Involutariamente

Prólogo

O rei, os conselheiros reais e os dois príncipes de Illéa estavam todos reunidos na sala de reunião, tentando pensar em um plano para aplacar o descontentamento da população com a atual gestão monárquica. Não era surpresa que os súditos não gostavam mais do atual governante como antes. Suas constantes traições à esposa, mesmo que ela fosse muito ausente para o povo, faziam dele um dos reis com maior rejeição de toda a história daquele reino. Mas tudo piorou no início daquela semana.
O que antes eram apenas publicações na internet, tornou-se uma revolta de fato, e o ápice aconteceu quando o príncipe e herdeiro direto da coroa, George Schreave II, foi gravado zombando de uma moça que ele tinha se relacionado. As palavras maldosas sobre ela ser uma plebeia fez todo o reino se revoltar e, depois de muito tempo, voltar a cogitar pedir o fim da família real. Foram tomates podres sendo jogados, lama e até pedras. O povo mandou um recado que não podia ser ignorado. Eles estavam mais que insatisfeitos com a linhagem Schreave e não iriam se calar por qualquer promessa ou pedido de desculpas.
— Não podemos ceder desta forma — um dos conselheiros falou, irritado.
— Ninguém aqui está falando em ceder, John. Estamos falando que, de alguma maneira, a realeza tem que mostrar que ama e respeita esse povo. Tem que mostrar que é um deles, por mais que a gente saiba que isso não é verdade.
por pouco não rolou os olhos ao ouvir aquilo. Odiava quando todos falavam como se estivessem acima da população. Fora ensinado a vida inteira a viver para o povo, mas nunca viu aquilo na prática. Ou melhor, viu, mesmo que por pouco tempo, quando seu avô ainda era vivo.
— Podemos fazer uma caminhada com o povo e, ao fim dela, o príncipe pede desculpa e explica que foi tudo um mal entendido — um outro conselheiro sugeriu.
— Isso certamente não serviria. Ninguém iria a uma caminhada com alguém que eles querem ver longe do poder.
— Sugiro que tenha uma ideia melhor, John — o rei disse. — Não estou afim de perder meu tempo dentro desta sala escutando ideias fracassadas.
— Gostei da parte de dizer que foi um mal-entendido. Poderíamos criar uma história para justificar aquele comportamento — outro conselheiro, Mathias, comentou.
— Acontece que não foi um mal-entendido — o príncipe se ouviu falando e logo se arrependeu.
Tudo que ele mais desejava era não estar naquela sala, mas, já que fora obrigado, pretendia manter-se quase invisível. Então, ele próprio acabou com seu plano.
— Há algo te incomodando, ? — seu pai lhe perguntou, de forma dura.
O rapaz respirou fundo, tentando manter todas as suas insatisfações silenciadas. Ele conseguiria, fazia isso muitas vezes ao dia.
— Você não deveria nem estar aqui, — George disse, parecendo mais acuado do que irritado.
E sabia disto. Sabia o quanto seu irmão estava assustado com tudo aquilo. Desde novo, reinar sempre pareceu um peso muito maior do que qualquer ser humano poderia carregar sem perder sua vida ou sua alma. O final sempre era a morte, nem que fosse a interior. E agora, com toda aquela polêmica, George via toda a dificuldade triplicar. Um rei pouco amado significava um rei ainda mais infeliz do que todos os reis já eram aos seus olhos e aos olhos do irmão.
Mas, ainda assim, não conseguiu mais conter a raiva depois daquele comentário.
— De fato, eu não deveria estar aqui. Não consigo acreditar que estamos reunidos porque você fez a besteira de falar mal do seu povo daquela maneira. Talvez se você, ou melhor, vocês pensassem mais no povo que dizem tanto amar e menos em vocês mesmos, essa reunião não estaria acontecendo, e eu não estaria aqui.
Os segundos seguintes foram uma surpresa para todos naquela sala. O Rei George bateu forte na mesa em frente ao seu filho e, parecendo capaz de matá-lo, caso o rapaz reagisse, esbravejou:
— Quem você pensa que é para falar de amor ao povo? Quer ser mais um dos idealistas da internet? Pretende se tornar um deles? É muito fácil criticar nossas palavras quando se goza das regalias que todos aqui ganham ao usá-las. Você é apenas um moleque mimado e insolente que não sabe nada da vida — depois disso, abaixou o tom apenas para falar de forma ainda mais dura. — Seu irmão é um merda, mas até ele é melhor do que você.
— Ao menos eu sou o único desta sala que o povo não parece odiar — falou, sem tirar os olhos do pai.
O príncipe George encarou o irmão em completo horror. Ambos sabiam o que provavelmente viria a seguir. Nem mesmo os conselheiros iriam impedir o poderoso George I de ensinar seus filhos a agirem do seu modo. E quase aconteceu, mas, antes disso, Mathias entrou no meio – talvez por ser o único dali que já tivesse presenciado algo parecido com o que iria acontecer – e, com um sorriso nos lábios, falou:
— Majestade, não se irrite pelo príncipe ser exatamente o que o povo quer nesse momento. Ele é, no atual momento, nossa melhor saída.
Tanto o rei como os dois príncipes encararam o conselheiro, confusos.
tem aquela paixão inocente pelo povo. Embora não seja tão ativo, ele tem aquele ideal que o povo procura — Mathias continuou. — Vamos dar ao povo o que eles desejam, com direito a muitas câmeras e muito tempo na tevê.
— Como assim? — o rei perguntou.
— Além dos problemas de sempre, sabemos que o ápice é que o povo não se sente mais amado depois das palavras do príncipe George. Mas o príncipe não parece ter receio de plebeus, ele gosta deles. Então, vamos unir tudo de uma só vez. Proponho retomarmos aos primórdios da nossa história. Vamos retomar A Seleção.
— O quê? — os dois príncipes gritaram juntos.
— Isso acontecia com os herdeiros diretos do trono, e eu nem sou. Assim como o George não é, nem de longe, um bom pretendente aos olhos do povo — disse, parecendo desesperado com aquela ideia.
— O príncipe George ter uma Seleção é fora de questão e todos nós sabemos disso. Já você, Alteza, é a escolha perfeita. Não ser herdeiro direto do trono só melhora as coisas. Assim, ainda teremos dois sangues reais no trono.
— Essa ideia é arcaica, além do fato das duas últimas Seleções não terem dado muito certo. A do Rei Maxon terminou com um ataque que acabou levando seus pais, e a da Rainha Edlyn literalmente não deu certo. Nem por um selecionado ela se apaixonou, além do fato de que ela decretou uma monarquia constitucional que custou muito para ser derrubada e voltar ao que somos hoje.
— Se você souber olhar, a do Maxon na verdade não foi nada ruim. Eles foram, talvez, o casal mais amado da história de Illéa. Já a da menina… Ela era uma tola, mas nossos estudos mostram que, na época, foi uma boa jogada o que fez. A dinastia Schreave se mantém até hoje por causa da sua estratégia.
— Não, não, não — falou mais pra ele do que para qualquer outra pessoa ali.
Aquilo não podia estar acontecendo, era surreal que aquela ideia fosse ao menos cogitada. A Seleção era apenas uma coisa contada em livros de história, totalmente fora da realidade daquela época. Não deveria acontecer.
— Pai, você não pode fazer isso com o — George suplicou.
— E o que você sugere? Levar mais pedradas da próxima vez que sair às ruas?
Os irmãos se olharam, sem saber direito o que falar. Apenas sabiam que aquilo não era justo, mas usar este argumento certamente não serviria.
— Escute, — o rei falou, dessa vez manso e cuidadoso. — Você não precisa se casar com ela, os tempos mudaram. O povo com certeza aceitará a condição de apenas um namoro e, quem sabe, um casamento. Se tudo der certo, você se casa com ela. Se não, espere seis meses e acabe o namoro.
— Não. Isso não daria certo. Eu não posso colocar minha vida amorosa nesse jogo.
O rei George respirou fundo para tentar manter a pose de pai compreensivo. Precisava que , mesmo ainda sem querer, ao menos criasse algum tipo de empatia por aquela situação.
— Seu dever é amar esse povo acima de si mesmo. Não foi isso que você falou agora há pouco sobre sentir?
— Pai...
, eu sinto muito, mas é seu dever como príncipe. Está na hora de crescer, rapaz. Aceite estes termos e tudo ficará bem.
— Não faça isso comigo — o príncipe suplicou.
— Desculpe, filho, mas eu declaro aceita a ideia do conselheiro Mathias. Teremos uma nova Seleção.


Capítulo Um

Eu estava em frente à tevê sem acreditar muito no que estava vendo e escutando. O Jornal Oficial estava anunciando uma nova Seleção? Era isso mesmo? Eu queria muito não acreditar naquilo.
Não me achava uma revolucionária nem nenhuma rebelde, como o povo já foi muito chamado – Rebeldes lembravam o ataque que o falecido rei Clarkson e a rainha Amberly sofreram, além da morte de tantas outras pessoas. Ninguém queria rebeldes no país. Ninguém apoiaria rebeldes. E era por isso que esse nome durava até hoje. Era uma forma do governo fazer a população apoiá-lo e irem contra a quem pensava diferente. Uma forma de manter todos na rédea. Mas eu tinha sim minhas reservas quanto à família real e até escrevia sobre isso em um site. E aquele anúncio me deixava ainda mais certa de que eu não pensava tão errado.
A Seleção, embora os livros de história viessem recheados de pontos positivos sobre ela, para mim sempre seria uma maneira de jogar com os sentimentos de outras pessoas. Uma espécie de pão e circo. E, se você levasse em conta as duas últimas seleções que ocorreram, podia terminar em um circo catastrófico. Retomar com aquilo era insano.
— Será que o povo vai cair nisso? — minha mãe perguntou, parecendo também incomodada com aquele anúncio.
— Mas é claro que sim, mãe! — disse Jane, minha irmã. — Se eu não fosse noiva, estaria no primeiro lugar da fila.
Rolei os olhos. Jane às vezes era tão abobalhada.
— Quem vai querer ser a próxima plebeia a ser humilhada em público? Acho que o Príncipe George já fez isso muito bem — comentei.
, você é tão idiota. Já disse que você não vai se casar, né?
— Para de falar isso, Jane! — meu pai repreendeu. — Ela só está sendo realista.
— Pai, nem é o George quem vai participar.
Sim, ela se achava íntima da realeza.
— E você acha mesmo que ele iria querer encostar em alguém como nós? Ele provavelmente negou essa tentadora oportunidade.
— Vocês não vão brigar por isso, não é? — minha mãe questionou, impaciente. — Jane, você já é noiva, nem tem por que opinar. E , você nem se interessa por essas coisas, pare de amolar sua irmã.
— Não é amolar, mãe. A Jane só precisa pôr os pés no chão, não dá pra viver nesse mundo de fantasia. Tá tudo ruindo e pra Jane tá tudo bem.
— Melhor do que ficar aí, surtando e opinando sobre tudo, sendo que ninguém se interessa pelo que você fala. A única coisa que consegue com isso é fazer com que nenhum cara queira se aproximar de você. Sabia que já me disseram isso? Você é a esquisita da turma, .
Eu queria humilhá-la como ela tinha feito comigo naquele momento. Queria falar o quanto ela era uma idiota alheia ao mundo à sua volta e que só pensava em um bom casamento e uma boa grana – também havia pessoas que comentavam isso dela. Mas eu não fiz nada. Porque, na verdade, ela não estava falando nenhuma mentira. Tinha mesmo muitos caras que queriam distância de mim por minha total falta de habilidade de sustentar uma conversa sobre coisas triviais, além do fato de que muitos me achavam uma rebelde em potencial, e ninguém queria isso. Ao menos, não aqueles que a gente convivia.
Levantei e saí da sala em total silêncio. Apenas com meus pais me observando e a Jane evitando contato visual comigo.

No dia seguinte, acordei com batendo forte a porta do meu quarto e abrindo todas as janelas, o que era uma atitude típica dela.
— Bom dia, flor do dia! — ela exclamou, animada.
— Espero muito que já tenha passado das nove, . Se não, eu juro que mato você.
— Bom, são nove e um. Acho que continuarei viva por hoje — falou, rindo. — Esqueceu que combinamos de ir ao shopping hoje? Vamos comprar…
— Os vestidos para sua formatura. Eu sei, . Você não me deixa esquecer nunca — falei, já levantando da cama e jogando meu travesseiro nela.
— Você viu que a Seleção vai voltar?
— Sim. E nem me fale nisso, acabei brigando com a Jane por causa desse assunto — comentei enquanto seguia para o banheiro.
— Deixe-me adivinhar. Você odiou a notícia, a Jane amou. Acabaram acusando uma à outra de ser idiota, mesmo que por motivos diferentes e, no fim, estão sem se falar — terminou, acertando tudo. — Mas vocês já se entendem. Eu amei essa notícia, não vejo a hora de ter a chance de me inscrever. Mas eu já fazia ideia que você não pensaria o mesmo.
e Jane eram muito parecidas. Na verdade, faria muito mais sentido as duas serem melhores amigas, mas a verdade é que e eu nos demos bem desde o primeiro olhar. Talvez porque temos o que falta na outra, e isso faz com que as duas consigam um equilíbrio dentro de si.
— Eu também sabia que você tinha amado — falei rindo, já me trocando. — Você vai mesmo se inscrever?
acabou dando uma gargalhada.
— Você acha mesmo que eu perderia esta oportunidade? Filha, eu nasci pra ser rainha.
— Illéa que tome cuidado — disse, também rindo.

Até convidamos Jane para ir junto – confesso que o convite partiu de , porém não me opus – mas ela não quis ir conosco. Então, lá estávamos nós duas passeando pelo shopping e fazendo o que todo mundo fazia lá: comprar e olhar as pessoas.
— Que movimentação é aquela ali na praça de eventos?
olhou para os dois lados procurando pistas, mas, tirando os passos apressados que muitas garotas davam rumo ao tumulto, não havia pista alguma.
— A imprensa tá lá.
— Será que aconteceu alguma coisa? — indaguei.
— Então é uma coisa muito boa, as meninas estão todas sorrindo.
Puxei minha amiga pelo braço e apressei os passos como todas as outras garotas estavam fazendo.
— Vamos lá, estou curiosa.
Ao chegarmos ao local, encontramos uma multidão de garotas tirando suas maquiagens da bolsa e passando de forma veloz. Aquilo só podia, no mínimo, ser algum concurso de beleza.
— É da realeza — falou, apontando para o brasão da família de Illéa. — Pode nos dizer o que tá acontecendo? — minha amiga perguntou a uma garota que passava.
— É a inscrição para a Seleção. Eles avisaram hoje cedo na tevê, muita gente nem sabe.
Vi minha amiga ficar branca como um papel e suspeito que até eu fiquei. Senti como se estivesse prestes a entrar em algo muito maior que eu, embora não pretendesse me inscrever.
— Fica calma e respira — falei. — Você não pode desmaiar na fila.
— Fila?
Acabei rindo. estava beirando o pânico.
— Sim, . A fila para fazer a inscrição — apontei para onde as meninas estavam indo. — Você vai, não vai?
— Claro que vou. Eu só preciso respirar uns segundos antes disto.
Depois de esperar os segundos – que, na verdade, foram minutos – que pediu, seguimos para a fila. Eu estava ao lado dela enquanto esperávamos a sua vez, até que finalmente chegou a vez dela.
— Pode vir, garota. Vamos primeiro tirar uma foto sua, depois faremos algumas perguntas e te daremos uma ficha para preencher.
— Vai lá, te espero aqui.
Mas, antes que eu virasse, segurou firme o meu braço.
— Não sei se consigo fazer isso, — falou baixinho.
— O quê? Você nasceu pra ser rainha, esqueceu? — tentei brincar.
Nosso cochicho acabou chamando a atenção da organizadora.
— Algum problema?
— Ela está apenas um pouco nervosa, mas já está indo — respondi.
— Você não vem? — ela me perguntou.
— Não — respondi com um sorriso sem graça.
— Ela pode entrar comigo? — perguntou.
A mulher ponderou por um tempo, mas logo nos liberou.
— Claro.
Quando entramos na estrutura improvisada que estava por trás das paredes, encontramos vários fotógrafos tirando fotos de garotas sorridentes que pareciam já se enxergarem no palácio. , aparentemente mais calma, sentou-se em frente a um dos bancos e escutou instruções do fotógrafo à sua frente.
— Não precisa ficar nervosa, okay? São apenas duas fotos. Simples.
— Relaxa, — incentivei.
Depois que minha amiga tirou as duas fotos, já íamos saindo quando o fotógrafo nos chamou.
— Você não vai, garota? — perguntou a mim.
— Ah, não. É só ela mesmo.
— Você não vai conseguir entrar com ela para a entrevista se não tiver tirado fotos. Uma etapa leva à outra.
— Tira, .
, eu falei que não quero me meter nisso.
— São só duas fotos, quais as chances de você ser selecionada? Não me deixa sozinha nessa — ela pareceu implorar.
— Ei! — chamei sua atenção. — Vai dar tudo certo, não preciso estar lá para isso — tentei tranquilizá-la.
Pela primeira vez desde que nós duas, quando crianças, fomos pegas bagunçando na escola e paramos na diretoria, eu vi assustada.
— Por favor, — suplicou.
— Tudo bem — resmunguei.
Mesmo não estando empolgada, sorri para as fotos. Eu podia não querer estar ali, mas também não queria fotos feias minhas na mão do rei.
— Podem ir.
Depois das fotos, chegou a etapa das entrevistas, a qual respondemos as mais variadas perguntas: desde qual era a nossa cor preferida até se ainda éramos virgens. Punições escolares e até ficha policial não passaram dos olhos e ouvidos atentos dos entrevistadores, e eu acabei rindo ao pensar em como estaria na hora de contar a punição que levamos mais novas. Será que ela contaria? Eu contei e ainda consegui uma risada do rapaz que me entrevistava.
Aparentemente, nossas palavras sobre as punições e ficha criminal não valiam muita coisa. Eles queriam provas; tivemos que dar nosso nome completo e também outros dados que deram a eles acesso ao nosso histórico escolar e à nossa ficha na guarda. Acho que temiam que alguém se infiltrasse e fizesse algum mal à monarquia. Inteligente da parte deles, mas não deixei de pensar que muita gente lutava por tempos melhores – ou até contra a monarquia – sem precisar sujar as mãos. Eu escrevia tudo em um site, por exemplo, coisa que eles jamais descobririam.
Após isso, fomos para uma outra sala onde respondemos perguntas de conhecimentos gerais – coisas que aprendemos na escola ou vemos no jornal. Parecia que o príncipe queria mais que um rosto bonito para fazer seu povo de bobo.
Por último, pudemos preencher nossas fichas. Cada vez que saíamos de uma sala para outra, e eu nos abraçávamos e eu lhe dava forças antes de nos separamos mais uma vez. Mas, naquela última sala, pudemos ficar juntas, já que eram mesas com várias cadeiras. Suspeitei que aquela entrevista, assim como a pesquisa e as perguntas de conhecimentos gerais, serviam como uma espécie de pré-seleção. Nem todas as fichas chegariam ao palácio, eles apenas não achavam adequado contar aquilo para nós.
— Não achei que fosse ser um processo tão longo — disse quando finalmente saímos da estrutura projetada para as inscrições. — Antigamente, era apenas preencher uma ficha e tirar uma foto, não era?
— Acho que estão mais rígidos dessa vez. Os tempos mudaram — dei de ombros, sem pensar muito naquilo.

O caminho para casa foi bem falante, não parava de pensar em como seria sua vida no palácio. Era como se a seleção já estivesse feita e ela fosse uma das selecionadas. Acabei rindo.
Chegamos em casa e, antes que eu pudesse falar qualquer coisa, já foi contando as novidades.
— Sabiam que serei a próxima princesa de Illéa? — ela indagou enquanto dava um abraço na minha mãe.
— Como? — meu pai perguntou e ela sorriu.
— Acabei de fazer minha inscrição. também se inscreveu.
É difícil dizer quem ficou mais chocado com aquele fato. Meu pai deixou o queixo cair e olhou para minha mãe como se buscasse respostas. Ela me encarou de um jeito estranho, tive a impressão de ter visto um leve desapontamento. Jane foi um show à parte. Estava comendo quando falou. Deixou o garfo cair, engasgou e precisou que minha mãe corresse ao seu amparo.
— Respira, filha.
Assim que recobrou o ar e a possibilidade de falar, pareceu ter esquecido qualquer contratempo.
— Você se inscreveu? Vai para o palácio? Já disse que te amo hoje? — e jogou-se nos meus braços como se estivesse abraçando qualquer pessoa, menos a irmã dela.
Larguei-me de seus braços sem muita cerimônia.
— Não, você não disse. E continua não dizendo. A pessoa que você diz amar talvez possa ser a . Eu apenas dei meu apoio porque ela estava muito nervosa. Entrei e acabei me inscrevendo por isso. Mas não quero saber de Seleção, não quero ser selecionada, não conhecerei o príncipe e muito menos morarei no palácio. Não precisa me agarrar por isso, Jane.
— Que tal se acalmar, ? — minha mãe advertiu, erguendo uma sobrancelha.
— Tá bom.

O dia seguiu e, embora todos em casa tentassem deixar de lado o papo Seleção para que eu não me irritasse, era nítido que todos pensavam nisto, até mesmo eu, que já imaginava se mudaria alguma coisa caso fosse para o palácio. Mas tentava deixar minha mente longe disto. Quando não consegui, resolvi me render ao assunto e fui ler notícias sobre o andamento da Seleção.
“A Seleção é uma prova de que o povo é amado. Queremos conhecer melhor essas garotas, saber de seus anseios, ver mais do mundo que, muitas vezes, as obrigações nos impedem de ver. Essas garotas serão grandes lutadoras e ficarei muito feliz de talvez ter uma delas na minha família” , o rei dizia em uma entrevista gravada.
Ele parecia ter total domínio sobre aquele assunto, mas, quando questionado sobre o motivo do Príncipe estar no lugar que deveria ser ocupado pelo Príncipe George, foi claro o seu incômodo.
“Há muitos anos, este processo deixou de existir e a última vez que ocorreu deixou muitos incertos sobre sua eficácia. Sendo assim, não temos a intenção de forçar um casamento ou o povo de aceitar alguém que eles não desejam no poder. Estamos sendo mais cuidadosos.”
A mulher, muito ousada, diga-se de passagem, resolveu ir mais fundo e perguntou se ele duvidava da capacidade de uma plebeia liderar o país junto com seu filho. Também indagou se o próprio príncipe não teria pedido para não fazer parte, visto suas últimas palavras sobre o que ele achava de nós.
“Não aturarei insinuações, senhorita. Muito menos que ponha palavras na minha ou na boca do meu filho. Príncipe George jamais iria se opor a qualquer coisa decidida por nós para o bem do povo e do reino. Ele sabe os deveres que deve cumprir assim como seu irmão, que mesmo não sendo o herdeiro principal do trono, também cumpre seus deveres.”
E foi ali, com aquelas palavras, que eu tive a certeza: a Seleção queria nos enganar e dar uma falsa esperança. Príncipe estava apenas cumprindo o dever de participar daquilo, mas largaria a moça assim que a poeira abaixasse. Eu precisava escrever sobre aquilo.
Sentei em frente ao meu computador e comecei a digitar o que tanto me incomodava.

“O atual pão e circo.
Não sabemos direito como essa expressão surgiu. É uma das muitas palavras ou frases que apenas falamos sem saber de onde vieram porque nossos livros de história não explicam. Mas sei que significa algo como um jogo de propagandas para entreter o povo e tirar o foco dos problemas. Não é isso que está acontecendo agora?
A Seleção foi abolida há anos. Cerca de cinco reinados já vieram sem que houvesse menção a esse assunto, mas, justo quando o povo está insatisfeito, quando o Príncipe George dá ao povo a prova de que somos deixados de lado, esse processo retorna.
Não sejamos bobos, em uma recente entrevista o rei, depois de não conseguir explicar com clareza por que o Príncipe George ficou fora dessa, deixou claro que o seu outro filho está apenas cumprindo um dever. E qual dever é esse? Antes, na época que a Seleção ainda acontecia, poderíamos dizer sem julgamentos que os príncipes tinham mesmo que participar. Mas, hoje, depois de anos deixado de lado, por que enxergar a Seleção como um dever novamente?
A resposta é simples: não é a Seleção que é o dever do Príncipe , mas sim entreter o povo e dar a eles um circo enquanto nossa majestade pode continuar guiando seu reino da maneira que quer sem mais interferência. O circo está feito e o palhaço somos nós.”


Depois de escrever isso, achei que esse assunto estava por fim tirado da minha vida por aquele dia, mas não podia estar mais enganada. Bastou chegar a hora de dormir para que eu não pudesse fugir de Jane.
— Ainda não consigo acreditar que você pode ser uma das selecionadas — Jane falou, sentando-se em sua cama e balançando as pernas de um jeito empolgado. — Você vai conhecer o palácio. Já pensou nisso?
Rolei os olhos.
— Eu não vou conhecer nada, Jane — falei com a voz cansada. — Se você visse o tanto de meninas que tinha, fora as que ainda iam chegar, veria que não tenho nenhuma chance de ser selecionada. Podemos dormir agora?
— Claro que você tem — ela desdenhou da minha resposta.
Eu amava minha irmã, não pensem o contrário. Mas, na maior parte do tempo, era bem difícil a nossa convivência.
Jane era o oposto de mim em várias coisas e acho que não sabíamos lidar muito bem com isso. Naquele exato momento, por exemplo, tudo o que eu queria era que ela sumisse da minha frente junto com seu papo sobre a Seleção. Não via a hora de ela finalmente se casar.
— São centenas, talvez milhares de meninas, Jane. Eu não tenho chance alguma.
Pela primeira vez desde que todo aquele papo de Seleção começou, lá quando passou no Jornal Oficial e discutimos, vi Jane olhar para mim de igual para igual e dar um sorriso um pouco condolente.
— Você ainda não percebeu, né? — ela parecia um pouco triste por algo que eu ainda não sabia. — Todas essas meninas têm que vencer a mesma quantidade que você. Então, você tem as mesmas chances que elas, que a . Se você acredita que a pode ser chamada, aceite que você também pode. Alguém terá que ser chamada, . E sinto muito em dizer, mas esse alguém pode muito bem ser você.
Posto daquela forma, não tinha como negar que minha irmã estava certa. Senti meu coração apertar e quase esqueci como se respirava. Eu realmente tinha chance. Em um sorteio, seja ele sobre o que for, alguém tem que ganhar, não é mesmo? E eu podia, mesmo que não visse isso como ganho.
— Sei que você não gosta dessa ideia, mas é a realidade. E desculpe, mas eu ficaria bem feliz se você fosse uma delas.
E, então, toda a complacência da minha irmã se esvaiu e ela voltou a ser a Jane de sempre, que, na maioria das vezes, não se importava muito como o outro ficaria, desde que ela ficasse bem.
— Tá bom, Jane. Agora, se não for pedir demais, me deixa dormir.
Virei para o outro lado bufando, mas não era pela minha irmã, e sim por mim. Como não pensei nisso antes? Se eu fosse chamada para aquela droga, poderia me negar a ir? Se sim, será que minha família não ficaria envergonhada? Se não, como eu conseguiria lidar participando de algo que tanto repudiava? Como agiria perante um rei que eu não admirava? Como conviver com eles e não terminar sentenciada a algo terrível? Como faria parte daquele show que visava apenas alienar as pessoas? Eu conseguiria fazer parte do jogo?
Me fiz tantas perguntas e me imaginei em tantas situações que acabei perdendo o sono. Quando finalmente consegui dormir, acordei – tive a sensação de que foi segundos depois – com Jane puxando meu cobertor e dizendo, com uma expressão maravilhada, assim que abri os olhos:
— Bom dia, flor do dia. Saiba que suas chances acabaram de ser dobradas. Vão sortear duas de cada província para a Seleção. Você tem mais chances que nunca!


Capítulo Dois

O susto foi tão grande que me virei rápido demais da cama e acabei caindo dela.
Do que Jane estava falando?
— O que você tá falando?
— O site do Jornal Oficial acabou de publicar uma nota oficial falando sobre isso. Como as pessoas conseguiam viver sem internet antes, hein?
— Foco, Jane! Foco! — pedi, enquanto me levantava do chão e passava as mãos nos cabelos. — O que essa nota dizia?
— Espera! — pediu, dando um pulinho. — Vem aqui comigo ler.
Saí do quarto sendo puxada por Jane e com a mente a mil por hora.
— Olha aí. Foi essa a nota.
Olhei para a foto com o brasão de Illéa na parte superior, e com letras pequenas estava escrito:
“A coroa tem o prazer de anunciar que algumas outras mudanças foram feitas no processo da Seleção.
Serão sorteadas duas garotas de cada província, mesmo que apenas uma vá ser escolhida para integrar o time oficial da Seleção. E esse sorteio duplo é porque, agora, teremos a certeza que 36 garotas formarão o time de selecionadas oficiais e terão chances de conquistar o coração do amado Príncipe . E uma delas quem irá escolher é a nossa amada nação de Illéa...”
Não assimilei muita coisa depois daquelas primeiras palavras.
Então, agora duas garotas teriam parte de suas vidas mudadas e uma delas teria uma sobrevida que a levaria direto para o palácio. Senti o sangue escapar de meu corpo.
Depois da conversa com Jane na noite anterior, finalmente percebi o quanto poderia estar encrencada. Agora, minhas chances haviam dobrado. Respirei fundo tentando convencer a mim mesma que, ainda assim, eram milhares de garotas para apenas dois nomes sendo puxados, mas o medo me impedia de seguir com essa linha de raciocínio por muito tempo.
Puxei o braço da minha irmã e lhe falei, quase como um pedido de ajuda:
— Não quero ir, Jane. Não quero ter chance de entrar naquele lugar.
Eu podia até correr risco de morte se encontrassem meu site, logo me passou pela mente. Mas, para o bem da minha sanidade mental, guardei esse pensamento no fundo do meu cérebro.
Jane falando me trouxe novamente à realidade.
— Por que você fez isso, se repudia tanto a Seleção, ? — indagou com uma careta. — Você parece pronta para ir para a forca só de ler isso, como pode ter se inscrito?
— Na hora, não me pareceu nada de mais — falei, meio agoniada. — Só pensei que estava ajudando a , até nossa conversa eu nem achava que havia a mínima chance de ser sorteada.
— Acho que você perdeu o título de mais inteligente dessa casa, então — Jane disse, rindo. — E pense pelo lado bom, na pior das hipóteses você vai sair de lá com uma boa quantia, famosa e cheia de pretendentes. Não é esse sacrifício todo.
Dessa vez, não briguei com Jane. Apenas respirei fundo e fiquei repetindo para mim mesma que eu não seria sorteada. O universo não me pregaria essa peça, pregaria? Só Deus sabia o quanto eu não queria aquilo, e tinham milhares de garotas querendo, então, com certeza Ele faria outra pessoa ser sorteada.
Era isso! Eu não seria sorteada.

À noite, o Jornal Oficial foi quase todo dedicado à explicações de como funcionaria a Seleção depois de tantas mudanças. Embora os dois príncipes estivessem lá com o rei e a rainha, apenas o rei estava falando:
— Muitos ainda parecem confusos depois da nossa nota oficial, então vamos explicar mais uma vez para vocês. Daqui a dois dias, quando o grande sorteio ocorrer, dois nomes de cada província serão tirados do cesto e, a partir deste momento, essas setenta moças já serão uma extensão da família real, se tornando prioridade vossa segurança. Mandaremos uma equipe especial acompanhar o dia a dia dessas moças, e já no dia após o sorteio, transmitiremos a vocês um especial com cada uma delas. Uma votação será aberta para que vocês, amado povo de Illéa, possam garantir que uma dessas lindas garotas já esteja direto na Seleção. As outras sessenta e nove meninas serão avaliadas por nós e uma de cada província será selecionada para o time.
Conforme o rei ia falando, tudo me parecia ficar cada vez pior. Mais cedo, Jane havia me dito que, na pior das hipóteses, eu sairia com uma boa quantia de dinheiro, famosa e cheia de pretendentes. Mas aquela garota que fosse sorteada e não chegasse à verdadeira Seleção apenas teria sua vida exposta e, depois, sairia disso tudo sem qualquer dinheiro e ainda parecendo pouco demais para tal evento.
— É uma mudança e tanto no processo — minha mãe disse enquanto o rei continuava a falar.
— Isso faz com que minha irmãzinha tenha bem mais chances de chegar lá — Jane disse me abraçando de lado e eu rapidamente fugi dos seus braços
— Não sou tão simpática assim, Jane. Dificilmente o povo me escolheria. Você mesma não me acha sem graça?
— Não precisamos que você seja escolhida, mas sim que seja sorteada com outra garota que tenha potencial de ser a escolha do povo. Não percebeu? Se obrigatoriamente eles terão que selecionar uma de cada província, aquela que tiver uma das meninas escolhidas pelo povo terá apenas uma garota para a outra fase, garantindo, assim, que as duas estejam na Seleção.
Era verdade. Eu estava tão nervosa que nem havia pensado nisto.
— Eu nem tinha me tocado — comentei.
— Como eu disse hoje cedo, você perdeu o posto de mais inteligente desta casa — Jane disse com um risinho que não retribuí porque minha mente estava bem mais longe que isso.
não apareceu em casa naquele dia. Com certeza estava arrumando as coisas da sua formatura e eu fiquei grata por sua ausência. Não queria ter que falar sobre a Seleção, mas não queria ser grossa com ela também. Então, era melhor que, pelos próximos dois dias, a gente não se visse tanto. Até porque algo não saía da minha cabeça: e se eu fosse sorteada e ela não? E se nós duas fôssemos sorteadas e eu escolhida? Será que me culparia?

Durante aquela madrugada, tive diversos pesadelos com a Seleção. Eles iam desde eu sendo sorteada e não, até eu tendo a infelicidade de casar com o príncipe.
No dia seguinte, acordei com duas garotas sorridentes puxando meu cobertor. e Jane falavam coisas desconexas e insistiam em me tirar da cama.
— O que vocês querem?
— Que você saia já daí para finalizar os detalhes de amanhã comigo. Nem nos meus maiores sonhos eu teria a chance de me formar e ainda ser uma selecionada apenas em um só dia — disse, dando pulinhos empolgados.
, não querendo ser pessimista nem nada, mas você sabe que não é certeza, né? Será um sorteio.
— Um sorteio pré-selecionado, , eles mesmos meio que assumiram isso ao pedir nosso histórico e tudo mais. Nós estudamos em boas escolas, temos boas notas, somos meninas que sempre andaram na linha e somos lindas. Isso tudo já impedirá metade das garotas de terem seus nomes naquele cesto.
Você estudou em boa escola, eu estudei em uma escola do sistema público. Isso significa que estou fora.
— Em uma das melhores escolas do sistema público, e fala mais de uma língua. Não seja idiota. Nós duas seremos selecionadas.
Aquele parecia ser um sonho perfeito para , mas, para mim, era ainda pior que ser sorteada sozinha. Não queria competir com ela de maneira alguma, nem mesmo naquela pré-seleção das setenta garotas, e me recusava a imaginar nós duas no castelo. A Rainha America era a prova de que você não precisava querer a coroa para consegui-la. Todos falavam que, em sua Seleção, ela demonstrava querer bem pouco ser escolhida até as últimas semanas. Então, não querer a coroa não me impedia de ser concorrente de , caso as duas chegassem lá.
— Vamos, vai logo tomar um banho — Jane falou, me tirando do transe.
— Okay — foi tudo que consegui dizer.

Cheguei a acreditar que a formatura de me faria esquecer do sorteio, mas todos naquele lugar me faziam lembrar que nosso futuro poderia ser selado em algumas horas. Inclusive, seus pais colocaram uma tevê enorme no meio do salão para podermos assistir juntos à sua filha ser sorteada. Vendo toda aquela euforia, não deixei de orar para que estivessem certos. Seria frustrante se algo saísse errado.
Tentei me distrair dançando e cantando com alguns conhecidos. Estava mais solta do que nunca, tudo isso para fingir que não tinha nada a ver com o evento que logo mais viria. Quando finalmente comecei a esquecer, alguém gritou:
— Todos sentados, é a hora do Jornal Oficial!
Foi automático. A música parou, as luzes acenderam, a tevê foi ligada e um silêncio desesperador se instalou no salão.
Tudo foi passando como um borrão na minha frente. Eu pouco entendia do que estava sendo falado na tevê. Tudo que conseguia fazer era apertar com força a barra do meu vestido e implorar para que tudo desse certo. Então, os nomes começaram a ser tirados dos cestos, um a um. Éramos de Sonage, logo, seríamos uma das últimas a serem sorteadas de acordo com a ordem que falaram.
— É agora, é agora! — alguém gritou, me fazendo abrir os olhos e me dar conta que éramos o próximo cesto.
— De Sonage, a senhorita Mitchell.
O salão explodiu em gritos, abraços e lágrimas. Ninguém mais olhava para a televisão e eu quase fiz o mesmo. Mas foi aí que vi, mesmo que o barulho tenha me impedido de escutar, minha foto aparecer ao lado da foto de . Foi como receber um soco na boca do estômago. Eu sentia a dor e o enjoo.
Indo contra todas as probabilidades, Jane e estavam certas desde sempre. Nós duas fomos sorteadas. Eu, mesmo sem querer, era agora também uma das selecionadas.


Capítulo Três


Naquela noite do sorteio, graças ao tumulto que se instalou na festa da por causa da sua “conquista”, consegui sair dali antes que notassem que meu nome também havia saído. Mas, infelizmente, não consegui passar despercebida em casa. Assim que entrei, minha mãe me olhava num misto de horror e incredulidade, já meu pai parecia chocado demais para demonstrar qualquer emoção.
Ficamos em silêncio, até que, quando eu estava caminhando para o meu quarto, minha mãe falou:
— Você odeia essa Seleção.
— Constatar o óbvio não vai ajudar em nada, mãe — respondi, segurando minha vontade de chorar.
— Como você conseguiu sair da festa sem que as pessoas te segurassem para comemorar?
— Todos tiraram os olhos da tevê assim que a foi sorteada.
— Eu sinto muito — meu pai finalmente falou e foi o que bastou para que eu caísse no choro.
Meu Deus, aquilo não podia ser verdade. Eu não podia ter sido sorteada. Com tantas pessoas naquela província, por que justo eu?
Chorei pelo que pareceu horas, mas, na verdade, foram apenas alguns minutos. Pretendia chorar ainda mais no colo dos meus pais, quando minha mãe falou:
— Acho melhor você ir dormir. Daqui a pouco, Jane vai se dar conta e não será um bom encontro.
— Ela vai me acordar e falar comigo do mesmo jeito.
Ainda tinha isso. Eu teria que lidar com a animação da Jane.
— Cuidaremos disso, . Apenas vá tentar descansar. Amanhã o dia será longo — meu pai disse com pesar.
Não discuti. Não estava pronta para ver Jane e toda sua felicidade egoísta.
Antes que eu tivesse tempo de deitar na cama e chorar até amanhecer, minha mãe bateu na porta, segurando um copo de água e um comprimido.
— Toma esse remédio, é para dormir. Natural. Sei que você não quer falar sobre isso, mas, amanhã, isso estará cheio de câmeras, e acho que não vai te fazer bem aparecer com cara de choro.
Isso era outra coisa que eu não podia discutir. De fato, não ficaria bem aparecer com cara de choro. As pessoas podiam ver isso com maus olhos.
— Obrigada — falei e tomei o comprimido.
Depois disso, derramei algumas poucas lágrimas antes de cair no sono. Não tenho certeza se foi um sonho ou realidade, mas tenho a lembrança de Jane entrando no meu quarto. Se foi verdade, ela não conseguiu falar nada comigo.


👑👑👑


Meu pai estava certo sobre o dia seguinte. Ele foi longo como nunca. Uma vez na escola, ouvi sobre o tempo parecer passar mais devagar quando fazemos algo que não gostamos. Naquele dia, tive certeza que aquilo era verdade. Cada segundo pareceu durar uma eternidade.
Eles filmaram minha casa, entrevistaram minha família e surtaram de felicidade ao descobrir que minha melhor amiga era a outra sorteada.
— Esse é um ótimo entretenimento. Tudo que precisávamos.
Quis vomitar ao perceber que, agora, eu era parte oficial da atração circense. Eu agora ajudaria a coroa a fazer o povo de palhaço.
Depois de filmarem meu quarto e me pedirem para fazer várias coisas que nem de longe eram coisas que eu fazia diariamente, eles falaram que precisávamos conversar a sós. Eu sabia o que viria a seguir: pergunta sobre virgindade. Que, para meu alívio, eu podia responder que sim.
— Te daremos algumas roupas, então, precisamos que você olhe essa revista e diga quais cores você gosta mais, assim como quais modelos fazem mais seu estilo. Você será levada para uma pequena apresentação hoje à noite na praça. O Jornal Oficial será transmitido lá e você e sua amiga estarão no palco. Ainda hoje, te entregaremos algumas roupas.
— Tudo bem — foi tudo o que eu disse antes de pegar a revista e sair marcando o que gostava.
Depois disso, eles foram embora e me informaram que uma equipe viria me arrumar e um motorista viria buscar a mim e minha família.
Bastou eles saírem para que eu caísse no choro.
Metade de mim queria poder correr na casa da e abraçá-la forte na certeza de que, concordando ou não comigo, minha melhor amiga me acalentaria. Mas a outra metade comemorava o fato de provavelmente ela estar ocupada demais para me ver.
Já pretendia seguir para o quarto quando o telefone tocou e minha mãe falou que era justamente minha amiga na ligação.
Como você tá? — ela foi logo perguntando.
— Sinceramente? Uma merda.
Imaginei. Sabe, mas poderia ser pior se fosse apenas uma sorteada de cada província. Você não vai precisar chegar até o palácio — ela disse e eu pude perceber que, de alguma forma, isso a animava.
— Como assim?
Eu quero muito ir, você não quer nem um pouco. É só não se mostrar disposta se tiverem que escolher entre nós duas. É óbvio que vou lutar para ser escolhida pelo público, afinal, quem for escolhida já terá uma chance bem maior. Óbvio que o rei vai dar mais atenção para a menina amada pelo povo, mas, sabe, de todas que poderiam ter sido sorteadas, saber que foi você me alivia.
Aquilo acabou piorando ainda mais o meu dia. Não queria que me ligasse para dizer aquilo. Ela era minha melhor amiga, deveria ter dito ao menos um sinto muito.
Aparentemente a coroa mexia com todos, mesmo antes de chegar perto de usá-la.
, vou desligar, tudo bem? Estou cansada. Fico feliz que tenha conseguido o que tanto queria.
Te chateei com algo, ?
Balancei a cabeça, mesmo que ela não pudesse ver. Depois, dei de ombros.
— Fica tranquila e curte seu dia. Vou deitar um pouco. Beijos.
Não esperei a resposta. Coloquei o telefone no gancho e segui para o quarto, dessa vez tão chateada que não me deu nem vontade de chorar.

Obviamente não consegui dormir à tarde, sabendo que alguém poderia me acordar para me maquiar a qualquer momento. Quando já não aguentava mais rolar na cama, fiz o que já queria fazer desde a ligação de , mas que, por medo de estar sendo espionada, me recusei: escrevi no meu site.

“O Ego da Coroa
Ontem, tivemos setenta meninas sorteadas para viver o famoso entretenimento dos nossos livros de história: A Seleção. Como boa moradora de Illéa, acompanhei o sorteio ao vivo, assim como, provavelmente, todos vocês. Confesso que senti medo por cada nome que estava dentro daqueles cestos, mas me confortava pensar que, apesar de tudo, elas ainda seriam elas.
Me enganei. Nem todas são!
O ego da coroa é algo quase que inerente a quem se aproxima. Não precisa colocá-la na cabeça para pensar apenas em si e usar os outros. Algumas pessoas precisam apenas ter a possibilidade de colocá-la um dia, o que me faz questionar se o erro é apenas dos nossos governantes.
Seríamos qualquer um de nós iguais a eles se colocássemos uma coroa na cabeça? Todos temos um lado ruim que se mostra quando temos poder?
A atual família real é uma das piores desde que tivemos nosso adorado Rei Maxon e nossa amada Rainha America, não podemos negar. Mas talvez, só talvez, não sejamos tão melhores que eles. Ao menos alguns, aparentemente, não são.
Então, só queria pedir a vocês, caros leitores, que não se esqueçam de serem diferentes. Não melhoraremos nosso país sendo semelhantes a eles. Não deixem que setentas garotas maquiadas e bem arrumadas querendo uma coroa despertem o pior lado de vocês.
A proximidade da coroa já mudou algumas, não deixem a Seleção mudar vocês!”


Aquele era um texto diferente dos que eu costumava postar. Geralmente, eu não colocava nosso povo contra a parede daquela forma. Mas como poderíamos querer mudança se agíssemos iguais a quem nos governava? Hipocrisia não nos levaria a lugar algum e eu precisava alertar isso aos outros.
Depois de cerca de uma hora, a equipe – não apenas uma pessoa para me maquiar – chegou com algumas opções de roupas, sapatos, jóias e fotos de modelos de cabelo para eu escolher. Tenho que confessar que as três opções de roupas eram lindas, eles tinham mesmo levado minha opinião a sério. Os sapatos e jóias também eram muito bonitos, embora elas fossem um pouco extravagantes.
— Quero essa roupa, esse sapato e apenas essa pulseira — falei, apontando para cada coisa que queria.
— Desculpe, querida, mas você tem que escolher algum colar ou brinco. Pulseira é o que menos aparecerá na câmera — um rapaz da equipe falou, fazendo biquinho.
— Na verdade, você deveria escolher um anel também. Ir completa. Você é linda, menina. Olhe esse conjunto de esmeralda, vão ficar lindos em você, combina com seus cabelos negros — uma garota falou,empolgada. Quase cedi apenas para não contrariá-la.
— Não. Já acho que vou desmaiar com tanta gente me olhando, não quero chamar ainda mais atenção.
Eu sabia que o conjunto era lindo, mas não queria ter que usar todas aquelas coisas e chamar ainda mais atenção pra mim.
— Promete que, se for selecionada, você usa esse conjunto quando for para o palácio? — o rapaz me pediu, o mesmo que me falou que precisava escolher ao menos um colar ou brinco.
Lembrei de falando que eu não chegaria ao palácio, então foi fácil prometer. Seria uma promessa que nunca precisaria cumprir.
— Claro — falei e as quatro pessoas à minha frente bateram palminhas.
Logo o rapaz e a garota estavam pintando minhas unhas, passando minha roupa e até se oferecendo para me trocar – o que neguei veementemente. Depois, uma segunda garota fez meu cabelo, e uma terceira, a minha maquiagem. Cerca de duas horas depois de chegarem, eu estava pronta.
— Se olhe no espelho — o rapaz pediu.
Caminhei até o espelho e, por um segundo, fiquei sem saber como respirar. Eu estava linda, era verdade, mas nunca estive tão distante da garota que eu era.
Uma dor no peito parecia apertar meu coração e me tirar todo ar. Para não cair, tateei pelas paredes até encontrar minha cama.
— Você está bem? — uma das garotas perguntou, não sabia quem.
— Levante-se, vai amassar toda a sua roupa — a outra disse.
Tentei manter a calma, inspirar e expirar algumas vezes, mas não consegui. Meus pulmões ardiam e meu cérebro parecia entrar em colapso. Eu não conseguiria fazer aquilo.
— Vão pegar um pouco de água. Ela está passando muito mal! — acho que ouvi o rapaz gritar.
Provavelmente, minha mãe escutou. Logo ela estava de joelhos na minha frente.
? Filha? Consegue me escutar? Filha, olhe pra mim, tente ficar calma. Respira, respira.
Eu queria chorar, mas nem mesmo lágrimas saíam dos meus olhos.
Aos poucos, fui conseguindo focar na minha mãe e fazer o que ela me pedia. Não sei quanto tempo precisei até me acalmar, mas, quando dei por mim, já estava dentro do carro rumo à praça. Eu só conseguia pedir aos céus para não desmaiar quando chegasse lá. Minha família não precisava daquilo.

A nossa aparição na praça foi muito melhor do que eu esperava. Não precisamos falar mais do que um minuto. No resto do tempo, apenas assistimos ao compilado sobre a vida de cada menina. Obviamente, nossa reação estava sendo filmada e passada em miniatura no telão da nossa praça, mas, ainda assim, foi muito melhor do que eu pensava que seria.
Na saída do palco, acabou me abordando.
— Você foi maravilhosa, . Sempre se expressando tão bem — e vi que ela estava sendo sincera.
— Obrigada, . Você também foi — sorri.
Eu já pretendia seguir, quando minha amiga me puxou para um abraço. Percebi que ela chorava.
— Eu me sinto tão culpada por ter te metido nessa. A Jane me falou que você tava super mal o dia todo. , eu juro que não queria isso.
Afastei com cuidado minha amiga e sorri ao olhá-la nos olhos.
, eu quis entrar com você. Obviamente não esperava que fosse sorteada, mas eu sou a responsável por isso. Era meu o dever de pensar nas consequências. Não deixe de aproveitar esse momento apenas porque não estou tão feliz quanto você.
— E hoje eu fui tão egoísta. Minha intenção ao te ligar era mostrar que não precisava se desesperar, mas, no fim, apenas soou como se eu estivesse feliz com sua tristeza.
Não pude deixar de me sentir feliz ao ouvir aquilo. Não tinha perdido minha amiga. O ego da coroa não tinha a afetado como achava que tinha.
— Tá tudo bem, . Não se preocupe com isso.
— Obrigada e me desculpe por tudo isso.
Sabendo que tinham pessoas me esperando, puxei-a para um abraço e falei em seu ouvido:
— Deixa disso, não tem o que se desculpar. Te amo, .
— Te amo, .


