Enviada em: Maio de 2021

3:05

Para Carol D., por tudo que ela representa.
Por sua sensibilidade, intensidade e frescor.
Por mostrar que fogo e gelo podem coexistir.
Obrigada por me ensinar que o amor está tanto nas
pequenas coisas quando nas maiores.


Presente

foi desperto pelo barulho ligeiramente irritante de unhas se chocando com o teclado do computador, ainda sonolento, moveu-se na cama, levantando a cabeça sem entender o que estava acontecendo. A figura de era iluminada pelo brilho da tela de seu computador, a advogada digitava concentrada. O piloto arrastou a mão pela cama em busca do celular, eram 3:05 da manhã.
Mais uma longa noite, pensou consigo mesmo, deixando a cabeça cair sobre o travesseiro. Não entendia como a mulher tinha animo para trabalhar até aquela hora da madrugada, se orgulhava dela, do talento e de como era uma advogada competente, mas detestava vê-la cansada, sem dormir e se alimentando mal por aquilo.
. – Resmungou, apoiando o corpo nos braços e levantando a cabeça.
– Hum. – A mulher murmurou desatenta.
– Vem para cama, amanhã você termina isso. – Pediu.– Ou melhor, hoje mais tarde, já são 3:05 da manhã.
– Não dá, preciso terminar hoje.
– O que pode ser mais importante do que uma boa noite de sono? Você está sentada aí desde as duas da tarde. – reclamou.
– Um pai ter o direito de ver seu filho. – respondeu sorrindo.
– Okay, é por uma boa causa, você venceu. – O alemão riu abafado, com o rosto contra o travesseiro. – Ponto fraco de namorar uma advogada.
– Que seria? – Ela quis saber, afastando os olhos da tela para fuzilar o companheiro.
– Sempre perder nos argumentos. – gargalhou com a resposta dele, sentindo-se tocada por uma onda de amor quente e doce, ao ouvi-lo dizer aquilo com voz de sono. – Pode continuar, vou esperar você aqui. – garantiu. – Vou aquecer seu lado da cama.

O alemão sabia como a advogada adorava já se deitar com a cama quente, principalmente nos dias mais frios como aquele e para , era um prazer ter tempo para ajudar a companheira com aquilo. E uma vez já deitado do lado dela da cama, tinha a visão limpa e podia observá-la trabalhar.
As vezes se perguntava o que uma mulher tão incrível tinha visto nele, um cara normal com umas ideias um pouco fora da caixa. Era um piloto de Fórmula Um famoso, okay, mas era muito mais que isso, era uma mulher linda, uma deusa, e inteligentíssima ao mesmo tempo. Uma advogada capaz de defender qualquer um de qualquer coisa, mas que ao contrário da maioria dos outros, sedentos por dinheiro, usava todo seu conhecimento para ajudar quem realmente precisava. Além de saber várias línguas, ser engraçada e muito bem-humorada, simples, compreensiva e companheira. Tinha medo do dia em que a brasileira acordasse e percebe-se que ele era apenas o , sem nada de extraordinário, nada aos pés da rainha que tinha o prazer de chamar carinhosamente de .


2020

Fora um dia difícil, longo, estressante e cansativo, como quase todos os dias no escritório. aproveitava o momento de paz para relaxar enquanto maratonava a nova temporada de Drive to Survive, série documental sobre pilotos de Fórmula Um. Ansiara a semana inteira por aquele momento, o silêncio, um belo hambúrguer e ocupando a tela inteira.
A Lei de Murphy diz que qualquer coisa que possa ocorrer mal, ocorrerá mal, no pior momento possível. No exato momento em que o alemão sumia da tela para dar espaço a seu companheiro de equipe, alguém tocou a campainha insistentemente. A advogada decidiu não atender, quem quer que fosse não valia a pena naquele momento, nada era justo o suficiente para arrancá-la daquele sofá quentinho e da visão de . Mas a visita inconveniente não desistia e parecia cada vez mais concentrada em estragar seus planos. rolou os olhos com tanta força que quase se preocupou se eles voltariam ao normal, bufou chateada e se arrastou em direção a porta, não se importando em melhorar o semblante quando a abriu.
– Oie!. – e cumprimentaram animadas, adentrando o apartamento da advogada.
– Oi para vocês também. – estranhou, voltando para o sofá e se lançando nele, ignorando as visitas barulhentas. – Estamos assistindo Drive to Survive, preciso me concentrar no meu alemão. – Pediu.
– Está assistindo de novo? – questionou a outra enquanto ajeitavam as muitas sacolas que traziam sobre a mesa.
– Minha série de conforto. – sorriu. – Meu loiro alemão de conforto.

Por alguns instantes, a advogada quase esqueceu da presença das amigas na sala, estava tão confortável aninhada as almofadas do estofado que seu cérebro havia escolhido ignorar qualquer coisa que a tirasse daquele estado.
– O que você ainda está fazendo sentada aí? – bateu duas palmas, chamando a atenção da outra.
– Trabalhando. – ironizou, olhando para a amiga que tinha as mãos na cintura e as bochechas levemente coradas.– Que foi? – perguntou confusa.
– É quarta. – falou como se aquilo significasse algo.
– Não, eu não acredito que você esqueceu. – riu alto. – Não acredito. vai te matar.
– Por que ela... – estava pronta para contestar, até que o flash da última conversa com a amiga a atingiu como um soco. – Que merda.
– Como a diria, é o auge. – riu. – Que morte horrível.
– Ela chega em quanto tempo? – A advogada quis saber, pulando do sofá, tentando ajeitar as coisas ainda com seu hambúrguer nas mãos.
– Em uma hora, disse que não quer que ninguém a encontre no aeroporto por causa da bendita surpresa. – lembrou. – Para sua sorte, porque se a gente fosse buscar ela, quando chegássemos aqui você estaria de pijama, babando no . – Provocou sorrindo.
– Não tenho culpa se ela se esqueceu que pessoas normais trabalham durante a semana. – defendeu.
– E desde quando isso é trabalho? – Alguém riu.
– Já tentou assistir o na TV sem babar? Pois é, dá um trabalhão danado. – A advogada gargalhou, correndo para o quarto quando a arremessou uma almofada.


– Alguém comprou o amendoim? – gritou da cozinha para as amigas que organizavam a mesa na sala. – Se essa mulher chega aqui e não tem amendoim que ela pediu por duas semanas, ela volta para o avião.
– O amendoim já está aqui, rainha. – falou. – O amendoim, os salgados e o suco de morango.
– O jogo vai começar em meia hora e a playlist já está pronta. – anunciou se aproximando das outras duas. – Uma pena é ela gostar de forró, não aguento mais ouvir Barões da Pisadinha.
– Ela acabou de mandar uma mensagem no grupo, está subindo. – contou e em seguida franziu o cenho. – Pediu para nós a esperarmos sentadas no sofá, com calma.
– O que essa mulher está aprontando? – estranhou.
– Eu vou matar ela por me deixar ansiosa. – apertou os dentes enquanto beliscava uma coxinha.
– Será que ela ficou grávida ou coisa assim? – supôs, enquanto dava um tapinha na mão de , impedindo que ela surrupiasse mais comidas.
– Não, claro que não. – negou. – Ela contaria se fosse isso. Contaria, não contaria?
O grupo estava reunido na casa de para a pequena recepção de , que estava de férias pela Europa, num mochilão solitário e independente. Tinham muita fofoca para pôr em dia, presentes e lembranças da viagem pare serem entregues e muita saudade para matar.
A campainha tocou, anunciando a chegada da viajante.
– Eu vou abrir, vocês fiquem calmas. – pediu, aproximando a mão da chave. – Se pularmos nela, pode fazer mal para o bebê.
– Anda logo com essa porta, Carol. – ordenou impaciente.

girou a maçaneta com suavidade e ao abrir a porta, encontrou o olhar animado de .
– Eu cheguei! – A outra anunciou cantarolando.
– Até que enfim.– cantarolou de volta e puxou a amiga para um abraço.
– Espera, espera. – empacou na porta, fazendo as amigas congelarem no meio do caminho que faziam para abraça-la também. – Eu preciso dizer algo antes de entrar.
– Você está com algum vírus mutante? – questionou e a terapeuta negou com a cabeça. – Bactéria multirresistente? Germes? Doença contagiosa? Ebola? Peste Negra?
– Engravidou? – tentou adivinhar.
– O que? Não! Claro que não. – negou com uma careta. – Muito cedo para isso.
– O que é então? Que saco! Fala logo, está me deixando nervosa. – reclamou.
– Vocês precisam me prometer que vão ficar calmas, tranquilas. Quero que todo mundo respire fundo e que se sente. – Pediu a recém-chegada.
– Não vamos sentar, fala logo. – negou cruzando os braços sobre o peito e direcionando um olhar matador para a amiga.
– Bom, a escolha é de vocês. – deu de ombros. – Vocês se lembram quando disse que tinha conhecido uma pessoa interessante durante a viagem? – Ela perguntou e as três assentiram. – Bom, eu tenho a honra de apresentar a vocês meu novo namorado... – A outra fez uma pausa dramática e olhou para fora, autorizando com olhar que a pessoa que estava no corredor adentrasse o apartamento. – Surpresa!

esticou os braços, enfatizando a presença do homem como se ele fosse um tipo de escultura, o próprio Davi de Michelangelo. tocou o coração e caiu sentada no sofá, congelou, sem mexer sequer um músculo e empalideceu, não podia acreditar que o próprio Valtteri Bottas estava ali, dentro de sua sala, respirando o mesmo ar que elas.
– Eu estou alucinando? Devo estar vendo coisas, porque não é possível que o Valtteri Bottas esteja bem aqui, na minha frente. – A emoção reforçava o sotaque nordestino de . – , mulher, o que é isso? Deixa de tabaquisse.
– Parece loucura, e talvez seja mesmo, mas é verdade. – sorriu dando de ombros, segurando a mão do homem que observava tudo com olhar curioso, sem entender o que as mulheres falavam. – É uma história longa e eu vou contar para vocês, juro.
– Esse é o Valtteri da Fórmula Um? O que corre com meu cavaleiro negro? É isso? – questionou enquanto se beliscava.
– É, é ele, gente. – sorriu balançando a cabeça.
– Garota, você trouxe o Bottas para minha casa e nem me avisou? – a repreendeu, também sorrindo, com as mãos na cintura. – Está maluca, né?!
– Desculpe, eu quis fazer uma surpresa, achei que seria um bom jeito de contar. – Ela explicou.
– Algum problema? Está tudo bem? – Valtteri perguntou em inglês, ansioso. – Elas estão bem? Não estou entendendo.
– Não se preocupe, só estão surpresas por eu ter um namorado. – piscou para o namorado.
– O que ele disse? – quis saber.
– Ele está preocupado com vocês me odiarem por isso. – fingiu.
– Claro. – ficou de pé. – Mas depois a gente se acerta. – Ela ameaçou a amiga em português.
– Garota, vou te dar umas porradas. – riu de novo. – Oi, Bottas. – A advogada cumprimentou o piloto em inglês.
– Oi. – Ele sorriu.– Pode me chamar de Valtteri.
– Aí meu Deus, como que fala? – riu nervosa. – Ele não entende nada de português? Pelo amor de Deus, , você tá há meses com esse homem e não ensinou a ele ainda?
– Eu estava ensinando coisas mais importantes. – Ela piscou ladina e mordeu a ponta da língua.
– Oi, Bottas. – tentou imitar . – Tudo bem com você? – Quis saber em inglês.
– Oi, tudo bem cê? – Valtteri repetiu sorrindo a pergunta em um português atrapalhado.
– Tudo, tudo ótimo. – a riu enquanto respondia ao finlandês.

O grupo sentou-se à mesa para enfim comer todas as delícias brasileiras que haviam preparado, a música dos Barões da Pisadinha preencheu rapidamente o ambiente, se misturando a risadas e ao falatório que misturava português-espanhol-inglês. Valtteri Bottas rapidamente se enturmou ao pequeno grupo, até ria das piadas delas e tentava reproduzir algumas falas em português.
– Ainda não consigo acreditar que você está namorando. – suspirou. – E ainda por cima, namorando o Bottas.
– Se você não consegue acreditar, pense como eu fico todos os dias quando rolo na cama e esbarro no corpo dele. – riu e piscou para o homem, que ouvia a tradução simultânea da conversa feita por .
– Ela fica me encarando quando acorda primeiro, sempre me assusto. – O finlandês contou.
– É claro. – riu. – Eu acordo todos os dias com um homem loiro, lindo e famoso do meu lado.
– Ela é sempre romântica assim? – O homem gracejou, beijando a namorada.
– Aí, que fofos. – sorriu. – Então foi por isso que você adiantou sua volta? Achei que ficaria mais duas semanas viajando.
– Eu voltei por ele. – assentiu mordiscando um pastel e oferecendo a Valtteri.
– Como assim, do que a senhorita está falando? – franziu o cenho.
– Uai, a corrida. – Ela deu de ombros. – Vocês se esqueceram de interlagos? – Perguntou a outra de cenho franzido.
– Puta que pariu. – xingou. – Não acredito nisso.
– E agora? Aí meu Deus, mentira que você vai para a corrida como namorada de piloto. – riu alto.
, você está intimada a conseguir autógrafos de todos os pilotos para suas amigas. – ordenou assim que traduziu a conversa para Valtteri.
– Eu estou chique, né? – gargalhou. – Nunca imaginei que eu, , um dia iria para uma corrida de mãos dadas com um piloto.
– Com o melhor piloto. – Valtteri brincou, depois que traduziu a fala da mulher.
– O campeão do meu coração. – declarou ao beijá-lo. – Enfim, como eu ia dizendo sobre a corrida, não vou pedir autógrafos para ninguém. – Ela deu de ombros, fingindo desdenhar do pedido da amiga.
– O que? – arregalou os olhos.
– Tem gente que perde o amor à vida, mesmo. – se revoltou, pondo-se de pé.
– Alguém me segura? – esbravejou, também ficando de pé. – Vou usar o que eu aprendi na faculdade de medicina contra ela.
– Ou vocês podem me esperar concluir. – gargalhou. – Eu não vou pedir autógrafos para vocês, porque vocês vão com a gente para Interlagos. – Ela piscou.
– Aí que minha pressão foi lá no pé. – se lançou sobre a cadeira, colocando teatralmente a mão sobre a testa.


Presente

– Você não vai acreditar! – exclamou, pulando no pescoço do piloto assim que pisou em casa.
– O que? O que aconteceu, ? – sorriu, envolvendo a cintura da advogada com os braços.
– O juiz deferiu o pedido, ele vai poder ver o filho. – Contou.
– Que incrível! Nossa, isso é muito bom! Imagino o quanto ele deve estar feliz. – O alemão comemorou.
– Não é? Nossa! Eu estou muito feliz, você sabe que não costumo ficar falando dessas coisas, mas nossa...– gargalhou, cobrindo o rosto do companheiro de beijos.
– Que orgulho da minha mulher. – sorriu, segurando o rosto da mulher. – Que orgulho! – Exclamou e a beijou.
– Da sua mulher? Eu acho que gostei disso. – sussurrou, com os lábios apertados contra os lábios dele.
– Gostou? Posso repetir a noite toda. – Garantiu, mordendo o lábio de , puxando-o para si. – Minha mulher. Você é a minha mulher, que eu amo.
– Nunca achei que fosse ficar tão feliz por ouvir um pronome possessivo atrelado a minha pessoa. – Gargalhou.
– É o que você recebe quando rouba a água de um homem. – brincou, relembrando o jeito com que haviam se conhecido.
– E o que eu recebi? – A advogada estreitou o olhar, levantando o queixo.
– Um alemão completamente e irrevogavelmente caído aos teus pés. – Declarou ele.


