira, deixando a cabeça cair de um lado para o outro. Quatro horas na mesma posição tinham acabado com qualquer traço de músculo na minha nuca e fiz uma pequena careta de dor ao senti-los queimarem com os movimentos. se levantou e saiu da cozinha sem dizer nada, voltando minutos depois com um tubo na mão.
- Onde dói? - perguntou, se posicionando atrás de mim.
- Mais fácil te falar onde não dói.
- Oh, pobre vestibulando acabado... - debochou, e encostei a cabeça na barriga dela, erguendo o rosto para olhá-la.
- Babaca.
emitiu o som que eu mais amava no planeta, batendo de leve na minha testa.
- Ei, essa fala é minha!
Voltei a olhar para frente e ouvi o barulho da tampa do tubo sendo aberta, e então as mãos geladas envolveram meu pescoço. O cheiro de menta invadiu minhas narinas com força, abrindo caminho por todos os espaços ocos no meu rosto assim como os dedos dela abriam caminho na minha pele. Frio, quente, pelos eriçados nos braços. Fechei os olhos quando um arrepio subiu da espinha até o topo do meu cérebro. Ela os pressionava gentil e profundamente, soltando os nós nos ombros, e tudo estava indo controladamente bem até resolver passá-los por baixo da gola da minha blusa. Frio, quente e meio sanduíche querendo voltar a ser um.
- Sabe se o natal vai ser na minha ou na sua casa esse ano? - perguntou, os dedos encontrando cada vez mais áreas inexploradas.
- N-não...
- Já comprou presentes?
- N-não...
- E já sabe o que vai me dar?
- N-não...
Os dedos dela pararam de se mover e só então percebi que meus olhos estavam fechados, a mente concentrada na rajada de hormônios que corria meu corpo.
- Tá tudo bem, ?
- S-sim, tá tudo ótimo... eu só... - procurei por alguma coisa mentalmente, suspirando quando pareci voltar a mim. - Você é boa nisso.
riu e deslizou os dedos até minha nuca, entrelaçando-os nas pontas dos meus cabelos e fazendo com que fechasse os olhos novamente, apertando-os num misto de prazer e desespero.
- O diz a mesma coisa.
Abri os olhos, regojizado pela canção contida em tais palavras que, invadindo meu interior, deleitava minha alma.
Ah, a época ultrarromântica.
- Acho que é o suficiente, tô melhor - disse com minha melhor voz.
- Tem certeza?
- Absoluta, obrigado.
- Tá certo - ela tirou as mãos de mim e voltou a sentar ao meu lado. - Não vai terminar o sanduíche?
Assenti com minha melhor cara de claro, com certeza e mordi o sanduíche sob mil protestos de um sistema digestivo que já não mais funcionava. De repente, eu estava apagado.
- Está tudo bem mesmo, ? - perguntou com o cenho franzido. - Você ficou estranho.
- Eu estou cansado, só isso - forcei um sorriso.
- É, somos dois.
- Acho melhor eu ir, ver se consigo dormir um pouco antes da sua apresentação.
- Claro, talvez eu deva fazer o mesmo.
Sorrimos um para o outro ao mesmo tempo e foi uma ótima deixa para eu largar o resto do lanche sobre o prato antes de levantar e ir à sala recolher minhas coisas. me encontrou na porta e aproximei o rosto para beijar o dela, mas parei ao notar sua expressão.
- O quê?
- Tem uma coisa no seu rosto.
Levei a mão livre até a bochecha num ato automático.
- Onde?
- Aqui, ó!
espalmou a mão coberta por catchup na minha cara, esfregando-a até que toda minha pele estivesse melecada. O cheiro me causou certo enjoo, mas foi impossível não sorrir com a lembrança que cruzou minha mente e, quando vi, estava rindo de um jeito que não ria há tempos.
- Eu te pego, sua idiota!
Cena 2
O murmúrio ininteligível diminuiu gradativamente junto às luzes. As cortinas se abriram segundos depois, revelando uma roda de bailarinas delicadamente vestidas em branco. A música suave deu início à apresentação, fazendo meu corpo se ajeitar no veludo da poltrona. não estava entre as mais de quinze meninas que rodavam na ponta dos pés com perfeição, mas eu a veria a qualquer momento e, enquanto ele não chegava, contemplei a beleza nos movimentos de cada uma delas - livres, fáceis, gentis. Garotas são extraordinárias.
A música oscilava entre momentos tensos e relaxados, mas, por mais que tudo aquilo fosse realmente bonito, não era em nenhuma delas que eu estava interessado. Eu a queria logo, queria vê-la dançar mais uma vez e, como resposta a um pedido silencioso, ela finalmente apareceu.
O mundo parou para que dançasse. Vestida em preto, nada se comparava ao modo como ela se movia pelo palco extenso, fazendo da música, do teatro e de mim o que quisesse. Ela era tão... linda. Deus, como ela era linda. Meu coração batia tão rápido que poderia sair pela boca a qualquer momento, por mais clichê que isso fosse, mas ali, sentado naquela poltrona, embasbacado e sem movimentos, eu me encontrava ridicula, estúpida e indubitavelmente apaixonado pela minha melhor amiga.
- Oh, meu Deus, ela não é linda? - minha mãe sussurrou ao meu lado, mas não consegui olhá-la porque os olhos de encontraram os meus em um momento de pausa, me fazendo perder o ar.
Eu estava tão ferrado.
Do lado de fora, a lua era a única coisa que enfeitava o céu. O vento soprava gelado, mas não era esse o motivo pelo qual minhas pernas tremiam. As únicas pessoas que permaneciam na porta agora eram amigos e familiares das bailarinas, que se trocavam no camarim. Com as mãos nos bolsos, eu escutava meus pais elogiarem aos pais dela.
- Ela estava simplesmente deslumbrante! – minha mãe disse, levando uma das mãos ao peito.
- É, meu amigo, se prepare – meu pai se dirigiu ao dela com um sorriso sugestivo no rosto. – Ela vai dar trabalho.
O Sr. e a Sra. riram.
- Ah, nossa estrela chegou!
Virei o rosto ao ouvir a Sra. se referir à filha, vendo receber um abraço dela. Ela vestia jeans escuros, uma regata branca e ainda tinha a maquiagem suave e brilhante no rosto.
- Você estava maravilhosa como sempre, querida.
- Obrigada, Sra. – respondeu com um sorriso.
- Aposto que deixou muitos garotos babando, não é mesmo, ? – meu pai brincou. Arqueei levemente as sobrancelhas em um ato mecânico, assentindo enquanto fingia com meu melhor sorriso não ser um deles.
- Fico feliz que tenham gostado, eu estava nervosa - confessou.
- Nunca saberia - minha mãe disse abraçando-a de lado por um segundo. - Você dominou aquele teatro do começo ao fim.
sorriu timidamente, olhando para mim em seguida.
- Quero comer alguma coisa, vai comigo?
Assenti, ainda sem condições de usar a voz, e o pai dela sugeriu ao meu uma cerveja na casa deles. Nos despedimos, e então éramos apenas e eu.
- Aonde você quer ir? - perguntei com a voz levemente afetada.
- Tem uma pizzaria logo ali embaixo, pode ser?
Assenti mais uma vez e começamos a caminhar, sem pressa, sob o céu escuro. Minhas mãos estavam dentro dos bolsos, apertando um pouco o tecido.
- E então, o que achou? - olhei-a com surpresa.
- Tá brincando, né?
deu de ombros, rindo baixo.
- Alimente meu ego, - foi minha vez de rir.
- Você tirou meu fôlego.
- Ah, muito obrigada - disse em tom teatral, rindo mais alto. Suspirei. - Fico feliz que tenha vindo.
- Tá brincando de novo, né?
Ela deu de ombros mais uma vez, olhando para os pés enquanto andávamos, e só então me dei conta da situação.
- Posso perguntar? - pedi. respirou fundo, soltando o ar devagar e relaxando a nuca enquanto, talvez, pensava.
- Ele não ia conseguir sair da cidade dos pais a tempo de chegar aqui.
Outch.
- Talvez ele tivesse bastante trabalho por lá, o pai tem pego bastante no pé dele desde que começaram a trabalhar juntos...
- É, eu sei...
Por longos segundos, tudo o que ouvimos foi o barulho dos pneus dos carros no asfalto, e não soube mais o que dizer, nem se deveria dizer qualquer coisa.
- Ele tem cancelado nossas noites com frequência - as palavras saíram arrastadas, carregadas de um misto de dúvida e tristeza. Quis confortá-la de alguma maneira, mas a verdade era que a namorava por conveniência, aparecendo apenas quando era interessante para ele.
O que fazer quando seu melhor amigo namora sua melhor amiga?
- Já conversou com ele sobre isso?
- Na verdade, não.
- Bom - afundei as mãos no jeans, respirando fundo antes de continuar. - Não tire conclusões antes disso, tudo bem?
me olhou com um sorriso tenro, concordando com a cabeça.
- Obrigada, .
Sorri de volta, dividido entre me orgulhar de mim e deixar que a porta automática da pizzaria me cortasse como uma fatia.
<3
Ao todo, foram nove pedaços, e tinha as mãos na barriga enquanto olhava o nada no copo vazio de cerveja.
- Se eu não estivesse tão lotada, aceitaria mais um pedaço da de banana.
Ri, relaxando o corpo no encosto da cadeira.
- Você bateu um recorde hoje.
- Ao contrário de você, que me decepcionou - rebateu com cara de espanto. - Quem pede rodízio pra comer duas fatias?
- Ainda tô satisfeito do catchup de mais cedo.
riu abertamente, mostrando a ponta da língua em uma careta.
- Admita, você se divertiu.
- É, admito, foi uma boa lembrança.
Nós estávamos sentados na área externa, próximos à calçada, e as luzes dos pisca-pisca que enfeitavam o lugar refletiam o gliter na maquiagem dela, fazendo com que seu rosto tivesse um brilho quase angelical.
- O quê? - perguntou quando meu olhar se perdeu no dela.
- Se o soubesse o quão linda você está essa noite, teria se esforçado mais.
O sorriso se desfez aos poucos e senti minhas pupilas dilatarem assim que percebi o peso nas minhas palavras. Ela mordeu o interior da boca, olhando para baixo, e apertei os olhos, me xingando mentalmente.
, seu babaca.
- , me desculpa, não foi o que quis dizer... - apressei-me em corrigir. Ela assentiu forçando um sorriso, ainda olhando para as mãos. - Droga, eu não deveria ter dito isso, me desculpa...
ergueu o olhar, sustentando-o no meu por alguns segundos.
- Não se desculpe, , você está certo.
Abri e fechei a boca, incerto sobre o que dizer. O ar entrava tenso em meus pulmões enquanto minha voz ecoava na minha cabeça - que merda, que merda, que merda. A última coisa que eu queria essa noite era ver magoada.
- Tá tudo bem, - ela sorriu. - Talvez eu é quem deva me esforçar menos e parar de fingir que não to vendo o que tá na minha cara.
Aquela última frase me deixou sem palavras.
- O que quer dizer com isso?
rolou os olhos, bufando entre um riso irônico.
- Quero dizer que se ele se importasse com o quão linda eu pudesse estar essa noite teria vontade de se esforçar mais.
Não ousei abrir minha boca depois daquilo, primeiro porque ela estava certa, segundo porque ele não a merecia, e ficamos em silêncio por minutos. Deixei minha mente divagar na música de fundo, mas era difícil não olhá-la de relance vez ou outra, especialmente quando ela passava os dedos entre os fios bagunçados pelo coque desfeito.
- Obrigada pelo elogio - ela cortou o silêncio, me deixando um pouco sem jeito, e apenas assenti. - Vamos pra casa?
<3
- Você não precisava ter pago a conta toda.
- Eu sei, mas essa é sua noite e eu sou um cavalheiro - brinquei, caminhando de volta ao teatro.
- Tá aí uma coisa que é muito verdade e muito interessante ao mesmo tempo.
- Interessante? - ela me olhou com um ar de dúvida.
- Acho que interessante não é a palavra, mas você consegue ser tudo ao mesmo tempo - agora eu quem a olhei com o maior ponto de interrogação no rosto, fazendo-a rir. - Fora do palco você é esse cara gentil, doce e irritantemente inteligente, mas, quando colocam uma guitarra na sua mão, você vira aquele mesmo menino rebelde com cara de louco.
Uma semi-gargalhada escapou da minha garganta, até porque, bem, era verdade.
- Você nunca me disse isso.
deu de ombros, ainda rindo.
- Sério, alguma coisa acontece quando você sobe num palco que te transforma de um jeito bem impressionante.
Ergui as sobrancelhas, esboçando um meio sorriso.
- Impressionante bom ou impressionante ruim?
- Impressionante ótimo - senti a sinceridade na voz. - Sua versão louca domina o ambiente.
- Bom - comecei, sugestivo. - Agora você sabe o que fez dentro daquele teatro.
mostrou os dentes desenhados, mordendo o lábio inferior rapidamente.
- , se importa se pararmos um pouco? Meus pés estão me matando - concordei com um gesto de cabeça, guiando-a até um banco próximo. - Acho que a pausa piorou a dor.
apoiou o calcanhar direito no banco e puxei sua perna para cima da minha, fazendo com que ela girasse o corpo na minha direção. Tirei a sapatilha laranja com cuidado, colocando-a no banco, e deslizei os dedos na pele macia do pé dela, notando os esparadrapos e hematomas.
- Caramba, não sei como vocês conseguem...
- Rá - bufou -, às vezes nem eu. A parte ruim de ser bailarina é lembrar o quão bonito meu pé costumava ser.
- Mas ele ainda é.
Os dedos dela correram minha nuca, virando meu rosto para olhá-la.
- Você é realmente um cavalheiro, não é, ?
O tom de voz me fez rir.
- De verdade, já vi o pé de algumas das suas amigas, o seu tá bem de boa - o som da risada divertida tão próximo fez meu coração errar uma batida. - De qualquer modo, a perfeição tem seu preço.
Eu envolvi o pé dela com as duas mãos, pressionando a sola com os dedões com cuidado para não machucá-la. Estava escuro, mas as luzes dos postes e da decoração de natal me deixava ver a marca das fitas da sapatilha na pele.
- Qual o preço da sua? - a voz fraca convidou meus olhos a encará-la, primeiro confusos, depois tímidos.
- Talvez as cicatrizes nos meus dedos.
sustentou o olhar.
- E antes disso? - fiquei confuso novamente, não entendendo sobre o quê ela estava falando. - Você se lembra da nossa corrida até a sorveteria? - perguntou com um meio sorriso e forcei a memória. - A gente tava na sala da sua casa, entediados, então alguém sugeriu uma corrida até a sorveteria...
- Mas ninguém levou dinheiro pra pagar... - completei, o flash repentino acendendo imagens na minha testa.
- Você ficou super decepcionado por não tomar sorvete de graça.
- E você correu descalça por algum motivo - sorri, franzindo o cenho.
- Acho que eu devia estar de chinelo.
- Nossa, parece que foi ontem...
- Lembra do que você fez? - meus olhos desviaram dos dela, buscando por uma memória que não veio. - Meus pés estavam cheios de pedrinhas, então você tirou seus tênis pra que eu conseguisse andar.
A imagem daquele momento me atingiu como um raio, causando um misto de sensações e nostalgia. Na minha mente, via os pés dela se movimentando com dificuldade devido ao tamanho do meu tênis, mas, mesmo assim, ela tinha um sorriso nos lábios.
- Caramba, de onde tá vindo tudo isso hoje?