👑👑👑


Nos dois dias seguintes, que seriam os dias de votação, a gente ganhou acesso a um site compartilhado entre as setentas garotas, onde tínhamos o dever de atualizar com qualquer que fosse a coisa, ao menos cinco vezes ao dia. Me restringi ao número mínimo, assim como mais algumas, mas , por exemplo, postou mais que o dobro disso.
Pelo que via, já existiam as preferidas, e algumas delas nem precisaram postar tanto para isso. Os prefeitos de algumas cidades estavam empenhados em levar sua garota para o palácio. Orgulhei-me ao ver que minha amiga, mesmo sem esse incentivo extra, estava nessa lista. Ainda não queria que ela ganhasse aquela votação – já que, ganhando, ela me colocaria direto dentro do palácio –, mas queria que, quando ela entrasse, já fosse querida.
No terceiro dia, o qual só éramos obrigadas a postar três vezes, era o dia em que o resultado seria divulgado. Todas nós fomos levadas à Angeles para estarmos todas juntas quando o resultado fosse dado. Cada dupla viajou em um avião.
— Dá pra acreditar nisso, ? Estamos em um avião real — disse, quicando na poltrona.
— Na verdade, esses aviões não são reais, apenas foram alugados pela coroa.
— Para de ser estraga prazeres, sua chata — falou, me chutando de leve. — Aproveita o momento.
Ela estava certa. Mesmo que não concordasse com aquilo, eu precisava relaxar e aproveitar de um extremo conforto que, provavelmente, jamais voltaria a ter.
Tomei um pouco do suco que nos serviram e depois fechei os olhos, agradecendo pelo fim que seria dado àquela história toda em poucas horas. Obviamente, eu já não era uma anônima, mas, alguns meses depois, eu, de certo, cairia no esquecimento e teria minha vida outra vez.
Não poderia estar mais enganada.

Nunca achei que usaria algo tão deslumbrante em minha vida como estava usando naquele momento. Meu vestido longo – exigido para todas as garotas – tinha um tom rosa claro. Meus ombros eram cobertos por um tecido transparente com pérolas, que também ficava por cima do vestido por completo. O vestido rosa-claro não tinha mangas, além do tecido transparente, e era justo até minha cintura, onde se abria um pouco formando uma saia leve e cheia de tecido, mas não armada, já que me recusei a usar algo armado. Eu me sentia linda e feliz por saber que pegaria minha carta de alforria.
Sorri na frente do espelho e aceitei de bom grado o abraço da equipe que me desejava uma sorte que não fazia nem um pouco de questão de ter.
As setenta garotas foram distribuídas em dois grupos, que ficaram no lado esquerdo e direito do salão de filmagem. Como eles queriam que as duas garotas de cada província se sentassem perto, um lado tinha duas garotas a mais que o outro.
— Dá pra acreditar que estamos vestindo algo assim? — indagou quando chegou ao meu lado.
— Com toda certeza, não — respondi aos risos.
— Espero que possa levar pra casa. Quero poder usá-lo antes de voltar ao palácio.
Não pude responder sua frase, já que, no segundo seguinte, pediram silêncio para começarem a gravar.

O mestre de cerimônia oficial da coroa entrou no palco e começou a falar várias mentiras que justificavam a volta da Seleção. Depois disso, a palavra foi passada ao rei, que falou de maneira breve mais algumas mentiras. Depois, foi anunciado quem daria o resultado.
— Cheguei aqui achando que quem anunciaria a ganhadora da votação fosse eu. Mas, ao chegar aqui, nossa equipe achou nada mais justo que o próprio príncipe dizer quem será sua primeira pretendente. Alteza, junte-se a nós e nos dê o prazer de saber quem dessas maravilhosas garotas foi escolhida para ser parte efetiva da Seleção.
Ainda bem que a câmera não estava focada no príncipe naquele momento, porque eu, que estava olhando para ele, pude ver o horror percorrer seu rosto ao receber aquela notícia. Me perguntei por que não tinham avisado-o antes. Príncipe precisou de alguns segundos para conseguir se levantar e caminhar até nosso mestre de cerimônia, mas enfim chegou lá.
— Vocês ainda vão me matar de coração — ele brincou, certamente tendo noção que, se a câmera estivesse focada nele na hora, todos de Illéa veriam sua reação.
— Jamais, Alteza. Quero vê-lo bem e feliz ao lado de uma dessas garotas — Cail disse, puxando o príncipe para um abraço. — Pode nos dar a honra de conhecer qual delas já faz parte das trinta e cinco garotas? — indagou, enquanto colocava o envelope nas mãos do príncipe.
— Claro.
Tenho certeza que esperavam mais suspense e paciência do príncipe ao anunciar quem tinha ganhado a votação, mas ele foi rápido e desesperado. Não tive tempo de me preparar para o que estava por vir. Antes que pudesse puxar o ar para meus pulmões, escutei uma notícia ainda pior que ouvir meu nome sendo tirado daquele cesto três dias atrás.
— E a nossa amada Illéa decidiu que essa garota será... Mitchell.
gritou alto e depois me agarrou aos prantos. Demorei cerca de um minuto para chorar também. Mas, enquanto ela me abraçava, querendo compartilhar sua felicidade e chorando de prazer, eu a abraçava em busca de consolo, e cada lágrima que caía era de tristeza e desespero.
tinha conseguido ganhar. era a primeira garota da Seleção. E eu, , a garota que escrevia contra o atual governo, era a segunda.


Capítulo Quatro

Todas as garotas já haviam sido encaminhadas para o hotel e seguiriam para suas casas no dia seguinte. Com exceção de Mitchell, que permaneceria lá até que as outras participantes fossem selecionadas. Sua família seria encaminhada para o hotel para passar os próximos três dias que antecederiam a divulgação da lista oficial ao lado da garota.
Embora a divulgação da escolhida tenha dado uma das maiores audiências dos últimos tempos, o rei não parecia tão contente com o resultado.
— Você viu a forma como ele anunciou, Daisy? — o rei perguntou à esposa. — Viu como ficou nítido que aquilo era um sacrifício para ele?
— George, ele apenas estava nervoso. Você deveria entendê-lo. Há anos não existe Seleção. Não ficaria nervoso se tivesse passado por isso?
O Rei George deu um sorriso debochado para a esposa.
— Talvez uma Seleção fosse tudo o que eu precisasse agora. Um monte de garotas lindas à minha disposição. Talvez eu até encontrasse uma melhor que você.
A rainha não pôde responder. Um dos conselheiros apareceu no momento, anunciando que a presença do rei era necessária na sala de reuniões para tratar de alguns assuntos orçamentários.
— Converse com seu filho, Daisy. Eu mato aquele garoto se isso não sair como planejei — ele cochichou.
Como sempre era na frente das pessoas, ela retribuiu as palavras com um sorriso e um beijo no rosto do esposo como se tivesse escutado a mais linda declaração.
— Também amo você, George.
Assim que virou as costas, falou consigo mesma.
— Um dia ele morre e você não precisará conviver com ele. Ele há de morrer.

A Rainha Daisy tinha muitos defeitos. Era distante do povo e da família, dissimulada e ambiciosa, mas ninguém poderia contestar seu amor pelos filhos, embora ela demonstrasse pouco. Assim que deixou o marido no corredor, seguiu para o quarto do filho para tentar arrumar as coisas.
— Posso entrar? — perguntou.
— Claro, mãe.
se levantou e, como de costume, beijou a testa da mãe e a abraçou rapidamente.
— O que te traz aqui?
— Seu pai não gostou muito do seu jeito no programa hoje. E embora eu odeie dar razão a ele, acho que realmente você poderia ter sido melhor na sua performance.
— Performance? Mãe, é o meu futuro que está em jogo!
— Filho, é o seu dever como príncipe. Você sabe que deve fazer o que for necessário para o bem do povo.
sabia que seria muito melhor se manter calado, mas, ao ouvir aquilo, toda sua tensão e seu estresse guardado desde que aquela maldita Seleção começou, atingiu o ápice.
— Dever? Isso não seria meu dever se meu pai realmente trabalhasse pelo bem do povo. Além do mais, isso está longe de ser pelo povo, é apenas pela coroa. E ainda que você estivesse certa, acho que seria a pessoa errada para me dizer isso.
Ele viu sua mãe mudar de feição e, aos poucos, seu rosto assumir uma expressão de indignação.
— Isso é uma crítica à sua mãe?
Era tarde demais para voltar atrás nas palavras ditas, agora iria até o fim.
— O que a senhora tem feito pelo povo? Qual foi a última vez que “sujou” suas mãos reais para fazer algo além de aparecer esporadicamente em eventos beneficentes? Até mesmo o rei faz mais do que você.
— Acha que nunca amei Illéa? Acha que sempre foi assim?! — a rainha indagou, consternada. — Esse país já foi tudo para mim. Eu vim da Nova Escócia decidida a viver meu dever para com o povo. Mas, há anos, Illéa se transformou em meu motivo de vergonha. Não há uma vez em que eu saia em público e não tema encontrar uma das mulheres do seu pai. Eu já tive que me inclinar para uma plebeia porque ela exigiu que eu fizesse isso ou diria no meio do evento que dormiu com o rei. E quando fui falar com o George, sabe o que ele disse? Incline-se.
Escutar tudo aquilo somado ao rosto consternado da mãe fez com que recuasse um pouco em suas palavras. Respirou fundo, baixou o tom e falou:
— Mãe, todas essas garotas estão vindo para o palácio sonhando com um romance encantado. Você viu a cara da menina que venceu? Ela chorava desesperadamente por ter sido selecionada. Aquilo não poderia ter me assustado mais. Elas estão vindo à procura de um amor que provavelmente não vão ter.
— Nem tudo se resume a amor, . Você dará a essa menina ao menos alguns meses de uma vida que, sem a Seleção, ela nunca teria. Ainda que acabe com ela, a vida dessa garota vai melhorar como ela nunca imaginou. E isso, muitas vezes, é o que basta. O que uma mulher poderia querer de melhor?
— Então, talvez, a senhora não tenha tanto o que reclamar da sua vida.
— Eu quase sempre odeio seu pai, mas minha família, embora tivesse título, estava fracassada. Não me arrependo de ter me casado. Morar com George é muito melhor que ter que vender todos os bens e viver como uma simples plebeia.
queria vomitar ao escutar aquilo. Que saudade sentia do avô. Foi a única pessoa com escrúpulos que chegou a conhecer.
— Além do mais, ganhei você e o George. E meu amor por vocês transforma tudo em algo suportável.
Mesmo diante daquela declaração, ainda se sentia enojado.
— Por nós e pelo dinheiro.
— Sim — a rainha respondeu com calma. — Mas, ainda que você não me admire, não duvide do que sinto por vocês. Você e seu irmão seriam os únicos motivos que me fariam deixar o dinheiro de lado. Apenas vocês.
se manteve calado. Era muito melhor do que dizer que não conseguia acreditar de verdade naquilo.
— Preciso ir — a rainha falou. — Mas não esqueça do que falei, . Gostando ou não, esse é o seu dever. E sabendo quem é seu pai, sugiro que o cumpra com excelência.
Assim que ficou sozinho no quarto, quis quebrar tudo o que tinha ali, mas a verdade é que ele nunca foi dado a esse tipo de atitude. Quando finalmente se acalmou, escutou outra batida no seu quarto, mas decidiu ignorar. Até que viu a porta ser aberta mesmo sem sua autorização e seu irmão aparecer lá dentro, parecendo em pânico.
— Preciso que você faça alguma coisa pela outra menina que é da província da tal . Resolvi sair mais uma vez escondido e, assim que cheguei no bar, escutei algumas pessoas conversando e dizendo que já sabiam como mandar uma mensagem para a coroa. Era só atingir a única selecionada que eles têm acesso. Certamente, será mais ovos e comida podre, mas, ainda que seja algo que não mata, essa menina não tem culpa, .
— Como assim? Do que você tá falando?
— Não precisa ser muito inteligente para entender que, se escolhermos mais uma de cada província, essa menina já está dentro, . O povo entendeu, e quem nos odeia agora, odeia ela também. Seu nome é , e agora, ela é o alvo.



Capítulo Cinco

A noite após o resultado foi uma das piores da minha vida. Eu não conseguia acreditar que um favor a uma amiga tinha mudado tanto o meu caminho. Tentei conter as lágrimas que insistiam em cair. Sabia que, provavelmente, teria fotógrafos no aeroporto e não queria estar de cara inchada em todos os jornais e revistas.
Conter as lágrimas até que foi uma tarefa fácil, mas dormir foi algo quase impossível. Eu tentava me enxergar no palácio e sempre acontecia algo de ruim no fim de cada visão. Eu perdia a amizade da , era presa, era presa em meu lugar e até mesmo me casava com o príncipe e era condenada a uma vida infeliz ao lado de alguém que eu não admirava.
No dia seguinte, depois de ter dormido o que me pareceram poucos minutos, levantei crendo que teria ao menos uns três dias de vida normal. Mas, assim que abriram a porta do quarto em que eu estava e eu levantei com minha mala, fui recebida por um homem que parecia falar um monte de coisas sem nexo.
Ataque... sua casa... família... O tal homem continuava a contar uma história que meu cérebro ainda era incapaz de compreender.
— A senhorita está bem? — ele perguntou, finalmente percebendo minha incapacidade de acompanhar a história.
— A-ata-atacaram minha família? — consegui me forçar a perguntar enquanto sentia meu corpo inteiro tremer.
— Não! Senhorita, mantenha a calma. Sua família está bem.
— Mas você disse...
Uma das criadas que me ajudou durante minha estadia no hotel se aproximou e me guiou até a cama.
— Fique calma, senhorita. Ele não disse que sua família foi atacada. Mantenha a calma.
— Isso mesmo. Estou dizendo que algumas fontes nos informaram que um grupo pretende ir até sua casa e jogar coisa em vocês, assim como fizeram com a família real. Acredito que a senhorita saiba o motivo.
Não. Eu não fazia a mínima ideia do porquê era alvo do ódio de pessoas que eu nem conhecia.
— Não faço a menor ideia.
— A senhorita, embora ainda não oficialmente, é uma das selecionadas. O povo percebeu isso e alguns decidiram atacá-la para então ferir a coroa.
Olhei para onde estava e rapidamente a possibilidade de ser atacada sumiu da minha mente. Eu estava muito bem segura. Só que isso não me acalmava em nada. Apenas me deixava culpada. Enquanto me encontrava segura, minha família corria risco. Afinal, quem poderia me dar a certeza de que seriam apenas frutas e pedras?
— Minha família! Como está minha família?
— Foi dela que vim falar, senhorita. A senhorita não voltará para casa e sua família virá ao seu encontro até que todas as selecionadas sejam divulgadas e, assim, possamos fazer a segurança de sua família de forma direta.
— Eles virão para o hotel?
— Não podemos hospedar nenhum de vocês aqui. De acordo com as normas, a senhorita só poderá ter os privilégios de selecionada depois que anunciarem seu nome oficialmente. E hospedar vocês aqui seria dar a mesma coisa que a senhorita está tendo. Então, nossa ajuda será de forma informal, e desde já, peço que mantenha sigilo.
— Se vocês não podem fazer a segurança da minha casa e nem podem nos deixar aqui, o que irão fazer?
Eu não podia acreditar naquilo tudo. Uma decisão, além de me colocar no meu maior pesadelo, agora tinha colocado minha família também.
— Nenhum lugar será mais seguro e longe de curiosos que o castelo. Claro que a senhorita e sua família não ficarão hospedadas efetivamente lá. Mas tem uma casa, que era de um antigo funcionário, que fica dentro da propriedade e está desocupada. Ela abrigará vocês.
— Eu vou para o castelo?
— Preciso que a senhorita entenda que não frequentará o castelo de fato. Não chegará nem perto dele, para ser sincero.
Aquele homem parecia dizer aquilo como uma repreensão. Ele achava que eu ficaria desapontada ao escutar suas palavras, mas, na verdade, elas me confortavam. Tudo que eu menos queria era perder para aquela maldita Seleção meus últimos três dias perto da minha família. Diante das circunstâncias, de qualquer forma eu já os havia perdido, mas saber que eu ficaria bem longe do castelo de fato era um conforto.
Não sei se demorei tempo demais calada, mas quando dei por mim, o homem já estava indo embora. Chorei assim que fiquei sozinha. Minha criada havia ido cuidar para que minha mala fosse levada ao castelo, e eu me encontrava encolhida na cama, como se aquela posição me deixasse um pouco mais segura para o que viria.


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Quando cheguei à casa, minha família já estava lá. Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, minha mãe veio me dar um abraço apertado.
— Filha, como você está? Você está bem? — indagou, enquanto examinava cada parte do meu corpo com aquele olhar cuidadoso que apenas mães sabem ter.
Antes mesmo que eu pudesse responder, meu pai também veio me abraçar e fazer suas próprias perguntas.
— Foi calmo até aqui? Você sabe quando poderemos ir embora? Como você está? Pode nos falar a verdade.
— Gente, já falei pra vocês ficarem calmos. Olha só onde estamos. Acham mesmo que precisa de todo esse drama? — não precisei olhar para saber que aquela voz cheia de impaciência era da Jane.
— Jane — comecei, irritada —, será que você sabe que fomos trazidos para cá porque as pessoas queriam nos ferir de alguma forma?
— E agora nos encontramos no castelo. O lugar mais seguro que esse país tem. Não perdemos nada com isso. Só teremos mais conforto. Deixa de drama.
Não sei bem o motivo, mas quando percebi, estava chorando e praticamente gritando com Jane.
— A família Schreave anda pouco se importando conosco por anos, Jane. O povo foi deixado de lado por todo esse tempo, e, agora, para tentar nos manipular, ela nos joga nesse jogo insano que é a Seleção. Passarei sei lá quanto tempo disputando com garotas que eu nem sei quem são. Disputarei algo que nem quero com minha melhor amiga. Nenhuma dessas garotas terá a chance de viver o conto de fadas que sonha, porque sabemos que isso não passa de uma manipulação barata da coroa. E tudo, Jane, tudo que eu queria era poder ir pra minha casa e viver ao menos três dias da vida normal que eu tinha. Mas, em vez disso, estou presa em um lugar com muros enormes porque minha família, quer sua mente oca enxergue ou não, está em perigo. Você acha que seria trazida aqui a troco de nada? A ameaça é real, Jane. Então não me peça para deixar de drama. Não me faça te suportar menos do que eu já não suporto várias vezes.
Assim que terminei de falar, Jane me encarou de nariz empinado, mas com lágrimas nos olhos.
— Eu sinto muito não ser a irmã que você sonhou ter, mas se quer saber, prefiro muito mais eu do que você.
Ela seguiu para onde provavelmente era o quarto e minha mãe foi atrás, já meu pai me deu um abraço.
— Entendo sua revolta e seu medo, mas não desconte em quem não merece, está bem? A Jane não faz por mal, ela apenas admira a família real, coisa que não é incomum. Não dá pra culpar um cachorro de caça por caçar, ele foi criado e educado para isso. E caso você queira mudá-lo, essa mudança não será da noite para o dia.
— Eu só... — eu sabia que tinha errado em algumas palavras, mas será que a Jane não podia ser um pouco mais sensível?
— Você está sobrecarregada e assustada, meu amor. Acredite se quiser, até mesmo a Jane sabe disso — ele disse e, depois, beijou minha testa. — Apenas não esqueça que sua família te ama e sempre estará com você.

Já era noite e Jane e eu ainda não tínhamos conversado. Sendo muito sincera, eu não tinha certeza se queria ter aquela conversa. O dia havia sido pior do que eu imaginava e sentia que aquela conversa poderia deixá-lo ainda pior.
Estávamos sentados à mesa para jantar. Um funcionário do castelo havia deixado tudo pronto para nós e eu seria muito ingrata se falasse que a comida não era a melhor que eu já tinha colocado na boca.
— Minha nossa! — Jane exclamou assim que colocou a primeira garfada na boca.
— Isso é divino! — meu pai também exclamou aos risos e fez todos nós rirmos juntos.
— Eu poderia comer essa mesma coisa por toda a minha vida — minha mãe disse e eu concordei com a cabeça.
— Achei que eles fossem mandar os insumos para que nós mesmos fizéssemos nossa comida.
— Acredito que isso daria um pouco mais de trabalho. Eles teriam que permitir que algum de nós fosse ao castelo pegar o que a gente julga que precisa. E o homem que me visitou deixou claro que nem chegaríamos perto do castelo de fato.
— Quando o Justin souber... — Jane começou, mas eu a interrompi.
— Não! Não, Jane. Você não pode falar disso com ninguém. Nem mesmo com seu noivo.
— Quem vem ao castelo e guarda segredo? — ela perguntou, chocada.
— Havia até a possibilidade de que vocês fossem feridos, Jane. Por isso viemos para cá. Mas a coroa está fazendo isso por baixo dos panos. Isso foi uma medida de emergência para tentar consertar um problema que eles mesmos causaram. Só que eu ainda não fui apresentada como selecionada. Não deveria estar junto com vocês comendo essa comida deliciosa. A coroa não permitiu que nada disso fosse divulgado. Se essa história sair, não sei de que forma podemos ser punidos.
— Eles te falaram isso?
— O que você acha?
— Mas o Justin...
— Filha — minha mãe interveio —, acho melhor não arrumarmos problemas para a e para nós mesmos.
— Esse segredo todo faz com que eu me sinta uma prisioneira — ela reclamou.
Jane finalmente havia visto as coisas da forma como todos nós víamos.
— É basicamente o que somos por esses três dias, Jane.
Tenho quase certeza que se a comida não fosse tão gostosa, Jane teria perdido o apetite. Porém, ela comia tudo de maneira furiosa e magoada.
Antes que eu terminasse minha janta, ouvimos alguém bater na porta, e eu, como a responsável pela casa, fui atender. Grande foi o choque ao ver que quem estava do lado de fora era o príncipe George.
— Boa noite, senhorita.
Fiquei tanto tempo paralisada que quase esqueci que deveria fazer alguma reverência. Coisa que o príncipe parecia esperar.
— Alteza — finalmente falei e me curvei um pouco. — Aconteceu algo?
— Alteza?! — ouvi meu pai falar um pouco alto e, quando virei, minha família estava chocada encarando o homem na porta.
— Boa noite a todos. Interrompi algo? — ele perguntou ao ver que Jane segurava um garfo.
Como minha família parecia chocada demais para falar, expliquei.
— Estávamos terminando o jantar, mas está tudo bem. Aconteceu alguma coisa? — tornei a perguntar.
O príncipe demonstrou perceber que, talvez, uma conversa na frente da minha família fosse algo grande demais para exigir segredo. Então, ele me convidou para sair da casa.
— Poderíamos conversar um pouco aqui fora, senhorita?
Não sabia se queria conversar com ele, mas achei prudente ir.
— Claro.
Então saí, fechando a porta atrás de mim.
— Meu irmão queria ser a pessoa que viria até aqui, mas você deve imaginar que a Seleção está deixando-o bastante ocupado. Fora que seria um escândalo imenso se descobrissem que vocês se viram.
— Compreendo.
— Então ele me pediu que viesse até aqui primeiro para se desculpar por todos os transtornos. E também para saber se estão bem instalados.
— É uma boa casa — falei, sem saber bem o que responder.
— Quero que saiba que as desculpas dele também são minhas.
— Acredito que desculpas não mudarão muita coisa — falei sem pensar, e então me dei conta, ficando sem saber o que fazer.
— Não, senhorita, nossas desculpas não mudarão nada. Mesmo assim, espero que as aceite.
Fiquei calada. O príncipe acabou rindo.
— Percebo que o terá ao menos uma garota difícil para lidar. Informarei isso a ele.
— Não sou difícil — rebati. — Apenas acho que não há clima bom para que algo legal seja dito.
— Não está feliz de ter sido selecionada?
Eu tinha a resposta pronta, mas sabia que não poderia falar a verdade. Aquilo poderia me colocar em problemas, ainda mais porque, até onde eu sabia, o príncipe que estava falando comigo era o problemático.
— Não esperava que minha família corresse perigo. Apenas isso.
— Compreendo. Mas, bom, gostei de você — ele falou com um sorriso no rosto. — Sempre gosto de alguém que possa tirar meu irmão do sério e você parece capaz disso — ele acabou rindo de verdade, tanto que suspeitei ter perdido a piada. — Agora preciso ir, senhorita. Ninguém pode saber que estive aqui, peço sigilo da sua parte e da sua família.
— Manteremos segredo, Alteza.

No dia seguinte, fomos abençoados com um café da manhã que parecia superar o jantar, se é que isso era possível. O almoço conseguiu superar as duas outras refeições. E o nosso segundo jantar quase fez todos chorarem.
— E eu achando que o que comíamos era comida — minha mãe falou.
— Você cozinha tão bem quanto eles, meu amor — meu pai lhe falou enquanto fazia carinho em sua mão.
Jane e eu suspiramos.
— Vocês são tão lindos — Jane disse, encantada.
Meus pais eram assim: do nada transbordavam amor. Jane e eu não poderíamos ser mais abençoadas de tê-los como pais.
— Eu não queria estar aqui, mas fico feliz que estejamos todos juntos — meu pai disse e a gente sorriu em resposta.
Ele estava certo. Aquilo era bem mais fácil tendo-os ali.
Não tardou para que escutássemos alguém batendo na porta. Todos se levantaram num pulo, suspeitando que fosse o príncipe como na noite passada. Estávamos certos.
— Alteza — falamos juntos.
— Boa noite. Senhorita , poderia me acompanhar? — e logo foi se retirando da casa.
— Ele nos ignora — ouvi Jane cochichar e fiquei triste por ela só ter percebido agora.
— Meu irmão praticamente me obrigou a vir aqui te entregar isso. Concluo que saiba que ninguém pode saber disso — ele advertiu enquanto me dava uma carta.
— Pode deixar.
— E isso inclui sua família — ele tornou a advertir.
— Pode deixar — repeti, mesmo com vontade de dizer que minha família era de muito mais confiança do que ele.
— Não retornarei a essa casa, então acho prudente me despedir da sua família.
— Certo — foi o que consegui dizer.
Porém, quando achei que ele fosse entrar na casa, ele voltou-se para mim de maneira intrigada e falou:
— Queria acreditar que você é apenas uma menina irritante, senhorita . Ou que você é uma das muitas garotas apaixonadas que serão anunciadas amanhã, mas você não me convence em nenhum dos papéis. E, se quer saber, isso me deixa bastante preocupado.
Meu coração gelou e eu achei que fosse colocá-lo pela boca. Meu Deus, ter o príncipe como inimigo quando se vai morar em sua casa é bem pior do que eu imaginava para os meus dias de seleção.
— Como? — consegui perguntar, mesmo com medo da resposta.
— Há algo que não sei decifrar, mas que me deixa preocupado. Não só pelo meu irmão, que pode acabar se machucando nesse processo, mas também por você. Meu pai certamente também perceberá isso, e sinto informar, não será nada bom para você. Suspeito que meu irmão também vá, mesmo que sua beleza seja perturbadora. E, bom, é um completo cavalheiro em noventa por cento do tempo, mas não o queira como inimigo.
— Eu não quero ser inimiga de ninguém — falei com o coração aos pulos e com a mão tremendo.
Rapidamente coloquei as mãos para trás para que ele não percebesse.
— Mas, apesar de tudo, me simpatizei com a senhorita. Então, se quer um conselho, aprenda a jogar ou terá problemas nesses meses.
Uma ira cresceu dentro de mim ao ouvi-lo meio de forma discreta chamar tudo aquilo de jogo. Isso foi mais um motivo para minha mão tremer.
Coloquei as mãos para frente e apertei uma à outra para tentar conter os tremores enquanto falava de forma controlada.
— É algo que envolve os sentimentos do seu irmão. Acho que o senhor não deveria me mandar aprender a jogar numa situação dessa.
— A vida é um jogo, cara senhorita . E eu não sei você, mas gosto de saber para onde minha peça está sendo levada. Além do mais, a senhorita me parece esperta demais para entender o que quero dizer. Não vamos agir como rebeldes que problematizam tudo.
Eu sabia, bem lá no fundo, que ele não fazia ideia que estava falando com uma possível rebelde. Mas ouvi-lo proferir aquelas palavras me causaram calafrios. Quis vomitar. Mesmo tentando manter uma postura equilibrada, passei os braços ao redor do corpo. Poderia me fazer parecer frágil, mas era a única maneira de me manter em pé.
— Agradeço os conselhos, Alteza.
— Vamos entrar. Saudarei e me despedirei da sua família.
Tudo que o príncipe George falou lá dentro não foi captado por mim. Na minha mente, um alarme havia soado e tudo que eu queria era estar bem longe dali, ou, ao menos, ter minha família longe. Se eu fizesse algo errado, queria arcar com tudo sozinha.
Assim que ele nos deixou, segui para o meu quarto com a desculpa que estava com dor de cabeça. Peguei meu computador para escrever, mas não consegui concluir nada. Queria dizer ao povo que vivíamos em um jogo maluco onde nós, súditos, além de não ditar nenhuma regra, ainda estaríamos sempre em desvantagem. Queria falar para eles que todos jogam, mesmo os que se omitem. Mas, nesse caso, eles eram os peões do lado da monarquia, os sem título algum que eram quase sempre os primeiros a morrer. Porém, nada disso eu conseguia colocar na página em branco que estava na tela do meu computador. Queria socar alguma coisa. Era frustrante aquela sensação de estar de mãos atadas em uma situação que você precisa muito fazer algo.
Depois de alguns minutos de choro, decidi ler a carta que o príncipe havia me enviado. Sabia que havia possibilidades de me assustar ou me revoltar ainda mais, mas eu preferia a leitura a ter que ficar imóvel na cama.

“Boa noite, senhorita . Eu, na verdade, estou escrevendo isso durante à tarde, mas como sei que meu irmão só irá entregá-la à noite, resolvi te saudar no seu tempo e não no meu.
Provavelmente, seus dias aqui no castelo devem estar sendo entediantes e maçantes, ainda mais quando não se pode sair de casa, como é seu caso. Mas eu espero que esteja gostando de algo. Assim como sua família, não podemos esquecer dela.
Queria começar lhe pedindo desculpas por todo o transtorno. Estou acostumado a viajar muito, mas sei que nada supre a sensação boa que é estar em casa. Então, me desculpe por tudo isso.
Sou muito próximo de meu irmão, e, de alguma forma, me sinto próximo também de você. Então, queria pedir desculpas por qualquer besteira que ele tenha lhe falado e também para não odiá-lo. Ele fala demais, mas é um bom cara. E, talvez, você não deva ter essa impressão agora. Ele me falou que será engraçado lidar com você, que você parece difícil – de um jeito bom. Confesso que isso me deixou ansioso e assustado, mas estou tentando acreditar que é apenas uma brincadeira dele.
Não se pelo jeito implicante do meu irmão, ou algo assim, mas temo que você não seja uma das garotas mais empolgadas. Entenda que ele não me disse nada, mas anos de convivência me permitem lê-lo com uma certa facilidade. Mas espero não trazer mais tristeza para a senhorita.
Quando nos encontrarmos, espero que separe um tempo para conversarmos. Estou ansioso para conhecê-la de fato.
Com cuidado, Príncipe Schreave.”

Ao terminar a leitura, percebi que teria que ser ainda mais cuidadosa do que achava que fosse precisar. Embora o príncipe tenha dito que seu irmão não lhe disse nada, tinha ficado óbvio que ele estava com algumas ressalvas, e se eu não tomasse cuidado, poderia me meter em muitos problemas.
A sensação de que estava aprisionada aumentou dentro de mim e, antes que eu percebesse, já estava derramando algumas lágrimas. Gozando do que poderia ser meu último grito de liberdade, resolvi escrever para o site.


“Está confuso para todos.
Não sei muito bem o que escrever para vocês hoje, mas algo dentro de mim queima dizendo que eu deveria fazer isso. Me sinto confusa, sem saber no que acreditar, e parte de mim também está amedrontada. Eu não sabia que os últimos acontecimentos de Illéa poderiam mexer tanto comigo. A verdade é que estou confusa e acredito que esteja ou vai ficar confuso para todo mundo.
Daqui a menos de vinte e quatro horas, vocês conhecerão as outras 35 garotas – ou seriam 34? – que formarão o time das selecionadas. Cada passo delas vai chamar atenção de vocês, um por um. Os possíveis romances vão despertar sentimentos que parecerão estar sendo vividos por vocês e não por eles, e, então, pouco se lembrarão do que está acontecendo ao redor.
Que fique claro que não repudio quem assistir ao programa, eu mesma serei uma telespectadora presente. Mas vocês não podem se esquecer que são vidas, pessoas que têm vivências diferentes das nossas. E, principalmente, não podem se esquecer que isso aqui ainda é um pão e circo, a Seleção continua tendo um objetivo muito diferente do contado.
As meninas não são vilãs, o príncipe – meu maior motivo de confusão – talvez seja, ou talvez não seja. Mas existe um vilão, e ele quer nos enganar. Consuma a cultura inútil que é a Seleção, mas não esquecendo que um dia ela acaba, e os problemas do país não.
Está todo mundo confuso e eu sei. Mas não se esqueça quem é o verdadeiro vilão e quem você deve combater de verdade.”

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A manhã do dia seguinte teve clima de despedida, embora ninguém tenha falado nada. Durante a tarde não houve muito tempo para este clima, já que, entre o início e o fim da manhã, os funcionários da família real nos levaram de volta para nossa casa a fim de que o prefeito pudesse me parabenizar quando meu nome fosse dito naquela noite. O plano anterior proposto pelos organizadores era que, após o sorteio, ainda houvesse mais dois dias para então sermos confinadas no palácio. Mas, graças ao problema que enfrentei, os planos foram mudados e embarcaríamos na manhã seguinte.
— Nunca pensei que fosse dizer isso, mas estava com saudade daqui — Jane falou e meus pais riram. — Sério!
— Todos nós estávamos, filha — meu pai disse enquanto beijava a testa dela.
— Vai ser estranho não te ter mais aqui, — minha irmã falou, do nada, e não consegui esconder a surpresa.
Provavelmente, meus pais acharam que seria um bom momento para nos reconciliarmos, porque, quando olhei, eles já haviam nos deixado a sós.
— Vai ser estranho não ver mais vocês também.
— Não quero que vá embora assim. Não quero estar brigada contigo. Sabe-se lá Deus quando você volta.
— Acredito que rápido — respondi, ainda sem saber muito o que dizer. — Mas também não quero ir embora com a gente assim.
Jane ergueu um pouco a mão e então falou:
— Bem novamente?
Apertei sua mão em reposta.
— Bem novamente.
Jane me puxou para um abraço.
— começou a falar assim que me soltou —, você sabe que as meninas receberão algo pelo tempo que ficar lá, né? Graças a Deus não passamos fome nem nada, mas esse dinheiro viria muito a calhar, principalmente para sua faculdade. Mamãe e papai se culpam por não ter me dado essa chance, embora eu já tenha explicado a eles que nem é meu sonho. Também sou nova e posso fazer depois de casada. Você é a menina inteligente da casa, sabe que eles farão até o impossível para te dar isso.
— O que você quer dizer?
— Que talvez não seja bom você tentar vir logo. Quanto eles disseram que pagavam por semana?
— Ainda não falaram, só sei que recebo.
— Bom, dependendo de quanto for, tente ao menos sobreviver um mês lá.
— Não sei se consigo, Jane.
— Você é uma menina inteligente, não vai demorar pra perceber que essa é a melhor decisão.
— É. E eu terei a lá, talvez isso facilite as coisas.
— Isso se você não se apaixonar pelo príncipe e perder essa pose toda.
— Isso não vai acontecer — falei, brava.
— É o que veremos — Jane disse, rindo. Escolhi relevar para não brigarmos novamente.

Quando chegou a noite, vimos os guardas – que, até então, nos vigiavam de forma oculta – se revelarem e fazerem guarda em frente de casa. O rei havia mandado guardas para as casas de todas as pré-selecionadas para que não houvesse nenhum imprevisto.
Embora eu já soubesse que faria parte do programa, cada minuto a menos para o início do Jornal Oficial eu ficava mais ansiosa. Sentia que algo poderia acontecer a qualquer momento, só não sabia o quê.
— Está tudo muito parado — meu pai comentou enquanto olhava a janela.
— E o que você está esperando que aconteça? — minha mãe indagou, sem entender.
— Tentaram nos atacar quando se deram conta que a era uma das selecionadas. Tá parado demais para o dia oficial do sorteio.
— Não tá, não — Jane falou, apontando para a tevê, e pudemos entender do que ela falava.
Algumas pessoas – mais de cem, isso eu podia afirmar – estavam sentadas na praça de Clermont segurando alguns cartazes. Não havia bagunça, apenas elas caladas, algumas com o rosto pintado mostrando o que queriam falar para a coroa.
“Esse jogo já nos levou uma.”
“O pão e circo não nos faz esquecer do presente e muito menos do passado.”
Não precisava de muito mais para entender de quem eles falavam. Celeste Newsome era o nome dela. Havia sido morta dentro do palácio, no dia em que o rei Maxon iria anunciar sua esposa entre Kriss Ambers e a rainha America.
Assim que os responsáveis pelo jornal se deram conta do que estava escrito, a filmagem foi cortada e voltou para o âncora.
— O que aconteceu com a linda jovem Celeste Newsome, há muitos anos, todos sabem que não foi culpa da coroa, mas sim de rebeldes. Rebeldes que se diziam pacíficos como esses que estão na praça, mas eram, na verdade, sanguinários que buscavam a destruição de toda Illéa. Admiro a coragem e fé da coroa em deixar protestos como esse acontecerem. Espero que estes manifestantes não matem mais ninguém — o homem falou em um tom calculado para nos despertar certo medo.
— Matar! — minha mãe gritou, indignada. — Essas pessoas vão matar quem? Como? Usando cartazes como arma e matando uns aos outros? É óbvio que é um protesto pacífico.
Meu pai, que não costumava discordar da minha mãe, dessa vez mostrou um ponto de vista diferente.
— Meu amor, acontecimentos como aquele deixam marcas que jamais poderão ser esquecidas. Perdemos em um só dia dezenas de pessoas. Não é chocante que as pessoas ainda temam qualquer ato de rebeldia contra o governo.
— Mas eles estão com cartazes! — ela interveio.
— Eu também acho que não farão nada — ele tentou, calmo. — Mas eles não foram revistados, e essa talvez fosse a única maneira de provar algo.
— Concordo — Jane disse, e eu torci para que não viesse muita besteira. — Eu mesma estou assustada. Espero que realmente não matem ninguém.
Era um pouco difícil admitir para mim mesma, mas a verdade é que eu também estava assustada. E tinha ficado bem mais assustada na época em que me falaram do possível ataque à minha família. Até queria, mas não podia discordar de Jane, porque, lá no fundo, eu talvez fosse um pouco parecida com ela.
Minha mãe saiu pisando firme e não falamos mais nada sobre aquilo.

Ao começar o Jornal Oficial, minha família voltou a se reunir, e, embora soubéssemos que eu já era uma selecionada, todos pareciam muito ansiosos.
— Acho que vou ter um ataque — Jane disse enquanto roía as unhas.
— Acho que estou quase no meu estado que você, filha — minha mãe disse e, então, meu pai estendeu a mão para as duas.
— Fiquem calmas. Já sabemos o que acontecerá com a , não precisa disso. Além do mais, nada mudará, continuaremos juntos.
Então, ele pegou a mão da minha mãe e juntou à de Jane para que pudesse ficar com uma das mãos livre e segurar a minha.
As notícias foram dadas sem citar o protesto de Clermont. Se por falta de tempo de inserir no jornal, ou receio que os manifestantes conseguissem aliados, eu não sabia. Alguns bons minutos depois, foi chamado então o mestre de cerimônia, Klint Covy, e a hora do anúncio finalmente chegou.
— Acho que todos vocês estão ansiosos para conhecer as adoráveis trinta e cinco belas garotas que se unirão à nossa linda nessa corrida rumo ao coração do nosso querido príncipe . Então, que tal começarmos? — Klint introduziu o sorteio, logo após ter entrado no palco e ser ovacionado com palmas entusiasmadas. — Mas, antes, que tal chamarmos aqui nosso maravilhoso e encantador príncipe? Príncipe , por favor, venha aqui. Temos uma missão para você.
O príncipe levantou-se, e pela sua reação, concluí que ele já sabia que isso aconteceria. Tinha um sorriso calmo no rosto e caminhava com segurança.
— Boa noite, Klint. Qual será minha missão? Espero que não me coloque em nenhuma situação difícil.
Klint riu de uma forma só sua, que acabava arrancando ao menos um sorriso de todos que assistiam.
— Jamais faria isso, Alteza.
— Assim espero — o príncipe respondeu de forma brincalhona.
— Queremos apenas que Vossa Alteza seja o responsável por sortear o nome de cada cesto. Você sorteia, leio o nome e lhe mostramos uma foto da garota selecionada.
— É. Sou capaz de fazer isso.
—Então podemos iniciar o sorteio, platéia? Quantos de vocês querem saber quem serão as selecionadas?
Um barulho tomou conta do estúdio e só parou quando os cestos contendo dois cartões cada foram entrando no palco.
— Pode começar, Alteza.
E, então, vi a confiança do príncipe vacilar. Por uma fração de segundo, foi possível ver um certo medo tomar conta de seu rosto. Mas ele logo vestiu sua capa de confiança e lançou a mão no primeiro cesto, o de Allens.
— E começando em ordem alfabética, vamos conhecer a selecionada de Allen — Klint fez uma pausa dramática. — Senhorita Alicia Baker, você é uma das selecionadas.
A foto de uma linda garota ruiva apareceu na tela. Vimos também o rosto do príncipe que parecia sereno e sem muita surpresa.
— Ela é linda — minha mãe disse e todos nós concordamos.
— Agora é a vez de Angeles.
O príncipe foi rápido e logo Klint estava anunciando.
— E a selecionada se chama Mary Kudrow.
Mary era uma garota de cabelos morenos e curtos que a faziam lembrar uma boneca. Achava isso desde que vi seus vídeos na época em que tínhamos que gravar.
O sorteio foi seguindo e, quando estava perto de Sonage ser sorteado, o telefone tocou.
? — ouvi chamar do outro lado da linha.
! Que surpresa.
Você está assistindo? Está ansiosa?
— Estamos todos na sala. E ansiosa não, mas com medo.
Só queria dizer que estamos juntas, tá bem? Eu tecnicamente não poderia estar falando com você agora. Mas precisava te falar que você não está sozinha.
Sem nem perceber, eu já estava chorando.
— Obrigada, . Isso é bem importante para mim — falei, tentando segurar o choro.
Tchau, amiga. Até amanhã.
— Tchau, . Saudades.
Desligamos bem a tempo de escutar Klint avisando que Sonage seria o último e, por isso, iriam para Sota. Ele pegou o envelope da mão do príncipe e leu.
— A bela Rachel Cooper é a selecionada de Sota.
Rachel Cooper tinha a pele negra e lindos cabelos cacheados. Ela era linda.
O sorteio foi seguindo até chegar a vez de Zuni.
— De Zuni, senhorita Sarah Lee.
Pouco vi Sarah, já que estava em pânico por saber que, logo em seguida, viria meu nome.
— E Sonage só tem um envelope. Ansioso para ver novamente o rosto da moça, Alteza?
— Devo confessar que sim, Klint — pela primeira vez, o príncipe sorriu de nervoso.
Algo dentro de mim também me deixou nervosa, e me peguei ansiosa para ver a reação do príncipe.
Mesmo sabendo que era o meu nome que estava no envelope, o príncipe pegou-o, entregou-o para Klint, e o mestre de cerimônias abriu e leu:
— E nossa última selecionada a ser anunciada é nossa querida Benett.
Meus olhos não largaram a tevê e eu não me mexi um centímetro. Queria ver a reação do príncipe agora que ele tinha escrito para mim.
O príncipe fixou os olhos no que provavelmente era minha foto e depois virou-se, procurando alguém que eu suspeitei ser seu irmão. Depois, ele voltou a olhar para a câmera com um meio sorriso que não conseguia esconder seu nervosismo, mas também diversão. Pensei que, provavelmente, o príncipe George tinha feito alguma brincadeira sobre mim, só podia ser isso. E eu não sabia se gostava de ser uma diversão entre eles.
— Então é isso, amada Illéa — Klint falou e eu despertei do transe em que minhas emoções me colocaram. — Agora podemos finalmente dizer que é fato. É oficialmente o início da Seleção.


Capítulo Seis

O Jornal Oficial acabou e todos na sala entraram em um silêncio absoluto, nem mesmo Jane falou alguma besteira. Ficamos assim por cerca de três minutos até que minha mãe decidiu que todos precisávamos de um bom café.
— Acho que um café forte vai fazer bem a todos — ela disse e seguiu para a cozinha.
Meu pai desligou a tevê, mas, mesmo assim, permaneceu em silêncio. Até que Jane finalmente resolveu falar.
— A gente já sabia disso. Tivemos tempo para aceitar tudo.
Ela não estava errada. Eu já sabia disso fazia dias. Todos sabiam. Não tinha muito sentido aquele sentimento de luto, mas, ainda assim, não consegui fazê-lo ir embora.
Minha mãe chegou com o café. Embora cafeína naquele momento em que eu já estava com o coração a mil fosse péssimo, já que eu precisava dormir, aceitei sua oferta.
— Você precisa fazer suas malas.
Quando fomos levadas até o Jornal Oficial, nos informaram que não precisaríamos levar muita coisa.
— Vou levar apenas roupa de dormir, uma para vir embora e mais umas poucas para que ainda possa me sentir eu mesma quando estiver lá.
— Quer ajuda? — Jane perguntou enquanto me olhava de forma sugestiva, mostrando que as mãos da minha mãe tremiam.
Sabia o que ela queria dizer com aquele olhar. Era melhor que meu pai, e apenas meu pai, cuidasse da nossa mãe naquele momento.
— Sim — respondi.
— Posso ajudar também — minha mãe falou, mas me apressei a negar.
— Não, mãe. Não precisa. Acho que a Jane só se ofereceu porque quer me aborrecer um pouquinho antes de eu ir — tentei brincar.
— Fica comigo, querida — meu pai lhe falou de forma calma, enquanto segurava uma de suas mãos e levava até a boca.
Minha mãe quase sempre mantinha suas emoções sob controle. Era uma mulher explosiva, mas cuidava para sempre se manter longe de coisas que a tirassem do sério. Vê-la chorando era muito raro. Acho que a última vez que tinha a visto chorar foi quando Jane levou uma queda e teve que pontear um ferimento. Jane fez minha mãe jurar que nunca se esqueceria dela caso morresse, fazendo uma baita declaração. Era óbvio que Jane não morreria, e minha mãe sabia disso, mas a forma como Jane falava mexeu com todos nós.
Mas o autocontrole quase sempre presente e a falta de choro não significava que minha mãe não fosse vulnerável. Quando a vulnerabilidade finalmente ficava à mostra, a víamos de forma totalmente diferente. Ela tremia, gritava, tinha falta de ar e mais um monte de coisas que, embora fossem muito piores que uns choros, era a forma que seu corpo encontrava de colocar tudo para fora.
— Espero que ela fique bem sem você aqui — Jane disse assim que entramos no quarto.
— Eu também, Jane.
— O papai sempre sabe como cuidar dela.
— Jane, mas cuide dela também. Acho que, no início, não será muito fácil.
Diversas vezes acusei Jane de ser egoísta, mas sabia que parte disso era culpa de seu jeito avoado que não a fazia perceber muitas das coisas. Temia que, na minha ausência, ela se fechasse em seu namoro e não enxergasse nossa mãe.
— Me prometa que não vai dar atenção apenas ao Justin.
— Eu jamais faria isso! — ela se defendeu, e, em troca, a olhei feio. — Tudo bem, talvez eu faça às vezes, mas não vou fazer agora.
— Promete?
Jane rolou os olhos, mas depois sorriu.
— Prometo.
Depois disso, minha irmã procurou nas suas coisas por uma bolsa e disse:
— Leva ela. Ainda acho que vão mandar você passar tudo para uma mala, mas caso não aconteça, essa minha tá bem mais bonita que a sua.
Eu poderia implicar com a frase de Jane, mas a realidade é que aquela atitude era mais bonita do que muitas coisas que eu poderia esperar dela. Jane me queria bem e não era para agradar o príncipe, mas porque queria cuidar de mim. E eu sabia dessa verdade.
— Ah, Jane — falei, antes de puxar-lá para um abraço. — Amo você, criatura chata.
— Também te amo.

Embora eu tenha tentado dar uma de forte durante aquele resto de noite, quando vi que todos dormiam, fui até a cozinha, fiz um chá e segui para a sala. Enquanto tentava aproveitar cada minuto e memorizar cada uma das sensações que senti ao sentar-me naquele sofá, como tomar chá naquela caneca, entre outras ações que ficaria sem por algum tempo, comecei a chorar baixinho.
Será que mais alguma selecionada se encontrava chorando? Eu não esperava que fosse exatamente pelos mesmos motivos que os meus, mas será que alguma também temia não se reconhecer depois daquela experiência? Havia tantas coisas que eu temia além dos meus problemas com a monarquia.
Estaria me expondo por inteiro. Sendo julgada por milhares de pessoas que não fazia ideia de como era minha vida. Sendo avaliada por um rapaz que, talvez, nunca fosse querer me conhecer de verdade. E, ainda, teria que disputar esse tal rapaz com mais trinta e seis garotas. A ideia era até um pouco sexista, mas não julgava quem entrava na disputa. Era de livre e espontânea vontade, e sendo bem sincera, se você não odiasse aquela família, talvez não tivesse tanto a perder. Fama, comodidade e um pouco de grana. Um pacote completo se você não liga de mudar de vida.
Não sei bem que horas acabei pegando no sono lá mesmo no sofá, só sei que já devia estar perto de amanhecer quando acordei nos braços do meu pai que me levava para cama.


