Capítulo Único
Sacramento, Califórnia.
Suspirei pesadamente ao terminar de amarrar o meu All Star surrado, estava sentada no banco de madeira que tinha dentro do banheiro do nosso colégio. O dia havia sido cheio, intenso e preocupante, no entanto, a apresentação ocorreu perfeitamente bem e sem erros, o que era uma das coisas mais importantes.
No instante em que terminei de me arrumar, peguei a minha mochila amarela e sorri, pensando o quanto gostava da cor. A coloquei nas minhas costas e deixei que meus cabelos longos e escuros caíssem sobre ela. Fui saindo do vestiário, eu era a última a sair, e, quando comecei a ver o campo, com os refletores apagados e apenas algumas luzes acesas, uma cena me chamou a atenção.
Apressei os meus passos e segurei com firmeza na alça da minha mochila, sentindo a raiva predominar em meu corpo. Tendo em vista que a minha respiração quase tornou-se ofegante, me aproximei dos dois e sorri, cínica.
— Que merda está acontecendo aqui? — cruzei os braços e indaguei, séria, os olhando.
Eles me olharam, levemente surpresos com a minha presença ali.
Que raios meu namorado fazia abraçado com a minha melhor amiga? E ele estava cheirando o pescoço dela? Cruzei os braços e esperei por explicações.
— Você pode ficar tranquila, — Nora riu ao me olhar, voltou seus olhos para o meu namorado e o acariciou no ombro. — Depois você me avisa. Tchauzinho.
Ela acenou com uma das mãos. A verdade é que nós não estávamos tão bem nos últimos meses devido a uma confusão que tivemos durante o treinamento para as apresentações antes dos jogos do time masculino de futebol do colégio. Fazer parte das líderes de torcida sempre foi um dos meus maiores sonhos, desde que entrei naquela escola.
Mas eu sentia que aquele sonho me tirava momentos e pessoas da minha vida. Nora era uma das minhas melhores amigas, minha confidente, a pessoa com quem eu gostava de conversar sobre tudo, desde que eu me conheço por gente.
— Vamos! Eu te deixo em casa — ouvi falar e apenas concordei com a cabeça.
Nosso relacionamento era daquele tipo em que eu era a estressada e ele era o calmo e brincalhão. Na maioria das vezes, praticamente 90% do tempo, nós nos dávamos bem e era uma maravilha, mas nos 10% sempre acabava ficando um pouco nervosa por coisas que ele dizia ou fazia.
O caminho até a minha casa, que não ficava muito longe do colégio, foi feito em um silêncio quase mortal. Fui o caminho inteiro com os braços cruzados frente ao meu corpo e pensando no que havia acabado de acontecer entre os dois. Queria encher de perguntas, mas, ao mesmo tempo, me sentia um pouco cansada.
Assim que chegamos, eu o chamei para subir e ele aceitou. Abri a porta da frente com a minha chave e logo Lola, a beagle da família, veio nos recepcionar.
— Meus pais estão em um jantar na casa da minha tia. Vem! — o chamei.
Tranquei a porta antes de subir as escadas rapidamente, sentindo-o vir atrás de mim, e aquele clima insuportável estava me deixando mal. Entrei em meu quarto, vendo a minha cama bagunçada e cheia de roupas jogadas, a bancada de estudos em frente à janela para a rua estava do mesmo jeito e meu armário com as portas abertas. Deixei a mochila no chão em qualquer lugar e suspirei.
— O que estava acontecendo entre você e a Nora? — eu o olhei.
— Nada. Ela só me deu um abraço e me parabenizou pelo jogo — ele deu de ombros.
Observei se aproximar dos meus travesseiros e se sentar ali, eu quase revirei os olhos com a sua fala, pois sabia muito bem o que eu havia visto. Não foi só um abraço.
Tirei meu celular do bolso da minha calça jeans e respirei fundo, deixando que uma grande quantidade de ar saísse dos meus pulmões.
— Por que você mente, ? Por quê? — o indaguei.
— Por que eu minto? Agora você já está certa de que eu estou mentindo? Você sempre tira conclusões precipitadas, — negou com a cabeça.
— Mas que...
Segurei com força o celular em minhas mãos e, sem pensar duas vezes, o joguei do outro lado do quarto, fazendo com que ele batesse em um quadro pendurado na parede e caísse na cama.
Minha respiração estava ofegante e meu coração batia tão forte que chegava a doer em meu peito. Por que raios ele não me contava a verdade? Era tão mais fácil. Senti lágrimas brotarem em meus olhos e tudo o que eu tive vontade de fazer foi chorar.
— Olha, eu não estava fazendo nada com a Nora, ‘tá bom? Você precisa confiar em mim. Ela só me abraçou e disse que eu joguei bem e que você já iria sair, porque estava terminando de se arrumar. — O observei dizer tudo tão rápido que aquilo soou um pouco confuso na minha mente.
Será que eu estava vendo coisas? Eles haviam apenas se abraçado?
Nora era uma das minhas melhores amigas e, por mais que não estivéssemos bem, sabia que podia contar com ela para tudo e confiar 100%, como já fiz um milhão de vezes nessa vida.
Minhas têmporas começaram a doer, uma dor de cabeça daquelas viria por aí, sabia disso. Vi se levantar, como se ele conhecesse a minha careta de dor, e se aproximou, me puxando por uma das mãos até a cama. Me deixei ser levada e ele me ajudou a tirar o tênis, me colocando debaixo das cobertas com aquelas roupas.
— Você quer um comprimido para dor de cabeça? Eu posso buscar lá embaixo. — sussurrou ao meu lado.