2020

– Até que enfim, achei que só fossemos conseguir chegar no paddock para a corrida do ano que vem. – resmungou assim que chegaram ao autódromo, depois da longa viagem do Rio de Janeiro até São Paulo. – Vocês acham que vão ter famosos lá?
– Calma, ela perguntou isso mesmo? – inclinou a cabeça. – Os pilotos não são mais suficientes para você? Começou a namorar o Valtteri e ficou metida? – Indagou rindo, enquanto empurrava a amiga pelo ombro.
– Vocês têm noção que estamos elevando o nível? Que isso é praticamente uma fanfic? – disse, caminhando de costas para olhar para as amigas. – Imagine que sua amiga é namorada do Bottas e te leva para uma corrida de Fórmula Um no Brasil. – Ela fingiu contar a história.
– E você, com um coque frouxo e tomando café, fica perdida e quem te ajuda é o Pp. – completou. – Quem vai ser o Pp?
– O Lewis Hamilton. – respondeu rápido. – E aí ele já te joga na parede, te agarra...– cobriu a boca da psicóloga de repente.
! – As três a repreenderam enquanto sorriam amarelo para algumas pessoas que passavam.
– Gente, me deixa, é a verdade. – reclamou. – Tenho certeza que é o que vai acontecer.
– Isso é só fanfic, amiga. – riu. – Nunca vai acontecer. Primeiro, porque eles são comprometidos, segundo porque é isso...nós não vamos viver uma fanfic com os pilotos, nos apaixonar e casar numa ilha grega.
– O de vocês é casado, o meu não. – Ela corrigiu. – Sonhar ainda não paga, tá?!


De todas as coisas que passaram pela cabeça da advogada carioca quando a amiga disse que lhes faria uma surpresa, apresentar o namorado piloto de Fórmula Um era a mais fora da realidade. apresentar um namorado era algo difícil, a maioria dos casos não passavam de mensagens e flertes, apresentar um namorado famoso, piloto de um esporte tão amado por elas era quase a chegada ao paraíso. estava feliz, gostava de ver todos felizes e animados, gostava de pensar que a vida era melhor assim. A advogada sempre soubera aproveitar o melhor da vida, amava viajar, conhecer pessoas e lugares, vivia a vida com leveza, mas sempre com os pés no chão. Se orgulhava de pensar com praticidade, de sempre pesar os prós e contras, de muitas vezes ser a parte racional daquele quarteto.
Já tinha desistido da fábula do príncipe encantado, mesmo vivendo uma fanfic como aquelas, entendia que relacionamentos eram consequências e que o amor era construído, nada funcionava com nas histórias ou nos filmes, nada fluía como era romantizado. Adorava discutir entre as amigas o quanto a romantização das relações e o estereótipo de mulher romântica e sonhadora atrapalhava as lutas por igualdade de gênero.
Vinha de uma família cheia de mulheres fortes, por isso aprendera a gritar mais alto, a não silenciar, usando quase sempre o deboche como resposta. era a amiga que sempre chamavam durante as brigas, não apenas por ser advogada e conseguir livrar , e da cadeia, mas por sua maneira sutil e cirúrgica de saber exatamente o que dizer.
Estavam tomando uma bebida no motorhome da Mercedes, aproveitando que os treinos livres ainda não haviam começado. Algumas figurinhas carimbadas da Fórmula Um estavam por ali, mas a maioria eram membros da escuderia. Lewis Hamilton e Valtteri Bottas estavam ocupados com seus afazeres e ainda não haviam dado as caras no lounge.
– Aí, gente, já vi tanto isso pela TV. – suspirou. – Parece que estou sonhando.
– É a segunda corrida que vou com o Valtti, mas aqui no nosso país a coisa é diferente. – contou, cruzando as mãos sobre o abdômen. – A emoção é diferente.
– Um brinde a Fórmula Um e tudo que ela nos proporciona. – puxou.
– As amizades que ela proporcionou. – lembrou.
– As fanfics. – riu.
– Aos namorados. – completou.
– A Fórmula Um! – Brindaram juntas.
– Sou só eu ou está um calor do cão aqui? – se abanou. – Acho que preciso de um doce.
– Eu estava procurando você. – Valtteri surgiu de repente, aproximando-se do grupo.
– Oi, meu lindo. – o beijou. – Estamos aqui, aproveitando a vista, vendo gente famosa. – Disse em inglês.
– E já viram muita gente? – Ele sorriu.
– Só algumas namoradas de pilotos. – piscou.
– Gente, vocês não estão com calor? – quis saber.
– E isso é porque ela ainda nem encontrou Lewis Hamilton. – provocou e traduziu para Bottas.
– Para, palhaça. – empurrou a amiga pelo ombro.
– Vou apresentá-lo a vocês depois, já o conhece. – Valtteri segurou a mão da namorada com as duas mãos. – Ele está curioso.
– O que ele disse, gente? Do que vocês estão falando? – perguntou curiosa.
– Ele disse que estava procurando a gente e perguntou se já vimos alguém legal, depois disse que vai nos apresentar para o Lewis. – traduziu.
– Chama o Samu, pode chamar. – anunciou. – Tô avisando, gente. Pode chamar, porque vou precisar. Já estou botando fogo pelas ventas, imagina se eu encontro esse homem.

Valtteri e começaram a falar coisas fofas um com o outro, fazendo com que as amigas desviassem o foco do casal por vergonha alheia.
– Amiga, o que você tem? Está branca. – alertou.
– Aí eu acho que não estou bem não, minha pressão deve ter caído. – falou. – Esse champanhe está até com gosto ruim.
– Você por acaso comeu alguma coisa antes de virmos para cá? – indagou com o semblante franzido.
– Ai, para ser sincera, não.
– Amiga, é por isso que você está cheia de pedras, me assusta não serem de crack. – balançou a cabeça negativamente, fazendo alusão as pedras nos rins que tinha.

Antes que pudesse responder a provocação, sorriu de canto, revirou os olhos e desmaiou, sendo amparada pelos braços ágeis de Valtteri num reflexo surpreendente, e despencou desfalecida.

– Não acredito que viemos do fim do mundo para ver o treino livre e vamos perder porque estamos na emergência. – resmungou cruzando os braços.
– Esse desmaio me surpreendeu de verdade. – disse em português, enquanto observava a amiga desacordada na maca. – Acordou. – Avisou. – Mulher, você quase faz nosso coração sair pela boca.
– Que bom que você acordou. – sorriu.
– Quem diria, aparentemente Fórmula Um e álcool fazem mal a você. – debochou.
– Cala a boca. – resmungou, ainda tentando acordar totalmente.
– Eu vou chamar o médico. – avisou, se afastando do grupo.
– Rapaz, o que aconteceu? – questionou preocupada. – Você já tem uma pedra nos rins, está querendo ter duas agora? Vamos ter que deixar você de castigo até comer direito? Beber água?
– Aí, foi bom você ter dito isso. – sentou-se na maca.– Estou morta de sede.
– Não dá para esperar até o médico vir? – indagou.
– Não, amiga. – Ela negou. – Por favor, minha boca está muito seca.
– Deve ser seu corpo implorando por ajuda para sobreviver, nem ele aguenta mais beber só refrigerante e cerveja. – rolou os olhos. – Vou atrás de água para a princesa.

chacoalhou a cabeça e se afastou das amigas. Não tinha ideia de onde poderia encontrar água, nem onde poderia comprar, percorreu todos os corredores daquele espaço sem encontrar uma mísera gota, devia ser um crime não ter água de fácil acesso no auge do calor do Brasil.
Estava cansada, as pernas já reclamavam e àquela altura, já estava morrendo esturricada. Pense, ordenou a si mesma, use a cabeça. A advogada parou de andar, concentrando-se em observar o espaço a sua volta, passando os olhos por cada centímetro, até que enxergou uma sala com porta entreaberta. A sala aparentemente estava vazia, tudo que podia ver de seu interior era uma mesa simples com algumas garrafas de água. comemorou o achado com um suave e sutil soco do ar, sorrateiramente se esgueirou para dentro, estava tão feliz que podia ler “beba-me” nas garrafas.
– Olá, aguinha. – Ela disse enquanto roubava algumas garrafas. – Digam olá a Alice. – Gracejou.
– Ei, isso é meu. – Uma voz masculina a repreendeu em inglês.

A advogada sentiu o corpo gelar de susto e vergonha, lentamente girou o corpo em direção a voz, sorrindo amarelo.
– Essa água é minha. – Ele repetiu, apontando para as garrafas nos braços dela.

não pode responder, esqueceu o que devia dizer, esqueceu até a razão de estar ali. Bem na sua frente, apontando para ela, a advogada estava levando uma bronca de ninguém menos que .
. – Ela balbuciou embasbacada.
– Sim, e você está com a minha água. – Ele a lembrou.
– Ah! – exclamou, ainda tonta, percebendo o volume gelado que segurava junto ao corpo. – Sua água, claro, a água.
– É. – O alemão esticou a mão em direção a ela. – Minha água. – Ele enfatizou.
– Sabe o que é? – tentou explicar. – Eu preciso muito dessa água e não achei mais em lugar nenhum. É uma questão de vida ou morte.
– Mas essa água é minha, eu também preciso dela. – Ele retorquiu.
– Mas eu preciso mais. – acentuou. – Caso de vida ou morte.
– Peça e alguém vai te conseguir água.
– Eu não acredito que você está me negando água. – A advogada arqueou a sobrancelha.
– Não estou te negando água, estou negando a minha água. – Ele enfatizou.
– Eu não acredito que vou dizer isso. – suspirou e piscou repetidas vezes. – Eu amo você, mas essa água é minha. Tenho vinte e três anos de Rio de Janeiro, sinto muito. – Deus as costas e saiu da sala a passos rápidos, o deixando embasbacado.


– Onde ela está? Eu acho bom a me agradecer muito por essa água, porque eu literalmente acabei com todas as minhas chances de fanficar para conseguir isso. – contou ao entregar as garrafas para .
– O que houve? Você demorou e parece que correu uma maratona. – questionou.
– Não posso contar agora, se eu contar eu choro. – juntou os cabelos e tentou se abanar com a mão. – Não acredito que eu fiz o que eu fiz.
– Amiga, o que houve? Você parece prestes a chorar e a bater em alguém a mesmo tempo. – tocou o ombro da advogada.
– Ai, nem eu sei o que estou sentindo. – A advogada suspirou e cobriu o rosto com as mãos, apoiando-se a uma parede. – Eu literalmente roubei essa água.
– Você o que? – , que voltava a se unir ao grupo depois de entregar a água para , questionou de boca aberta.
– Tinha dono, mas eu precisava, então peguei. – contou. – Mas não peguei toda a água, haviam mais garrafas.
– Eu tô começando a ficar preocupada. – franziu o cenho. – Como exatamente isso aconteceu? Porque você é a advogada, se você for presa, lascou.
– Vi a água, eu entrei e peguei, mas tinha alguém lá que disse ser dono das garrafas. – Esclareceu. – Eu disse que precisava e ele não aceitou, então eu disse que tinha vinte e três anos de cria no Rio de Janeiro.
– Misericórdia. – riu alto. – Desculpe, amiga.
– Posso perguntar quem era o dono dessa água? – Valtteri quis saber depois que traduziu todo diálogo.
– Aí, meu coração chega sangrar. – Choramingou. – Morre a inesquecível.
– Anda logo, , para com esse aperreio. – reclamou, apressando a amiga.
– Do . A água era do .
– Mentira. – As amigas disseram juntas.
– Espera, você está dizendo que tretou com o por garrafas de água? – repetiu. – Gente, o que falta acontecer hoje? Meu Deus, essa fanfic está dando muito errado.
– Minha gente, o é legal. – tocou o coração, atônita. – Eu fui iludida?
– Não, o é uma boa pessoa. – Valtteri interveio. – Não me parece o tipo de coisa que ele faria.
– Eu acabei de destruir minha fanfic. – lamentou. – Eu literalmente roubei a água do .
– Eu nunca falei com ele, mas agora estou com um suave ranço. – franziu os lábios num bico. – Ninguém nega água a uma amiga minha e briga com a outra. Vou dar na cara dele. – Avisou ao namorado.
– Calma, tenho certeza que tudo isso tem uma explicação. – Valtteri tentou acalmar os ânimos. – está passando por uma fase difícil, turbulenta. Vai sair da Ferrari no final da temporada, se separou...
– Se separou? – interrompeu o finlandês.
– É, ainda é muito recente, poucas pessoas sabem. – Ele explicou. – Ele está literalmente no olho de um furacão. Claro que isso não justifica a atitude dele, mas...– O piloto deu de ombros.
– Quando você ficou tão fofoqueiro? – riu.
– Eu sempre fui, só que ninguém me deixava falar. – Valtteri arqueou as sobrancelhas.
– Amiga, tua fanfic não está perdida por completo, talvez só tenha mudado o plot. – tentou acalmar a advogada.
– Como, amiga? Eu briguei com ele, ele me odeia agora. – lamuriou.
– Pensa, maga, no final todo mundo gosta de uma fanfic de amor e ódio. – gracejou e os lábios de tremeram com o choro que surgia.
– Ai meu Deus! – , e Valtteri disseram juntos.


Presente

estava deitado, acariciando a cabeça da companheira com cuidado, suas respirações estavam compassadas e calmas, os corações, separados apenas por seus ossos e carne, batiam juntos. Deitada no peito do amor de sua vida, sorria, ainda de olhos fechados, lembrando carinhosamente do percurso até ali, de todas as curiosidades impossíveis e dos golpes do destino.
Se dissessem a ela que estaria ali, nos braços de , depois de uma noite de mais intenso amor, teria rido e rido muito. Mas essa era justamente a graça da vida, sua imprevisibilidade, nunca saber o que está realmente prestes a acontecer, e perceber que tudo só é tão bom porque todos seus planos deram errado.


2020

- Eu acho que nunca tiraram tantas fotos minha em um dia só. - comentou, enquanto caminhavam rumo a saída do motorhome. – Foram fotos, Stories, eu saí com a cara no Instagram de todo mundo.
- Será que alguém está falando da gente no Twitter? - pensou.
- Imagina, uma thread sobre quem são as mulheres brasileiras com o Valtteri Bottas. – riu alto.
- Seria uma thread sobre a mulher que veio do Rio de Janeiro para roubar a água do . – implicou, sendo empurrada por .
- Cala a boca. - A advogada resmungou. - Eu já estou péssima com isso.
- Amiga, pelo menos você conheceu ele. – tentou amenizar, segundo o riso.
- Ah, claro...- rolou os olhos. – Preferia não ter conhecido.
- Amor, você ouviu o que o Valtti disse, ele está passando por uma fase difícil, daqui a pouco isso passa, a lembrança do dia de hoje passa e Valtteri apresenta vocês de novo. – sorriu docemente. – Agora, vamos logo lá para baixo, o treino já acabou há uns vinte minutos. – Lembrou. – Vamos procurar meu homem para irmos para casa e dar bastante vinho e amor para a .
- Vocês ouviram isso? – gargalhou. – Meu homem.
- A que ponto chegamos. – balançou a cabeça negativamente. – As vezes o brasileiro paga um preço muito alto por não ser surdo.
- Amor, por favor, não desligue o telefone. – cantarolou, guiando as amigas pelo corredor que dava acesso as escadas. – Eu sou sua mulher e você é o meu homem.
- Não acredito, nem admito, que você me abandone. – puxou e a acompanhou, enquanto desciam as escadas. - Vou a delito, faço um conflito, pra não perder meu homem...