👑👑👑


. , acorda — escutei Jane chamar e me movi na cama.
— Me deixa dormir um pouco mais — pedi, sem nem abrir os olhos.
Minha irmã, mesmo assim, me tocou.
— Não dá. Os funcionários do palácio já estão aqui.
Então, abri os olhos e encontrei os mesmos funcionários que cuidaram de mim da outra vez.
— Olá, lindinha — um dos rapazes disse e eu tentei sorrir.
— Podem me dar alguns minutos para tomar um banho e me arrumar?
— Ela pode te ajudar — ele falou novamente enquanto apontava para a garota.
Sabia que, provavelmente, teria que me submeter a isso dentro do palácio. Mas enquanto pudesse, tomaria banho sozinha.
Jane acabou rindo.
— Eu queria uns minutos sozinha — comecei, tentando não soar rude. — Pode ser?
— Claro — os três responderam amigavelmente, e eu suspirei aliviada.
Certamente demorou mais do que todos esperavam. Quando saí do quarto, a equipe aguardava ansiosa.
— Você demorou. Estamos atrasados. Muito atrasados!
E, então, meu quarto virou um QG: todos andavam de um lado para o outro, correndo para ver qual cor caía melhor no meu tom de pele e qual sombra valorizava melhor os meus olhos. Um deles gritava que precisavam logo decidir tudo, porque minhas unhas clamavam por uma boa camada de esmalte.
— Está decidido. Você irá com esse vestido mostarda — finalmente decidiram.
— Mas vocês acham que vai ficar bom?
— Decididamente poucas garotas escolherão mostarda. Queremos você diferente.
Embora eu tenha tido um pouco de receio ao saber a cor, quando me vi vestida, tive a certeza que eles sabiam mesmo o que faziam. O vestido era de um tecido fino, e mesmo na parte superior que era mais justa, não grudava no corpo. Da cintura em diante – onde tinha uma faixa preta e branca que amarrava e dava um laço grande as costas –, ele se abria, e seu cumprimento eram alguns centímetros abaixo do joelho. Pelo tecido leve, o vestido tinha um caimento bonito, e o melhor, não armava, que era meu maior temor nas roupas que eu usaria dali em diante.
— Você está linda, — meu pai disse com um sorriso no rosto.
— Obrigada, pai — respondi, um pouco envergonhada.
Eu precisava lidar melhor com elogios daquele dia em diante ou teria problemas.
Depois de pronta, não tivemos muito mais tempo em casa. Logo já estávamos no carro a caminho da praça onde e eu receberíamos um adeus de toda província.
— Tente não fazer nada errado, . Não morra de vergonha — Jane disse quando estávamos saindo do carro.
— Pare de amolar sua irmã, Jane — minha mãe a repreendeu, mas ela não deu muita atenção.
— Você não está aqui para causar uma revolução, mas sim para fazer parte da Seleção, não se esqueça — ela disse, dessa vez mais baixo para que ninguém que estava conosco escutasse.
— Jane! — meu pai ralhou.
— Não deixarei de ser eu mesma, Jane. E vai dar tudo certo.
Percebi que minha irmã queria dizer mais alguma coisa, porém olhou para os lados e preferiu ficar calada.
— Querida, dê um abraço na sua família. Você precisa subir — um dos rapazes da equipe disse.
Os três: minha mãe, meu pai e minha irmã me deram um abraço na mesma hora.
— Amamos você — minha mãe falou antes de me dar um leve empurrão para que eu seguisse em frente.

Quando cheguei no palco, já estava lá.
! — ela exclamou, me chamando pelo nome, sem apelidos.
— Você estava mesmo com saudade, né? Até me chamou de — brinquei, enquanto seguia para dar-lhe um abraço.
tinha cheiro de casa e acalmou os batimentos do meu coração, que já começavam a acelerar por estar no palco.
— Estava com tanta saudade — falei, sem soltá-la nem afrouxar o abraço.
— Eu também.
Quando finalmente nos soltamos, me olhou de cima a baixo e me puxou novamente.
— Meu Deus! Você está tão linda.
— Pare com isso. Você que está.
parecia brilhar em um vestido vermelho que conseguia ser atraente sem apelar para nenhum recorte que mostrasse muito.
— Nós duas estamos, então.
Eu queria conversar com ela por ainda mais tempo, mas, infelizmente, avisaram que precisávamos nos sentar em cadeiras que ficavam uma no lugar oposto à outra. Demos outro abraço rápido, e, então, seguimos para nossos lugares.
O prefeito falou várias coisas e depois começou a tecer elogios que me faziam crer que ele não sabia de nada sobre e eu. Disse que eu era doce e obediente, e que era uma garota calma e tímida. Bastava olhar para para perceber que ele estava errado.
— Agora vamos ouvir nossa linda Mitchell se despedir.
se levantou e foi ovacionada por gritos e palmas. Ela era mesmo a mais querida de todas as selecionadas.
— Boa noite, meus queridos — minha amiga começou com um sorriso enorme no rosto e uma desenvoltura que eu já sabia que ela tinha. — Acho que, de tantos vídeos que fiz, vocês já devem saber muito de mim. Quero agradecer a todos pelo apoio e pelos votos que me deram. É uma honra ter sido a selecionada escolhida por vocês, uma verdadeira alegria. Prometo honrar a confiança que tiveram em mim. Estou indo para a Seleção com a missão de honrar e servir a vocês e a coroa.
Comecei a suar frio. Eu não conseguiria falar aquilo. Poderia não ser a garota mais tímida do mundo, mas jamais conseguiria falar as coisas que estava falando. Eu não iria para o palácio disposta a servir a coroa como ela estava dizendo que iria. Jamais conseguiria falar aquelas coisas.
As pessoas batiam palmas apaixonadas pela , e eu nem sabia quais outras palavras ela havia dito. Mas, certamente, eram juramentos que eu já sabia ser incapaz de cumprir, ainda que minha amiga conseguisse.
— Chegou a hora de nos despedirmos da bela Benett.
— Boa noite a todos — comecei um pouco insegura, mas me forcei a não vacilar. — Fico muito honrada que todos vocês tenham vindo se despedir de mim. Tenho certeza que estarão comigo durante esta jornada, e espero deixar vocês felizes na forma como seguirei na Seleção. Eu amo Sonage e amo Illéa, quero tomar decisões que possam honrar este amor. Obrigada a todos vocês. De coração.
Mesmo com um discurso menor, ouvi muitas palmas em resposta, e isso me deixou confortada. Esperava que eles entendessem que tudo que eu fizesse era por amor ao país, mesmo que não fosse como a coroa queria.
O prefeito voltou a falar, dispensou a todos, e fomos liberadas para dar um último adeus à nossa família. Corri para a minha assim que a vi.
— Você falou muito bem, minha filha — minha mãe disse, e eu pude ver em seus olhos que ela estava orgulhosa. Isso bastou para que eu me sentisse confiante sobre cada palavra.
— Seja você, meu amor. Isso será mais que suficiente para orgulhar a todos — meu pai falou e quase me fez chorar.
— Você e arrasaram — Jane falou.
— Precisamos levar sua família para casa e você para o avião, senhorita — um homem de preto avisou.
Dei um abraço nos meus pais e fui abraçar Jane.
— Não escreva nada lá dentro do palácio, — Jane falou, e eu senti meu coração gelar.
Jane sabia? Minha irmã conhecia meu site?
Olhei para ela assustada e confusa e a vi balançar a cabeça em um sim.
— Prometa que não fará isso — ela pediu de forma incisiva, mas eu estava nervosa demais para falar qualquer coisa. — Prometa, — Jane pediu mais uma vez, apertando meu braço.
— Senhorita, o tempo acabou. Precisamos te levar.
— Jane tentou mais uma vez.
— Amo você — me forcei a dizer antes de virar e entrar no carro.
Assim que entrei, me permiti tremer o tanto que meu corpo queria.
Coloquei os braços em volta do corpo enquanto tentava inutilmente normalizar minha respiração e não tremer.
Como Jane havia descoberto isso? Sempre tomei muito cuidado. Jamais deixava janelas abertas ou minha senha salva. Minha irmã era uma das pessoas que menos tinha controle na língua que eu conhecia, se ela falasse qualquer coisa eu estaria muito ferrada. E eu temia que ela acabasse contando aos meus pais, porque minha mãe não teria paz se soubesse.
— A senhorita está bem? — o motorista perguntou enquanto me olhava pelo retrovisor, e, só então, me dei conta que chorava.
Eu estava ansiosa para o que viria, triste por estar separada da minha família e estar indo para um lugar que não queria, e com muito medo de quais rumos minha vida tomaria daquele momento em diante.
A verdade era que tive tempo, mas não estava pronta para a Seleção. E não, eu não estava nada bem.


👑👑👑


As selecionadas não voaram naquele dia, por isso dormi em um hotel. Não permitiram que meu quarto fosse próximo ao de , e só a vi no saguão no dia seguinte.
— Dormiu bem? — perguntou, cuidadosa.
— Digamos que maquiagem faz milagre — foi tudo que respondi, tentando rir.
Eu não havia pregado o olho até chegar perto das quatro da manhã e, mesmo assim, a maquiagem me deixou com cara de quem teve o mais longo sono de beleza.
Entramos em carros separados e seguimos para o aeroporto. Chegando lá, fui informada que deveria ficar no carro para que entrasse primeiro. Eles queriam filmar a passagem de cada uma das selecionadas e como o público reagia a cada uma delas. Não precisei ver para saber que estava arrasando. Ela sempre arrasava.
Quando chegou minha vez, saí do carro um pouco incerta, porém decidida a não passar vergonha. Dei tchau, sorri, agradeci e até tirei fotos com as pessoas que estavam lá. Era estranho pensar que elas mal me conheciam, mas já falavam em me amar e me dirigiam elogios para qualidades que, até então, nem eu mesma sabia que tinha.
Havia cartazes e mais cartazes. Alguns carregavam apenas o nome de , outros apenas o meu, mas a maioria tinha uma torcida por nós duas. Fiquei feliz por isso.
— Meu Deus, não imaginava isso — falei para assim que entrei no avião.
— Foi mágico, não foi?
Eu descreveria aquela experiência como surreal e até um pouco estressante, mas sabia que minha amiga e eu tínhamos opiniões distintas sobre aquele assunto.
— Como você está? — perguntei, indo abraçá-la.
— Nervosa. Com medo de que o príncipe e todos me odeiem.
— Ninguém te odeia, — desdenhei, e ela ainda assim parecia aflita. — É impossível te odiar, , e se isso acontecer é porque o príncipe não sabe mesmo de nada.
— Fale isso no palácio e, então, a odiada pelo príncipe certamente será você — escutei alguém falar e me virei à procura daquela voz.
Encontrei uma garota ruiva de cabelos ondulados que me encarava de sobrancelha erguida.
Não consegui lembrar quem era ela, mas logo fiquei sabendo.
— Melissa Yong. De Paloma — a garota se apresentou, estendendo a mão para mim.
Benett de Sonage — falei, retribuindo o gesto, mesmo que pouco confiante.
— Sei quem você é, na verdade sei quem são todas. Principalmente vocês duas.
Lhe olhei confusa e Melissa Yong logo se explicou.
— A garota escolhida pelo público — ela iniciou, apontando para com a cabeça — e a garota que, por tabela, já estava dentro também. As primeiras selecionadas.
Melissa falava tudo isso com uma expressão de fadiga proposital no rosto, e, pelo canto dos olhos, pude ver rolando os olhos.
— Entendi — respondi, e Melissa deu de ombros.
Após algum tempo de espera, uma mulher vestida toda de preto entrou no avião parecendo um pouco irritada.
— Teremos que esperar mais um pouco. A senhorita Sarah Lee de Zuni teve alguns problemas.
— Ela está bem? — perguntou.
A mulher balançou as mãos de um jeito desleixado, parecendo ter a intenção de dizer que não era nada de mais.
— Algumas pessoas contrárias à Seleção resolveram protestar na porta do hotel que abriga a senhorita Sarah. Logo, logo ela estará aqui — e, antes que pudéssemos perguntar mais alguma coisa, ela se retirou.
— Ai, meu Deus! Será que farão alguma coisa contra ela?
— Você ouviu o que ela disse. Logo, logo a garota estará aqui — Melissa respondeu enquanto folheava uma revista qualquer.
não gostou de ter sido respondida daquela forma, mas apenas cruzou os braços emburrada.
— Fique calma — lhe pedi, antes que ela quisesse arrumar confusão com a garota.
Nós esperamos, esperamos e esperamos ainda mais. Já devia fazer mais de uma hora quando Melissa saiu de sua pose e baixou a guarda, parecendo preocupada.
— Vocês acham que aconteceu algo com ela? Quero dizer, ela já deveria ter chegado.
— Acredito que teriam nos contado.
— Não sei. Talvez apenas não queriam nos assustar.
Era óbvio que eu já havia pensado naquela possibilidade. Mesmo assim, neguei com a cabeça na tentativa e não deixá-las em pânico.
— A realeza jamais deixaria — falou, parecendo tranquila. Nunca quis tanto que ela estivesse certa em toda minha vida.
Alguns minutos depois, a mulher de preto voltou parecendo ainda mais irritada, porém mantendo um sorriso forçado nos lábios.
— Nós iremos sem a senhorita Sarah Lee. Já nos atrasamos muito e não podemos esperar mais. Ela chegará depois.
— Ela já conseguiu sair do hotel? — Melissa perguntou, parecendo mesmo um pouco assustada.
— Lá no palácio vocês terão as notícias que forem necessárias.
Eu entendia a revolta das pessoas contra a Seleção, mas temia que estivessem descontando nas pessoas erradas. Aquilo me deixou preocupada com minha família.

O voo até Angeles foi rápido devido à proximidade das províncias. Tentei puxar conversa com Melissa, mas ela parecia muito interessada em beber champagne e ler revistas que eu nunca tinha ouvido falar. Aparentemente, você só conseguia falar com Melissa quando ela tivesse vontade. Fora isso, seria ignorada.
Assim que pousamos, a mulher voltou para falar conosco. Nada foi dito sobre Sarah. Apenas algumas instruções básicas de como seria nossa chegada.
— Para evitar possíveis transtornos, pedimos que vocês não parem para falar com ninguém. Apenas deem um aceno e saiam o mais rápido possível. Até porque estamos atrasadas — a mulher falou, parecendo alterada.
Nós três nos levantamos, e, antes que chegássemos às escadas do avião, Melissa chamou por e eu.
— Acho que seria bom se nós chegássemos juntas. Não sei vocês, mas estou um pouco assustada com as coisas que estão acontecendo.
não parecia disposta a dar essa ajuda, e eu tinha que concordar que o jeito de Melissa não ajudava. Mas entendi o medo dela.
— É uma ótima ideia.
Descemos juntas e não nos separamos um minuto sequer conforme passávamos pelo espaço rodeado de pessoas. Embora nossos passos fossem um pouco apressados, ainda tivemos tempo de ler alguns cartazes e posar para uma foto, as três juntas.
Mesmo que ainda levasse uma pequena vantagem na quantidade de cartazes, eu diria que a torcida estava bem dividida.
Quando já estava entrando no carro, vi um cartaz que mexeu com toda a minha estrutura.
“Vocês se venderam, mas nós não.”
Desde que me vi na primeira fase da seleção, tentava não me sentir uma mercadoria para a coroa, mas, aparentemente, as outras pessoas já viam, e eu me senti enojada por ter me tornado aquilo. Nunca quis contato com a coroa, e, agora, era uma mercadoria adquirida por ela. Logo me perguntei se já não éramos todos assim. Uma mercadoria, um simples brinquedo que a coroa levava para onde quisesse.
Por causa dos meus pensamentos, fui o caminho inteiro calada e percebi que isso deixou um pouco triste. Mas eu já havia feito coisas demais pensando em , não podia me forçar a ficar bem quando não estava.
— Chegamos — o motorista falou após o carro parar para que um enorme portão fosse aberto.
Eu estava na janela, e se jogou por cima de mim para poder encostar no vidro e ver detalhes daquele lugar que, embora ela não soubesse, eu já tinha visto. Já conhecia aqueles portões, a linda entrada do castelo e aquela grama que parecia ser mais verde do que em qualquer outro lugar do mundo.
— Não é lindo? — ela me perguntou.
— É sim, .
Pouco tempo depois, já estávamos prontas para descer do carro.
A mesma mulher que nos acompanhou no avião já estava no primeiro degrau da calçada nos esperando.
— Como ela chegou aqui tão rápido? — Melissa cochichou no meu ouvido e eu apenas ri.
— Vou guiar vocês até o local. Já estão te esperando. Peço que não se distraiam. Já estamos bastante atrasadas.
Sem mais uma palavra, ela saiu andando por dentro do palácio, e não pararmos para olhar os detalhes daquele lugar foi uma tarefa difícil.
— Essa é a Biblioteca Newsome, mais conhecida como Salão das Mulheres. Algumas pessoas estão esperando vocês. Nos despedimos aqui. Boa sorte.
Não houve abraços ou tempo para resposta. Rapidamente, a mulher bateu na porta e sumiu assim que ela se abriu.
— Meu Deus, estávamos em pânico por causa de vocês. Corram, corram! As estações onze, doze e trezes estão disponíveis. Vão já para elas.
Nós três seguimos para as estações e nos sentamos parecendo um pouco assustadas.
— Olá. Qual o seu nome?
Benett.
A moça procurou meu nome em uma pasta grossa.
— A gente vai te avaliar e depois sugerir mudanças, está bem?
Apenas balancei a cabeça em um sim e vi um rapaz surgir para me avaliar junto com a moça.
Eles tocaram no meu cabelo e começaram a negar com a cabeça.
— Acho que você poderia tirar essas mechas iluminadas. Voltar à sua cor natural. Totalmente morena. O que acha?
Meu cabelo era um moreno levemente iluminado e eu até gostava dele assim, mas achei que poderia ser uma boa ideia voltar para minha versão original.
— Pode ser — dei de ombros.
— E poderíamos cortar, n...
— Não! — falei, apressada. — Não quero cortar.
— Mas você ficaria linda!
Voltar à minha cor natural era algo totalmente normal para mim, mas eu não estava pronta para um corte.
— Gosto dele grande.
A garota fez um biquinho e tentou.
— A gente entende muito disso, sabe?
— Eu sei, mas não quero. Apenas pintem, por favor.
Eles não pareceram felizes, mas depois de tantos anos e tantas lutas femininas, ter direito sobre o próprio cabelo era o mínimo que poderiam me dar.
— Vamos arrumar suas unhas e sua sobrancelha também. Depois, você vai para a parte de vestuário.
— Certo.
Começaram pelo meu cabelo e, enquanto a tinta agia, foram arrumando minha sobrancelha; minhas unhas foram perdendo as cutículas extras e sendo pintadas.
— Essa unha vai combinar total com a paleta de cores que temos de você.
— Eu tenho uma paleta de cores? — perguntei, meio confusa, mas também achando graça.
— Sim, querida. Óbvio que tem. E suas unhas vão ficar maravilhosas.
Apenas sorri em resposta e deixei que terminassem o trabalho.
Quando finalmente fui liberada daquela parte, me mandaram para outro lugar onde tinha uma arara repleta de roupas.
— Você pode escolher uma dessas que está nessa arara.
— Será a roupa que usaremos para ficar aqui?
— Na verdade, vocês já verão o príncipe hoje. E tirarão fotos com ele. Vai passar no Jornal Oficial. Então, se arrume para as fotos.
Comecei então a procurar a roupa que eu queria para aquele momento, e fiquei feliz que meus gostos – que perguntaram quando ainda estava na fase antes do sorteio – estavam sendo levados em conta.
— Quero esse. O que acha? — indaguei para a mulher à minha frente.
Ela pegou a roupa que mostrei e segurou-a ao meu lado. Depois sorriu.
— Acredito que ficará ótimo em você.
Então, segui para um biombo onde poderia trocar de roupa. Quando saí, segui para um espelho e fiquei maravilhada.
O vestido que eu usava era de um marrom claro que lembrava terra, feito de um tecido que eu achava ser tule, cheio de aplicações de flores. Ele marcava na cintura, se abria de forma leve e tinha o comprimento de alguns dedos abaixo do joelho. Meu cabelo estava com uma trança cascata e todo cheio de ondas, me fazendo parecer uma princesa. Não me achava feia, longe disso, mas, naquele momento, me senti a mulher mais linda do mundo e, por algum motivo desconhecido, fiquei ansiosa para que o príncipe me visse assim.

— Olá, meninas. Atenção! — uma mulher chegou falando um pouco mais alto e todo burburinho cessou. — Me chamo Anne e serei uma espécie de mentora de vocês. Trabalho para a família Schreave como cerimonialista faz alguns anos e também desempenho outras funções. Com vocês, terei a função de apresentá-las e prepará-las para uma vida real. O senhor Peter me ajudará com isso — ela disse, apontando para um homem que aparentava ter cerca de trinta anos. — O príncipe logo mais virá conversar com vocês e cada uma tirará algumas fotos para que sejam apresentadas no Jornal Oficial. Minha primeira tarefa será guiá-las para saberem se portar nesse encontro. Prontas?
— Sim — quase gritamos.
— Primeira lição é que não precisam gritar. Vocês não devem, em hipótese alguma, levantar a voz. Até seus gritos não devem passar de pouco mais de uma exclamação. Isso não é elegante — ela nos repreendeu, e todas apenas balançamos a cabeça em um sim. — O príncipe chegará dentro de no máximo meia hora e lhe passarei as seguintes instruções: mesmo que você saiba que é sua vez, não chegue até ele sem que seja chamada; nada de abraços, a não ser que ele lhes dê isso; vocês terão algum tempo para se entrosar e tirar as fotos, então usem esse tempo para se conhecerem e falem educadamente. Agora, cada uma procure uma cadeira e sente-se, irei lhes mostrar como sentar-se de forma elegante.
Então, ela nos mostrou toda aquela etiqueta de não cruzar as pernas, que eu achava uma completa bobagem, mas entendia que todo lugar requer etiquetas distintas.
O tempo passou muito rápido, e, quando nos demos conta, Peter estava dando ordens para que os criados tirassem as cadeiras e as organizassem lado a lado, porque o príncipe chegaria em breve.
— Senhorita Anne, uma das meninas que viria conosco não chegou ainda, pode nos informar sobre ela? — indaguei e tive a impressão que minha pergunta não foi bem recebida.
— Não — ela respondeu categoricamente e seguiu como se eu não fosse ninguém.
Então, um criado entrou informando que o príncipe desejava entrar e logo ele teve permissão. Todas nós ficamos de pé.
— Boa tarde, senhoritas — ele saudou.
— Boa tarde, Alteza — falamos juntas, e eu tinha certeza que foi alto demais para o padrão de Anne. Assim como nossa reverência deve ter sido meio desengonçada.
— Podem se sentar. Aguardo cada uma de vocês para as fotos.
Eu podia sentir meu coração bater acelerado, mesmo que não soubesse o motivo. Como sentei ao lado de , tentei conversar com ela para me distrair.
— Você está nervosa? — lhe perguntei.
— Muito — confessou, parecendo sem ar enquanto falava. — E você?
— Também. Acho que estou com medo de não conseguir tirar boas fotos.
— Se sua preocupação é essa, fique calma — ela falou, abanando as mãos. — Eles vão nos ajudar.
— chamei-a mais uma vez —, qual é sua preocupação?
— O príncipe não gostar de mim, óbvio. Acho que só você não tá com medo disso.
Virei para o outro lado, um pouco perturbada com aquela resposta. Embora eu tentasse falar para mim mesma que meu único medo era o que contei para , algo dentro de mim dizia que estava errada e eu também compartilhava do mesmo medo que ela. E aquilo não era bom.
Quando olhei, a segunda garota já era chamada por Peter.
— Senhorita Amberly While. Por favor.
Amberly, que era de Carolina, levantou-se confiante e eu admirei isso nela. Não parecia estar com medo de nada.
Fiquei prestando atenção nela quando chegou perto do príncipe. Já que abraços não eram permitidos sem que ele tomasse tal atitude – e eu suspeitava que ele não tomaria com nenhuma de nós –, Amberly fez de tudo para encostar no príncipe. Ela jogava seus cabelos loiros de modo que tanto seus braços como seu cabelo encostassem nele, e até fingiu perder o equilíbrio.
— Acho que ela tem muita chance de se dar bem — cochichou no meu ouvido.
— Achei ela fingida — respondi, e deu de ombros.
— Acha que não é preciso um pouco disso para se dar bem aqui?
disse aquela frase e riu logo em seguida, mas aquilo me atingiu em cheio. Eu não estava pronta para me perguntar quais atitudes da minha amiga eram verdadeiras ou fingidas para conseguir seu objetivo. E menos preparada ainda para ter que me perguntar isso sobre trinta e seis garotas.
Depois de Amberly, America Clark de Columbia, uma jovem de pele escura e cabelos lisos foi chamada. Após ela, foi a vez de Anne Mason de Yukon, e, então, chegou a minha vez.
— Senhorita Benett, por favor.
Levantei-me e quase me arrependi dessa atitude. Tudo pareceu rodar por alguns segundos. Eu não conseguia acreditar que estava tão nervosa.
Andei o mais lento que pude, tentando me equilibrar no salto enquanto as coisas paravam de rodar na minha cabeça e assumiam seus verdadeiros lugares.
— Vocês terão um minuto de conversa e, depois, irão tirar as fotos — Peter me disse quando cheguei perto.
Segui para perto do príncipe que me esperava sentado em uma cadeira.
— Sente-se, senhorita — ele pediu e eu me sentei ao seu lado, me esquecendo até de fazer uma reverência. Ele não pareceu perceber meu erro.
— Oi — falei sem saber o que dizer, me sentindo idiota logo depois de ter me calado.
— Olá — ele respondeu, rindo um pouco. — Finalmente nos conhecemos. Devo lhe confessar que estava ansioso para esse encontro.
Aquela revelação me deixou ainda mais nervosa.
— Ansioso?
— Como falei, sinto que nos conhecemos um pouco. Mas me conte, de Sonage, o que você gosta de fazer?
— Eu não sabia que essa conversa pareceria um encontro — confessei.
— E não é, mas nada me impede de saber seus gostos para investir em um primeiro encontro depois — ele confessou rindo, e eu ri também. Mas logo constatei que, certamente, todas estariam ouvindo aquilo.
— Você fez essa pergunta a todas elas?
O príncipe me olhou desconfiado, mas, mesmo assim, respondeu:
— De certo modo, sim. Isso te incomoda?
Dei de ombros e neguei, porque, de certo modo, aquilo realmente não me afetava. Na verdade, era bom que ele encontrasse mesmo alguém.
— Estamos todas aqui para ter inúmeros encontros com Vossa Alteza, não é? — indaguei, tentando esconder meu tom de sarcasmo.
pareceu surpreso com minha resposta e abriu a boca para responder, mas não teve tempo. Fomos interrompidos pelo fotógrafo.
— Poderiam levantar-se para tirar as fotos? Tiraremos várias, a melhor irá passar no Jornal Oficial.
— Claro — o príncipe respondeu e colocou a mão na parte de baixo da minha coluna, me incentivando a levantar.
Depois que levantamos, o príncipe se encostou um pouco em mim e falou baixo:
— Pode me chamar de “você” quando estivermos a sós. E vocês são bem mais do que minhas acompanhantes — falou firme, pousando sua mão na minha cintura.
Não gostei daquele tom nem da nossa proximidade, muito menos do sorriso que ele dava. Parecia que estava ofendido, mas cumprindo o papel de sair da forma mais linda na foto.
— Sorria, senhorita — o fotógrafo pediu e me dei conta que estava de cara fechada.
— Você parece brava — o príncipe cochichou enquanto eu tentava sorrir.
— E você também — rebati, virando para ele.
— Sorria. Não esqueça de sorrir — ele instigou e eu rolei os olhos, fazendo o príncipe rir de verdade.
— O que foi? — indaguei, dessa vez parecendo mesmo brava.
E, então, o príncipe fez algo que eu não esperava. Sua mão se moveu delicadamente para os meus cabelos e ele colocou uma das mechas atrás da minha orelha enquanto sorria, assim como a gente sempre sonha que o príncipe faça e que, depois que crescemos, achamos a coisa mais boba do mundo.
O que nunca esperava era que aquela atitude fosse mexer tanto comigo. Mas, quando percebi, estava perdida em seu ato e o encarava com cara de boba.
— Ótimo — o fotógrafo gritou e eu acabei pulando para o lado. — Você não é muito de sorrir, mas acho que temos a foto perfeita. Pode se retirar, vamos chamar a próxima.
Não olhei para trás e não me despedi do príncipe. Saí dali sem saber o que estava sentindo, mas decidida a nunca mais ter aquela dúvida novamente.
Eu odiava a Seleção. Odiava a família Schreave. Odiava aquele pão e circo. Eu jamais me renderia a ele.

Finalmente as fotos haviam acabado e fomos liberadas para sair da Biblioteca Newsome, ou Salão das Mulheres, como era mais chamado. Sarah Lee, uma garota de cabelos lisos e com olhos levemente puxados chegou quando já estávamos perto de ser liberadas. Ela provavelmente havia se arrumado em um dos quartos, pois já chegou pronta para as fotos.
— Olá — falei, assim que me aproximei dela.
Sarah me olhou confusa e , que estava próxima de mim, resolveu explicar melhor.
— Nós duas e a Melissa estávamos no avião que você perdeu. Ficamos preocupadas.
— Ah — ela respondeu, parecendo comovida com aquilo. — Estou bem. Foi apenas uma pequena confusão lá na frente do hotel. Nada muito sério, mas acabou gerando grandes transtornos.
— Silêncio! — Anne pediu. — Vamos agora guiá-las até seus quartos. Eles ficam no primeiro andar e hoje não teremos muito tempo para mostrar detalhes. Vocês estão cansadas demais para isso. Suas criadas estão lhes esperando no quarto e, para facilitar, tem o nome de cada uma de vocês na porta de seus respectivos quartos. Me acompanhem!
Silenciosamente, para não levar nenhuma bronca, fomos seguindo Anne e Peter até os quartos. O palácio era ainda mais lindo por dentro e, a cada passo, a gente descobria uma nova obra de arte maravilhosa. O corrimão das escadas parecia de ouro e eu não duvidava que pudessem mesmo ser.
Queria poder comentar cada observação com , mas o medo de receber uma bronca de Anne falava mais alto. Meu quarto era um dos primeiros, e, por isso, logo me despedi do grupo.
Quando entrei no quarto, duas lindas mulheres me esperavam e fizeram uma pequena referência assim que me viram.
— Olá — saudei.
— Olá, senhorita — as duas falaram juntas e novamente fizeram uma reverência.
Me apressei para chegar até elas e levantei as duas.
— Não façam isso, meu Deus. Eu não sou da realeza.
— Queremos deixar claro que a respeitamos — disse uma delas.
— Não duvidarei disso. Mas não façam isso, tudo bem?
As duas se olharam e eu sustentei o olhar, mostrando que não voltaria atrás no pedido.
— Tudo bem — responderam juntas.
— Agora, queria saber o nome de vocês.
— Eu me chamo Abigail — a mulher de cabelos negros e cacheados disse.
— E eu me chamo Stephany.
— Oi, meninas. Eu sou Benett de Sonage. Não sei bem qual é a função de vocês, pra ser sincera.
— Nós iremos te vestir, maquiar, pentear e te banhar.
Senti o rosto esquentar.
— Desculpem-me, mas eu vou me banhar sozinha.
— Nós somos profissionais, senhorita. Prometemos — Stephany disse e eu neguei com a cabeça.
— Não duvido de nada disso, mas não me sinto à vontade, entendem?
Novamente elas não pareceram gostar, mas também não queriam me contrariar.
— Certo, senhorita. Mas não conte às outras meninas, pode ser que isso nos coloque em problemas.
— Claro. Pode deixar.
— Está cansada? Podemos preparar seu banho.
Senti todo meu corpo amolecer só de ouvir a palavra banho.
— Eu adoraria, meninas — falei e elas sorriram, felizes em me servir de alguma forma.
As meninas insistiram para ao menos me ajudarem com os botões da roupa. Não permiti que me vissem nua. Eu não tinha problema algum que me vissem de calcinha e sutiã, mas nua já era um pouco demais. Assim que entrei no banheiro, tirei minhas roupas intimas e entrei na banheira grata por aquele momento.
Quando saí, as meninas me esperavam com uma comida colocada na mesa que havia no quarto. Me informaram que, por causa da hora, a comida teria que ser servida no quarto e eu agradeci por isso, já que estava cansada demais para socializar. Na hora de dormir, Abigail e Stephany se despediram de mim e eu me deitei na cama mais gostosa que já havia visto.


👑👑👑


Acordei no outro dia com as criadas me chamando de forma calma.
— Senhorita , está na hora de levantar-se. As selecionadas têm obrigações agora cedo.
— Ainda é madrugada — murmurei, ignorando-as e me virando para dormir mais.
Pude escutá-las rindo.
— Não, senhorita. Já são sete da manhã. E vocês precisam estar prontas às oito e meia, porém ainda temos que prepará-la para isto.
— Não posso ir assim? — indaguei, agora olhando para elas.
As duas novamente riram e Abigail me tocou com carinho.
— Jamais, senhorita! Ou a senhora e nós duas seríamos motivos de chacota.
— Não me importo — respondi, rindo. — Vocês se importam?
— Totalmente! — Stephany falou enquanto me dava a mão para que eu me levantasse.
Muito à contragosto, me levantei e segui para o banho. Depois, as meninas escovaram meu cabelo e o prenderam em um rabo de cavalo bem feito. A maquiagem foi rápida, já que era bem leve.
— Vocês usarão o uniforme de selecionada. Pelo que foi dito, esses dias serão de aulas e, por isso, não há necessidade de roupas com modelos individuais. A não ser, é claro, que o príncipe solicite um encontro com a senhorita.
Algo dentro de mim falava que isso provavelmente aconteceria, mas fiquei calada para não soar soberba.
Vesti o vestido bege que era acinturado e sem nenhum detalhe, mas feito de tão bom tecido que, ainda assim, ficava lindo em qualquer pessoa que o vestisse.
— A senhorita está linda — as meninas me falaram e eu apenas sorri em agradecimento.
Alguns minutos depois, Peter apareceu para nos levar a uma pequena tour pelo palácio.
— Não toquem em nada, está bem? — ele nos pediu.
rapidamente correu ao meu encontro e me deu um abraço apertado.
— Não parece um sonho? — me perguntou.
— Sim — respondi, omitindo que, para mim, estava mais para pesadelo.
Passamos pela biblioteca – uma que realmente era cheia de livros –, um enorme salão que não lembro bem sua função, algumas salas que nos informaram que não poderíamos entrar, o lugar onde seria gravado o Jornal Oficial quando fôssemos aparecer e, depois, fomos guiadas para fora do castelo.
— Aqui temos a piscina que pode ser usada por vocês, mas não agora. Ela ficará rodeada de placas para melhor privacidade das selecionadas, de modo que os funcionários não as vejam. Mas, ainda assim, vocês só terão permissão para ficar aqui à noite todos os dias, de oito às dez da manhã, depois das quatro nas sextas-feiras e o dia todo no domingo. Claro que não terão este tempo todo, visto suas obrigações como selecionadas, mas não custa torcer. Ali, bem ao fundo — Peter apontou e nós olhamos —, fica uma sala de diversão feita especialmente para o entretenimento de vocês, com alguns jogos, um mini spa, entre outras coisas. Essa sala só será liberada para uso durante os sábados, à noite nos outros dias ou durante encontros que o príncipe queira ter com alguma. Lembrando que qualquer atividade liberada durante a noite só poderá durar até às oito. O jantar, normalmente, é servido às seis da noite aqui.
Concluí que, no fim, só teríamos em média uma hora de lazer naquele lugar durante a noite.
— Agora a senhora Anne nos espera no Salão das Mulheres para uma aula e também café da manhã.
Só de ouvir a palavra meu estômago roncou. Havia acordado às sete e já chegava perto das dez.
Seguimos para o Salão das Mulheres, e o cheiro gostoso de comida tomava conta do ambiente.
— Sentem-se e não toquem em nada. Hoje, vamos aprender como se portar à mesa.
Anne começou a nos explicar sobre pratos, talheres, copos e a maneira de segurar cada uma das coisas. Eu não prestava muita atenção porque o cheiro da comida estava me desconcentrando, mas me esforcei para parecer muito focada.
— Senhorita Luna, você por acaso não sabe diferenciar direita de esquerda? — Anne perguntou, parecendo irritada.
Sem saber do que se tratava, virei em direção à Luna Garcia que, pelo que me lembrava, vinha de Bonita. Vi que ela segurava o talher com a mão errada. Luna, que tinha a pele mais branca que eu já tinha visto na vida, ficou tão vermelha que suspeitei que até seus cabelos dourados fossem ficar vermelhos também.
— Me desculpe — ela falou tão baixo que mal pudemos escutar.
Anne não respondeu o pedido de desculpas, apenas virou e continuou sua aula.
— Tenho medo dela — me contou baixinho.
— E quem não tem? — perguntei, rindo um pouco.
Depois do que pareceu uma eternidade, fomos finalmente liberadas para comer.
Assim que todas colocaram o primeiro pedaço de comida na boca, ouvi um barulho de satisfação igual ao que minha família fez quando comemos a primeira vez, porém, dessa vez mais alto, já que éramos tantas. Conforme o café da manhã ia seguindo, os cochichos de conversas entre as selecionadas iam tomando conta.
— Vocês souberam? — Melissa, que estava ao lado de , perguntou do nada.
— De quê? — perguntou, confusa.
— O príncipe teve dois encontros ontem, mesmo depois de todas aquelas fotos.
Vi todo o sangue do rosto de sumir.
— Ele... ele... ele já começou a convidar as garotas? — ela perguntou e eu suspeitei que quisesse chorar.
— Sim. E já convidou mais duas, pelo que fiquei sabendo.
Antes que chorasse, toquei em se braço e falei:
— Vai chegar a vez de todas.
— Achei que por ter sido escolhida pelo povo, ele iria fazer questão de me conhecer melhor.
— Também achei. Fiquei até preocupada com você — Melissa disse e eu quis tapar a boca dela.
Ela não parecia ter feito por mal. Melissa tinha jeito de quem falava tudo o que pensava, mas vi que aquilo mexeu ainda mais com minha amiga.
— Sarah, a menina que deveria ter vindo conosco, foi uma das convidadas de hoje. Estou ansiosa para saber se também serei chamada. Nós dois parecemos ter nos dado bem ontem. Como foi com vocês?
Isso fez a tristeza do rosto de sumir e logo ela estava dando um sorriso.
— Foi mágico. Acredito que nossa foto tenha ficado linda. Ontem assisti o Jornal Oficial no meu quarto na esperança de ver a foto. Fiquei frustrada quando contaram que, por falta de tempo, só mostrariam hoje.
— Eu adorei cada segundo ao lado dele — Melissa falou, como se fosse capaz de flutuar. — E você, ?
Ela e olharam para mim com expectativa, e eu não soube bem o que dizer. Meio sem jeito, tentei dar uma resposta que pudesse satisfazê-las.
— Acho que correu tudo bem, só não sei se a foto realmente saiu boa. Mas foi legal.
— Quando o rei e a rainha terminarem de comer, automaticamente vocês terminam também. Então, sugiro que não conversem tanto — Anne falou, impaciente com nossas conversas.
Perto do fim daquele café da manhã, mais duas garotas, Zoe Stern de Lakedon e Kris Smith de Hansport, receberam bilhetes e, pela animação, ficou claro que era um convite do príncipe.

Voltei para meu quarto um pouco incerta sobre minha trajetória na Seleção. Algo me dizia que meu pequeno desentendimento com o príncipe na hora das fotos e a ausência de convite poderia resultar na minha eliminação. Diferente de pela manhã, eu já não acreditava que seria convidada. E estava certa.
Naquele dia, almoçamos no quarto e, à noite, jantamos juntas para mais uma aula. Porém, Zoe não estava conosco. Na manhã seguinte, foi a vez de Kris se ausentar da aula no café da manhã, e Constance Miller de Fenley, receber um convite.
, não acredito que você nos escondeu o jogo desta maneira! — Melissa me abordou enquanto saímos do café da manhã.
— Hã?
— Sua foto — disse, que havia chegado junto com Melissa e Olivia Aniston. — Você teve a foto mais íntima de todas.
— O que você fez para conseguir aquilo? — Olivia perguntou num tom acusatório.
Encarei Olivia e me perguntei quem era ela. Logo lembrei da garota ruiva que havia aparecido na tela quando Baffin havia sido anunciada.
— Como assim o que eu fiz?
— Ele te tocou. Vocês pareciam um casal apaixonado! — Melissa explicou a foto.
Eu não havia assistido ao Jornal Oficial na noite passada e, por isso, não sabia bem o que dizer. Mas as lembranças daquele dia me fizeram ter uma ideia do que as meninas falavam.
— O fotógrafo percebeu que eu estava com dificuldade. Apenas tentamos tirar uma foto boa — respondi, querendo sumir daquele lugar.
Elas não pareceram se convencer e me olhou desconfiada. Mas, graças aos céus, meu quarto era um dos primeiros e pude logo me despedir.
— Agora preciso me descansar, meninas. Anne disse que hoje vamos participar do Jornal Oficial e as garotas que me ajudam precisam de mim para terminar os ajustes do vestido.
Entrei rapidamente no quarto e suspirei aliviada por me livrar daquele interrogatório.

O vestido que Abigail e Stephany tinham feito havia caído perfeitamente em mim. Eu suspeitava que nunca mais na vida fosse vestir algo tão bonito como aquilo.
O vestido era de um tecido como tule nas mangas e tinha o tom de um rosa-claro, mas que também parecia lilás. Era justo no busto e, ali, começava com a mesma cor das mangas, escurecendo até chegar no roxo bem forte. Quando chegava na cintura, ele se abria e virava um enorme vestido bufante, cheio de tule. Começando com a cor roxa, depois fazendo um degradê até voltar a ter a mesma cor das mangas.
Abigail havia ficado responsável pelo meu cabelo e o prendeu num coque, deixando apenas alguns fios soltos perto do rosto. Já Stephany tinha me maquiado e suavizado o olho para que toda atenção ficasse na minha boca, onde eu usava um batom de cor forte que se assemelhava muito ao roxo do vestido. Em comum acordo, não usei nenhuma joia.
— Nunca estive tão bonita na minha vida.
— Você já é linda, senhorita — Abigail disse, como se eu sempre fosse como me via no espelho.
— Igual estou agora, sei que não — falei, rindo.
Stephany veio até mim e tocou delicadamente os meus ombros.
— Senhorita , temos informações que nos fazem crer que a senhorita, depois da foto de ontem, é uma das preferidas pelo povo. Sua falta de interesse em assistir ao Jornal Oficial e em se levantar cedo me fazem crer que, talvez, a senhorita não ligue tanto para isso. Mas, hoje, peço que se agarre um pouco ao carinho que o povo tem por você e verá que ninguém brilhará mais que a senhorita.
Fiquei sem palavras. Não apenas pelo que Stephany disse, mas também pela forma que disse. Ela me olhava séria e parecia ter uma fé em mim que eu não sabia que alguém algum dia teria. Seu pedido não parecia apenas uma frase motivadora, mas um conselho de alguém que acreditava que eu podia ser ainda melhor do que eu já era. E, mesmo que estar ali não fosse os melhores dos meus sonhos, decidi que ela e quem acreditava em mim merecia que eu seguisse suas palavras.
— Pode deixar, Stephany.
Os dias seguintes ainda eram uma incógnita, mas ao menos aquela noite sabia como seria: eu iria arrasar.

Encontrei com que estava, desta vez, acompanhada de Sarah e Olivia. As três estavam absurdamente lindas também. com um vestido dourado que a deixava parecida com o sol, Sarah com um vestido azul claro que valorizava suas feições angelicais, e Olivia com um vestido tão vermelho como seu cabelo, deixando-a incrivelmente sexy.
— Vocês estão lindas — falei, assim que chegaram perto de mim.
— Obrigada, . Você também está deslumbrante.
— Sarah, nos conte como foi seu encontro com o príncipe.
— Ah, meninas, foi maravilhoso. Ele estava tão preocupado comigo, valeu a pena todo o medo que passei antes de chegar aqui. Passaria por aquilo mil vezes. Ele foi extremamente atencioso e escutou meu relato com tanto carinho… Pensei que ele fosse chorar quando contei que jogaram uma pedra no carro. Contei-lhe da tentativa dos manifestantes de queimar o carro e ele me deu o abraço mais forte que já recebi na vida...
Conforme Sarah ia contando do seu encontro, eu ia me chocando cada vez mais com a forma como ela mentiu da primeira vez que lhe perguntamos sobre o ocorrido.
— Achei que você tivesse dito que não havia sido nada de mais naquele dia. Isso não me parece nada de mais — comentei, sem conseguir me conter.
Sarah pareceu despertar de seus sonhos com o príncipe e seu rosto foi tomado por um completo horror.
— Meu Deus! Me prometam que não contarão nada disto a ninguém. Por favor! — ela suplicou.
— Mas por que não? — indaguei.
— Porque vocês não podem.
Olivia e pareciam prontas para acatar, mas eu ainda tinha mais dúvidas.
— Por que não podemos? É a verdade e você está bem.
Sarah me olhava sem ter resposta, parecendo ficar irritada.
— Acho que não devemos sair por aí mentindo — falei mais uma vez.
— Foi comigo que aconteceu, está bem, ? Não quero que ninguém saiba. Não sabia que você gostava de fofoca.
— Não se trata de fofoca. Só não entendo por que mentiu pra gente.
— É a minha vida, eu conto o que quiser. Não queria contar e já me arrependo de ter contado agora.
— Não queriam que você contasse? — insisti e interveio.
!
— É a minha vida, . Por favor, tome conta da sua.
Sarah saiu sem olhar para trás, muito mais brava do que eu esperava que ela fosse ficar.
, por que você fez isso? — Olivia quis saber, demonstrando estar do lado de Sarah.
— Só queria saber se mandaram ela mentir pra gente — me defendi.
— E se sim, o que há de mais nisso?
— É a nossa segurança e das pessoas que amamos que está em jogo.
— Se você não confia que a coroa pode te proteger, acho que não deveria estar aqui — Olivia comentou e, assim como Sarah, se afastou.
, se você ficar fazendo coisas assim, ninguém vai querer ficar perto de você. Talvez apenas a Melissa, que consegue fazer comentários tão desagradáveis quanto — disse, também parecendo brava.
Não tive a intenção de ser rude ou algo daquele tipo, mas, diferente das meninas que só estavam focadas na Seleção, eu tinha outras preocupações. Porém, jamais entenderia aquilo.
— Sugiro que deixe aquele seu jeito para fora do palácio ou se meterá em problemas — ela falou, também me deixando sozinha e indo se juntar à Olivia.

Mesmo que claramente Sarah não me quisesse por perto, assim que entrei no local onde o Jornal Oficial acontecia, fez um sinal para que eu me juntasse a elas. Ela havia guardado um lugar para mim ao seu lado, de forma que havia minha amiga e Olivia entre Sarah e eu. Quando finalmente cedi e estava pronta para chamar Sarah e me desculpar, a produção do programa nos avisou que ele estava prestes a começar, e, a partir daquele momento, não poderíamos mais nos levantar ou conversar.
— Boa sorte, meninas — falou, segurando minha mão e a de Olivia que, por sua vez, também segurava a de Sarah.
Foi dado o sinal e estávamos ao vivo. Eu já havia estado ao vivo outra vez, mas sentia uma sensação totalmente nova. Era como se cada movimento meu pudesse ser julgado por milhares de pessoas que não me conheciam e, talvez, nunca viessem a conhecer.
Cail entrou no palco e começou o show daquela maneira que só ele sabia fazer.
— Boa noite, Illéa. Hoje é uma noite maravilhosa! Perceberam como esse lugar está mais bonito? Estamos com as trinta e sete garotas comuns mais famosas e conhecidas de toda a nação. Deem um oi para o povo, senhoritas.
Todas nós acenamos, o que resultaria em broncas depois, já que definitivamente não foram tão graciosos quanto Anne gostaria.
Depois disso, o rei foi chamado para anunciar algumas coisas sobre as contas, e, logo depois, Cail retornou.
— Gostaria de saudar os nossos dois príncipes e dizer que vocês estão mais lindos que nunca — Cail brincou, e até mesmo o príncipe George ficou sem jeito. — Mas a estrela hoje é você, príncipe . Alteza, poderia se juntar a mim aqui na frente?
O príncipe fez que sim com a cabeça e logo se levantou para se juntar a Cail.
— Alteza, ficamos sabendo que nesses últimos dois dias você teve alguns encontros, verdade?
— Sim, Cail. Foram momentos ótimos.
— Ontem o jornal mostrou alguns, mas que tal vermos os últimos?
— Claro.
E, então, passamos alguns minutos assistindo a um compilado de aparentes melhores momentos dos encontros do príncipe com as selecionadas. Não deixei de perceber que tanto ele quanto as meninas não pareciam tão à vontade assim. Se pela presença da câmera ou pela falta de intimidade, eu não sabia.
— Alteza, você deixou as câmeras filmarem tudo? — Cail perguntou, quando a câmera voltou a ser focada neles.
— Não, Cail. Assim não teríamos privacidade alguma. E vocês me perdoem, mas preciso disso com as garotas — a pouca plateia presente explodiu em risadas, e o príncipe acabou ficando vermelho, mas tentou ignorá-las. — Então, chega um momento que ficamos a sós.
— Entendi. Isso é bom. Eu acho — Cail brincou, dando uma risadinha que, novamente, envergonhou o príncipe.
— Cail, comporte-se — ele tentou brincar para não parecer bobo.
Acabei rindo enquanto via aquela cena.
O príncipe claramente não gostava de ser alvo de risadas. Isso o deixava desconcertado, porém, parecia odiar ainda mais demonstrar. Então, ele tentava brincar na intenção de mostrar que nada daquilo o abalava. Acho que muita gente acreditava naquela tentativa, mas bastava olhar seus olhos para perceber a verdade, já que ele sempre acabava piscando mais que o normal quando fazia isso.
— Alteza, fiquei sabendo que você tem um anúncio a fazer. E queria dizer que nós também temos um que será novidade até para você. Está pronto?
— Devo fazer o meu primeiro? — ele perguntou, parecendo ansioso para a novidade.
— Calma, Alteza — Cail pediu, rindo. — Primeiro queria dizer ao povo de Illéa que, hoje, terão outra chance de participar desta Seleção.
Olhei de maneira interrogativa para as meninas, que também tinham a mesma expressão.
— Hoje, após o seu anúncio, será aberta uma votação em nosso site. O povo terá cinco minutos para escolher uma garota que terá um encontro com você, príncipe . É isso mesmo, povo de Illéa, vocês vão decidir quem será a próxima garota a ter um encontro com o príncipe .
Ouvi suspiros de alívio das meninas, que acredito que esperavam uma eliminação de forma repentina.
— Alteza, agora é a sua vez. Qual o seu anúncio?
O príncipe mexeu um pouco as mãos e olhou para onde nós, selecionadas, estávamos.
— Hoje farei a primeira eliminação, Cail. Quatro dessas maravilhosas garotas nos deixam hoje.
E, antes mesmo de saber quem era, já pude ouvir choro de algumas das meninas.
O jogo tinha mesmo começado.