- Boa pergunta... mas essa é uma lembrança que, na verdade, volta sempre.
- Você se lembra sempre desse dia? - estranhei, ela assentiu.
- Fui me lembrar disso há alguns anos e meu primeiro pensamento foi ei, a gente tinha dez anos... como alguém faz algo assim aos dez anos?
Aquela era outra boa pergunta e tentei buscar por uma explicação, mas não a encontrei, por isso passei os próximos segundos vendo o rosto dela brilhar em furtacor.
- Acho que eu sempre gostei de cuidar de você.
manteve a expressão carinhosa, crescendo um pequeno sorriso no canto do lábio, e me senti repentinamente acanhado, as bochechas esquentando como nunca antes. Desviei o olhar para minhas mãos no pé dela, torcendo para que ela não percebesse o quão afetado tinha ficado com minhas próprias palavras, e pigarrei.
- Acha que consegue andar? - vi-a assentir de relance e calcei a sapatilha antes dela se levantar para sentir os pés reclamarem. - Aqui, sobe no banco - pedi. estranhou, mas incentivei com um gesto de cabeça que ela obedeceu. Parei de costas a ela, pedindo por suas pernas com as mãos.
- É sério, ? - perguntou, rindo.
- Seríssimo - envolveu meu pescoço com os braços e minha cintura com as pernas, jogando todo seu peso sobre mim. No meio da rua, entre a lua e as luzes de natal, nunca fora tão fácil carregar todo o meu mundo nas costas.
A música oscilava entre momentos tensos e relaxados, mas, por mais que tudo aquilo fosse realmente bonito, não era em nenhuma delas que eu estava interessado. Eu a queria logo, queria vê-la dançar mais uma vez e, como resposta a um pedido silencioso, ela finalmente apareceu.
O mundo parou para que dançasse. Vestida em preto, nada se comparava ao modo como ela se movia pelo palco extenso, fazendo da música, do teatro e de mim o que quisesse. Ela era tão... linda. Deus, como ela era linda. Meu coração batia tão rápido que poderia sair pela boca a qualquer momento, por mais clichê que isso fosse, mas ali, sentado naquela poltrona, embasbacado e sem movimentos, eu me encontrava ridicula, estúpida e indubitavelmente apaixonado pela minha melhor amiga.
- Oh, meu Deus, ela não é linda? - minha mãe sussurrou ao meu lado, mas não consegui olhá-la porque os olhos de encontraram os meus em um momento de pausa, me fazendo perder o ar.
Eu estava tão ferrado.
Do lado de fora, a lua era a única coisa que enfeitava o céu. O vento soprava gelado, mas não era esse o motivo pelo qual minhas pernas tremiam. As únicas pessoas que permaneciam na porta agora eram amigos e familiares das bailarinas, que se trocavam no camarim. Com as mãos nos bolsos, eu escutava meus pais elogiarem aos pais dela.
- Ela estava simplesmente deslumbrante! – minha mãe disse, levando uma das mãos ao peito.
- É, meu amigo, se prepare – meu pai se dirigiu ao dela com um sorriso sugestivo no rosto. – Ela vai dar trabalho.
O Sr. e a Sra. riram.
- Ah, nossa estrela chegou!
Virei o rosto ao ouvir a Sra. se referir à filha, vendo receber um abraço dela. Ela vestia jeans escuros, uma regata branca e ainda tinha a maquiagem suave e brilhante no rosto.
- Você estava maravilhosa como sempre, querida.
- Obrigada, Sra. – respondeu com um sorriso.
- Aposto que deixou muitos garotos babando, não é mesmo, ? – meu pai brincou. Arqueei levemente as sobrancelhas em um ato mecânico, assentindo enquanto fingia com meu melhor sorriso não ser um deles.
- Fico feliz que tenham gostado, eu estava nervosa - confessou.
- Nunca saberia - minha mãe disse abraçando-a de lado por um segundo. - Você dominou aquele teatro do começo ao fim.
sorriu timidamente, olhando para mim em seguida.
- Quero comer alguma coisa, vai comigo?
Assenti, ainda sem condições de usar a voz, e o pai dela sugeriu ao meu uma cerveja na casa deles. Nos despedimos, e então éramos apenas e eu.
- Aonde você quer ir? - perguntei com a voz levemente afetada.
- Tem uma pizzaria logo ali embaixo, pode ser?
Assenti mais uma vez e começamos a caminhar, sem pressa, sob o céu escuro. Minhas mãos estavam dentro dos bolsos, apertando um pouco o tecido.
- E então, o que achou? - olhei-a com surpresa.
- Tá brincando, né?
deu de ombros, rindo baixo.
- Alimente meu ego, - foi minha vez de rir.
- Você tirou meu fôlego.
- Ah, muito obrigada - disse em tom teatral, rindo mais alto. Suspirei. - Fico feliz que tenha vindo.
- Tá brincando de novo, né?
Ela deu de ombros mais uma vez, olhando para os pés enquanto andávamos, e só então me dei conta da situação.
- Posso perguntar? - pedi. respirou fundo, soltando o ar devagar e relaxando a nuca enquanto, talvez, pensava.
- Ele não ia conseguir sair da cidade dos pais a tempo de chegar aqui.
Outch.
- Talvez ele tivesse bastante trabalho por lá, o pai tem pego bastante no pé dele desde que começaram a trabalhar juntos...
- É, eu sei...
Por longos segundos, tudo o que ouvimos foi o barulho dos pneus dos carros no asfalto, e não soube mais o que dizer, nem se deveria dizer qualquer coisa.
- Ele tem cancelado nossas noites com frequência - as palavras saíram arrastadas, carregadas de um misto de dúvida e tristeza. Quis confortá-la de alguma maneira, mas a verdade era que a namorava por conveniência, aparecendo apenas quando era interessante para ele.
O que fazer quando seu melhor amigo namora sua melhor amiga?
- Já conversou com ele sobre isso?
- Na verdade, não.
- Bom - afundei as mãos no jeans, respirando fundo antes de continuar. - Não tire conclusões antes disso, tudo bem?
me olhou com um sorriso tenro, concordando com a cabeça.
- Obrigada, .
Sorri de volta, dividido entre me orgulhar de mim e deixar que a porta automática da pizzaria me cortasse como uma fatia.
Ao todo, foram nove pedaços, e tinha as mãos na barriga enquanto olhava o nada no copo vazio de cerveja.
- Se eu não estivesse tão lotada, aceitaria mais um pedaço da de banana.
Ri, relaxando o corpo no encosto da cadeira.
- Você bateu um recorde hoje.
- Ao contrário de você, que me decepcionou - rebateu com cara de espanto. - Quem pede rodízio pra comer duas fatias?
- Ainda tô satisfeito do catchup de mais cedo.
riu abertamente, mostrando a ponta da língua em uma careta.
- Admita, você se divertiu.
- É, admito, foi uma boa lembrança.
Nós estávamos sentados na área externa, próximos à calçada, e as luzes dos pisca-pisca que enfeitavam o lugar refletiam o gliter na maquiagem dela, fazendo com que seu rosto tivesse um brilho quase angelical.
- O quê? - perguntou quando meu olhar se perdeu no dela.
- Se o soubesse o quão linda você está essa noite, teria se esforçado mais.
O sorriso se desfez aos poucos e senti minhas pupilas dilatarem assim que percebi o peso nas minhas palavras. Ela mordeu o interior da boca, olhando para baixo, e apertei os olhos, me xingando mentalmente.
, seu babaca.
- , me desculpa, não foi o que quis dizer... - apressei-me em corrigir. Ela assentiu forçando um sorriso, ainda olhando para as mãos. - Droga, eu não deveria ter dito isso, me desculpa...
ergueu o olhar, sustentando-o no meu por alguns segundos.
- Não se desculpe, , você está certo.
Abri e fechei a boca, incerto sobre o que dizer. O ar entrava tenso em meus pulmões enquanto minha voz ecoava na minha cabeça - que merda, que merda, que merda. A última coisa que eu queria essa noite era ver magoada.
- Tá tudo bem, - ela sorriu. - Talvez eu é quem deva me esforçar menos e parar de fingir que não to vendo o que tá na minha cara.
Aquela última frase me deixou sem palavras.
- O que quer dizer com isso?
rolou os olhos, bufando entre um riso irônico.
- Quero dizer que se ele se importasse com o quão linda eu pudesse estar essa noite teria vontade de se esforçar mais.
Não ousei abrir minha boca depois daquilo, primeiro porque ela estava certa, segundo porque ele não a merecia, e ficamos em silêncio por minutos. Deixei minha mente divagar na música de fundo, mas era difícil não olhá-la de relance vez ou outra, especialmente quando ela passava os dedos entre os fios bagunçados pelo coque desfeito.
- Obrigada pelo elogio - ela cortou o silêncio, me deixando um pouco sem jeito, e apenas assenti. - Vamos pra casa?
- Você não precisava ter pago a conta toda.
- Eu sei, mas essa é sua noite e eu sou um cavalheiro - brinquei, caminhando de volta ao teatro.
- Tá aí uma coisa que é muito verdade e muito interessante ao mesmo tempo.
- Interessante? - ela me olhou com um ar de dúvida.
- Acho que interessante não é a palavra, mas você consegue ser tudo ao mesmo tempo - agora eu quem a olhei com o maior ponto de interrogação no rosto, fazendo-a rir. - Fora do palco você é esse cara gentil, doce e irritantemente inteligente, mas, quando colocam uma guitarra na sua mão, você vira aquele mesmo menino rebelde com cara de louco.
Uma semi-gargalhada escapou da minha garganta, até porque, bem, era verdade.
- Você nunca me disse isso.
deu de ombros, ainda rindo.
- Sério, alguma coisa acontece quando você sobe num palco que te transforma de um jeito bem impressionante.
Ergui as sobrancelhas, esboçando um meio sorriso.
- Impressionante bom ou impressionante ruim?
- Impressionante ótimo - senti a sinceridade na voz. - Sua versão louca domina o ambiente.
- Bom - comecei, sugestivo. - Agora você sabe o que fez dentro daquele teatro.
mostrou os dentes desenhados, mordendo o lábio inferior rapidamente.
- , se importa se pararmos um pouco? Meus pés estão me matando - concordei com um gesto de cabeça, guiando-a até um banco próximo. - Acho que a pausa piorou a dor.
apoiou o calcanhar direito no banco e puxei sua perna para cima da minha, fazendo com que ela girasse o corpo na minha direção. Tirei a sapatilha laranja com cuidado, colocando-a no banco, e deslizei os dedos na pele macia do pé dela, notando os esparadrapos e hematomas.
- Caramba, não sei como vocês conseguem...
- Rá - bufou -, às vezes nem eu. A parte ruim de ser bailarina é lembrar o quão bonito meu pé costumava ser.
- Mas ele ainda é.
Os dedos dela correram minha nuca, virando meu rosto para olhá-la.
- Você é realmente um cavalheiro, não é, ?
O tom de voz me fez rir.
- De verdade, já vi o pé de algumas das suas amigas, o seu tá bem de boa - o som da risada divertida tão próximo fez meu coração errar uma batida. - De qualquer modo, a perfeição tem seu preço.
Eu envolvi o pé dela com as duas mãos, pressionando a sola com os dedões com cuidado para não machucá-la. Estava escuro, mas as luzes dos postes e da decoração de natal me deixava ver a marca das fitas da sapatilha na pele.
- Qual o preço da sua? - a voz fraca convidou meus olhos a encará-la, primeiro confusos, depois tímidos.
- Talvez as cicatrizes nos meus dedos.
sustentou o olhar.
- E antes disso? - fiquei confuso novamente, não entendendo sobre o quê ela estava falando. - Você se lembra da nossa corrida até a sorveteria? - perguntou com um meio sorriso e forcei a memória. - A gente tava na sala da sua casa, entediados, então alguém sugeriu uma corrida até a sorveteria...
- Mas ninguém levou dinheiro pra pagar... - completei, o flash repentino acendendo imagens na minha testa.
- Você ficou super decepcionado por não tomar sorvete de graça.
- E você correu descalça por algum motivo - sorri, franzindo o cenho.
- Acho que eu devia estar de chinelo.
- Nossa, parece que foi ontem...
- Lembra do que você fez? - meus olhos desviaram dos dela, buscando por uma memória que não veio. - Meus pés estavam cheios de pedrinhas, então você tirou seus tênis pra que eu conseguisse andar.
A imagem daquele momento me atingiu como um raio, causando um misto de sensações e nostalgia. Na minha mente, via os pés dela se movimentando com dificuldade devido ao tamanho do meu tênis, mas, mesmo assim, ela tinha um sorriso nos lábios.
- Caramba, de onde tá vindo tudo isso hoje?
- Boa pergunta... mas essa é uma lembrança que, na verdade, volta sempre.
- Você se lembra sempre desse dia? - estranhei, ela assentiu.
- Fui me lembrar disso há alguns anos e meu primeiro pensamento foi ei, a gente tinha dez anos... como alguém faz algo assim aos dez anos?
Aquela era outra boa pergunta e tentei buscar por uma explicação, mas não a encontrei, por isso passei os próximos segundos vendo o rosto dela brilhar em furtacor.
- Acho que eu sempre gostei de cuidar de você.
manteve a expressão carinhosa, crescendo um pequeno sorriso no canto do lábio, e me senti repentinamente acanhado, as bochechas esquentando como nunca antes. Desviei o olhar para minhas mãos no pé dela, torcendo para que ela não percebesse o quão afetado tinha ficado com minhas próprias palavras, e pigarrei.
- Acha que consegue andar? - vi-a assentir de relance e calcei a sapatilha antes dela se levantar para sentir os pés reclamarem. - Aqui, sobe no banco - pedi. estranhou, mas incentivei com um gesto de cabeça que ela obedeceu. Parei de costas a ela, pedindo por suas pernas com as mãos.
- É sério, ? - perguntou, rindo.
- Seríssimo - envolveu meu pescoço com os braços e minha cintura com as pernas, jogando todo seu peso sobre mim. No meio da rua, entre a lua e as luzes de natal, nunca fora tão fácil carregar todo o meu mundo nas costas.
Cena 3
A música se repetia freneticamente nos headphones em meus ouvidos. Trancado no quarto, meus dedos se arranhavam nas cordas de aço da guitarra enquanto o som tomava meu corpo como uma droga toma um viciado. Com os olhos fechados, éramos apenas eu, minha música e a imagem do sorriso de .
Os pés só pararam quando meu corpo ficou quente demais, me fazendo suar, e pendurei os headphones no pescoço, coloquei a guitarra na cama e tirei a camiseta, ficando apenas com o shorts preto. A voz familiar e não muito distante cortou o vento carregada de falsa malícia.
- Fiu fiu - me olhava do outro lado da janela, sentada na escrivaninha. Escondi os mamilos com os indicadores, fazendo-a gargalhar, e andei até a minha.
- Isso é assédio?
- Não, é coleta de material - disse me mostrando o celular na mão e ergui as sobrancelhas. - Quando você for famoso, é assim que vou ficar rica no eBay.
Aquilo me fez rir.
- Babaca.
- Ei! Não roube minha fala.
Mostrei as palmas num gesto de desculpas e sentei no peitoril da janela, sentindo o vento secar minha pele. Havia um vaso lotado com rosas vermelhas ao lado do notebook dela.
- Belas flores.
- É, isso e mais algumas mil coisas.
- Deixe-me adivinhar... - ironizei. riu e levantou os ombros, tombando a cabeça para um deles.