Eu me deitei no travesseiro e vi que ele fez o mesmo. Quis sorrir com isso, contudo ainda me sentia um pouco confusa com tudo o que aconteceu. Neguei com a cabeça sobre o comprimido e mordi meu próprio lábio inferior ao sentir uma das suas mãos acariciar os meus cabelos.
— Fica aqui — pedi.
— Eu não vou a lugar nenhum, prometo.
Novamente eu quis rir, mas apenas deixei que meus olhos fechassem. Estava fisicamente e mentalmente exausta pelo último semestre do Ensino Médio e pela preocupação a respeito da faculdade. Aproveitei o seu carinho em meus fios e não demorei a pegar no sono.
————
Cheguei em casa apressando o passo, pois uma chuva fina começava. Sabia que ela se transformaria em algo mais intenso em questão de segundos e foi o que aconteceu. No momento em que abri a porta de entrada, meu cabelo já estava um pouco úmido e eu chacoalhei a cabeça para tirar o excesso e ri disso, mas meu sorriso durou segundos, tendo em vista que ouvi a voz da minha mãe vinda da sala.
— ?
Mordi meu lábio inferior e me dirigi onde ela estava, o cheiro de cigarro predominou em minhas narinas quando pisei no cômodo. Dei a volta por trás do sofá e fiquei ao lado, a olhando, um pouco de longe, mas desviei os olhos para a TV.
— Você estava com a sua namoradinha? — ela me questionou em um tom que não soube decifrar qual era, no entanto, odiava que ela falasse nesse tom sobre .
— O nome dela é , mãe.
A observei apagar o cigarro e colocar os pés para fora do sofá. Nessa merda de vida, era apenas eu e a minha mãe, meu pai simplesmente deu o fora quando eu tinha dez anos e ficamos só nós dois. O porquê não fazia ideia.
Mas tinha certeza de que a culpa era dela.
— Vou subir — anunciei ao dar as costas.
— ?
Parei de andar ao chegar no fim das escadas, a olhei, mesmo de longe, e notei minha mãe acenar com a mão, como se dissesse “deixa para lá” e foi o que eu fiz. Subi ligeiramente com o nó tomando conta da minha garganta, eu não aguentava mais isso, a forma como ela me tratava, as conversas inacabadas, como ela não se preocupava comigo.
Por isso, meu maior sonho era sair dali. Daquela casa. Daquela cidade. No começo do ano, sem que ela soubesse, consegui um emprego em uma cafeteria próxima à escola. Eu ia para lá todas as tardes quando não tinha treino de futebol. Todo o dinheiro que conseguia ia para minha caixinha que chamava de esperança.
A minha esperança de sair dali aumentou ainda mais quando, há um mês, recebi a carta de aceitação de uma das faculdades que eu mais desejava. Com o futebol, conseguiria uma bolsa integral e não precisaria pagar nada. Só as despesas lá. Só.
Bati a porta do meu quarto com força ao passar, já tirando toda a roupa que usava e deitando debaixo das cobertas bagunçadas apenas de cueca. Apenas mais três semanas. Era tudo que pensava. Senti meus olhos pesarem e eu sabia que dormiria em um minuto, ainda assim, me levantei e fui até o meu armário. Lá, procurei pela caixa onde guardava o dinheiro, quando a encontrei, praticamente a abracei. Porra, ela era minha esperança.
————
Estava com as costas apoiadas no meu armário e olhando para o movimento do corredor, era cedo e as pessoas já estavam completamente alucinadas com as suas rotinas. Uns indo para o interior do prédio, onde ficavam as salas de aula, outros indo para a área externa, onde teriam alguma aula. Área externa, pensei em e mordi meu lábio, queria vê-lo, contudo, minha aula de Matemática começaria em 10 minutos.
Ah. Foda-se a Matemática.
Caminhei em passos rápidos e decididos junto com aquelas pessoas que saíam do prédio da escola em direção à área externa por uma calçada, cheia de flores nas laterais, e, em pouquíssimo tempo, chegava ao enorme campo de futebol onde os meninos treinavam. De longe, ao entrar pela lateral, vi entre eles e meu coração palpitou.
Acenei, sorrindo de leve, e, quando ele me viu, correu até mim, tirando o capacete que usava para a própria proteção durante os jogos. Senti meu coração bater um pouco mais forte do que o normal ao olhar para aquela pessoa por quem eu havia me apaixonado. Ele estava levemente suado e as bochechas vermelhas. Ri levíssimo disso.
— Podemos conversar? É rapidinho. Eu prometo — disse, em um tom sério, mas mordi a minha bochecha por dentro.
— Ok, vamos conversar.
Ele se virou, avisando o treinador, e recebeu um sinal de positivo de volta. Saímos lado a lado em direção às arquibancadas e nos sentamos de frente um para o outro nos primeiros bancos.
— Por favor, fica. Fica. Fica.
Pedi ao levar uma das minhas mãos até o rosto dele, o acariciando de leve por cima das sardinhas. Sorri brevemente com isso.
— Eu não vou a lugar nenhum. Você sabe disso.
Senti meu coração aos poucos se acalmar com aquelas palavras dele. Morria de medo que, às vezes, ele se enjoasse de mim ou fosse embora por qualquer outro motivo e não me contasse. Me aproximei, unindo as nossas testas e fechei os meus olhos.
Senti seus lábios roçarem nos meus e deixei que ele me beijasse, na verdade, eu praticamente implorei por isso. Imediatamente levei a minha mão livre até os seus fios e entrelacei meus dedos ali. Abri a minha boca e senti a sua língua na minha, frenética, ansiosa, nervosa. Soltei um gemido baixo, pois o meu corpo inteiro se arrepiou com aquilo. Minha mão afundou mais nos seus fios e senti sua mão na minha cintura, a apertando e fazendo com que meu corpo ficasse ainda mais próximo do dele.