Capítulo Sete

— Quatro, Alteza? Por essa ninguém esperava — Cail falou, parecendo mesmo surpreso com o número.
— Essas garotas são maravilhosas, Cail. Cada uma delas merece encontrar o seu príncipe, mesmo que ele não seja realmente de uma família real. Então, prefiro sempre ser sincero com cada uma delas e, assim, dar-lhes a chance de serem felizes.
Sincero? Bom, eu tinha muito o que questionar sobre isso.
— É um bom pensamento — Cail disse. — Pronto para chamar o nome delas?
— Sim — o príncipe disse, claramente nervoso e desconfortável.
— Então pode falar, Alteza.
Eu estava pronta para dizer a que ela estava machucando minha mão, quando me dei conta que fazia o mesmo ao segurar a mão dela.
Foi impossível não me sentir boba por causa disso. O que eu temia? Ser eliminada e poder voltar à minha vida normal tendo quase nenhum dano? Aquela era a melhor saída e, ainda assim, sentia meu coração acelerado e quase saindo pela boca.
— Senhorita Zoe Stern, por favor, venha até o palco. Quero me despedir de você.
Zoe... Zoe... Logo lembrei que era a garota de Lakedon que havia tido um encontro com o príncipe.
Os olhos castanhos claros de Zoe estavam cheios de lágrimas, porém, ela não se deixou abater. Levantou a cabeça e empinou o nariz como se nada daquilo fosse derrubá-la. Fiquei encantada com sua força.
Assim que chegou ao centro do palco, Zoe recebeu um abraço sem jeito do príncipe e, ainda que não ouvíssemos, pôde-se perceber que ele lhe falava algumas palavras. Zoe não foi embora, apenas seguiu para um canto do palco.
Nesse momento, já chorava ao meu lado e me apressei em consolá-la.
, não chore. Não há chance alguma de você ser eliminada. Você foi a escolhida pelo público para estar aqui.
E, então, o príncipe fez meu argumento praticamente cair por terra.
— Senhorita Amberly White, quero lhe dizer adeus.
Amberly White havia sido a garota que e eu observamos na sessão de fotos. De acordo com todos, ela, junto comigo, teve as melhores fotos daquele dia. Amberly era desenvolta, tinha classe e, depois da foto, também tinha muita torcida.
Aparentemente, o príncipe não ligava para isso.
Algo em mim se acendeu quando vi essa decisão dele. Parecia orgulho. Talvez ele não procurasse pessoas tão falsas assim.
Diferente da sua pose de sempre, Amberly se desmontou assim que chegou perto do príncipe. O abraço dos dois foi ainda mais desajeitado, e ele parecia extremamente constrangido com aquilo.
Embora eu jamais fosse fazer uma cena como aquela, conseguia entender um pouco a reação de Amberly. Ela era linda e parecia ter tudo para seguir na Seleção. Provavelmente, a eliminação não era esperada. Além disso, era de Carolina, e isso por si só já era algo grande demais.
Depois de duas ou três tentativas, o príncipe finalmente conseguiu se desvencilhar do abraço cheio de dor que Amberly lhe dava e chamou a próxima garota.
— Senhorita Anne Mason, quero me despedir de você.
Anne também foi um show à parte. Ela mal conseguia levantar e precisou da ajuda de suas colegas para enfim seguir rumo ao centro do palco. Olhar aquele desespero fez meu estômago embrulhar. Baixei a cabeça para conseguir continuar firme em meu lugar.
Embora com muita dor, Anne teve uma despedida rápida com o príncipe.
Era a hora do último nome. Aquela tortura finalmente chegaria ao fim.
— Senhorita Sarah Lee, é hora de dizermos adeus um ao outro.
Sem nem perceber, e eu estávamos abraçadas nesse momento. De alguma maneira, saber que Sarah era para ter vindo conosco acabou fazendo um pequeno vínculo ser criado, assim como havia surgido com Melissa. E tudo que eu menos queria era ter que lhe dar adeus naquele momento.
Olhei para Sarah e ela parecia tão perplexa quanto a gente. Sua caminhada até o príncipe deixava claro que ela não entendia direito o que estava acontecendo. Não disse uma palavra sequer ao príncipe e seguiu para o canto, claramente anestesiada.
Logo lembrei-me do seu segredo e também da sua certeza de que o encontro havia sido ótimo. Provavelmente, aquilo tudo havia lhe dado uma confiança grande demais.
— E hoje nos despedimos das representantes de Carolina, Lakedon, Yukon e Zuni. Mas essas províncias não deixam de estar aqui conosco. Somos todos uma nação, e quem quer que chegue até o final estará representando todas as outras — Cail disse. — Agora que já sabemos quem permanece, vamos abrir a votação no nosso site da Seleção. Vocês terão cinco minutos para decidirem quem destas garotas já sairá daqui com um encontro marcado com o príncipe . Agora, o príncipe tem algo para as quatro garotas que nos deixam.
— Senhoritas, espero que a estadia de vocês aqui em minha casa tenha sido ótima. Tenham certeza de que levarei cada uma de vocês em meu coração. Como forma de gratidão por terem permitido que eu as conhecesse, quero presentear vocês com esses braceletes. Permitem que eu coloque em seus braços?
Todas as quatro balançaram a cabeça em um sim e o príncipe seguiu segurando e beijando a mão de cada uma antes de colocar a pulseira nos braços delas.
Antes que eu me desse conta, Cail já estava anunciando o fim das votações e dizendo que já tinha um resultado.
— Sem mais delongas, vamos saber quem ganhou a votação de hoje. O primeiro encontro do príncipe nessa semana será com a senhorita Benett.
Olhei em choque para o centro do palco e depois para o fundo, onde uma foto minha aparecia. Procurei a mão de que antes segurava, mas não a encontrei mais lá. agora se encontrava olhando para baixo e segurando suas mãos, de modo que não pude contar com elas.
Sem ter onde me segurar e nervosa demais com aquele resultado, forcei minha cabeça a olhar para o centro do palco, onde tanto Cail quanto o príncipe sorriam para mim.
— Levante-se aí mesmo, senhorita . Deixe o povo ver como está a preferida de hoje.
Duvidando da minha própria capacidade de manter as pernas firmes, fiquei em pé. Olhei rapidamente para baixo, onde estava, e vi que minha amiga continuava com a cabeça baixa, como se não estivesse realmente ali.
Cail falou mais alguma coisa antes de me pedir para sentar, e, depois disso, o Jornal Oficial rapidamente chegou ao fim.
— chamei assim que a última câmera foi desligada.
— Oi, — ela respondeu, me chamando pelo nome.
— Você... você está chateada? — indaguei, tentando entender o que eu havia feito para que ela ficasse daquela forma.
— Não. Só quero me despedir da Sarah. Você vem? — ela indagou, ainda sem me olhar nos olhos.
Balancei a cabeça em um sim e me levantei junto com ela.
Olhei para o lado e vi o príncipe seguindo para fora do set de filmagens. Sarah, parecendo fora de si, tentou pará-lo.
— Alteza, eu preciso falar. Podemos ter um minuto?
O príncipe não parou sua caminhada, mas, mesmo, assim respondeu:
— Sinto muito, senhorita Sarah. Mas acredito que não seja o momento.
— Mas qual será o momento se serei mandada embora ainda hoje?
— Sinto muito — falou, ainda caminhando, e, dessa vez, claramente tentando se distanciar de Sarah.
— Deve ter acontecido algum engano. Como posso ter sido eliminada? Tudo que eu passei...
Ao lado do príncipe estava seu irmão, e seus pais estavam um pouco à frente deles, de modo que os quatro conseguiam escutar Sarah.
— Senhorita, creio que esse não seja um assunto que devemos tratar aqui — novamente ele tentou, seguindo seu caminho.
e eu seguíamos Sarah de uma distância segura para não parecer que estávamos tentando alcançar o príncipe, mas dava para escutar toda a conversa.
— Justamente! Por isso queria conversar, acho que mereço depois de tudo que passei. Aquelas coisas no carro...
Sarah não teve chance de continuar sua frase. O rei empurrou os filhos para que lhe abrissem caminho e então berrou, para que todos pudessem escutar:
— A senhorita não ouse sair por aí falando o que não lhe cabe, garota insolente! Não houve nada para que pudéssemos ser gratos a você e nunca haverá. E ai da senhorita se sair com qualquer conversa que conteste isso. Agora vá, por favor, arrumar suas coisas, e aceite de uma vez por todas que foi insuficiente para o meu filho.
Congelei no meu lugar e tive a impressão que todos congelaram juntos. Ninguém ousou se mexer até o rei dar as costas à Sarah. Foi quando o príncipe , parecendo chocado com a reação do pai, virou-se para falar com ela, mas foi impedido.
— o rei disse, puxando o braço do filho —, você tem afazeres e sua função aqui já encerrou. Vamos embora.
— Mas...
— Filho — a rainha interveio de forma contida —, não contrarie seu pai. Esqueceu da sua reunião?
— Me desculpe — o príncipe murmurou antes de seguir os pais.
segurou minha mão e me puxou para perto de Sarah, que tinha lágrimas escorrendo dos olhos.
— Vamos, Sarah. Vamos sair daqui — disse antes de abraçar a garota de lado e conduzi-la para fora do set.

Estávamos no quarto de Sarah. e eu havíamos levado-a até lá e dispensado as criadas. Preparamos um banho, a ajudamos a desfazer o cabelo e a limpar a maquiagem. Agora havia chegado também Olivia e, para o descontentamento de , Melissa, que mesmo com seu jeito rabugento, parecia preocupada com Sarah.
— Você sabe que horas eles vêm te buscar? — Olivia perguntou.
— As criadas falaram que eu tinha duas horas para me preparar.
— Faz tempo que elas disseram isso? — Melissa indagou enquanto segurava a mão de Sarah.
— Acho que deve ter cerca de uma hora.
— Sinto muito que você tenha saído, Sarah. Pode não parecer, mas eu gostava de você — Melissa disse, e até Sarah deu um sorriso.
— Sei que sim, Melissa — ela respondeu com um sorriso triste no rosto. — Me sinto tão mal com aquelas palavras do rei. Ele disse que não sou suf...
— Ei! — chamei sua atenção. — Você vai mesmo dar ouvidos a ele? Ele não a conhece, Sarah. Não conhece nenhuma de nós. Só uma garota será escolhida e isso não a faz melhor que nenhuma. Vai de quem o príncipe se identifica. Isso não conta como ser suficiente ou não.
— Acho que ele falou aquilo porque você o irritou. — disse. — Não leve a sério.
— E, ainda assim, ele não tinha o direito de falar aquilo — afirmei.
— Eu não estava mentindo. Em nada, meninas. Ele tentou dizer que eu inventaria mentiras. Mas eu jamais faria isso.
— Sabemos que não.
— O príncipe e todos pareciam tão gratos a mim pelo meu comportamento. Saber guardar segredos deveria contar pontos a meu favor, não? Vocês acham mesmo que foi tão simples o que houve comigo? Não foi! Sabe, olhando agora, foi até bom eu ser eliminada. Não acho que essa Seleção vá chegar até o fim.
— Como assim? — todas nós perguntamos juntas.
— Havia dezenas de pessoas querendo me impedir de entrar no carro. Falando que eu queimaria junto com a coroa se seguisse. Tentaram, literalmente, tocar fogo no carro. Graças a Deus eu não estava dentro, e, bom, impediram antes disso ocorrer de fato. Entraram no meu hotel, sumiram com minha mala, e quando ela reapareceu, estava cheia de xingamentos. Esse povo nos odeia. Tinha ratos dentro da mala. Eu entrei em desespero!
— Ah, Sarah. Sinto muito que tenha passado por isso — disse, puxando-a para um abraço.
— Prometam que vão tomar cuidado. Não suportaria saber que aconteceu algo com vocês.
Melissa abriu a boca para falar, mas calou-se ao ouvir Olivia chorando.
— Olivia! O que houve? — Melissa perguntou, amparando-a.
— Estou com medo. Tenho pavor de ratos. Não suportaria nada disto. E se nos matarem?
Só então, Sarah pareceu se dar conta que talvez tivesse falado demais.
— Ah, Olivia. Não fique assim. O palácio é bem mais seguro que um hotel. E, por favor, não fale disso com ninguém. Não sei o que o rei poderá fazer comigo se ele souber que contei a vocês. Só tomem cuidado e tudo ficará bem.
— Vamos tomar — Melissa assegurou.
— Tomem mesmo. Inclusive você. Você pode ser chata, mas não quero te ver morta, Melissa.
E, então, Olivia voltou a chorar.
— Foi uma brincadeira, Olivia. Pare de ser idiota! — Melissa disse rolando os olhos, mas eu podia ver que se esforçava para agir naturalmente depois daquelas coisas. — Como quer se casar com o príncipe se chora com tudo?
— Você é insuportável, Melissa — Sarah brincou, rindo, e claramente grata pelas palavras de Melissa.
Nós cinco nos deitamos levemente apertadas na cama – ali no palácio havia as maiores camas que eu já havia visto na vida – e ficamos falando sobre o que a gente mais gostava de ter visto até então lá dentro. Cedo demais, fomos interrompidas pelas criadas informando que Sarah precisava ir e que deveríamos todas descer para o Salão das Mulheres, onde iríamos nos despedir das quatro meninas.
A despedida foi rápida e impessoal. Consistiu apenas em um abraço, e logo as meninas estavam dando as costas.
E ali, quando vi Sarah dar as costas enquanto puxava sua mala, minha ficha caiu: eu estava de fato naquele jogo, e mesmo sem querer, havia criado laços que provavelmente me renderiam dores futuras. Mesmo sabendo disso, não me arrependi. Desejava de todo meu coração poder manter contato com aquelas três meninas ao meu lado e também com a que ia embora, e, quem sabe, com as outras também.

Quando cheguei ao meu quarto, minhas criadas me aguardavam com o maior sorriso que eu já havia visto no rosto delas.
— O que houve? — indaguei, desconfiada.
— O príncipe mandou um rapaz vir lhe entregar isto — Stephany disse enquanto balançava a carta em sua mão.
— Acreditamos que possa ser sobre o seu encontro com ele — Abigail disse.
Peguei a carta e vi que as duas me encaravam curiosas. Acabei sorrindo.
— Vocês querem que eu leia para vocês, não é?
— Só se a senhorita se sentir à vontade — Abigail disse.
Ri novamente.
— Tudo bem.

“Querida senhorita . Tudo bem?
Hoje descobri que sou muito fácil de se ler. Afinal, o público deve ter lido minha mente. Era exatamente você que eu desejava que ganhasse a votação. E, pela primeira vez na vida, gostei que me lessem.
Tenho alguns lugares que poderia te levar, mas queria que, nesse primeiro encontro, você escolhesse. Poderia mandar que uma de suas criadas me trouxesse a resposta com seu local escolhido?
O horário também é de sua escolha, mas preferia que não fosse pela manhã. Até porque, amanhã, tomarei café da manhã com vocês. Poderíamos sair depois, não seria legal? Perdão, você quem escolhe. Não precisa levar isso em conta.
Sinto que estou falando demais, então vou encerrar este bilhete, que mais parece uma carta, por daqui.
Com carinho,
Príncipe Schreave.”

— Onde a senhorita quer ir? — Stephany perguntou.
— Não sei. Não queria sair depois do café da manhã. Preferia que a gente fizesse algo que envolvesse comida, porque, se nos faltar assunto, a gente come.
Stephany e Abigail caíram na risada, mesmo que eu estivesse falando sério.
— Você pode sugerir que tomem um chá no fim do dia. O jardim é lindo.
— Ótima ideia, Abigail. Dê-me um papel e uma caneta.

“Olá! Estou bem. Espero que também esteja.
Queria tomar um chá no fim da tarde. Me falaram que o jardim é lindo. Seria possível?
Abraços,
Benett.”

Escolhi não ler o bilhete para minhas criadas. Sabia que estava sendo muito breve, e elas certamente não gostariam disso.
— Pronto. Você pode levar, Stephany?
— Claro que sim, senhorita.
— Obrigada.
Stephany saiu toda feliz e Abigail me olhou com orgulho. Senti minha barriga ficar gelada pouco a pouco.
No dia seguinte, eu teria um encontro com o príncipe e não estava nem um pouco preparada para isto.


Capítulo Oito

estava deitado em sua cama olhando para o nada desde que mandara um dos seus criados entregar o bilhete, que mais parecia uma carta de tão grande, à . Bufou enquanto encarava o teto. O dia havia sido péssimo e a noite ainda pior. A reação de Sarah e seu pai só havia deixado as coisas mais difíceis.
Mas a verdade é que, por pior que tenha sido, ele ainda tinha muito o que comemorar. Seu pai havia aceitado seus termos e isso era algo que ele não acreditava que fosse ocorrer.

— Pai, precisamos falar sobre as eliminações — disse quando chegou à sala do pai naquela manhã.
— O que tem elas?
— Quero eliminar no mínimo quatro meninas e, antes disso, vim me certificar que você manterá sua promessa de que terei autonomia.
— Mas você sabe que... — o rei foi logo começando e estudou muito qual tom usar antes de cortá-lo.
— Eu entendo que você queira ter acesso e opinar, não me oponho a isso, ao menos, não de forma total. Então, pensei em lhe sugerir algo que lhe garanta poder e que também garanta que sua promessa será cumprida.
havia ensaiado tanto aquelas falas antes de entrar que temeu saírem decoradas. Mas cada palavra tinha um poder exato para conseguir o que queria.
— Que tal assim? — indagou.
Conhecendo seu pai, temia que nada fosse possível, mas sabia que estava dando seu máximo. Usara as palavras “poder”, “promessa”... Dera ao pai a ideia de que o poder era dele e que ainda era honrado por manter o que prometeu. O ego do rei estava inflado na medida certa.
— E como seria isso? — o rei perguntou, dando-lhe atenção.
estava com certa vantagem.
— Todas as vezes que eu for eliminar mais de uma pessoa, quero ter o direito de escolher metade delas sem questionamentos. Só que, ainda assim, sua opinião será importante, porque, antes de escolher, o senhor me dirá qual selecionada eu não poderei tirar naquela semana. Do mesmo modo, lhe direi uma que também não tirarei de forma alguma.
— E a outra metade? — o rei perguntou, cuidadoso.
— O senhor me dirá se concorda ou não. Caso não, procuraremos entrar em um acordo. Isso, claro, sem que nenhum dos dois mexa nas que o outro escolher como não podendo ser eliminada.
O príncipe assistiu seu pai mexer um pouco nos cabelos, como sempre fazia quando estava concentrado, e depois suspirar, dando um sorriso.
— Acho uma ótima ideia, desde que eu possa mesmo interferir nas que estiverem ao meu alcance.
quis suspirar de alívio, mas não se mostraria fraco naquela hora. Precisava reafirmar os termos antes.
— Fazendo elas, parte metade que está disponível para conversa e, não sendo a que escolhi não eliminar, o senhor terá total liberdade.
— Certo, então. Já tenho até a que escolho como impossibilitada de ser eliminada.
já contava com o pai exigindo seus direitos e fazia até ideia de quem seria a escolhida. Leu algumas revistas e sabia que Mitchell liderava todas as pesquisas como a preferida.
— Quem é? — ainda assim, fingiu não saber.
— A senhorita Mitchell. Não podemos tirar a escolhida do público tão cedo assim.
— Concordo totalmente — disse, embora saber que o pai gostava mesmo dela o fizesse criar certa antipatia pela moça. — Posso dizer a minha?
— Claro.
— A senhorita Benett.
O rei riu.
— Achei que fosse mais tolo, , mas parece que você já está entendendo o nosso jogo.
também esperava que seu pai fosse gostar da escolha dele que, embora fosse verdadeira, não deixava de ser também estudada para acalmar o pai. Embora quisesse no palácio, não havia necessidade de protegê-la. Ela era querida pelo povo e isso fazia com que não corresse risco com seu pai. Mas escolhê-la era agradá-lo agora, mesmo que fosse apenas para fazê-lo de bobo.
Como retribuição à frase do pai, sorriu.
— Antes do programa venho lhe contar quais são minhas escolhas.
— Certo.
— Bom dia, pai.
— Bom dia.
Assim que saiu da sala, pôde finalmente suspirar. Seu plano tinha dado certo. Ele havia conseguido. Mal podia acreditar.

— Espera um pouco, você quer eliminar a Amberly? — o príncipe George perguntou confuso quando escutou o irmão falar isso também naquela manhã. — Você sabe que ele jamais vai deixar, não sabe?
sorriu para o irmão.
— Já conversei com ele. Lhe pedi que escolhesse uma menina como intocável e ele escolheu a . Também acertamos que tenho direito de escolher metade da lista como inquestionável. A senhorita Amberly está nela — terminou com um sorriso vitorioso.
— Como você conseguiu isso?
— Dando a ele o que ele mais ama: poder — deu de ombros.
— Isso tudo foi para tirá-la?
— Não exatamente. Mas sei que, se ela não sair agora, nosso pai não permitirá que saia depois. Ela está em segundo lugar em várias pesquisas.
— Isso é um problema para você? Porque não sei se viu, mas a também está.
— O problema não são as pesquisas, mas não conseguir me sentir bem com ela. Ela, ela... — tentou pensar em uma forma de expressar o que queria. — Ela lembra nossa família. Eu não quero isto.
George poderia se sentir insultado, mas não conseguiu. Entendia bem o que queria dizer.
— Então, aproveite sua chance.
E aproveitou.
Falar que queria Amberly eliminada por pouco não causou uma briga com o pai, mas ele pensou nas palavras certas para justificar sua eliminação. E, então, teve sua lista como queria.
Nenhuma daquelas garotas despertaram algo genuíno nele. Não conseguiu com nenhuma delas manter o mínimo de conversa interessante. Então, embora tivesse doído mais do que esperava, não se arrependia das escolhas.

saiu de seus pensamentos quando escutou uma batida em sua porta. Correu para abri-la e xingou-se por isso. Não podia ficar tão ansioso assim por causa de um simples encontro.
— Boa noite, Alteza — uma das criadas de , a qual não conhecia por nome, saudou e fez uma reverência graciosa.
— Boa noite, senhorita.
— Vim trazer o bilhete da senhorita — ela falou, com um sorriso no rosto que deixava claro que amara a ideia da sua selecionada ser a garota que teria um encontro com ele.
— Obrigado, senhorita. Tenha uma boa noite.
Assim que voltou a ficar sozinho em seu quarto, pretendia finalmente dormir – ou ficar pensando em como seria o encontro com no dia seguinte, embora ele nunca fosse confessar –, mas foi atrapalhado pelo irmão que entrou sem bater.
— Deu tudo certo ou foi impressão minha?
deu um sorriso convencido.
— Não sei como, mas consegui dobrar o rei.
— Você é mais inteligente do que eu já sabia, . Queria ter esse dom. Mas é uma pena que todo meu dom tenha sido para mulheres e você tenha ficado sem nenhum sobre isso, mas com todo dom do nosso pai.
sabia que George queria dizer algo mais com aquilo e que, certamente, não desistiria até perguntar. Para adiantar, logo perguntou:
— O que você quer dizer com isso?
— Você e essa garota, a tal . Você é vulnerável a ela e é cedo demais para isso — George falou calmo, mas deixando claro que tinha certeza do que falava.
— Eu não sou vulnerável a ninguém, George. Apenas precisava eliminar quem eu queria e o rei não deixaria.
— Não falo só de hoje — George explicou e, então, sentou-se na cama do irmão mesmo sem ter sido convidado. — Isso aconteceu antes mesmo da seleção começar de fato. Você é um perfeito cavalheiro, meu irmão — continuou, enquanto se deitava e olhava para o teto. — Ver o que a seleção causou àquela senhorita mexeu com você. Foi como se a seleção tivesse começado e só houvesse vocês dois. Você tem uma ligação maior com ela. Não entendo muito por que também não desenvolveu algo com a tal , mas acho que tenha a ver com jeito bem mais midiático dela.
George esperou que o irmão respondesse algo, mas não escutou nada em resposta. Então, voltou a se levantar da cama e, agora, encarava o irmão que parecia um pouco bravo.
— Sei que você sempre odiou quando alguém te lê, ainda mais se faz isso e acerta, então entendo sua raiva agora. Mas eu só peço para você tomar cuidado, está bem? Ela não parece errada. Mas sabe quando mesmo a pessoa sendo boa tem algo estranho nela? Sinto isso.
— Você sempre vê maldade em tudo, George. Tem que parar de tirar o mundo todo pelo que vemos nesse palácio.
George riu e sabia que aquela risada era o irmão rindo dele. Isso também o irritava.
— Converse com ela e você vai entender um pouco do que estou falando. Ela parece ter ressalvas demais para quem está na seleção. E, irmão — chamou, agora tocando seu ombro de forma compreensiva —, sei que o palácio não é o lugar mais simples e correto do mundo, mas é aqui que você mora e é aqui que essa garota acha que um dia vai morar. Não duvide de quem veio parar aqui, com romance ou não.


👑👑👑


Mesmo que odiasse concordar com o George em alguma coisa, o que o irmão lhe falou sobre acabou o deixando um pouco apreensivo com ela e até mesmo com as outras meninas. Era inocência e até prepotência da sua parte achar que todas entraram naquela competição à procura de um amor e que elas não tinham maldade ou segredos. Provavelmente, o mais incapaz ali era ele, que, do alto do seu pedestal, não conseguia enxergar um palmo à sua frente se não fosse seguindo exatamente o estilo de vida que sempre fora obrigado a ter e ver.
não entendia de amor, nem de desejo físico sem que envolvesse poder. E, para ser sincero consigo mesmo, ele também não entendia tanto assim dos jogos da realeza, já que sempre optou por se manter mais distante.
Graças a todos esses sentimentos e medos, mal dormiu e optou por não tomar café da manhã nem almoçar com as meninas. Para o pai, usou a desculpa de que se encontrava indisposto e que precisava melhorar para o encontro, já que seria uma catástrofe não aparecer justamente no que o povo escolheu. O rei, preocupado demais com a seleção, acabou sendo enganado facilmente.
parecia ter finalmente entendido os perigos daquele jogo e o quão cansativo e maluco ele poderia ser. E tudo isso, somado ao fato de que ele teria que aguentar seja lá quem escolhesse por no mínimo seis meses, lhe deixava prestes a abandonar tudo. Quando percebeu que as horas não passavam e que, se ficasse no quarto por mais um minuto enlouqueceria, tomou a atitude mais impulsiva e sem muito nexo que poderia tomar: seguiu para o quarto de mesmo estando longe do horário do encontro.

Quando escutou alguém bater na porta, logo pensou que poderiam ser suas criadas, mas não fazia muito sentido, já que estavam em horário de almoço.
— Pode entrar! — ela falou mesmo assim.
Foi então que percebeu que não eram as meninas. A pessoa tornou a bater, tirando também a possibilidade de ser , Melissa ou Olívia.
Suspeitando que ignorar a pessoa depois de ter falado descumprisse alguma regra de etiqueta que ela desconhecia – mas serviria para puni-la –, levantou-se e foi atender. Quase desmaiou ao ver o príncipe à sua frente.
— Alteza — falou enquanto fazia uma reverência cheia de nervosismo.
— Olá, senhorita — ele respondeu, parecendo também nervoso. — Desculpe-me por aparecer de surpresa e bem longe do horário marcado, mas é que eu precisava conversar com a senhorita antes do encontro.
O que ele iria falar? Na verdade, nem mesmo fazia ideia direito. Mas precisava falar para não enlouquecer.
— Será que poderia entrar? Acho que seria melhor conversarmos aqui dentro, será que pode? — indagou e a olhou, confuso.
— É a senhorita quem tem que me dizer se permite ou não.
riu um pouco.
— Eu permito, não vejo nada de mais. Minha dúvida era se existia alguma regra sobre você não poder entrar.
acabou rindo também.
— Que eu saiba, não — ele falou e foi entrando. — Licença. Bom, a senhorita costuma temer muito as regras?
Antes que pudesse se dar conta do que respondia, confessou:
— Na verdade, eu não ligo, não. Mas não sou da família real, né? — deu de ombros e acabou fazendo rir.
A realeza jamais dava de ombros.
o observou andar pelo quarto sem dizer uma palavra enquanto esperava que ele falasse o assunto da tal conversa. Quando percebeu que isso não aconteceria, não conteve a pergunta.
— Mas, bom, o que queria me falar?
virou para .
— O que te trouxe até aqui? — ele perguntou, parecendo nervoso.
suspeitava ter entendido a pergunta, mas tentou brincar.
— Um avião maravilhoso — respondeu, sorrindo.
não rolou os olhos em reprovação como qualquer pessoa normal faria, mas falou:
— Percebi que você gosta de piadas, mas a pergunta é séria — disse de forma educada. — O que te fez se inscrever, senhorita ?
Ela sabia que podia e, talvez, até devesse mentir, mas não achou que seria justo. Então, tentou contar a verdade sem se colocar em risco.
— Eu não pretendia me inscrever. Quais seriam as chances, não é mesmo? Mas minha melhor amiga, a , queria muito e teve um ataque de pânico pouco antes. Entrei para ajudá-la, já que as estatísticas não pareciam ser algo contra a inscrição em sua visão.
Eram mentiras aquelas coisas? Não. Mas faltavam detalhes? Sim. Só que era o máximo que poderia dar.
— Então você fez isso pela sua amiga?
— Sim.
ficou calado por um momento. Ele não sabia bem o que esperava, mas, de fato, não era aquilo. Depois de quase um minuto, falou:
— E você se arrepende?
Todos os dias, quase falou.
— Às vezes acho que não estava preparada para tudo que acontece aqui, mas a comida é gostosa, as roupas são bonitas e tem uma piscina legal — ela deu de ombros, rindo, e torceu para que o príncipe risse também.
Ele riu, mesmo que de forma tão contida que mal parecesse um riso.
— Vou concluir que você ainda não sabe bem o que está fazendo aqui.
Por incrível que pareça, o príncipe não parecia bravo ao dizer aquilo. Na verdade, estava mais para aliviado, embora não conseguisse achar lógica para isto.
— Acho melhor eu ir embora. Mais tarde, às cinco, te espero para o chá. Até lá, senhorita .
E, tão rápido como veio, o príncipe partiu, deixando completamente atordoada.

andava de um lado para o outro no quarto esperando chegar às cinco da tarde. Aquilo estava deixando suas duas criadas tontas e um tanto irritadas, embora tentassem esconder a última parte.
— Senhorita , a sua roupa vai ficar toda amassada. Mantenha a calma — Abigail disse.
— Além de que, vai acabar suando, mesmo que nem esteja quente. Vai acabar com sua maquiagem.
respirou fundo e falou:
— Eu vou ao quarto da e já volto. Não me deixem perder a hora.
Sem que as criadas pudessem protestar, ela abriu a porta e saiu às pressas. Rapidamente, já estava em frente à porta de batendo-a de leve.
— Pode entrar!
entrou apressada e logo percebeu que algo não estava bem.
— O que houve? E por que está tão arrumada?
preferiu responder primeiro à pergunta mais fácil.
— O tal encontro com o príncipe é hoje.
— E você não deveria estar mais calma? Você não liga para a seleção, não é mesmo?
quase perguntou se havia sarcasmo na frase, mas não tinha tempo para isto.
— O príncipe apareceu no meu quarto hoje, do nada. Perguntou sobre o que me trouxe até aqui e eu não sei se dei a melhor resposta.
Rapidamente, o semblante de mudou e ela pareceu preocupada.
— Não me diga que você assumiu que não queria vir para cá.
— Bom, não fiz exatamente isso, mas confessei que só tentei porque você estava nervosa.
— Por que você fez isso, ? Ele pode achar tudo errado, ou certo... Você me entendeu.
estava vermelha só de falar e sabia que ela estava certa.
— Assumo que não foi minha decisão mais inteligente.
Então, se levantou e abriu a porta para olhar o corredor. Depois disso, fechou-a e correu para a cama, puxando para debaixo dos lençóis.
— O que você tá... — começou a perguntar, mas foi interrompida por que começou a falar baixinho.
— Sei do seu site, . E você precisa tomar cuidado para não deixar outras pessoas saberem.
falou tudo tão baixinho que, se não estivesse sentindo uma leve dorzinha pela amiga estar puxando sua orelha, acreditaria que não era real. Mas era.
...
— Eu não quero falar sobre isso, está bem? Não quero me meter nisso. Só tome cuidado.
Antes que pudesse falar alguma coisa, levantou-se das cobertas e pareceu dar o assunto como encerrado.
— Fique calma. O encontro vai ser agradável e tudo vai correr bem. Aprenda a jogar este jogo, .
Aquele não era o melhor conselho, mas entendeu o que a amiga queria dizer. Para sobreviver à seleção, era necessário saber jogar.

Quando finalmente chegou a hora do encontro, nem sabia mais o que pensar. Já havia descoberto duas pessoas que sabiam do seu segredo e, embora soubesse que Jane e jamais contariam a alguém, quem garantia que não conseguiram um jeito de arrancar isso delas?
Mesmo com a cabeça cheia de dúvidas e com medo de ter errado ao responder à pergunta do príncipe, ela seguiu para o encontro e ele a esperava igualmente atordoado. queria de fato conversar e saber a resposta para a pergunta que fizera à garota, mas, agora que havia escutado, não sabia o que fazer com ela. Aquela resposta significava que ela não gostara de ter sido selecionada? Que ela o rejeitava? Que não deveria levá-la em conta como uma garota que poderia se apaixonar? Se ao menos a resposta da última pergunta fosse sim, ele sabia que tinha grandes chances de se meter em problemas.
— Alteza — escutou falar, tirando-o dos devaneios.
A garota fez uma reverência e, então, ele levantou-se para arrastar a cadeira para ela.
— Não precisava — falou, rindo.
— Sou um cavalheiro — ele disse e ela percebeu que não era brincadeira.
— Não duvido, e eu não deixaria de achar se você não fizesse isso — ela comentou, rindo, mesmo que ele não risse.
Será que o príncipe sabia sorrir de verdade?
— Não gosta?
deu de ombros. Um gesto que sempre soava curioso para .
— Não me oponho se chegarmos juntos caso você queira, desde que saiba que eu posso fazer isso e que você não precisava se levantar para fazer tal coisa.
mostrou em sua face o que, com muito esforço e muitos minutos disponíveis, poderia se tornar um sorriso.
— Sinto que você sempre tem uma resposta inteligente e crítica para fazer, basta que eu preste atenção.
mordeu o lábio meio sem jeito.
— Acho legal puxar a cadeira para mim, mas pomposo demais ter que se levantar para isso. Não precisava.
sorriu de lábios fechados.
— Não precisa reformular a resposta. Eu gosto da franqueza da senhorita. Você deve fazer ideia de que a maioria das pessoas não arrisca ser franca e talvez me desagradar. Então, seja você, senhorita .
E era verdade. Embora nunca tivesse visto alguém dar tanto de ombros, morder os lábios quando sem jeito e ser tão franca, ele gostava de ver isso nela. Eram gestos verdadeiros.
— Bom... — ela começou novamente, mordendo os lábios. — Já que o príncipe não se preocupa que eu seja franca, seria pedir demais que não tivesse sempre que falar “senhorita” antes de dizer meu nome?
— Por quê? — ele indagou, confuso. — Há algum problema?
— Eu... — fez uma careta. — Eu acho pomposo demais.
O príncipe então pareceu ponderar e, depois de um longo gole de chá, falou:
— Há alguma coisa neste castelo e na vida que levamos que lhe agrade?
Embora a pergunta pudesse soar agressiva e estivesse temendo cada momento daquele encontro, ela percebeu que não havia nenhuma irritação nas palavras de . Ele, de fato, só queria entendê-la.
— Claro que sim — o que era mentira se não levasse em conta a comida, as três prováveis amigas e o conforto. — Só gostaria de menos formalidades, ainda não estou acostumada. Esse excesso me deixa nervosa.
— E se eu não a chamar de senhorita, como chamaria? — perguntou, curioso.
— ela deu de ombros assim que respondeu. — Só .
— Temo que isso não vá ser bem visto pelas pessoas.
odiava como tudo ali tinha que ser antes pensando em como as pessoas veriam.
— Por enquanto, podemos deixar isso entre nós. Não tem mais ninguém aqui — ela disse, tentando convencê-lo mesmo que achasse que não iria conseguir.
sabia que, quando algo vira costume, sempre sai despercebido. Fora ensinado a vida inteira a evitar gírias ou palavras muito simplórias porque podia escapar na frente das pessoas. Mas, ainda assim, ele queria ser íntimo de , então respondeu que sim.
— Acho que podemos tentar isso — ele disse e, então, recebeu um sorriso dela que fez seu estômago revirar.
Ela sorria de forma linda. Lábios totalmente esticados e os olhos apertados por causa do ato. Foi ali que percebeu que amava vê-la sorrir e que, em nenhum momento, seja ao vivo ou pelo que viu no Jornal Oficial, a viu sorrir de verdade. Aquele sim era um sorriso sincero e, embora odiasse admitir, ele era de deixar qualquer homem encantado.
O príncipe, assim que percebeu como sua mente estava reagindo ao sorriso de , cuidou de se recompor e começou uma conversa meio boba sobre o tempo. Era sobre isso que ele conversava com as princesas que visitava ou recebia como visita. “Um assunto simples e seguro”, dizia seu tutor que, embora ele odiasse, foi pago também para lhe ensinar sobre garotas.
Depois de alguns poucos minutos de conversa, pareceu cansar daquele assunto e, então, ela mesma começou outro.
— Te dói? — ela indagou, do nada, e deixou confuso.
— O quê?
— Pensar em quem eliminar. Doeu naquele dia?
suspirou. Não sabia se queria falar daquele assunto no primeiro encontro com a garota que mais chamava sua atenção.
— Sim. Acho que só me toquei no peso dessa decisão quando comecei a chamar os nomes e vê-las vindo até mim — confessou mesmo assim.
— Foi mais ou menos assim para mim — disse quando percebeu como o príncipe havia se afetado. Era justo falar um pouco sobre isso também. — Precisei ver o nome da Sarah ser chamado para eu perceber o peso que é ficar enquanto outras vão. Ainda mais se forem próximas. Até então, eu não estava dando muita importância para nada.
Ao escutar aquilo, primeiro ficou em silêncio e depois perguntou com calma:
, qual a sua província mesmo?
— Sonage.
— Você mora nos arredores? — perguntou, e ela olhou-o confusa.
— Por quê?
Nos arredores de Sonage ficava a parte mais periférica da província. pensou em virar e se olhar em um espelho que estava ali para entender o motivo que levara o príncipe a, do nada, perguntar se ela viera da periferia.
Não se importava em morar lá se fosse preciso, mas estava curiosa para entender por que ele achava aquilo.
O príncipe não respondeu rápido e, então, ela voltou a perguntar:
— Por quê?
— É que você acabou de dizer que antes não ligava tanto, e me perguntei o motivo de você estar aqui. Se talvez não fosse...
O príncipe não terminou a frase. Ele estava acompanhando cada mudança no rosto de e sentiu que, se falasse as palavras seguintes, iria magoá-la, o que definitivamente não era sua intenção.
— Pelo dinheiro? — ela perguntou sem conseguir esconder o sarcasmo que sabia que não deveria ser usado com ele. — Acha que estou aqui para te conquistar e conseguir seu dinheiro ou só pela quantia que receberei pelo tempo passado? Gostaria de saber mais sobre sua teoria — ela falou, sentindo as mãos tremerem.
— Senhorita, quero que entenda que...
— Não, Alteza! — ela o cortou, perdendo de vez a preocupação com as regras. — Sou eu que quero que entenda umas coisas. Acha que uma pessoa mais pobre só viria aqui à busca de tentar lhe dar um golpe? Pois saiba que, infelizmente, a maioria aqui é realmente apaixonada por você. E caso não, se eu fosse a Vossa Alteza, não ficaria chateado. Cada uma chegou aqui com suas duplas intenções, não é mesmo? Eu posso apostar que sua única intenção não é arrumar uma namorada. Então, não deveria julgar quem quer que tenha chegado aqui com outra também.
— Senhorita... — tentou voltar a falar, sem saber como lidar com aquela situação.
— Quer saber por que vim aqui? Eu já lhe disse: fui ajudar minha melhor amiga. Acredite se quiser, nem mesmo o dinheiro parecia me atrair para tamanha loucura. Mas devo confessar que uma parte de mim achou que não fosse tão ruim assim tendo conhecido você. Só que, aparentemente, não é só o príncipe George que acha que plebeias são apenas garotas pobres à procura de algo com a família real, você também pensa. E, se quer saber, pode haver muitas segundas ou terceiras intenções aqui, mas já que não sou só eu, pois você também sabe que elas não são as únicas, deveria apenas aceitar de bom grado o fato de que toparam entrar aqui e pagá-las muito bem por isso. E, já que provavelmente serei eliminada depois dessa nossa conversa, não me sentirei mal por dizer que não quero mais tomar chá algum. Passar bem.
se despertou ao vê-la se levantando. Ele não queria ofendê-la, jamais a julgaria por uma conta bancária. Ele não passaria o dia todo ansioso para ter um encontro com uma garota que ele não achava ser interessante. Porque era interessante e dinheiro nenhum mudaria isso. Não podia deixá-la acreditando no contrário.
! — levantou-se, chamando-a apenas pelo nome na tentativa de que, assim, ela o escutasse.
virou para trás, ainda possessa e pouco capaz de raciocinar.
— Sei que Vossa Alteza é o príncipe e que lhe devo respeito, mas, se ainda me respeitar um pouco, entenda que sou eu quem exijo algo dessa vez. Eu exijo voltar só.

E mesmo sabendo que as malditas regras que aparentemente odiava dizia que ele poderia negar o pedido dela, a deixou ir embora.


Capítulo Nove

Saí andando pelos corredores do palácio sem saber direito para onde ir, ou melhor, tendo a certeza de que não dava para chegar aonde eu realmente queria estar. Queria gritar e fazer algo que colocasse minha raiva para fora, mas nem isso eu sabia direito como fazer, tendo que seguir tantas regras. Quando achei que não poderia fazer mais nada, porém, lembrei que eu poderia ter acesso à internet para publicar algo sobre a Seleção, e logo descobri como eu poderia extravasar.
Segui ainda meio zonza pela raiva e frustração até a sala dos computadores e, assim que alcancei a maçaneta, vi a porta se abrir e Melissa sair de lá.
— Meu Deus, você está bem? — ela perguntou alarmada ao me ver.
— Sim — me resumi a responder. Porém, ela não aceitou essa reposta.
Melissa segurou meu braço e tornou a perguntar:
— É sério, . O que você tem? Você está bem?
Então, me vi chorando, embora soubesse que não era um choro de tristeza. Melissa, mesmo tendo aquele jeito distante, logo tentou me acalmar com um abraço que não durou muito, mas eu sabia que havia sido de coração.
— O que houve?
E eu contei cada detalhe daquele encontro; contei até mesmo do momento em que o príncipe apareceu no meu quarto. Confessei como a eliminação de Sarah havia mexido comigo e com a minha falta de habilidade em lidar com as emoções e encontros que viver aquilo exigia. Mesmo omitindo a minha conversa com e o que eu pretendia fazer ao entrar naquela sala, senti que fora a conversa mais franca que havia tido desde que chegara ao palácio.
— Primeiro de tudo: se acalme. — ela continuou, me chamando pelo apelido que, até então, só a me chamava lá dentro —, está tudo bem sentir falta, medo e não se dar bem com as coisas que rolam aqui. Olha para mim e me diz se sou boa em fazer amizade! — brincou. — E, ainda assim, ver a Sarah ir embora mexeu comigo mais do que meu orgulho me permite assumir. Acha que fomos as únicas ao ver a reação das meninas e ficar se perguntando como seria a gente lá? E também como vai ser ao ver mais garotas partirem? Não fomos! E bom, sobre o príncipe, eu não acho que ele tenha feito por mal...
— Achar que só posso estar aqui por interesse no dinheiro dele não é fazer algo por mal, Melissa? — perguntei, irada, e ela não se abalou com minha ira.
— Olhe ao seu redor, veja todo esse luxo. Acha mesmo que milhares de pessoas não dariam um braço para chegar perto disso? Sabe-se lá quantas pessoas já não chegaram perto do príncipe apenas por interesse em pisar neste lugar. E bom, não haveria nada de errado se você viesse aqui querendo isso, e, pelo que você me falou, o príncipe não te repreendeu, apenas quis entender. Ele sabe que isso é possível e que, se você estivesse aqui por isso, não seria a única.
— Não mesmo — voltei a cortá-la, e Melissa rolou os olhos, fazendo sua conhecida cara de enfado.
— Pelo amor de Deus, alguém nesse palácio precisa te educar para que você deixe as pessoas falarem! Preciso falar com a senhora Anne ou com o senhor Peter sobre isso.
— Me desculpe, Melissa — falei de coração, mesmo que quisesse rir um pouco só de imaginá-la procurando a senhora Anne para isso. — Pode concluir.
Melissa novamente rolou os olhos e, então, voltou a falar:
— Como eu ia dizendo, você não seria a única. Sabendo disto, e como é um relacionamento com ele que está em jogo, não podemos julgá-lo de querer saber o que cada uma de nós está querendo aqui. Uma escolha errada e ele terá ao menos uma história de namoro ruim pra contar. E se um namoro ruim já é péssimo para nós, meros mortais, imagina então para ele, que tem muitos segredos e coisas a perder.
Olhando por aquele ângulo, fazia um pouco de sentido o que Melissa falava. Mas, ainda assim, eu sentia que ele me julgara mal apenas por poucas palavras. E se eles queriam tanto educação, eu não achava aquilo nada educado.
— Mas, agora, me diga. O que você estava indo fazer aqui na sala de computadores? Acho que escrever sobre esse encontro não faz muito sentido.
Não, não fazia. E eu bem sabia disso. Por isso, precisava pensar em uma desculpa melhor para não deixar justo Melissa desconfiada.
— Quando estou muito estressada, gosto de ouvir música, me acalma. Vim aqui par tentar ouvir alguma na internet. Não sei se podemos, mas não ligo — inventei e torci para que Melissa não precisasse de mais informações.
Ela riu de mim.
— Não seria mais fácil e confortável fazer isso no Salão de Mulheres?
— Pode ser que já estejam escutando algo lá ou que eu atrapalhe alguém. Fora que estou querendo ficar sozinha — dei ênfase na segunda parte na intenção de que Melissa entendesse minha dispensa, e ela entendeu.
— Então aproveita, gata!
Ela se despediu de mim com outro abraço desajeitado e saiu sem parecer suspeitar de algo ou irritada por eu tê-la dispensando. Algo me dizia que, por mais irritante que ela pudesse ser algumas vezes, Melissa seria uma boa companhia durante aqueles dias.
Assim que fiquei sozinha novamente, entrei na sala e sentei em frente a um dos computadores. Quando mais nova, eu havia conhecido e me apaixonado por um garoto que também escrevia sobre o governo. Uma das coisas que ele me ensinou e pela qual eu seria eternamente grata foi fazer isso sem deixar rastros no computador que você estivesse usando caso ele não fosse seu. O garoto saiu da minha vida tão rápido quanto entrou, mas foi tempo suficiente para me preparar para aquele momento.

“O circo continua
Desde que o retorno da Seleção veio à tona, esta escritora acompanha, da forma mais íntima que pode, o seu desenrolar e também seus efeitos dentro do reino. Aos olhos de quem vos escreve, ficou claro algumas coisas: a Seleção não é querida por muitos. Mesmo quem odeia, acompanha. E, por fim, mas não menos importante, príncipe cumpre muito bem o seu papel.
Todos, sejam eles apoiadores ou oposição da família Schreave, parecem concordar em uma coisa: príncipe é o mais querido de toda a família real. Entre um rei egocêntrico e infiel, uma rainha distante e fria, um príncipe boêmio e sem nenhuma responsabilidade, e um príncipe aparentemente bom e apenas mais ausente que os outros citados, esta última opção é também a única capaz de conseguir a simpatia de todos. Se eu não fosse tão desconfiada, poderia dizer que ele é a esperança. Mas será? Para todos os efeitos, não deixando a desconfiança desta autora de lado, o príncipe entretém e engana muito bem. Manteve-se anos e anos longe de grandes responsabilidades, mas também de escândalos. Nunca fez nada efetivo pelo reino, mas também nunca apoiou o pai publicamente quando errou. Jamais foi visto trocando de mulheres por aí, mas ninguém nunca ouviu falar que ele as trata bem de fato. Na dúvida, com tanto ouro, vestidos deslumbrantes e juras de amor, o reino parece ter tomado para si apenas as primeiras afirmações de cada frase. Príncipe é o príncipe perfeito, mesmo tendo feito apenas o mínimo. Mas eis que agora ele dá seu máximo. E, pela primeira vez, o vemos rendendo muito bem para a coroa.”