- O pedido de desculpas mais usado no universo, mas...
Apoiei o antebraço no joelho.
- Vai aceitar?
Ela desceu o cantos dos lábios, chacoalhando a cabeça de um lado para o outro.
- Não sei, a gente vai conversar hoje à noite, depois do show de vocês - assenti, desviando o olhar para o céu por um momento. - Aliás, bela performance.
- Não precisa debochar.
- Não, é sério, eu tava gostando mesmo. É bonito ver como você se entrega até pra ensaiar.
- Obrigado - sorri.
- Posso perguntar que música era?
- Ah, é uma composição nova nossa...
- E de quem é a letra?
Engoli antes de responder, coçando o nariz.
- Hã, minha.
arqueou as sobrancelhas e mostrou os dentes numa expressão contente.
- Vão tocar hoje?
- Ainda estamos vendo, não sei se o teve muito tempo pra tirar.
- Bom, espero que sim, já fiquei curiosa.
- Não é nada demais, só mais uma letra...
Ela inclinou a cabeça, apertando de leve os olhos.
- Você tem sensibilidade demais pra ser só mais uma letra.
Uma onda indefinida irradiou do centro do meu peito até minha garganta e, por mais que quisesse passar o resto do dia ali, desci do peitoril e ergui os braços para apoiar as mãos na janela.
- Preciso terminar de passar as músicas. Te vejo mais tarde?
- Sim, senhor. E vê se tira o shorts também, nudes rendem mais.
Bufei junto a uma risada divertida, batendo a janela na cara dela.
- Ei!
<3
girava as baquetas no ar quando entrei no pequeno camarim do pub onde tocaríamos. O lugar estava lotado e o som das dezenas de vozes era quase inaudível atrás do palco.
- Ei, finalmente - ele veio até mim com uma das mãos no ar, a qual apertei de lado no nosso cumprimento habitual. - Como tá?
- Tudo certo e você? Desculpa o grande atraso.
- Tranquilo. Viu a por aí?
- Não, não vi, entrei na pressa. E o ?
- Foi buscar água no bar, o frigobar tá sem.
- Tudo certo com o setlist?
- Na ponta dos dedos, meu querido, incluindo a faixa nova. Aliás, bom trabalho.
- É, você também, a bateria ficou muito boa.
abriu os braços como quem diz eu sei, obrigado, e se jogou no sofá. Sentei-me na poltrona ao lado, apoiando um dos pés na mesa de centro.
- A ficou muito chateada?
- Acho que sim.
- Acha? - ele ergueu as sobrancelhas e me vi fazendo o mesmo.
- Cara, o que você acha?
baixou o olhar, suspirando, e não soube dizer se a preocupação com o estado emocional da era verdadeiro ou não. Eu sabia que estar com ela era conveniente para ele, apesar de ele nunca ter me dito isso, mas não era uma má pessoa.
- É, era uma apresentação importante pra ela. Como foi?
- Ela tava incrível - respondi com neutralidade.
- Imagino.
Não mesmo, meu querido.
- Ei, ! - entrou segurando uma sacola de garrafas. - Se quiser apresentar a faixa nova, tô pronto.
- Acho que podemos deixá-la por último, então.
- Parece uma boa - concordou, recebendo uma garrafa das mãos de .
- Entramos em quanto tempo? - perguntei. olhou o relógio.
- Cinco minutos.
<3
A correia vermelha cruzava meu peito por cima da camisa três quartos preta. Em cima do palco, as luzes esquentavam meu rosto e revelavam o mar de tantos outros, entusiasmados e sorridentes, à nossa frente. Aquele era o momento para o qual eu vivia - adrenalina, suor, o frenesi da batida no corpo, o coro afinado das vozes. Só tinha uma coisa no mundo que me deixava tão extasiado quanto estar em cima de um palco e ela estava ali, bem à minha frente, vestida em um frente única azul marinho e batom vermelho nos lábios, se divertindo como se aquela fosse a última das noites.
Uma hora e meia se passou como cinco minutos e tínhamos apenas mais duas músicas antes de encerrarmos. Sempre me senti diferente no palco, mas o fato de ter aquilo destacado por pareceu aumentar a sensação. Podia sentir meu olhar louco observar a plateia com diversão, minha postura ganhar um tipo diferente de confiança e até mesmo meu cabelo ganhar pontas malucas conforme chacoalhava a cabeça, doida e ritmicamente. Andei até perto de na bateria para pegar um pouco de água, recebendo, em forma de gesto, um pedido dele para falar ao microfone. Assenti, aproveitando para respirar um pouco.
- Boa noite, Underground! - cumprimentou a galera, que aplaudiu aos gritos. - Obrigado, obrigado... espero que estejam curtindo o show e, pra quem não sabe, nós somos , e - ele apontou conforme nos apresentava, e lá estavam os gritos de novo. - O batera não costuma dar as caras no microfone, mas eu gostaria de dedicar nossa penúltima canção à bailarina mais talentosa da cidade - apontou para , que estava tão em choque quanto eu, recebendo aplausos e assovios da plateia. Que merda ele estava fazendo? - Sei que isso não compensa, mas eu amo você.
andou de volta à bateria, me deixando atônito em meio ao coro de ruídos românticos no ar. o encarava com os lábios entreabertos e as sobrancelhas erguidas numa expressão indefinida, o que me deixou mais nervoso. Eu amo você. Amo você. Em que mundo achava que amava? E como ele se atrevia a mentir assim?
- ? - chamou, me trazendo de volta à realidade. A passos fervendo de raiva, troquei a guitarra pelo violão e andei até o microfone me perguntando como diabos eu cantaria minha letra para expressar a ela o que ele queria.
Com o coração a mil e o olhar perdido, esperei os acordes no piano indicarem minha deixa.
I text a postcard sent to you
Did it go through?
Sendin' all my love to you
You are the moonlight of my life
Every night
Givin' all my love to you
Meus dedos dedilhavam as cordas, trêmulos, enquanto as pessoas cantavam junto a letra de uma das primeiras músicas que eu havia escrito. Não era como se fôssemos famosos ou nada assim, mas nosso nome rodava na boca dos bares há alguns anos e nossas músicas eram cada vez mais aceitas pelo público deles, o que foi um choque para nós, considerando que éramos uma das raras bandas autorais da cidade.
E Last Night On Earth era minha declaração oculta.
My beatin' heart belongs to you
I walked for miles 'til I found you
I'm here to honour you
If I lose everything in the fire
I'm sendin' all my love to you
Com a cabeça baixa, meus olhos estavam fixos no chão e tudo o que se ouvia eram os acordes do piano junto aos do violão na primeira pausa da canção. Um buraco se abriu no meu peito e, sem que eu realmente quisesse, eles se ergueram, encontrando os de olhando diretamente para mim. Quase travei, e tanto eu como ela tínhamos o semblante neutro. Quis desviar, mas não consegui e, ali, em cima daquele palco, tomado por fúria e raiva contidas, cantando a letra que continha todo meu coração e olhando para a garota que me tinha completa e sinceramente, fiz a única coisa que queria.
Me declarei.
With every breath that I am worth
Here on Earth
I'm sendin' all my love to you
So if you dare to second-guess
You can rest
Assured that all my love's for you
My beatin' heart belongs to you
I walked for miles 'til I found you
I'm here to honour you
If I lose everything in the fire
I'm sendin' all my love to you
Segunda pausa longa, piano e violão, meus olhos nos dela agora com total intenção. Ela passou a me encarar com a testa levemente franzida, a única pessoa imóvel na pista, e segurei o olhar no dela, cada vez mais profundo e vulnerável, não me importando nem um pouco em ser pego por quem quer que fosse. Pela primeira vez, eu queria que ela soubesse, especialmente ali, cantando as minhas palavras a ela.
My beatin' heart belongs to you
I walked for miles 'til I found you
I'm here to honour you
If I lose everything in the fire
I'm sendin' all my love to you
My beatin' heart belongs to you
I walked for miles 'til I found you
I'm here to honour you
If I lose everything in the fire
Did I ever make it through?
A música terminou sob aplausos fervorosos de um público tomado pela mensagem e quebrei o contato visual para falar com eles, sem esperar muito.
- Nossa última música é, na verdade, uma faixa nova. Espero que gostem.
Virei-me para dar um gesto de cabeça a e a enquanto trocava novamente o violão pela guitarra, e as palmas acompanharam o rítmo da melodia segundos depois de começarmos. Um sorriso cruzou meus lábios e meus olhos voltaram para os de na quarta linha da letra, desviando-se novamente para a multidão e seguida.
I lost my way, oh baby, this stray heart
Went to another
Can you recover, baby?
Oh, you're the only one that I'm dreamin' of
Your precious heart
Was torn apart by me
And you, you're not alone, oh-oh
And now I'm where I belong
We're not alone, oh-oh
I'll hold your heart and never let go
Meu pequeno solo antes do refrão levou a galera a um coro de aprovação e voltei a encarar , que se mexia forçadamente pelos braços bêbados de uma das amigas em volta dos seus ombros, e ainda me olhava. Mais uma vez, não me importei com nada além de deixar transparecer a ela no meu rosto o que eu guardava há tempos no meu coração.
Everything that I want, I want from you
But I just can't have you
Everything that I need, I need from you
But I just can't have you
Eu não conseguia identificar o que se passava na mente dela porque sua expressão sofria minúsculas variações, nenhuma característica o suficiente para uma pista. Às vezes seu olhar ia até e voltava para mim, um pouco longe, talvez confusos, talvez chocados, talvez nervosos. Continuei cantando para ela mesmo assim, já longe demais para tentar voltar atrás.
I said a thousand times, and now a thousand one
We'll never part
I'll never stray again from you
This dog is destined for a home to your heart
We'll never part
I'll never stray again from you
You're not alone, oh-oh
And now I'm where I belong
We're not alone, oh-oh
I'll hold your heart and never let go
Everything that I want, I want from you
But I just can't have you
Everything that I need, I need from you
But I just can't have you
Mais um solo de guitarra, dessa vez mais longo e acompanhado de gritos, assovios e minha personalidade louca se divertindo ao observar as reações nos rostos das pessoas à nossa frente. Meu corpo era a música e a música somente e eu a tocava como se fosse minha última vez.
O resto da letra era basicamente a repetição do refrão e terminei a última frase com os olhos novamente colados nos de . As luzes de apagaram assim que o último acorde foi tocado. Gritos, palmas, êxtase, pulso, suor, agradecimento e camarim. Eu estava tomado por mil emoções ao mesmo tempo.
- Caralho, caralho, caralho, isso foi foda! - gritou, socando o ar algumas vezes.
- Você foi foda, ! - bateu com as baquetas nas minhas costas, se jogando no sofá em seguida. Respirei fundo.
- Preciso de uma cerveja - disse cruzando a sala até a porta lateral do outro lado e saí, apressado.
O corredor estava cheio e pessoas me paravam o tempo todo para elogiar a banda, me cumprimentar e conversar, e essa era uma das partes que eu mais gostava - só que não naquela noite. O caminho até o bar era curto, mas levei minutos até conseguir me desvencilhar educadamente das pessoas e encostar no balcão para pedir uma Heinecken. Mãos batiam nas minhas costas o tempo todo e, verdade seja dita, garotas se aproximavam também. Tomei um gole longo, ignorando o mundo a minha volta, e me virei com a intenção de andar até a área externa para tomar um pouco de ar, mas fui interrompido pela imagem de a pouquíssimos passos de mim. Ela não tinha visto que eu estava por ali porque a surpresa na expressão dela assim que me viu foi nítida, e nos olhamos, paralisados e sem graça, por um momento.
- Hey... - foi o que falei.
- Hey...
E silêncio. Ela umedeceu os lábios antes de morder o inferior, alternando o olhar freneticamente entre o meu e o ambiente num gesto claro de desconforto. Eu também não estava confortável. segurou um dos cotovelos e encolheu um pouco os ombros, abrindo a boca sem falar nada, e ofereci a long neck em minha mão a ela. Houve uma breve hesitação, mas ela aceitou, e a mão tremeu em volta da garrafa. Mais uma vez, não soube identificar os sinais - e será que ela tinha entendido minha mensagem? Era esse o motivo de seu nervosismo? Era o ? Era outra coisa? Era tudo ao mesmo tempo?
Resolvi me aproximar para perguntar como ela estava, mas apareceu envolvendo sua cintura com um dos braços enquanto beijava a bochecha dela. , que já não sabia o que fazer, pareceu desistir de tentar naquele momento.
- Posso pegar alguma coisa pra gente comer, amor? - perguntou no ouvido dela e uma onda de raiva subiu até minha cabeça, me fazendo notar minha própria expressão fechada e tomada por deboche. virou o rosto rapidamente para olhá-lo, assentindo com um sorriso pequeno, e me olhou de volta, curiosa. Abri um pouco a boca, rodando a mandíbula para não quebrar meus próprios dentes e respirei fundo, o ar faltando. a soltou, esticou a garrafa que segurava na minha direção para que eu a pegasse e bateu no meu ombro ao passar por mim. Babaca. Quis quebrar a garrafa na cara dele e sabia que a vontade tinha ficado explícita na minha porque minhas veias pulsavam em todas as emoções não tão bonitas possíveis. Se a mensagem não tinha ficado clara, agora, com certeza, estava e não me importei - primeiro porque não queria, segundo porque estava bem fora de mim. Encontrei as írises dela pela última vez na noite e, pela primeira, elas sorriram timidamente para mim.
Levei a garrafa quase cheia até a boca e só a tirei depois do último gole. Andei até o bar, coloquei-a sobre o balcão e saí sem me despedir.
Nick, o cara do som, estava na área de fumantes e apontou para mim com o indicador ao me ver.
- Ei, rockstar!
- Nick, se importa de recolher minhas coisas? Eu não tô muito legal.
- Fica tranquilo, irmão, deixa comigo. Quer uma carona?
- Não, tá tudo certo. Obrigado.
Peguei a chave no bolso do jeans escuro, andei até o carro e dirigi para casa, onde me enfiei num banho gelado antes de me jogar na cama com a imagem dos olhos de me encarando de volta.
Os pés só pararam quando meu corpo ficou quente demais, me fazendo suar, e pendurei os headphones no pescoço, coloquei a guitarra na cama e tirei a camiseta, ficando apenas com o shorts preto. A voz familiar e não muito distante cortou o vento carregada de falsa malícia.
- Fiu fiu - me olhava do outro lado da janela, sentada na escrivaninha. Escondi os mamilos com os indicadores, fazendo-a gargalhar, e andei até a minha.
- Isso é assédio?
- Não, é coleta de material - disse me mostrando o celular na mão e ergui as sobrancelhas. - Quando você for famoso, é assim que vou ficar rica no eBay.
Aquilo me fez rir.
- Babaca.
- Ei! Não roube minha fala.
Mostrei as palmas num gesto de desculpas e sentei no peitoril da janela, sentindo o vento secar minha pele. Havia um vaso lotado com rosas vermelhas ao lado do notebook dela.
- Belas flores.
- É, isso e mais algumas mil coisas.
- Deixe-me adivinhar... - ironizei. riu e levantou os ombros, tombando a cabeça para um deles.
- O pedido de desculpas mais usado no universo, mas...
Apoiei o antebraço no joelho.
- Vai aceitar?
Ela desceu o cantos dos lábios, chacoalhando a cabeça de um lado para o outro.
- Não sei, a gente vai conversar hoje à noite, depois do show de vocês - assenti, desviando o olhar para o céu por um momento. - Aliás, bela performance.
- Não precisa debochar.