— ARRUMEM UM QUARTO!
Um dos rapazes do time gritou de dentro do campo e eu me afastei dele imediatamente, sentindo minhas bochechas corarem, uma vez que as senti queimar. Mordi o lábio, o olhando, e ri rapidamente, ouvindo a sua risada junto com a minha.
— Eu preciso ir. Tenho aula de Matemática — me levantei.
— ... — riu ao sussurrar.
— Podemos nos ver mais tarde? — o olhei após dar um pulo e começar a caminhar para fora dali.
— Me manda mensagem sobre onde e quando.
Ri disso e concordei com a cabeça. Voltei até ele, lhe dando um selinho demorado.
— Vai lá arrasar no treino — falei ao voltar a andar.
— Vai lá arrasar na aula de Matemática, nerd.
Saí andando em passos rápidos. Eu estava atrasada. A professora iria falar até não aguentar mais. Caminhei ainda mais rápido, passando pela entrada antes de fecharem a porta, na maior rapidez que consegui reunir sem parecer desesperada. Enquanto andava, pensava o quanto amava , mas meu coração doía ao pensar que iríamos para universidades diferentes no futuro.
————
A aula de Física simplesmente não acabava. Minha cabeça já estava cheia de tanto fazer exercícios, aprender a parte teórica e fazer exercícios. Aquele era o ciclo daquela professora. Assim que o sinal tocou, me tirando dos meus devaneios, nos quais eu pensava o quanto aquela matéria era irritante, já comecei a guardar o meu material na minha mochila.
— Almoçar? — Ethan, um dos meus amigos, que sentava junto comigo, me questionou.
— Você quer sentar comigo e com a ? Aliás, você deveria falar com a Aurora, sabe — sussurrei, como se aquilo fosse segredo. Vi Ethan arregalar os olhos e quis rir, mas me controlei.
Joguei minha mochila nas costas enquanto saía atrás do rapaz e pensava em . Nós havíamos feito 1 ano de namoro há um mês e logo teríamos que nos separar, porque eu, de qualquer jeito, sairia daquela cidade.
Meus pensamentos foram levados para um dia que voltamos do supermercado para a casa dela com pacotes de doces para que pudéssemos assistir a um filme de terror juntos, no escuro, como havíamos combinado. Eu ria a todo momento, pois vinha se deliciando com uma casquinha de sorvete e eu carregava todas as suas compras.
— Você é muito mimadinha.
Andava ao lado de Ethan em direção ao refeitório enquanto ouvia o meu amigo falar sobre uma prova de Química que teríamos no dia seguinte, me sentia completamente avoado ao pensar em , na situação lá em casa e no meu dinheiro. Um arrepio intenso percorreu a minha espinha e tive uma sensação ruim
— Acho que...
Ethan me olhou com o cenho franzido e paramos na enorme porta do refeitório, o burburinho de falatório já era ouvido.
— Preciso ir. Preciso ir lá em casa. Me lembrei de uma coisa — eu disse, quase desesperadamente.
Não dei tempo para que Ethan falasse alguma coisa e apenas saí correndo, passando entre as pessoas, pedindo licença e sentindo a sensação ruim predominar ainda mais em meu corpo.
Saí da escola e comecei a correr, da mesma forma que , eu também morava próximo, então andar não era um problema. Corri cerca de cinco quadras e, quando cheguei em frente de casa, estava ofegante como se fosse desmaiar. Puxei o ar pelo nariz e soltei pela boca, peguei a chave em minha mochila e imediatamente abri a porta.
Estava ansioso. Com as mãos trêmulas, fechei a porta, a trancando, e corri a toda velocidade até o meu quarto. Nem tirei a mochila das costas, apenas abri com toda força a porta do armário e peguei a caixa onde estava o dinheiro.
Abri. Minhas mãos estavam muito trêmulas.
Não tinha nada ali. Nada. Nada. Nada. Nada.
Engoli em seco, sentindo certa tontura dominar o meu corpo e engoli novamente, minha garganta doeu e minha cabeça girou.
Cadê a porra do dinheiro?
A raiva predominou no mesmo instante em meu corpo. Foi ela. Só poderia ter sido ela. Minha mão tremia e eu sentia um calafrio me atingir. Um barulho chamou a minha atenção, era a porta da frente. Me levantei em um pulo e dois segundos depois estava no topo da escada.
— QUE PORRA É ESSA? — gritei, completamente descontrolado.
————
Era a quinta mensagem que eu mandava para e nada. Estava sentada ao lado da minha amiga no refeitório e mexia em minha comida no prato sem ter a mínima vontade de comer. Sentia que algo estava errado. Mordia meu lábio inferior de leve e uma das minhas pernas não parava de se mover, impacientemente.
— Ele não me responde — a olhei
— Ele não está no treino? — ela me questionou após colocar uma alface na boca.
Neguei com a cabeça e senti meu peito apertar. nunca deixaria de me avisar caso algo acontecesse. Meu coração batia forte e eu suspirei.
— Eu vou na casa dele — me levantei, já pegando a minha mochila, a colocando nas costas.
— ...
— Depois eu te conto.
Saí em passos rápidos e tentei não correr para que eu não chamasse muita atenção, já que a maioria das pessoas estava sentada comendo e conversando. Passei pela enorme porta e saí por trás. Naquele horário na escola era liberado que os alunos saíssem, desde que eles voltassem para as aulas da tarde.
Com o meu celular em mãos, caminhei ligeiramente até a casa de , todas as possibilidades já tinham passado pela minha cabeça e eu não sabia mais o que pensar. Certa angústia estava presente em meu corpo e tudo que eu mais queria era vê-lo bem. Senti meus olhos lacrimejarem com esse pensamento e continuei meus passos firmes e rápidos.
