Postada em: 05/08/2018

SUPERCUT

“In your car, the radio up
We keep trying to talk about us
I'm someone you maybe might love
I'll be your quiet afternoon crush
Be your violent overnight rush
Make you crazy over my touch
But it's just a supercut of us”
(Lorde)


— Você sabe que não devia fumar assim... – o tom dele demonstrava que não era a primeira vez que entravam naquele assunto, e a forma como suspirou pesadamente antecipava a argumentação que viria a seguir. Gostaria de poder controlar a própria língua, mas não conseguia refrear-se a cada vez que a maldita acendia um cigarro na sua frente.
E não era porque o gesto a tornava menos atraente, antes fosse. Ali, com corpo coberto pela camisa social que ele próprio vestia há um par de horas, os cabelos rebeldes em fascinante desordem, aquele par de íris tão claras que ainda eram capazes de atormentá-lo se encarasse demais, e o cigarro entre os dedos, ela era provavelmente a mulher mais atraente em que ele já havia colocado os olhos.
A jovem levou o cigarro preguiçosamente até os lábios cheios antes de sorrir, soltando a fumaça como um beijo. Dolorosamente sexy.
— Por quê? Porque eu sou mulher e ‘não é bonito mulher fumando’? – fez aspas com os dedos, um sorriso quase provocativo preso ao canto dos lábios – Ou porque eu sou nova demais pra estar ‘estragando a minha vida com o cigarro’?
— Porque você é uma atleta, ... – ele suspirou, cansado. Não era a primeira vez que tinham aquela conversa, e se bem conhecia a menina-mulher à sua frente, não seria a última – Você é uma jogadora de futebol profissional, eu realmente não deveria precisar dizer o quanto isso é ruim pra você...
— Então não diga, Dios mio! – refutou, incomodada. A lista de defeitos de Francisco Alarcón era vergonhosamente curta, especialmente se comparada à sua, mas aquele definitivamente era um deles: o homem era o ser mais politicamente correto e irritantemente certinho que ela já conhecera em seus 20 anos de idade — Buffon fuma feito um condenado a vida inteira e eu não vejo ninguém falando nada... – a garota bufou, tragando uma última vez antes de apagar o cigarro teatralmente na mureta de concreto em que se apoiava – Pronto, pai. Eu sinto muito por ser uma menina tão má. – resmungou, a ironia pingando de cada palavra, enquanto se virava de costas para o homem, ocupando-se de observar a vista privilegiada que o alto do prédio lhe concedia da cidade.
A compra daquele apartamento havia gerado o caos a família: seu pai insistira que era uma péssima forma de aplicar suas primeiras economias, a irmã insistia que comprasse algo mais perto de sua casa e a mãe argumentava que ela nunca conseguiria tornar aquele lugar habitável. De fato, não era o mais moderno dos imóveis – foram necessárias algumas reformas e muita criatividade decorativa, a fim de deixar o lugar a sua cara... Mas o que nenhum deles compreendia era o quão incrivelmente bem se sentia quando estava ali em cima, naquele espaço que nomeava divertidamente como ‘sua cobertura’, mas que não passava do topo do prédio conectado ao apartamento por uma escadinha de madeira esquecida pelo proprietário anterior.
Não era muito, de forma alguma... Se a irmã gostava de chamar de ‘pedacinho do paraíso’ aquela propriedade incrível que Nacho comprara para ela, se imaginava um tanto mais modesta ao pensar que sua parcela do céu estava a alguns degraus de distância: era ali, sentindo o vento frio da noite madrilenha no rosto e observando a cidade do alto, do topo de seu mundo, que ela se sentia em paz.
E não seria Isco quem tiraria dela esse sentimento.
— Não precisa ficar brava, ... – suspirou, aproximando-se da garota e cedendo aos seus encantos e desmandos, como de costume – Sabe, eu já tenho uma criança, não posso lidar com a birra de duas... – implicou, apertando a cintura dela com dois dedos, fazendo com que a garota se encolhesse.
— Ótimo! – a jovem respirou fundo, olhando demoradamente as luzes do centro da cidade antes de responder – Eu e Isquito nos viramos muito bem sozinhos, se quer saber. – completou, e a esse ponto uma sombra de sorriso já brincava no canto de seus lábios, fazendo um ainda maior surgir no rosto do rapaz.