- Não, é sério, eu tava gostando mesmo. É bonito ver como você se entrega até pra ensaiar.
- Obrigado - sorri.
- Posso perguntar que música era?
- Ah, é uma composição nova nossa...
- E de quem é a letra?
Engoli antes de responder, coçando o nariz.
- Hã, minha.
arqueou as sobrancelhas e mostrou os dentes numa expressão contente.
- Vão tocar hoje?
- Ainda estamos vendo, não sei se o teve muito tempo pra tirar.
- Bom, espero que sim, já fiquei curiosa.
- Não é nada demais, só mais uma letra...
Ela inclinou a cabeça, apertando de leve os olhos.
- Você tem sensibilidade demais pra ser só mais uma letra.
Uma onda indefinida irradiou do centro do meu peito até minha garganta e, por mais que quisesse passar o resto do dia ali, desci do peitoril e ergui os braços para apoiar as mãos na janela.
- Preciso terminar de passar as músicas. Te vejo mais tarde?
- Sim, senhor. E vê se tira o shorts também, nudes rendem mais.
Bufei junto a uma risada divertida, batendo a janela na cara dela.
- Ei!
girava as baquetas no ar quando entrei no pequeno camarim do pub onde tocaríamos. O lugar estava lotado e o som das dezenas de vozes era quase inaudível atrás do palco.
- Ei, finalmente - ele veio até mim com uma das mãos no ar, a qual apertei de lado no nosso cumprimento habitual. - Como tá?
- Tudo certo e você? Desculpa o grande atraso.
- Tranquilo. Viu a por aí?
- Não, não vi, entrei na pressa. E o ?
- Foi buscar água no bar, o frigobar tá sem.
- Tudo certo com o setlist?
- Na ponta dos dedos, meu querido, incluindo a faixa nova. Aliás, bom trabalho.
- É, você também, a bateria ficou muito boa.
abriu os braços como quem diz eu sei, obrigado, e se jogou no sofá. Sentei-me na poltrona ao lado, apoiando um dos pés na mesa de centro.
- A ficou muito chateada?
- Acho que sim.
- Acha? - ele ergueu as sobrancelhas e me vi fazendo o mesmo.
- Cara, o que você acha?
baixou o olhar, suspirando, e não soube dizer se a preocupação com o estado emocional da era verdadeiro ou não. Eu sabia que estar com ela era conveniente para ele, apesar de ele nunca ter me dito isso, mas não era uma má pessoa.
- É, era uma apresentação importante pra ela. Como foi?
- Ela tava incrível - respondi com neutralidade.
- Imagino.
Não mesmo, meu querido.
- Ei, ! - entrou segurando uma sacola de garrafas. - Se quiser apresentar a faixa nova, tô pronto.
- Acho que podemos deixá-la por último, então.
- Parece uma boa - concordou, recebendo uma garrafa das mãos de .
- Entramos em quanto tempo? - perguntei. olhou o relógio.
- Cinco minutos.
A correia vermelha cruzava meu peito por cima da camisa três quartos preta. Em cima do palco, as luzes esquentavam meu rosto e revelavam o mar de tantos outros, entusiasmados e sorridentes, à nossa frente. Aquele era o momento para o qual eu vivia - adrenalina, suor, o frenesi da batida no corpo, o coro afinado das vozes. Só tinha uma coisa no mundo que me deixava tão extasiado quanto estar em cima de um palco e ela estava ali, bem à minha frente, vestida em um frente única azul marinho e batom vermelho nos lábios, se divertindo como se aquela fosse a última das noites.
Uma hora e meia se passou como cinco minutos e tínhamos apenas mais duas músicas antes de encerrarmos. Sempre me senti diferente no palco, mas o fato de ter aquilo destacado por pareceu aumentar a sensação. Podia sentir meu olhar louco observar a plateia com diversão, minha postura ganhar um tipo diferente de confiança e até mesmo meu cabelo ganhar pontas malucas conforme chacoalhava a cabeça, doida e ritmicamente. Andei até perto de na bateria para pegar um pouco de água, recebendo, em forma de gesto, um pedido dele para falar ao microfone. Assenti, aproveitando para respirar um pouco.
- Boa noite, Underground! - cumprimentou a galera, que aplaudiu aos gritos. - Obrigado, obrigado... espero que estejam curtindo o show e, pra quem não sabe, nós somos , e - ele apontou conforme nos apresentava, e lá estavam os gritos de novo. - O batera não costuma dar as caras no microfone, mas eu gostaria de dedicar nossa penúltima canção à bailarina mais talentosa da cidade - apontou para , que estava tão em choque quanto eu, recebendo aplausos e assovios da plateia. Que merda ele estava fazendo? - Sei que isso não compensa, mas eu amo você.
andou de volta à bateria, me deixando atônito em meio ao coro de ruídos românticos no ar. o encarava com os lábios entreabertos e as sobrancelhas erguidas numa expressão indefinida, o que me deixou mais nervoso. Eu amo você. Amo você. Em que mundo achava que amava? E como ele se atrevia a mentir assim?
- ? - chamou, me trazendo de volta à realidade. A passos fervendo de raiva, troquei a guitarra pelo violão e andei até o microfone me perguntando como diabos eu cantaria minha letra para expressar a ela o que ele queria.
Com o coração a mil e o olhar perdido, esperei os acordes no piano indicarem minha deixa.
Did it go through?
Sendin' all my love to you
You are the moonlight of my life
Every night
Givin' all my love to you
Meus dedos dedilhavam as cordas, trêmulos, enquanto as pessoas cantavam junto a letra de uma das primeiras músicas que eu havia escrito. Não era como se fôssemos famosos ou nada assim, mas nosso nome rodava na boca dos bares há alguns anos e nossas músicas eram cada vez mais aceitas pelo público deles, o que foi um choque para nós, considerando que éramos uma das raras bandas autorais da cidade.
E Last Night On Earth era minha declaração oculta.
I walked for miles 'til I found you
I'm here to honour you
If I lose everything in the fire
I'm sendin' all my love to you
Com a cabeça baixa, meus olhos estavam fixos no chão e tudo o que se ouvia eram os acordes do piano junto aos do violão na primeira pausa da canção. Um buraco se abriu no meu peito e, sem que eu realmente quisesse, eles se ergueram, encontrando os de olhando diretamente para mim. Quase travei, e tanto eu como ela tínhamos o semblante neutro. Quis desviar, mas não consegui e, ali, em cima daquele palco, tomado por fúria e raiva contidas, cantando a letra que continha todo meu coração e olhando para a garota que me tinha completa e sinceramente, fiz a única coisa que queria.
Me declarei.
Here on Earth
I'm sendin' all my love to you
So if you dare to second-guess
You can rest
Assured that all my love's for you
My beatin' heart belongs to you
I walked for miles 'til I found you
I'm here to honour you
If I lose everything in the fire
I'm sendin' all my love to you
Segunda pausa longa, piano e violão, meus olhos nos dela agora com total intenção. Ela passou a me encarar com a testa levemente franzida, a única pessoa imóvel na pista, e segurei o olhar no dela, cada vez mais profundo e vulnerável, não me importando nem um pouco em ser pego por quem quer que fosse. Pela primeira vez, eu queria que ela soubesse, especialmente ali, cantando as minhas palavras a ela.
I walked for miles 'til I found you
I'm here to honour you
If I lose everything in the fire
I'm sendin' all my love to you
My beatin' heart belongs to you
I walked for miles 'til I found you
I'm here to honour you
If I lose everything in the fire
Did I ever make it through?
A música terminou sob aplausos fervorosos de um público tomado pela mensagem e quebrei o contato visual para falar com eles, sem esperar muito.
- Nossa última música é, na verdade, uma faixa nova. Espero que gostem.
Virei-me para dar um gesto de cabeça a e a enquanto trocava novamente o violão pela guitarra, e as palmas acompanharam o rítmo da melodia segundos depois de começarmos. Um sorriso cruzou meus lábios e meus olhos voltaram para os de na quarta linha da letra, desviando-se novamente para a multidão e seguida.
Went to another
Can you recover, baby?
Oh, you're the only one that I'm dreamin' of
Your precious heart
Was torn apart by me
And you, you're not alone, oh-oh
And now I'm where I belong
We're not alone, oh-oh
I'll hold your heart and never let go
Meu pequeno solo antes do refrão levou a galera a um coro de aprovação e voltei a encarar , que se mexia forçadamente pelos braços bêbados de uma das amigas em volta dos seus ombros, e ainda me olhava. Mais uma vez, não me importei com nada além de deixar transparecer a ela no meu rosto o que eu guardava há tempos no meu coração.
But I just can't have you
Everything that I need, I need from you
But I just can't have you
Eu não conseguia identificar o que se passava na mente dela porque sua expressão sofria minúsculas variações, nenhuma característica o suficiente para uma pista. Às vezes seu olhar ia até e voltava para mim, um pouco longe, talvez confusos, talvez chocados, talvez nervosos. Continuei cantando para ela mesmo assim, já longe demais para tentar voltar atrás.
We'll never part
I'll never stray again from you
This dog is destined for a home to your heart
We'll never part
I'll never stray again from you
You're not alone, oh-oh
And now I'm where I belong
We're not alone, oh-oh
I'll hold your heart and never let go
Everything that I want, I want from you
But I just can't have you
Everything that I need, I need from you
But I just can't have you
Mais um solo de guitarra, dessa vez mais longo e acompanhado de gritos, assovios e minha personalidade louca se divertindo ao observar as reações nos rostos das pessoas à nossa frente. Meu corpo era a música e a música somente e eu a tocava como se fosse minha última vez.
O resto da letra era basicamente a repetição do refrão e terminei a última frase com os olhos novamente colados nos de . As luzes de apagaram assim que o último acorde foi tocado. Gritos, palmas, êxtase, pulso, suor, agradecimento e camarim. Eu estava tomado por mil emoções ao mesmo tempo.
- Caralho, caralho, caralho, isso foi foda! - gritou, socando o ar algumas vezes.
- Você foi foda, ! - bateu com as baquetas nas minhas costas, se jogando no sofá em seguida. Respirei fundo.
- Preciso de uma cerveja - disse cruzando a sala até a porta lateral do outro lado e saí, apressado.
O corredor estava cheio e pessoas me paravam o tempo todo para elogiar a banda, me cumprimentar e conversar, e essa era uma das partes que eu mais gostava - só que não naquela noite. O caminho até o bar era curto, mas levei minutos até conseguir me desvencilhar educadamente das pessoas e encostar no balcão para pedir uma Heinecken. Mãos batiam nas minhas costas o tempo todo e, verdade seja dita, garotas se aproximavam também. Tomei um gole longo, ignorando o mundo a minha volta, e me virei com a intenção de andar até a área externa para tomar um pouco de ar, mas fui interrompido pela imagem de a pouquíssimos passos de mim. Ela não tinha visto que eu estava por ali porque a surpresa na expressão dela assim que me viu foi nítida, e nos olhamos, paralisados e sem graça, por um momento.
- Hey... - foi o que falei.
- Hey...
E silêncio. Ela umedeceu os lábios antes de morder o inferior, alternando o olhar freneticamente entre o meu e o ambiente num gesto claro de desconforto. Eu também não estava confortável. segurou um dos cotovelos e encolheu um pouco os ombros, abrindo a boca sem falar nada, e ofereci a long neck em minha mão a ela. Houve uma breve hesitação, mas ela aceitou, e a mão tremeu em volta da garrafa. Mais uma vez, não soube identificar os sinais - e será que ela tinha entendido minha mensagem? Era esse o motivo de seu nervosismo? Era o ? Era outra coisa? Era tudo ao mesmo tempo?
Resolvi me aproximar para perguntar como ela estava, mas apareceu envolvendo sua cintura com um dos braços enquanto beijava a bochecha dela. , que já não sabia o que fazer, pareceu desistir de tentar naquele momento.
- Posso pegar alguma coisa pra gente comer, amor? - perguntou no ouvido dela e uma onda de raiva subiu até minha cabeça, me fazendo notar minha própria expressão fechada e tomada por deboche. virou o rosto rapidamente para olhá-lo, assentindo com um sorriso pequeno, e me olhou de volta, curiosa. Abri um pouco a boca, rodando a mandíbula para não quebrar meus próprios dentes e respirei fundo, o ar faltando. a soltou, esticou a garrafa que segurava na minha direção para que eu a pegasse e bateu no meu ombro ao passar por mim. Babaca. Quis quebrar a garrafa na cara dele e sabia que a vontade tinha ficado explícita na minha porque minhas veias pulsavam em todas as emoções não tão bonitas possíveis. Se a mensagem não tinha ficado clara, agora, com certeza, estava e não me importei - primeiro porque não queria, segundo porque estava bem fora de mim. Encontrei as írises dela pela última vez na noite e, pela primeira, elas sorriram timidamente para mim.
Levei a garrafa quase cheia até a boca e só a tirei depois do último gole. Andei até o bar, coloquei-a sobre o balcão e saí sem me despedir.
Nick, o cara do som, estava na área de fumantes e apontou para mim com o indicador ao me ver.
- Ei, rockstar!
- Nick, se importa de recolher minhas coisas? Eu não tô muito legal.
- Fica tranquilo, irmão, deixa comigo. Quer uma carona?
- Não, tá tudo certo. Obrigado.
Peguei a chave no bolso do jeans escuro, andei até o carro e dirigi para casa, onde me enfiei num banho gelado antes de me jogar na cama com a imagem dos olhos de me encarando de volta.
Cena 4
O barulho do ventilador de teto rodando fraco se repetia na minha mente há mais de uma hora. Meus olhos acompanhavam as pás automaticamente, nenhum pensamento entrando, nenhum pensamento saindo. Deitado na minha cama, eu tinha desistido de imaginar como seria a noite de hoje para descansar sob as emoções do último final de semana.
Uma semana sem notícias de . Nenhuma mensagem trocada, nenhum encontro ao acaso, nenhuma visão pela janela. A minha estava trancada desde então porque me faltava coragem para abri-la e meus pés travavam só de olhá-la.
Consultei o despertador na cabeceira, seis e quarenta e cinco. Meus pais tinham saído para compras de natal de última hora e resolvi levantar para comer alguma coisa, e estava com a mão na maçaneta quando ouvi algo bater na minha janela.
Virei o rosto, esperando para ver se não tinha imaginado coisas, e o mesmo som se repetiu. Um calafrio correu minha espinha e senti minhas pupilas dilatarem quando o que julguei ser uma pedrinha bateu no vidro pela terceira vez. Aquilo só poderia significar uma coisa e respirei fundo antes de andar até lá, tremendo da cabeça aos pés. No vão na madeira da janela, meus dedos hesitaram antes de subi-la.
estava sentada na escrivaninha vestindo pantufas vermelhas e uma camiseta verde com o desenho de uma rena. Os cabelos molhados jogados de lado me fizeram perder o ar por um momento e ela deu um sorriso doce ao me ver.
- Hey...
- Hey... - respondeu. Um silêncio estranho antes dela continuar. - Eu senti sua falta.
O ar pareceu ficar mais leve e meus ombros, ainda suspensos na janela, relaxaram, então sentei no peitoril, me acomodando, e sorri de lado.
- Também senti a sua.