Quando cheguei ao quarteirão onde ele morava, ouvi uma sirene e franzi o cenho. Pedi que não fosse na casa dele, mas, enquanto mais me aproximava, mais tinha certeza de que era o carro da polícia e franzi o cenho. Andei ainda mais rápido e, quando me aproximei, vi dois policiais saindo com a mãe de , ela estava algemada e com a cabeça baixa.
— ! — gritei ao me aproximar da porta ainda aberta.
Olhei para os dois lados na residência, de um estava a sala de TV e do outro a sala de jantar. Vi meu namorado sentado na ponta, com um policial ao lado dele, e, assim que ele me viu, se levantou, falando alguma coisa com o policial e correndo até mim.
— Que merda aconteceu? — o questionei com a voz embargada.
Olhei para o seu rosto e notei um pequeno machucado no lado esquerdo, embaixo, no lábio. Seu rosto também estava levemente vermelho e ele fez uma careta quando eu o toquei como se quisesse checá-lo.
— Eu vou te contar tudo — ele sussurrou ao colocar as mãos em meus ombros.
Concordei imediatamente, sentindo algumas lágrimas caírem, e vi que o policial com quem ele conversava anteriormente se aproximava.
— Você tem com quem ficar?
— Você pode ficar lá em casa — eu o olhei.
— Tem que ser um familiar, — ele disse, sério. Vi concordar. — Mas amanhã ligamos para uma tia sua, ‘tá bom? Hoje você pode ficar com ela.
O policial sorriu brevemente e, em questão de segundos, nos deixou sozinhos. Ele não fechou a porta e eu voltei o meu olhar par enquanto pegava em uma das suas mãos.
— Vem cá.
————
Minutos atrás.
Respirei fundo ao vê-la com várias garrafas de bebida alcoólica nos braços, ela ligeiramente entendeu que eu sabia que havia pegado o meu dinheiro. Desci as escadas com a raiva transbordando em meu corpo, estava quase suando, sabia disso.
— Você é uma bêbada nojenta. O que fez com o meu dinheiro? O MEU DINHEIRO, MÃE — gritei ao me aproximar.
Eu não tive tempo de me esquivar, nem de pensar, o soco que ela me deu na boca e o tapa em meu rosto foi certeiro, cambaleei para trás, sentindo a dor predominar nos locais atingidos. A olhei com os olhos arregalados.
— Eu vou te denunciar para a polícia.
Neguei com a cabeça ao suspirar pesadamente e sentir o ar sair dos meus pulmões. Eu e tínhamos nos sentado nos degraus, antes da porta da minha casa, e acabara de contar a ela o que havia acontecido. Senti o olhar de pena de para cima de mim, nunca tinha contado a ela sobre as crises da minha mãe.
— , você nunca me contou... — ela sussurrou.
— Eu tinha muita vergonha — engoli seco ao negar.
— Você não precisa ter vergonha. Agora acabou, ‘tá bom?
Ela segurou uma das minhas mãos com tanta firmeza, que, pela primeira vez, em tempos, eu senti que a sua frase era verdadeira. Agora acabou. Mordi o lábio, ainda a olhando, e apertei de volta a sua mão que estava entrelaçada na minha.
— Meus planos eram ir embora daqui — falei do nada.
— O quê? — me questionou em um sussurro.
Eu sabia que ela estava confusa. No lugar dela também ficaria.
— Nós brigamos porque eu juntei dinheiro para ir embora daqui, trabalhei por meses em um café, , ele era do pai da Nora. Aquele dia que você me viu com ela no campo de futebol, ela estava me avisando que o pai iria me adiantar o meu pagamento final e finalmente...
— Mas por que você nunca me contou? — ela franziu o cenho.
— Eu tinha muita vergonha disso, . Muita vergonha mesmo. Minha mãe era uma bêbada, ela brigava comigo o tempo todo e ao mesmo tempo não ligava para mim. Não queria te preocupar com isso, não tinha nada que você pudesse fazer, então guardei para mim. Desculpa — murmurei e olhei para o chão, envergonhado de estar admitindo aquilo para ela.
Vi que ela olhou para um ponto qualquer da rua e suspirou, eu sabia que era difícil, afinal, tinha escondido muitas coisas nesses últimos meses.
— Tudo bem, eu entendo os seus motivos. — Voltou a me olhar e esticou uma das mãos, tocando o meu rosto e fazendo com que eu a olhasse. — Você...
mordeu o lábio inferior de leve e um raio de Sol atingiu os seus cabelos, fazendo com que a cor dos fios mudasse instantaneamente.
— Pretende ir embora ainda?
Ri da sua pergunta. Ri pela primeira vez desde o almoço.
— Acredito que com o futebol eu consiga me inscrever em uma universidade daqui.
Seu sorriso aumentou ainda mais e ela se aproximou de mim, passando os braços ao redor do meu pescoço e acariciando a minha bochecha com o polegar.
— Você vai ficar? — Um sorriso lindo apareceu em seus lábios.
— Eu vou ficar. Ficar. Ficar — repeti aquilo ao rir.
O Sol se intensificou e nos atingiu mais fortemente naquele momento, a senti se aproximar de mim e grudar os nossos lábios, já iniciando um beijo intenso. Pela primeira vez em muito tempo, eu tinha esperança, e ela não fora destruída totalmente pela minha mãe. Uma garota fantástica fazia com que eu ainda pudesse sonhar com o meu futuro.
Suspirei pesadamente ao terminar de amarrar o meu All Star surrado, estava sentada no banco de madeira que tinha dentro do banheiro do nosso colégio. O dia havia sido cheio, intenso e preocupante, no entanto, a apresentação ocorreu perfeitamente bem e sem erros, o que era uma das coisas mais importantes.