De repente, a advogada, empolgada com a canção, tropeçou nos próprios pés, como um pedaço de matéria inanimada, rolou os cinco últimos degraus da escada, chocando-se com violência no chão do último pavimento. Rapidamente, a mulher fora acudida por suas amigas, que a rodearam enquanto tentavam não rir.
- Amiga do céu. – ajudou a advogada a levantar-se. – Você está bem, se machucou?
- Acho que não, não sei. – piscou, um pouco tonta. – Meu nariz está sangrando? Acho que bati o rosto.
- Aparentemente, não. – observou.
- Sempre soube que a Alcione era de tombar, mas não que era no sentido literal. – desviou o olhar, rindo abafado.
- Ri mesmo, não foi com você, né? – retrucou enfezada.
- Estou rindo com muito respeito, amiga. – A outra se defendeu. – Pelo menos está vazio aqui, ninguém além de nós viu isso.
- Graças a Deus, isso era o que faltava para o meu dia. – se esticou, ajeitando a postura e levantando o rosto. – Imagina, sair na internet como a mulher que roubou a água do e levou o maior tombo no motorhome da Mercedes.
- Jesus! – exclamou, cobrindo a boca.
- Ah não. – tentou conter o riso. – Ah, não.
- Posso saber por que as palhaças estão rindo? – questionou, irritada.
- Amiga...- tentou recuperar o fôlego entre uma risada e outra. – Aconteceu uma coisa. Eu tô rindo com respeito, juro.
- Que coisa? O que foi? – tocou o rosto, preocupada.
- Digamos que você vai ter que ficar um tempo sem tirar uma selfie sorrindo. – gracejou, tentando morder a boca e conter a risada.
- Do que você está falando? – A advogada buscou o celular no bolso e abriu a câmera frontal. Quando enxergou o espaço vazio onde ficavam dois de seus dentes, não pode conter o grito.
- Meu Deus, agora com esse grito eu não dou dez minutos e vão ter mil jornalistas aqui. – avisou.
- E não acredito nisso! – chorou. – Como vou fazer agora? Não acredito que isso aconteceu! Eu quero morrer!
- Calma, não é tão ruim. – tentou amenizar. – Pensa que podia ser pior.
- Pior que ter dois dentes quebrados? – A advogada apontou para a própria boca.
- Podia ser o nariz, pense nisso. – lembrou. – Eu mandei uma mensagem para o Valtti, ele vai encontrar a gente aqui.
- É, , é só você não rir. – aconselhou, tentando segurar o riso.
- Será que vocês podem parar de rir de mim? Eu estou sofrendo.
- Amiga, perdão, mas não tem como. – negou gargalhando, com as mãos na barriga. – Estamos com você, mas não tem como não rir.
- Eu odeio vocês. – resmungou, chorosa enquanto tentava não rir de sua desgraça.
- Vem, vamos sair. – chamou. – Vamos antes que chegue alguém.
- Espera, e o meu dente? Tenho que encontrar os pedaços. – A advogada lembrou.
- de Deus, como a gente vai achar pedaços do seu dente aqui. – pôs as mãos na cabeça. – Com a velocidade que tu desceu rolando aquela escada, fez até a volta mais rápida desse circuito.
- Muito engraçada, . – rosnou. – Vai ajudar ou vai ficar só debochando?
- Amiga, eu acho que achei. – gritou, apontando para a escada.
- É ele mesmo. – confirmou, recolhendo o pedaço. – Agora falta o resto, deve ter mais um pedaço só, pelo tamanho desse aqui.
- E você vai levar isso como? – indagou.
- Ué, vou segurar. – A advogada balançou a mão fechada, com simplicidade.
- Amiga, eu achei outra parte. – avisou. – Quase pisei nela.
- Você não ouse pisar no meu dente. – ameaçou, recolhendo o outro pedaço.
- Se isso é tudo, vamos logo, temos que esconder esse buraco que você fez na boca. – provocou.
- Eu queria lembrar que sou advogada, sei sair impune de um homicídio. – ameaçou, erguendo um dedo, enquanto deixavam o motorhome. - Formada em todas temporadas de How to Get Away With Murder. – gargalhou.

As quatro tentavam ser o mais sutil que conseguiam, olhando para o chão e caminhando depressa para fora do motorhome, até que uma voz as chamou em inglês.
- Finge demência. – orientou. – Não é com a gente.
- Ei! – A voz chamou de novo.
- Gente, nem olhem naquela direção. – pediu.
- Ei, mulher da água. – A voz chamou mais uma vez e congelou no lugar.
- Eu não acredito.
- Não acredita no que? Continua a andar. – pediu de novo.
- É o Sebastian. – constatou.
- Fala sério, não tinha outro momento para ele aparecer aqui. – resmungou.
- Oi. – O piloto cumprimentou ao se aproximar. – Estava a sua procura.

apertou os lábios, tentando conter as palavras que se formam em sua boca, e acenou com a cabeça.
- Queria me desculpar pelo que houve hoje mais cedo. – Ele disse. – Eu fui rude, não costumo ser possessivo com garrafas de água, mas estava irritado e acabei descontando na pessoa errada. – Explicou com um sorriso estonteante.

A advogada balançou a cabeça positivamente e sacudiu a mão, como quem diz que não foi nada.
- Eu soube depois que queria a água para uma pessoa que se sentiu mal. – continuou. – Me senti muito pior por isso. Realmente sinto muito pelo que houve.

Ela nada respondeu, apenas mantinha os olhos fixos nele, tentando sorrir sem mostrar os dentes.
- Tudo bem, então. – Ele suspirou. – Acho que podemos começar de novo. . – O piloto ofereceu a mão, apresentando-se. – Não vai dizer nada? – Questionou depois de alguns instantes de silêncio.
- . – Ela sussurrou, baixando a cabeça para que ele não percebesse a falha em sua boca.
- É um prazer, . – Ele sorriu desconfiado. – Você é amiga do Bottas, não é?

tentou puxar algum assunto, mas a mulher apenas assentiu.

- Olha, eu sei que negar água daquela maneira não foi legal, mas já passou, não é? – Ele retomou o assunto. – Não precisa não falar comigo por isso.

uniu as sobrancelhas tentando se expressar, se arrependendo de não ter estudado alguma língua de sinais antes daquele dia.

- Tudo bem, eu entendo. – levantou as mãos, em rendição. – Não quer conversa.

olhou nervosamente para as amigas, embasbacadas atrás dela, implorando silenciosamente por alguma ajuda.
- , oi. – se aproximou. – Namorada do Valtteri, é um prazer. – Disse rápido. – É que a minha amiga está com um problema sério de voz.
- Problema? – Ele franziu o cenho.
- Sim, muito sério. – enfatizou, surgindo atrás da advogada. – Inclusive, eu sou a médica dela, viemos aqui para busca-la.
- Que problema?
- É...é uma...uma cefaleia raquidiana. – respondeu embolada.
- É, uma cefaleia raquidiana... – encarou amiga com olhar nervoso e arregalado. – Bem na cabeça. Afeta as cordas vocais, uma loucura.
- É, muito sério. – confirmou. – Inclusive aquela ali é uma psicóloga que precisamos chamar, porque é uma coisa que realmente pode afetar a mente de alguém, sabe? Ficar sem falar, sem se expressar.
- Ah, claro. – assentiu. – Eu entendo.
- Oi, o que está...- Valtteri indagou ao se aproximar do grupo, confuso e alheio a toda aquela farsa.
- Meu amor, que bom que chegou. – se aproximou do namorado. – Estávamos te esperando para levar a ao médico.
- Médico? Mas ela não tinha quebrado...ai! – O piloto reclamou quando beliscou seu braço, sinalizando para que ele ficasse em silêncio.
- É, sabe, o problema na voz. – continuou. – Piorou muito.
- Piorou. – Valtteri assentiu. – Eu vou...vamos para o hospital? – Falou confuso.
- Foi um prazer, . – acenou. – gostaria de dizer que também foi um prazer.
- Igualmente. – Ele acenou com uma mão, ainda confuso. – Se cuide.

O grupo se afastou a passos rápidos, para o mais longe de possível.
- Fala sério, . – chamou atenção da amiga. – Cefaleia raquidiana?
- O que? Eu precisei pensar rápido, isso era a única coisa em inglês que me veio à cabeça, além de dentes, é claro. – riu. – Depois a explica para ele o que houve de verdade.
- Gente. – empacou no lugar, há alguns metros de distância da saída. – Eu perdi os pedaços do meu dente.


Presente

balançava o pé nervosamente, as pessoas ao seu lado já começavam a lançar olhares atravessados ao alemão, que naquele momento só queria fugir dali, correr para o mais longe possível e se esconder do mundo. Alguns pilotos estavam reunidos para conversar com repórteres antes do Grande Prêmio de Emilia Romagna e ele sabia muito bem para onde o resto das perguntas se encaminharia, direto para seu desempenho nas últimas duas.
Não estava feliz, era justamente o ser humano que menos gostava daqueles resultados, mas entendia que era uma questão de adaptação provavelmente, que tudo se resolveria em breve e que só precisava de um pouco mais de tempo. Era o que pensava e era o que sempre dizia, tinha certeza que a brasileira diria exatamente aquilo se tentasse falar com ela naquele instante.
Mas infelizmente, a internet, os críticos e a mídia parecia não compartilhar daquela opinião, para alguns, sua carreira estava acabada e ponto final, estava tomando volta de Lance Stroll...um pentacampeão...sendo usado para testar pneus numa pista quase seca durante a corrida...reduzido a isso.
O problema não era Lance Stroll, claro que não, Lance era figura carimbada em sua casa desde que havia começado um relacionamento com , uma das melhores amigas de . Era um cara legal, discreto, engraçado, boa companhia e um ótimo parceiro de equipe, o problema definitivamente não era Lance Stroll.
- . – Um jornalista chamou, atraindo sua atenção. – Depois do comentário do Berger, sobre você não conseguir trabalhar bem sob pressão e outros comentários que você devia ter tirado um ano sabático, como você avalia sua estreia pela Aston Martin? Acha que precisava descansar depois dos anos difíceis na Ferrari? – O homem quis saber.

abriu a boca, mas não sabia o que dizer, esqueceu como pronunciava qualquer palavra em inglês, sentiu a boca seca e um enorme branco invadiu sua mente. Tudo que enxergava eram as inúmeras câmeras apontadas para si, os olhares inquisidores e as mãos agitadas, escrevendo, digitando. Com certeza devia estar com uma gigante cara de bobo na frente de toda aquela gente, sem nem saber como responder aquela droga de pergunta. Sentiu a parte de trás de seus joelhos suando, sua nuca e a testa, e nem sinal de qualquer ideia de resposta.
Até que, como um navio que ao se aproximar do porto é recebido pelo clarão de um farol, os olhos perdidos e confusos de se encontraram com os atentos e intensos de . De repente, era como se tudo se silenciasse, todo barulho dentro e fora de sua mente, como quando durante um pesadelo, alguém acende a luz.
assentiu com a cabeça duas vezes, mantendo o olhar firme de que ele tanto precisava no momento, o olhar que dizia que ele podia qualquer coisa, que transmitia apoio e confiança nos momentos mais difíceis. sorriu de canto, discretamente, e baixou a cabeça, fechando os olhos por alguns instantes antes de responder à pergunta.
- É muito cedo para dizer, muito cedo. – O alemão respondeu com voz calma e firme. – Tivemos alguns problemas no carro e ainda estamos indo para a terceira corrida da temporada. É cedo fazer qualquer avaliação, existem muitas coisas para acertar, a orquestra precisa ser afinada e isso não acontecem em algumas horas.

Assim que respondeu, seu olhar procurou o de instintivamente, e sorriu quando enxergou no fundo da sala o sorriso grande da companheira.

- Você foi ótimo. – beijou o piloto assim que ele se aproximou. – Que pergunta mais idiota. Por que eles não perguntam sobre outras coisas, sobre coisas interessantes e realmente relevantes?
- É só o trabalho deles, é o que vende. – deu de ombros, estava bem mais relaxado depois que saíra do foco das câmeras.
- Daqui a pouco eles param de pegar no seu pé, . É só uma questão de tempo. – , que acompanhava a amiga sorriu.
- É, eu sei. Vai ficar tudo bem. – concordou, buscando o olhar de .
- Vai, vai sim. – Ela sorriu, beijando o marido.


2020

- Será que eu consigo outra bebida dessa? – perguntou para as amigas, encarando a taça, já levemente embriagada.
- Vamos descobrir? Quero mais também, hoje é dia de encher a cara. – concordou, pondo-se de pé, rumo ao bar e puxando a amiga com ela.

O grupo estava no paddock, o treino classificatório havia acabado a pouco, coroando os pilotos da Red Bull como com as primeiras posições, por isso, os ânimos das amigas não eram dos melhores com a Racing Point indo mal, Mercedes com problemas nos carros e a Ferrari sendo a Ferrari.
Enquanto acompanhava as amigas deixarem a garagem, rumando a algum lugar onde conseguisse uma nova rodada, a atenção da advogada foi capturada pelo vibrar de seu celular. Durante os dias em São Paulo quase se esquecera que tinha uma vida e um trabalho na vida real, fora de toda aquela atmosfera de fanfiction em que se encontrava.
- Sim.
- Oi, desculpe te incomodar na sua folga, estamos com um problema. – A secretária do escritório contou do outro lado da linha.
- O que? Espera, não estou ouvindo você. Muito barulho, vou procurar um lugar mais silencioso. – A advogada pediu, se afastando e caminhando pelo paddock.
- ? – A secretária chamou.
- Não estou te ouvindo, espere um pouco. – Pediu novamente.