- Eu pensei que... - se interrompeu, pegando uma caixa ao lado dela para depositá-la na cesta pendurada no fio entre nossas janelas - uma artimanha que eu tinha feito aos doze anos, depois de perdermos várias coisas para o chão em tentativas frustradas de trocas -, e puxá-lo para que ele rodasse, trazendo a cesta até mim. Peguei a caixa e a abri, vendo um copo descartável de café e bolachas natalinas decoradas. - Não tinha certeza se você viria hoje à noite, então pensei que poderíamos antecipar nossa tradição de natal... - disse num fio de voz, as mãos brincando com os próprios dedos. Senti o carinho no meu olhar e o ar ficar ainda mais leve.
- Eu não pensei em não ir, mas confesso que isso aqui foi uma boa ideia - admiti, vendo-a sorrir e pegar uma segunda caixa. Tirei a tampa do copo, a canela dançava sobre a espuma do leite.
- Optei por bolachas de gengibre esse ano.
Ergui as sobrancelhas, cheirando uma antes de mordê-la. Eu tinha mania de cheirar as coisas antes de comê-las.
- Nossa, caramba... - o misto de sabores explodiu minha boca em prazer. - Isso tá divino.
- Sério mesmo? - perguntou, animada, e assenti veementemente já mordendo todo o resto. - Fico feliz.
- Você leva jeito com doces - disse com a boca cheia, tomando um gole do leite morno para ajudar.
- Você está bravo comigo? - foi direta, o receio em seu olhar. Mastiguei mais devagar, engolindo da mesma forma, e limpei os dentes com a língua. Meu sangue estava gelado.
- É claro que não.
Ela hesitou.
- Tem certeza?
- Absoluta - disse no mesmo instante, o que pareceu acalmá-la. - Não tenho o menor motivo para estar bravo com você, .
Um sorriso aliviado apareceu em seu rosto e ela levou o copo à boca.
- Como... como você está?
Voltei a atenção para a bolacha em minha mão por um momento, umedecendo os lábios antes de balançar a cabeça.
- Estou... bem... e você?
- Eu... - se interrompeu, movimentando os lábios em todas as vogais possíveis sem dizer nenhuma e acabando por soltar uma risada nervosa enquanto mordia o lábio. - Um pouco confusa.
Não soube o que falar, mas foi ali, vendo o olhar dela, que percebi que não podia somente jogar uma bomba disfarçada de música em sua cabeça e me esconder por sete dias por motivos de covardia maior, e isso era tão óbvio agora. De repente, senti vergonha - e não dela.
- Me desculpe por ter sumido - pedi com toda a sinceridade que tinha. - Eu... eu não soube o que falar.
- Tá tudo bem - ela sorriu, assentindo. - Nenhum de nós soube e eu não quis te pressionar... mas, quando você souber, a gente pode conversar.
Veludo era o que me vinha à mente ouvindo a voz dela. No minuto de silêncio que se seguiu, mordisquei a bolacha enquanto ela bebericava o leite, perdida em algo lá fora.
- Às vezes acho engraçado como a gente ainda mora no mesmo lugar e tem famílias tão parecidas - quebrou o silêncio, ainda encarando algo na rua.
- Parecidas?
- Não é estranho como nossas mães tiveram filhos com exatos oito anos de diferença?
- Ah, sim, isso sempre me pega - disse entre uma risada baixa. me olhou.
- E você sabia que seu pai namorou minha mãe por um ano na época do colegial?
Arregalei os olhos, genuinamente surpreso com a informação.
- É sério? - ela assentiu.
- Seríssimo, minha mãe me contou esses dias.
- E seu pai sabe?
Ela deu de ombros.
- Aparentemente, todo mundo sabe.
- E como a gente não sabia?
- Aparentemente, éramos criança quando o assunto circulou.
- Rá - bufei, rindo ainda em surpresa. - Por essa eu não esperava - concordou e voltou a olhar para a rua, molhando a bolacha no leite como quando éramos crianças. - O que tá olhando?
- Os pisca-pisca da casa da frente - disse sorrindo. Projetei o tronco para fora da janela, tendo uma visão parcial da casa decorada. - Tem alguma coisa neles que me traz paz.
- É por isso que você tem uma árvore de natal só sua no seu quarto?
Ela me deu um olhar quase infantil, mordendo a bolacha no meio do sorriso.
- Por mim, colocava luzes até no teto. Aliás, só não enrolo um pisca-pisca em mim porque minha mãe iria me internar.
Ri com a imagem que se formou na minha mente e inclinei a cabeça num gesto pensativo.
- Acho que ela não seria a única.
mostrou a língua coberta por bolacha mastigada, me fazendo rir.
- Babaca.
Meus olhos ficaram nos dela pelos segundos seguintes e pelos próximos também, até que a intensidade transformasse leveza em constrangimento. baixou o rosto enquanto colocava o cabelo atrás da orelha e devolvi o copo à caixa, pulando do peitoril.
- Prometi ajudar na cozinha esse ano, minha mãe sempre faz um milhão de coisas nessa época... - menti, ela assentiu. - Te vejo mais tarde.
- Te vejo mais tarde, .
Fechei apenas as cortinas, calcei meus tênis, peguei a chave do carro e saí de casa.
Uma semana sem notícias de . Nenhuma mensagem trocada, nenhum encontro ao acaso, nenhuma visão pela janela. A minha estava trancada desde então porque me faltava coragem para abri-la e meus pés travavam só de olhá-la.
Consultei o despertador na cabeceira, seis e quarenta e cinco. Meus pais tinham saído para compras de natal de última hora e resolvi levantar para comer alguma coisa, e estava com a mão na maçaneta quando ouvi algo bater na minha janela.
Virei o rosto, esperando para ver se não tinha imaginado coisas, e o mesmo som se repetiu. Um calafrio correu minha espinha e senti minhas pupilas dilatarem quando o que julguei ser uma pedrinha bateu no vidro pela terceira vez. Aquilo só poderia significar uma coisa e respirei fundo antes de andar até lá, tremendo da cabeça aos pés. No vão na madeira da janela, meus dedos hesitaram antes de subi-la.
estava sentada na escrivaninha vestindo pantufas vermelhas e uma camiseta verde com o desenho de uma rena. Os cabelos molhados jogados de lado me fizeram perder o ar por um momento e ela deu um sorriso doce ao me ver.
- Hey...
- Hey... - respondeu. Um silêncio estranho antes dela continuar. - Eu senti sua falta.
O ar pareceu ficar mais leve e meus ombros, ainda suspensos na janela, relaxaram, então sentei no peitoril, me acomodando, e sorri de lado.
- Também senti a sua.
- Eu pensei que... - se interrompeu, pegando uma caixa ao lado dela para depositá-la na cesta pendurada no fio entre nossas janelas - uma artimanha que eu tinha feito aos doze anos, depois de perdermos várias coisas para o chão em tentativas frustradas de trocas -, e puxá-lo para que ele rodasse, trazendo a cesta até mim. Peguei a caixa e a abri, vendo um copo descartável de café e bolachas natalinas decoradas. - Não tinha certeza se você viria hoje à noite, então pensei que poderíamos antecipar nossa tradição de natal... - disse num fio de voz, as mãos brincando com os próprios dedos. Senti o carinho no meu olhar e o ar ficar ainda mais leve.
- Eu não pensei em não ir, mas confesso que isso aqui foi uma boa ideia - admiti, vendo-a sorrir e pegar uma segunda caixa. Tirei a tampa do copo, a canela dançava sobre a espuma do leite.
- Optei por bolachas de gengibre esse ano.
Ergui as sobrancelhas, cheirando uma antes de mordê-la. Eu tinha mania de cheirar as coisas antes de comê-las.
- Nossa, caramba... - o misto de sabores explodiu minha boca em prazer. - Isso tá divino.
- Sério mesmo? - perguntou, animada, e assenti veementemente já mordendo todo o resto. - Fico feliz.
- Você leva jeito com doces - disse com a boca cheia, tomando um gole do leite morno para ajudar.
- Você está bravo comigo? - foi direta, o receio em seu olhar. Mastiguei mais devagar, engolindo da mesma forma, e limpei os dentes com a língua. Meu sangue estava gelado.
- É claro que não.
Ela hesitou.
- Tem certeza?
- Absoluta - disse no mesmo instante, o que pareceu acalmá-la. - Não tenho o menor motivo para estar bravo com você, .
Um sorriso aliviado apareceu em seu rosto e ela levou o copo à boca.
- Como... como você está?
Voltei a atenção para a bolacha em minha mão por um momento, umedecendo os lábios antes de balançar a cabeça.
- Estou... bem... e você?
- Eu... - se interrompeu, movimentando os lábios em todas as vogais possíveis sem dizer nenhuma e acabando por soltar uma risada nervosa enquanto mordia o lábio. - Um pouco confusa.
Não soube o que falar, mas foi ali, vendo o olhar dela, que percebi que não podia somente jogar uma bomba disfarçada de música em sua cabeça e me esconder por sete dias por motivos de covardia maior, e isso era tão óbvio agora. De repente, senti vergonha - e não dela.
- Me desculpe por ter sumido - pedi com toda a sinceridade que tinha. - Eu... eu não soube o que falar.
- Tá tudo bem - ela sorriu, assentindo. - Nenhum de nós soube e eu não quis te pressionar... mas, quando você souber, a gente pode conversar.
Veludo era o que me vinha à mente ouvindo a voz dela. No minuto de silêncio que se seguiu, mordisquei a bolacha enquanto ela bebericava o leite, perdida em algo lá fora.
- Às vezes acho engraçado como a gente ainda mora no mesmo lugar e tem famílias tão parecidas - quebrou o silêncio, ainda encarando algo na rua.
- Parecidas?
- Não é estranho como nossas mães tiveram filhos com exatos oito anos de diferença?
- Ah, sim, isso sempre me pega - disse entre uma risada baixa. me olhou.
- E você sabia que seu pai namorou minha mãe por um ano na época do colegial?
Arregalei os olhos, genuinamente surpreso com a informação.
- É sério? - ela assentiu.
- Seríssimo, minha mãe me contou esses dias.
- E seu pai sabe?
Ela deu de ombros.
- Aparentemente, todo mundo sabe.
- E como a gente não sabia?
- Aparentemente, éramos criança quando o assunto circulou.
- Rá - bufei, rindo ainda em surpresa. - Por essa eu não esperava - concordou e voltou a olhar para a rua, molhando a bolacha no leite como quando éramos crianças. - O que tá olhando?
- Os pisca-pisca da casa da frente - disse sorrindo. Projetei o tronco para fora da janela, tendo uma visão parcial da casa decorada. - Tem alguma coisa neles que me traz paz.
- É por isso que você tem uma árvore de natal só sua no seu quarto?
Ela me deu um olhar quase infantil, mordendo a bolacha no meio do sorriso.
- Por mim, colocava luzes até no teto. Aliás, só não enrolo um pisca-pisca em mim porque minha mãe iria me internar.
Ri com a imagem que se formou na minha mente e inclinei a cabeça num gesto pensativo.
- Acho que ela não seria a única.
mostrou a língua coberta por bolacha mastigada, me fazendo rir.
- Babaca.
Meus olhos ficaram nos dela pelos segundos seguintes e pelos próximos também, até que a intensidade transformasse leveza em constrangimento. baixou o rosto enquanto colocava o cabelo atrás da orelha e devolvi o copo à caixa, pulando do peitoril.
- Prometi ajudar na cozinha esse ano, minha mãe sempre faz um milhão de coisas nessa época... - menti, ela assentiu. - Te vejo mais tarde.
- Te vejo mais tarde, .
Fechei apenas as cortinas, calcei meus tênis, peguei a chave do carro e saí de casa.
Cena 5
Vinte e quatro de dezembro, nove e cinco da noite. A sala da casa dos tinha sido minuciosamente decorada e cheirava à noz moscada. Em pé, o pai dela servia um copo de whisky ao meu enquanto a Sra. rearrumava a mesa de jantar com a ajuda de minha mãe.
- , querido, você está cada dia mais lindo!
- Obrigado, dona V. Se me permite, a senhora está cada dia mais jovem.
Ela me olhou com um sorriso esperto nos lábios, apontando para mim com o indicador.
- Esse menino, o dia que namorar, vai saber como conquistar a sogra - brincou e minha mãe riu.
- E onde está a ?
- Terminando de se arrumar. O que acha de colocarmos essa travessa de salpicão aqui e deixarmos as quiches na cozinha por enquanto?
- Oh, ótima ideia!
As duas continuaram o planejamento visual da mesa e eu fiquei parado no meio da sala, observando os quadrinhos de papai noel pendurados do outro lado junto à escada. Não demorou até que cruzasse a porta com atrás dela.
- Feliz natal, pessoas! - disse me abraçando primeiro, as mãos cheias de pacotes.
- Feliz natal, - cumprimentei. Meu irmão me abraçou em seguida, desarrumando meu cabelo pra não perder a tradição e o costume.
Abraços e elogios foram trocados, presentes foram depositados embaixo da enorme árvore branca na sala de estar e nenhum esforço para esconder minha cara de besta foi feito quando apareceu descendo a escada.
Em câmera lenta como num filme brega de natal as botas pretas de salto fino até os tornozelos revelavam o resto da roupa conforme seus pés eliminavam os degraus. Usando um vestido vermelho escuro de cintura bem marcada e mangas longas transparentes, pisou o último e sorriu para mim, mas não consegui retribuir. Entorpecido pela imagem dela, o chão não existia mais sob meus pés e a única coisa que sentia eram os socos rápidos do meu coração. Ela se aproximou e noz moscada virou lavanda.
- , meu Deus, você está deslumbrante! - minha mãe andou até ela, abraçando-a e analisando-a de cima a baixo. - Esse vestido é maravilhoso, céus, que corpinho!
riu timidamente e os dentes brancos brilharam em meio à maquiagem leve. Nos bolsos, minhas mãos tremiam, e eu estaria mentindo se dissesse que o contorno dos seios no decote não tinha chamado minha atenção.
- A senhora também está super gata!
- Quantas vezes vou ter que dizer que a senhora está no céu?
- Maninha, menina, arrasou - elogiou, passando a mão delicadamente nas ondas dos cabelos da irmã. - De onde é esse vestido?
Do nada, apareceu na minha frente, tampando minha visão e me fazendo voltar à realidade. Com um sorriso maroto e um gesto discreto, me entregou um guardanapo de papel e saiu sem falar nada. O sangue gelou assim que entendi o recado e tratei de enfiar o papel no bolso rapidamente, olhando em volta para checar o tamanho do estrago, mas as mulheres rodeavam enquanto nossos pais pareciam entretidos demais no mini bar. Parado junto ao largo arco que separava a sala de estar da de jantar, meu irmão dirigiu um levantar de sobrancelhas a mim, que ri para não chorar.
Roda desfeita e sendo puxado por , andou até mim enquanto fingia ao máximo não estar de quatro.
- Oi, .
- Oi, - invoquei meu melhor timbre. - Feliz natal.
- Feliz natal - respondeu com o mesmo sorriso doce. - Você tá bonito. Olhei minha própria roupa num gesto automático - jeans claros, camiseta branca e uma camisa social verde escura dobrada até os cotovelos aberta por cima.
- Obrigado. Você está... - várias palavras cruzaram minha mente, sobrecarregando meu cérebro, e ela riu ao perceber minha dificuldade, então apenas destaquei o look com um gesto de mão, rindo de nervoso. - Acho que tudo já foi dito.
- Quer beber alguma coisa?
- Por favor.
Segundos depois, nós dois tínhamos uma long neck em mãos, mas demoramos para ter realmente uma conversa porque a campainha tocou e a tia dela, junto ao marido, a filha e os dois netos pequenos chegaram.