No instante em que terminei de me arrumar, peguei a minha mochila amarela e sorri, pensando o quanto gostava da cor. A coloquei nas minhas costas e deixei que meus cabelos longos e escuros caíssem sobre ela. Fui saindo do vestiário, eu era a última a sair, e, quando comecei a ver o campo, com os refletores apagados e apenas algumas luzes acesas, uma cena me chamou a atenção.
Apressei os meus passos e segurei com firmeza na alça da minha mochila, sentindo a raiva predominar em meu corpo. Tendo em vista que a minha respiração quase tornou-se ofegante, me aproximei dos dois e sorri, cínica.
— Que merda está acontecendo aqui? — cruzei os braços e indaguei, séria, os olhando.
Eles me olharam, levemente surpresos com a minha presença ali.
Que raios meu namorado fazia abraçado com a minha melhor amiga? E ele estava cheirando o pescoço dela? Cruzei os braços e esperei por explicações.
— Você pode ficar tranquila, — Nora riu ao me olhar, voltou seus olhos para o meu namorado e o acariciou no ombro. — Depois você me avisa. Tchauzinho.
Ela acenou com uma das mãos. A verdade é que nós não estávamos tão bem nos últimos meses devido a uma confusão que tivemos durante o treinamento para as apresentações antes dos jogos do time masculino de futebol do colégio. Fazer parte das líderes de torcida sempre foi um dos meus maiores sonhos, desde que entrei naquela escola.
Mas eu sentia que aquele sonho me tirava momentos e pessoas da minha vida. Nora era uma das minhas melhores amigas, minha confidente, a pessoa com quem eu gostava de conversar sobre tudo, desde que eu me conheço por gente.
— Vamos! Eu te deixo em casa — ouvi falar e apenas concordei com a cabeça.
Nosso relacionamento era daquele tipo em que eu era a estressada e ele era o calmo e brincalhão. Na maioria das vezes, praticamente 90% do tempo, nós nos dávamos bem e era uma maravilha, mas nos 10% sempre acabava ficando um pouco nervosa por coisas que ele dizia ou fazia.
O caminho até a minha casa, que não ficava muito longe do colégio, foi feito em um silêncio quase mortal. Fui o caminho inteiro com os braços cruzados frente ao meu corpo e pensando no que havia acabado de acontecer entre os dois. Queria encher de perguntas, mas, ao mesmo tempo, me sentia um pouco cansada.
Assim que chegamos, eu o chamei para subir e ele aceitou. Abri a porta da frente com a minha chave e logo Lola, a beagle da família, veio nos recepcionar.
— Meus pais estão em um jantar na casa da minha tia. Vem! — o chamei.
Tranquei a porta antes de subir as escadas rapidamente, sentindo-o vir atrás de mim, e aquele clima insuportável estava me deixando mal. Entrei em meu quarto, vendo a minha cama bagunçada e cheia de roupas jogadas, a bancada de estudos em frente à janela para a rua estava do mesmo jeito e meu armário com as portas abertas. Deixei a mochila no chão em qualquer lugar e suspirei.
— O que estava acontecendo entre você e a Nora? — eu o olhei.
— Nada. Ela só me deu um abraço e me parabenizou pelo jogo — ele deu de ombros.
Observei se aproximar dos meus travesseiros e se sentar ali, eu quase revirei os olhos com a sua fala, pois sabia muito bem o que eu havia visto. Não foi só um abraço.
Tirei meu celular do bolso da minha calça jeans e respirei fundo, deixando que uma grande quantidade de ar saísse dos meus pulmões.
— Por que você mente, ? Por quê? — o indaguei.
— Por que eu minto? Agora você já está certa de que eu estou mentindo? Você sempre tira conclusões precipitadas, — negou com a cabeça.
— Mas que...
Segurei com força o celular em minhas mãos e, sem pensar duas vezes, o joguei do outro lado do quarto, fazendo com que ele batesse em um quadro pendurado na parede e caísse na cama.
Minha respiração estava ofegante e meu coração batia tão forte que chegava a doer em meu peito. Por que raios ele não me contava a verdade? Era tão mais fácil. Senti lágrimas brotarem em meus olhos e tudo o que eu tive vontade de fazer foi chorar.
— Olha, eu não estava fazendo nada com a Nora, ‘tá bom? Você precisa confiar em mim. Ela só me abraçou e disse que eu joguei bem e que você já iria sair, porque estava terminando de se arrumar. — O observei dizer tudo tão rápido que aquilo soou um pouco confuso na minha mente.
Será que eu estava vendo coisas? Eles haviam apenas se abraçado?
Nora era uma das minhas melhores amigas e, por mais que não estivéssemos bem, sabia que podia contar com ela para tudo e confiar 100%, como já fiz um milhão de vezes nessa vida.
Minhas têmporas começaram a doer, uma dor de cabeça daquelas viria por aí, sabia disso. Vi se levantar, como se ele conhecesse a minha careta de dor, e se aproximou, me puxando por uma das mãos até a cama. Me deixei ser levada e ele me ajudou a tirar o tênis, me colocando debaixo das cobertas com aquelas roupas.
— Você quer um comprimido para dor de cabeça? Eu posso buscar lá embaixo. — sussurrou ao meu lado.
Eu me deitei no travesseiro e vi que ele fez o mesmo. Quis sorrir com isso, contudo ainda me sentia um pouco confusa com tudo o que aconteceu. Neguei com a cabeça sobre o comprimido e mordi meu próprio lábio inferior ao sentir uma das suas mãos acariciar os meus cabelos.
— Fica aqui — pedi.
— Eu não vou a lugar nenhum, prometo.