A advogada percebeu um corredor vazio e se esgueirou para dentro dele, mas as vozes ainda causavam muita interferência a ligação. No final do corredor havia uma porta, permitido a entrada apenas para pessoas autorizadas, dizia o aviso preso a ela. Mas uma advogada sempre estava autorizada, deu de ombros e abriu a porta, que estava escorada.
- Pronto, pode falar. – Disse ao telefone. – Alô! Oi! Não acredito que a ligação caiu. – Reclamou.
- Pelo amor de Deus, mulher! – , que estava dentro do pequeno cômodo gritou de susto, tocando o peito.
- Pelo amor de Deus digo eu! – A advogada também pôs a mão sobre o coração, mas o motivo não era exatamente o susto. – Caramba, que susto.
- O que você está fazendo aqui? – Ele quis saber de cenho franzido.
- Vim atender uma ligação importante, mas aparentemente aqui não tem sinal. – Falou mostrando o celular. – E você?
- Me acalmar. – O piloto bufou.
- Não é fácil ser piloto da Ferrari. – riu fraco.
- Está acabando, saio no final da temporada. – Ele lembrou.
- Eu sei, acho que vai ser bom, tem tudo para dar certo. – tentou animá-lo e sorriu. – Você vai correr com Lance Stroll, vai receber o que merece, ser valorizado de novo. – A mulher sorria enquanto falava e gesticulava.
- Obrigada, eu espero mesmo que sim. – sorriu.
- Vai, eu tenho certeza. Vários pódios, pole positions...- enumerou e num ímpeto de empolgação, enquanto gesticulava, esbarrou a mão na porta e um barulho de tranca pode ser ouvido, congelando o sangue dos dois. – O que foi isso? – Perguntou confusa.
- Não. – arregalou os olhos. – Não, não. Não me diga que você fechou a porta.
- Por que? Eu só esbarrei nela. – A advogada se defendeu, encarando a grande porta de ferro.
- Não viu que ela estava escorada quando entrou aqui? – Ele quis saber, enquanto tentava forçar a fechadura.
- Vi, mas...
- Essa porta está com algum problema, ela não abre por dentro. – O piloto contou, apontando irritado para a maçaneta.
- Ai, não. – se desesperou, tentando também abrir a porta. – Já sei, vou ligar para minhas amigas.
- Não tem sinal. – lembrou. - Ai, que fim horrível. – A advogada choramingou. – O que nós vamos fazer agora? – Perguntou, apoiando o corpo em uma parede.
- Torcer para alguém sentir nossa falta e vir nos procurar. – deu de ombros, rolando os olhos.
- Mas esse lugar é enorme, como vão saber que estamos aqui? – Ela endireitou a coluna, concentrando-se na porta. – Tem que ter algum jeito de sairmos daqui.

pôs-se a revirar o pequeno cômodo, tentando encontrar algo que pudesse usar de alavanca para sair daquele lugar horrível, enquanto a assistia, sem esboçar qualquer reação.
- Você não vai mesmo ajudar? – Ela perguntou, enfezada.
- Não, porque não tem o que fazer. – Ele disse com simplicidade. – Não adianta gritar, não tem nada aqui que podemos usar.
- Ei! Aqui! – gritou, batendo na porta. – Socorro! Estou aqui!
- Você pode parar?! – tentou impedir a advogada, pondo-se a frente dela e cobrindo as orelhas. – Que parte do não adianta gritar você não ouviu.
- E você quer que eu fique aqui presa, sem dizer uma palavra, só esperando alguém perceber que sumimos?
- Sim, é exatamente isso que eu quero, em especial a parte de não dizer uma só palavra – Ele enfatizou.
- Eu não sei como você pode ficar tão calmo nessa situação, mas eu não consigo. – A advogada falou. – Preciso sair daqui, e não consigo ficar calada.
- Não é a primeira vez que isso acontece, logo alguém abre a porta. – O piloto deu de ombros e sentou-se sobre uma pequena mesa, nos fundos do cômodo.
- Não é a primeira vez? – arqueou uma sobrancelha. – Você já ficou preso aqui com outras pessoas?
- O que? Não! – gargalhou. – Claro que não. Mas já fiquei preso aqui antes, gosto de vir aqui pensar, colocar a cabeça no lugar, as vezes a porta se fecha.
- Você não tem um lugar especifico para isso? Seguro, contra aprisionamento involuntário? – A carioca franziu o cenho, confusa.
- Tenho, mas se fico lá, as pessoas sabem onde eu estou.
- E você não quer que as pessoas saibam? – A mulher indagou, sentando-se ao lado do piloto.

inclinou a cabeça e não a respondeu.
- E a sua...sua...- Ele franziu o cenho, girando o dedo indicador ao redor da cabeça e garganta. – Cefaleia sei lá o que? – Questionou após alguns minutos em silêncio.
- Ah, isso. – Ela gargalhou, sentia-se a vontade perto do piloto, mesmo sem conseguir explicar o porquê. – É uma história bem longa e constrangedora.

riu entredentes, acompanhando a mulher. Era estranho e ao mesmo tempo tão familiar estar ali com ele, não era um desconhecido, era seu piloto favorito, um homem incrível, mas ao mesmo tempo, alguém que a advogada não conhecia, não conhecia seus gostos, suas manias, curiosidades estranhas sobre sua vida, nem nada do tipo. Todos os encontros entre os dois eram no mínimo conturbados, mas ali, naquele cubículo iluminado e excessivamente limpo, parecia só um homem comum, só um cara, um cara familiar, com quem sentia-se à vontade até para contar sobre a situação horrenda do acidente com os dentes.
- ...então, essa minha amiga, a , aproveitou que eu dormi e tirou uma foto horrível em que eu estou dormindo com a boca aberta e com os dentes quebrados. – contou para .
- Eu não acredito. – Ele gargalhou.
- E agora, o Valtteri colocou essa foto para identificar qualquer chamada minha, e toda vez que o encontro ele fica gesticulando. – A advogada suspirou, tentando conter o riso. – Mas tudo bem, eu o perdoo, porque quando eu perdi os pedaços, ele voltou até o motorhome e fingiu estar se alongando para ver se encontrava e depois escondeu os pedaços num copo de café vazio.
- Isso é realmente o tipo de coisa que ele faria. – lacrimejou enquanto ria.
- Entende agora? Cefaleia raquidiana... – A mulher chacoalhou a cabeça negativamente, ainda rindo. – Ai, ai, essa foi ótima.
- Sempre conta histórias constrangedoras para todos os caras que ficam presos em almoxarifados com você? – quis saber, arqueando uma sobrancelha, depois de alguns instantes em silêncio.
- Só se for sábado e se eles forem alemães. – Ela piscou. – E bonitos.
- E bonitos? – O piloto riu surpreso. – Isso foi um flerte?
- Foi só uma piada. – deu de ombros. – Mas também, pode não ser...sabe? É brincadeira, mas se você quiser, sabe?
- O que? Acho que não entendi. – sorriu, perdido entre as palavras da brasileira.
- Esquece, deixa para lá. Coisa de brasileiro. – A advogada sorriu amarelo e se afastou, dando as costas ao piloto, envergonhada.
- Às vezes eu não quero que saibam onde eu estou, porque parece que só assim consigo pensar com minha própria cabeça, sem que milhões de outras opiniões interfiram nas minhas decisões. – O piloto respondeu, depois de um longo suspiro, à pergunta que havia feito inicialmente.
- Não deve ser fácil, toda essa pressão, ter que se provar o tempo todo. – Ela concordou, voltando-se para ele novamente.
- Há dias bons, outros nem tanto, outros piores. Tudo muda se as pessoas ao seu redor confiam em você, ou se não confiam, também. – encarou o chão.
- Eu sei o quanto ter pessoas que acreditam em você por perto pode nos fortalecer, sei bem, mas isso não pode ser maior do que a confiança que o tem no . – A advogada tocou o joelho do piloto, atraindo o olhar esverdeado dele para si. – A confiança que você tem em si mesmo não pode estar atrelada as pessoas ao seu redor, isso é muito inconstante, efêmero.
- Na teoria é mais fácil. – Ele sorriu sem mostrar os dentes e se aproximou mais um pouco, num rompante de emoção e autoajuda.
- Escute, você é um piloto incrível, mas se não achar isso de você, ninguém mais vai. – Falou séria, olhando nos olhos dele. – Você não pode se lamentar e se basear no que outros dizem. Tem que acordar todos os dias, olhar no espelho e dizer, eu sou o , respeite minha história. Um pouco de selvageria.
- Talvez você tenha razão. – Concordou sorrindo. – Talvez eu tenha que ser mais...como foi mesmo que você disse...vinte e três anos de Rio. – Ele lembrou.
- Ai meu Deus! – cobriu a boca, tentando conter o eco de sua risada. – Não acredito que você lembra disso.
- Claro que eu me lembro, nunca vou me esquecer da mulher que pegou minha água e me deixou de boca seca.
- De medo? Intimidação? Emoção? – O canto da boca da carioca se elevou num sorriso.
- De sede. – disse.
- Ah.

Quinze minutos haviam se passado e os dois ainda estavam presos, sem sinal de celular ou sinal de ajuda. distraído era ainda mais belo do que se podia descrever, o olhar concentrado do alemão parecia um ponto pequeno de paz em meio ao caos. estava completamente distraída, fotografando em sua mente o máximo de detalhes que conseguia, para que pudesse acessar para sempre aquela memória.
- Quem é você, ? - O piloto perguntou de repente e a advogada pulou de susto.
- Como assim quem sou eu? Sou amiga do...- Ela tentou se explicar, mas a interrompeu.
- Não, eu sei que é amiga da nova namorada do Valtteri Bottas, não é isso que quero saber. Estou preso com você aqui, quero saber quem é a pessoa com quem estou dividindo a cela. - Ele sorriu de lábios apertados.
- Eu? Ah...não sei bem o que dizer. - Ela riu abafado. - Eu sou advogada, sou do Rio...tenho vinte e três anos.
- Do que você gosta? Do que não gosta? Sua cor favorita? Seu medo? - desatou a perguntar.
- O que é isso? Uma entrevista? - A advogada arqueou a sobrancelha.
- Desculpe, eu acho que perdi o jeito...muito tempo que não conheço outras pessoas.
- Entendo. - Ela assentiu e pensou sobre como responder. - Se serve de consolo, eu também.
- Você? É mesmo? - Ele sorriu incrédulo.
- É, pode acreditar. - A carioca piscou. - Técnico não joga.
- Como? O que disse? Acho que não te entendi.
- Deixa para lá, é só uma frase boba.
- Ah. - Ele assentiu, pensativo. - Por que? Por que esqueceu como se faz?
- Acho que tenho expectativas altas demais em homens. - A advogada confessou, estalando a língua.
- É justo. – Ele levantou os ombros e projetou o lábio inferior, concordando.
- E você? - devolveu a pergunta.
- Divórcio. - O piloto levantou a mão esquerda, mostrando com o polegar o espaço onde antes estava a aliança.
- Eu sinto muito? - perguntou incerta.
- Acho que não, não. - riu e passou a encará-la com mais atenção. - Não é de tudo ruim, só demora para acostumar, mas foi melhor assim.
- Geralmente, sempre é. - Ela concordou, olhando em seus olhos, tentando não se perder nas palavras enquanto tentava formular uma frase e contar os tons de verde dos olhos dele ao mesmo tempo. - Agora você tem o Lewis para acompanhar na vida de solteiro, nas baladas.
- Eu não acho que vou. - O piloto franziu o nariz. - Não sei se gosto mais do tipo de entretenimento que ele, talvez eu tenha mudado.
- Devia aparecer no Rio, posso te apresentar alguns lugares bons. - Ela disse sem pensar.
- Talvez eu vá. - sorriu de canto, concentrado nos olhos da advogada.
- Talvez vá? - repetiu.
- Sim. - correu os olhos pelo rosto dela, desprendendo generosos segundos na boca da carioca. - Eu acho que vou gostar da ideia.
- Eu...

Antes que pudesse concluir, um barulho alto e rouco chamou atenção dos dois, e enfim a porta foi aberta. e acompanhavam de perto o trabalho do funcionário, enquanto , mais alta que as duas, assistia a cena mais atrás.
- Eita. - e disseram juntas ao perceberem a proximidade dos rostos do piloto e da amiga.
- Não disse que viriam? - piscou ladino e sorriu.


Presente

- Oi. – Valtteri cumprimentou assim que se sentou ao lado do piloto alemão.
- Olá. – cumprimentou com um aceno.

Os dois homens ficaram em silêncio, encarando o nada e pensando sobre o que havia acabado de acontecer. Valtteri largaria em oitavo lugar e em décimo terceiro, o treino classificatório tinha sido péssimo para os dois.
- Oitavo...até que não é tão ruim, podia ser pior. – tentou sorrir, batendo no joelho do finlandês.
- Você parece o capitão do Titanic, fingindo que ele não vai afundar. – Valtteri sorriu entredentes.
- Estou tentando ver o lado bom das coisas. – O alemão deu de ombros.
- Pelo menos você tem quatro títulos e um contrato recém assinado. – Bottas encostou a cabeça na parede. – E é só sua segunda corrida com o carro novo, amanhã vai ser melhor. Descanse hoje, veja sua garota e amanhã consiga uma boa colocação.
- É isso que você faz? Qual vai mal? – virou o rosto para observá-lo.
- Antes não, agora sim. Antes eu ficava encarando o espelho, tentando resolver tudo sozinho, mas hoje em dia descobri a terapia e agora tenho uma noiva. – Valtteri sorriu.
- Talvez minha saída seja essa...- O alemão ponderou.
- O que? Terapia?
- Não, casamento. – sorriu.
- É sério? Casamento? Está pensando mesmo nisso? – O finlandês sorriu, abraçando o amigo de lado.
- É, por que não? Eu estive pensando, tudo já é tão perfeito, estamos juntos a um bom tempo. Talvez tenha chegado a hora de dar esse passo. – Sorriu.
- Já conversaram sobre isso? – Valtteri quis saber curioso. – Só consigo imaginar a reação das outras quando descobrirem.
- Eu vou precisar providenciar tampões de ouvido. – O finlandês gargalhou com o comentário do amigo.
- Se com uma noiva elas quase morreram, agora com duas, a pressão vai aumentar. – Bottas piscou. – Que incrível, isso até melhorou meu humor.
- Obrigada, faz parte fazer os amigos sorrirem. – gargalhou.


[...]