Era isso. Eu conseguira dizer muito do que pensava sem colocar diretamente minha briga com ele. Respirei aliviada com o sentimento de que, talvez, mesmo fazendo parte daquele circo, eu ainda fosse capaz de mostrar a verdade para o povo de Illéa.
Assim que terminei, apaguei todos os meus rastros e saí da sala o mais rápido que pude. Não queria e nem podia ser vista fazendo aquele tipo de coisa. Então, voltei para o meu quarto e, assim que cheguei, encontrei minhas duas criadas com os olhos cheios de expectativas. Frustrei cada uma delas com apenas uma frase.
— Me deixem sozinha, por favor. Tive um péssimo encontro — pedi, e Stephany olhou para Abigail um pouco receosa.
Abigail, que era sempre muito mais elegante que Stephany, também olhou para mim e não saiu do lugar.
— O que houve? — perguntei, quando percebi que nenhuma faria nada.
— O príncipe acabou de mandar um mensageiro aqui. Ele trouxe o recado dizendo que, amanhã, o príncipe solicita sua presença na sala de jogos.
Abri a boca, chocada. Ele não podia estar contando com minha presença depois daquele nosso encontro.
— Eu não vou — sentenciei, agora mais irritada do que quando havia chegado.
— Temo que essa opção não exista, senhorita — Abigail falou educadamente, e eu rolei os olhos.
— Claro que existe. Eu não vou me encontrar com aquele homem nem mais uma vez sequer.
Stephany, então, se aproximou de mim e respirou fundo antes de dizer:
— Não faça isso, senhorita . Você tem chances reais de ganhar isto aqui.
Aquilo bastou para que eu explodisse de vez.
— Eu nem quero mais fazer parte disso, meninas. Para ser sincera, acho que ele só quer me ver amanhã para oficializar minha saída. Me sinto péssima depois desse encontro. Não aguento pensar na ideia de que posso ficar aqui e ver Olivia, ou Melissa sair. Eu não quero mais fazer parte disso. Nunca quis. Quando dei por mim, já soluçava e tinha Stephany e Abigail ajoelhadas ao pé da cama onde eu estava sentada.
— Olhe para mim, senhorita — Abigail pediu, e mesmo em meio às lágrimas, obedeci. — Não importa se sairá amanhã ou daqui um mês. Saia daqui de cabeça erguida e com a imagem de mulher forte que sei que a senhorita é. Se quer minha opinião e a de Stephany, nós duas não poderíamos querer uma candidata mais forte e mais humilde para trabalhar, e, com certeza, trabalhamos para alguém que daria uma ótima princesa. A senhorita pode até achar que não aguenta, mas sabemos o que houve com a senhorita antes. Sabemos que teve que passar um tempo aqui por causa de ameaças, nos contaram tudo. E veja só, ainda assim, se manteve aqui. A senhorita está longe de sua família, é claro que suporta ficar longe das amigas. E sobre sua briga com o príncipe, meu lado profissional lhe alerta que não é muito prudente, mas o pessoal só lhe diz que nenhum relacionamento é pautado apenas em perfeição. E ele não a mandaria chamar para te eliminar. Seja o que houve, estou crente que o príncipe já deixou para trás.
— Isso mesmo, senhorita. Eu concordo inteiramente com Abigail — Stephany disse, e eu concordei com a cabeça.
— Fico lisonjeada que vocês duas possam me ver de uma forma tão linda, mas temo frustrá-las. Não acho que o príncipe e eu daríamos certo.
Stephany riu.
— Deixe que o tempo mostre isso. Não apresse o resultado. Apenas nos prometa que irá amanhã. Mesmo que seja para sair, não saia como alguém que não fez as coisas direito.
Não sabia se Abigail e Stephany já haviam entendido como era importante para mim sair honrada daquilo tudo, mas, seja como fosse, Stephany conseguiu tocar onde mais importava.
Eu iria àquele encontro.


👑👑👑


No dia seguinte, no café da manhã, todas as meninas me olhavam, curiosas, querendo saber um pouco do meu encontro com o príncipe. E isso incluía Olivia e que, diferente das outras, tinham intimidade para me perguntarem diretamente.
— Foi tão mágico como foram os encontros da semana passada? — Olivia perguntou, empolgada.
— O que vocês fizeram? — indagou.
Melissa, que estava conosco, apenas respirou fundo.
— Tomamos um chá. E eu não estava presente nos outros encontros para saber se foi igual.
— Você sabe o que quero dizer, — Olivia ralhou, impaciente.
— Vai, fala se foi legal!
— Vocês não acham que fofocar é algo fora dos bons costumes de uma princesa? — Melissa indagou, tentando me salvar. — Aliviem essa pressão em cima dela. Se houver algo a ser dito, ela vai contar sem precisar disso. Parece até que encontrou a cura para uma doença degenerativa.
, que vinha lutando para não se comportar de forma inapropriada, não conteve o suspiro e rolou os olhos quando escutou Melissa falar. Tão pouco conteve a língua afiada.
— Melissa, por que você não vai, sei lá, trocar de lugar com uma de suas criadas? Não cansa de ser insuportável?
Se ela queria abalar Melissa, isso pareceu longe de acontecer.
— Eu sou insuportável? Ao menos não sou eu que estou enchendo minha melhor amiga de anos quando ela claramente não está confortável com isso.
Então, olhou para mim, esperando que eu desmentisse Melissa e lhe desse razão, mas eu não pude fazer isso. Na verdade, estava grata à Melissa por ter parado aquele interrogatório.
— Não sei bem o que dizer, meninas. O lugar estava lindo, a comida estava gostosa, e o príncipe era o príncipe. Não vou suprir as curiosidades de vocês.
— Eu não achava que você esconderia o jogo, — Olivia disse, triste, achando que eu estava fazendo aquilo de propósito.
Foi então que puxei a mão das três e procurei um lugar mais reservado para conversarmos.
— Meninas, eu nunca fui cheia de amigas. A sabe bem disso. Mas, desde que cheguei, vocês, junto à Sarah, foram o que eu só achei na quando estava fora desse palácio. Não quero perder isso por causa de uma coroa idiota — falei, sincera. — E eu sei que, pra maioria aqui, inclusive para vocês, não se trata de uma coroa idiota, mas tudo bem. A gente só não pode achar que estamos umas contra as outras. Não faz o menor sentido brigarmos pelo afeto de alguém. Nem somos nós que decidimos! Nem sabemos se o príncipe realmente está à procura de afeto! — exclamei, exasperada. — Eu não estou escondendo o jogo, Olivia. Eu realmente só não sei o que falar. Se querem algo talvez empolgante, tenho outro encontro hoje. Mas nada de mais, porque ontem nosso encontro não foi dos melhores. Isso é tudo que me sinto confortável para falar e sem nenhum jogo. Vocês são minhas amigas, talvez a mais, mas vocês também são importantes. E eu não vou perder isso por causa de um homem. Se há algo que me orgulharia, caso eu saísse hoje, era do que venho construindo com vocês. E isso nenhum príncipe toma da gente sem que a gente queira. Eu espero que vocês também rejeitem essa oferta.
Olivia, a mais afetuosa depois que Sarah partiu, me puxou para um abraço e alcançou o braço das outras duas para que elas viessem também.
— E vocês duas me prometam que vão parar de implicar tanto uma com a outra — ela disse, e a gente não precisava sair do abraço para saber de quem Olivia estava falando.
— A ama não me suportar, é isso que nos une — Melissa brincou e acabou arrancando um sorriso de .
Quando nos soltamos, Melissa fingiu coçar o nariz para esconder o rosto vermelho.
— Mesmo com esse meu jeito bem diferente do de vocês, que é muito mais preparado, diga-se de passagem. Quero dizer que vocês todas, sem exceção — Melissa fez questão de destacar enquanto olhava para — são muito importantes. Só faz duas semanas, mas essas duas semanas seriam muito mais difíceis sem vocês três.
deu de ombros, já que só nós três e mais ninguém do palácio a víamos.
— Tenho que admitir que eu sentiria falta até mesmo da Melissa — ela disse, por fim, e todas nós rimos.

Sair para um segundo encontro no dia seguinte ao primeiro fez com que eu me tornasse o assunto mais falado entre as garotas. Aparentemente, elas achavam que isso tinha muito mais peso do que eu mesma pensava. E tudo isso fez com que eu acabasse surtando um pouco também.
— Se toda vez que a senhorita for a um encontro ficar com esse vai e vem, acho melhor só lhe vestirmos exatamente na hora — Abigail ralhou e eu levei as mãos à boca para tentar roer as unhas.
— Não faça isso! — Stephany gritou antes que eu conseguisse fazer qualquer coisa. — Não quero ser chata, mas passamos um tempo considerável para deixar suas unhas impecáveis, senhorita. Isso não é uma boa opção.
Rolei os olhos apenas para não dizer alguma coisa rabugenta.
— Então vocês vão ter que me ajudar a matar este tempo de uma forma legal — falei, e as duas me olharam confusas. — Cuidem em pensar em algo divertido para fazermos, ou sempre que eu estiver ansiosa, terei que ficar andando sem parar ou roendo as unhas para que minha mente trabalhe menos.
Abigail e Stephany me olharam confusas e eu sabia o motivo. Elas não eram preparadas para jogar com quem quer que trabalhassem, não fazia parte das famosas regras. Mas aquele era meu quarto, pelo menos enquanto eu ainda estivesse no palácio. Então, preferia acreditar que, ao menos ali, eu poderia ser eu mesma e fazer o que bem entendesse.
— Vocês não podem ficar tão chocadas assim só porque pedi para fazermos algo divertido. Qual é! — falei, chocada, e as duas ainda me olhavam sérias.
— Não sabemos o que alguém como a senhorita poderia fazer de divertido com alguém como nós — Stephany disse e Abigail concordou com um maneio de cabeça.
Alguém como elas? O que isso queria dizer?
— Como assim alguém como eu ou alguém como vocês? — indaguei, já sabendo que não gostaria da resposta.
— Somos criadas, senhorita . Qualquer pessoa a quem tenhamos que servir não é alguém como nós.
Poucas coisas naquele palácio me deixaram tão crente de que lá não era meu lugar como aquela frase. E havia muita coisa que me incomodava no dia a dia.
— Eu não sou ninguém importante lá fora sem essas roupas e sem o castelo para me proteger. Não há nenhuma diferença entre nós três. E ainda que minha conta bancária fosse um milhão de vezes maior, se eu posso ser sincera, prefiro mil vezes nos divertimos do que passar o dia passeando pelo palácio com a senhorita Anne.
— É que... — Abigail começou, mas eu a cortei.
— Se vocês vão me tratar assim, prefiro ficar sozinha. Achei que por serem com quem passo mais tempo, poderíamos desenvolver uma amizade.
Stephany olhou para Abigail de forma significativa e, depois, deu de ombros.
— Seria uma honra ser sua amiga, senhorita. Abigail e eu ficamos muitos felizes — ela disse com um sorriso no rosto.
Suspirei aliviada, me dando conta de que estava mais tensa do que fazia ideia com aquela conversa.
— Se seremos amigas, poderiam me chamar apenas pelo nome? Eu não gosto de toda essa pompa.
Abigail se apressou para responder antes que sua amiga falasse.
— Entendo sua crítica, mas, para o bem de todos, acho que certas coisas devem se manter. Por mais bobo que possa parecer, nos custará muito se nos virem lhe chamando só pelo nome.
— Nem mesmo quando estamos só nós três? — tentei e ela riu.
— Quem sabe um dia, senhorita .
E, depois daquela conversa sobre nossas diferenças, eu já sabia o que queria fazer junto delas.
— Por que não conversamos sobre nós? Me contem mais sobre suas vidas fora do palácio — pedi, empolgada, e as duas se sentaram para começarmos a conversar.
A conversa com Abigail e Stephany havia sido maravilhosa. Descobri que, enquanto eu durasse na Seleção, elas morariam por lá e, assim que eu fosse eliminada, as duas voltariam para suas casas e viriam ao palácio com horários certos.
Tanto Abigail quando Stephany eram novas. Ambas tinham vinte e quatro anos. Stephany era recém-casada; havia trocado alianças com seu esposo, por quem ela era totalmente apaixonada, fazia seis meses. Quando lhe perguntei como fazia para manter o casamento bem mesmo morando longe dele, ela falou que o veria no final do primeiro mês. Teriam um final de semana juntos. E, embora para mim aquilo ainda soasse muito difícil, Stephany fazia parecer fácil manter o sentimento quente no coração.
Abigail namorava um rapaz da guarda e riu de Stephany ao comemorar que ele também estava no palácio. Embora fosse muito mais contida sobre seus sentimentos, dava para ver que ela era completamente apaixonada pelo rapaz. E apesar de mais contida, ela era muito menos ligada a convenções que Stephany e eu. Não sonhava com casamento ou noivado; falou que, embora não fosse bem-visto pela sociedade, juntar os uniformes estava ótimo para ela.
O tempo voou de tal forma que só paramos a conversa quando ouvimos uma batida na porta.
— Quem será? — Abigail perguntou, e Stephany deu um pulo ao ver as horas.
— Meu Deus, senhorita . Você está atrasada vinte minutos para o encontro.
— O quê? — indaguei, chocada em como o tempo havia voado.
Tudo isso ocorreu sem que nos lembrássemos de abrir a porta.
A batida voltou a se repetir e, antes que alcançássemos a porta, escutamos alguém dizer:
— Senhorita , está tudo bem? Posso entrar?
Stephany levou a mão à boca, chocada, e depois cochichou:
— É o príncipe.
Meu coração batia nos ouvidos quando Abigail tomou a atitude de finalmente abrir a porta.
— Alteza — ela saudou e fez uma reverência graciosa.
Stephany e eu tentamos repetir a graça de Abigail, porém, o nervosismo não deixou que nenhuma das duas conseguisse.
— Alteza — saudei também e o vi sorrir sem jeito.
— Está tudo bem? Lhe esperei o máximo que consegui sem me preocupar.
— Meninas, vocês podem nos dar licença? — pedi, e as duas balançaram a cabeça em um sim antes de murmurarem algo e fazerem outra reverência.
— Fique à vontade — falei e, então, ele se sentiu confortável para fechar a porta.
— Está tudo bem? — tornou a perguntar, ainda parecendo preocupado.
— Achei que você não fosse ficar tão surpreso caso eu faltasse.
— E não ficaria, por isso esperei desde ontem que uma de suas criadas fosse levar um recado negando o convite. Mas isso não ocorreu.
— E ficaria tudo bem caso eu tivesse feito isso?
O príncipe me olhou com um breve sorriso nos lábios.
— Não teríamos um encontro contra sua vontade, senhorita .
Rolei os olhos ao escutar o senhorita.
— Isso ainda vai continuar? Essa coisa de senhorita — expliquei antes mesmo que ele perguntasse.
— Achei que, depois de ontem, eu tinha perdido o direito de lhe chamar apenas pelo nome — ele falou, sincero, e eu queria rolar os olhos até ver meu próprio cérebro.
— É só um nome, você não precisa salvar minha vida para me chamar apenas pelo nome.
O príncipe se encolheu sem jeito, e eu me dei conta de como havia soado grosseira. Mas, lembrando de ontem, eu não tinha me cuidado em me desculpar.
— De toda forma, não tive intenção de faltar ao encontro. Apenas parei para conversar e nós três perdemos a hora.
Dessa vez, o príncipe acabou sorrindo de verdade.
— Por que será que isso não me surpreende vindo da senhorita?
Pela leveza do sorriso dele, me permiti sorri também enquanto dava de ombros.
— Que bom que não o choco.
— Tive que dispensar os câmeras por causa do seu atraso, mas acredito que podemos ter o encontro, caso você queira. Podemos?
— Podemos sim — me limitei a responder, enquanto seguia para porta.
— Senhorita — o príncipe me chamou e tocou de leve em mim quando passei perto dele.
— Oi — respondi, parando minha caminhada e olhando-o.
— Acredito que precisamos conversar antes desse encontro de fato acontecer, concorda?
Não, eu não concordava, mas sabia que seria a coisa mais madura a ser feita.
Sem dizer uma palavra, segui para a cama e me sentei nela, à espera que ele começasse a conversa. O príncipe andou um pouco pelo quarto enquanto me olhava de soslaio e, quando viu que eu não falaria nada, começou a falar.
— Eu nunca quis ser grosseiro e, pior ainda, magoar a senhorita. Nunca foi minha intenção diminuí-la, ou julgá-la. E sei que, mesmo sem intenção, consegui fazer até mais que isso.
— Não me sinto confortável com as regras e o exagero da sua vida, mas acredito que consiga conviver com elas. Porém, Alteza, há uma única coisa que não tolero: seus julgamentos ao meu caráter. Não ache, nem por um minuto, que, por usar uma coroa, é melhor ou que está numa posição que pode me diminuir. Saio agora mesmo se essa for ser sua atitude.
Eu sabia que estava sendo petulante para uma plebeia falando com um príncipe, mas algo me dizia que não pararia na masmorra por fazer isso.
— Aceito tudo isso. E não posso concordar mais.
Balancei a cabeça em um sim, e o príncipe quase deixou um sorriso escapar de seus lábios.
— Podemos ir agora? — ele indagou enquanto estendia o braço para mim.
Segurei seu braço em silêncio e seguimos. Algo me dizia que cada encontro com o príncipe era um erro, mas eu tentava dizer a mim mesma que só ia porque não podia negar.

Descemos para a sala de jogos sob o olhar atento de qualquer um que nos encontrasse pelo caminho. Até mesmo os guardas, sempre tão discretos, deixavam que seus olharem entregassem sua curiosidade.
Odiava ser o centro das atenções daquela forma. Sentia que eles não me olhavam por quem eu era, mas apenas por quem eu poderia vir a ser. Saía para um encontro com o príncipe e, então, todos me davam atenção porque eu poderia ser a próxima princesa.
Deixei um suspiro escapar, mas o príncipe não notou porque, bem nesta hora, ele falou:
— Você gosta de jogar?
— Sou muito competitiva quando quero — respondi, sincera.
Se eu levasse um jogo a sério, não importava quão bobo ele fosse, eu só entrava para ganhar.
— Eu poderia ser cavalheiro e, em segredo, deixar você ganhar. Mas não acho que esse comportamento seja o que você deseja.
— Não mesmo, Alteza. Não gosto da pena de ninguém.
Meu jeito competitivo pareceu animar o príncipe, que apressou os passos e acabou me fazendo andar mais rápido.
— O que a senhorita quer fazer? — ele perguntou com um sorriso empolgado nos lábios.
— Eu conheço essa sala tanto quanto conheço os itens do livro de regras da senhorita Anne. Ou seja, nada — brinquei, e ele quase deixou escapar uma risada. — Você nunca ri de verdade, né? — indaguei.
— Como assim?
— Você até chega a dar sorrisos verdadeiros, mas dar uma risada, eu nunca vi — constatei, e ele maneou a cabeça.
Vi que o príncipe estava um pouco sem jeito com aquela afirmação, mas antes que eu pudesse mudar de assunto, ele falou:
— Risadas não ficam tão bem, soam um pouco... como pode dizer? — ele procurou palavras e logo as encontrou. — Não fica tão bonito e fino, vamos dizer assim.
Caminhei ao redor uma mesa de pebolim e, então, falei:
— Tudo na sua vida parece tão calculado.
Príncipe não respondeu. Ele sabia que aquilo não era uma pergunta.
— Se quiser minha opinião, você não rir nem perto das garotas que podem ser suas futuras namoradas deixa a possível relação muito difícil e rasa.
Embora eu achasse que o que tinha acabado de dizer pudesse ter sido duro, o príncipe abriu um sorriso mais largo do que de costume.
— E você quer que eu dê uma risada com você, ?
Eu não sei dizer se foi a sugestão implícita que havia naquela pergunta, o novo tipo de sorriso que eu descobri nos lábios dele, ou vê-lo falando meu nome tão normalmente, mas, naquele momento, meu coração acelerou de tal forma que eu não podia justificar como uma simples taquicardia.
— Acho que você deve rir com todas as que você julgar que podem seguir na seleção — falei enquanto caminhava rápido pela sala, na tentativa de colocar para fora o que estava em mim.
Eu não sabia o que havia causado aquilo no meu coração, nem o que podia significar de fato. Mas de uma coisa eu sabia: não seria bom para mim se sentisse novamente.
O príncipe ensaiou um suspiro que acabou não saindo bem como deveria. Certamente ele não suspirava em frente a plebeus. Depois disso, chegou com um assunto novo.
— Príncipes, de modo geral, não costumam jogar. Acho que isso aflora um lado que não julgam certo. Mas eu acredito que podemos jogar este jogo. O que acha?
E, então, ele apontou para uma mesa de Aero Hockey.
Sorri. Eu amava aquele jogo.
— Eu amo jogar isto.
— Então vamos, senhorita .
Sorri quando ele voltou a me chamar como antes. Então, tive uma ideia.
— Se eu ganhar, quero acabar de vez com essa história de — falei decidida, e o príncipe me encarou curioso.
— Por que lhe chamar assim lhe incomoda tanto?
— Porque ninguém me chama assim. Lhe escutar me chamando assim me lembra de como estou longe da minha casa e da minha vida. Agradeço pelas meninas daqui não me chamarem assim.
Não pretendia falar tanto como aquilo mexia comigo, mas, quando vi, já havia desabafado.
— Todos lhe chamam de , então?
— Mais ou menos. Em casa e até aqui, com as meninas mais próximas, me chamam de .
— ele repetiu, como quem testa ver como o nome soa na própria voz. — Acho que se eu fosse lhe chamar por um apelido, não seria esse.
Sorri e o encarei, curiosa. Qual nome estava passando na cabeça dele?
— E qual seria, Alteza? — indaguei, sorrindo.
— ele respondeu bem certo, como quem já havia pensado nisso antes.
— foi a minha vez de testar como o nome soava. — Acredito que seja bem melhor que senhorita .
— Tudo bem, se ganhar, não lhe chamo mais assim. Mas se eu ganhar, quero que me acompanhe em um encontro especial.
— Isso não precisa de aposta. Sabe que pode nos chamar para um encontro quando quiser.
— É uma festa de gala que será dada para recepcionar os italianos. Embora eles não sejam dados a seguir regras, ainda existem certas normas de etiquetas que não podemos abrir mão. Um jantar cheio de normas, sorrisos educados e tudo mais que você odeia.
— Tudo bem — suspirei. — Vamos começar os jogos.
Comecei abrindo o placar, mas rapidamente empatou. Seguimos sempre eu na frente e ele no máximo empatando comigo. Meu braço doía e, pelo jeito que o príncipe sempre balançava o seu, era possível concluir que o dele também. Agora faltavam apenas duas jogadas e eu estava um ponto à frente. Se seguisse o que estava acontecendo o jogo todo, eu ganharia.
Então, coloquei o disco no lugar que queria e comecei a jogada. me encarou decidido e contra-atacou. Demorou até alguém fazer o ponto, mas um rápido momento para piscar e vi que o ponto havia sido dele.
— Agora é tudo ou nada — falei.
— Preparada para ir ao baile comigo, senhorita ? — ele desafiou e eu sorri, gostando de como estávamos funcionando.
— Preparado para tirar de vez esse tal de senhorita? — desafiei de volta.
se preparou para começar o jogo e parecia tão concentrado que quase entreguei o jogo ali mesmo. Mas eu não queria ter que ir àquele baile e sabia que, se ganhasse, ele não ousaria me convidar. Então, eu precisava.
Quando fez a jogada, nem mesmo minha obstinação foi suficiente para contra-atacar. Foi certeiro. Ele havia ganhado.
— Isso! — ele comemorou, dando um soquinho.
Então, o príncipe me olhou e algo novo aconteceu. Eu fazia um biquinho de derrota e ele me retribuiu dando uma risada. Riu de verdade. Daquelas risadas que ecoam pelo ambiente. Foi impossível não rir de volta.
Quando percebemos, estávamos nós dois rindo e nem sabíamos mais o motivo.
— Acho que isso significa que você já tem companhia para o baile — falei, ainda rindo.
— E que não será mais chamada de senhorita.
Encarei-o, confusa, e ele apenas sorriu.
— Foi um golpe de sorte minha vitória. Passei o jogo todo apenas tentando acompanhá-la. Além do mais, acho que devo lhe agradecer pelo melhor encontro de todos.
Segurei o ar e fiquei muda. Não esperava por isso. Deu para perceber nos olhos do príncipe que nem mesmo ele esperava por aquelas palavras que deixou escapar. Ele olhou para baixo envergonhado e tentou começar outro assunto.
— Sei que você não gosta muito da ideia, mas acho que Peter vai procurá-la para lhe passar algumas coisas e prepará-la para o baile.
Entrei na onda dele e não voltei ao assunto anterior.
— E aí está o momento em que toda felicidade é roubada das minhas mãos — brinquei, fazendo uma cara imensamente triste. — Mas quando será? Preciso me preparar psicologicamente para isto.
— No final da semana que vem.
— Achei que fosse fazer alguma eliminação antes disso — falei, sem entender o porquê de fazer planos para tão longe.
— E vou — disse, calmamente.
Ele viu a confusão nos meus olhos e falou:
— Você com certeza não está nem perto da lista de meninas que podem sair, .
— Existe uma lista? — indaguei, enquanto tentava conter o que quer que estivesse acontecendo com meu coração.
— Sim. E você não está nela.
Não consegui pensar em nada para responder e tive quase certeza que o mais correto era não tentar. Eu não confiava na coerência das minhas palavras se meu cérebro estivesse agora no mesmo estado que minha barriga e coração.
— Alteza, estou cansada. Podemos voltar? — indaguei.
O príncipe me encarou, provavelmente confuso com minha súbita mudança de assunto. Sendo o cavalheiro que era, porém, respondeu:
— Claro, .
Seguimos para o quarto envoltos em um clima estranho, no qual os dois pareciam constrangidos demais para falarem algo. Mas também muito decididos a fingirem o contrário. Em meio a tentativas desastrosas de diálogos, fui deixada na porta do meu quarto com um “até breve” e um sorriso sincero nos lábios dele.

Como parecia ser costume do príncipe, ele ocupou boa parte dos outros dias da semana de vários encontros. Encontrou Jennifer Moore para tomar um chá, almoçou a sós com Nina Martinez, saiu para passear com Regina Daniel e para cavalgar com Melissa. estava em pânico por não ter sido convidada, principalmente depois do convite a Melissa.
— O príncipe me odeia — ela sentenciou, assim que entrou no meu quarto.
Não pude conter a risada. Aquilo não seria possível. era especial demais para ser odiada.
— Deixe de ser idiota, ele não odeia você.
Desta vez, ainda munida de todas as armas do drama, ela jogou-se na minha cama com o rosto enterrado no travesseiro e falou:
— E por qual outro motivo ele ainda não teria convidado a preferida do público para um encontro?
Busquei pensar rápido. Embora soubesse que ele não odiava , era difícil compreender seus motivos para não convidá-la.
— Não sei direito, . Mas com certeza não é ódio — assegurei, e ela não se convenceu.
— Claro que é, só que você é amiga demais para ter coragem de me dizer isso — disse, fazendo beicinho.
Caminhei até minha cama e me sentei ao seu lado.
— Talvez ele esteja usando este tempo para sair com garotas com quem não teve tanta química nas fotos. Quer tirar a prova se está certo. Você não deixou dúvidas nele.
forçou seu corpo a se levantar e a ficar sentado.
— Na primeira semana isso podia fazer sentido, mas não agora. , ele chamou até a Melissa para um encontro. A Melissa!
Rolei os olhos em reprovação ao seu comentário. e Melissa seguiam não sabendo muito bem como lidar uma com a outra, embora só andássemos juntas.
, falar assim não é legal.
Foi a vez dela de rolar os olhos.
— Para de bobeira, não estou falando isso por competição. Acredite ou não, gosto dela. Mas nós duas temos que concordar que um encontro com a Melissa não deve ser dos melhores. Imagine só ela rolando os olhos e fazendo cara de enfado para o príncipe.
Sorri ao imaginar. Era a cara da Melissa.
— Eu já rolei os olhos para ele e fiz até pior. Nós brigamos e eu já lhe disse umas verdades.
Toda a diversão de esvaiu assim que minha frase alcançou seus ouvidos.
— Você não fez isso, Benett.
— Fiz sim!
olhou para os quatro cantos do quarto e encarou a sacada onde Stephany descansava, esperando Abigail chegar com um vestido para eu provar. Stephany fazia tanto silêncio que eu havia até esquecido que ela estava lá.
— Senhorita Stephany, poderia nos deixar a sós um minutinho? — pediu e me deixou confusa.
— Claro — minha criada respondeu, prestativa. — Procurei ver se Abigail precisa de ajuda, senhorita .
— Tá certo, Stephany. Até mais.
Tão logo Stephany saiu do quarto. me segurou pelos ombros e falou, irada:
— Você quer morrer, ? Quer ser pega? Quer que todos descubram? Quer ferrar com sua família? Quer ferrar a mim?
Todas essas perguntas foram feitas com tanta emoção que, mesmo sem gritar, vi a veia da testa de pulsar.
— O quê? — perguntei, confusa demais.
— Você vai lá e fala poucas e boas para o príncipe, deixa evidente para ele suas ideias e tudo que você discorda. Talvez liguem os pontos.
— Ah... — foi tudo que falei ao entender do que se tratava.
— Se você não pensa em você, pense ao menos na sua família e em mim.
— Isso não teria como respingar em você.
— Acha mesmo que a melhor amiga seria poupada? Eu facilmente seria colocada como sua ajudante. Eu nem ousei abrir aquele site, mas Angelina, de Calgary, parece acompanhar e ser ousada o bastante para visitar mesmo estando aqui. Você tem uma ajudante, não tem? Foi recentemente atualizado...
Antes que ela me perguntasse quem era e eu precisasse mentir justo para , cortei-a e falei:
— Está tudo sob controle, certo? Jamais deixaria isso ser descoberto e respingar em você. Confie em mim.
fechou os olhos com força, como fazia sempre que estava prestes a perder o controle. Quando os abriu, parecia mais calma.
— Eu amo você, . Ainda que eu não me prejudique diretamente, não teria paz se soubesse que algum mal tinha lhe ocorrido.
Vi seu corpo estremecer, só de pensar na ideia, e a puxei para um abraço.
— Nada vai acontecer comigo. Te dou minha palavra.


👑👑👑


Havia chegado o dia do Jornal Oficial e todas as meninas estavam com os nervos à flor da pele. Fora os quatro encontros que o príncipe havia tido logo depois do nosso, ele ainda passeou pelo jardim Rose Amber e voltou a sair com Angelina Holmes e Maggie Rydd; ambas tiveram o encontro com ele na semana anterior a primeira eliminação.
— Meu Deus, . Você está magnífica — Olivia disse ao me ver.
Eu usava um vestido meio acinzentado com lindos apliques na parte dos seios e também um pouco na saia, que era levemente bufante. Minha cintura era marcada por uma fita fina do mesmo tom do vestido, que tinha o tecido parecido com tule.
— Você também, Olivia — retribuí o elogio de forma sincera.
Olivia tinha muita classe, e seu vestido vermelho acinturado havia destacado isso.
— Estou tão nervosa. Não fui chamada ainda para um encontro, também não. Tenho medo do que isso pode significar.
Me aproximei dela e tentei acalmá-la.
— O príncipe tem vários outros afazeres fora participar de encontros, Olivia. Nem se ele quisesse muito, teria como encontrar com todas em tão pouco tempo. Não se preocupe com isso.
— Melissa disse que ele foi magnífico no encontro com ela. Ela te contou? Parecia um sonho de tão lindo — ela começou a falar, enquanto piscava de felicidade.
Acabei rindo. Imagine só quando fosse a vez dela!
passou no meu quarto antes de vir. Falou que viria mais cedo para pegar vaga na frente e conseguiu arrastar Melissa com ela. Vamos ser só nós duas hoje, então.
Olivia, então, me deu a mão e seguimos para a área de gravação do Jornal Oficial.
Assim que chegamos, vimos de longe e Melissa sentadas bem na primeira fila da ala direita, que ficava do lado oposto onde a família real estava, fazendo com que eles olhassem para elas. Enquanto andávamos, Olivia comentou algo sobre um vestido verde muito mal escolhido de uma das garotas. Mas eu não consegui ouvir, porque, assim que olhei para frente, vi o príncipe entrando. E, mesmo sem motivo algum, senti minha barriga gelar.
— Vamos nos sentar aqui — falei, achando duas cadeiras vazias na segunda fileira do lado esquerdo do palco.
Era melhor assim. Dessa forma, o olhar do príncipe não conseguiria encontrar o meu.

Depois de tudo pronto, ficamos em silêncio. Pude ver as câmeras com suas luzinhas vermelhas indicando que o show havia começado. Desta vez, ninguém da realeza falou e, por isso, Cail, nosso mestre de cerimônias, logo entrou com todo seu encanto.
— Boa noite, meu amado povo de Illéa. Prontos para as fortes emoções que podem vir hoje à noite? Será que o príncipe eliminará alguma garota da competição? Será que vocês poderão fazer parte da Seleção como na semana passada? — Cail falava com um sorriso imenso preso nos lábios. Mesmo que você odiasse aquele circo, se via rindo com ele. Ele era a atração perfeita para uma noite como aquela. — Antes de mais nada, que tal vermos como foi essa semana dentro do palácio? Vamos ver um pouco como nossas queridas garotas aproveitaram o castelo.
Então, um vídeo começou a passar no telão – e eu acredito que passou de tela inteira para os espectadores – de como fora nossa semana, incluindo um pouco dos encontros. Me vi na tela no encontro catastrófico que foi o nosso primeiro e, realmente, não apareceu nada sobre o segundo. Mas uma coisa em especial me chamou atenção. Embora não tivesse tido um momento com o príncipe e também não tivesse feito nada de mais, quando passavam cenas sobre nosso dia a dia, era nela que a câmera focava. Isso dava a sensação de que ela fora a estrela da semana.
Ao olhar para Olivia, consegui perceber que ela estava tendo a mesma impressão que eu. Olivia olhava para todas que tiveram um encontro, e depois para o telão com a testa franzida.
— A está aparecendo mais que os encontros ou é impressão minha? — ela finalmente comentou algo.
— Aham. Talvez o público tenha pedido para vê-la — comentei minha teoria.
— Ou alguém aqui no palácio quer que o público a veja, já que o príncipe não parece ver muito — Olivia disse rapidamente.
Não havia maldade na fala de Olivia. Quando a olhei nos olhos, percebi que ela realmente só tinha a intenção de desvendar o mistério que era ver tanto de quando ela não participou de fato de nada.
— Pior que faz sentido.
Procurei pelo rosto do príncipe e ele parecia naturalmente calmo, não me dando indícios sobre Olivia estar, ou não, certa. Mas foi ao olhar para o rei que tive a certeza. Embora sua feição fosse extremante calculada para passar entusiasmo em ver um vídeo de tantas garotas fazendo nada, seu olhar entregava a verdade: ele estava se deleitando ao ver no telão.
Assim que o vídeo acabou, Cail voltou a falar:
— Hoje vamos fazer diferente, não ouviremos apenas o príncipe. Queremos ouvir também algumas garotas.
Houve um pequeno e organizado alvoroço nos dois lados do palco. Todas nos arrumamos na cadeira e tomamos um pouco de ar, tentando nos preparar para o que estava por vir.
— Senhorita Benett. Talvez seu depoimento seja o mais esperado, já que o público a escolheu na votação passada.
Então, um cameraman surgiu magicamente no centro do palco e balançou a mão para que eu olhasse para ele. Puxei o ar e falei:
— Acredito que sim, Cail — tentei sorrir.
— Conte-nos como foi. Soube que tiveram mais de um encontro.
Não gostei quando ele disse isso. O primeiro encontro, aquele péssimo e todo montado para que o público visse, por pior que tenha sido, eu não ligava de compartilhar. Mas o segundo, cheios de provocações e palavras não ditas, eu queria poder guardar apenas para mim. Temia falar dele e descobrir coisas que não queria, além de jogá-lo no ar, e então, ele deixar de ser apenas nosso para ser algo público. A feição empolgada de Cail, entretanto, me fez perceber que nada era só nosso naquele jogo.
— Sim. No primeiro, fomos tomar um chá. Foi esse que vocês viram. Nós conversamos sobre as realidades de cada um. Foi um encontro no mínimo revelador. Já no segundo, acredito que a gente tenha quebrado algumas barreiras que antes ainda existiam. Ficamos mais à vontade enquanto jogávamos.
Terminei e falar e o rapaz que me filmava saiu do palco. Cail se virou em direção ao príncipe.
— Seu primeiro encontro com a senhorita foi filmado apenas no começo, mas ainda temos registros. Porém, o segundo não há nada. Quis mais privacidade, Alteza? — Cail perguntou com um sorrisinho.
O príncipe sorriu de volta e piscou algumas vezes.
— Na verdade, esse também teria algum trecho filmado, mas houve alguns contratempos e a filmagem não pôde ocorrer. Porém, não posso negar que ficamos mais à vontade sem nenhuma câmera.
— Interessante — Cail se limitou a dizer enquanto sorria.
Depois de varrer calmamente o estúdio com os olhos, Cail falou com .
— Senhorita Mitchell. Pelo vídeo, pudemos ver que a senhorita é uma líder nata, mas ainda não teve nenhum encontro com o príncipe. Isso a preocupa?
Ninguém ali no palco percebeu, e tenho certeza que também passou despercebido pelo pessoal de casa, mas eu vi quando fez seu tique de quando estava nervosa ou acuada. Minha amiga, assim que ouviu a pergunta, rapidamente prendeu levemente a pele do queijo entre os dedos para então poder falar.
— Boa noite, Cail — ela primeiramente saudou, sendo a garota preparada que todos nós sabíamos que era. — A resposta para sua pergunta é não. E acho até que tenho algo que possa surpreender você. Ver que tanto eu quanto outras meninas ainda não tiveram um encontro com príncipe me orgulha.
Cail olhou para a câmera e fezo uma expressão caricata de confusão. Pude ver, com algum esforço, que o rei olhava agora com curiosidade para .
— O príncipe é um homem ocupado, tem um reino para cuidar junto à sua família e eu ficaria imensamente decepcionada se o visse deixando suas obrigações de lado apenas para passar todo o seu tempo conosco. Óbvio que eu adoraria que o encontro com o príncipe já tivesse acontecido, mas suas razões são as mais nobres possíveis. E sei que sua intenção não é preocupar nenhuma de nós.
O rei esbanjava orgulho quando terminou de falar. E pelas feições de Cail, ele também. Rapidamente, o rosto do príncipe apareceu no telão, e algo em mim se irritou por suas feições estarem tão indecifráveis. Queria muito saber o que se passava em sua mente. Eu estava orgulhosa que tivesse se saído tão bem e deixado suas inseguranças.
Cail voltou a falar e tomou um rumo diferente do que estava tomando até então.
— Bom, mas este programa tem que andar, e isso significa que chegamos a um momento delicado do dia de hoje. Príncipe , nos responda a pergunta que todos querem saber a reposta. Terá alguma eliminação hoje?
Olivia segurou forte minha mão antes que o príncipe respondesse, e vi que quase todas as meninas estavam na mesma tensão.
— Sim, Cail. Hoje mais quarto meninas irão nos deixar.
O número me chocou. Ele tinha tido encontro com pouco mais que quatro ao todo. Cada vez que ele eliminava tantas, mais risco tinha de estar tomando uma medida precoce e errada.
— Pode se dirigir ao centro do palco para dizer suas escolhas, Alteza — Cail falou com uma voz calculadamente tensa.
O príncipe olhou para a família e, depois, seguiu para o palco com um leve sorriso forçado nos lábios. Eu podia não o conhecer tão bem, mas conseguia perceber que ele não gostava de fazer aquilo.
— Senhorita Jennifer Moore, venha até aqui para que eu possa me despedir de você.
Jennifer levantou-se e virou levemente para trás para poder apertar a mão de America Clarck, a garota de Columbia com quem tinha criado uma amizade. Depois disso, seguiu de forma forte até o palco e a abraçou brevemente antes de seguir para o canto do palco.
— Senhorita Regina Daniels, sua jornada na Seleção acaba aqui.
Regina estava na fileira em frente à minha, mais precisamente na frente de Olivia. Ela ficou tão em choque que precisou que Angelina, uma linda moça negra que ostentava um dos cabelos mais lindos que já vi, tocasse nas suas costas para que ela se levantasse.
Pela postura de Jennifer, eu tinha achado que as reações das meninas da semana anterior haviam nos ensinado algo, mas mudei de ideia assim que vi Regina chegar ao palco.
Regina era ruiva, e chorou tanto quando chegou perto do príncipe que seu rosto assumiu quase o mesmo tom do seu cabelo. Ele não sabia o que fazer. Regina abraçou até mesmo Cail, que, pego de surpresa, acabou deixando escapar uma risada nervosa. Quando finalmente conseguiram fazê-la ir para o canto, o príncipe precisou de uns segundos para se recompor.
— É, esse momento não é fácil — Cail falou para que o príncipe ganhasse tempo.
— Err... — voltou a falar. — Senhorita Kriss Smith, pode vir aqui para nos despedirmos?
Diferente de Regina, Kriss se levantou assim que ouviu seu nome, e rapidamente já estava no centro do palco abraçando o príncipe. Ela fez tudo tão rápido que levantou a dúvida se estava apenas querendo que acabasse logo ou só não queria mais participar da Seleção.
— E senhorita Desire Harris, sua jornada aqui acabou.
Olivia e eu nos olhamos confusas. O príncipe não havia nem mesmo tido um encontro com ela. Como decidira tirá-la, então?
Mary, de Angeles, que estava ao meu lado, nos falou:
— Constance teve um encontro com ele e contou que Desire havia insinuado que vocês dois já haviam tido alguma intimidade, porque teve três encontros com ele e o viu entrando em seu quarto.
— Nós não fizemos mais que conversar e jogar nesse tempo — me defendi, chocada.
— E se tivessem se beijado, seria natural também. Acham que não vai ter isso? — Olivia indagou, indignada.
Quando terminou de falar, Desire já estava com as outras três meninas no centro do palco novamente, recebendo um par de brincos do príncipe.
— Alteza, soubemos que haverá um baile muito importante nos próximos dias. Quem sabe a gente não possa ajudá-la a fazer sua escolha para lhe acompanhar — Cail começou rindo, e meu coração acelerou.
— A minha escolha já foi feita, Cail — ele se adiantou em responder, e as meninas começaram a se olhar.
Cail não podia perguntar quem era, não naquele momento. Eu não queria que todos soubessem ao vivo.
— Pode nos dizer quem é, Alteza?
Segurei o ar e apertei a mão de Olivia o mais forte que pude.
— Ai! — Olivia exclamou quase no mesmo tempo em que o príncipe disse:
— A senhorita .
E, então, todos os holofotes estavam sobre mim, e vi meu rosto junto ao do príncipe ocuparem a tela inteira do telão.


Capítulo Dez

Dizer que o rei ficara furioso com a atitude do príncipe seria puro eufemismo. Assim que as câmeras foram desligadas, os dois príncipes, como se já esperassem por algo, tentaram passar o mais rápido que puderam entre nossos vestidos e as pessoas que tentavam desmontar tudo, mas não foram rápidos o bastante.
! — o rei gritou de maneira tão dura que todo o set parou.
Com o olhar derrotado, fez um sinal com a cabeça para que o irmão seguisse sem ele e esperou o rei, que acabou lhe arrastando pelo braço para que todos vissem. Me sentindo envergonhada por ver aquela cena – e também um pouco culpada –, acabei me livrando de Olivia e seguindo sozinha para o quarto antes que sentissem minha falta.
Mas o maior dos meus problemas decorrentes daquele pedido não estava no tratamento frio que o rei tinha com seu filho mesmo no dia seguinte, e nem na maneira como as minhas amigas me encaravam em silêncio como se eu estivesse escondendo algo. Meu maior problema surgiu quando cheguei ao meu quarto depois do almoço e encontrei Stephany na porta com as mãos trêmulas enquanto tentava manter o suco dentro do copo que segurava.
— Ah, meu Deus! Senhorita , que bom que chegou. Eu não sei mais quanto tempo aguentaria lidando com ela e quanto tempo conseguiria passar aqui fora à sua espera sem que ela gritasse por mim.
Encarei Stephany sem entender suas palavras sussurradas. Quando fiz menção de falar, ela usou uma das mão para fazer sinal de silêncio e voltou a sussurrar:
— A rainha está ali dentro. Disse que só sairia daqui quando falasse com a senhorita.
— O quê? — perguntei em um sussurro cheio de medo.
— Acho melhor a senhorita entrar. Não é bom deixar a rainha esperando.
Não tive tempo de pensar em mais nada. Stephany abriu a porta com a mão livre e, usando o quadril, me deu o empurrão que eu precisava para entrar no quarto.
— Aí está a queridinha do meu filho — a rainha me saudou com um sorriso forçado nos lábios e sem nenhuma vontade de esconder seu sarcasmo.
— Majestade — lhe saudei antes de fazer uma reverência.
A rainha sorriu para Stephany e Abigail antes de falar:
— Será que as senhoritas poderiam fazer um outro suco para ela e nos deixar a sós?
Minhas criadas logo balançaram a cabeça afirmativamente e saíram fazendo outra reverência.
— Que bom finalmente estar a sós com você, — ela disse, sem usar senhorita ou qualquer outra formalidade. — Estava ansiosa por esse momento.
— É uma honra... — tentei começar a falar, mas ela me cortou.
— Vamos deixar as bajulações de lado, está bem? Há um motivo para que eu evite falar com todas vocês e este é o motivo. Não suporto a ideia de várias garotas fingindo me amar.
A rainha falava palavras duras com tanto desdém que me senti pequena e incapaz.
— Me desculpe — balbuciei, insegura.
— Está desculpada, até porque não vim aqui para falar sobre isso. Vim aqui falar sobre seu relacionamento com meu filho.
— Nós não...
— Não estou lhe perguntando nada, — ela voltou a me cortar, e a raiva começou a substituir minha vergonha. — sempre foi um menino bom. Na verdade, ele sempre foi maravilhoso. Mais do que eu poderia querer e mais do que a imprensa é capaz de reconhecer. Mas junto à sua bondade também veio uma inocência e certa incapacidade de bom julgamento.
Ela estava insinuando que...
— Então há de concordar que eu não deva confiar muito em você.
Sim, ela estava insinuando. Ou melhor, ela estava afirmando com todas as letras.
— Não acredito que tenha lhe dado motivo para isto — consegui juntar coragem para falar.
A rainha riu forçadamente.
— Não é culpa sua, meu bem. Eu desconfio de todas vocês. Mas diferente das outras, você parece ter encontrado vaga no coração do meu filho. E acredito que você já ouviu muita coisa de mim, mas há algo que a mídia não divulga: eu faço tudo pelos meus filhos. Então, nada mais justo do que eu vir aqui te conhecer um pouco melhor.
— Faz sentido. O que a senhora quer saber de mim?
Eu estava com medo, muito medo, mas isso não significava que eu iria enfraquecer perto daquela mulher que me olhava como se eu não fosse nada.
— Nada que você tenha a me dizer é mais revelador do que meus detetives vão descobrir. Então, vim apenas te dizer isso.
— Eu não tenho nada a esconder, Majestade — blefei, na tentativa de sua desconfiança parar ali.
— Eu espero, . Meu filho se arriscou muito por você tomando aquela atitude de lhe convidar. O baile é um evento importante. Isso significa que você se importa mais do que eu esperava que esse monte de garotas fosse importar. E o mesmo amor que te fez aceitar a vir para o palácio antes do dia e guardar o segredo sobre isso, é o amor que me move a te investigar de ponta a cabeça. Eu amo meus filhos e você fez isso porque amava sua família também. Então espero que continue os amando como antes.
— A senhora está ameaçando minha família? — perguntei, alterada demais para quem falava com uma rainha.
Ela não tinha o direito de colocá-los no meio daquilo. Nada do que ela fosse descobrir tinha a ver com eles.
A rainha piscou algumas vezes depois da minha pergunta e negou com a cabeça, me fazendo enxergá-la como humana pela primeira vez.
— Jamais faria algo com sua família, . Tenho escrúpulos o suficiente para jamais colocá-los no meio disso a esse ponto. Mas qualquer coisa que venha a acontecer com você vai afetá-los, não vai? Por isso, pense neles. Você não vai querer deixá-los tristes.
Mesmo sabendo do tom de ameaça contra mim, suspirei, aliviada. A rainha não parecia mentir, e isso me deixava segura o suficiente para suspirar de alívio por minha família. Eu suportaria tudo contra mim mesma, mas nem um segundo de algo sendo feito a quem eu amava.
— Alguém vai te procurar para ir te ensinando o que você precisa para não passar vergonha. Faça o seu máximo — ela avisou, e eu balancei a cabeça em um sim. Não pretendia fazer vergonha. — Meu filho apostou muito te convidando sem nos contar, . Para ser sincera, não gostei. Mas espero que você honre o sacrifício dele.
E, sem me dar nem mesmo um “boa tarde”, a rainha saiu do quarto, me deixando com o corpo tremendo.

Depois do encontro com a rainha, eu não conseguia pensar em mais nada a não ser naquele maldito baile. Lembrava de sua ameaça, de seu olhar altivo e de uma palavra que não me deixava relaxar: sacrifício.
Cada vez que me lembrava de como ela havia falado da atitude do filho, mais eu pensava na reação do rei e do olhar do príncipe George para o irmão, quando o outro ficou para trás. Onde o príncipe havia se metido apenas para me convidar para aquele baile?
Movida por um misto de sensações, levantei-me da cama em um ímpeto e corri para minha penteadeira em busca de alguns papéis em branco que eu havia deixado por ali. Peguei uma caneta e escrevi um bilhete para o príncipe, na tentativa de ajudar a nós dois.

“Boa noite, Alteza.
Não sei se tenho permissão para fazer o que pretendo, nem mesmo se gostará do que tenho a dizer, mas acredito que será o melhor para nós dois. Me senti muito honrada com seu convite para o baile e reconheço que perdi a aposta que o envolvia, mas receio não ser a melhor companhia. Seus pais, Cail e certamente o povo de Illéa há de concordar comigo. Anne e Peter também.
Por esses motivos, queria lhe pedir para chamar outra garota mais bem preparada para ser sua acompanhante oficial no baile. Será o melhor para todos.
Perdão,
Benett.”