Novamente eu quis rir, mas apenas deixei que meus olhos fechassem. Estava fisicamente e mentalmente exausta pelo último semestre do Ensino Médio e pela preocupação a respeito da faculdade. Aproveitei o seu carinho em meus fios e não demorei a pegar no sono.
Cheguei em casa apressando o passo, pois uma chuva fina começava. Sabia que ela se transformaria em algo mais intenso em questão de segundos e foi o que aconteceu. No momento em que abri a porta de entrada, meu cabelo já estava um pouco úmido e eu chacoalhei a cabeça para tirar o excesso e ri disso, mas meu sorriso durou segundos, tendo em vista que ouvi a voz da minha mãe vinda da sala.
— ?
Mordi meu lábio inferior e me dirigi onde ela estava, o cheiro de cigarro predominou em minhas narinas quando pisei no cômodo. Dei a volta por trás do sofá e fiquei ao lado, a olhando, um pouco de longe, mas desviei os olhos para a TV.
— Você estava com a sua namoradinha? — ela me questionou em um tom que não soube decifrar qual era, no entanto, odiava que ela falasse nesse tom sobre .
— O nome dela é , mãe.
A observei apagar o cigarro e colocar os pés para fora do sofá. Nessa merda de vida, era apenas eu e a minha mãe, meu pai simplesmente deu o fora quando eu tinha dez anos e ficamos só nós dois. O porquê não fazia ideia.
Mas tinha certeza de que a culpa era dela.
— Vou subir — anunciei ao dar as costas.
— ?
Parei de andar ao chegar no fim das escadas, a olhei, mesmo de longe, e notei minha mãe acenar com a mão, como se dissesse “deixa para lá” e foi o que eu fiz. Subi ligeiramente com o nó tomando conta da minha garganta, eu não aguentava mais isso, a forma como ela me tratava, as conversas inacabadas, como ela não se preocupava comigo.
Por isso, meu maior sonho era sair dali. Daquela casa. Daquela cidade. No começo do ano, sem que ela soubesse, consegui um emprego em uma cafeteria próxima à escola. Eu ia para lá todas as tardes quando não tinha treino de futebol. Todo o dinheiro que conseguia ia para minha caixinha que chamava de esperança.
A minha esperança de sair dali aumentou ainda mais quando, há um mês, recebi a carta de aceitação de uma das faculdades que eu mais desejava. Com o futebol, conseguiria uma bolsa integral e não precisaria pagar nada. Só as despesas lá. Só.
Bati a porta do meu quarto com força ao passar, já tirando toda a roupa que usava e deitando debaixo das cobertas bagunçadas apenas de cueca. Apenas mais três semanas. Era tudo que pensava. Senti meus olhos pesarem e eu sabia que dormiria em um minuto, ainda assim, me levantei e fui até o meu armário. Lá, procurei pela caixa onde guardava o dinheiro, quando a encontrei, praticamente a abracei. Porra, ela era minha esperança.
Estava com as costas apoiadas no meu armário e olhando para o movimento do corredor, era cedo e as pessoas já estavam completamente alucinadas com as suas rotinas. Uns indo para o interior do prédio, onde ficavam as salas de aula, outros indo para a área externa, onde teriam alguma aula. Área externa, pensei em e mordi meu lábio, queria vê-lo, contudo, minha aula de Matemática começaria em 10 minutos.
Ah. Foda-se a Matemática.
Caminhei em passos rápidos e decididos junto com aquelas pessoas que saíam do prédio da escola em direção à área externa por uma calçada, cheia de flores nas laterais, e, em pouquíssimo tempo, chegava ao enorme campo de futebol onde os meninos treinavam. De longe, ao entrar pela lateral, vi entre eles e meu coração palpitou.
Acenei, sorrindo de leve, e, quando ele me viu, correu até mim, tirando o capacete que usava para a própria proteção durante os jogos. Senti meu coração bater um pouco mais forte do que o normal ao olhar para aquela pessoa por quem eu havia me apaixonado. Ele estava levemente suado e as bochechas vermelhas. Ri levíssimo disso.
— Podemos conversar? É rapidinho. Eu prometo — disse, em um tom sério, mas mordi a minha bochecha por dentro.
— Ok, vamos conversar.
Ele se virou, avisando o treinador, e recebeu um sinal de positivo de volta. Saímos lado a lado em direção às arquibancadas e nos sentamos de frente um para o outro nos primeiros bancos.
— Por favor, fica. Fica. Fica.
Pedi ao levar uma das minhas mãos até o rosto dele, o acariciando de leve por cima das sardinhas. Sorri brevemente com isso.
— Eu não vou a lugar nenhum. Você sabe disso.
Senti meu coração aos poucos se acalmar com aquelas palavras dele. Morria de medo que, às vezes, ele se enjoasse de mim ou fosse embora por qualquer outro motivo e não me contasse. Me aproximei, unindo as nossas testas e fechei os meus olhos.
Senti seus lábios roçarem nos meus e deixei que ele me beijasse, na verdade, eu praticamente implorei por isso. Imediatamente levei a minha mão livre até os seus fios e entrelacei meus dedos ali. Abri a minha boca e senti a sua língua na minha, frenética, ansiosa, nervosa. Soltei um gemido baixo, pois o meu corpo inteiro se arrepiou com aquilo. Minha mão afundou mais nos seus fios e senti sua mão na minha cintura, a apertando e fazendo com que meu corpo ficasse ainda mais próximo do dele.
— ARRUMEM UM QUARTO!
Um dos rapazes do time gritou de dentro do campo e eu me afastei dele imediatamente, sentindo minhas bochechas corarem, uma vez que as senti queimar. Mordi o lábio, o olhando, e ri rapidamente, ouvindo a sua risada junto com a minha.
— Eu preciso ir. Tenho aula de Matemática — me levantei.