De volta ao hotel, mantinha os olhos presos a uma parede branca qualquer, enquanto e compartilhavam ideias e referências para o casamento da noiva de Bottas. Por mais animada que a advogada estivesse com o casamento da amiga, naquele instante estava presa em seus pensamentos, a um pensamento, em particular, que vez ou outra atravessava sua mente, gerando um pequeno caos descontrolado. Participar da preparação e dos arranjos do noivado e casamento de a fazia pensar, por mais que as vezes se assustasse com aquilo, constantemente se flagrava pensando sobre seu casamento.
Sempre fora racional e calma com aquelas questões, sabia que tudo aconteceria na hora e momento certo, e se orgulhava disso. Mas agora tudo era tão diferente, tinha um namorado lindo, o príncipe de seus sonhos, por mais que fosse um pouco mais velho que os príncipes convencionais e não tão gracioso também. Mas era um homem bom, gentil, que a amava e fazia questão de mostrar isso, nos momentos bons e ruins.
Como na vez em que brigaram por estarem tão estressados com suas próprias vidas que acabaram por descontar um no outro. se encasulou no canto da varanda, com cenho franzido e sobrancelhas juntas, o lábio sutilmente projetado, que acharia extremamente irresistível se não estivesse tão irritada. Enquanto a companheira se trancou no banheiro e chorou enquanto tomava banho. Não por estar profundamente triste com as acusações do alemão sobre os cabelos no chão do banheiro ou sobre a camiseta favorita que a advogada havia mudado de lugar no closet, mas por todo estresse da vida. Além de precisar lidar com os dilemas de ser a namorada de alguém famoso, ainda precisava gerenciar os estresses causados por sua profissão, todas as frustrações de perder uma causa na qual havia trabalhado por noites e noites, sem descanso, ou por algum erro ou falha no sistema de justiça.
E por mais que os dois odiassem quando aquilo acontecia, eram humanos e não podiam evitar transparecer suas ansiedades e esconder os nervos à flor da pele quando estavam em casa, seguros. E assim, uma peça de roupa guardada em lugar diferente, um pacote de biscoitos mal fechado, uma toalha molhada sobre a cama, uma lâmpada acessa sem necessidade ou banhos longos demais, tudo era a gota d’água que faltava para o copo transbordar.
Especificamente, naquela noite, assim como na anterior, estava resfriada, um teste de COVID-19 fora feito, e o resultado negativo aliviou o casal, mas mesmo assim, a advogada ainda estava mal. Corpo pesado, nariz entupido e espirros a cada cinco minutos. sabia, por isso, mesmo profundamente contrariado, enquanto a companheira estava no banho, foi para a cozinha e preparou uma sopa forte, pôs numa bandeja e deixou esfriando sobre a cama, para que tomasse assim que saísse do banho, depois voltou para a varanda, emburrado.
sentiu os ombros relaxarem quando viu o jantar servido sobre a cama, e suspirou profundamente. Precisou se agarrar firmemente em seu orgulho para não agarrar a tigela de sopa e se juntar a na varanda, mesmo que fosse para comer em silêncio. Algumas horas mais tarde, quando havia caído no sono ao assistir um filme bobo qualquer, sentiu o namorado tocar seu rosto para despertá-la. “Você tem que tomar seu remédio”, ele disse entregando a ela uma caneca de chá e um comprimido para gripe.
Por essas coisas que tinha certeza de que se fosse se casar, seria com , e nos últimos tempos aquela ideia parecia tomar cada vez mais força.
Via a amiga escolher vestidos de noiva e por alguns instantes se imaginava ali, para em seguida balançar a cabeça e desviar o pensamento. É muito cedo para pensar nisso, dizia a si mesma todas as vezes, não é hora de pensar em casamento, não seja boba. Mas nem sempre conseguia obedecer.
- O que acha, ? – cutucou a perna da amiga, mostrando a ela algumas fotos em uma revista. – Para as madrinhas, verde ou terracota?
- Você tem certeza que vai escolher uma cor só? – perguntou, antes que a advogada respondesse.
- Eu não sei, isso é muito confuso...eu estou tentando escolher um tom que fique bom em todas as minhas madrinhas. – expirou frustrada. – Mas é muito difícil e Valtteri já disse que isso eu vou escolher, não quis nem opinar. Nem ajudar a escolher as flores, ele não consegue diferenciar rosas de lisiantos. Da para acreditar? – Reclamou.
- Pois por isso estamos aqui. – bateu no peito. – Porque depois da festa, o problema é seu, mas antes disso, o problema é nosso.
- , eu consigo mudar o nome do noivo nos convites sem pagar multa? – abraçou os joelhos da advogada, rindo ao mesmo tempo que choramingava. – Quero mudar o nome do noivo, de Valtteri para .
- A qualquer momento, querida. – Gargalhou. – É só dizer que vamos casar vocês em Las Vegas, como a sempre diz. – lembrou.
- Vocês estão trazendo o termo comedoras de casados para outro patamar. – riu alto. – E o Lance? E o Bottas?
- Lance Stroll você acha em qualquer esquina, mas a é única. – garantiu. – Eu não quero me casar com alguém que não sabe diferenciar verde musgo de verde sálvia.
- Será que essas crises são normais? – provocou, fingindo sussurrar para .
- Realmente, porque saber diferenciar tons de verde é o maior parâmetro que você tem que usar para escolher um marido. – balançou a cabeça negativamente, ironizando.
- Podem rir, quando chegar a vez de vocês a gente conversa de novo. – resmungou emburrada.
- A minha não vai chegar nem tão cedo. – gargalhou, jogando a cabeça para trás. – A última vez que alguém mencionou casamento na frente de Lance, o menino ficou mais branco que já é...nem tão cedo, amém.
- Nem adianta olhar para mim também. – balançou a mão, afastando a ideia.
- Isso considerando que algum dia ela assuma do Hamilton como mais do que um amigo com benefícios, não é? – provocou, arqueando a sobrancelha.
- Ai, gente. Eu não tenho mais cabeça para isso não, para pensar em qualquer coisa relacionada a isso, muito menos com o Lewis. Só de pensar já me dá uma palpitação. – Confessou, jogando-se no sofá.
- , você acabou de perder o prêmio de maior corredora contra relacionamentos para a . – As amigas gargalharam com o comentário de .
- E você, minha musa? é parecido comigo, gosta de tudo certinho...vocês não falam sobre isso? – sondou.
- O que? Não. Claro que não. – A advogada negou de pronto. – Estamos juntos a pouco tempo, não estamos pensando nisso, com certeza não. Ainda tem minha carreira, a carreira dele...não, até parece. não está nem um pouco preocupado com isso agora.
- Ela tá tentando convencer a gente ou ela mesma? – perguntou num sussurro, cutucando as outras.


2020

- Você quer pizza ou um hambúrguer? - cutucou a amiga. - Vamos, , só falta você escolher.
- Tanto faz. - A advogada deu de ombros. - Estou sem fome.
- Coitada, depois da gente destruindo o clima com o , até eu ficaria. - lembrou.
- , foi totalmente sem querer, se a gente soubesse o que estava rolando lá...- se explicou.
- Tudo bem, gente. - desviou os olhos da janela e tentou sorrir para as amigas. - Eu sei disso tudo, podem ficar tranquilas. É só que isso tudo...ficar trancada com ...ter tido qualquer contato com ele é tão estranho e incrível...eu não sei ainda o que sentir sobre isso.
- Até agora eu também não acredito que conversei com Lance, que vi ele de perto. - confessou se jogando no sofá. - É a coisa mais fofa, mais bunitinha que existe, mesmo tendo dois quilômetros de altura.
- Me agradeçam depois por apresentar vocês a eles. – jogou os cabelos para trás, teatralmente. – Sou culpada por fazer a fanfic acontecer.
- E o Lew, gente? - fingiu se abanar. - Eu dormi depois que chegamos de Interlagos e já até sonhei com ele.
- O primeiro passo foi dado, agora se for pra ser, será. - falou enquanto rolava a tela do celular, em busca de algo para pedir para comerem.
- Para você é fácil falar, né?! - resmungou. - O seu tá garantido.
- Ai, é né? - sorriu. - Às vezes eu também não acredito. Aliás, meu viking me atualizou das fofocas já que está lá se concentrando e não pode passar a noite comigo hoje.
- Você disse, fofoca? - riu.
- E você está esperando o que para contar logo? - perguntou, impaciente.
- Tá, então é melhor vocês se sentarem. - Pediu. - Valtti disse que Lewis perguntou sobre as minhas amigas, sobre onde morávamos nos Brasil, disse que quer passar férias aqui.- Contou. – Falou que o Valtti devia trazer as amigas da namorada mais vezes para corrida, inclusive amanhã. - piscou.
- Leva ele para Minas Gerais. - gritou. – Vou levar ele nos pagodes, para tomar uma cerveja.
- Continuando...- a interrompeu. - Ele contou para mim que tentou dar uma sondada com Lance, ele disse que a era adorável e provavelmente sabia mais sobre a equipe do que todo mundo que trabalhava lá.
- Ahhhhh! - cobriu a boca, tentando conter o grito e a abraçou de lado. - Irrá! - Riu.
- O que mais? - quis saber.
- E o ? Disse algo? perguntou curiosa, sem pensar.
- O ? - franziu o cenho e rolou a conversa com o namorado, tentando encontrar alguma menção a . - Não, amiga. Sinto muito, mas eu não tenho nada. Valtteri disse que conversou com ele depois que saímos, mas não falou nada sobre você ou coisa do tipo. Desculpe.
- Tudo bem.- deu de ombros, tentando disfarçar a expressão frustrada. - Não é nada demais. – Suspirou, escorrendo pelo sofá.


[...]


- Esse pódio foi o mais broxante, anêmico, frustrante. - reclamou ao fim da corrida.
- Mais sem graça que dançar com irmão. - bufou.
- Eu confesso que por mais que estivesse torcendo pro meu cavaleiro negro, o Max merecia hoje. - também lamentou.
- Essa corrida vai ser censurada em pelo menos dez países. - ajeitou os cabelos, enquanto as quatro saíam da garagem, precisavam tomar um ar, beber alguma coisa e relaxar.
- Sinceramente, morre a inesquecível. Era melhor ter ficado em casa - reclamou.
- Eu quero gin, quem mais vai querer gin? - perguntou depois de alguns instantes em silêncio.


[...]


- Eu podia ter feito mais, mas perdi dez segundos naquele pit. - Valtteri reclamou.
- Hoje realmente não é o meu dia. - Lewis balançou a cabeça negativamente e virou o conteúdo de seu copo de uma vez.

O grupo de amigas acompanhavam os pilotos da Mercedes, que bebiam alguma coisa no bar do motorhome antes que toda a gigantesca instalação precisasse ser desfeita. A corrida havia terminado com um pódio da Maclaren, Ferrari e Renault, punição de Lewis Hamilton e Sergio Perez, erros consecutivos de Valtteri e da equipe nos pitstop e várias outras zebras. Estavam todos frustrados e irritados, especialmente os pilotos de Toto Wolff e as quatro amigas.
- Mas também, não adianta mais reclamar. - abraçou o namorado de lado. - Já foi, vocês precisam focar na próxima.
- Meus olhos já estão lá. - Lewis piscou e levantou seu copo, recém cheio, propondo um brinde enquanto trocava olhares sugestivos com , com quem havia conversado animadamente no dia anterior, segundo as amigas haviam contado para .
- Ao futuro. - Valtteri brindou.
- Ao futuro. - O grupo repetiu.
- Acho que vou morrer de tédio. - sussurrou para , tentando evitar que os outros a ouvissem.
- Eu pensei a mesma coisa. - A médica riu abafado.
- Quer sair daqui? Dar uma volta? - A advogada propôs e a outra assentiu, deixando à francesa a roda com os pilotos.


- Eu não aguentava mais ouvir eles reclamando da corrida. - assumiu.
- Menina, não é? Não sabia que eles reclamavam tanto. - riu. - Para onde vamos?
- Ah, não sei. - balançou os ombros. - Vamos só andar e ver onde vamos parar.
- Você está vendo que o motorhome da Racing Point e Ferrari são nessa direção, né? - apontou e sorriu amarelo. - Você não superou que o não falou nada, né?
- Não é isso, é que...- bufou. - É, não superei mesmo. – Confessou chateada.
- Eu não entendi nada, o homem botou o time em campo, estava quase beijando a mulher e aí, depois não fala mais nada?
- Talvez ele nem se lembre do que aconteceu. - A advogada disse num suspiro.
- Se você acha isso, porque está indo lá? - indagou.
- Eu não estou indo lá, só estou andando pelo paddock. - se defendeu.
- E é para eu acreditar? - cruzou os braços, encarando a amiga.

Antes que pudesse se defender, a atenção das duas foi capturada por alguém.
- , oi. - Lance Stroll se aproximou de repente. - Oi. - Ele cumprimentou com um aceno.
- Oi...- A médica respondeu depressa e com a voz um pouco trêmula.
- Estava pensando em você agora. - Lance Stroll sorriu aberto. - Eu queria te apresentar a alguém, fiquei muito impressionado com a nossa conversa.

não havia presenciado, mas segundo os relatos animados de , no momento que a advogada estava presa com naquela salinha, havia tido uma conversa animada com Lewis Hamilton, e fora apresentada a toda equipe da Racing Point, chamando atenção de todos por seu incrível conhecimento sobre a escuderia.
- Uhum. - Ela assentiu.
- Está livre agora? Prometo que não vai demorar. - O canadense piscou. - Por favor.

respirou fundo e olhou de Stroll para a amiga, como se não soubesse o que dizer.
- Vocês estavam ocupadas? Me desculpe por interromper. - Lance pediu ao perceber a troca de olhares.
- Está tudo bem, só estávamos caminhando. - deu de ombros e sorriu. - A gente se encontra depois, amiga. - A advogada piscou.

sorriu e foi guiada por Lance até o motorhome da escuderia rosa, mas antes que entrasse, olhou para trás e sussurrou "ai meu deus!" repetidas vezes, fazendo a advogada sorrir.

continuou sua caminhada solitária pelo paddock. Distraída com o movimento de pessoas e com sua própria mente turbulenta, caminhou até se cansar e então parou para respirar, tentando liberar os pensamentos junto com o ar.
- Então os pilotos da Mercedes não estão comemorando? - se fez ser ouvido de repente, causando um frio estranho no estômago da advogada.
- Eu quis ver como estava a festa da concorrência. - Ela sorriu, ainda de costas para ele.
- E o que achou?
- Eu esperava mais. - Ela desdenhou.
- É bom te ver. - se aproximou dela sorrindo. - Um raio de sol numa corrida horrível.
- É um crime venderem entradas para assistir isso. - ironizou.
- Eu disse que era melhor parar em 2013. - Ele falou, fazendo a advogada gargalhar.
- Como você está com hoje? - perguntou depois de alguns instantes de risos.
- Eu já estou escaldado, dirijo pra Ferrari há tempo suficiente para não me abalar por qualquer coisa. - confessou, guardando as mãos nos bolsos da calça.
- Isso soa triste.
- Não, entenda isso como esperança de tempos melhores. - O piloto sorriu. - Aliás, estive pensando em minhas férias no Rio de Janeiro.
- E o que pensou? - A advogada quis saber.
- Não sei, estava ansioso para que me dissesse. - se aproximou mais dois passos, pondo-se frente a ela.
- Não precisa das minhas dicas, muita gente da Fórmula Um conhece o Rio. - fingiu desinteresse. - Valtteri também.
- Ah. - riu abafado, estava curioso para quando aquele assunto viria à tona, principalmente depois das várias tentativas de Bottas para descobrir o que ele pensava a respeito da mulher. - Então é sobre isso.
- O que? Do que está rindo? - fechou a expressão.
- De você. - apontou com o queixo. - Acha mesmo que eu falaria qualquer coisa sobre uma mulher com o namorado da melhor amiga dela?
- Eu não sei do que você está falando. - Ela desconversou, envergonhada.
- Não é por isso que resolveu não ser minha guia turística pelo Rio, como tinha prometido ontem?
- Eu não sei o que falaram com você, mas...- Ela tentou se explicar.
- Ninguém falou nada. - gargalhou. - Valtteri não conseguiu ser muito sutil, ele geralmente não pergunta a minha opinião sobre qualquer pessoa, foi fácil descobrir de onde vinha o interesse.
- Ai, que vergonha! - cobriu o rosto. - Vou matar a e depois o Bottas.
- Tudo bem, não precisa partir para medidas extremas. - tocou o ombro dela. - Ele só tentou sondar, mas eu fui mais esperto.
- Eu estou morrendo de vergonha. - choramingou.
- Por que? Não queria que eu soubesse que tem interesse em mim ou o interesse é pura fantasia dos seus amigos? - Ele quis saber, olhando nos olhos dela e arqueando uma sobrancelha.
- Eu...eu...- Ela expirou. - Que situação...
- O que? - Ele riu.
- Eu sinto muito te colocar nessa situação vergonhosa, você acabou de sair de um casamento. Meu Deus! Você está se divorciando e eles estão praticamente me jogando...- mordeu a boca. - Me desculpe. Acho que o relacionamento dos dois está fazendo eles quererem formar casais em todo lugar.
- Não, não precisa se desculpar. - se aproximou mais um pouco. - De certa forma é até bom para mim saber que existe uma mulher bonita e carismática interessada em mim. É bom para o ego desse pai recém divorciado. - levantou os ombros e projetou o lábio inferior, sorrindo em seguida.
- Ah, é?
- É. - sorriu grande.