— Abigail, você poderia me fazer o favor de levar esse bilhete o mais rápido possível ao príncipe ? Preciso que você assegure que ele chegará às mãos do príncipe ainda essa noite.
Abigail assentiu firmemente antes de sair com um sorriso no rosto. Senti um aperto no peito na hora que ela sorriu – aquele bilhete tinha o extremo oposto do que ela esperava.
— Está tudo bem, senhorita ? — Stephany perguntou, e eu forcei um sorriso.
— Está sim, Stephany.
Ela saiu da varanda e se aproximou de mim com calma antes de falar:
— A rainha é terrível quando quer, sei disso. Não se deixe abalar. Ela não tem uma vida fácil e é louca pelos filhos, não leve para o pessoal.
Suspirei. Cada dia aquele programa sugava mais de mim. Não era apenas a rainha, embora ela tivesse sido o fator crucial, mas era tudo. E esse tudo cada dia se tornava ainda maior.
— Não é só ela... Eu não nasci para isso — confessei, sentindo vontade de chorar. Stephany percebeu que aquela não era hora de falar, e fiquei grata por isso. Eu não queria falar daquele assunto com ninguém, e esperava que parte dele acabasse ainda naquela noite.
No silêncio do meu quarto, me permiti voltar para a cama e tentar descansar, embora estivesse ansiosa. Eu precisava descansar um pouco. Quando já estava quase cochilando, escutei a porta ser aberta e vi Abigail entrar com os olhos arregalados e um sorriso estampado no rosto.
— O que houve? — perguntei, confusa.
— O príncipe está aí fora e deseja entrar.
Não tive tempo para processar a informação. Stephany, sempre mais afobada que Abigail, acabou por ela mesma liberar a entrada do príncipe, e, quando dei por mim, ele já estava dentro do meu quarto parecendo um pouco perturbado.
— Alteza — lhe saudei, enquanto me levantava da cama.
— Vocês poderiam, por gentileza, nos deixar a sós? — perguntou às minhas criadas, e elas prontamente saíram.
Encarei-o, percebendo que sua feição perturbada ainda continuava, e, então, me preocupei.
— Está tudo bem?
O príncipe me olhou, confuso.
— Sou eu quem lhe devo fazer esta pergunta. Está tudo bem, ? O que lhe levou a escrever aquelas palavras?
Logo que entendi o motivo de sua perturbação, suspirei de alívio por não ser algo mais sério. Porém, logo fiquei tensa ao me perguntar como eu iria lhe explicar.
— Eu acho que... — comecei, meio incerta — que seja melhor assim. Não sou a candidata mais bem preparada para isso.
O príncipe me encarou, e, sem querer, encolhi um pouco. Ele tinha a mania de olhar para você como se visse sua alma.
— Isso não faz o menor sentido. O que houve?
Eu não queria – e talvez nem deveria – dizer o que houve de verdade. Então, tentei dizer algo que fizesse sentido e não fosse mentira.
— Algumas coisas me fizeram perceber que nós dois perderemos muito se eu não for como todos esperam. Não quero colocar nenhum de nós em problemas.
— Isso foi por causa daquele show do meu pai após o jornal? Olha, não precisa disto. Está tudo bem.
Respirei fundo. Por que ele não podia ter apenas lido o bilhete e ficado em seu quarto?
— O que aconteceu quando você foi embora com seu pai? — perguntei. Eu precisava saber o que tinha acontecido.
— O que vo... — ele começou, parecendo meio indignado. — Qual a importância disto?
O príncipe não iria me convencer de nada se não me contasse a verdade.
— Eu preciso saber o que aconteceu. Preciso saber por que aquela atitude foi tão arriscada — minha frase acabou me denunciando, e a feição de mudou.
— Quem lhe disse que eu havia me arriscado? — ele perguntou rápido.
— Eu só... — comecei, mas fui incapaz de seguir mentindo. Então, me calei.
permaneceu em silêncio, me encarando. De alguma forma, isso me fazia sentir vontade de falar, mas me segurei. Ele era quase um completo desconhecido, não havia motivos para eu querer dividir minhas coisas com ele.
— Preciso que seja sincera comigo, .
— Mas eu...
O príncipe era educado demais para falar por cima da minha frase. Mas percebi, antes de terminá-la, que ele não queria ouvir aquilo. Então, fiquei em silêncio.
— Você não está sendo, e por favor, não argumente o contrário.
O problema era que eu não sabia se deveria ser sincera com ele. Naquele castelo, todos pareciam ter segundas ou terceiras intenções em cada fala, independente do jogo que era a seleção. O ambiente era por si só competitivo. Até que ponto, em um lugar como aquele, eu poderia me expor para alguém que mal conhecia?
— Não é justo você querer minha sinceridade quando não respondeu minha pergunta — acusei, na defensiva.
O príncipe ensaiou um sorriso sem felicidade alguma.
— Se eu me abrir, terei sua sinceridade de volta? — ele quis saber, e eu achei justo.
Porém, algo em seus olhos – talvez a urgência para que eu confirmasse e, assim, pudéssemos trocar nossas confidências –, mexeu comigo de forma que eu não esperava. E, sem precisar da resposta dele, comecei a chorar e a contar sobre sua mãe.
— Eu não aguento isso, — falei, sem nem me lembrar das formalidades. — Você conta em rede nacional que fui sua convidada para um baile importante e, além de todas as garotas me olharem estranho, seu pai quase te arranca do lugar aos gritos. E quando acho que não pode piorar, sua mãe aparece no meu quarto e me diminui, me diz que você arriscou muito fazendo isso. É pesado demais para mim. Eu nunca precisei lidar com nada parecido com isso.
Eu iria explodir, sentia como se isso fosse acontecer a qualquer momento. Tive que compartilhar isso com ele.
— É tanta coisa que eu me sinto como uma bomba-relógio prestes a explodir na frente de centenas de milhares de pessoas. E eu não vou ter tempo de recolher meus destroços, porque terei que lidar com todos os danos — falei, em meio às minhas lágrimas. — Todos estão esperando por isso. Illéa, as meninas, seu pai, sua mãe, até mesmo eu. Todos esperam pelo momento em que eu vou explodir. E eu sei que isso vai acontecer logo, logo.
, sem seguir nenhum protocolo, sentou-se ao meu lado na minha cama e segurou minhas mãos.
— Meu pai sempre bateu em mim e no meu irmão. Isso é o que geralmente acontece. Mas, conforme fomos tendo uma vida mais pública, isso foi diminuindo. Não podemos aparecer com marcas. O George é o herdeiro direto da coroa, e, hoje, eu sou a cara do maior show da coroa. Então, a represália dele não foi nada pesado demais. Apenas alguns gritos, humilhações e lembretes de tudo que eu posso perder.
Ele falou tudo isso de maneira calma, enquanto minhas lágrimas iam diminuindo. Aquilo acabou me deixando mais tranquila.
— E o que você pode perder? — perguntei, curiosa.
— Fizemos um acordo antes disso começar de fato. Eu iria para uma universidade fazer um curso de curta duração de História da Arte. E, se tudo corresse bem, cursaria Relações Internacionais em sequência.
— E onde eu arruíno tudo?
balançou a cabeça em negativa assim que ouviu minha pergunta.
— Não é você, . São as visões diferentes sobre este programa. Meu pai quer que eu pense na audiência e no quanto isso pode chamar atenção, já eu penso que vou entregar meu coração a esta pessoa. Então, temos estratégias diferentes para o programa. E caso as minhas deem resultados ruins aos olhos dele, eu perco essa tentativa de sair daqui.
— Mas não seria bom que você tivesse uma formação acadêmica?
Sempre achei que esse fosse o esperado da realeza. Não entendia como o rei poderia tirar isso do filho sem prejudicar os próprios anseios.
— Sim, mas eu queria fazer fora daqui. Ao menos, fora de Angeles. E isso eu só consigo se o rei permitir.
— O problema do rei pode até não ser comigo especificamente, mas sou o da sua mãe. Ela pareceu querer deixar isso bem claro.
O príncipe, surpreendentemente, riu. Olhei confusa para ele e recebi outro sorriso como resposta.
— O problema da minha mãe é diferente do meu pai, mas continua não sendo só com você, . Minha mãe possui muitos defeitos, mas eu sei que ela ama meu irmão e eu, e ela nunca concordou com a forma do meu pai de educar a gente. Além disso, ela quer muito que eu consiga fazer meu curso.
— E eu posso acabar com tudo isso — constatei.
— Não só você — ele fez questão de dizer enquanto tocava minha mão com um pouco mais de força. — Isso envolve mais as pessoas que estão relacionadas às minhas decisões. E isto não é o ponto principal.
Esperei em silêncio pela continuação, mas ela não veio. Então encarei o príncipe, que pareceu instantaneamente desolado.
— Qual o ponto principal?
se mexeu desconfortável na cama e tomou ar antes de falar:
— Não entenda mal, está bem? Mas minha mãe não confia na eficácia da seleção. E mais que isso, ela desconfia de todas vocês. Sua esperança é que eu não me envolva de verdade com nenhuma de vocês.
— Então ela acha que quero dar um golpe em você — falei, soltando sua mão.
Eu odiava todo aquele luxo, era contra a coroa, e a mãe dele achava que eu iria lutar para conseguir aquilo tudo?
— Sua mãe não pode estar mais enganada — sentenciei, desta vez me levantando.
, você há de reconhecer que tudo aqui, não necessariamente você, pode ter um jogo de interesse. Você não pode culpar minha mãe por querer cuidar do filho.
Aquilo me deixou com raiva, com muita raiva. A mãe dele havia me ameaçado. Eu não suportaria escutar ele defendendo-a por mais tempo.
— Isso não dá o direito de ela vir aqui me humilhar e me ameaçar, falando que eu deveria pensar em como minha família ficaria se algo acontecesse comigo. Ela também tentou justiçar as palavras dela falando que se preocupa e que ama você. Mas isso não quer dizer nada!
— Eu sinto muito — falou, envergonhado. — Sinto muito pelas ameaças, humilhações e tudo mais que ela possa ter feito.
Respirei fundo, procurando me acalmar enquanto o encarava.
— Eu odeio tudo isso, e não vejo motivos para tentar te conquistar e te dar um golpe. Eu odeio isso tudo — falei, ainda com raiva.
— Sempre que você fala assim, me pergunto o quanto você ama a senhorita .
— O quê? — indaguei, confusa com a mudança de assunto.
— Você fala com muita certeza o quanto odeia isso tudo. Faz questão de sempre lembrar. Você deve amar muito sua amiga para ter se disposto a estar aqui.
Meu coração acelerou, e senti como se uma pedra de gelo estivesse no meu estômago. Eu, mais uma vez, estava falando mais do que deveria.
— Estou com raiva. Me desculpe.
O príncipe balançou a cabeça em um sim meio cansado.
— Eu entendo.
Ele, então, se levantou e caminhou até mim para, mais uma vez, segurar minhas mãos. Algo naquela proximidade me deixava nervosa de uma forma que eu não sabia explicar.
— Mas eu peço que não desista de me acompanhar no baile. Se não for pela vontade de ser minha escolhida, que seja por amizade a mim. Como poderia explicar que você simplesmente não quer ir comigo mesmo depois de eu ter anunciado para o país inteiro?
Era um bom ponto. Seria, no mínimo, humilhante para ele e problemático para mim.
— E, caso eu tenha conseguido um pouco da sua afeição, peço que vá. Ir com você significa muito. E eu não ligo se meus pais concordam ou não com isso. Seria uma honra lhe ter ao meu lado.
Meu coração neste momento estava acelerado, e eu temia que minhas mãos, coladas nas dele, estivessem geladas tamanho o meu nervosismo.
— Posso te fazer passar muita vergonha — argumentei, tentando não só convencer ele, mas a mim, que não seria uma boa ideia mesmo com suas palavras.
— Eu mesmo me encarrego de te ajudar, . Eu só preciso que você me diga sim, e faremos isso dar certo.
E, então, algo que eu nem imaginava sentir foi sentido por mim. Ouvi-lo falar que faríamos dar certo deixou de ter apenas o sentido do baile e pareceu ser para nós. E este nós ia além de um noite. Era nós para a vida inteira. E isso me fez sentir vontade de beijá-lo. Muita vontade de beijá-lo.
Não sei por quanto tempo fiquei imersa naquele desejo novo que sentia, mas, quando dei por mim, o príncipe soltava, um pouco sem jeito, minhas mãos e me perguntava:
— Você aceita ir comigo ao baile?
Como eu poderia dizer não se tudo que eu queria naquele momento ia muito além disto?
— Aceito.


👑👑👑


Eu me encarava no espelho pela décima vez apenas naquela última hora. Estava enrolada em vários pedaços de pano que Stephany e Abigail haviam separado para fazer meu vestido e que, aos poucos, ganhavam forma. Nervosas por saber que estavam vestindo a acompanhante do príncipe, meus dias agora eram repletos de provas que, na maioria das vezes, eram apenas para confirmar medidas que já estavam confirmadas na hora anterior.
— Eu vou surtar se tiver que provar mais uma vez esse monte de panos — adverti, assim que elas começaram a me despir.
— A senhorita precisa estar linda neste evento. Veja a honra que está tendo — Stephany disse sorrindo, e eu rolei os olhos.
— Qual? A de ser ameaçada?
Eu havia tentado manter segredo sobre a rainha, mas, em meio a um dos meus ataques de pânico por causa do que tinha que aprender, acabei contando o que havia acontecido.
— Isto é mais um motivo para a senhorita estar linda, calar a boca da rainha — Abigail disse, parecendo furiosa só de lembrar.
— Ah, meninas. Sou tão grata por ter vocês comigo.
E aquilo era verdade. As duas eram muito mais do que eu poderia querer ou merecer. Além de muito solícitas e engraçadas, elas estavam se mostrando muito mais fiéis do que eu imaginaria. Afinal, elas sempre pareceram respeitar a coroa, mas quando contei o que tinha acontecido, elas me colocaram em primeiro lugar. Não eram todos os criados que fariam isso.
— A senhorita não tem que agradecer, nós amamos o que fazemos e para quem fazemos.
Como estava só de lingerie, não lhes dei um abraço, mas eu sabia que elas tinham conhecimento de toda minha gratidão.
— Agora, se me derem licença, vou tomar um banho, que daqui a pouco o príncipe chega.
As meninas riram em animação e eu me peguei sorrindo também. Seria a primeira aula que teria com ele; as outras duas que eu havia tido foram uma junto com as outras meninas, ministrada pela senhora Anne, e uma particular com o senhor Peter. Depois de dois dias em que ele não aparecera, cheguei a duvidar que suas aulas estariam de pé. Mas, na noite anterior, antes de dormir, havia recebido um bilhete seu confirmando.
Terminei de me vestir e dispensei a ideia das meninas de me maquiarem. Eu podia não ser expert em cuidados com a pele, mas sabia que ficar maquiada o tempo inteiro não fazia bem. Além do mais, qual o problema de mostrar quem sou sem maquiagem? Uma coisa que eu ficava muito feliz era que a grande maioria das meninas parecia pensar da mesma forma, e isso tirava de nós a obrigação de ficarmos maquiadas no quarto, temendo visitas umas das outras.
Assim que decidi sentar-me para esperar, escutamos uma batida suave na porta, e essa sutileza já entregava quem estava do outro lado. Abigail logo correu para atendê-lo.
— Alteza — nós três falamos assim que a porta nos deixou ver seu rosto.
— Boa noite, senhoritas. Tudo bem?
Abigail e Stephany ensaiaram um “sim” que saiu mais parecido com um murmúrio sem muito sentido. Logo tomei a frente.
— Tudo sim. E contigo? — perguntei causalmente.
— Estou ótimo, .
As meninas ainda não haviam o visto me chamando assim e acabaram deixar escapando uma risadinha, que deixou nós dois constrangidos.
— Ér... — comecei, tentando achar um assunto, mas não pensei em nada.
— As senhoritas poderiam ir à cozinha pegar algumas coisas para comermos? — ele pediu educadamente.
— Alguma coisa de sua preferência, Alteza? — Abigail indagou.
— Não. Tudo que os cozinheiros fazem eu amo. Você tem preferência, ?
Desde cedo, eu estava torcendo para no almoço e na janta ter um bom suco de maracujá. Como em nenhum momento ele esteve disponível, eu já sabia o que pedir.
— Se tiver maracujá, desejo um copo.
— Querendo dormir na minha aula? — o príncipe brincou, e eu decidi que gostava de vê-lo brincando.
— Não seja bobo — falei, rolando os olhos. — Apenas quero.
Quando as meninas nos deixaram a sós, respirou fundo e começou a falar, parecendo empolgado:
— Eu acho que você já vem aprendendo muito de regras e etiquetas, assim como sobre os costumes que podem irritar os italianos. Então vou te ensinar algo que, provavelmente, ninguém vai.
Encarei-o, curiosa. O que ele poderia me ensinar que já não tivesse passado pela cabeça de Anne ou de Peter?
— E o que seria?
O príncipe caminhou até ficar muito próximo de mim. Então, falou baixinho:
— Como sobreviver a esses eventos.
E sua feição era séria, deixando claro que, talvez, aquele fosse ser meu maior desafio.

— Por que eu deveria me preparar para alguém me falar que eu não sou da realeza? Não me importo que digam isso.
Em cerca de uma hora, já havia me falado de várias coisas. Desde rir mesmo sem achar graça se alguém te contar algo que julga engraçado, como não abaixar o olhar mesmo estando machucada. Esse último ponto acabou puxando o atual, que se tratava de me preparar para me xingarem por minha falta – a qual eu era muito grata – de sangue azul.
— Você já ouviu falar de comunicação passiva-agressiva? É assim que todos aqui tratam as conversas. Ninguém vai tentar te diminuir simplesmente dizendo isso. Na verdade, vão fazer isso da maneira mais rasteira e sem nunca ser diretos. Porque precisam provar, em caso de você reclamar, que nunca tiveram essa intenção.
— Ainda assim, isso não me preocupa — argumentei.
— Não acho isso depois daquela nossa briga. E eles vão falar daquilo a pior.
A nossa briga. Aquela onde me incomodei por ele insinuar que eu estava ali para usá-lo e ganhar dinheiro. A que ele supôs que eu só podia ser alguém desesperada por dinheiro. Só de lembrar, fiquei instantaneamente irritada.
— Se eles forem tão idiotas, vou dar uma resposta assim como lhe dei.
O príncipe percebeu a irritação na minha voz, assim como pareceu ter percebido que, indiretamente, eu o havia chamado de idiota. Mas nenhuma das duas coisas o fez desistir do ensinamento.
— Você não pode responder como me respondeu. Ainda não entendeu isso? Suas fraquezas não podem ficar expostas para essas pessoas. Muito menos para os meus pais.
E isso me deixou ainda mais irritada. Todos nós tínhamos dores e o direito de nos magoarmos, por que eu não podia ser humana em vez de uma boneca?
— Não estou nem aí para os seus pais ou para quem quer que seja. Não vou engolir sapo apenas para ser a bonequinha que você precisa — sentenciei, dessa vez já um pouco sem controle na voz.
— Eu te falei que iria te ensinar a sobreviver a eles, e é isso que estou fazendo. Quer você concorde ou não, é assim que as coisas funcionam por aqui, . Um usa a fraqueza do outro, e eu não quero ninguém encontrando as suas. Te preparar para isso é a única forma que tenho de te ajudar. Se você não quiser, então nada poderei fazer.
O príncipe ainda não parecia bravo, mas eu estava. E ele tentar me provar que eu deveria ser fingida só me deixava ainda mais.
— Para aprender, vou ter que passar por cima de mim?
passou as mãos nos cabelos, pela primeira vez demonstrando certa falta de controle. Mas rapidamente se recompôs e me olhou nos olhos antes de dizer:
— Aí é que está, . Você precisa fazer isso justamente para não deixar ninguém passar por cima de você. Como você vai agir se alguém te perguntar algo como: “você deve estar bem feliz de ser a queridinha do príncipe, não é? Vai mudar de vida”? Você vai brigar com essa pessoa e deixar ela ciente que pode te infernizar o baile todo com esse assunto ou vai tirar este prazer dela? Acho que a segunda opção é bem mais inteligente.
Respirei fundo. Ele estava certo.
— Tudo bem. Então o que eu devo fazer?


👑👑👑


A semana havia se passado como um vento. Depois da aula com , eu havia tido mais outra particular com Peter, mais duas coletivas com a senhora Anne e as meninas e uma última, muito rápida, com , onde ele me ensinou como nós dois, enquanto par, deveríamos agir.
No meio disso tudo, Olivia e Melissa já haviam voltado ao normal comigo, sem os receios que pareciam ter desde que eu havia sido chamada para ir ao baile com . Mas ainda demonstrava um claro ressentimento que, por falta de tempo, não tínhamos esclarecido. Agora, faltando poucas horas para o baile, eu sentia que não deveria ir sem antes falar com ele. Por isso, mesmo sabendo que corria risco de deixar Stephany e Abigail irritadas com meu sumiço – como elas diriam, “quase tempo nenhum para o baile” –, saí do quarto e segui rumo ao de .
Bati na porta umas três vezes até ser atendida por Carmela, uma das criadas que cuidava dela.
— Boa tarde, senhorita .
— Boa tarde, Carmela. A está aí?
A criada educadamente encostou um pouco mais a porta e virou-se para o quarto, como quem queria se certificar de qual reposta deveria dar. Segundos depois, ela a reabriu com um sorriso ensaiado nos lábios.
— Pode entrar.
Entrei e, assim que olhei para , não me senti confortável lá dentro. Minha amiga me encarava com um olhar cansado de quem não queria viver aquele momento.
— Será que poderíamos conversar? — perguntei, incerta, e segurou um suspiro.
— Sobre o quê? — ela fingiu curiosidade.
— Eu sei que não estamos bem, . Desde o último jornal que não somos as mesmas uma com a outra.
Olhei para as duas criadas, esperando que pedisse para ambas nos darem licença, mas ela não fez isso.
— Antes de você esconder da gente que era a preferida do príncipe?
Comecei a me sentir constrangida por termos aquela conversa na frente das meninas.
— Será que vocês poderiam nos dar licença, meninas? — perguntei, mesmo com medo de falar para elas ficarem.
— Claro — responderam juntas e saíram do quarto.
— Eu não me preocupo de ter essa conversa na frente delas, são próximas a mim — disse, e eu não duvidei. Sabia que sua índole jamais deixaria que tratasse mal aquelas moças apenas pelo cargo que ocupavam.
— Sei que sim, mas, se vamos nos acusar, prefiro que não tenha plateia. Até porque estamos brigando por algo tão idiota.
— Idiota por quê? Ah, sim! Porque você acha toda realeza um lixo, não é? — indagou, irônica. — Tão lixo que você está cada dia mais próxima do príncipe.
— Não é isso, . É idiota apenas porque temos uma amizade de anos e estamos deixando um cara que mal conhecemos, e uma festa que nem sabemos se vai ser boa, ficar no meio dessa nossa amizade.
riu sem humor.
— Não se trata disso, . Se trata de nós duas e de como você sabe que tudo isso importa muito para mim.
— E eu reconheço isso — argumentei, indo para próximo dela na cama.
— Sabe e mesmo assim esconde de mim que o príncipe e você estão próximos. Sabe e deixa ele te convidar para o baile.
— Ele me convidou porque perdi uma aposta, . Fora que você sabe que não sou ninguém para dizer o que ele faz ou deixa de fazer aqui dentro. E eu não te escondi, eu só não sabia como contar, não achei o momento certo.
Eu havia falhado em manter aquilo só para mim, mas não tinha sido proposital.
— Eu jamais deixaria de te contar.
— É diferente, ...
— Diferente? — em cada palavra dela dava para ver que havia muito ressentimento.
— Você sabe que eu não me importaria. E não ficaria mal como você poderia ficar e até como ficou.
— Ai, . A quem você quer enganar? — ela perguntou com deboche. — Isso passou a te importar já faz um tempo.
— O que você quer dizer com isso?
Tudo poderia estar uma confusão, mas eu jamais julgaria se ela me contasse que havia sido convidada, ou que, como ela disse que eu era, ela era a queridinha do príncipe.
— Olha para mim e me diz que você tem a mesma indiferença de antes pelo príncipe.
— Não, eu não tenho. Mas isso não quer dizer nada — rebati. — O príncipe se mostrou um pouco mais digno do que eu imaginava.
— E também mais fácil de gostar, não é?
— Como assim, ?
Eu não conseguia entender por qual motivo ela insistia naquilo. Eu não estava no jogo, nunca estive e não planejava estar. Isso não havia mudado.
— Posso ainda não ter tido um encontro com ele, mas sei o quão apaixonável ele é. Só quero que você admita que está se apaixonando.
Ela falava isso carregando certeza e acusação em seu olhar. Ao mesmo tempo que eu sentia que deveria confessar para ter chance de seu perdão, sentia também que isso poderia ser a ruína de nossa amizade.
— Eu não o odeio como já supus antes, mas nada do que sinto é algo que me faça entrar de fato na seleção, se quer saber. O caminho está totalmente livre para você. E embora eu nunca tenha apoiado e nem vá apoiar um monte de garotas brigando por um homem, se você quer achar alguém para estar no seu caminho até ele, há aqui mais de vinte garotas e eu não sou uma delas. Continuo a todo custo querendo distância da coroa.
Deu para perceber que minhas palavras ainda não eram o que queria, mas pareceu ser o suficiente para acalmá-la e voltar a falar comigo.
— Amo você, . Independentemente de qualquer coisa, prometo nunca esquecer disso e peço que não esqueça também.
Puxei-a para um abraço apertado que estava desejando há muito tempo.
— Nunca vou esquecer que amo você.

“O jogo da Seleção
Quando o programa começou, esta escritora que vos fala já sabia que tudo não passava de um entretenimento muito bem pensado para alienar o povo na medida certa. Trinta e seis garotas, vestidos bem costurados, ouro, machismo e um príncipe para completar a equação. Nunca houve a menor chance deste programa dar errado. Mas estamos mesmo vendo algo real?
Para os telespectadores, o jogo acontece quando essas garotas lutam para alcançar seus objetivos, que, sejamos sinceros, não se resume – e ainda bem – a conquistar um príncipe. Algumas querem a coroa, outras querem o pós-programa, outras querem realmente o amor. E não julgo qualquer que seja o motivo. Mas fica a pergunta: este é mesmo o jogo?
Algumas andorinhas me contaram que o jogo não se resume a isto. E essas garotas não são as peças principais do tabuleiro. Já parou para se perguntar qual lugar o povo ocupa? Ele é realmente uma peça importante.
Seguimos aqui acompanhando se a coroa vai conseguir continuar jogando tão bem com o próprio povo.”


Eu sabia que escrever aquele texto tinha me custado minutos que Stephany e Abigail jamais me deixariam esquecer, mas eu precisava. Colocar para fora minhas frustrações e impressões estava sendo a única forma de suportar toda a pressão que a situação me colocava. Sabendo que estava atrasada, adiantei os passos e tentei chegar o mais rápido possível ao quarto sem receber olhares tortos por minha falta de modos.
— Ela chegou! — Stephany quase gritou de alívio.
— Onde a senhorita se meteu? Procuramos no quarto das senhoritas Melissa, Olivia e , e nenhuma sabia de notícias — Abigail contou em um tom descontente.
— A senhorita foi a única que nos acalmou, dizendo que fazia ideia de onde estaria. Mas que era melhor deixarmos, porque a senhorita não demoraria.
Prendi a respiração por alguns segundos ao ouvir o que Stephany disse. continuava tendo ideia de que eu escrevia no site, e eu sabia que não era seguro para nenhuma das duas ela saber disso.
— Desculpem. Estava precisando de um tempo para mim. Mas já estou aqui e estou pronta para que vocês façam tudo o que quiserem. Prometo não reclamar de nada.
Abigail olhou para Stephany, ainda descontente. Mas suspirou derrotada e começou a falar:
— Vou buscar seu vestido enquanto a senhorita toma banho. Stephany vai cuidar de suas unhas assim que estiver de banho tomado.
Pela falta de tempo, tudo foi feito muito rápido. Comecei a me sentir culpada. Stephany fez seu melhor pintando minhas unhas, mas era nítido que ela gostaria de ter tido tempo para tirar algumas cutículas. Abigail deixou claro que faria um cabelo mais simples, porque queria ter tempo para a maquiagem. A única coisa que elas se orgulhavam era o vestido.
Assim que Abigail tirou-o do saco, suspirei, chocada com o resultado. Era muito melhor do que já parecia durante as provas.
O vestido era de modelo mullet, e tinha, como tom principal, um verde bem escuro. Por cima, um tecido fino havia sido costurado nele, e havia uma estampa floral que parecia ter sido feita à mão. Essas flores viravam um bordado quando chegava na cintura, e se abriam em dois ramos para formarem um decote que eu nunca havia usado antes. “Sexy e chique na medida certa”, foi como as meninas o definiram. O decote, a cor e o modelo mullet me deixavam com o ar de uma mulher sexy, já a estampa e o bordado davam um toque sutil para não deixar vulgar.
— Eu estou magnifica — falei suspirando ao ver meu reflexo.
Eu não lembrava da última vez que tinha me visto tão bonita quanto aquele dia. Minha maquiagem era forte e tinha como tom principal o verde, mas também tinha um toque de amarelo que combinava com as flores do vestido. Meu cabelo havia sido preso em um coque, deixando apenas alguns fios de fora. Stephany e Abigail, mesmo reclamando do tempo, haviam feito muito mais do que eu poderia imaginar.
— Obrigada, meninas — agradeci com um sorriso.
— A senhorita não precisa agradecer — Abigail disse, satisfeita. — É uma honra para nós duas podermos lhe vestir.
Me olhei mais uma vez no espelho antes de sorrir novamente.
— O príncipe vem lhe encontrar? — Stephany perguntou, ansiosa.
— Na verdade, não. Nos encontraremos no topo da escada para entrarmos juntos.
— Não veremos esta cena ao vivo, mas estamos ansiosas para vermos na televisão — Abigail disse sem conter a empolgação.
Ver a empolgação nos olhos das duas acabou me deixando ansiosa. Principalmente quando eu pensava que grande parte da felicidade das duas era que eu estaria com o príncipe.
— Aproveite, senhorita . Estaremos aqui orgulhosas — Stephany falou e me deu um leve abraço que, depois, foi repetido por Abigail.

Caminhei lentamente pelo corredor cheio de quartos onde as meninas e eu estávamos alocadas. Todas elas certamente estariam finalizando os últimos detalhes antes de estarem prontas para o baile – apenas eu tinha que estar presente tão cedo. Encarei a porta do quarto de Olivia e tive que controlar o ímpeto de entrar lá, apenas para escutar de alguém que eu confiava que tudo daria certo. Continuei andando e, quando estava prestes a virar no próximo corredor, escutei a voz de dizer:
— ela falou, com a voz alcançando o tom mais alto que a vi usar dentro do palácio.
Virei-me para trás e encontrei sorrindo para mim. Ela usava o vestido azul que parecia bordado e tinha a saia muito armada, deixando-a parecendo uma princesa. Estava linda.
— Arrasa — ela balbuciou, e senti como se estivesse me abraçando.
— Obrigada — balbuciei de volta antes de me virar e seguir rumo ao baile.
Quando cheguei ao corredor final, pude ver, lá longe, o príncipe à minha espera. Todo meu corpo gelou.
Era redundante dizer que ele estava lindo, porque, embora eu odiasse admitir, ele era lindo. Sua roupa não era muito diferente das que ele costumava usar normalmente, mas as ondas castanhas de seus cabelos agora estavam alinhadas e penteadas firmemente para o lado. Seu paletó escuro combinava com meu vestido, e me peguei imaginando como seria quando ficássemos lado a lado. Enquanto eu o observava de longe, acabei não percebendo que ele fazia o mesmo comigo. Só me dei conta do seu olhar quando voltei a observar seus olhos e os encontrei vidrados nos meus.
Foi então que tudo perdeu a importância.
me olhava sério, sem nenhum esboço de sorriso, e eu me senti a única pessoa presente dentro daquele palácio fora ele. Seu olhar me dizia que eu era única e que nada mais importava, e eu acreditava em cada uma dessas coisas. Quando achei que nada podia ser mais intenso quanto aquele olhar, ele baixou um pouco os olhos e prestou atenção no meu decote. Segurei o ar. Tinha medo que um movimento o fizesse parar de olhar para aquele lugar, e eu não queria que isso acontecesse. Queria ele ali, me olhando, me admirando e me querendo. Seus olhos voltaram para os meus e não consegui segurar o suspiro. Meu peito subia e descia de forma rápida, como se tivesse esquecido como se respirava. Só me dei conta do meu estado quando um rapaz passou apressado por mim e bateu de leve no meu ombro.
— Desculpe, senhorita — ele falou apressado, enquanto me segurava um pouco.
— Tudo... — comecei, ainda atordoada com as sensações que sentia. — Tudo bem — consegui murmurar.
? Você está bem?
Eu não sabia como o príncipe havia chegado tão rápido perto de mim, mas ali estava ele, e ouvir sua voz quase me fez voltar a tombar novamente.
— Eu... eu estou bem.
O príncipe e o rapaz confiaram em mim e me soltaram, deixando que eu pudesse me recompor. Passei a mão no vestido enquanto pensava em alguma coisa para dizer ao príncipe sem que ele percebesse como eu estava me sentindo perto dele.
— Alguma dica antes de colocarmos suas aulas em prática? — indaguei com um sorriso no rosto, feliz de ter conseguido pensar em algo.
— Você está linda, — ele disse, mirando meus olhos, e fui obrigada a baixar o olhar. — Essa é a única coisa que tenho a lhe dizer.
Ainda evitando seu olhar, sorri e falei:
— Que comecem os jogos, então — e coloquei minha mão em seu braço.

O salão estava abarrotado de gente e muito bem arrumado. Assim que entramos, todos os olhares foram postos sobre nós, e fiquei feliz de ver que todos pareciam admirados de um jeito bom. Avistei de longe os pais de e, antes que pudesse chamá-lo para nos escondermos, ele falou:
— Meus pais nos viram. Vamos até lá. Fique calma, está bem?
— Acho que isso é pedir demais — confessei, e fiz o príncipe dar um leve sorriso.
— Todos neste salão estão te admirando, . Você é muito mais do que imagina. Eu não sabia como aquela noite acabaria, mas ouvir falar daquela forma me fazia ter a certeza de que cada minuto ali me deixava mais longe do meu objetivo de ficar longe da coroa.
Caminhamos lentamente pelo salão sob o olhar atento de todos. Quando chegamos perto do rei e da rainha, ela sorriu para nós dois.
— Vocês estão lindos — a rainha disse depois que dizemos a reverência. — Tudo bem, senhorita ?
— Tudo — me limitei a responder.
— Espero que as aulas tenham ajudado.
— Mãe... — começou, mas seu pai o cortou.
— Pare com isso, . Ela está apenas dizendo a verdade. Esperamos que as aulas tenham ajudado todas.
— Tenho certeza de que sim, Majestade — respondi, conseguindo esconder no sorriso o meu incômodo, assim como havia me ensinado.
— Seus amigos já estão por aqui, . Cuide para que nenhum dos dois chamem muita atenção.
Nós dois entendemos que esse seria o fim da conversa e nos afastamos.
— O que ele queria dizer com “cuide para que nenhum dos dois chamem muita atenção”? — indaguei, confusa.
— Assim que conhecer os gêmeos, você vai entender. Mas, antes disso, que tal dançarmos uma música? Carlo e Carmélia são uma prova de resistência, e eu prefiro que façamos isso de bom humor.
Eu não sabia o que esperar dos tais irmãos, também não sabia se queria dançar com ele depois de tudo que senti antes de entrarmos no salão. Mas não me deu chance de ordenar os pensamentos, e, quando dei por mim, já estávamos prestes a começar a dançar.
— Precisamos mesmo fazer isso? — indaguei baixinho, e o príncipe me olhou confuso. — Todos os olhares já estão sobre nós, dançarmos chama ainda mais atenção.
Ele ensaiou um sorriso.
— Como você mesma disse, . “Todos os olhares já estão sobre nós”. Que diferença faz dançarmos?
Era um bom ponto. Mas isso não me deixava mais confortável.
— Eu só queria que uma dança não nos assemelhasse a uma pintura em exposição — murmurei, tentando esconder meu desconforto para todos.
— É um baile e eu sou o príncipe, filho dos anfitriões. Você é minha acompanhante. É natural que todos nos olhem.
Ele não mentia. Era exatamente isso que deveria acontecer sempre que pisasse em um salão. E não apenas quando era no salão de seu castelo, mas em qualquer lugar que fosse. Este pensamento fez meu coração apertar, e quase não controlei a ansiedade para que a música terminasse.
— Acho que você precisa tomar alguma coisa. Por que não faz isso enquanto procuro os irmãos? — sugeriu calmamente. — Suas amigas acabaram de chegar.
Olhei para o topo das escadas e vi Olivia entrar, seguida de Melissa e . Elas estavam deslumbrantes. Olivia estava linda em um vestido quase bege, cheio de apliques de flores no busto que formavam uma manga só. Esses apliques iam até parte da saia e deixavam minha amiga angelical, parecida com uma fada. Melissa estava imponente em um vestido verde quase no mesmo tom do meu. Porém, o dela era de um tecido brilhoso e tinha uma espécie de capa que criava, em torno dela, um ar de poder que combinava muito com sua personalidade.
— Vou falar com elas e depois te procuro — lhe avisei, e ele concordou com um meneio de cabeça.
Segui rumo às minhas amigas e esperei que as três fizessem suas entradas cheias de cuidado. Pude ver também Sky Gordon – uma moça loira de lábios carnudos e jeito incrivelmente sexy – entrar com um vestido num tom parecido com cinza e que deixava um de suas pernas à mostra. Ela deixou todos de queixo caído.
— Oi, meninas.
— Oi, — Olivia saudou, e voltei a vê-la como uma fada.
— Vocês estão absurdamente lindas — falei, e as três sorriram.
— Como estão as coisas por aqui? — Melissa quis saber.
— Cheguei não faz muito tempo. Mas já sei que terei que ficar de papo com os herdeiros da Itália.
— Anne passou no quarto de cada uma de nós para falar que precisávamos falar com as pessoas — disse, e pude perceber que ela queria rolar os olhos.
— Isso é tão desgastante — Melissa reclamou e eu concordei.
— Sim. Eu vim só falar com vocês e terei que...
Antes que eu terminasse a frase, vi Olivia arrumar ainda mais a coluna, e isso me fez olhar para trás.
— Alteza — as meninas saudaram, e me apressei em fazer isso ao ver que era o príncipe George.
— Boa noite, senhoritas. Vocês estão lindas — ele disse, e pude perceber que havia um ar de flerte em suas palavras.
Aquele homem não tinha limites?
— Vim aqui porque preciso de vocês. Senhorita , peço encarecidamente para ir ao encontro do meu irmão e, assim, fazer companhia para os gêmeos porta.
— Gêmeos porta? — Melissa indagou, confusa.
— É como carinhosamente chamo meus queridos amigos da Itália. O QI deles não difere muito do de uma porta qualquer — ele disse calmamente, e as meninas riram.
Ele, então, virou-se para mim e falou:
— Preciso que a senhorita vá ajudar . Não tenho estômago para eles depois de ter que escutar o conde Getúlio falar sobre sua nova esposa quarenta anos mais nova. Enquanto a senhorita faz isso, passarei um tempo com suas amigas, impedindo que me achem desacompanhado.
Ele tinha bons argumentos, mas seu jeito galanteador me impediu de sorrir para ele como minhas amigas faziam.
— Licença — pedi e segui à procura de .
No caminho, algumas pessoas que eu tinha visto na lista de convidados que Peter havia nos passado falaram comigo, e minha ida ao príncipe demorou mais do que eu esperava. Quando o encontrei, ele já estava com os tais gêmeos.
Os dois se pareciam o suficiente para sabermos que eram irmãos, mas, talvez por serem de sexo diferentes, não deixavam nítido que eram gêmeos.
— Altezas — saudei e fiz uma reverência.
— É ela, ? — a menina perguntou.
— Sim. Carlo, , esta é a senhorita daqui mesmo de Angeles. Senhorita , estes são e Carlo. Princesa e príncipe da Itália.
— Que honra te conhecer. Neste meio tempo, já ouvimos algumas coisas sobre você, senhorita — disse com um sorriso.

Quando falou que a Itália era próxima a Illéa – apesar dos comentários que havia escutado durante aquela noite –, supus que seria fácil me enturmar com eles. Mas entre o exagero característico e alegre deles, também existia uma princesa e um príncipe que pareciam ter saído de uma fábrica, não de seres humanos.
estava dando tudo de si para me colocar na conversa, mas eu não tinha o que falar quando o assunto eram férias em lugares que eu jamais tinha ido e piadas sobre coisas materiais que jamais tive.
— Eu já disse a que, assim que for rei, lhe farei usar a menor coroa que tiver em todo o reino. Somos gêmeos, mas nasci primeiro e farei isso ser lembrado — o príncipe Carlo falou, rindo, e sua irmã riu junto.
— Aposto que jamais deixará isto acontecer — falou, dando o sorriso complacente dele.
— E aí, ? Se você namorar mesmo o , já imaginou sua tiara quando se casarem?
tinha o ponto positivo de falar com quase nenhuma formalidade e, assim, dar o tom usual às conversas, mas suas qualidades aparentemente paravam aí.
— Nunca parei para pensar nisso, para ser sincera.
Carlo, muito mais extravagante que a irmã, fez questão de usar isso para fazer a conversa voltar para si. Ele era o ser humano mais próximo de um pavão que eu conhecia.
— Não consigo evitar pensar em meu casamento. Quero que minha esposa use a coroa mais brilhante que houver em todo o reino.
E, então, Carlo voltou ao monólogo sobre si e eu me encolhi na cadeira na tentativa de desaparecer. Busquei com os olhos onde estavam as meninas, mas, se eu tinha a tarefa de entreter os mimados reais, as outras garotas entretiam os demais convidados, de modo que nenhuma estava desacompanhada.
Como um abutre pronto para o ataque no menor sinal de fraqueza, vi o rei me encarar e sorrir. Nosso encontro no início da noite havia deixado claro que ele ainda não tinha engolido a ideia de ter me chamado quando os planos dele eram outros. ter lhe privado de fazer mais outra atração no circo que era a Seleção havia o deixado furioso.
Vi quando ele educadamente interrompeu a conversa e chamou o rei e a rainha da Itália para irem falar com os filhos. Eu sabia que não gostaria do que estava por vir e que deveria ter me preparado melhor, mas estava me sentindo tão deslocada que não tive tempo para me recompor e aguentar o golpe que ele daria.
— Olá, meus queridos filhos — o rei disse, antes de dar um sorriso que até mesmo eu achei encantador.
— Majestade — nós dissemos juntos enquanto nos curvamos, mesmo sentados.
— Vejo que você está se dando muito bem com Carlo e , senhorita . Do que vocês falavam?
Do que eles estavam falando? Do que eles estavam falando? Em algum momento, entre os sonhos extravagantes de Carlo e seu desejo pelo trono, eu havia perdido o foco da conversa e, agora, não fazia ideia de qual era o assunto.
— Eu estava contando para ela sobre como estou me preparando para assumir o trono — Carlo falou, sem perder a oportunidade de puxar a atenção para si.
Quase suspirei aliviada.
— É um caminho bem duro. Concorda, senhorita? — ele continuou.
Pelo canto dos olhos, percebi que encarava a mãe como quem pedia socorro. Eu não tinha certeza se ela iria querer me ajudar.
— Sim, Majestade. Exige muito estudo.
— Com toda certeza. Fico feliz que tenha percebido isso. Não vir com uma boa educação às vezes acaba limitando nosso entendimento.
Segurei o ar e pude ver que até mesmo a rainha pareceu constrangida com a fala.
— A senhorita é absurdamente inteligente — falou confiante, e olhei confusa para ela.
Eu não entendia por que ela estava me ajudando.
— Também acho — ele concordou por educação. — Me diga, senhorita , como a senhorita acha que os príncipes poderiam ajudar na hora de selar um acordo entre reinos? Acredito que esteja a par do assunto que a Itália está tentando com a Nova Ásia.
— Eles não comentaram comigo — respondi.
O rei soltou um leve riso cheio de maldade.
— Mas isto é de conhecimento de todos. Achei que soubesse de geopolítica — e, então, balançou a cabeça como se estivesse confuso ou se desculpando. — Que erro o meu. Com essas roupas, quase esqueci que a senhorita não tem sabedoria disto.
O príncipe Carlo sorriu e repreendeu-o com o olhar. O rei e a rainha da Itália se olharam e, então, o rei do país disse:
— Se for a escolhida do príncipe, tenho certeza de que aprenderá ao decorrer do tempo.
— Sim. Mas é como dizem, melhor que já estejamos preparados.
O olhar de pena de todos, até mesmo da rainha, só me fez me sentir menor. Encarei o rei, tentando achar palavras, mas não consegui pensar em uma resposta. Afinal, que resposta eu daria? Inventaria uma forma de acordo e correria o risco de passar ainda mais vergonha? Então, virei meu olhar para o príncipe e o vi calado, apenas me olhando como se pedisse desculpas, e não pude mais lidar com aquilo. Me levantei apressada e saí sem me despedir. Não passaria mais um minuto naquele lugar.
Mesmo com algumas pessoas me olhando, continuei andando rápido e não ousei olhar para trás. Eu só precisava chegar ao quarto, e lá poderia desabar como meu coração pedia. Quando já estava nos corredores fora do salão, escutei a voz do príncipe:
!
Tentei ignorar e continuei andando. Escutei até quando ele pediu desculpas a alguém. Ele, então, voltou a me chamar.
— Volte para o salão, Alteza. Vão sentir sua falta — respondi enquanto andava.
O príncipe apressou os passos e me alcançou.
, por favor, pare e olhe para mim.
Parei e me virei, mas não para escutá-lo. Era a minha vez de falar.
— O que quer comigo, Alteza?
Meu rosto devia denunciar a dor que estava sentindo, porque o príncipe passou alguns segundos calado.
— Não vá embora assim. Vamos voltar para a festa — ele pediu, e fiquei ainda mais triste.
— Para quê? Para dar mais sorrisos falsos, aguentar ainda mais piadas e ser mais uma vez humilhada? Ou seria para aguentar dois irmãos fúteis e sem nenhum conteúdo, cheio de histórias que em nada tem a ver comigo? Talvez seja para acompanhá-lo e entrarmos no salão fazendo nossa melhor atuação.
— Eu sinto muito pelo meu pai e reconheço que deveria ter lhe preparado para Carlo e Carmélia. Eles não são más pessoas, tenha certeza disto.
Ri sem humor.
— Não acredito que pude acreditar que isso daria certo — comentei. — Onde eu estava com a cabeça?
— Está dando certo, . Os gêmeos te adoraram, as pessoas estavam te admirando...
— Não, alteza. Eles estavam admirando uma pessoa que não sou. E não os julgo, eu também me deixei levar por essa farsa. Olhe só para essa roupa — comentei, voltando a rir em meio a algumas lágrimas que já escorriam dos meus olhos. — Me olhei no espelho e quase acreditei que eu era mesmo alguém para este evento, mas não sou. Você nunca deveria ter me chamado.
— Eu não me arrependo — ele disse, firme.
— Deveria! — exclamei, irritada. — Você me colocou na pior situação da minha vida. Todas aquelas pessoas me olhando, me encarando, esperando algo de mim.
— É um baile, . Você sabia disso quando aceitou.
— Como se eu pudesse negar.
Foi a vez do príncipe parecer um pouco irritado.
— A senhorita sabe que eu jamais lhe forçaria a isso.
Passei as mãos no rosto, irritada ao vê-lo me chamando daquela forma.
— Bastou um baile para você voltar ao personagem do príncipe. Já me chama de senhorita novamente.
me encarou num misto de dúvida e ira.
— Mas é isso que eu sou, . Sou príncipe! Você sabia disso. Sabia de tudo que me cercava desde que se inscreveu, que aceitou meu pedido para este baile. Não é nenhuma novidade.
— Justamente. Você é o príncipe. Quem ousa dizer não para um príncipe?
Suas feições, então, mudaram de raiva para um pouco de tristeza e mágoa.
— Você está sendo injusto comigo, . Sabes muito bem que não era apenas o príncipe que estava lhe convidando.
— E quem era? — indaguei, na certeza que ele não teria a resposta.
O príncipe passou as mãos nos cabelos tão bem penteados, respirou fundo e me encarou antes de dizer:
— Era o príncipe, porque isto eu nunca deixarei de ser, mas era também um rapaz convidando a garota que mexe com cada estrutura dele quando está por perto.
Minha fala parou antes mesmo de sair da garganta, e o encarei em choque. Senti meu coração acelerar e não consegui pensar com clareza.
— O quê? — perguntei, sem tirar os olhos dos seus.
— Você mexe comigo mais do que imagina, . Ao escutá-lo falando aquilo e me chamando de um apelido novo, todas as barreiras que se mantinham de pé pareceram ruir na minha frente. Em um segundo, dei um passo, deixando nossos corpos quase colados.
— Eu... — comecei, sem fazer ideia do que diria a seguir.
Não precisei pensar nas palavras seguintes. O príncipe me tomou em seus braços e me beijou de forma avassaladora. Sentir seus lábios nos meus me causou um arrepio por todo o corpo, e reagi aprofundando ainda mais o beijo. Seu braço me puxou para ainda mais perto, e nossas línguas se encontraram causando uma loucura no meu estômago. Mas, quando essas sensações estavam perto de me tomar por inteira, caí em mim e me afastei abruptamente.
...
— Não! Eu... eu não acredito...
Lembrei-me de todas as minhas certezas. Da humilhação que o rei me fizera. Das regras. Dos fingimentos e, por último, mas me doendo mais que tudo, de e da nossa conversa. Ela não podia estar certa, eu não poderia deixar aquilo acontecer. Eu jamais faria isso com ela.
.
Encarei o príncipe, consternada.
— Eu não nasci para isso. Jamais serei a pessoa certa para estar ao seu lado. Essas roupas, essa maquiagem e esse cabelo são só uma capa. Você não me conhece de verdade. Essa que você beijou não existe!
— Eu não beijei você pelo que você está vestindo. Eu posso não lhe conhecer por completo ainda, mas tenho certeza de que quem me beijou foi a de verdade.
Ele não tinha o direito de afirmar aquilo quando nem eu mesma sabia quem eu era. Porque a que eu conhecia jamais beijaria um príncipe, principalmente tendo ali.
— Você não me conhece!
E, então, aproveitei que estávamos sozinhos no corredor e corri. Eu precisava sair dali, ficar longe do príncipe.
A Seleção poderia me tirar tudo, menos me afastar de mim.