Depois daquilo, rodei de grupo em grupo pelas próximas duas horas, jogando conversa fora, brincando com os garotos, me atualizando sobre a vida do meu irmão, ajudando a mãe de na cozinha, contando sobre a banda aos nossos pais, escapando num momento de distração alheia e dando meu melhor para não ser pego por mais ninguém toda vez que meus olhos pousavam sobre ela, o que acontecia com frequência. Em várias, mesmo me pegou, mas eu desviava com medo de deixá-la desconfortável.
O tempo voou e, quando vi, o relógio marcava meia noite.
- Gente, cês não tão com fome, não? - meu irmão perguntou.
- Eu tô morrendo - Sara, a tia, se manifestou.
- É bom você comer pra sugar todo esse álcool mesmo - o marido alfinetou, recebendo um olhar de reprovação.
- Você não me regule, Osvaldo!
- Tem mais gente aqui precisando de uma esponja... - meu pai apontou discretamente para minha mãe, que abriu a boca em descrença com a taça de champagne cheia na mão.
- Ah, então a gente vai entrar nesse assunto?
Houve uma onda de risos e então estávamos na sala de jantar, sentados à mesa. estava a minha frente e , ao lado dela.
- Cadê sua namorada, menino? - a tia dela perguntou a mim da outra ponta da mesa.
- Ah, eu não namoro.
- Como assim? Um rapaz tão bem apessoado como você, olha só esse rosto! , ele não é um pão? - quase engasguei com minha saliva, sentindo as bochechas arderem de imediato. disfarçou o riso com um gole de cerveja enquanto rolava os olhos em vergonha alheia. Não ousei olhar para , que nem teve tempo de responder. - Se eu fosse a , não perdia tempo.
Quis enfiar minha cara na quiche de brócolis com bacon no meu prato, mas optei por rir com o resto da mesa e levar na esportiva - afinal, por que não? -, dessa vez sendo homem e olhando para com minha melhor cara de cafajeste para dar uma piscadinha exageradamente sexy. gargalhou e engasgou com a champagne.
- Sara, meu bem, enfia é esse pão aqui na sua boca - o marido disse, executando as próprias palavras e deixando a mulher com os olhos arregalados. se levantou, atraindo a atenção de todos e me deixando grato.
- Eu vou aproveitar a deixa do assunto para fazer um anúncio... - ele olhou para a namorada, que o incentivou com um sorriso mais iluminado do que a cidade inteira. - Depois de uma semana incrível naquela ilha, ao lado da mulher que tem sido minha companheira, minha melhor amiga e meu mundo nos últimos anos, resolvi oficializar nossa união. e eu estamos noivos.
Todas as sobrancelhas se arquearam ao mesmo tempo em surpresa e animação. Vi minha mãe levar as mãos à boca, os olhos se enchendo de lágrimas, e a Sra. pular da cadeira para abraçar a filha. A sala foi tomada por felicidade, parabenizações e palmas.
- Eu quero ver o anel! - Sara disse colocando os óculos. estendeu a mão, revelando a pedra brilhante e, sem dúvidas, cara. Boa, irmão.
- Mandou bem, garoto - meu pai aprovou.
- Só tem uma coisa... - continuou. - E talvez ela seja um pouco ultrapassada, mas eu realmente gostaria de ter sua permissão... -
- Benção - corrigiu, gerando risos.
- ...benção, Henrique, para me casar com sua filha.
O pai delas se levantou e caminhou até meu irmão com um sorriso satisfeito estampado, abraçando-o em resposta.
- Bem vindo à família, filho.
À essa altura, ambas as mães soluçavam, e no minuto seguinte contava sobre o pedido feito em frente ao mar. O assunto rendeu e as travessas ficavam cada vez mais vazias. Em certo momento, meus olhos encontraram os de , ficando ali até que ela tomasse a decisão de desviá-los, o que não aconteceu. Para minha surpresa, sustentou as írises nas minhas por um longo tempo, nitidamente desconfortável, mas disposta a deixar transparecer um pequeno sorriso no canto dos lábios. O coração acelerou e, naquele instante, com o rosto dela tão atento ao meu, uma chave virou na minha cabeça.
Eu poderia passar o resto da noite só a olhando ou poderia brigar pela chance de tê-la para mim.
E ia dizer a ela num movimento silencioso dos lábios como ela estava linda quando a campainha tocou, calando a mesa.
- Alguém tá esperando alguém? - o pai dela perguntou, ninguém se pronunciou.
- , pode abrir, por favor?
- Claro, mãe.
Acompanhei cada passo dela até a porta, vendo a expressão surpresa ao abri-la. No segundo seguinte, estava lá.
- , querido, junte-se à nós! - a mãe dela convidou. parou no centro do arco, cumprimentando geral com um aceno de mão.
- Feliz natal - sorriu, hesitante. - Obrigado pelo convite, dona V, mas eu só passei pra entregar um presente à .
- Eu quero abrir meu preseeeente - um dos garotos choramingou.
- Presente, presente, preseeeeente! - o irmão ajudou.
- Bom, se todos estiverem satisfeitos, acho que podemos fazer as trocas, certo? - Dona V. sugeriu, recebendo um coro de superlotação calórica em resposta.
Vi cada pessoa naquela mesa se levantar para andar até a sala de estar, sendo o último a fazê-lo, primeiro porque a presença de me deixara um pouco atordoado, segundo porque uma parte minha me achou idiota pelo segundo presente que eu tinha. Mas lá estava eu, sentado numa poltrona com o casal no sofá à minha frente sendo o centro das atenções.
Dei um gesto de cabeça quando me olhou e esperamos que revelasse o conteúdo da sacola vermelha. Uma caixa branca, um colar dourado e o semblante que eu conhecia como a palma da minha mão.
- Uau, que... lindo... - ela disse no seu melhor tom educado, sorrindo para ele com os lábios apertados e a testa franzida. Eu deslizei na poltrona, apoiando o tornozelo sobre um dos joelhos enquanto minha mão cobria a boca para disfarçar tanto a vontade de rir quanto o deboche que se estampara na minha cara. Eu ficava com dó ou enfiava nele uma faca?
- Posso? - pediu, e claro que ela concordou, então o colar saiu da caixa para enfeitar o pescoço ridiculamente chamativo dela.
- Ficou lindo, - dona V. elogiou.
- Obrigada - disse baixinho e, segundos depois, me olhou. Eu devia estar mesmo com a maior cara de deboche contido, porque ela reprimiu um sorriso divertido com um passar de língua entre os lábios, sem muito sucesso. Não muito distante dali, me olhava rindo também. - Desculpe, eu não...
- Tudo bem, não se preocupe - assentiu. Achei aquilo um pouco estranho.
Mas teria sido um belo presente se não detestasse dourado.
Depois disso, foi a vez das crianças, e depois dos pais, das mães, de ganhando uma viagem à Paris de e de mim. me entregou uma caixa azul com fita verde e tirei dela uma caneca branca com vários desenhos sobrepostos. Aquilo me confundiu por um momento, mas, quando me dei conta das imagens e das pessoas nela, eletricidade me atingiu como um raio.
Eu e ela aos dez anos de idade, em algumas até pouca coisa mais velhos. Fotos de nós dois brincando na rua, sujos de canetinha, eu na minha primeira apresentação musical, ela fazendo um chifrinho em mim no meu aniversário de dez anos e a foto que me fez gargalhar - eu dormindo na escrivaninha com a escova de dentes na boca enquanto pasta escorria por ela. Olhei para me sentindo aquele menino, os olhos certamente brilhando e quis, desesperadamente, beijá-la.
Boom.
Uma sinapse, um arrepio e outra memória.
- Você ainda tem essas fotos? - perguntei, espantado. mostrou os dentes, assentindo.
- E muitas mais.
- Estou curiosa - minha mãe esticou o pescoço e passei a caneca a ela, que começou a rir junto ao resto dos curiosos ao seu lado. - , que presente lindo!
- Que cara de louco, menino - Sara arregalou os olhos, fazendo e eu rirmos. De repente, minha cabeça se encheu de lembranças e meu peito, de felicidade.
- Obrigado, , isso foi... - tentei achar pela palavra que melhor definia a alegria que sentia, mas acho que ela não existia. entendeu isso e apenas manteve o sorriso carinhoso enquanto a caneca passava de mão em mão.
- Agora o meu, por favor - ela ansiou, e fui até a árvore para pegar o embrulho cor de rosa, que foi rapidamente de encontro ao chão. A expressão dela foi exatamente a que imaginei quando, na loja, a silhueta em led de uma bailarina brilhava sobre uma base de madeira clara. - , eu... - me olhou como a mesma menina nas fotos da caneca, sem palavras.
- Tem um botão embaixo - ela tateou a madeira e a bailarina se acendeu, provocando ruídos encantados da sala.
não precisou dizer nada, o brilho nas írises já eram mais do que o suficiente para mim. Sem querer, bati o olho em , que me olhava como quem tinha acabado de entender uma piada. Merda.
Sem aviso prévio, Henrique ligou o rádio, tirando dona V. para dançar e sendo seguido pelos outros casais. Quando aceitou a mão de , cruzei a porta em direção ao gramado nos fundos, sentando em uma das cadeiras de sol onde ficaria sozinho pelos próximos vinte minutos.
- , querido, você está cada dia mais lindo!
- Obrigado, dona V. Se me permite, a senhora está cada dia mais jovem.
Ela me olhou com um sorriso esperto nos lábios, apontando para mim com o indicador.
- Esse menino, o dia que namorar, vai saber como conquistar a sogra - brincou e minha mãe riu.
- E onde está a ?
- Terminando de se arrumar. O que acha de colocarmos essa travessa de salpicão aqui e deixarmos as quiches na cozinha por enquanto?
- Oh, ótima ideia!
As duas continuaram o planejamento visual da mesa e eu fiquei parado no meio da sala, observando os quadrinhos de papai noel pendurados do outro lado junto à escada. Não demorou até que cruzasse a porta com atrás dela.
- Feliz natal, pessoas! - disse me abraçando primeiro, as mãos cheias de pacotes.
- Feliz natal, - cumprimentei. Meu irmão me abraçou em seguida, desarrumando meu cabelo pra não perder a tradição e o costume.
Abraços e elogios foram trocados, presentes foram depositados embaixo da enorme árvore branca na sala de estar e nenhum esforço para esconder minha cara de besta foi feito quando apareceu descendo a escada.
Em câmera lenta como num filme brega de natal as botas pretas de salto fino até os tornozelos revelavam o resto da roupa conforme seus pés eliminavam os degraus. Usando um vestido vermelho escuro de cintura bem marcada e mangas longas transparentes, pisou o último e sorriu para mim, mas não consegui retribuir. Entorpecido pela imagem dela, o chão não existia mais sob meus pés e a única coisa que sentia eram os socos rápidos do meu coração. Ela se aproximou e noz moscada virou lavanda.
- , meu Deus, você está deslumbrante! - minha mãe andou até ela, abraçando-a e analisando-a de cima a baixo. - Esse vestido é maravilhoso, céus, que corpinho!
riu timidamente e os dentes brancos brilharam em meio à maquiagem leve. Nos bolsos, minhas mãos tremiam, e eu estaria mentindo se dissesse que o contorno dos seios no decote não tinha chamado minha atenção.
- A senhora também está super gata!
- Quantas vezes vou ter que dizer que a senhora está no céu?
- Maninha, menina, arrasou - elogiou, passando a mão delicadamente nas ondas dos cabelos da irmã. - De onde é esse vestido?
Do nada, apareceu na minha frente, tampando minha visão e me fazendo voltar à realidade. Com um sorriso maroto e um gesto discreto, me entregou um guardanapo de papel e saiu sem falar nada. O sangue gelou assim que entendi o recado e tratei de enfiar o papel no bolso rapidamente, olhando em volta para checar o tamanho do estrago, mas as mulheres rodeavam enquanto nossos pais pareciam entretidos demais no mini bar. Parado junto ao largo arco que separava a sala de estar da de jantar, meu irmão dirigiu um levantar de sobrancelhas a mim, que ri para não chorar.
Roda desfeita e sendo puxado por , andou até mim enquanto fingia ao máximo não estar de quatro.
- Oi, .
- Oi, - invoquei meu melhor timbre. - Feliz natal.
- Feliz natal - respondeu com o mesmo sorriso doce. - Você tá bonito. Olhei minha própria roupa num gesto automático - jeans claros, camiseta branca e uma camisa social verde escura dobrada até os cotovelos aberta por cima.
- Obrigado. Você está... - várias palavras cruzaram minha mente, sobrecarregando meu cérebro, e ela riu ao perceber minha dificuldade, então apenas destaquei o look com um gesto de mão, rindo de nervoso. - Acho que tudo já foi dito.
- Quer beber alguma coisa?
- Por favor.
Segundos depois, nós dois tínhamos uma long neck em mãos, mas demoramos para ter realmente uma conversa porque a campainha tocou e a tia dela, junto ao marido, a filha e os dois netos pequenos chegaram.
Depois daquilo, rodei de grupo em grupo pelas próximas duas horas, jogando conversa fora, brincando com os garotos, me atualizando sobre a vida do meu irmão, ajudando a mãe de na cozinha, contando sobre a banda aos nossos pais, escapando num momento de distração alheia e dando meu melhor para não ser pego por mais ninguém toda vez que meus olhos pousavam sobre ela, o que acontecia com frequência. Em várias, mesmo me pegou, mas eu desviava com medo de deixá-la desconfortável.
O tempo voou e, quando vi, o relógio marcava meia noite.
- Gente, cês não tão com fome, não? - meu irmão perguntou.
- Eu tô morrendo - Sara, a tia, se manifestou.
- É bom você comer pra sugar todo esse álcool mesmo - o marido alfinetou, recebendo um olhar de reprovação.
- Você não me regule, Osvaldo!
- Tem mais gente aqui precisando de uma esponja... - meu pai apontou discretamente para minha mãe, que abriu a boca em descrença com a taça de champagne cheia na mão.
- Ah, então a gente vai entrar nesse assunto?
Houve uma onda de risos e então estávamos na sala de jantar, sentados à mesa. estava a minha frente e , ao lado dela.
- Cadê sua namorada, menino? - a tia dela perguntou a mim da outra ponta da mesa.
- Ah, eu não namoro.
- Como assim? Um rapaz tão bem apessoado como você, olha só esse rosto! , ele não é um pão? - quase engasguei com minha saliva, sentindo as bochechas arderem de imediato. disfarçou o riso com um gole de cerveja enquanto rolava os olhos em vergonha alheia. Não ousei olhar para , que nem teve tempo de responder. - Se eu fosse a , não perdia tempo.
Quis enfiar minha cara na quiche de brócolis com bacon no meu prato, mas optei por rir com o resto da mesa e levar na esportiva - afinal, por que não? -, dessa vez sendo homem e olhando para com minha melhor cara de cafajeste para dar uma piscadinha exageradamente sexy. gargalhou e engasgou com a champagne.
- Sara, meu bem, enfia é esse pão aqui na sua boca - o marido disse, executando as próprias palavras e deixando a mulher com os olhos arregalados. se levantou, atraindo a atenção de todos e me deixando grato.
- Eu vou aproveitar a deixa do assunto para fazer um anúncio... - ele olhou para a namorada, que o incentivou com um sorriso mais iluminado do que a cidade inteira. - Depois de uma semana incrível naquela ilha, ao lado da mulher que tem sido minha companheira, minha melhor amiga e meu mundo nos últimos anos, resolvi oficializar nossa união. e eu estamos noivos.