— Eu sei disso... – Isco tomou a garota entre os braços, virando-a para que o encarasse – Você se vira tão bem sozinha que eu me sinto mal, às vezes... – confessou, baixando os olhos para as mãos da garota, que tomara entre as suas, uma vez que não conseguiria encarar os olhos grandes e inquietantes de .
— E por quê? – ela perguntou, e novamente o sorriso provocativo aparecia no rosto de menina contestadora e rebelde – Isso é uma coisa boa, Francisco.
— Eu sei. – Isco se apressou em corrigir, cometendo o erro de focar os grandes olhos azuis da mulher no processo. o fitava com curiosidade, daquele jeito que o desconcertara desde o primeiro instante em que se viram, no casamento da irmã da jovem com seu amigo, Nacho – Acho que no fundo eu gostaria que você precisasse um pouco mais de mim... – admitiu, encolhendo os ombros especialmente após a gargalhada aberta que veio dos lábios da garota.
— Dios mio, Francisco... – revirou os olhos, segurando o rosto do rapaz entre os dedos – Você nasceu no século errado... – completou, antes de se impulsionar para o alto do muro, sentando-se de costas para a cidade.
— Desce daí, , você vai cair... – Isco pediu, tenso, segurando-a pelos joelhos.
— Por que você não sobe? – propôs, virando-se na outra direção, de frente para a vista de Madrid – É lindo aqui em cima... – murmurou, flagrando-se mais uma vez admirada com a beleza de sua cidade natal. A mais bonita do mundo, se alguém requisitasse sua desimportante opinião.
, você enlouqueceu? – Isco exclamou, preocupado, segurando-a pela cintura – Desce daí, parece uma criança, Dios mio!
— Sobe você. – a garota retrucou, não resistindo à tentação de provocá-lo – Anda, para de ser medroso! – implicou, vendo o homem franzir o cenho antes de juntar-se a ela no muro.
— Você tem algum problema, sabia disso? – Isco suspirou, e a garota não deixou de perceber que ele evitava olhar para baixo. Uma graça.
— Tenho vários, querido. – ela riu, e naquele momento sentiu falta do cigarro entre os dedos. Não devia tê-lo apagado... Aqueles malditos olhos castanhos de Francisco, entretanto, tinham o incômodo poder de fazê-la ceder às suas vontades caso se deixasse levar por eles – Nacho me conhece desde os 14, reclame com ele por não ter te avisado no que estava se metendo...
— Ele avisou. – Isco sorriu de canto, arriscando uma olhadela para o trânsito abaixo de seus pés. Podia entender o que tanto gostava de ver ali em cima, era uma vista admirável, mas ainda assim sentia um frio no estômago.
Frio este que lhe fazia recordar o dia em que a conhecera: ela usava seu vestido de madrinha com coturnos que provavelmente haviam feito a mãe se descabelar, e não tirara a charmosa argolinha que usava no nariz nem mesmo sob protestos familiares. A figura da garota gritava ‘trouble’, e ainda assim lhe parecia magnética e absurdamente aterradora.
Qual não foi sua surpresa ao descobrir que a versão rock n’ roll da Princesa Disney era sua parceira na entrada dos padrinhos? Antes que ele se apresentasse, a menina lhe lançou um sorriso daquele seu jeito esperto, tomando seu braço antes que pudesse fazê-lo. “Muito prazer, Isco Alarcón. , irmã da noiva e seu problema na noite de hoje. Faça bom proveito.”
Os mais crédulos poderiam dizer que havia realizado uma premonição: de fato, ela havia sido problema dele durante toda a festa de casamento. E também por aqueles seis meses subsequentes, em que haviam se envolvido naquele ‘não-relacionamento’ que era, em iguais proporções, leve e complicado. Conviver com era feito um passeio de montanha-russa, o próximo loop podia estar sempre no instante seguinte.
—Talvez você devesse ter escutado. – ela murmurou, e um incômodo esquisito apertou seu peito àquelas palavras. Isco sorriu de canto, afagando os cabelos dela com os dedos delicadamente.
— Você tem meu tipo preferido de loucura, . – respondeu e, vendo que ela o encarava com curiosidade, explicou – Você é louca pela vida. Isso me assusta, eu não vou negar. Mas também me faz mais vivo.