Capítulo Onze

Quando viu sair daquela forma, seu primeiro instinto foi querer correr atrás. Mas, se havia aprendido alguma coisa em sua vida, era que tudo tinha seu tempo. E não era tempo de pressionar – pelo estado que ela saiu, ele nem tinha certeza se algum dia esse tempo chegaria. passou a mão pelo paletó, frustrado com o rumo que aquele baile havia tomado. Nada tinha saído como planejado. Quer dizer, o beijo estava em seus planos desde o momento em que viu tão linda e sexy naquele vestido, mas o depois do beijo não foi bem o que esperava. Ele voltou a passar a mão pelo paletó e deu meia-volta rumo ao salão. Sabia que nenhum problema o privaria da obrigação de estar lá.
ficou tão absorto em suas próprias frustrações que quase não percebeu que havia mais alguém no corredor fora ele. Porém, a forma como a garota estava ali, parecendo congelada, fez com que seus olhos voltassem para ela.
Era uma das selecionadas. Lágrimas silenciosas escorriam de seus olhos, mesmo que seu rosto não fizesse movimento algum. Era , a melhor amiga de . Ela com certeza havia visto o beijo.
— Senhorita — ele a chamou, e só então ela pareceu sair do transe.
rapidamente baixou a cabeça e cuidadosamente passou a mão no rosto, evitando borrar a maquiagem.
Ela não conseguia nem explicar ao próprio cérebro o tamanho da dor que estava sentindo. Tinha entrado naquele corredor assim que viu saindo da festa de forma tão abrupta, pensando que ela precisava de um ombro amigo. No caminho, havia trombado com o príncipe George, que consumiu seu tempo suficientemente para que, quando ela alcançasse o príncipe e , só visse os dois em um beijo de tirar o fôlego. E podia não ter beijado muitas pessoas, mas tinha conhecimento suficiente para perceber que aqueles toques e a urgência não era de quem beijava por beijar. O príncipe estava envolvido de verdade com , e o pior: ela também estava envolvida com ele.
— O que acha de nos sentarmos um pouco? — escutou o príncipe sugerir, enquanto continuava de cabeça baixa.
— Não há necessidade, Alteza. Eu já estava de saída — ela respondeu, mais uma vez limpando uma lágrima teimosa.
— Por favor.
A fala do príncipe não era uma ordem, mas sim uma súplica de quem sentia que precisava se desculpar. cedeu ao pedido e o seguiu até um corredor que tinha alguns bancos.
— Acredito que lhe devo desculpas — ele iniciou, e a garota o olhou confusa.
— Não acho que deva este tipo de coisa a mim.
— Claro que devo. Posso ver em seus olhos que lhe fiz mal.
não queria, mas riu. Embora estivesse doendo mais que qualquer outra coisa no mundo, vê-lo beijando não fora uma grande surpresa.
— Todas nós já sabíamos, não? — indagou, com um sorriso amargo. — As meninas comentaram do seu desejo de evitar beijos, mas, de forma silenciosa, havia a certeza de que isso não se manteria por muito tempo. E não era preciso muito estudo para saber que isso aconteceria com a .
sentiu-se constrangido com suas palavras. Primeiro porque lhe causava um pouco de vergonha pensar que, certamente, não havia segredos entre elas, mesmo que isso o envolvesse. E segundo porque nunca gostou de ser lido facilmente, mas ao que tudo indicava, quase três dezenas de garotas estavam fazendo isso muito bem.
— Espero que saiba que eu nunca quis magoar ninguém com isso.
E conseguia ver que ele falava a verdade. No fundo, sabia que não tinha a quem culpar. Ela virou-se para o príncipe e deu um sorriso triste, antes de dizer:
— Sua escolha já está clara.
O príncipe demorou cerca de dois segundos para processar o poder das palavras dela e apressou-se em discordar.
— Se minha escolha já estivesse feita, eu não manteria vocês aqui, senhorita . Não tenho prazer em mexer com seus sentimentos — ele sentenciou, encarando nos olhos. — Sendo sincero e confiando na sua discrição, sim, a senhorita é quem eu mais sou próximo e quem até hoje conseguiu minha afeição de forma diferente das demais. Mas acho que este programa por si só deixa claro que a pessoa que devo escolher tem que ultrapassar o quesito de acelerar meus batimentos cardíacos.
Ele queria muito dizer que escolheria quem amasse mais ou que tinha o poder de acabar com aquele show quando encontrasse aquela pessoa, mas não tinha. E, por isso, não configurava uma escolha certa por enquanto.
— Consigo compreender. Mas o príncipe conseguiria escolher alguém de quem não gosta?
gostou de como as palavras não saíam da boca de com o tom de julgamento. Era reconfortante ter alguém disposto a escutá-lo sem julgá-lo.
— Não. Eu não escolheria alguém por quem sou indiferente. Mas também não escolheria apenas baseado em amor. Se eu tiver que fazer uma escolha que me distancie de quem mais gosto, quero escolher alguém por quem sei que posso desenvolver sentimentos. Que eu não seja oco em relação a sentimentos por ela.
respirou fundo e encarou o lugar onde antes havia sido ocupado por e . Sentiu algo dentro de si queimar e demorou quase um minuto para perceber que era raiva. Embora entendesse os motivos dele e soubesse que iria entender os de , não era meio injusto cobrar – e ela sabia que cobraria – que ela não reagisse mal?
— Acho melhor eu ir — ela disse, conforme sentia a raiva queimar dentro de si.
— Senhorita — o príncipe a chamou quando percebeu que ela fazia menção de levantar-se. — Acredito que cometi um grande erro não tendo lhe chamado para um encontro. Poderia me dar a chance de repará-lo com uma dança?
Sem deixar transparecer o incômodo que sentia, sorriu e balançou a cabeça em um sim. Talvez as coisas não estivessem tão perdidas assim.


👑👑👑


No dia seguinte, não se levantou quando suas criadas lhe chamaram, nem quando estas usaram da intimidade que tinham para ameaçá-la de tomar um banho de água fria ali mesmo, na cama. Nada nem ninguém lhe daria o ânimo necessário para encarar o príncipe, , Melissa e Olivia.
Embora soubesse que todas as meninas sabiam que só uma seria a escolhida, sentia como se estivesse traindo as amigas por causa daquele beijo sem fundamento, que ainda lhe causava arrepios toda vez que se lembrava. Era injusto consigo mesma culpar-se por estar balançada pelo príncipe, mas sentia o mesmo grau de injustiça quando lembrava de tudo que acreditava e de como o príncipe não se encaixava em seus planos.
— Eu não vou me levantar daqui mesmo com banho de gelo. Então por que em vez de comerem minha paciência, vocês não aproveitam essa folga para fazer algo bom e me deixam descansar? Não tenho cabeça para um café da manhã acompanhada.
— E o que diremos se perguntarem? — Abigail indagou, já inclinada a fazer o que sugeriu.
— Que desde ontem não me sinto bem. Esqueceram do nosso combinado sobre ontem?
Ontem.
havia chegado ao quarto chorando compulsivamente, e as criadas não sabiam o que fazer. Lhe fizeram milhões de perguntas e sugeriram outras milhões de maneiras para acalmá-la, que em nada serviriam mesmo se ela aceitasse. Não existia conserto para um coração em pedaços, a não ser o tempo. Ainda mais quando você sente que não tem caminho certo para que seu coração fique inteiro. Culpava-se por e as amigas, assim como repetia a si mesma sobre sua incapacidade para aquela vida. Porém, nada disso fazia passar a dor que havia sentido quando saiu dos braços de . Ela queria mais daquele beijo, até mais do que já se permitia assumir para si mesma. Rejeitá-lo, assim como aceitá-lo, fazia a dor tomar conta de si.
— Acho melhor deixá-la descansar — Stephany falou, depois de se lembrar daquela noite.
— Muito obrigada, meninas.
Então, descansou por horas a fio. Até que a realidade bateu à sua porta.
Era quase três da tarde quando Abigail voltou a tocá-la de leve para que se levantasse. seguia determinada a ignorá-la, assim como fez pela manhã, porém uma voz masculina acabou a impedindo.
— Senhorita . Queira, por favor, levantar-se — Peter pediu, quase ordenando. — A rainha terá um chá com todas vocês e exige que nenhuma falte.
Ela colocou forças suficientes nas pernas para se levantar e tentar argumentar.
— Acredito que Abigail e Stephany já tenham informado sobre meu estado. Não estou me sentindo muito bem.
— Nem sempre a rainha está bem de saúde quando vai a algum compromisso, senhorita . Mas posso lhe afirmar que nem por isso ela deixa de ir. Salvo casos muito sérios. E, como podemos ver, não é a sua situação.
Peter parecia muito decidido, e viu que o melhor a fazer era ceder e ir. Não queria ter que lidar com a rainha batendo em sua porta.

encontrava-se inquieto na sala de reuniões. Seu pai chegaria logo, logo, e não saber o que o monarca queria com ele era enlouquecedor.
“Certamente tem a ver com ”, pensou. A forma como a garota saiu na noite anterior causou certo burburinho, e não foi pior porque tinha o ajudado a dar um show no centro do salão. Pretendia dançar apenas uma música com a garota, mas a forma como ela lidava com todos olhando e parecia disposta a entreter todo mundo, fez com que essa dança se tornasse em duas, e depois, em uma terceira, assim que ele terminou de dançar uma única música com Monica Hamilton, de Waverly.
— Boa tarde, filho — o rei saudou, tirando de seus devaneios.
— Boa tarde, pai. Queria falar comigo?
— Sim. Vou ser rápido e direito, está bem? — o rei disse e emendou a notícia sem esperar que o filho concordasse. — Quero Benett fora da Seleção ainda essa semana. Se for possível, ainda hoje. É só isso. Você está dispensado.
O rei não se dera ao trabalho nem mesmo de olhar para o filho, que, neste momento, se encontrava petrificado, o encarando. O rei George só levantou o olhar quando se deu conta que não tinha dito uma palavra sequer.
— Você entendeu, ? — ele indagou, enquanto encarava o filho por cima dos óculos.
— Entendi, e não vai acontecer — teve coragem de falar, ainda que sua voz tivesse vacilado.
— Como assim?
— Combinamos como as eliminações ocorreriam. O senhor aceitou os termos. E, nesta semana, eu não pretendia eliminar ninguém, mas caso queira muito, a senhorita é minha protegida da semana.
O rei George sentiu vontade de avançar em cima do filho e lhe dar socos ali mesmo no escritório, mas não o fez. Precisava dele intacto. Além disso, George sabia que era o rei e, por isso, ninguém nunca seria superior a ele.
— Essa garotinha burra tem uma semana para me conquistar, ou nem mesmo essa sua regra idiota fará alguma diferença.
— Mas...
O rei caminhou até o filhou e falou, entredentes:
— Você não entrou nessa para se apaixonar, . Não ache que estragarei meus planos por um romance idiota.
não será um problema para você, Majestade — falou, antes de se retirar de lá e sentir o coração quase sair pela boca.

não sabia, mas o plano de era lhe contar tudo o mais rápido possível antes das próximas tarefas para pensarem em um plano. Por não saber, ela se esforçou para se misturar entre as meninas e focar totalmente no chá.
— O que aconteceu contigo ontem, ? — Lisa Martin, uma garota negra de cabelo liso e olhos pequenos, que vinha de Denbeigh, indagou.
— Não me senti muito bem. Hoje ainda não estou bem.
Melissa, amiga de , encarou-a enquanto ela contava. Ela conhecia mais do que a própria gostaria que alguém a conhecesse em tão pouco tempo. Assim que Lisa perdeu o interesse – graças à falta de uma boa fofoca sobre o ocorrido –, esta saiu e Melissa pôde falar.
— O que realmente aconteceu, ? E não tenta vir com a de que passou mal, porque eu já sei que é mentira.
— Eu acho que...
Antes que pudesse contar sobre como temia falar daquilo com a rainha presente, esta levantou-se e disse:
— Meninas, terei que me retirar para dar conta de outros afazeres. Foi um prazer passar a tarde com todas vocês, mas terei que partir.
Quando achou que se veria livre da rainha, esta falou gentilmente:
— Senhorita , pode me acompanhar por um instante?
Aquilo, embora tivesse o tom doce de uma criança, não era um pedido.
— Claro.
E seguiram juntas até estarem do lado de fora do Salão das Mulheres e longe das outras garotas.
— Nunca mais repita o que fez ontem. fez papel de bobo graças a você, e este comportamento não será mais tolerado — a rainha começou a advertir em um tom duro e seco. — Se não tivesse tanta gente dentro daquele salão, eu mesma teria lhe puxado.
— Me desculpe, majestade. Eu apenas não conseguia mais aguentar.
— Aguentar o quê? O rei falando mais uma de suas merdas?! Se eu ou meus filhos saíssem quando George fala algo que não gostamos, certamente, em todos os eventos, ao menos um de nós daria um show. Não há desculpas.
apenas balançou a cabeça em um sim, sem coragem de olhar para a rainha.
— E agradeça a sua amiga, a tal . Se não fosse por ela, meu filho hoje estaria em todos os jornais como um bobalhão.
não sabia o que poderia ter feito, e a rainha não lhe explicou. Apenas seguiu sem olhar para trás.
De volta ao salão, procurou Melissa para tentar entender a fala da rainha.
— Eles dançaram algumas músicas juntos e roubaram a cena. Para ser sincera, eu achei até bonitinho de ver.
Algo dentro de se remexeu, mas ela não se permitiu descobrir que sentimento era aquele. e se aproximarem talvez fosse um sinal do universo de que tudo estava indo para o seu devido lugar.
— Fico feliz por eles.
Melissa olhou para e sorriu.
— Não faz isso, .
— Fazer o quê?
— Fingir que não se importa, porque nós duas sabemos que não é verdade.
Melissa, desde o primeiro dia, misturado à sua carranca de enfado e deboche, também tinha uma sinceridade ímpar.
— E o que houve para você sair daquele jeito? O que aconteceu lá?
olhou para os quatro lados e, depois, cochichou:
— O rei me humilhou na frente da realeza da Itália, e eu fui embora — contou, arrancando uma risada divertida da amiga. — Então, o príncipe foi atrás de mim, nos beijamos, brigamos, e eu fui embora.
— O QUÊ? — Melissa indagou em um quase grito, que fora suficiente para chamar atenção de e Olivia.
— Melissa!
Antes que pudesse repreender a amiga como deveria, Olivia chegou com perto das duas e perguntou:
— O que aconteceu?
encarou Melissa, que arqueou as sobrancelhas como resposta. Contaria ou não sobre o que houve? E se isso causasse alguma briga? Mas foi ao olhar para que soube o que fazer. Não esconderia nada da amiga. Não mais.
— O príncipe e eu nos beijamos. Depois brigamos. É isto.
As feições de Olivia, sempre tão doces e recatadas, deram lugar a lábios levemente comprimidos e olhos marejados, que desejou nunca ter visto.
— Obrigada por ser sincera, — ela conseguiu dizer, esforçando-se para não chorar.
A verdade é que Olivia já esperava que isso fosse acontecer, afinal, todos sabiam quem era a preferida do príncipe, não era mesmo? Mas esperar por isso não diminuía a dor ao perceber que sua idealização de romance perfeito estava ruindo tão rápido. Garotas como ela foram criadas para terem o romance perfeito, junto ao homem perfeito que formariam uma família perfeita. Era difícil ver tudo ruir daquela forma, ainda mais quando amava demais para conseguir tentar mudar o jogo.
— E pode não acreditar, mas... — começou a tentar formular a frase, mesmo com a garganta embargada.
— Vamos lá para fora — Melissa sugeriu, e as outras três concordaram. Saíram do salão com segurando firme a mão de Olivia.
— Eu sinto muito, Olivia — murmurou, sentindo cada parte do seu corpo doer.
— Não sinta. De verdade — ela falou.
— Só uma de nós namorará o príncipe, todas sabemos disto.
e Melissa estranharam a fala de . Afinal, até o dia anterior, sabia que ela não lidava daquela forma com as coisas. Mas sabia que, pela primeira vez, estava próxima de algo e não era mais a perdedora de antes.
Antes que pudessem conversar mais, viram o príncipe se aproximar. Olivia logo limpou as lágrimas e arrumou o vestido; as outras se apressaram em fazer uma reverência.
— Boa tarde, senhoritas.
— Alteza — as quatro falaram.
— Senhorita , fico feliz de tê-la encontrado. Me daria alguns minutos de conversa? Serei breve.
sentiu uma ponta de culpa furar de leve seu coração por ter um momento com o príncipe justo naquela situação, mas sabia que havia sido grosseira demais na noite anterior. E, ainda que mantivesse os pensamentos, sabia que ele era um homem bom e merecia uma conversa mais calma.
, eu sei que na noite...
— Desculpe lhe cortar, , mas tenho que ser breve de verdade. Lhe procurei hoje mais cedo, mas agora não vim aqui para conversar sobre o que houve ontem, embora acredite que teremos que conversar em breve. Quero apenas lhe pedir para ficar longe de confusão nas próximas semanas, está bem? Você deve imaginar que houve consequências por ontem, e, independente delas, quero lhe manter aqui. Então, para que nenhum de nós dois soframos nas mãos dos meus pais, queria lhe pedir isto.
A ideia de se manter ali, por mais sádica que pudesse parecer, era exatamente o que queria em seu íntimo. Por isso, concordou.
— Prometo que farei o possível para manter as encrencas longe de você — ele falou com um meio-sorriso.
— Obrigada. Eu só queria que você soubesse que eu estava de cabeça um pouco quente e que não queria humilhá-lo.
O príncipe concordou com um maneio de cabeça, pois, embora todos tenham o visto como um coitado quando ela se levantou e foi embora, ele sabia que falava a verdade. Depois deste momento, o príncipe olhou as horas.
— Sinto muito, mas agora terei mesmo que encerrar nossa conversa. Em breve nos falamos.
Quando voltaram para junto das outras três, podia apostar que ele se despediria e iria cumprir alguma tarefa importante de príncipe, mas, em vez disso, o viu dar um braço a , que, de muito bom grado, aceitou.
— Até breve, senhoritas.
— Tchau, meninas. Até mais.
Agora a resposta calma de fazia sentido. Aparentemente, o beijo de e estava muito longe de significar o fim da Seleção.


Capítulo Doze

Já haviam se passado alguns dias desde que falei a sós com e eu não sabia o que pensar sobre aquilo. Da última vez que trocamos mais que um simples cumprimento, ele havia me dito que precisávamos conversar e me pediu para me manter longe de confusão, mas, depois disso, o vi sair com minha melhor amiga para um encontro que havia se repetido mais duas vezes dentro daquelas duas últimas semanas.
O que ele queria dizer com aquilo? A conversa que tinha sugerido certamente não tinha mais importância, e talvez eu também não tivesse tanta. Ao menos era o que se comentava depois que o príncipe começou a marcar encontro com todas, menos comigo.
Provavelmente minhas criadas estavam com pensamentos iguais a mim, porque só isso explicava a euforia – que beirava a descrença – de Abigail ao receber um bilhete do príncipe.
, ele lhe procurou! — ela quase gritou, agora chamando-me apenas pelo nome. Uma conquista que havia me deixado muito feliz desde que acontecera pela primeira vez.
— Meu Deus! Ele lhe mandou um bilhete! — foi a vez de Stephany comemorar.
— O que diz? — indaguei, sem me aproximar do bilhete.
As duas semanas que haviam se passado serviram para que eu tivesse tempo de me avaliar e reavaliar várias vezes. E em todas eu chegava sempre a mesma conclusão: havia algo dentro de mim que gostava do príncipe, e eu não queria sair da competição, porém não queria a coroa. Aquela conclusão me fazia temer as duas possibilidades: ficar e sair. E sentia que aquele bilhete diria meu futuro.
— Tem certeza? — Abigail perguntou, sem querer soar intrometida ao ler.
— Pode ler.
Ela, então, puxou forte o ar antes de abrir um sorriso ao ler o bilhete:

“Senhorita , peço desculpas desde já pelo meu sumiço. Sinto que perdi a noção do tempo e acabei ficando em falta com a senhorita e não cumprindo minha palavra de que em breve nos encontraríamos. Mas, como dito, peço desculpas desde já pela falha.
Quero então lhe convidar para assistirmos um filme. Caso aceite, peço que esteja pronta hoje às três e trinta da tarde.
Com carinho, .”


— Ele refere-se a si mesmo apenas pelo nome quando fala com a senhorita — Stephany derreteu-se, e segurei o riso.
— Eu não gosto de formalidades, vocês sabem disso.
— Devo levar a resposta para ele? — Abigail perguntou quando ficamos em silêncio.
— Ah, sim. Poderia ir lá dizer que vou? — indaguei, fingindo não dar tanta importância.
— A senhorita não vai escrever a resposta?
Eu iria?
A verdade era que, embora eu odiasse admitir, seu sumiço havia doído, e agora tudo que eu queria era não demonstrar para ele – ou para quem quer que fosse – que isso havia acontecido. E respondê-lo tão rápido e com palavras doces soava como uma confissão, ao menos para mim.
— Certeza? — Abigail insistiu, e balancei a cabeça em um sim. — Tudo bem.
Assim que Abigail saiu, ouvi uma batida na porta e logo Stephany foi abrir. Fiquei surpresa quando vi Olivia entrando no quarto e sorrindo em um misto de felicidade e tristeza.
— Tá tudo bem? — logo me adiantei em perguntar, mas Olivia apenas balançou as mãos e, então, veio me dar um abraço. — Você está me assustando — brinquei com sua visita repentina.
Olivia era a mistura exata de doçura e educação. Uma verdadeira lady, como falavam. E sua educação não lhe permitia fazer visitas sem serem avisadas.
— Só vim conversar um pouco, saber como você está. Escutei vários comentários essa última semana.
Claro que ela escutou. Todo mundo tinha escutado, não foi mesmo?
“Senhorita finalmente perdeu o posto”. “Ela vai ser eliminada na primeira chance”. “Quem manda não ter educação?”
— Claro que você escutou — comentei, rolando os olhos. — Melissa também veio falar comigo. Sua ideia era colocarmos laxante na bebida de todos, incluindo os criados bocas grandes, mas não achei uma boa ideia — brinquei.
Olivia sorriu de maneira doce.
falou com você?
era outro assunto que havia me causado dor nessas últimas semanas. Pelas poucas vezes que tentamos um diálogo, percebi que a mesma culpa que me assolava toda vez que achei ser a preferida de agora causava algo parecido nela. Sempre falava pouco e com o olhar evitando meu, como quem se desculpa. E embora isso passasse no segundo que ela tirava os olhos de mim, eu não deixava de perceber que nossa amizade ainda era algo que ela queria cuidar.
deve estar ocupada, agora todos neste palácio parecem querer cercá-la. Até a rainha chamou-a para um chá com suas damas.
— Fiquei sabendo... — Olivia disse, desta vez parecendo meio distante.
— Olivia, está tudo bem?
Minha amiga não me respondeu. Apenas deitou em minha cama e ficou olhando para o teto, parecendo tentar escolher as palavras. Até que finalmente falou:
— Acho que já sei a resposta, mas quando você se inscreveu, ficou sonhando com esse momento?
Eu poderia tentar parecer a garota apaixonada pela coroa, mas como Olivia mesmo havia dito, ela já sabia a resposta, então fui sincera.
— Não.
Ela riu com minha resposta tão simples e sincera. Depois, seu riso foi sumindo um pouco até falar:
— Eu sim. Tanto que deixei de lado meu grande sonho de uma vida inteira para entrar aqui. Eu estava prestes a viajar para Itália para desenvolver uma pesquisa na área bioquímica e ajudar no combate à fome, mas adiei tudo para estar aqui.
— Você estava... você ia desenvolver o quê? Como nunca soubemos disso?
Olivia era, de longe, a garota mais educada e elegante de todas as selecionadas. Mas sendo sincera, eu nunca havia sequer cogitado que ela pudesse ser tão brilhante.
— Nunca achei oportunidade para falar disso — ela disse rindo, um pouco sem jeito.
— Acho que toda hora é uma boa oportunidade de contar que é uma gênia — falei, mostrando como era óbvio.
— Não é para tanto. Estou no segundo ano da faculdade. Apenas tive um ensino muito bom e condições suficientes para focar apenas nos estudos sem me preocupar com o que comeria nas refeições ou se teria dinheiro para pagar o próximo aluguel.
Era um bom ponto. Olivia vinha de uma família com boas condições financeiras, e comparar seus feitos aos de alguém que precisava sustentar a família era, no mínimo, um pouco injusto. Mas ainda assim ela seguia sendo uma gênia aos meus olhos.
— Isso não muda o fato de que você é uma gênia. As pessoas aqui brigam para ter um espaço para se gabar e você, tenho quase certeza, é a única que tem uma conquista como essa.
Eu conhecia Olivia há cerca de dois meses e nutria um amor por ela que parecia fazer anos. Fiquei muito feliz de saber que ela confiava em mim para contar algo que, embora fosse brilhante, nitidamente a deixava sem jeito.
— Não sei se ainda tenho essa conquista. Como falei, abri mão para estar aqui. E a pesquisa não parou para me esperar.
— Você é muito doida — comentei rindo, e ela riu junto.
— Suspeitava que você acharia isso.
— Desculpa, mas é bem chocante que no meio dessa seleção exista...
— Mulheres fortes, inteligentes e capazes de seguir a vida mesmo sozinhas? — antes que eu pudesse concordar, Olivia emendou: — Acho que você tem tanto preconceito com A Seleção que não se permite olhar ao redor. Tá cheio de meninas como eu aqui dentro. Como eu não, porque não sou ninguém para servir de molde. Mas tá cheio de mulheres maravilhosas aqui. Cada uma com um ponto forte. Você mesma tem uma oratória invejável e um senso de justiça que o mundo precisa. é determinada e tem uma assustadora inteligência emocional. Melissa é a mulher mais obstinada e confiante que já conheci. Estamos aqui há tempos e nunca a vi com medo, como isso é possível? — perguntou, rindo. — Tudo que você precisa fazer é parar de sentir pena delas por terem escolhido seus próprios caminhos. Elas não são coitadas por estarem aqui. Talvez algumas precisem abrir mais os olhos, mas tenha certeza que essa hora vai chegar. Acabou de chegar pra mim. E entenda, eu amo a ciência, amo estudar, amo pesquisar. Mas isso não me faz melhor ou superior a quem sonha em ter filhos. Espero que elas lutem pelas suas independências e se enxerguem para além de seus filhos, mas não sou melhor do que elas.
Eu não tinha o que falar depois daquilo. Tinha que reconhecer que sim, em noventa por cento do tempo eu julgava todas elas por estarem ali de bom grado. E sim, eu já havia determinado que nenhuma delas tinha algo como cientista em seus currículos.
Vendo meu silêncio, Olivia respirou fundo e voltou a falar:
— Foi ele quem tomou a iniciativa do beijo, não foi?
Me remexi na cama, sem entender a mudança repentina de assunto e também sem me sentir confortável com o novo tópico.
— Não precisa ficar sem jeito, é uma pergunta simples.
— Sim — comecei a responder, mas logo percebi que não estava sendo totalmente sincera, inclusive comigo mesma. — Na verdade, sendo franca, nós dois tomamos a iniciativa. Se ele não tivesse me beijado, eu certamente teria feito.
Olivia deixou escapar uma risadinha engraçada.
— Uau, . Eu não esperava por essas palavras. Você sempre tenta bancar a indiferente.
Foi a minha vez de soltar uma risada, mas, dessa vez, uma cansada.
— Não faço de propósito. Só não quero sentir isso, sabe? Só uma garota sai daqui “vitoriosa” — fiz aspas com os dedos — e, sendo justa conosco, não acho que sou a melhor escolha. Não nasci para pertencer à família real, e seria tolice ele pensar o contrário. Mas por que você apareceu com essa pergunta do nada?
— Foi bom? Quer dizer, você sentiu os fogos de artifício? — Olivia perguntou, curiosa, ignorando minha dúvida.
— Ai, Olivia. Eu não sei — tentei desconversar, mas ela não se abateu. Começou a rir empolgada e bater palminhas.
— Meu Deus, você está caidinha por ele! E você sentiu sim os fogos de artifício.
— Eu não disse isso — tentei me defender, mas ela continuava a rir.
— Não minta! Nós duas sabemos que você está gostando dele! — me acusou, divertida.
A alegria com que Olivia falava aquilo me deixou encabulada. Até duas semanas atrás ela quase chorou ao escutar que o príncipe e eu tínhamos nos beijado, e agora ela parecia uma espectadora assídua.
— E isso não deveria ser ruim para você? — indaguei, curiosa por respostas.
— Talvez. Isso se eu não tivesse tentado tascar um beijão no príncipe e ele tivesse retribuído por míseros segundos, antes de me afastar sem jeito e pedir desculpas — ela deu de ombros enquanto eu sentia minha barriga gelar.
— Você o quê? — indaguei, ainda chocada. — E ele retribuiu?
— Ele tentou retribuir, para ser mais exata, mas não durou cinco segundos. E não teve fogos, frio na barriga, nada. Foi como se duas pedras se beijassem. Eu não senti sequer um leve nervosismo. Na verdade, senti vergonha por ter partido para o ataque, mas eu precisava fazer isso.
— Você não precisa tentar seduzir...
— Não foi isso que fiz — ela comentou rindo, mas seu tom mostrava que falava sério. — Eu só percebi que minhas chances eram poucas e deixei coisas importantes fora desse palácio, sabe? Então, quis tirar a prova se valia a pena ou não ficar aqui. E , não vale mais a pena, não pra mim. E não só porque o príncipe claramente gosta de você e porque a parece pronta para ser princesa, mas porque eu não senti absolutamente nada. Nada mesmo.
Quando Olivia apareceu em meu quarto, eu não fazia ideia de que escutaria tudo aquilo. E esta constatação mais uma vez colocou em xeque todos os meus conceitos de antes de entrar naquele jogo. Eu tinha uma ideia tão diferente de Olivia. Para mim, ela era a personificação da submissão e omissão em um casamento, mas então ela se mostrou uma mulher corajosa, inteligente, independente e obstinada a seguir seu próprio caminho. Obstinada a tal ponto de claramente estar desistindo de algo que acreditava querer, mas não queria mais, embora todo mundo fosse achar loucura.
— Olivia, eu não sei o que dizer... — confessei, ainda sem palavras.
— Eu sei — ela falou com sua calma de sempre. — Mandei um bilhete para o príncipe pedindo para vê-lo hoje a noite, mas só foi possível marcar para amanhã de manhã. Pedirei para sair, acredito que ele não vá se opor. Então, posso chamar as meninas para cá e juntas curtirmos meu último dia no palácio?
A calma com que Olivia falava me fez, mais uma vez, questionar se eu estava pronta para aquilo tudo. Saber que eu perderia uma amiga me causava uma dor quase palpável e, enquanto isso, ela estava calma e serena, demonstrando uma inteligência emocional que eu não tinha.
— Claro — me forcei a responder.

Assim que Melissa e chegaram em meu quarto, foram logo tentando entender o que estava havendo:
— Espero que seja importante, eu estava querendo tomar um banho de piscina — Melissa falou, mas a gente sabia que ela não estava realmente incomodada de abrir mão do seu afazer.
— Poderíamos fazer isso juntas, não? — Olivia sugeriu, e as meninas a olharam desconfiadas. — Que foi? É tão chocante que eu queira isto?
— Sei lá, nunca te vi querendo ficar de biquíni nesse palácio — Melissa falou aos risos, e concordamos.
Olivia então me olhou, como se perguntasse se deveria contar naquele momento de sua partida, e eu apenas balancei a cabeça em um sim.
— Eu vou pedir para sair da Seleção, meninas.
— Você o quê?! — praticamente gritou, enquanto Melissa parecia chocada demais para falar.
Ali, vendo as reações das meninas, vi minha amiga perder um pouco da confiança que tinha sobre sua escolha. Mas ela logo balançou a cabeça e pareceu espantar as dúvidas.
— Vou pedir para sair e acredito que o príncipe não vá se opor.
ainda parecia um pouco fora de si quando perguntou:
— O que te deu para você fazer uma loucura dessas?
Melissa ainda assistia tudo sem fechar a boca.
— Eu deixei coisas importantes para trás e sei que não vale mais a pena. Não vou e nem quero ganhar isso aqui — Olivia disse isso encarando nossas duas outras amigas com a confiança já restabelecida. Era como se verbalizar a deixasse mais forte.
— Você não quer ganhar? — continuou perguntando, e Olivia riu.
— Não, eu não quero.
Melissa finalmente pareceu sair de seu mundo e sentou-se em minha cama enquanto encarava Olivia.
— Olhe tudo isso. Sabemos que só uma vai ganhar, mas será que vale a pena abrir mão de estar aqui e ser vista pelo mundo? Isso pode e vai mudar nossas vidas.
— Não a minha. Como contei para , eu faço faculdade e estava fazendo parte de uma pesquisa que busca combater a fome. Abri mão disto para vir para cá porque acreditei que fosse o que queria, mas agora vi que não é. Então, em vez de adiar o que de fato quero, por que não voltar e tentar ver se ainda me cabe nesta pesquisa?
— Você é tipo uma nerd ativista e só nos conta isso agora?
Não conseguimos segurar o riso ao escutar aquela frase. Para o bem ou para o mal, Melissa tinha o dom de transformar o ambiente.
— Pare de ser boba, eu só não achei momento para contar — Olivia deu de ombros e a olhou com incredulidade.
— Qualquer hora é hora para contar uma coisa dessas.
— Foi o que eu disse — constatei.
— Não pra mim. Até porque eu faço por amor à ciência, não para chamar atenção.
Foi a vez de Melissa lhe olhar com incredulidade e até sorrir da resposta.
— Amor, você veio para um jogo maluco que o prêmio é um romance. E para culminar, ele é televisionado para o país inteiro e tem a família real como protagonista, isso já é chamar atenção.
Olivia sorriu, parecendo só então se dar conta daquilo.
E não era surpresa, afinal, já se passara tanto tempo que era natural esquecermos das câmeras e de como tudo aquilo estava sempre em holofotes. Ainda mais Olivia não sendo próxima ao príncipe.
— Mas vamos à piscina ou não?
Eu queria muito ir à piscina com elas, mas bastou um olhar para Abigail para me lembrar que não podia. Baixei a cabeça, mortificada. Falar sobre ter um encontro com o príncipe em um momento como aquele, onde estávamos as quatro unidas e sem se preocupar de fato com a competição, era quebrar todo o clima.
Stephany então me encarou, me encorajando silenciosamente a falar. Senti que, diferente de Abigail, naquele momento ela só queria me lembrar da hora marcada. Stephany conseguia entender o peso que aquilo tinha para mim e, ao mesmo tempo que me encorajava, também dizia que estava tudo bem não se sentir à vontade com aquilo.
— Eu... eu não vou poder ir — falei, sem conseguir encará-las.
— Por quê? — Melissa perguntou confusa, e eu me encolhi.
Bastou uma troca de olhar entre e eu para que ela entendesse o motivo.
tem um encontro com o príncipe — ela disse, sem nenhuma alteração na voz, o que me surpreendeu.
— Isso — foi tudo que falei.
Encarei então minha amiga mais antiga, buscando em seu rosto algum traço de mágoa ou raiva, mas nunca imaginaria como me sentiria abraçada quando ela, de surpresa, sorriu.
— Nós entendemos — Olivia disse, e as outras duas balançaram a cabeça em um sim.
— Podemos ver um filme à noite, que tal? — Melissa sugeriu, e concordou.
— Só não deixem a escolher o filme, ela é péssima com isso. Essa cara de brava esconde um péssimo gosto para filmes água com açúcar, chatos demais para uma despedida.
E ali, escutando a risada de três garotas totalmente diferentes de mim, mas que me faziam muito bem, eu finalmente pude sentir gratidão por ter entrado naquela loucura.


👑👑👑


Por alguma razão desconhecida, me sentia mais nervosa do que de costume para aquele encontro. Era estranho e até um pouco incerto me encontrar novamente com o príncipe depois de tanto tempo. E saber que minhas amigas, principalmente , não se incomodavam com isso só deixava meu estômago ainda mais embrulhado.
Eu não sabia – ou talvez não quisesse saber – o porquê a aprovação de tinha me deixado tão nervosa, mas a verdade era que pela primeira vez eu me sentia em paz com os encontros, olhares e tudo que, embora eu nunca fosse admitir, a presença de me causava.
Como era algo casual, e a necessidade de usar apenas saia e vestido já não era uma cultura tão forte, vesti uma calça mom jeans com uma blusa listrada de manga longa. Stephany quase implorou para fazer um penteado, mas eu não conseguia ver necessidade para tal coisa, afinal, seria uma ida ao cinema ali mesmo no palácio. Abigail, então, fez uma maquiagem leve e deixei que a outra trocasse minha cor de esmalte.
— A senhorita está linda — Stephany disse e eu sorri.
— Obrigada.
Não demorou muito para que o príncipe batesse em minha porta e minhas criadas ficassem em alvoroço.
— É ele — Abigail disse antes de arrumar o próprio vestido, colocar seu melhor sorriso e, então, abrir a porta.
— Boa tarde, senhoritas — ele saudou, e todas nós fizemos uma reverência. — Tudo bem?
— Sim — respondi por todas.
— Fico feliz. Vamos? — chamou-me enquanto estendia o braço.
Toquei então seu braço e senti meus dedos formigarem. não estava de terno, apenas com uma camisa social fina, e eu estava tão sensível que sentia como se estivesse tocando sua pele.
— Até mais, senhoritas — o príncipe despediu-se.
— Tchau, meninas.
O príncipe, ao escutar minha despedida, acabou deixando escapar uma leve e muito breve risada.
— O que foi? — perguntei-lhe, curiosa.
— É apenas intrigante como você não se rende aos modos daqui.
Acabei sorrindo também.
— Eu não irei chamar duas meninas que passam a maior parte do dia comigo de senhoritas. Temos intimidade — argumentei.
Esperei então que lançasse um contraponto; contudo, tudo que recebi foi um sorriso contido e um leve meneio de cabeça.
Aquilo me deixou ainda mais nervosa.

Andamos pelo palácio em completo silêncio, e, a cada passo silencioso que dávamos, eu sentia que meu coração acelerava um pouco mais. Não era possível que ele tivesse marcado um encontro apenas para me deixar desconfortável e justificar minha eliminação. Eu podia ter minhas dúvidas sobre o príncipe, mas aquele tipo de comportamento não era o seu tipo.
Nossa caminhada silenciosa demorou um pouco mais, até que chegamos ao cinema e sem perceber. Deixei escapar um suspiro de alívio.
— Está tudo bem, ? — ele me perguntou, chamando-me apenas pelo meu nome.
— Não sei — respondi meio cansada, meio irritada. — Acho que é Vossa Alteza que deveria me dizer.
Aquela última frase não saiu no tom calmo que eu esperava. Mas ao contrário de mim, pareceu esperar por aquilo.
— Vamos escolher o filme e então conversamos, que tal? — foi tudo que ele disse enquanto tinha um sorriso calmo nos lábios.
A contragosto, apenas balancei a cabeça em um sim e dei de ombros.
Eu não me lembro direito como chegamos ao filme escolhido, mas, poucos minutos depois, demos início a uma sessão de comédia que eu não prestava atenção.
, a contraponto, parecia tranquilo enquanto comia um pouco de pipoca e, só depois de já termos assistido uns dez minutos de filme, foi que ele falou:
— Acho que agora é a hora certa pra conversarmos. — disse em um tom baixo, e o encarei confusa.
— Não entendi.
— As paredes têm ouvidos, . E o responsável por colocar esse filme também, mas nesse momento ele já deve ter ido fazer outra coisa.
Embora conseguisse compreender suas palavras, aquela atitude ainda não fazia sentido.
— E por que estamos fazendo isso agora?
— Lembra que lhe pedi para se manter longe de confusão?
Balancei a cabeça em um sim, sentindo que, seja lá o que o príncipe fosse me dizer, eu não gostaria.
Meus pensamentos ficaram mais fortes quando se remexeu na cadeira, parecendo incerto se deveria ou não me contar o que se passava. Deixei um suspiro de nervosismo escapar e, então, senti sua mão segurar a minha de leve. E aquele toque, por algum motivo desconhecido, foi o suficiente para me acalmar.
— Não importa o que seja, pode confiar em mim, — falei, chamando-me apenas pelo seu nome de forma natural.
Minhas palavras pareceram causar nele um efeito parecido com o que seu toque causou em mim, porque o vi relaxar os ombros e então falar:
— Você deve imaginar que escolher quem vai embora não é uma decisão tomada apenas por mim. Até agora todas as meninas que partiram são quem eu queria que fosse, mas essa decisão é comunicada ao rei muito antes de ser comunicada ao público. Tenho um trato com ele que não vem ao caso, mas em resumo, ele pode escolher uma protegida durante a semana e eu também. E naquela semana, se você não fosse minha protegida, teria ido embora. Por isso eu não eliminei ninguém nestas últimas semanas, não queria dar a ele a chance de te ver fora. Meu pai quase brigou comigo porque queria te eliminar, e esse foi um dos motivos que me afastei.
— Você não queria contrariá-lo? — indaguei, sentindo uma leve pontada no peito ao imaginar que ele se afastaria de mim por causa daquilo.
— Eu não queria dar a ele mais motivos para lhe tirar daqui — disse rápido, me explicando mais em seguida. — Você deve imaginar que não é a preferida do rei, mas enquanto ele não descobrir que você é a minha, estará mais segura. Era minha predileção que eu precisava esconder.
Eu não queria, juro que não queria, mas me vi sorrindo. Um leve sorriso que tirei do rosto tão logo me dei conta.
— Não precisa se passar por brava, — ele brincou, deixando claro que viu minha reação.
Agora quem estava com um sorriso no rosto era ele. Um maldito sorriso convencido, sincero e lindo demais para o meu próprio bem.
— Eu não estou me fingindo de brava.
— Não sei por qual motivo você chegou aqui se nega-se tanto a assumir que não é indiferente a mim, mas eu não queria esconder-lhe a verdade. Você é minha preferida, é, na verdade, a única garota neste palácio que mexe comigo. E estou lhe contando porque não acredito que brincar de gato e rato nos levará a algum lugar. Se você não se sente confortável em falar sobre, não tenho nada a esconder.
— Não estou escondendo nada, Alteza. Apenas… — procurei palavras para lhe explicar de forma sincera, mas não muito comprometedora, tudo que se passava em minha mente — … não esperava viver tudo isso. Achei que as coisas fossem ocorrer de outra forma.
— Tudo bem. Esta conversa não foi para que se sinta pressionada a falar nada. Só quis e ainda quero que saiba como me sinto.
Vê-lo falar daquela forma me causava um sentimento que ainda não sabia como nomear. Mas isso não me impedia de ficar confusa sobre suas palavras justo naquele momento.
— Por que está me dizendo tudo isso? O que lhe levou a se abrir assim?
Sendo o príncipe que era, corou levemente e seu rosto se contorceu de vergonha antes de falar:
— Não vou lhe falar quem, mas uma das garotas me beijou.
Espera um pouco, ele estava se sentindo culpado? Era isso? Um balde de água fria pareceu ser jogado em minha cabeça. Porque tudo que eu menos queria era sua culpa sobre mim.
Tão logo a sensação do balde de água fria se foi, senti uma raiva instantânea e também constrangimento. Como pude não ligar as duas coisas e me deixar levar pelas suas palavras, mesmo que eu não assumisse para ele?
— E você acha que se declarar para a primeira garota que ver depois desse beijo é a melhor forma de não se sentir culpado? — indaguei ríspida, e me olhou confuso.
— Como assim culpado? O que está supondo?
Levantei-me e o príncipe imitou meu gesto de maneira rápida.
, o que você acha que fiz? — ele perguntou de forma dura.
Levantei meu nariz até estar na mesma pose tão bem elaborada que ele e respondi:
— Não acho nada, . Você assumiu que me falou todas essas coisas porque foi beijado. E eu não tenho nada a ver com sua culpa ou nobreza, como queira chamar. Você só não tem o direito de se sentir culpado por um beijo e então me falar coisas como essa, como se pudesse se redimir pelo que nem me devia. Você não tem o direito de me fazer sentir essas coisas para depois contar que fez isso porque beijou outro alguém.
— Sentir coisas? Que coisas? — ele perguntou, tentando parecer tão duro como antes. Mas algo em suas feições mostravam que havia certo divertimento em suas perguntas, embora a raiva não tenha me permitido entender no momento.
— Isso — respondi, abrindo os braços. — Esse monte de coisas que eu não entendo e também odeio sentir.
Finalmente o príncipe deixou um riso escapar, e o encarei consternada.
— Qual o motivo dessa risada?
— Eu não lhe disse nada disso porque me sinto culpado. Não tenho motivos para isso, não mesmo. Lhe disse porque, no momento em que meus lábios tocaram os dela, tudo que consegui pensar é que não há uma garota aqui dentro que eu queira beijar que não seja você. Ainda que eu seja beijado, eu só quero beijar você. Simples assim. Só você, .
Tudo, exatamente tudo que eu queria naquele momento era beijá-lo outra vez. Dar a ele quem tanto queria e tê-lo como também era minha vontade. Ainda coloquei as mãos em seus cabelos e puxei-o para perto. Porém, como uma droga de musiquinha em meus ouvidos, consegui lembrar de suas palavras sobre seu pai me querer fora e soltei seus cabelos na mesma hora.
Percebendo minha desistência, foi a vez de colocar suas mãos em volta do meu rosto. Ele colou nossas testas e perguntou baixinho:
— Por que você não faz o que nós dois sabemos que tens vontade?
Sorri sem humor algum enquanto ele tocava de leve minha bochecha com o polegar.
— Porque, como você mesmo disse, sua opinião sobre quem deve ganhar isso aqui não é a única. E não vejo motivos para fazermos isso quando eu sou quem o rei mais odeia.
O príncipe então me olhou nos olhos, ainda conosco estando com as testas coladas uma na outra e falou ainda mais baixinho do que quando fez a pergunta:
— Eu posso fazê-lo gostar de você.
E era aí que morava o problema. Então, estando mais vulnerável do que já estive em todos os dias daquela Seleção, falei:
— Mas esse é o problema, . Eu não quero me tornar alguém que possa ser a escolha dele.
Me soltei de seus braços e fiz menção de ir embora, porém sua voz, compreensiva mais do que eu esperava, me deteve.
— Tudo bem, . Mas você pode me dizer por que tem que ser assim?
Eu queria lhe contar. Sabia que depois de tudo que me falou, ele merecia a verdade. Sem maquiagem ou meias verdades, mas se seu pai tinha o poder de decidir sobre os rumos do programa, havia chances de ser leal ao pai e não me entender.
Sabendo que ele não merecia mentiras, mas que eu não podia lhe contar tudo, preferi não lhe dar a resposta que ele queria.
— Acho melhor conversarmos depois. Nada de bom sairá desta conversa.
O príncipe não conseguiu esconder a frustração, ainda que eu suspeitasse que ele tenha tentado. Mas se havia algo fácil de ler, eram suas feições.
— Mas... — ele ainda tentou argumentar, porém me adiantei, sabendo que não conseguiria me segurar se ficasse ali.
— Tenha uma boa tarde, Alteza.
Então, fiz uma reverência e o deixei ali. Tendo a certeza que seu coração estava em pedaços tanto quanto o meu.


Capítulo Treze

encontrava-se sentado na cadeira do cinema desde que havia saído e lhe deixado sozinho com seus pensamentos. O filme, que ele julgava ridículo pelo pouco que conseguiu assimilar, ainda passava na tela e ele olhava como se o passar das pessoas e do tempo fosse capaz de trazer a garota de volta à sala.
Havia tanta coisa a ser dita e explicada. ainda não conseguia entender o que causava toda aquela repulsa em , sendo que ela tinha se inscrito no programa. Tudo bem que ela havia assumido que ter feito a inscrição mais pela amiga do que por si, mas apenas por isso existia todo aquele temor? Havia algo que ainda não encaixava, e embora tivesse vontade de gastar todo seu tempo pensando na resposta para aquele problema, ele não podia se dar àquele luxo. Tinha muitos problemas para lidar. Tinha outras garotas para se preocupar. Muitas garotas.
Lembrar das garotas acabou lhe lembrando de outra coisa: o encontro que Olivia havia pedido para terem. Meu Deus, Olivia. Só de pensar no que seria dito naquele encontro, ele ficava nervoso. Só de lembrar do último ele já ficava nervoso. Acabou rindo de si mesmo, ele era mesmo patético. Se George soubesse que seu irmão não só se afastou como não gostou de beijar uma garota como Olivia, não teria paz nem por um minuto. Seu irmão jamais perdoaria uma atitude dessas.
, então, fechou os olhos e respirou fundo para tentar relaxar depois de tudo. Foi então que ele repassou aquele beijo estranho que tinha dado em Olivia.

— Fico feliz que tenha gostado do passeio, senhorita Olivia. Foi muito prazeroso para mim também — ele disse sincero. Porque, embora suspeitasse que seu coração já estivesse ocupado, Olivia era uma ótima companhia.
— Que bom, Alteza — a garota respondeu, mas teve a impressão de que ela não estava prestando atenção em suas palavras.
— Está tudo bem? — ele então perguntou.
Olivia respirou fundo antes de perguntar algo que ele não esperava:
— Você acha que é possível se apaixonar à primeira vista?
ponderou sobre a pergunta e chegou à conclusão que pouco conhecia sobre paixão. Para ser sincero, ele nem sabia ao certo o que sentia. Não era a melhor pessoa para responder.
— Não sei. No mundo em que vivo a gente não tem tanto tempo para se apaixonar, nem conhecemos pessoas suficientes para isto. Nascemos, crescemos e morremos vendo sempre as mesmas pessoas.
Olivia concordou, embora ele achasse que ninguém fosse capaz de entender o quanto aquilo era verdadeiro.
— Eu acredito, ou acreditava, não sei mais. Mas quando vi sua foto, fiquei apaixonada no primeiro momento, foi isso que me trouxe até aqui.
segurou o ar, sem saber o que dizer mediante àquelas palavras. Se ela tivesse dito que cachorros voavam, certamente ele não estaria tão chocado e sem saber o que dizer.
— Eu, eu... — ele tentou falar, mas nem teve tempo para isto.
Estando nervoso demais para perceber os detalhes, não se deu conta de que Olivia estava perto demais para uma conversa, e só percebeu essa proximidade quando sentiu os lábios dela nos seus.
De início, estava tão chocado com o ato que não soube o que fazer. O que estava acontecendo? Após uns dois segundos, se deu conta de que não podia ficar daquela forma e tentou, ainda incerto sobre se deveria ou não, retribuir o beijo. Mas não, ele não deveria. Ao menos era isso que seu coração lhe falava.
Não houve tempo para que suas línguas se encontrassem, nem para felicidade e muito menos para vontade de aprofundar o beijo. Em cerca de cinco segundos, tudo que lhe veio à mente foi que ele não queria beijá-la, ou melhor, ele não queria beijar ninguém diferente de . Olivia era linda, inteligente, educada, bem-humorada... e mais um tanto de coisas que não só ele sabia, mas todos no palácio e até fora dele. Mas, bem, Olivia não era .
Se afastou rápido e, para sua surpresa, viu a menina fazer o mesmo. Ela estava tão vermelha que parecia que entraria em combustão.
— Me desculpe... — ele começou a falar, mas Olivia negou com a cabeça, demonstrando ter algo a dizer.
— Não se desculpe, Alteza. Isto foi... isto foi algo estranho, que embora não devesse ter ocorrido, não feriu nenhum de nós dois. Está tudo bem. Tenha um bom dia.