Todas as sobrancelhas se arquearam ao mesmo tempo em surpresa e animação. Vi minha mãe levar as mãos à boca, os olhos se enchendo de lágrimas, e a Sra. pular da cadeira para abraçar a filha. A sala foi tomada por felicidade, parabenizações e palmas.
- Eu quero ver o anel! - Sara disse colocando os óculos. estendeu a mão, revelando a pedra brilhante e, sem dúvidas, cara. Boa, irmão.
- Mandou bem, garoto - meu pai aprovou.
- Só tem uma coisa... - continuou. - E talvez ela seja um pouco ultrapassada, mas eu realmente gostaria de ter sua permissão... -
- Benção - corrigiu, gerando risos.
- ...benção, Henrique, para me casar com sua filha.
O pai delas se levantou e caminhou até meu irmão com um sorriso satisfeito estampado, abraçando-o em resposta.
- Bem vindo à família, filho.
À essa altura, ambas as mães soluçavam, e no minuto seguinte contava sobre o pedido feito em frente ao mar. O assunto rendeu e as travessas ficavam cada vez mais vazias. Em certo momento, meus olhos encontraram os de , ficando ali até que ela tomasse a decisão de desviá-los, o que não aconteceu. Para minha surpresa, sustentou as írises nas minhas por um longo tempo, nitidamente desconfortável, mas disposta a deixar transparecer um pequeno sorriso no canto dos lábios. O coração acelerou e, naquele instante, com o rosto dela tão atento ao meu, uma chave virou na minha cabeça.
Eu poderia passar o resto da noite só a olhando ou poderia brigar pela chance de tê-la para mim.
E ia dizer a ela num movimento silencioso dos lábios como ela estava linda quando a campainha tocou, calando a mesa.
- Alguém tá esperando alguém? - o pai dela perguntou, ninguém se pronunciou.
- , pode abrir, por favor?
- Claro, mãe.
Acompanhei cada passo dela até a porta, vendo a expressão surpresa ao abri-la. No segundo seguinte, estava lá.
- , querido, junte-se à nós! - a mãe dela convidou. parou no centro do arco, cumprimentando geral com um aceno de mão.
- Feliz natal - sorriu, hesitante. - Obrigado pelo convite, dona V, mas eu só passei pra entregar um presente à .
- Eu quero abrir meu preseeeente - um dos garotos choramingou.
- Presente, presente, preseeeeente! - o irmão ajudou.
- Bom, se todos estiverem satisfeitos, acho que podemos fazer as trocas, certo? - Dona V. sugeriu, recebendo um coro de superlotação calórica em resposta.
Vi cada pessoa naquela mesa se levantar para andar até a sala de estar, sendo o último a fazê-lo, primeiro porque a presença de me deixara um pouco atordoado, segundo porque uma parte minha me achou idiota pelo segundo presente que eu tinha. Mas lá estava eu, sentado numa poltrona com o casal no sofá à minha frente sendo o centro das atenções.
Dei um gesto de cabeça quando me olhou e esperamos que revelasse o conteúdo da sacola vermelha. Uma caixa branca, um colar dourado e o semblante que eu conhecia como a palma da minha mão.
- Uau, que... lindo... - ela disse no seu melhor tom educado, sorrindo para ele com os lábios apertados e a testa franzida. Eu deslizei na poltrona, apoiando o tornozelo sobre um dos joelhos enquanto minha mão cobria a boca para disfarçar tanto a vontade de rir quanto o deboche que se estampara na minha cara. Eu ficava com dó ou enfiava nele uma faca?
- Posso? - pediu, e claro que ela concordou, então o colar saiu da caixa para enfeitar o pescoço ridiculamente chamativo dela.
- Ficou lindo, - dona V. elogiou.
- Obrigada - disse baixinho e, segundos depois, me olhou. Eu devia estar mesmo com a maior cara de deboche contido, porque ela reprimiu um sorriso divertido com um passar de língua entre os lábios, sem muito sucesso. Não muito distante dali, me olhava rindo também. - Desculpe, eu não...
- Tudo bem, não se preocupe - assentiu. Achei aquilo um pouco estranho.
Mas teria sido um belo presente se não detestasse dourado.
Depois disso, foi a vez das crianças, e depois dos pais, das mães, de ganhando uma viagem à Paris de e de mim. me entregou uma caixa azul com fita verde e tirei dela uma caneca branca com vários desenhos sobrepostos. Aquilo me confundiu por um momento, mas, quando me dei conta das imagens e das pessoas nela, eletricidade me atingiu como um raio.
Eu e ela aos dez anos de idade, em algumas até pouca coisa mais velhos. Fotos de nós dois brincando na rua, sujos de canetinha, eu na minha primeira apresentação musical, ela fazendo um chifrinho em mim no meu aniversário de dez anos e a foto que me fez gargalhar - eu dormindo na escrivaninha com a escova de dentes na boca enquanto pasta escorria por ela. Olhei para me sentindo aquele menino, os olhos certamente brilhando e quis, desesperadamente, beijá-la.
Boom.
Uma sinapse, um arrepio e outra memória.
- Você ainda tem essas fotos? - perguntei, espantado. mostrou os dentes, assentindo.
- E muitas mais.
- Estou curiosa - minha mãe esticou o pescoço e passei a caneca a ela, que começou a rir junto ao resto dos curiosos ao seu lado. - , que presente lindo!
- Que cara de louco, menino - Sara arregalou os olhos, fazendo e eu rirmos. De repente, minha cabeça se encheu de lembranças e meu peito, de felicidade.
- Obrigado, , isso foi... - tentei achar pela palavra que melhor definia a alegria que sentia, mas acho que ela não existia. entendeu isso e apenas manteve o sorriso carinhoso enquanto a caneca passava de mão em mão.
- Agora o meu, por favor - ela ansiou, e fui até a árvore para pegar o embrulho cor de rosa, que foi rapidamente de encontro ao chão. A expressão dela foi exatamente a que imaginei quando, na loja, a silhueta em led de uma bailarina brilhava sobre uma base de madeira clara. - , eu... - me olhou como a mesma menina nas fotos da caneca, sem palavras.
- Tem um botão embaixo - ela tateou a madeira e a bailarina se acendeu, provocando ruídos encantados da sala.
não precisou dizer nada, o brilho nas írises já eram mais do que o suficiente para mim. Sem querer, bati o olho em , que me olhava como quem tinha acabado de entender uma piada. Merda.
Sem aviso prévio, Henrique ligou o rádio, tirando dona V. para dançar e sendo seguido pelos outros casais. Quando aceitou a mão de , cruzei a porta em direção ao gramado nos fundos, sentando em uma das cadeiras de sol onde ficaria sozinho pelos próximos vinte minutos.
Cena 6
- Foi ideia minha - a voz próxima dela ecoou, sem roubar minha atenção das bexigas natalinas boiando sobre a água da piscina.
- É bem sua cara.
sentou ao meu lado e a pele de suas coxas ficaram um pouco mais expostas.
- Eu pedi um tempo a ele - disse, direta, e a olhei. - No último show, depois que você foi embora, eu pedi um tempo.
Precisei de um para processar aquilo, incerto sobre como seguir. Mas, a essa altura, o que importava?
- Por que você está com ele?
respirou fundo, apertando os dedos em hesitação.
- Porque eu gosto dele - disse num fio de voz. - Ou, pelo menos, achei que gostasse... a última semana foi um tanto quanto... confusa.
Houve um momento de silêncio onde minha mente discutiu com meu coração.
- Eu não fiquei bravo com você, eu fiquei bravo com ele - confessei, os olhos rodando o jardim. - E comigo - mesmo sem vê-la, sentia o olhar dela pesar sobre mim. - Fiquei bravo comigo por não ter a coragem de fazer o que ele fez.
A voz dela entrou quase num sussurro em meu ouvido.
- O que você gostaria de fazer?
Olhei para ela, entregue, e também sussurrei.
- Me declarar.
Vi o baque da minha resposta correr pelo rosto dela num mix de ansiedade e medo e sua mão vir em direção ao meu braço, parando antes de tocá-lo, claramente precisando de um tempo antes de qualquer próxima ação.
- Eu estou aqui, ...
Sem pensar muito, levantei e estendi a mão. A dela entrelaçou nossos dedos e cruzamos a sala, agora vazia, subindo a escada até a porta de seu quarto. Soltei sua mão e me posicionei atrás dela, cobrindo seus olhos da forma mais gentil que consegui. O cheiro de lavanda fechou os meus por um segundo e abri a porta, guiando-a para dentro.
- Cuidado com o chão - sussurrei. deu passos cautelosos, hesitando toda vez que sentia algo diferente sob os pés, e então estávamos no centro do quarto. - Preparada? - ela virou o rosto na direção do meu, sorrindo divertidamente enquanto assentia.
Tirei a mão de seus olhos para ter os meus presos na expressão maravilhada dela. No centro do quarto escuro, boquiaberta e deslumbrada, brilhava junto às mais de cem luzes que iluminavam desde as paredes até o chão.
- Meu Deus, você... - ela cobriu a boca com ambas as mãos ao ver a cama envolta por uma rede de pisca-pisca, escaneando o resto do quarto. Chão, paredes, armário, janela, cadeira, escrivaninha, tudo brilhando como uma enorme árvore de natal. Ela me olhou, os olhos marejados, e começou a rir em meio ao sorriso bobo. - , meu Deus...
A mão dela tremia sobre a barriga, assim como minhas pernas quando andei até a cama para pegar o último detalhe. Em frente à , tão próximo a ponto de sentir o calor do corpo dela invadir o meu, acendi o led da coroa de luzes e flores que segurava, ganhando uma exclamação fascinada antes de colocá-la sobre sua cabeça. No quarto escuro, brilhava só para mim.
- Eu não sei o que dizer...
- Então deixa que eu falo - sussurrei, admirando cada detalhe absurdamente encantador do rosto dela. - Você é linda... - comecei, bobo. - Deus, como você é linda... - sorriu, sem graça, uma lágrima escorrendo pela bochecha e a qual limpei com o polegar, sem pressa. - Eu sou apaixonado por você. Eu sou completa e ridiculamente apaixonado por você... - apertou os olhos por um momento, respirando fundo antes de voltar a me olhar. - E sempre tive medo de te dizer isso pelo motivo óbvio, mas eu não tô aguentando mais. Eu penso em você do momento em que eu acordo até a hora em que vou dormir, e aí eu sonho com você de seis entre sete noites - apesar do incentivo no sorriso dela, me sentia idiota por não ter nada melhor do que uma enorme porção de clichês nas minhas palavras. - E eu tenho certeza de que sou apaixonado por você desde os dez anos de idade, então, se você ainda tem alguma dúvida sobre o que foi aquela noite, aqui vai... - precisei encher os pulmões, pegando mais uma lufada de coragem. - O que eu cantei, eu cantei pra você e o que eu escrevi, eu escrevi pra você... é sempre você, .
As gotas, mais densas, molhavam as bochechas dela, carregando um pouco da maquiagem. O chão não existia mais e não sentia o corpo, apenas o pulso das minhas batidas latejando nos lábios, rápidos e aliviados. puxou o ar num suspiro trêmulo, indecisa entre tocar meu abdomem com a ponta dos dedos e acabando por levâ-los às próprias têmporas. Ela encheu a boca de ar, soltando devagar com as bochechas quase infladas, nervosa, chocada, anestesiada, perdida. Os dedos finalmente tocaram minha barriga, tímidos, e ela cravou o olhar em mim.
- Eu passei a semana inteira me perguntando como reagiria se você resolvesse dizer todas as coisas que imaginei que fosse dizer, mas a verdade é que nunca achei que eu fosse gostar tanto assim - confessou em uma única respiração, fazendo meus olhos se fecharem num alívio tão profundo que achei que fosse desabar ali mesmo. - Mas eu não vou mentir, , eu estou com medo... eu estou morrendo de medo.
- Eu sei, eu também - levei os dedos até a lateral do rosto dela, deslizando-os sem pressa até chegarem próximos aos lábios, os quais apreciei por longos segundos. Não umedecer os meus foi impossível, o que ela viu, pois seus olhos demoraram uma fração a mais para encontrar os meus. - Você não precisa me dizer nada agora, sei que é muita coisa, e quero que saiba que tem todo o tempo do mundo pra responder a minha pergunta.
franziu o cenho de leve, soprando a sua.
- Que pergunta?
Um sorriso cruzou meu rosto com a memória de anos atrás, isenta de malícia e entendimento na época. Eu aproximei o rosto o suficiente para que meu nariz tocasse o dela numa carícia rápida, afundando as írises nas suas antes de sussurrar.
- Me da um beijo?
Boom, e ela sabia. Ali, no meio do quarto, brilhava só pra mim, e respeitei sua incerteza quando o tempo se prolongou demais. Um passo para trás e saí pela porta, sem pressa, deixando meu coração nas mãos dela.
- É bem sua cara.
sentou ao meu lado e a pele de suas coxas ficaram um pouco mais expostas.
- Eu pedi um tempo a ele - disse, direta, e a olhei. - No último show, depois que você foi embora, eu pedi um tempo.
Precisei de um para processar aquilo, incerto sobre como seguir. Mas, a essa altura, o que importava?
- Por que você está com ele?
respirou fundo, apertando os dedos em hesitação.
- Porque eu gosto dele - disse num fio de voz. - Ou, pelo menos, achei que gostasse... a última semana foi um tanto quanto... confusa.
Houve um momento de silêncio onde minha mente discutiu com meu coração.
- Eu não fiquei bravo com você, eu fiquei bravo com ele - confessei, os olhos rodando o jardim. - E comigo - mesmo sem vê-la, sentia o olhar dela pesar sobre mim. - Fiquei bravo comigo por não ter a coragem de fazer o que ele fez.
A voz dela entrou quase num sussurro em meu ouvido.
- O que você gostaria de fazer?
Olhei para ela, entregue, e também sussurrei.
- Me declarar.
Vi o baque da minha resposta correr pelo rosto dela num mix de ansiedade e medo e sua mão vir em direção ao meu braço, parando antes de tocá-lo, claramente precisando de um tempo antes de qualquer próxima ação.
- Eu estou aqui, ...
Sem pensar muito, levantei e estendi a mão. A dela entrelaçou nossos dedos e cruzamos a sala, agora vazia, subindo a escada até a porta de seu quarto. Soltei sua mão e me posicionei atrás dela, cobrindo seus olhos da forma mais gentil que consegui. O cheiro de lavanda fechou os meus por um segundo e abri a porta, guiando-a para dentro.
- Cuidado com o chão - sussurrei. deu passos cautelosos, hesitando toda vez que sentia algo diferente sob os pés, e então estávamos no centro do quarto. - Preparada? - ela virou o rosto na direção do meu, sorrindo divertidamente enquanto assentia.
Tirei a mão de seus olhos para ter os meus presos na expressão maravilhada dela. No centro do quarto escuro, boquiaberta e deslumbrada, brilhava junto às mais de cem luzes que iluminavam desde as paredes até o chão.
- Meu Deus, você... - ela cobriu a boca com ambas as mãos ao ver a cama envolta por uma rede de pisca-pisca, escaneando o resto do quarto. Chão, paredes, armário, janela, cadeira, escrivaninha, tudo brilhando como uma enorme árvore de natal. Ela me olhou, os olhos marejados, e começou a rir em meio ao sorriso bobo. - , meu Deus...