Ainda sorrindo o piloto acabou com os centímetros que ainda os separavam, aproximando o rosto da advogada. - Eu tenho uma ótima visão periférica. - Ele contou e pode sentir o hálito quente do piloto se chocar aos seus lábios. - E adivinha só? Não tem ninguém aqui por perto. A festa deve estar muito boa em algum lugar.
- Ah, é? - piscou atordoada, sentindo as pernas amolecerem e a ansiedade a consumir com a proximidade do piloto.
- É. - balançou a cabeça devagar. - E eu estou prestes a beijar uma mulher muito bonita, que me chamou atenção desde o primeiro instante que vi, mesmo que na ocasião ela tenha roubado toda minha água. - sorriu.
- Que absurdo! Foram só algumas garrafas. - negou, batendo suavemente com a mão no peito do piloto e aproveitando para sentir o corpo dele.
- E você dizer isso foi um sinal, porque não negou o beijo, mas o furto da água. Então, se ninguém se pronunciar nos próximos dez segundos, eu vou beijar você. – avisou, sorrindo de canto.
- Acho que ninguém vai dizer nada. - sussurrou, com olhar vidrado nos olhos brilhantes de .
- Não? - também sussurrou, sorrindo.
- Não. - apenas mexeu os lábios, sorrindo aberto.

uniu os lábios dos dois suavemente, lento e doce. Como um suspiro doce de paz, como tocar o céu, como comer um doce na TPM, um abraço de avó. Como se o mundo tivesse parado e tudo que importava era apenas e e seus lábios unidos. Num lugar de conforto e paz, como se tivessem nascido para aquele momento, como se tudo na vida tivesse acontecido apenas para que naquele instante os dois estivessem juntos. Parecia certo de milhares de maneiras diferentes.
Era como se uma onda de calor e paz emanasse deles, como se cada celular estivesse vibrando de felicidade no corpo dos dois. sentiu o corpo arrepiar, a barriga congelar e o coração aquecer.
- Uau. – A advogada suspirou ainda de olhos fechados. – Confesso que não achei que fosse sério.
- Eu não blefo. – sussurrou ainda muito perto do rosto dela.
- Isso foi...repentino.
- O que? Cedo demais? - Ele fez uma careta, piscando um dos olhos e inclinando a cabeça sobre o ombro.
- Não. – A advogada riu. – Não foi, só que eu não esperava...não esperava beijar hoje.
- Não fica chocada em como o mundo é maluco? – sorriu, como se falasse de qualquer outro acontecido inesperado. – Eu preciso dizer que também não esperava, mas pensei nas razões para fazer e nas para fazer.
- E como decidiu? – Ela indagou.
- Bom, eu estive num casamento meio estranho por muito tempo, quando decidi assinar aqueles papéis, decidi junto que tentaria fazer as coisas de outras formas. – tocou suavemente a cintura da advogada. – Eu não parei de pensar em você desde o episódio com a água. Claro que estava pensando diferente, fiquei chocado. – Os dois riram juntos, com os olhares unidos. – Depois, quando soube o motivo e entendi que talvez tivesse sido injusto, e quando fui me desculpar você estava com aquela situação da raquidiana sei lá o que.
- Meu melhor papel. – piscou.
- Pois é, e eu achei muito engraçado, obviamente não caí no truque, mas vocês deviam tentar o Oscar ano que vem.
- Foi um ato desesperado. – A advogada umedeceu os lábios, desviando o olhar de , a proximidade e contato visual faziam seu estômago revirar.
- E depois disso, o destino ainda se encarregou de me prender com você naquela sala. – Ele lembrou.
- Eu achei que eu tivesse feito isso, não o destino. – fingiu-se contrariada. – Quero meus créditos.
- É verdade, o que seria de nós sem sua argumentação cheia de gestos e mãos livres. – riu. – Mas o que importa é que pensei em você, e senti muita curiosidade, muita vontade de me aproximar mais...de beijar você. – O piloto acariciou a cintura de com os dedos. – É assim que os solteiros fazem hoje em dia?
- Mais ou menos. – A carioca gargalhou. – Mas não tente imitá-los...não pega bem. – Ela sussurrou.
- Ah. – abriu a boca e assentiu com a cabeça. – Vou anotar essa dica. – Sussurrou de volta.

Rapidamente, o piloto juntou os lábios aos de mais uma vez, mas mais rápido, surpreendendo totalmente a advogada.
- Eu adoraria ficar aqui fazendo isso, eu estou gostando. – Ele sorriu olhando para os lábios dela. – Mas tenho um compromisso agora. Sabe, essa coisa chata de ser um piloto.
- Entendo.
- A gente se vê? – quis saber, segurando uma das mãos dela.
- Claro. – concordou, ainda um pouco tonta. – Vamos.
- Perfeito. – O piloto sorriu e começou a se afastar lentamente, ainda com o olhar preso ao da advogada e o sorriso estampando a face. – Perfeito.

o assistiu entrar nas dependências da Ferrari a passos apressados, mas continuou empacada no mesmo lugar, tinha medo de que ao tentar caminhar, suas pernas vacilassem e caísse mais uma vez de cara no chão.
- Até que enfim, aí está você. – chamou a amiga de longe. – ? Oi? Está aí dentro? – Balançou a mão na frente dos olhos da amiga, tentando atrair sua atenção.
- Será que deu bug na matrix? – supôs. – Onde que a se enfiou também?
- Será que a gente joga água na cara dela? – pensou alto.
- Eu acho que estou apaixonada. – declarou de repente.


Presente

Era terça-feira, e estava em Mônaco. Na frente dele, e Valtteri conversavam animados, apontando para várias lojas, enquanto o alemão bufava impaciente e cansado. Já estavam percorrendo todo circuito de joalherias do principado e não haviam conseguido escolher apenas nenhum que fosse bom o suficiente para .
- Animo, . – Valtteri sorriu para o amigo por sobre o ombro. – Só falta mais uma.
- Que bom, já estava desistindo da ideia. – Ele reclamou.
- Tudo por sua futura esposa. – Bottas lembrou, indicando ao piloto a entrada para o Hôtel de Paris Monte-Carlo, onde estava localizada a joalheria.
- Essa é a Graff, que a sugeriu, ela disse que ama. – comentou.
- Ama mesmo. – Bottas concordou. – Ainda não entendi porque está fazendo isso, quando podia simplesmente pedir algo exclusivo e único como eu fiz para algum designer.
- Por que eu gastaria tanto dinheiro em um anel? – franziu o cenho incrédulo. – Eu posso ser rico, mas sou consciente e nada consumista.
- E tá errado? Não está. – concordou. – Mas eu ainda acho que podíamos ter ido para Genebra, para a Chopard ou Piaget. Além de achar anéis lindos, o Lance ainda iria ajudar na escolha.
- Mas o Lewis disse que aqui eu encontraria os melhores. – disse.
- Sendo assim, devíamos ter ido para qualquer lugar com uma Cartier ou Tiffany & Co. Qual é? Isso devia estar sendo especial. – Valtteri argumentou. – Três amigos em busca de um anel perfeito.
- Ele sempre foi emocionado assim? – arqueou uma sobrancelha para .
- Não é o anel, ou o preço dele ou onde você compra. É sobre o que significa. – Bottas disse, abraçando o amigo pelo ombro.
- Eu tenho certeza disso, e pelo que conheço da minha namorada, ela também acha. Me expliquem agora, porque estamos discutindo sobre joalherias?
- Por que todos que vimos até agora, o senhor não gostou. – acusou, cruzando os braços sobre o peito.
- Não é culpa minha, vocês viram aquelas aberrações. Eram muito feios. – Se defendeu. – E eu me lembro do que a falou, sobre algo discreto e elegante, simples, mas não básico.
- Mas com um diamante bem grandão. – Bottas completou.
- Eu devia ter deixado vocês dois em casa e ter vindo aqui com e , elas teriam a sensatez necessária para essa tarefa. – reclamou rolando os olhos. – Azar a ter tido o imprevisto com a filha e a ter aulas.
- O que você está dizendo? Eu sou ótima companhia para essas coisas. – Valtteri juntou as sobrancelhas ofendido.
- Exceto quando está discutindo o quão melhor seria uma joia por encomenda.- resmungou. – Olha, eu só quero acabar esse tour com um anel de noivado. É meu último pedido, só isso.

puxou para dentro da joalheria depois de respirar profundamente, e se sentou com ele para esperar, depois que Valtteri avisou que queriam ver os anéis.
- Você é a noiva? – O homem perguntou sorrindo, ao se aproximar com algumas peças.
- Eu? Não, claro que não. – riu alto e os dois homens balançaram a cabeça negativamente. – Jamais. É outra pessoa, não está aqui, vai ser surpresa.
- Como ela é? Me fale sobre a noiva. – Pediu, e e Valtteri encorajaram o amigo com o olhar.
- Ah, o que eu posso dizer...- riu nervoso, coçando a nuca. – Ela é linda, é inteligente, focada, centrada...é atenta a tudo, sincera e verdadeira. Também é advogada, a melhor que você vai conhecer. – Contou orgulhoso. – É justa. Às vezes é séria, quieta, mas também pode ser o ser humano mais engraçado e bem-humorado que você já viu. É bem sonhadora, mas também pé no chão. É a minha âncora, tanto para os dias ruins, quando acho que não sou nada, tanto para quando estou com ego muito lá em cima. – Gargalhou o piloto. – Ela tem um jeito de ser que te cativa, sabe? Te passa uma confiança, uma verdade...e é capaz de te defender de tudo e todos, é bem protetora. E como é livre, madura, não fica se prendendo a essas coisas pequenas do mundo, sempre quer aprender, crescer, ser a melhor que puder em tudo que faz...
- . – Valtteri tossiu, chamando atenção do amigo. – Acho que ele queria saber do estilo dela.
- Ah. – O alemão permaneceu por alguns instantes de boca aberta, até que o cutucasse, chamando-o de volta a terra.
- Vou mostrar algumas opções. – O homem disse por fim, sorrindo amarelo.- Que tal esse? – Perguntou, mostrando ao trio um anel cravejado de diamantes, com uma pedra enorme e quadrada no centro.
- Não, é muito...muita informação, muitas pedras. – balançou a cabeça negativamente. – Ela não é espalhafatosa.
- Não mesmo. – concordou.
- E que tal este aqui. – O homem segurou outro entre os dedos, de ouro amarelo com um diamante também amarelo no centro, também era cravejado de outras pedras menores. apenas encarou o anel e depois o homem que o segurava, com a ironia no olhar que tinha aprendido com a companheira.
- Acho que definitivamente não. – Valtteri negou com a cabeça, inflando as bochechas e apertando os lábios. – Algo mais clássico seria bom.
- Bom, deixe-me ver. – O homem pensou, enquanto analisava as peças. – Que tal? – Quis saber, mostrando a eles um anel de ouro rose com diamantes rosa cravejados e uma pedra de diamante um pouco menor no centro.
- Como funciona aquilo de designer de joias? – questionou, olhando para Valtteri.
- Não vamos desistir ainda, só vimos três anéis. – argumentou.
- Aqui. Três anéis aqui. – O alemão corrigiu.
- Bom, eu tenho algumas opções mais simples. – O homem falou, com um pouco de desinteresse. Depois, levantou um anel de ouro branco, com uma pedra redonda de diamante, que brilhou quando a luz do espaço a atingiu.
- É esse. – anunciou sorrindo.
- Tem certeza? – indagou surpresa.
- Bom, é uma opção um tanto...simples. – O homem que os atendia comentou.
- Não é simples, é a certa. – sorriu, admirando o anel que agora segurava entre os dedos. – Eu sou assim, não sou essa...essa coisa cheia de luxos e que com certeza sustentaria um estado inteiro num país subdesenvolvido. – Disse, apontando para os outros anéis com desdém. – Eu sou simples e a gosta de mim assim. Esse anel é lindo e reluzente como ela, é elegante, clássico e ao mesmo tempo, simples como eu.
- É, ele tem razão. – Valtteri levantou os ombros.
- Eu sei que tenho. – sorriu grande mais uma vez. – É esse, é o anel.
- Habemus circulum! – celebrou teatralmente, juntando as mãos. – Que é anel em latim, caso alguém aqui não saiba. – Se explicou, causando riso nos dois pilotos.


2020

Ao fechar a porta do quarto, a advogada sentiu fechar os ouvidos para todo falatório que acontecia na sala. O grupo continuava reunido lá, recapitulando tudo que acontecera naquele fim de semana inesquecível, desde usando o google tradutor para conversar com Lewis Hamilton no bar do motorhome depois da corrida, sendo ouvida por Lawrence Stroll que havia se interessado em suas críticas sobre a escuderia, e Valtteri que confabulavam sobre como o piloto devia ser mais selvagem nas pistas, como seus antepassados vikings.
Mas o assunto tinha se encerrado no momento em que a carioca decidiu se recolher, precisava pensar, colocar a cabeça no lugar, tentar pesar tudo sem que seus sentimentos interferissem, mesmo tenho consciência de que não seria tão fácil, não sabia sentir pouco, em doses.
Era um sonho pensar que havia ido a uma corrida de Fórmula Um, conhecido seu piloto favorito e que coincidentemente havia tido interesse nela. apesar de ser um homem normal, suscetível a aquele tipo de acontecimento, não era um homem qualquer. Pensar em ter sentimentos já era difícil, sentimentos por era ainda mais complicado. tentava dissociar o amor de fã dos sentimentos que tinha naquele momento, o estranhamento, a emoção, o frio na barriga, o inesperado, aquela situação estranha e fora de seu controle completamente.
Que merda está acontecendo? Ela se perguntava a cada cinco segundos. Como se seu coração já não estivesse sofrendo o suficiente, uma mensagem de número desconhecido fez a tela de seu celular acender.

~ Acho que encontrei você, .
~ Depende.
– Ela digitou de volta.
~ Não acredito que Valtteri mentiu para mim :/ Uma pena, soube de um evento sobre reutilização de plástico que seria incrível. – Ele brincou.
~ Quem pede o telefone de uma mulher para convidá-la para um curso de reciclagem? Quem é você? O ? - A advogada precisou se esforçar para conter o sorriso quando percebeu estar mesmo falando com o piloto.
~ Não sabia que já estava tão conhecido. (;
~ Talvez entre o pessoal do Greenpeace.
continuou provocando. ~ O que? Não curte caras sustentáveis?
~ Só se eles forem alemães e loiros.
– A advogada mordeu o lábio, bloqueou a tela e afastou o celular, não sabia se estava pronta para ler a resposta, mas não pôde se conter quando sentiu o celular vibrar com a resposta instantânea do piloto.
~ Estou no meu lugar de fala. Então, quando posso te encontrar para nosso encontro?
~ Está mesmo me convidando para um encontro? E para um encontro num curso de reciclagem?
quis se certificar.
~ Considere só a parte do encontro, eu ainda não conheço o Brasil suficientemente para saber onde encontro esse tipo de evento. A não ser que você saiba de algum evento sobre compostagem ou coisa do tipo.
~ O que houve com o bom e velho jantar?
~Está me convidando para jantar, senhorita?
~ O que?
~ Eu aceito. Pego seu endereço com Valtteri, nos vemos amanhã as nove?
~ Você é no mínimo diferente, .
balançou a cabeça, incrédula.
~ Até amanhã à noite. Estou ansioso.
~Até.
Digitando aquilo, a advogada deixo o corpo desmontar sobre a cama. Era oficial, tinha um encontro com em menos de vinte e quatro horas, se estivesse sonhando, mataria quem a tentasse acordar.