Assim que a lembrança foi embora de sua mente, voltou a dar um sorriso. Ele estava muito mais encrencado do que achou que ficaria quando seu pai lhe intimou a fazer parte daquele programa. Naquela manhã, estava recebendo um beijo de uma garota, e na tarde do mesmo dia, estava se declarando para outra que se negara a beijá-lo.
Ele estava muito ferrado.


👑👑👑


acordou no outro dia fingindo uma animação que não tinha. Era o dia de encontrar-se com Olivia e também contar ao pai sobre quem estava pensando em eliminar ainda naquele dia, porque seu pai não admitiria mais uma semana em que a Seleção não entregaria o entretenimento que ele queria oferecer.
Depois de se arrumar, ele caminhou para o café da manhã que teria com Olivia. Ficou surpreso ao chegar lá e já encontrar a garota no local.
— Bom dia, senhorita Olivia. Como você está?
— Bom dia, Alteza. Estou bem, e você?
— Também estou bem. Vamos comer?
Olivia balançou a cabeça em um sim, mas assim que colocou a primeira fatia de queijo no prato, desistiu da refeição e começou a falar em um fôlego só:
— Acho que deve fazer ideia de porquê pedi para lhe encontrar e sim, de certa forma tem a ver com o beijo que demos, ou quase demos, não sei bem como definir. Mas é que acho que nós dois sentimos a mesma coisa naquela hora, ou seja, não sentimos nada. Então nada mais justo do que sermos muito claros quanto a isso. E pensando nisso, acredito que não vá se opor ao meu pedido para sair da Seleção.
Assim que Olivia terminou de falar, suspirou como nunca tinha ousado fazer desde que tinha chegado ao palácio. Era como se tirasse todo um peso das suas costas. Estava dito o que tanto vinha em sua mente.
também suspirou, e Olivia não deixou de notar que o seu suspiro também era de alívio. E era mesmo, ainda que ele não esperasse escutar aquilo.
— A senhorita está pedindo isso porque se sente envergonhada? Quero que saiba que não precisa se envergonhar.
— Não estou fazendo isso por vergonha. É que é difícil explicar. Não sei até que ponto Vossa Alteza teve acesso aos dados que coloquei na inscrição, mas eu tenho coisas muito importantes que foram deixadas de lado para vir e, bom, com todo respeito, eu quero estas coisas de volta. Não quero mais fazer parte da Seleção.
Pela cara que Olivia fez ao falar, percebeu que ela acreditava estar o ofendendo, mas ele não se sentia assim. Compreendia seu pedido e sua vontade de viver a própria vida; ele também pediria para sair daquele jogo se pudesse.
— Posso saber quais são as coisas que você fala? É que eu não li tudo sobre todas vocês — confessou, e Olivia deixou um riso escapar. Era engraçado como ele era sincero.
— Eu faço faculdade de biomedicina e estava prestes a viajar para Itália para dar continuidade a uma pesquisa na área bioquímica que procura combater a fome.
— Isto é esplêndido! — o príncipe exclamou e a garota ruborizou. — Senhorita Olivia, estou muito honrado de lhe ter entre as selecionadas. Me desculpe não fazer ideia disto antes. Infelizmente julgaram que este detalhe não era tão importante para ser contado a mim assim que vi sua foto.
Rapidamente Olivia se lembrou de e de suas impressões das garotas. Talvez o problema fosse muito além de como mulher não enxergar as qualidades de outras, mas sim todo um sistema que menosprezava estas qualidades e preferia enaltecer outros pontos, fazendo com que todas essas mulheres acreditem que não há, nas outras e nelas próprias, grandes qualidades e capacidade para alcançar postos mais altos.
— É uma pena. Acredito que muitas informações como essa tenham sido deixadas de lado.
ponderou sobre aquele assunto. Não era justo que Olivia saísse dali sem que o país soubesse a mulher importante que ela era.
— Prometo que uma equipe irá lhe procurar para fazer uma matéria sobre o trabalho de vocês.
Olivia sorriu em agradecimento.
— Isso é muito importante. Assim conseguimos ainda mais investimento. E, se me permite também lhe ajudar, queria apenas lhe dar um conselho.
— Pode falar — lhe encorajou.
— Fique com quem te faz feliz. O povo sabe de muita coisa, mas do seu coração só quem sabe é você, Alteza.
piscou algumas vezes sem saber o que dizer.
— Eu certamente seria uma escolha que deixaria seu pai e o povo orgulhoso, mas sei que jamais te faria feliz. Acho que isso já mostra muita coisa.

Depois daquele café da manhã surpreendente que tivera, se preparava para a batalha do dia: falar com o rei. Esperava que seu pai já tivesse esquecido de e deixasse de lado a ideia de eliminá-la, mas não tinha certeza se isso realmente aconteceria, ainda mais eliminando uma garota como Olivia.
Antes que saísse do quarto rumo ao escritório do rei, seu irmão bateu em sua porta e entrou logo em seguida.
— Tudo bem? — George perguntou enquanto se jogava na cama do irmão.
— Você não cansa de ser folgado, né? Acabei de arrumar esta cama — o irmão mais novo reclamou e viu o mais velho apenas sorrir de maneira debochada, coisa bem diferente do que havia sido ensinado, diga-se de passagem.
— Soube que hoje terá eliminação, vim saber se você não gostaria de ajuda.
encarou o irmão, desconfiado. Desde quando George oferecia ajuda e, principalmente, desde quando ele se envolvia nos assuntos da Seleção?
— O que você tá precisando? Pode falar — disse, fazendo sinal com a mão para que George contasse de uma vez por todas.
— O rei continua querendo a cabeça da sua protegida, só vim unir reforços — George deu de ombros, outra coisa que não sabia quem havia lhe ensinado a fazer. — Nunca vi meu irmãozinho interessado de verdade em alguém. Ela pode ser um pé no saco, mas ainda é sua garota.
— Ela não é um pé no saco — bufou.
George não revidou; em vez disso, deu uma gargalhada que preencheu o ambiente. odiava que rissem dele, mas já havia se acostumado com o irmão fazendo isto.
— Ela vive fazendo as coisas com má vontade, não entende as regras, tem sempre algo do contra para falar e ainda deixa o rei, que por acaso é nosso pai, tão estressado que acaba descontando na gente. Então, sim, ela é um pé no saco.
Foi a vez de fazer algo que não lhe educaram fazendo. Ele rolou os olhos em completo desprezo para a provocação do irmão.
— Se você veio falar besteira, acho que já pode ir embora.
— Relaxa. Eu só quero ajudar. Me diz a lista de quem você vai eliminar hoje — o irmão disse enquanto sustentava um sorriso ensaiado no rosto.
Tinha algo errado. Muito errado.
Aquela oferta de ajuda, o interesse repentino, o sorriso calculado. De sorrisos calculados entendia muito bem.
— George, estou temendo a resposta, mas mesmo assim me diga o que está rolando. Agora — exigiu, e o irmão o olhou confuso, ou tentando parecer confuso, não sabia bem.
trincou os dentes. Odiava quando percebia que seu irmão estava tentando lhe fazer de bobo.
— É tão chocante que eu possa estar interessado em ajudar você a achar a pessoa certa?
— Mais de trinta garotas passaram a circular neste palácio. E agora você parece querer saber sobre elas — disse entredentes.
— Eu só quero te ajudar a ter a mulher com quem possa se casar, !
Aquela conversa continuava estranha. Mesmo que George negasse, havia algo a mais naquela boa vontade.
— Não sei o que você está escondendo, George, mas acho que a única ajuda que você poderia me dar era não ter feito merda e me jogado nisso. Ou melhor, você era quem deveria estar procurando uma mulher pra casar, afinal, é você quem será rei um dia.
George até que tentou esconder de o desconforto e o receio com a última frase, mas crescerem juntos em um lugar onde ninguém tinha tempo para lhes dar atenção fizera com que ambos fossem a única atenção do outro, o que consequentemente lhes permitiram conhecer cada trejeito.
— O que você pretende fazer, George? — perguntou entredentes e o irmão rolou os olhos teatralmente.
— Eu não pretendo fazer nada, está bem?
— Você está estranho — acusou. — Estava estranho antes e ficou estranho agora. Eu conheço você.
— Você tem noção que entrei em seu quarto, te fiz uma pergunta e você começou uma discussão sem pé nem cabeça? O público diz que você vive um conto de fadas, mas se qualquer um deles pudesse ler esse diálogo, diria que está solto na trama. Você só está sendo paranoico.
, então, encarou mais uma vez o irmão. George não titubeou em momento algum. Manteve as mãos firmes, não evitou o olhar... George era um mentiroso profissional, mas, até pela falta de tempo, o irmão mais novo decidiu não prolongar aquela conversa.
— Só... só não estrague nada e não se meta neste programa. A Seleção existe novamente por sua culpa, não piore as coisas.
E, então, saiu do próprio quarto, deixando seu irmão mais velho encarando o teto e sentindo uma culpa que não ousou confessar.

Assim que bateu na porta, o rei já sabia que era seu filho e logo autorizou a entrada dele.
— Oi, pai. Tudo bem?
— Acredito que finalmente tenha caído em si e resolvido continuar com esse programa. Estou certo?
Não houve “bom dia”, claro que não teria. A única preocupação do rei George era o programa.
— Sim, Majestade — respondeu, preferindo não rebater a acusação do pai. — E começando, queria saber quem das garotas eu não posso eliminar.
— Dessa vez eu quero que você me diga primeiro, . Me conte quem é sua protegida.
não precisou de mais que um olhar para entender que aquilo era um teste. Seu pai apenas queria ter certeza sobre e, embora houvesse grandes chances de ele querer eliminar justamente ela, o príncipe escolheu blefar.
— Nesta semana, minha protegida é Hope Williams.
— O quê? — o rei perguntou em um tom levemente alterado que já previa, e por isso já estava com o texto pronto. — Eu tenho absoluta certeza que a senhorita Hope não pode ser a sua preferida.
— Nesta semana é, sim. Tive três encontros com ela nos últimos quinze dias. Sei que deixei para convidá-la já perto da eliminação, mas hoje percebo que foi um erro. Quero eliminar garotas com quem sei que não serei capaz de me conectar, e este não é o caso dela. E sinto que nossos encontros só melhoram, então de todas as garotas, ela seria a que eu mais sentiria que não fiz o bastante.
sabia que seu ponto fraco sempre havia sido o excesso de transparência. Sempre era isso que o denunciara quando, mesmo tentando mentir dizendo que foi o irmão, era pego quando criança depois de fazer algo errado. Ou todas as vezes que seu irmão percebia tudo que ele sentia; até mesmo tinha essa facilidade. Por isso, ensaiara aquelas palavras em sua mente durante todo o caminho e não ousara respirar até ouvir seu pai dizer:
— Tudo bem. Acho que a beleza dessa garota é comum, nada fora do normal. Mas ela parece ser uma boa garota — o rei George falava aquilo com a tranquilidade que só quem sempre julgou as pessoas pela aparência é capaz de falar.
— E quem você quer eliminar a qualquer custo?
— Olivia.
Tudo pareceu passar devagar. Falou o nome de Olivia, viu o rosto do pai ficar vermelho e, como em câmera lenta, viu uma pasta ser arremessada em cheio nele, atingido em cheio seu queixo.
— Nem pensar!

caminhava pelo palácio sem saber direito o que pensar ou sentir. Era tão mais fácil quando seu único problema sentimental eram seus problemas com a irmã Jane. Agora, além de pensar em Jane e em como a irmã ficaria se ela saísse tão cedo, precisava se preocupar também com os sentimentos de , das outras garotas, com a saudade que sentiria de Olivia e também com o príncipe e toda sua família.
só percebeu que sua caminhada havia lhe levado para onde não deveria quando ouviu gritos vindo de uma das portas. Não demorou para reconhecer que as vozes eram de e seu pai. Ela sabia que deveria ir embora já que, se fosse descoberta, seria enxotada de lá sem dó nem piedade. Mas ao ouvir seu nome, tudo que fez foi se encostar na porta.
— Primeiro você começa com sua clara predileção por aquela garota sem classe chamada , agora você vai eliminar justo a que é mais preparada? Isso é pra me punir? É desse jeito que você ama seu país?
— Pai, nosso combinado é esse e eu peço que você aceite.
— Se você eliminar a senhorita Olivia, exigirei a saída daquelazinha.
não precisava que o rei dissesse seu nome para saber que se tratava dela.
— Se quer eliminar a senhorita , nós podemos discutir isto. Mas a eliminação da senhorita Olivia não está aberta a discussões. Nós dois conversamos, é um desejo mútuo. Não abro mão.
pôde sentir o coração diminuir quando ouviu falar com tanta tranquilidade sobre sua eliminação e, ainda que ela não soubesse, o dele estava do mesmo jeito ao ter que blefar daquela maneira. Mas a vida real era assim, não era? Um eterno blefe.
— Você está disposto a me deixar mexer na intocável ? — o rei perguntou num tom debochado que o filho odiava. — Parece que depois daquela noite as coisas não são mais como antes, não é?
ficou esperando a resposta do outro lado da porta, mas tudo que ouviu foi silêncio vindo de .
— Posso ver nos seus olhos que você ainda a quer aqui, mas para deixar chegar a esse ponto é porque as brigas estão constantes.
— Tanto faz.
queria evitar o olhar do pai. Muito. Mas precisava ser forte e não ceder àquelas palavras que, de tão erradas, se tornavam certas. Afinal, ele não estava disposto a deixar partir, mas seu pai acertara em cheio sobre as brigas e a dificuldade depois daquela fatídica noite.
— Não quero a garota fora — ele deu um sorriso que entregava seu prazer em jogar com o filho —, quero outra coisa.
segurou o suspiro de alívio por saber que seu pai não eliminaria , e ela, do outro lado da porta, não conteve o suspiro e tampouco a mágoa de ouvir as palavras vindas da boca do príncipe.
— O que você quer, pai?
— Você já tem planos para o jantar que teremos semana que vem com os italianos?
— Sim — respondeu sincero. Estava com planos de convidar assim que os ânimos melhorassem.
— Caso não seja a senhorita Hope, desmarque. Você irá com sua preferida e, de quebra, mostrará para aquelazinha como se portar. Agora pode ir.
Assim que saiu da sala, pôde finalmente estampar em seu rosto a frustração com o final daquela conversa. Passou a mão no rosto, tentando relaxar, e se não fosse tão observador, não teria percebido uma garota saindo apressada do corredor.
Logo que a viu, não conseguiu distinguir direito quem era, mas então lhe veio à mente um fato: só uma garota ousaria andar por ali, e essa garota era . Então o corpo, a cor e tamanho dos cabelos, tudo se concretizou. Será que ela havia escutado? Na dúvida, correu para encontrá-la.

Assim que entrou em seu quarto, se jogou embaixo das cobertas e não disse uma palavra. Depois de tanto tempo convivendo, suas criadas não precisavam de mais que aquele gesto para saber que ela não queria conversar com elas ou com alguém. Então, tamanha foi sua surpresa quando sentiu Abigail puxar o cobertor e falar:
— O príncipe está aí fora e quer muito conversar com você.
— E vocês não disseram que eu estava dormindo?
— Desculpe, . Ele parece nervoso, e além disso, não faz muito tempo que você chegou.
bufou antes de levantar-se e apenas passar a mão nas roupas e cabelos, sem se preocupar em se olhar no espelho ou perguntar às duas amigas como estava.
— Podem deixar ele entrar.
Poucos segundos depois, estava dentro de seu quarto e as mulheres já haviam partido. não lhe saudou e também não se esforçou em puxar assunto, mesmo tendo se passado mais de um minuto de silêncio. Afinal, foi ele quem falou dela daquela forma, e por isso ele quem precisava começar a conversa, ainda que não tivesse certeza se ele sabia que ela estava magoada com isso.
tentava ler no rosto dela algum indício de que a garota havia escutado sua conversa com o rei, mas naquelas belas feições não havia nada. sequer piscava, apenas o encarava como se lhe desafiasse a falar primeiro. E, tendo já entregue a ela seu coração – ainda que claramente ela não tivesse percebido isso –, não lhe restou saída do que fazer o que ela lhe desafiava.
— Foi você quem estava no segundo andar agora há pouco? — pela roupa dela, ele já sabia a resposta, mas achou uma boa forma de começar.
— Sim — ela limitou-se a dizer ainda com o rosto impassível.
— E você está magoada comigo por algum motivo?
— Sim — respondeu mais rápido do que gostaria.
— Você sabia que não poderia andar por aqueles corredores?
— Não.
quase rolou os olhos, assim como e seu irmão faziam. Seria impossível ter uma conversa com alguém que, assim como uma criança com raiva, se negava a falar com quem lhe irritou.
— Você escutou parte da minha conversa, não foi? — perguntou retoricamente, já que já sabia a resposta. — Primeiro de tudo, quero frisar isto: você escutou uma parte da conversa. Segundo, quero deixar claro que parte do que foi dito está oculto até de meu pai. Mas, se você quiser me escutar, gostaria de explicar tudo à senhorita.
finalmente esboçou um sentimento e riu sem humor. Se pelo “senhorita” ou pela mágoa, não sabia.
— Quer conversar? — ele perguntou pacientemente.
queria se manter tão distante quanto estava sendo desde o início daquela conversa, mas a mágoa misturada à raiva que sentia ao vê-lo tão calmo logo alcançou a superfície, e, sendo diferente dele como sempre soube que era, deixou que os sentimentos tomassem conta e explodiu.
— Conversar, ? Conversar sobre o quê? Sobre como você falou de mim pro seu pai, dando a entender que eu não sou nada na sua vida? Sobre como me sinto ridícula por quase acreditar nas suas palavras outro dia? Sobre como eu me deixei levar por um beijo que pra você não significou nada?
, eu não admito que você me julgue dessa forma sem nem ao menos me escutar — falou, tentando se controlar. Odiava que lhe lessem e também que lhe julgassem pelo que acreditavam ver. Era sempre assim, e não admitiria que alguém que admirava tanto lhe tratasse dessa forma também. — Você não entende metade das coisas que julga entender e não sabe como funcionam as coisas aqui, embora jamais vá admitir isso. Eu tenho obrigações, tenho um pai que também é rei e que não se preocupa de verdade com minha felicidade. Tenho você pra proteger dele, tenho inúmeras coisas e pesos que, se você parasse para me escutar de verdade, poderia ser capaz de compreender, mas você não quer.
Ele não pretendia desabafar daquela forma, mas havia algo no jeito que ela se expressava, cheia de verdade e de forma tão nua, que acabava lhe desnudando também. Era estranho se sentir assim, como se pudesse e até devesse falar tudo o que pensa, mas não podia negar que era prazeroso também. Porém, não parecia ter gostado de lhe escutar.
— Então você fala aquelas coisas e ainda tenta virar o jogo? — riu de forma forçada, e depois deu de ombros. — Você só pode mesmo ser um príncipe muito mimado para achar que pode jogar com as pessoas desse jeito. Talvez não haja tanta diferença assim entre os membros desta família.
Pelo que o conhecia, sabia que aquilo o atingiria em cheio, e segundos depois teve a certeza. lhe encarou num misto de surpresa, mágoa e também raiva, muita raiva. Porém, a resposta não foi a que ela esperava.
levantou-se devagar, caminhou lentamente até estar muito perto dela e, depois, lhe encarando nos olhos e tão próximo que mais um passo faria os dois se beijarem – fato que deixou com o coração acelerado –, ele falou:
— Eu não vou conversar com você dessa forma. Na verdade, darei a você a indiferença perante suas palavras, porque sei que quando mais calma, você verá que não é assim. Mas, , não ache que eu vou perdoar tudo que você diz quando está com raiva. Essa é a primeira e última vez que aceito escutar essas coisas, e só não lhe digo tudo que a minha raiva quer porque sei que não seria justo. E para que nunca mais duvide do quanto gosto de você, quero te fazer uma proposta.
A força que colocava nas palavras, o olhar implacável de quem estava acostumado a lidar com as piores situações sem perder o controle, a proximidade de seus rostos; tudo ali desmontara a ponto de quase lhe faltar forças para responder. Mas uma coisa era certa: ela era orgulhosa demais para se mostrar tão frágil assim.
— Pode dizer.
— Se quiser, pode ir embora. Tome um tempo e pense. E, caso decida ir, não precisa me procurar, apenas mande um bilhete e eu libero sua saída deste palácio. Porque, sendo sincero, não vejo futuro em nós dois.
Foi duro para dizer aquelas últimas palavras, mas nada lhe parecia tão certo do que o fato de que os dois jamais dariam certo juntos. E, se para ele era difícil falar, para escutar aquilo foi como levar um soco bem na boca do estômago. Lhe tirou o ar, a força, e lhe causou uma dor inimaginável.
— Tenha uma boa noite, senhorita . Nos vemos logo mais no Jornal Oficial. Passar bem.
E assim partiu, sem olhar para trás, sem demonstrar qualquer ponta de dor pelas palavras, sem tratar como sempre tratara. Assim que saiu do quarto da garota, ele sentiu os joelhos cambalearem e precisou apressar os passos para não cair no choro ali mesmo.
não sabia o que dizia, e esta constatação era mais dolorosa do que suas palavras. Porque, se esse tempo todo tentara conhecer além do que ela aparentava, a garota não fazia o mesmo esforço para conhecê-lo, e isso só comprovava o quanto todo aquele sentimento que habitava nele não era recíproco.


Capítulo Quatorze

“Eles só querem jogar.
De tempos em tempos eu faço um pequeno balanço sobre o assunto mais comentado do reino: A Seleção. Vejo em que pontos eu julgava os envolvidos errado, que eu gostava e não gosto mais, assim como quem eu não gostava e agora gosto. Mas, devo confessar, quem mais conseguiu me surpreender até então foi a nossa alteza real: o príncipe .
Bondoso com as garotas, sempre solícito, calado e que, diferente do irmão, parece incapaz de proferir qualquer ofensa direta ou indiretamente a qualquer mulher. Como muitos resolveram dizer por aí: um verdadeiro príncipe encantado.
Mas, depois de quase me render aos seus encantos, lembrei de quem de fato ele é. E é esse molde de príncipe encantado que queremos ter? Nossa alteza real, se lembrarmos bem, sempre foi invisível, mas, mais que isso, sempre foi omisso.
Nosso querido príncipe nunca falou por nós aos seus familiares. Nunca esteve presente em grandes decisões públicas. Na realidade, sempre lhe faltou coragem até para defender seus familiares se assim quisesse.
Onde estava o príncipe na conversa que seus pais e seu irmão tiveram com os reitores das universidades quando propuseram o fim do financiamento para pessoas com menos condições financeiras? Onde estava nosso príncipe na hora que seu irmão deu a cara a tapa e aguentou todos os xingamentos que lhe foram dirigidos porque o pai abusou do poder e mandou prender um inocente?
E, se não queria nos defender, onde ficou sua coragem para viajar com a família no meio das manifestações? Qual moça ele beija e omite o que pensa? Não estou só perguntando sobre sua ausência em nos defender, mas também em ter coragem de se mostrar tão contaminado quanto seus familiares.
Príncipe é o membro real mais amado, até mesmo do palácio. É o que os copeiros, jardineiros e até cozinheiros dizem. Mas por quê, exatamente? Por ser omisso, covarde e ausente?
Esses dias fiquei sabendo que ele anda arrebentando os corações lá dentro. Sei de algumas garotas que juram ter chances reais com ele. Mas será que isso é verdade ou é só o príncipe dando seu silêncio e deixando que os outros o interpretem como sonham?
Depois de todos esses questionamentos, percebi uma coisa: é esse o seu modo de jogar. Calado, escondido, fingindo-se de incapaz. Assim, não nos sobram motivos para julgá-lo. E, como andei sabendo, ele pode se aproveitar e ditar suas próprias regras.
Engana-se quem pensa que o queridinho do reino não se rendeu ao jogo. Eu diria que ele é o melhor jogador neste torneio. E a Seleção é a prova disto.”


Fazia tanto tempo que eu não escrevia que quase me faltou coragem para postar. Mas quem podia me julgar se visse o quanto minhas mãos tremiam e quantas lágrimas escorriam dos meus olhos?
Eu ainda não conseguia acreditar na forma como falara de mim para o pai, e pior, como me tratara. Sua ameaça – era assim que eu via – só não havia sido pior do que sua frieza ao ir embora. No momento em que a porta foi fechada, me senti pequena como nunca me senti antes.
Pequena. Vulnerável. Impotente. Fraca.
E eu era mesmo uma fraca. Porque, mesmo com tudo sempre me mostrando a verdade, me dei conta de que, assim que fiquei sozinha no quarto, a maior dor que eu sentia era semelhante à que senti no quarto ano quando meu coleguinha Philip beijou minha colega de classe. Só que dessa vez a dor era muito maior.
Eu me sentia largada e traída por alguém a quem eu tinha confiado meu coração. E por mais idiota que isso fosse parecer, era a verdade. E agora, depois de uma briga como a que tivemos e depois de ter escrito o texto, eu estava cansada demais para me enganar. Eu gostava de . Minha indiferença a ele tinha caído por terra há semanas e eu só não tinha coragem de admitir isto, mas agora não fazia diferença. Eu até poderia ir embora, se assim quisesse. Não foi isso que ele disse?
Me esforcei pelo resto do dia para não demonstrar o quão frágil eu estava. Sorri para Abigail e Stephany. Brinquei com , Melissa e Olivia. Desci para o Salão de Mulheres e agi como se nada tivesse acontecido. Enquanto isso, eu ponderava se não valeria a pena ir embora, porque agora que sabia o que de fato sentia por , eu me sentia ainda menos preparada para aquilo tudo. Não suportaria que ele partisse meu coração mais uma vez.

Faltava cerca de apenas uma hora para o Jornal Oficial quando Abigail chegou com um bilhete para me entregar.
— O príncipe pediu urgência na entrega da carta e pediu que você lesse o quanto antes.
Meu coração gelou. Ele estaria mandando uma carta de despedida porque me eliminaria no programa?
As meninas certamente pensaram o mesmo que eu, porque assim que abri a carta, elas esqueceram todas as regras de etiquetas e correram para o meu lado.
— O que tem? — Abigail perguntou ofegante, e Stephany parecia incapaz de proferir palavras.
E, mesmo com medo, comecei a leitura.

“Me desculpe.
, não sei como começar esta carta, mas decidi começar pelo mais importante, te pedindo desculpas e perdão. Eu fui um tolo, mimado, um príncipe da espécie que você mais odeia e sei que lhe magoei, porque consegui fazer comigo mesmo.
Não vou tentar explicar a maneira dura e distante com que me comportei na nossa última conversa. Você pode ter me julgado errado em algum momento, mas isso nunca me deu o direito de falar daquela forma.
Eu não quero que você vá embora, . Nunca quis. Nunca irei querer. Você é quem deixa os meus dias menos longos e mais alegres. Como poderei querer que justo você vá embora?
Claro que, se esse for seu desejo, nunca a proibirei de tal coisa. Mas saiba que, independente da forma que falei, este desejo não é o meu. Por mim, você nunca será eliminada.
Te escrevo isto com pressa, porque não me parece justo você entrar no ar hoje sem saber do seu futuro. Então, saiba que você não será eliminada. Por mim, não será nunca.
Mais uma vez, me desculpe.
Do seu péssimo e arrependido amigo,
.”


Foi impossível não deixar um sorriso escapar dos lábios ao ler aquela carta, ainda que a mágoa não tivesse passado cem por cento por causa daquelas palavras. Mas sendo boba tanto quanto toda pessoa era quando nutria sentimentos por outro alguém, eu já estava disposta a procurar e conversar amigavelmente assim que possível.
Era impossível constatar isso e não sentir um frio percorrer a espinha. Eu nunca havia de fato entregado meu coração a ninguém, e ainda não me sentia prestes a fazer isso com o príncipe. Mas para chegar a tal ponto tinha que ter um começo, não é mesmo? Seria aquele meu começo? Eu esperava que não.
— Vocês brigaram? — Stephany quebrou o silêncio e procurou sanar a curiosidade das duas garotas à minha frente.
— Eu o escutei fazendo pouco caso de mim para o pai. Depois disso, brigamos feio mesmo.
— Pouco caso de você?! — Abigail perguntou, chocada. — Mas isso não faz o menor sentido, tem que ter uma explicação!
Dei de ombros, ainda incerta se deveria mesmo acreditar nas suas desculpas.
— Ele argumenta que faz parte de uma estratégia, que ele falou o que o rei queria ouvir. Essas coisas.
Stephany, assim como eu, pareceu incerta sobre a veracidade daqueles argumentos, mas Abigail foi logo defendendo :
— O que faz total sentido. Só Deus e nós do palácio sabemos como é difícil para aqueles rapazes fazer algo diferente da vontade do rei.
Stephany fez um bico e disse:
— Vale o poder da dúvida. Converse com ele e veja o que você consegue.
Sorri para as duas enquanto minha mente trabalhava a mil por hora, mas tão logo me levantei e lembrei-me de algo mais importante que aquelas divagações. Era hoje que Olivia iria embora.
Eu estava perdendo mais outra amiga.

Para aquele dia escolhi um vestido mais simples: lilás e com um tecido parecido com tule, que no final tinha babados. Nada armado e também nada muito chamativo. Caminhei para o quarto de e fomos juntas ao quarto de Olivia, onde Melissa já estava. Foi impossível não sorrir ao nos ver ali, juntas. Era bom.
E pensar que eu havia chegado naquele palácio jurando a mim mesma que não criaria laços e que era impossível ter relações reais. Mas cá estávamos nós, quatro mulheres completamente diferentes e em uma competição, mas ainda assim aprendemos a amar umas as outras.
— Vocês estão proibidas de falarem algo, porque hoje é meu último Jornal Oficial e eu quero estar linda e sem nada borrado na maquiagem — Olivia advertiu e todas gargalhamos.
Todas nós estávamos lindas, mas Olivia estava deslumbrante. Acredito que suas criadas já estavam cientes de seu desejo de sair, por isso a vestiram da melhor roupa que ela poderia ter. Olivia sairia em grande estilo.
Caminhamos juntas até o set de filmagens e sentamos uma ao lado da outra. Rapidamente a equipe do jornal começou a trabalhar e, alguns minutos após as câmeras serem ligadas, Cail já estava no palco fazendo sua mágica de nos entreter.
— Faz algumas semanas que não temos eliminação. Hoje alguém será eliminado, alteza?
— Sim, Cail. Hoje teremos uma grande eliminação.
— Grande? Quantas garotas irão para casa hoje? — Cail perguntou, demonstrando um choque calculado.
— Oito garotas, Cail. Hoje oito garotas voltarão para casa.
Dessa vez, o choque foi todo nosso. Não só nós, selecionadas, como todo mundo no set pareceu não esperar aquela quantidade. Era o dobro do que ele vinha eliminando.
Cail, parecendo dessa vez chocado de verdade, achou o timing perfeito para chamar um intervalo:
— Essa pegou todos desprevenidos. Que tal tomarmos uma água para então sabermos quem são as vinte garotas que continuarão nesta competição?
As câmeras foram brevemente desligadas e, então, encarei minhas amigas com o coração quase saindo pela boca.
— Clama, meninas. Só eu sairei hoje de nós quatro, está bem? — Olivia tentou nos acalmar, mas as mãos de Melissa tremiam.
— Quem pode nos garantir? — perguntou, parecendo até mais calma que Melissa.
— Não vamos sair, tá bem? — arrumei coragem de dizer, embora eu tivesse apenas a certeza sobre mim mesma.
— Só sei que é frustrante demais nadar, nadar e morrer na praia — Melissa finalmente falou, e Olivia segurou forte a sua mão.
— Ninguém aqui tá morrendo na praia, Melissa. Isso não é morrer na praia.
Não tivemos tempo de dizer mais nada, já que os funcionários gritaram avisando que voltaríamos ao ar em alguns segundos. Então, logo colocamos sorrisos ensaiados no rosto e voltamos “ao normal”.
— Bom, Alteza, acredito que todos estejamos ansiosos demais para prolongarmos isso. Poderia chamar as eliminadas?
— Claro, Cail. Senhoritas Ava Jones e Rose Amber, foi ótimo compartilhar esses dias com vocês, mas hoje nos despedimos.
Ava de Bankston e Rose de Honduragua estavam em lados opostos do set, e logo o telão foi dividido em dois para focar nas duas moças que tinham a mesma aparência serena de quem sabia como lidar com aquilo.
Rose, uma mulher de pele negra e de uma delicadeza que eu vi poucas vezes na vida, esperou calmamente Ava se despedir do príncipe e receber sua pulseira, para então se aproximar e fazer o mesmo.
demorou um pouco em silêncio após se despedir de Rose, e Cail entrou para ajudá-lo nas obrigações.
— É sempre difícil se despedir de mulheres tão especiais como essas, não é mesmo?
— É, sim, Cail. É sempre muito difícil — respondeu já retomando o controle. — Mas sabemos que faz parte. Agora quero chamar aqui Sky Gordon e Phoebe Gomez. Desejo todo sucesso do mundo para estas duas mulheres.
Sky, que tinha como marca registrada seu cabelo loiro e lábios extremamente carnudos, levantou apressada, parecendo constrangida em participar daquilo. Como estava na primeira fileira, adiantou-se tanto que Phoebe, uma linda jovem de Summer, sequer tinha chegado ao palco quando ela já estava recebendo a pulseira que o príncipe lhe dera. Phoebe agiu calmamente e derramou algumas lágrimas quando recebeu o gesto carinhoso do príncipe ao lhe presentear e beijar sua mão.
Parecendo não querer cometer o mesmo lapso de minutos atrás, o príncipe logo se adiantou em chamar as próximas.
— Senhoritas Eleanor Cox e Star Green, queiram vir aqui para que eu possa me despedir com muito carinho de vocês.
Eleanor era uma jovem de Atlin que pouco se enturmou comigo. Tinha o jeito arredio de quem já sofreu bastante na vida, então minha falta de simpatia fez com que não nos aproximássemos para mais do que uma saudação; mas, de alguma forma, eu me sentia torcendo por ela. Vez ou outra, em momentos nas aulas, acabávamos compartilhando sorrisos de quem não sabia o que estávamos fazendo.
Ela ficou abalada com sua saída, mas não como as outras meninas pareciam estar. Era como se um fardo tivesse saído de suas costas, de modo que sua postura ficou até mais bonita depois que se despediu do príncipe. Já Star de Likely não segurou as lágrimas, mas se conteve o suficiente para não se demorar no abraço com .
— Agora eu queria chamar aqui uma garota que me surpreendeu de enes formas, Cail. Essa garota é bastante querida por sua postura e muitos dizem que tem porte de princesa. Devo confessar que acho que todas elas têm. Mas há algo que poucas pessoas sabem sobre ela. Essa garota trabalha arduamente para combater a fome, e faz isso de forma linda trabalhando na ciência.
Eu queria explodir de orgulho da minha amiga e também de felicidade por ver o príncipe lhe dando tantos créditos e direito a uma despedida tão linda como ela merecia. Encarei-a, e assim como uma princesa bastante contida, ela parecia constrangida e agradecida pelos elogios.
— Sério, Alteza? E quem é essa nossa super-heroína?
— É a senhorita Olivia Aniston de Baffin.
Olivia levantou tal qual uma princesa, mas parecendo mesmo uma super-heroína também. Seu vestido coincidentemente tinha uma capa, e eu quis que de alguma forma ela voasse para fazer jus ao que Cail disse e que era merecido.
Antes de seguir para o palco, Olivia fez sinal para que , Melissa e eu nos levantássemos. Demos um abraço forte em conjunto e cheio de lágrimas, que nem mesmo Melissa conseguiu conter.
— Você vai borrar sua maquiagem — brincou.
— Quem liga?! — Olivia respondeu, rindo.
— Eu ligo! — Melissa disse rolando os olhos. — Cuide de chegar ali linda de morrer para mostrar que você é linda e uma baita de uma super-heroína.
Melissa, com seu jeito de sempre, deu um leve empurrão em Olivia e nos puxou para sentarmos.
— Vocês me pagam por terem me feito chorar em rede nacional.
— Oh, Deus. Para de ser chata! — reclamou, mas ria.
Nossa amiga logo chegou no centro do palco e recebeu não somente um abraço de , mas também um de Cail, que lhe teceu mais alguns elogios antes de lembrar que ainda faltava uma garota para ser eliminada.
— E a última garota, alteza, quem é?
— É outra verdadeira princesa, Cail. Senhorita Alicia Beker.
Alicia era de Allens e sempre esteve ciente que ser de Allens implicava um certo favoritismo, por isso, pareceu chocada ao ouvir seu nome. E nós também ficamos, mas todas as garotas ainda estavam chocadas demais com a eliminação de Olivia.
Quando o programa estava prestes a terminar, Cail lembrou a todos que outro jantar estava para acontecer e resolveu perguntar a se ele já tinha uma convidada.
— Tenho, sim, Cail. Ela recebeu meu convite pouco antes de começarmos o programa.
— Que interessante. Hoje não quero saber de Vossa Alteza quem é a escolhida, queria saber se alguma das garotas que estão indo embora tem ideia de quem possa ser.
Todas as garotas ficaram um pouco sem jeito de serem perguntadas sobre aquilo, mas Alicia, que ainda parecia chocada demais com a própria eliminação, levantou a mão.
— A senhorita Alicia parece ter ideia de quem foi. Quer nos contar, senhorita?
Logo apareceu um microfone para ela, que prontamente pegou e falou:
— Eu acredito que seja a senhorita Benette.
Não demorou meio minuto para que meu rosto estampasse o telão do set e todas as garotas olhassem para mim.
— Você ficou sabendo do convite, senhorita Alicia? — Cail perguntou, me livrando, sem nem perceber, de sucumbir a vergonha de ser o centro das atenções até quando eu não tinha a ver.
— Não, Cail. Mas pelo andar da carruagem, sinto que a senhorita é uma das grandes favoritas para ganhar este programa.
A câmera não voltou a focar em mim, graças a Deus. Foi o rosto de que tomou conta do telão e virou ponto central do olhar das pessoas.
— A senhorita Alicia está certa sobre sua convidada, Alteza? — Cail perguntou, tentando fugir do assunto favoritismo.
— Foi maravilhoso estar ao lado da senhorita no baile passado, Cail. De forma que tenho carinho por muitas lembranças até hoje — quando ouvi isso, rapidamente lembrei do nosso beijo e fiquei nervosa, mas parecia concentrado. — Mas desta vez quem irá me acompanhar é a senhorita Hope Williams.
E, contrariando tudo que eu acreditava ser o melhor para mim, senti um leve incômodo por não escutar meu nome saindo da boca dele.

Voltar para o quarto sabendo que só teríamos mais algum tempo ao lado de Olivia era doloroso, mas esse não era meu único incômodo na noite. O comentário de Alicia, ainda mais ao vivo, causou certo burburinho no set, e estes partiam até de funcionários.
O rei estava de cara fechada e eu suspeitava que era por este motivo; além disto, o príncipe parecia um pouco constrangido com tudo aquilo. A verdade era que aparentemente todos pareciam concordar com Alicia, mas agora se encontravam na dúvida se eu ainda me mantinha no posto.
Eu sabia da verdade que eles desconheciam. Era a única que havia escutado a conversa e entendido o motivo por trás do convite, e isso de certa forma me acalmava. Eu sabia do meu lugar em seu coração.
— E neste exato momento as pessoas estão queimando até o último neurônio tentando entender por que não foi a escolhida para o jantar — Melissa falou assim que chegamos ao quarto de Olivia.
— E eu não poderia odiar mais esse fato. Parece que todos os olhos estão voltados apenas para mim.
Nós quatro suspiramos juntas, como se tivéssemos combinado. Então nos deitamos na cama e passamos um tempo em silêncio, cada uma no seu mundo.
— Sinto muito por isso, . Imagino que seja bem constrangedor — falou e eu apertei sua mão, esperando que ela entendesse o que queria dizer.
Demoramos mais uns segundos em silêncio, até que Olivia falou:
— Mas você ficou triste de não ser a convidada, ?
Eu não iria mentir para ela no seu último dia ali. Então, confessei:
— Não sei exatamente — falei, sentindo que não conseguiria falar daquilo sem chorar.
Eu me sentia observada, julgada, e ainda que soubesse os motivos de para o convite, me sentia também deixada de lado. Além disso, Olivia estava indo embora, e assumir para mim mesma que sentia algo por fazia com que eu me sentisse culpada só de estar ali entre minhas amigas.
— Não me deixe ir embora sem ter a prova de que o príncipe mexe com seu coração, ainda mais depois do beijo — Olivia brincou.
Não respondi nada no intuito de que o assunto fosse esquecido, mas em vez disso, Melissa caiu na gargalhada e falou:
— Nossa garota revoltada está dizendo que quer chegar no coração do príncipe? — ela gritou empolgada e começou a rir. — A tá amolecendooooo!
Ouvi risos, mas neste momento só fechei os olhos e engoli em seco antes de começar a desabafar.
— Eu me sinto esgotada. Não queria Olivia fora, e sinto que não estou pronta para lhe dar adeus, mas ao mesmo tempo é uma culpa a menos que vou carregar. Passei todos esses dias fingindo para mim mesma que estava tudo bem e sob controle, mas se querem saber, não adiantou de nada. Ontem escutei falando coisas pesadas sobre mim para o rei e meu coração quebrou, meninas, ele ficou em pedaços. Quebrei meu coração de tal forma que tive a pior briga de todas com ele, e quando achei que não podia piorar, ele me deu a opção de sair ontem mesmo. E foi então que descobri: de certa forma, gosto dele. Eu evitei tanto isso. Por você, , e depois por vocês também. Além disso, tem tantas outras questões. Mas então vejo ele chamar outra garota, coisa que ele já tinha me avisado por carta, e me sinto deixada de lado mesmo sabendo os motivos por trás do convite. E tá todo mundo olhando para mim, tentando entender o que tá acontecendo, sendo que uma parte minha queria que o desejo da maioria dessas pessoas fosse realizado e eu estivesse mesmo sendo esquecida por ele, porque me sentiria menos mal de estar com vocês.
Tampei o rosto com as mãos enquanto já chorava. Era bom poder colocar tudo para fora, mas também era difícil me expor daquela forma.
— Você quer ser escolhida por ele, ? Isso não faz o menor sentido! — o tom acusatório que usou fez com que eu limpasse as lágrimas e a encarasse confusa.
— Hã? — indaguei, sem ter entendido direito o que ela tinha dito.
— Por que raios você quer ser escolhida do príncipe ? Pra quê se meter nisso?
Ninguém falou nada em seguida. Eu ainda continuava encarando , tentando dizer a mim mesma que estava errada sobre o que aquelas perguntas, feitas daquela forma, poderiam significar.
— Qual a surpresa da querer isto? Nós todas já sabíamos do beijo dela com o príncipe — Melissa questionou, fingindo não entender, mas algo me dizia que ela entendia e apenas queria me livrar de mais questionamentos.
— Há uma grande diferença entre beijar alguém e querer casar com este alguém — meio constatou, meio acusou.
E, então, todas três me encararam, parecendo esperar por uma resposta que só poderia ser dada por mim.
— Não estamos falando de casamento — eu me defendi, ainda que soubesse que sim, o namoro que a Seleção criaria certamente avançaria para casamento.
— Tá vendo?! Você continua não levando nada disto a sério — minha amiga me acusou, deixando mágoa e raiva começarem a tomar conta de seu olhar escancaradamente.
E eu esperava ouvir qualquer tipo de acusação sobre meus sentimentos que eu não me magoaria. Mas ver que me viu chorando e ainda assim me acusou de não levar aquele jogo a sério, acabou me deixando com raiva também.
— Eu estou aqui abrindo meu coração para vocês e você me acusa disso? Você sabe muito bem que não teria por que eu mentir! — minhas lágrimas agora tinham secado de vez e meu coração parecia bater nos ouvidos, tamanha indignação.
— Meninas, vamos nos acalmar — Olívia pediu calmamente, mas já tinha uma resposta na ponta da língua.
— Você gosta de ser do contra, . Sempre gostou. Gosta de contrariar, irritar, causar confusão. Jane sempre falou isso e eu te defendi todas as vezes.
sabia que eu amava minha irmã mais do que tudo, assim como sabia que nossa relação, embora cheia de amor, não era fácil. E me dizer que Jane tinha razão sobre mim, logo ela que tinha uma visão distorcida e muitas vezes maldosa de mim, era ter certeza que me atingiria em cheio.
— Eu não sabia que você jogava tão baixo, . Falar da Jane? Da minha irmã?
— Gente, que tal deixarmos as coisas lá de fora longe desta conversa? — Melissa tentou intervir.
— Você sabe que… — tentei continuar, ignorando o comentário de Melissa.
— Que ela sempre te acusou de tentar ferrar com tudo? De querer causar incômodo com suas ideias contrárias? De sentir prazer em discordar da vida dela? De atrapalhá-la? Olha você fazendo tudo isso comigo!
Eu poderia tentar dizer mil coisas a ela. Tentar magoá-la tanto quanto ela sabia que estava me magoando, mas naquele momento a raiva deu lugar a um sentimento de perda de tempo que eu mal podia explicar.
Desde que havia entrado ali e conhecido o príncipe que eu pensava em . Pensei nela desde a primeira palavra trocada com . Me culpei por dias por tê-lo beijado porque pensava nela. Mas e ela? Ela pensava em mim? Ao ouvir aquelas palavras saírem de sua boca, eu só concluía uma coisa: não.
Acredito que eu tenha ficado muito tempo em silêncio, porque quando voltei meus pensamentos para o quarto, encontrei as três mulheres me encarando. parecendo pronta para mais um embate; Olivia e Melissa sem saber muito o que fazer e esperar.
Silenciosamente me levantei e só saí da cama. Arrumei minha roupa, conferi meu cabelo e só então falei:
— Olivia, eu preciso ir. Mas quero dizer que você foi, de longe, uma das melhores coisas que poderiam ter ocorrido comigo aqui dentro. Vocês são. E sua despedida foi linda e cheia de elogios que você merece. Lá fora nos encontraremos e me orgulharei ainda mais de você, se é que isso é possível. De verdade, eu amo você.
Puxei minha amiga para um abraço que deixava meu coração pequenininho, mas cheio de gratidão.
— Boa noite, meninas.
Saí do quarto ainda agindo como se não tivesse escutado tudo aquilo, e sendo muito sincera, não pensando mais nas palavras de . Porque naquele momento meus pensamentos eram ocupados por uma única pessoa: .
, o rapaz mais improvável que eu poderia gostar, mas também aquele que, ainda que fugisse, ocupava há tempos um espaço em meu coração. O rapaz que tentava se manter ali, presente, mesmo que eu colocasse inúmeras coisas em nosso meio.
Eu precisava, agora sem amarras e priorizando a verdade que eu sabia que merecia, ser franca conosco e nos dar a chance de ao menos tentar, ainda que a realidade não estivesse muito a nosso favor. Eu precisava dar a a franqueza sobre meus sentimentos, coisa que ele já me dava sem pedir muito em troca.
Caminhei apressada pelos corredores até que lembrei que certamente eu não poderia subir até o quarto dele sem ser barrada antes. Mas decidida como eu estava, não desisti da minha vontade, apenas voltei até meu quarto e encontrei Abigail e Stephany me esperando para me ajudarem a me preparar para dormir.
— Boa noite, — as duas saudaram juntas, mas eu tinha pressa.
— Preciso ir até o quarto de , e para isso vocês terão que me ajudar.
— Ir até o quarto do príncipe? Essa hora? — Abigail perguntou, confusa.
— Por que não manda um bilhete? — Stephany sugeriu, e eu neguei com a cabeça.
— Tenho coisas a falar que não podem ser ditas por uma carta. Além disso, se eu esperar mais, talvez me falte coragem. Preciso vê-lo e tem que ser agora.
Abigail parecia pronta para contra-argumentar, mas Stephany colocou a mão em seu braço e disse:
— Vamos ajudá-la.
Silenciosamente saímos do quarto e fomos para onde as pessoas não nos veriam. Depois, as meninas foram abrindo umas passagens secretas, assim como nos filmes. Após muitas voltas e caminhos desconhecidos, chegamos na porta do quarto de .
, não sei o que pretende, mas não se deixe levar por... Bom, você entendeu. Se alguém descobrir que você veio aqui no meio da noite sozinha, amanhã mesmo haverá problemas para você. Há protocolos.
— Como se eu vir aqui fosse sinônimo de sexo — comentei, rolando os olhos. — Passa-se os anos e as pessoas ainda não entenderam que nem tudo é sobre isso.
— Mas, bom, juízo e não briguem.
Dito isso, as duas foram embora e me deixaram sozinha, capaz de sentir o coração batendo na garganta.
Com medo de ser pega e também com receio de demorar e acabar desistindo, bati na porta do quarto do príncipe. Não demorou para escutar seus passos e, segundos depois, a porta sendo aberta.
? Como chegou aqui? — foi a primeira coisa que ele falou, parecendo surpreso e confuso na mesma medida.
— As meninas que trabalham comigo me trouxeram — respondi, tentando respirar calmamente. Mas, segundos depois, olhei-o melhor e minha respiração foi embora de vez.
estava sem camisa e com a calça presa apenas pelo zíper, estando ela desabotoada.
“Isto não era pra ter acontecido. Como vou raciocinar com ele dessa forma? O que devo fazer?”
parecia tão surpreso por minha visita que pareceu não ter se dado conta do pequeno detalhe. Ele colocou o rosto para fora do quarto e vasculhou o corredor antes de falar:
— Entre, ou podemos nos meter em problemas.
E, então, senti sua mão me puxar para dentro e minha barriga gelar. Eu estava no quarto do príncipe, prestes a me declarar para ele, e ele estava sem camisa. E eu tinha que admitir, ele tinha o corpo mais lindo do que eu podia imaginar.
Então, falei a única coisa possível e certa para o momento:
— Eu gosto de você.


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Nota da autora: Quem mais estava esperando por esse momento?????? Mds, que maravilhoso foi escrever esse capítulo? Demorou? Sim, como sempre mais que o previsto, mas finalmente saiu e estou feliz demais. Espero que vocês gostem e comentem muito também. Até mais!



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