O sorriso que se desenhou nos lábios de veio devagarinho, mas quando tomou todo o seu rosto, foi provavelmente o mais sincero que Isco já havia arrancado dela. Aquilo era muito a cara dele: a imensa facilidade em saber sempre o que dizer, que contrastava com a absurda dificuldade que ela tinha em expor seus sentimentos. Por vezes, a garota se questionava se realmente merecia toda aquela insistência dele em fazer com que funcionassem... No entanto, sempre que estava prestes a pular do barco e deixar que ele seguisse a vida procurando outra mais madura e disposta a viver conforme as regras dele, Isco vinha com algo assim, como aquela que era, sem dúvidas, a declaração mais bonita que poderia ouvir de alguém.
— Você não é assim tão diferente de mim... – ela sorriu de canto, sem saber bem como responder. Típico. – Claro que falta o toque transgressor e a pegada rebelde radical – ironizou, arrancando dele uma gargalhada – Mas você também vira o mundo de cabeça pra baixo pra conseguir o que quer, Isco. Isso é lindo.
— Mas ainda não consegui tudo. – ele sorriu, erguendo os olhos para o céu salpicado de estrelas.
— A Copa já tá chegando, Champs, não se afoba! – brincou, balançando as pernas sobre o vazio e observando o movimento pendular para evitar o contato visual.
— Você me entendeu, ... – Isco suspirou, entrando finalmente no assunto que o incomodava. Ele não era mais um garoto, sabia muito bem o que queria e não via sentido em negá-lo – Relacionamento não é uma prisão, sabe? – ele se armou contra os argumentos que imaginava que ela teria – Nós não vamos perder nada se assumirmos que estamos juntos.
— E o que nós ganhamos com isso? – ela ergueu uma sobrancelha – Sinceramente: o que nós ganhamos com isso, Francisco? Fofoca, notícia, gente falando mais da minha postura como WAG – torceu o nariz à palavra – do que sobre o que eu faço dentro de campo?
— Eu não quero ter que me esconder com você. – ele passou os dedos pelos cabelos, respirando fundo antes de completar – Se eu tivesse mesmo conseguido tudo o que quero, você seria minha, ... – tocou o rosto dela com delicadeza, admirando o modo como os olhos cristalinos esquadrinhavam seu rosto antes de um sorriso cansado tomar o rosto jovial.
— Eu espero de todo o coração que você não prenda a sua felicidade a isso, Francisco... – respondeu, sincera, afagando os dedos dele – Você não entende, né? – respirou fundo, olhando as luzes da cidade antes de completar, sorrindo – Isco, se um dia eu me tornar ‘de alguém’, significa que eu deixei de ser minha. E aí não vai ser mais essa que vai estar do seu lado...
, você não... – ele suspirou, mas a garota interrompeu seu argumento com um beijo suave que agia feito um verdadeiro pacificador, acalmando todos os seus anseios.
Ela podia nunca chegar a ser dele, mas ele já era seu.
— Eu estou do seu lado porque é isso que me faz bem... – murmurou – Mas se um rótulo ou um status de relacionamento for tão importante pra você, tem muitas garotas por aí que você faria muito feliz, e que te fariam feliz também, Francisco... Sem montanha-russa, sem stress, sem te assustar com tanta sede de vida – continuou, e confessar que talvez não fosse a melhor pessoa para ele era provavelmente a atitude mais madura e também a mais difícil que já tomara em toda a vida – Mas se você quiser ficar, eu quero que saiba que escolhi ser livre contigo.
O rapaz cerrou os olhos, a testa colada a dela. Os dedos seguravam os pulsos dela com carinho, e podia sentir o coração da garota acelerado pela expectativa da resposta... Isco conhecia o suficiente para compreender o que aquilo exigia dela, e tomou um momento para finalmente deixar que a verdade daquelas palavras o atingissem: ela era dona de si, e ainda assim o havia escolhido. Havia nisso uma beleza singular.
Seriam livres. Juntos.


Fim.



Nota da autora: Olá olá! Se essa é sua primeira vez lendo Galácticos, queria te contar que essa é uma série de contos com os jogadores do Real Madrid! Os links estarão aqui embaixo! <3
Ok, hora de confessar: esse é o conto que eu achei que menos fluiu. Mas confia em mim: na minha cabeça, esses dois são um casal e tanto! hahahahaha
Me contem aqui embaixo o que acharam, mesmo tendo sido tão curtinho!
Até o próximo, queridas! Beijinhos!





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Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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