— ... — riu ao sussurrar.
— Podemos nos ver mais tarde? — o olhei após dar um pulo e começar a caminhar para fora dali.
— Me manda mensagem sobre onde e quando.
Ri disso e concordei com a cabeça. Voltei até ele, lhe dando um selinho demorado.
— Vai lá arrasar no treino — falei ao voltar a andar.
— Vai lá arrasar na aula de Matemática, nerd.
Saí andando em passos rápidos. Eu estava atrasada. A professora iria falar até não aguentar mais. Caminhei ainda mais rápido, passando pela entrada antes de fecharem a porta, na maior rapidez que consegui reunir sem parecer desesperada. Enquanto andava, pensava o quanto amava , mas meu coração doía ao pensar que iríamos para universidades diferentes no futuro.
A aula de Física simplesmente não acabava. Minha cabeça já estava cheia de tanto fazer exercícios, aprender a parte teórica e fazer exercícios. Aquele era o ciclo daquela professora. Assim que o sinal tocou, me tirando dos meus devaneios, nos quais eu pensava o quanto aquela matéria era irritante, já comecei a guardar o meu material na minha mochila.
— Almoçar? — Ethan, um dos meus amigos, que sentava junto comigo, me questionou.
— Você quer sentar comigo e com a ? Aliás, você deveria falar com a Aurora, sabe — sussurrei, como se aquilo fosse segredo. Vi Ethan arregalar os olhos e quis rir, mas me controlei.
Joguei minha mochila nas costas enquanto saía atrás do rapaz e pensava em . Nós havíamos feito 1 ano de namoro há um mês e logo teríamos que nos separar, porque eu, de qualquer jeito, sairia daquela cidade.
Meus pensamentos foram levados para um dia que voltamos do supermercado para a casa dela com pacotes de doces para que pudéssemos assistir a um filme de terror juntos, no escuro, como havíamos combinado. Eu ria a todo momento, pois vinha se deliciando com uma casquinha de sorvete e eu carregava todas as suas compras.
— Você é muito mimadinha.
Andava ao lado de Ethan em direção ao refeitório enquanto ouvia o meu amigo falar sobre uma prova de Química que teríamos no dia seguinte, me sentia completamente avoado ao pensar em , na situação lá em casa e no meu dinheiro. Um arrepio intenso percorreu a minha espinha e tive uma sensação ruim
— Acho que...
Ethan me olhou com o cenho franzido e paramos na enorme porta do refeitório, o burburinho de falatório já era ouvido.
— Preciso ir. Preciso ir lá em casa. Me lembrei de uma coisa — eu disse, quase desesperadamente.
Não dei tempo para que Ethan falasse alguma coisa e apenas saí correndo, passando entre as pessoas, pedindo licença e sentindo a sensação ruim predominar ainda mais em meu corpo.
Saí da escola e comecei a correr, da mesma forma que , eu também morava próximo, então andar não era um problema. Corri cerca de cinco quadras e, quando cheguei em frente de casa, estava ofegante como se fosse desmaiar. Puxei o ar pelo nariz e soltei pela boca, peguei a chave em minha mochila e imediatamente abri a porta.
Estava ansioso. Com as mãos trêmulas, fechei a porta, a trancando, e corri a toda velocidade até o meu quarto. Nem tirei a mochila das costas, apenas abri com toda força a porta do armário e peguei a caixa onde estava o dinheiro.
Abri. Minhas mãos estavam muito trêmulas.
Não tinha nada ali. Nada. Nada. Nada. Nada.
Engoli em seco, sentindo certa tontura dominar o meu corpo e engoli novamente, minha garganta doeu e minha cabeça girou.
Cadê a porra do dinheiro?
A raiva predominou no mesmo instante em meu corpo. Foi ela. Só poderia ter sido ela. Minha mão tremia e eu sentia um calafrio me atingir. Um barulho chamou a minha atenção, era a porta da frente. Me levantei em um pulo e dois segundos depois estava no topo da escada.
— QUE PORRA É ESSA? — gritei, completamente descontrolado.
Era a quinta mensagem que eu mandava para e nada. Estava sentada ao lado da minha amiga no refeitório e mexia em minha comida no prato sem ter a mínima vontade de comer. Sentia que algo estava errado. Mordia meu lábio inferior de leve e uma das minhas pernas não parava de se mover, impacientemente.
— Ele não me responde — a olhei
— Ele não está no treino? — ela me questionou após colocar uma alface na boca.
Neguei com a cabeça e senti meu peito apertar. nunca deixaria de me avisar caso algo acontecesse. Meu coração batia forte e eu suspirei.
— Eu vou na casa dele — me levantei, já pegando a minha mochila, a colocando nas costas.
— ...
— Depois eu te conto.
Saí em passos rápidos e tentei não correr para que eu não chamasse muita atenção, já que a maioria das pessoas estava sentada comendo e conversando. Passei pela enorme porta e saí por trás. Naquele horário na escola era liberado que os alunos saíssem, desde que eles voltassem para as aulas da tarde.
Com o meu celular em mãos, caminhei ligeiramente até a casa de , todas as possibilidades já tinham passado pela minha cabeça e eu não sabia mais o que pensar. Certa angústia estava presente em meu corpo e tudo que eu mais queria era vê-lo bem. Senti meus olhos lacrimejarem com esse pensamento e continuei meus passos firmes e rápidos.
Quando cheguei ao quarteirão onde ele morava, ouvi uma sirene e franzi o cenho. Pedi que não fosse na casa dele, mas, enquanto mais me aproximava, mais tinha certeza de que era o carro da polícia e franzi o cenho. Andei ainda mais rápido e, quando me aproximei, vi dois policiais saindo com a mãe de , ela estava algemada e com a cabeça baixa.