Presente

Era quinta-feira, véspera do Grande Prêmio de Portugal, uma das poucas corridas em que as amigas brasileiras não estavam presentes. estava enlouquecida com a residência médica, participaria de um congresso na Argentina, estava inaugurando sua clínica e presa em seus relatórios de pesquisa. Do outro lado, , Lance Stroll, Valtteri Bottas e Lewis Hamilton estavam reunidos, esperando seu momento de falar nas entrevistas do dia.
- Clima bom hoje, não é? – Valtteri puxou assunto, ajeitando a roupa. – Não muito frio, não muito quente.
- É a temperatura perfeita. – Lance concordou. – Aliás, o que acha de marcarmos um jogo no próximo fim de semana livre? – Sugeriu.
- Que dia? Eu estou um pouco perdido nas datas. – Bottas concordou, coçando a nuca.
- não te colocou na linha? – Lewis riu, provocando o amigo.
- Ela me deu uma agenda, mas ficou no Brasil, esqueci. – Confessou o finlandês.
- Nem me diga, eu esqueci tantas coisas no Brasil com a , que nem tenho certeza mais se moro na minha casa ou na dela. – Stroll gargalhou.
- Eu não passo por isso, tem coisas da pela minha casa e coisas minhas que ela mesmo leva para a dela. – Lewis riu, levantando os ombros. – Leva por engano.
- E pensar que vocês não são...como posso dizer...comprometidos. – Lance brincou, dizendo a última palavra enquanto fazia aspas com as mãos.
- Eu estou trabalhando nisso. – Lewis piscou, e em seguida, apontou para com o queixo, atraindo a atenção dos outros dois.
- E a ? Também faz isso? – Valtteri perguntou, mas o alemão sequer se moveu, continuou sentado, encarando o vazio.

Os três amigos se entreolharam, Lance levantou os ombros, confuso e Valtteri uniu as sobrancelhas.
- Ela sempre esquece na minha casa, sabe como é, peguei o título dele e quem sabe também a futura esposa. – Lewis provocou, tentando atrair a atenção do alemão.
- . – Bottas chamou, balançando-o pelo ombro.
- O que? – tremeu por um segundo, de susto, depois ajeitou a postura. – O clima está bom, mas eu estou com calor.
- O que? Cara...- Lewis balançou a cabeça negativamente, incrédulo da desatenção do outro.
- Esse assunto já passou há tipo...uns dois anos. – Bottas riu abafado, e apertou os lábios, um pouco envergonhado.
- O que foi? Está preocupado com a corrida? – Lance quis saber, sentando-se ao seu lado.
- Claro que não. – Ele riu. – Por que eu estaria? Não, não.
- Eu já sei. – Valtteri apontou sorrindo. – Eu conheço esse olhar. Você está preocupado com o noivado, não é?! Pode admitir que acertei.
- E se ela tiver mudado de ideia? – mordeu o lábio nervoso. – E se ela tiver desistido? Sabe, pode ser que ela não queira...e está tudo bem. – Garantiu, respirando fundo. – Eu consigo lidar com isso. Só acho que estou muito nervoso, é uma loucura...eu vou me casar. Quer dizer, se ela quiser e me aceitar, nós dois, eu e ela vamos nos casar. – Riu nervosamente.
- Ela vai dizer sim, tenho certeza. é apaixonada por você. – Lance garantiu. – Quer prova maior do que escutar todo seu discurso ambientalista. – Provocou sorrindo.
- Como assim? O que você quer dizer com isso? – franziu o cenho, contrariado. – tem o mesmo discurso. – Acusou.
- É, e em muitas ocasiões eu só finjo prestar atenção, sorrio, aceno com a cabeça e digo, faz sentido. – Bottas confidenciou, rindo abafado.
- Eu devia contar isso a ela. – resmungou. – É fácil falar, na teoria é muito fácil, mas eu estou em pane. Ela é o meu raio de sol, meu paraquedas...me sinto numa montanha russa, olhando para ela o tempo todo para garantir que não se arrependa. Porque vocês conhecem minha namorada, ela é...nossa...perfeita... – Expirou sorrindo. – Ela é inteligente, linda, advogada e eu sou...só o .
- , meu amigo. – Lewis chamou a atenção do alemão, segurando seus ombros e olhando em seus olhos. – Pare de surtar.
- É, cara, Lewis está certo. – Bottas garantiu. – Ela te ama, eu acompanhei o processo de perto, sei bem do que estou falando. Aliás, fico até emocionado, porque me lembro como se fosse ontem o dia do primeiro encontro de vocês. – Sorriu com olhar brilhante.


2020

balançava a perna ansiosamente, nervosa demais, agitada demais, tinha vontade de correr, gritar e de se beliscar para ter certeza se aquilo tudo era real. Dividindo a mesa com ela, ninguém menos que () (), que escolhia um vinho, concentrado.
A advogada suspirou e sorriu fraco, se algum dia alguém contasse que aquele momento aconteceria teria tido crises de risos. Pensava nisso desde o momento em que o alemão fizera o convite, na noite anterior. Quando contou as amigas, um clima quente e alegre de gol em copa do mundo tomou conta do ambiente. Era bom ver as amigas felizes junto, até mesmo Valtteri, que as vezes quase não entendia o que diziam, estava sorrindo e comemorando.
Depois do anúncio, um plano fora estrategicamente traçado, o cronograma do dia seguinte deveria ser seguido com muito cuidado, para que tudo corresse bem. ainda teria alguns dias de folga em São Paulo, então o trabalho já era uma preocupação a menos, assim poderiam ficar concentradas no encontro e em tudo que precisava ser feito.
Por isso, depois de fanficarem quase a noite toda sobre as possibilidades do encontro, e depois de Valtteri contar tudo que sabia sobre , estava pronta para a maratona do dia. Primeiro, shopping, ninguém anda por aí com um look perfeito para o encontro com na mala. Toda manhã fora gasta passeando por lojas e lojas do shopping, em busca do look perfeito. Depois de vencerem a primeira tarefa, era vez de passarem a tarde num spa, massagens, limpeza de pele, esfoliações, depilação e tudo que tinham direito, afinal, teria um encontro, mas ninguém ali precisava de motivos para ficar linda e hidratada.
Depois do spa e de comerem qualquer besteira em uma lanchonete qualquer, era o momento do salão, maquiagem, sobrancelha, unhas, cabelo, a combinação perfeita para aquele momento memorável. E ainda assim, depois de toda aquela maratona interminável, sentia que podia disputar uma prova olímpica de canoagem considerando o nível de energia reprimida em seu corpo.
Na hora marcada, quando o alemão chegou para busca-la, e foram ao seu encontro, duplamente agitadas e ansiosas tanto quanto a advogada. “Parece que ele só tomou banho”, resmungou para em seguida, o defender, “claro que não, ele cortou o cabelo também.” Mas não importava, podia ter ido até com o macacão da Ferrari para aquele encontro, não faria diferença alguma para ela. Mas talvez fizesse para , que não conseguiu disfarçar o olhar embasbacado e encantado diante a beleza da mulher, preto caía muitíssimo bem em . Durante todo trajeto até o restaurante, o alemão se esforçava para controlar a língua, que insistia em dizer a cada dois minutos o quanto a advogada estava deslumbrante e linda com aquele vestido.
mal podia acreditar que aquela mulher, tão linda e encantadora era sua companhia para a noite.
- Tarefa concluída? – brincou, assim que devolveu a carta de vinhos ao garçom.
- Eu espero que sim. – O alemão respondeu, com os olhos sutilmente arregalados e um sorriso ansioso nos lábios.
- O que? – Ela riu da expressão assustada dele. – O que você pediu?
- Eu não tenho ideia. – confessou, fazendo a advogada gargalhar. – Não ria, eu juro que dei meu melhor.
- Você não toma vinho? – Ela quis saber.
- Eu tomo, claro...mas não sou um especialista, nem conheço vinhos brasileiros. – Ele contou um pouco envergonhado, encarando o guardanapo no colo e sentindo as bochechas esquentarem.
- Fique tranquilo. – sorriu, estendendo a mão para ele. – Eu nem gosto tanto de vinho assim.
- Ah, obrigada. – Ele riu irônico. – Acabei de passar pelos dez minutos mais tensos da minha vida e descubro que nem era tão importante assim.
- O que? Achei que estivesse acostumado a um pouco de pressão, . – provocou.
- Pressão numa pista, correndo a trezentos por hora? Fácil. A pressão de escolher um vinho para nosso primeiro encontro? Eu estou quase tendo uma parada. – Disse com a mão no peito.
- Está dizendo que um encontro comigo te assusta mais que correr na Fórmula Um, senhor ? – fingiu-se de ofendida.
- Claro. – Ele confirmou. – Me deixou muito mais ansioso do que qualquer embate contra o Lewis, Massa, qualquer um. – Ele falou sério, mas começou a rir assim que percebeu o queixo de Carol cair, possessa com a revelação dele. – É brincadeira, brincadeira. Mas me assusta, de um jeito diferente, mas mesmo assim, assusta.
- Eu acho bom, porque estive muito perto de furar sua garganta com uma faca de peixe. – Ela o ameaçou com o olhar.
- Por favor, no meu pescoço nada de facas. – Ele levantou as mãos, se rendendo. - Só outras coisas... – Piscou e sorriu, travesso.
- Você é inacreditável, . – A advogada balançou a cabeça negativamente, sorrindo. – Mas eu fiquei curiosa, por que eu te assusto? – Perguntou, arqueando a sobrancelha.
- Nossa, ela é do tipo que gosta de falar das coisas complexas. – O alemão desconversou, desviando o olhar propositalmente.
- Sou advogada, gosto de explorar pontos fracos. – deu de ombros.
- Os meus pontos fracos? – apontou para si, rindo entre dentes.
- Não, os meus. – Ela confessou, e o alemão umedeceu os lábios, expirou e sorriu de canto.
- Então, acho que você acabou de me dar liberdade para especular que você está assustada também. – Disse.
- E não era para estar? Estou num encontro com um campeão mundial, alguém que admiro há anos...não me assustar não é uma possibilidade.
- É só por isso? Só quem eu sou te assusta? – quis saber, curioso, aproximando-se da mesa. – Não te assusta o que está sentindo?
- O que acha que eu estou sentindo, ? – arqueou uma sobrancelha, desafiadora.
- Não sei. – Ele disse, voltando a se recostar a cadeira e suspirando, enquanto balançava a cabeça negativamente. – Não tenho ideia sobre isso. Mas sei o que eu estou sentindo.
- E o que é que está sentindo? – Ela indagou.
- Uma nostalgia boa, como se eu fosse um adolescente de novo, com direito a frio na barriga e mãos suando. – Ele sorriu. – Mas ao mesmo tempo, é algo muito novo, como seu eu nunca tivesse passado por isso antes e estivesse prestes a dar tudo para continuar experimentando.
- Isso parece profundo.
- E é, eu acho pelo menos. – Ele concordou. – Mas estou curioso para ver até onde isso vai me levar. Mas, vamos, em solidariedade a mim, diga como se sente. – Pediu.
- Saltando num escuro quente, que faz meu estômago revirar e ao mesmo tempo congelar. – confessou, sem pensar nas consequências. – Vivendo algum tipo de fantasia maluca. – Sorriu.
- Foi um jeito bem poético de dizer. – elogiou e a advogada levantou os ombros, sorrindo. – Eu sempre achei que essa coisa de primeira vista fosse ficção, mas acho que não.
- À primeira vista? Achei que tivesse se encantado comigo quando roubei sua água. – gracejou.
- Tem razão, vou reformular. – piscou. – Encantamento ao primeiro furto. – Gargalhou, dando espaço ao garçom quando os pedidos chegaram.
- Não tenho culpa se você não quis ceder e entregar a água sem o uso da força. – Ela implicou.
- Sabe o que mais me chamou atenção naquele dia? – Ele mudou o rumo da conversa de repente e apenas assentiu e o encarou curiosa. – Qualquer pessoa que entrasse ali e me encontrasse, teria tentado me bajular. – Ele continuou. – Ou coisa parecida, mas teria dito ou feito algo porque eu sou um piloto, mas não você.
- Não eu. – A advogada sorriu encabulada.
- Você me tratou como se eu fosse uma pessoa qualquer, olhou através de toda essa neblina de fama e viu a mim, o homem que não quis te entregar a água. – riu entredentes.- E eu fiquei pensando naquilo, em como você me enfrentou, levou toda minha água como se eu fosse só...só eu.
- Você diz como se isso fosse a coisa mais extraordinária do universo. – estreitou o olhar, um pouco sem jeito por saber que tinha gastado certo tempo pensando nela.
- Mas é, é muito. – Ele garantiu. – Isso não é muito comum, eu sempre sou visto como o piloto, e nas raras ocasiões que isso parece não acontecer, sou atravessado pela minha carreira. É como se eu não tivesse mais uma vida além do trabalho, como se eu só fosse o piloto, o tempo todo, de todas as formas. E você não me olha assim, nos seus olhos eu consigo ver o homem , só eu.
- Eu...- hesitou. – Não sei o que dizer, não tenho palavras...
- Não precisa dizer nada, só continue aí, sorrindo e sendo você, isso já me basta. – sorriu grande.

A advogada precisou conter o impulso de se jogar nos braços do alemão naquele instante. Como parecia ter as coisas certas para dizer sempre? Como era capaz de parecer incrivelmente fofo quando ficava envergonhado? O que tinha que a prendia tanto? Era amor de fã ou algo mais?
Àquela altura tudo já estava misturado demais, confuso demais para se separar em caixinhas, como ela gostava. era o piloto famoso de Fórmula Um, mas também era o homem que estava sentado à sua frente, com sobrancelhas juntas e olhar concentrado no beef wellington que cortava para depois levar a boca. Quando estavam naquela posição, a sós, como no dia que ficaram presos juntos, ou quando ele a beijou perto dos motorhomes, ou ali durante o jantar, aquele homem de olhar doce e sorriso gentil parecia só um homem, simples e inteiro.
Para alegria de , era assim que ele mais amava ser visto e sentia tanta falta, falta de conseguir ser ele mesmo, sem precisar vigiar cada ação, ou pensar em cada sílaba que fosse proferir. Com ele sentia até poder falar de seus medos, de suas curiosidades bobas sobre a vida, sobre sua playlist de músicas de gosto duvidoso que tentava esconder de todos. Era tudo muito recente, havia conhecido a mulher na sexta, e ainda era segunda, mas algo diferente estava acontecendo ali, podia sentir. Não era um adolescente iludido pelo primeiro amor, era um homem adulto, sabia muito bem como as coisas eram e por mais que tentasse racionalizar, não conseguia. Estar com aquela mulher havia virado sua cabeça da noite para o dia, mas não de um jeito ruim.
despertava vontades e ansiedades há muito tempo adormecidos, tanto tempo que o alemão já havia se esquecido que estavam lá. Talvez aquela velha história de que não é o tempo, mas sim a pessoa seja no fim uma grande verdade.


Depois de um jantar regado a muito riso e histórias constrangedoras, estava no banco do carona, com o cotovelo apoiado na porta e uma mão apoiando o queixo, observando os pingos grossos de chuva que caiam do céu e borravam a luz dos semáforos, enquanto dirigia concentrada. Não era uma tarefa simples dirigir na chuva ao lado de um piloto profissional.
- Velocidade Máxima, mas sem o Keanu Reeves. – disse de repente.
- O que? – A advogada desviou o olhar da rua rapidamente, para encará-lo, sorrindo confusa.
- É, o seu filme. Sabe, se você tivesse um filme, esse seria mais um título possível. – O alemão deu de ombros.
- Não acredito que você ainda está fazendo piada com isso. – balançou a cabeça negativamente e viu o piloto gargalhar.