A mão dela tremia sobre a barriga, assim como minhas pernas quando andei até a cama para pegar o último detalhe. Em frente à , tão próximo a ponto de sentir o calor do corpo dela invadir o meu, acendi o led da coroa de luzes e flores que segurava, ganhando uma exclamação fascinada antes de colocá-la sobre sua cabeça. No quarto escuro, brilhava só para mim.
- Eu não sei o que dizer...
- Então deixa que eu falo - sussurrei, admirando cada detalhe absurdamente encantador do rosto dela. - Você é linda... - comecei, bobo. - Deus, como você é linda... - sorriu, sem graça, uma lágrima escorrendo pela bochecha e a qual limpei com o polegar, sem pressa. - Eu sou apaixonado por você. Eu sou completa e ridiculamente apaixonado por você... - apertou os olhos por um momento, respirando fundo antes de voltar a me olhar. - E sempre tive medo de te dizer isso pelo motivo óbvio, mas eu não tô aguentando mais. Eu penso em você do momento em que eu acordo até a hora em que vou dormir, e aí eu sonho com você de seis entre sete noites - apesar do incentivo no sorriso dela, me sentia idiota por não ter nada melhor do que uma enorme porção de clichês nas minhas palavras. - E eu tenho certeza de que sou apaixonado por você desde os dez anos de idade, então, se você ainda tem alguma dúvida sobre o que foi aquela noite, aqui vai... - precisei encher os pulmões, pegando mais uma lufada de coragem. - O que eu cantei, eu cantei pra você e o que eu escrevi, eu escrevi pra você... é sempre você, .
As gotas, mais densas, molhavam as bochechas dela, carregando um pouco da maquiagem. O chão não existia mais e não sentia o corpo, apenas o pulso das minhas batidas latejando nos lábios, rápidos e aliviados. puxou o ar num suspiro trêmulo, indecisa entre tocar meu abdomem com a ponta dos dedos e acabando por levâ-los às próprias têmporas. Ela encheu a boca de ar, soltando devagar com as bochechas quase infladas, nervosa, chocada, anestesiada, perdida. Os dedos finalmente tocaram minha barriga, tímidos, e ela cravou o olhar em mim.
- Eu passei a semana inteira me perguntando como reagiria se você resolvesse dizer todas as coisas que imaginei que fosse dizer, mas a verdade é que nunca achei que eu fosse gostar tanto assim - confessou em uma única respiração, fazendo meus olhos se fecharem num alívio tão profundo que achei que fosse desabar ali mesmo. - Mas eu não vou mentir, , eu estou com medo... eu estou morrendo de medo.
- Eu sei, eu também - levei os dedos até a lateral do rosto dela, deslizando-os sem pressa até chegarem próximos aos lábios, os quais apreciei por longos segundos. Não umedecer os meus foi impossível, o que ela viu, pois seus olhos demoraram uma fração a mais para encontrar os meus. - Você não precisa me dizer nada agora, sei que é muita coisa, e quero que saiba que tem todo o tempo do mundo pra responder a minha pergunta.
franziu o cenho de leve, soprando a sua.
- Que pergunta?
Um sorriso cruzou meu rosto com a memória de anos atrás, isenta de malícia e entendimento na época. Eu aproximei o rosto o suficiente para que meu nariz tocasse o dela numa carícia rápida, afundando as írises nas suas antes de sussurrar.
- Me da um beijo?
Boom, e ela sabia. Ali, no meio do quarto, brilhava só pra mim, e respeitei sua incerteza quando o tempo se prolongou demais. Um passo para trás e saí pela porta, sem pressa, deixando meu coração nas mãos dela.
Cena 7
A lua cheia cintilante tinha minha total atenção. Sentado no peitoril da janela, apenas um lado da cortina estava aberto. Ainda vestia as mesmas roupas e tinha a mesma imagem de horas atrás em mente, os pensamentos exaltados demais para me deixarem dormir; por isso, às três e meia da manhã, ainda via a janela fechada de .
Olhei para o lado. Em cima da cama, o sorriso estampado na caneca, livre, leve, infantil. Ainda sentia a pele do nariz dela deslizando pela minha, a respiração contra meus lábios e o autocontrole tirado do fundo da minha alma. Estremeci. E, antes que o próximo pensamento durasse, vi a porta do meu quarto se abrir.
Ela ainda usava as mesmas roupas de horas atrás e entrou devagar, fechando a porta com cuidado ao me ver. Fiquei surpreso - eu estava sonhando? - e observei-a parar ao lado da cama, as mãos juntas em frente ao corpo. Ela ainda tinha a coroa brilhando na cabeça.
- Desculpe, mas invadi sua casa com minha cópia da chave - respirei fundo e desci da janela, andando até ela com as mãos nos bolsos. - Não consegui dormir.
- Tudo bem...
correu meu quarto com os olhos, parando-os em um ponto no chão próximo ao suporte da guitarra. Levei os meus para o mesmo lugar, ainda um pouco chocado com a aparição noturna dela.
- Eu tive várias recordações suas durante a semana - começou, o olhar ainda no chão. - Nossas, na verdade... foi aí que me veio a ideia da caneca - me olhou com um meio sorriso. - As luzes no meu quarto ainda estão acesas, não consigo apagá-las.
- Talvez eu devesse ter pensado melhor sobre a coroa... - brinquei, fazendo-a rir.
- A coroa foi a melhor parte.
caminhou a passos lentos até minha guitarra, deslizando as botas pelo chão ao redor.
- Você se lembra daquela briga na quadra?
- Sim - respondi de imediato. - Foi minha primeira vez na diretoria.
- E do seu aniversário de dez anos, você lembra?
Uma onda quente subiu das minhas pernas até o topo da cabeça, eriçando os pelos da nuca. Fitei-a com curiosidade, virando o corpo na direção dela.
- Algumas partes.
- Nós estávamos sentados aqui - ela indicou o lugar no chão com a ponta do pé direito. - abrindo seus presentes. Foi quando te dei a correia vermelha.
- Lembro disso...
- E você disse que, um dia, ia fazer muitos shows...
O sorriso brincalhão no rosto dela me fez mostrar os dentes também, rindo com a ironia.
- Disso eu não me lembro, mas, ei... - apontei para mim mesmo, divertindo-a.
- E ser muito famoso, e todo mundo ia saber quem você é... hoje eu não duvido de nada disso.
Levantei as sobrancelhas, inclinando de leve a cabeça.
- E se, pra isso, eu tivesse que te abandonar?
me encarou, a expressão satisfeita.
- Você o faria?
- Nunca - ela sorriu e dei de ombros. - É uma questão de matemática.
A risada alta e gostosa dela preencheu o quarto, me atingindo como um soco no estômago.
- Você lembra...
- Algumas coisas... tipo você indo embora com metade dos doces da festa.
- Porque você quis dividir suas tortinhas comigo - ri. - Eu nunca entendi por que você vivia me pedindo um beijo... até agora - minhas mãos suaram no jeans. - E acho que você já tinha tudo planejado desde cedo, sem saber, não é mesmo?
- Pra ser sincero, nem eu sei - dei alguns passos em direção a ela, mas ainda mantendo uma distância. - Acho que eu nem sabia o que era um beijo até você bater na minha porta e me dar um.
mordeu o lábio inferior, olhando para baixo quando o sorriso ficou grande demais no rosto dela. Dei mais um passo à frente, chamando seus olhos de volta pros meus.
- Nunca me senti tão burra - confessou e pedi por mais com o olhar. - Os sinais eram tão claros, estava tudo sempre lá... o jeito como você recuou na cozinha quando citei o Ricardo, o jeito como você me olhava na pizzaria, seu rosto no banco depois de dizer que gostava de cuidar de mim... caramba, como eu sou burra - terminou numa risada debochada, se desculpando silenciosamente.
- Não, não é, você só não tinha motivo pra ver as coisas com essa visão.
- Porque eu tava sempre olhando pro cara errado - tremi. - Você tava ali o tempo todo, sempre você e só você e foi por isso que eu voltei à sua porta na noite do seu aniversário pra, finalmente, te dar um beijo...
Eu conseguia sentir o magnetismo se formando entre nós enquanto ela falava, minhas mãos se coçando para não puxá-la e sentir o gosto da boca dela na minha.
- Foram os melhores cinco segundos da minha vida - confessei, derrotado, entregue e apaixonado.
- O que acontece se isso der errado, ? - ela perguntou com genuíno receio, a voz de medo que eu conhecia melhor do que a mim mesmo.
- Eu nunca vou te abandonar - firmei a minha. - No pior dos cenários, ainda estarei do seu lado, feliz por ter tentado em vez de apenas imaginar como seria. Não tem nada que a gente não possa superar, .
Nos olhamos por um tempo longo, meu coração esmurrando o peito com a visão dela. Ali, no meio do quarto, brilhava só pra mim.
- E o que acontece no seu melhor cenário?
- Bom - suspirei, os olhos encontrando o ponto no chão por um instante. - No melhor cenário eu desisto da fama pra ser seu marido.
andou até mim devagar, segurando minhas mãos por um momento antes de levá-las até sua cintura, a qual apertei com certa urgência. Ela sorriu e tirou a coroa da cabeça, colocando-a na minha e pousando o olhar profundamente no meu. Eu não pensava, não sentia e não me importava com nada mais a não ser os braços dela em volta do meu pescoço, apertados e macios. Puxei-a para mim, colando nossos corpos, e acariciou meu nariz com a ponta do dela, me fazendo gemer baixinho ao encostar suave e delicadamente os lábios nos meus, soprando entre eles.
- Me beija, seu babaca.
Ali, no meio do meu quarto, eu brilhava só para .
Olhei para o lado. Em cima da cama, o sorriso estampado na caneca, livre, leve, infantil. Ainda sentia a pele do nariz dela deslizando pela minha, a respiração contra meus lábios e o autocontrole tirado do fundo da minha alma. Estremeci. E, antes que o próximo pensamento durasse, vi a porta do meu quarto se abrir.
Ela ainda usava as mesmas roupas de horas atrás e entrou devagar, fechando a porta com cuidado ao me ver. Fiquei surpreso - eu estava sonhando? - e observei-a parar ao lado da cama, as mãos juntas em frente ao corpo. Ela ainda tinha a coroa brilhando na cabeça.
- Desculpe, mas invadi sua casa com minha cópia da chave - respirei fundo e desci da janela, andando até ela com as mãos nos bolsos. - Não consegui dormir.
- Tudo bem...
correu meu quarto com os olhos, parando-os em um ponto no chão próximo ao suporte da guitarra. Levei os meus para o mesmo lugar, ainda um pouco chocado com a aparição noturna dela.
- Eu tive várias recordações suas durante a semana - começou, o olhar ainda no chão. - Nossas, na verdade... foi aí que me veio a ideia da caneca - me olhou com um meio sorriso. - As luzes no meu quarto ainda estão acesas, não consigo apagá-las.
- Talvez eu devesse ter pensado melhor sobre a coroa... - brinquei, fazendo-a rir.
- A coroa foi a melhor parte.
caminhou a passos lentos até minha guitarra, deslizando as botas pelo chão ao redor.
- Você se lembra daquela briga na quadra?
- Sim - respondi de imediato. - Foi minha primeira vez na diretoria.
- E do seu aniversário de dez anos, você lembra?
Uma onda quente subiu das minhas pernas até o topo da cabeça, eriçando os pelos da nuca. Fitei-a com curiosidade, virando o corpo na direção dela.
- Algumas partes.
- Nós estávamos sentados aqui - ela indicou o lugar no chão com a ponta do pé direito. - abrindo seus presentes. Foi quando te dei a correia vermelha.
- Lembro disso...
- E você disse que, um dia, ia fazer muitos shows...
O sorriso brincalhão no rosto dela me fez mostrar os dentes também, rindo com a ironia.
- Disso eu não me lembro, mas, ei... - apontei para mim mesmo, divertindo-a.
- E ser muito famoso, e todo mundo ia saber quem você é... hoje eu não duvido de nada disso.
Levantei as sobrancelhas, inclinando de leve a cabeça.
- E se, pra isso, eu tivesse que te abandonar?
me encarou, a expressão satisfeita.
- Você o faria?
- Nunca - ela sorriu e dei de ombros. - É uma questão de matemática.
A risada alta e gostosa dela preencheu o quarto, me atingindo como um soco no estômago.
- Você lembra...
- Algumas coisas... tipo você indo embora com metade dos doces da festa.
- Porque você quis dividir suas tortinhas comigo - ri. - Eu nunca entendi por que você vivia me pedindo um beijo... até agora - minhas mãos suaram no jeans. - E acho que você já tinha tudo planejado desde cedo, sem saber, não é mesmo?
- Pra ser sincero, nem eu sei - dei alguns passos em direção a ela, mas ainda mantendo uma distância. - Acho que eu nem sabia o que era um beijo até você bater na minha porta e me dar um.
mordeu o lábio inferior, olhando para baixo quando o sorriso ficou grande demais no rosto dela. Dei mais um passo à frente, chamando seus olhos de volta pros meus.
- Nunca me senti tão burra - confessou e pedi por mais com o olhar. - Os sinais eram tão claros, estava tudo sempre lá... o jeito como você recuou na cozinha quando citei o Ricardo, o jeito como você me olhava na pizzaria, seu rosto no banco depois de dizer que gostava de cuidar de mim... caramba, como eu sou burra - terminou numa risada debochada, se desculpando silenciosamente.
- Não, não é, você só não tinha motivo pra ver as coisas com essa visão.
- Porque eu tava sempre olhando pro cara errado - tremi. - Você tava ali o tempo todo, sempre você e só você e foi por isso que eu voltei à sua porta na noite do seu aniversário pra, finalmente, te dar um beijo...
Eu conseguia sentir o magnetismo se formando entre nós enquanto ela falava, minhas mãos se coçando para não puxá-la e sentir o gosto da boca dela na minha.
- Foram os melhores cinco segundos da minha vida - confessei, derrotado, entregue e apaixonado.
- O que acontece se isso der errado, ? - ela perguntou com genuíno receio, a voz de medo que eu conhecia melhor do que a mim mesmo.
- Eu nunca vou te abandonar - firmei a minha. - No pior dos cenários, ainda estarei do seu lado, feliz por ter tentado em vez de apenas imaginar como seria. Não tem nada que a gente não possa superar, .
Nos olhamos por um tempo longo, meu coração esmurrando o peito com a visão dela. Ali, no meio do quarto, brilhava só pra mim.
- E o que acontece no seu melhor cenário?
- Bom - suspirei, os olhos encontrando o ponto no chão por um instante. - No melhor cenário eu desisto da fama pra ser seu marido.
andou até mim devagar, segurando minhas mãos por um momento antes de levá-las até sua cintura, a qual apertei com certa urgência. Ela sorriu e tirou a coroa da cabeça, colocando-a na minha e pousando o olhar profundamente no meu. Eu não pensava, não sentia e não me importava com nada mais a não ser os braços dela em volta do meu pescoço, apertados e macios. Puxei-a para mim, colando nossos corpos, e acariciou meu nariz com a ponta do dela, me fazendo gemer baixinho ao encostar suave e delicadamente os lábios nos meus, soprando entre eles.
- Me beija, seu babaca.
Ali, no meio do meu quarto, eu brilhava só para .
Fim
Nota da autora: Olá!
Christmas Lights é uma continuação de Primeiro Amor, meus dois contos favoritos da série até agora haha.
Espero que tenha gostado tanto quanto foi prazeroso para mim escrevê-los.
E, por favor, me diga o que achou! =)
Obrigada por ler <3
Outras Fanfics:
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Contos de Amor à Meia Noite: Despertar
Contos de Amor à Meia Noite: Permitir
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Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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