— ! — gritei ao me aproximar da porta ainda aberta.
Olhei para os dois lados na residência, de um estava a sala de TV e do outro a sala de jantar. Vi meu namorado sentado na ponta, com um policial ao lado dele, e, assim que ele me viu, se levantou, falando alguma coisa com o policial e correndo até mim.
— Que merda aconteceu? — o questionei com a voz embargada.
Olhei para o seu rosto e notei um pequeno machucado no lado esquerdo, embaixo, no lábio. Seu rosto também estava levemente vermelho e ele fez uma careta quando eu o toquei como se quisesse checá-lo.
— Eu vou te contar tudo — ele sussurrou ao colocar as mãos em meus ombros.
Concordei imediatamente, sentindo algumas lágrimas caírem, e vi que o policial com quem ele conversava anteriormente se aproximava.
— Você tem com quem ficar?
— Você pode ficar lá em casa — eu o olhei.
— Tem que ser um familiar, — ele disse, sério. Vi concordar. — Mas amanhã ligamos para uma tia sua, ‘tá bom? Hoje você pode ficar com ela.
O policial sorriu brevemente e, em questão de segundos, nos deixou sozinhos. Ele não fechou a porta e eu voltei o meu olhar par enquanto pegava em uma das suas mãos.
— Vem cá.
Minutos atrás.
Respirei fundo ao vê-la com várias garrafas de bebida alcoólica nos braços, ela ligeiramente entendeu que eu sabia que havia pegado o meu dinheiro. Desci as escadas com a raiva transbordando em meu corpo, estava quase suando, sabia disso.
— Você é uma bêbada nojenta. O que fez com o meu dinheiro? O MEU DINHEIRO, MÃE — gritei ao me aproximar.
Eu não tive tempo de me esquivar, nem de pensar, o soco que ela me deu na boca e o tapa em meu rosto foi certeiro, cambaleei para trás, sentindo a dor predominar nos locais atingidos. A olhei com os olhos arregalados.
— Eu vou te denunciar para a polícia.
Neguei com a cabeça ao suspirar pesadamente e sentir o ar sair dos meus pulmões. Eu e tínhamos nos sentado nos degraus, antes da porta da minha casa, e acabara de contar a ela o que havia acontecido. Senti o olhar de pena de para cima de mim, nunca tinha contado a ela sobre as crises da minha mãe.
— , você nunca me contou... — ela sussurrou.
— Eu tinha muita vergonha — engoli seco ao negar.
— Você não precisa ter vergonha. Agora acabou, ‘tá bom?
Ela segurou uma das minhas mãos com tanta firmeza, que, pela primeira vez, em tempos, eu senti que a sua frase era verdadeira. Agora acabou. Mordi o lábio, ainda a olhando, e apertei de volta a sua mão que estava entrelaçada na minha.
— Meus planos eram ir embora daqui — falei do nada.
— O quê? — me questionou em um sussurro.
Eu sabia que ela estava confusa. No lugar dela também ficaria.
— Nós brigamos porque eu juntei dinheiro para ir embora daqui, trabalhei por meses em um café, , ele era do pai da Nora. Aquele dia que você me viu com ela no campo de futebol, ela estava me avisando que o pai iria me adiantar o meu pagamento final e finalmente...
— Mas por que você nunca me contou? — ela franziu o cenho.
— Eu tinha muita vergonha disso, . Muita vergonha mesmo. Minha mãe era uma bêbada, ela brigava comigo o tempo todo e ao mesmo tempo não ligava para mim. Não queria te preocupar com isso, não tinha nada que você pudesse fazer, então guardei para mim. Desculpa — murmurei e olhei para o chão, envergonhado de estar admitindo aquilo para ela.
Vi que ela olhou para um ponto qualquer da rua e suspirou, eu sabia que era difícil, afinal, tinha escondido muitas coisas nesses últimos meses.
— Tudo bem, eu entendo os seus motivos. — Voltou a me olhar e esticou uma das mãos, tocando o meu rosto e fazendo com que eu a olhasse. — Você...
mordeu o lábio inferior de leve e um raio de Sol atingiu os seus cabelos, fazendo com que a cor dos fios mudasse instantaneamente.
— Pretende ir embora ainda?
Ri da sua pergunta. Ri pela primeira vez desde o almoço.
— Acredito que com o futebol eu consiga me inscrever em uma universidade daqui.
Seu sorriso aumentou ainda mais e ela se aproximou de mim, passando os braços ao redor do meu pescoço e acariciando a minha bochecha com o polegar.
— Você vai ficar? — Um sorriso lindo apareceu em seus lábios.
— Eu vou ficar. Ficar. Ficar — repeti aquilo ao rir.
O Sol se intensificou e nos atingiu mais fortemente naquele momento, a senti se aproximar de mim e grudar os nossos lábios, já iniciando um beijo intenso. Pela primeira vez em muito tempo, eu tinha esperança, e ela não fora destruída totalmente pela minha mãe. Uma garota fantástica fazia com que eu ainda pudesse sonhar com o meu futuro.
FIM.
Nota da autora: Sem nota.
Nota da beta: Tadinho do casal, meu Deus, fiquei com pena do que o sofreu na mão da mãe, mas ainda bem que ele e a estavam juntos, se apoiando ❤️
Outras Fanfics:
Esses Dois (Louis Hofmann – Restrita)
13. Treta (Shortfic - Finalizada)
08. Biutyful (Shortfic - Finalizada)
MV: I Know What You Did Last Summer (Shortfic - Finalizada)
Irritante é Você! (Desafio Clichê 01 (Enemies to Lovers) - Finalizada)
You're My Joker (Desafio Clichê 03 (Friends to Lovers) - Finalizada)
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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