Desde o instante em que contara a a história sobre o dia que havia fugido de um arrastão dirigindo o mais rápido que podia, sem olhar para trás, não havia parado de sugerir nomes possíveis para filmes sobre o incidente. E toda vez que a advogada pensava ter esgotado todas as opções, o alemão surgia com mais vinte diferentes e inéditas.
- Estou com mais medo ainda agora. – escorregou o corpo pelo banco, encarando a mulher. – Seu plano era roubar minha água, depois me encantar com seu jeito, para então me substituir, não é? – Brincou.
- Claro que não, sou mais ambiociosa que isso. – Ela deu de ombros. – Quero o lugar do Lewis Hamilton. No mínimo.
- No mínimo? – O alemão gargalhou. – Me sinto no dever de informa-lo. Desculpe, mas você não vai sair impune, não desta vez.
- Droga, sabia que não era uma boa ideia contar os planos secretos para o loiro alto da história. – ela resmungou, entrando no jogo.
- Loiro alto? O que tem a ver? – franziu o cenho confuso.
- Loiros altos são sempre os mocinhos, protagonistas. – Explicou.
- Primeiro, não. – negou, ajeitando-se no banco, mas ainda com olhar preso ao rosto da motorista. – Segundo, que bom que me vê como protagonista dessa história. As minhas favoritas são quando o herói se apaixona pela vilã, é bem mais interessante. – piscou, atraindo a atenção de que acabara de estacionar.
- Então ser vilã será um prazer. – Disse ela.

Os dois se encararam, a conexão entre seus olhos e as forças entre dos dois eram tão fortes que se tornava quase impossível que ficassem longe. Como se os lábios tivessem sido moldados para aquele encontro, a forma perfeita um do outro, como se houvessem nascido para aquele momento, para estarem juntos.
- Baby driver. – sussurrou, com olhos presos ao dela. Estavam tão perto que a advogada sentiu o hálito de vinho do alemão se chocando contra seu nariz.
- Realmente, essa foi a coisa mais romântica que alguém já me disse. – ironizou e os dois gargalharam.
- Desculpe, é que as vezes eu me atrapalho. – Ele encarou as próprias mãos, envergonhado. – Mas é um bom filme. - Disse dando de ombros.
- É, é sim.
- Posso pedir uma coisa? – tornou a levantar o olhar, e ela assentiu devagar. – Me mostre sua playlist, vamos ver o que minha baby driver particular anda ouvindo por aí. – Pediu sorrindo malandramente.
- Sua baby driver? – A advogada franziu o cenho, ainda sorrindo.
- É, por essa noite, pelo menos. – explicou, afastando uma mecha de cabelo do rosto dela. – Por essa noite, você é a minha motorista...- Sussurrou.
- Eu conheço outras formas de passar vergonha que não seriam tão horríveis. – Ela ironizou, um pouco envergonhada, enquanto desbloqueava o celular para localizar suas playlists.
- Ah, vamos, tenho certeza que suas músicas devem ser ótimas. – encorajou-a, quando recebeu o celular da advogada. – Vamos ver aqui...huh...nossa, muitas músicas. – Ele comentou compenetrado.
- O que você está fazendo? – Ela estranhou.
- Eu não faço ideia. – Ele gargalhou, inclinando o corpo para frente. – Não tenho ideia, não conheço nenhuma dessas músicas. – Admitiu.
- Meu Deus, você até fingiu bem no início. – A advogada riu alto.
- Vou escolher aleatoriamente e vamos torcer. – Ele avisou, secando algumas lágrimas que escorriam de seus olhos, ainda tentando recuperar o folego depois do riso. – Cruze os dedos. – Pediu.

No instante seguinte, 305, de Shawn Mendes preencheu todo carro. maneou a cabeça, como quem diz que no final tudo deu certo e sorriu, baixando o olhar.
- Até que não foi muito ruim. – A advogada sussurrou.
- Eu até sei fazer um momento romântico. – O piloto piscou.
- Essa é a hora? – perguntou, atraindo o olhar curioso dele. – A hora que eu volto a ser a , a carruagem vira abóbora e o príncipe vai embora depois das doze badaladas?

suspirou, encarando a chuva que caía pesada no para-brisa, misturando seu som com o da música que tocava dentro do carro. Queria ter certeza do que diria, não era de sua vontade gerar expectativas que não poderia superar, principalmente em alguém tão especial.
- Eu não quero ir. – declarou depois de longos instantes. – Não quero ir para longe, não sem você.
- O que você está dizendo? – o encarou com olhos arregalados.
- Eu não sei o que aconteceu, não quero ser precipitado, e no fundo sinto que não estou sendo. – Ele explicou, girando o corpo, para que ficasse mais próximo dela e pudesse segurar suas mãos. – Só sei que eu quero ficar, quero passar todo tempo que eu puder com você, rindo das suas histórias, cuidando de você, rindo das suas piadas e torcendo para você fazer mais. Eu quero. Não sei o que aconteceu. – riu nervoso. – Não sei se isso é uma obra do destino, se estávamos predestinados a esse momento ou coisa do tipo, a única coisa que eu sei é que desde o momento que te vi pela primeira vez, não consegui esquecer seu olhar, e desde o dia que te beijei pela primeira vez...que não faz muito tempo, eu sei. – Ele hesitou, sorrindo, e segurou o rosto dela entre as mãos. – Desde o dia que beijei você pela primeira vez, algo me disse que eu deveria fazer isso pelo resto da minha vida.

O coração da advogada não parecia dar conta de bater no ritmo daquela emoção. Aquelas palavras, tudo era tão mágico e lindo, mal podia acreditar que estava realmente vivendo aquele momento. Por isso, respirou fundo, deixou de lado a vozinha irritante que gritava para ela correr e resolver, só desta vez, confiar nos sentimentos que tinha.
- Então fiquei. – Pediu, com voz firme.

a encarou surpreso, os cantos de deus lábios se curvaram num sorriso aberto e grande, e ele a beijou. Com toda certeza que tinha no coração, tentando transferir para ela toda vontade, toda pureza do sentimento que ocupava seu coração.
Se alguma dúvida habitou o coração dos dois enquanto conversava, havia sumido totalmente durante o beijo. Não existiam mais incertezas, medos, inseguranças, somente os dois, o som da chuva, o carro quente e uma música animada que tocava. Uma sensação doce e acolhedora os arrebatou, pertencimento, haviam encontrado um no outro a melhor coisa que se pode encontrar em alguém. Haviam encontrado o lar.



Presente

No Grande Prêmio da Espanha, depois de um surpreendente choque entre as duas Mercedes por causa da pista molhada, e abandono da Red Bull por problemas com os motores, o pódio estava sendo comemorado. Mesmo que Valtteri e Lewis estivessem frustrados com a corrida, assistiam à premiação sorrindo, ao lado das quatro amigas que não paravam de comemorar. estava no primeiro lugar, ostentando um dos maiores sorrisos que o mundo já havia visto, orgulhoso de uma corrida difícil e cheia de problemas, mas que assim como em sua vida, havia tido o brilho final mais mágico de todos, a vitória.
Ao seu lado, em segundo lugar, Lance Stroll sorria, acenando para e trocando olhares animados com Esteban Ocon, o terceiro no pódio.
Era uma das melhores sensações, vencer, conseguir que tudo desse certo e no final se deleitar com o resultado. O alemão sentiu as lágrimas encherem seus olhos, principalmente quando seu olhar cruzou com o de , que assistia tudo com um sorriso bobo no rosto, olhos marejados e mãos juntas, como se fizesse uma oração para agradecer. Era ela, tinha certeza, era ela.
Tudo estava claro, não que fosse uma surpresa, já pensava naquilo há algumas semanas, estava até pronto para o momento, preparando tudo com ajuda dos amigos. Mas naquele instante, embasbacado com a sorte que possuía em ter uma mulher tão especial apaixonada por si, o alemão decidiu, não esperaria mais.

- Vocês estão vendo o mesmo que eu? Estão vendo aquele olhar? – Valtteri perguntou, abraçando a noiva por trás e colocando a cabeça entre ela e .
- Do que você está falando? Que olhar? – indagou confusa.
- . – O finlandês apontou com o queixo. – Olhem bem para ele.
- Ele está feliz e emocionado, acabou de vencer. – deu de ombros, seu rosto estava molhado de lágrimas de felicidade.
- Não esse olhar, estou falando do outro olhar. – Valtteri insistiu. – Perceba para onde ele está olhando.
- Para a . – respondeu, se curvando para observar melhor a advogada.
- Exatamente. – Bottas estralou a língua e arregalou os olhos, segurando com firmeza o pulso da amiga.
- Aí, não. Você não acha que ele...não acha que...- A mulher tentou dizer, mas as palavras sumiram de sua boca.
- Que ele vai estragar nosso planejamento de duas semanas? Tenho certeza disso. – Valtteri afirmou, um pouco mal-humorado. – Eu conheço aquele olhar, ele está prestes a fazer isso.
- Do que vocês estão falando? – quis saber, curiosa.
- Assuntos internos, rakkaani. – O finlandês cortou.
- Ai, gente, sabe que eu estou tão feliz com a vitória do e do Lance que nem parece que meu cavaleiro negro quase morreu hoje. – disse emocionada, se juntando ao trio.
- Achei que vocês não tinham nada sério. – provocou.
- Para de ser estraga prazeres. – Ela reclamou. – O que importa é que o Valtti e o Lew estão bem e que os meninos venceram.
- Isso eu tenho que concordar. – Valtteri sorriu.
- Eu estou achando tão lindo a toda feliz com a vitória do . O olhar deles não desviou um do outro nem por um segundo, cara. – contou, emocionada.
- Eles são muito românticos, né? – sorriu. – Aí, eu não aguento esse casal. Perfeitos.
- Falando em casal? – Valtteri indagou, se esticando para tentar encontrar no meio da multidão e da bagunça do pódio.
- Onde que ele se enfiou? Ai, não! – arregalou os olhos de novo.
- Do que o Pinky e o cérebro estão falando? – perguntou a , que apenas levantou os ombros, tão confusa quanto a outra.

Valtteri e se afastaram um pouco do grupo, tentando encontrar o amigo, mas quando vislumbraram a figura alta e loira de se aproximando de , já era tarde.
- Depois a gente mata ele, agora vamos deixar as coisas fluírem naturalmente. – aconselhou, colocando a mão no ombro de Valtteri, o impedindo de se aproximar de e .
- Meu amor...- A advogada rumou para os braços do piloto, mas parou quando ele pediu calma e sorriu, mantendo-se há alguns passos de distância.
- Eu preciso de um minuto, tenho umas coisas para falar e tem que ser agora. – O alemão avisou, correndo os olhos da namorada para a dupla, e Valtteri, que estavam por perto.
- O que foi? – quis saber, um pouco assustada. Algumas câmeras e pessoas também voltaram sua atenção para o momento.
- Há algum tempo, uma mulher entrou como um furacão na minha vida, ela não buscava nada, não queria nada de mim, além das coisas simples. Primeiro, queria água, simplesmente. Mas eu dei a ela meus pensamentos, todos eles, completamente devotados a ela. – sorriu, respirando fundo em seguida. – Depois, ela quis jogar conversa fora, presa numa sala pequena junto a mim, ela só quis conversar, mas ali eu deixei com ela toda minha curiosidade e interesse. Essa mulher...ela tinha uma simplicidade, um jeito fácil e calmo de ver a vida que me fez pensar que tudo podia ser simples, que tudo podia ser fácil e alegre, assim como ela. Então, ela só quis respirar um pouco, ou como ela mesmo disse, ver como estava a comemoração da concorrência. – O alemão sorriu, e junto a ele, todos que acompanhava o momento.
- ...- tentou dizer, com voz embargada e olhos marejados, mas ele a impediu com o olhar.
- Naquele dia, entre as ironias e os flertes sinceros, eu dei a essa mulher o meu coração. Não percebi no momento, mas já não conseguia imaginar acordar e não encontrar com aquele sorriso, aquele olhar. – O piloto alemão deu mais alguns passos, aproximando-se mais um pouco. – Eu, há muito tempo, não estava acostumado com a simplicidade da vida, com palavras ditas apenas para traduzir sentimentos, com verdade, com calor. , minha , eu amei você antes de entender que podia amar de novo. Você tem sido meu farol nas noites escuras, minha sombra fresca nos dias quentes demais, meu banho quente nos dias frios, a brisa fresca nos dias mais insuportavelmente quentes. – sorriu. – Eu estou nessa montanha russa com você, morrendo de medo que você em algum momento enjoe de mim e de tudo isso, porque eu não saberia viver sem você, não posso pular por aí sem meu paraquedas.
- Eu não vou enjoar. – Ela balançou a cabeça negativamente, sorrindo e chorando de emoção.
- Não? Que bom. – tocou o peito, expirando aliviado. – Porque eu estou aqui, justamente para oficializar isso. É de minha vontade, doutora , que você seja para sempre a minha , a futura senhora , mãe dos meus filhos e rainha da minha vida. Você já é tudo isso, mas eu a amo tanto e tenho tanto orgulho de estar ao seu lado, que quero tornar eterno. Por isso eu estou aqui, diante de você e toda essa gente que está tirando fotos. – sorriu nervoso, enquanto se ajoelhava. – Para perguntar se, você, , , me concederia a honra de ficar ao seu lado até o final das nossas vidas? – Ele propôs, retirando do bolso o anel solitário.
- ...- A advogada tinha as mãos na boca, e expressão feliz e surpresa, olhos marejados e emocionados. – Eu nem sei o que dizer...
- É sim ou não, . – Alguém gritou, fazendo o casal e os repórteres rirem.
- Meu coração nasceu para te pertencer, . Assim como eu nasci para estar ao seu lado. Eu aceito, claro que aceito. – Ela sorriu grande, pondo-se de joelhos também, e atirando-se aos braços dele.
- Eu sou o homem mais feliz do mundo. – declarou. – Eu sou o homem mais feliz do mundo! – Gritou.
- Eu te amo, ! – gritou para o céu, fazendo o alemão sorrir com os olhos, e então colocar o anel em seu dedo.
- Eu te amo, ! – Ele também gritou.

E naquele instante, mais do que um casamento começaria a ser criado, mais do que apenas uma família. Naquele momento, algo maior e muito mais poderoso, que já existia entre os dois, enfim tomou forma e começou a existir para todos. Naqueles instantes fora criado um Lar



E foram felizes...



Nota da autora: Essa história surge de um lugar de amor que me arrebata toda vez que penso sobre.
O que será que acontece se você juntar 4 das mulheres mais fanfiqueiras em um grupo e as fizer tornar amigas?
Bom, aí está sua resposta.

Me apaixonei pela Carolina assim que a conheci, a seriedade e o jeito "na dela" nunca conseguiram disfarçar ou camuflar o brilho da essência dessa mulher incrível. Me apaixono por ela todos os dias, quando me elogia, quando diz que me ama também, quando escuta meus surtos, quando chega "na voadora" para em defender não importa qual seja a situação, quando percebe meus detalhes e as menores singularidades e as transforma em textos lindos e tocantes. Carol é o tipo de amiga que você quer ter, mas não sabe onde achar, porque são raras demais para se encontrar em qualquer lugar.
Amo você, minha schatz.
Obrigada por me permitir ser sua amiga.

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Drive to Survive: Valtteri Bottas
Ele
Labios Compartidos
O Destino nos Trouxe a Munique
Por Todas as Nossas Vidas
The Curve of a Dream
The Curve of a Dream:A Tribute


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