Última atualização: 01/07/2020

Capítulo Único

A parte gramada do salão estava sendo pisoteada por várias pessoas da pequena cidade em que vivíamos. A festa junina era um dos eventos mais esperados do ano e que mais investíamos, tanto que, nessa data, mais três além da “do colégio”, aconteciam.
As bandeirinhas chacoalhavam com o vento frio, apesar do sol de fim de tarde, e ecoavam seu som de papel pelo local, misturando-se com as vozes e os risos dos presentes, que perambulavam entre uma barraca e outra, comendo e bebendo, ou apenas em grupinhos animados. As barracas posicionadas lado-a-lado, formando um arco em frente à entrada, eram coloridas e habitadas por alunos do terceiro ano e funcionários da instituição, esses que não paravam um minuto sequer, tentando atender a todos da melhor forma possível e o mais rápido que conseguiam, para não estender a espera por tempo demais.
Eu me encontrava na barraca do beijo, resultado de um sorteio entre os quatro últimos anos; além de mim, duas garotas que não tinha muito contato e minha melhor amiga, , haviam sido escolhidas pelos papeizinhos. Bernardo, um colega de sala, e mais três meninos dos demais terceiros anos, intercalavam em uma sequência menino-menina, possibilitando uma escolha de acordo com a combinação de cores entre a pulseira que usávamos e o cartão que a garota do caixa entregava.
A escola em si, não apoiava esse tipo de atividade, por isso, não nos vinculamos exatamente com a instituição, apesar de alguns professores estarem colaborando. Nós, do terceiro ano do ensino médio, criamos a parte essa festa, com doações de comércios e dos nossos pais, para ajuda financeira tanto à nossa formatura, quanto à escola.
Apoiada na mão, entediada, observava o movimento. Um sensor dentro de mim apitou e algo disse que devia olhar para a entrada, pois iria gostar do que veria. E apesar de não entender esse pensamento, de coração disparado e feição confusa, obedeci.
Foram segundos até entender e sentir aquilo que já era de praxe cinco vezes mais forte: ele se aproximava.
1, 2, 3, respira, !
As vozes se faziam distantes e o único som que meus ouvidos captavam, era o do meu coração, lá na garganta, sufocando-me de sentimentos e palavras não ditas havia anos.
4, 5, 6, pare de emaranhar os dedos antes que ele note. 7, 8, 9, desarregale os olhos. 10, cumprimente.
— Oi — tomou minha chance, fazendo-me fechar a boca e puxar o ar em uma tentativa de me recompor.
Sorri abertamente, quase virando gelatina, desapoiando o cotovelo do balcão e deixando minhas mãos trêmulas no lugar, ajeitando a postura.
Pé no saco! — usei o elogio de sempre, aquele que trocávamos desde a quarta série.
Falaê, dedo na orelha! — riu do jeito de sempre, causando-me as mesmas coisas ainda mais forte. — Anda espalhando muito sapinho por aí?
Nah... — dei de ombros. — Você seria o primeiro se estivesse segurando a ficha roxa — ajeitei de novo a bochecha no punho, sabendo que isso não aconteceria, apesar da esperança.
se afastou alguns passos, puxando os bolsos da bermuda jeans para fora, e encolheu os ombros em uma cara de pena.
— Não vai ser hoje, tsc.
A vontade de chorar foi grande com tamanha indiferença, porém a amizade continuaria a mesma e meu coração saberia lidar, como sempre fez durante todos esses anos. Não seria o amor por meu melhor amigo que me destruiria, mas sim, o fim dessa relação bonita que alimentávamos desde os seis, sete anos.

O tempo passou andando de carroça e a todo instante alguém encostava lábios com os demais parceiros, o contrário de mim, que continuei trocando o peso das pernas, enquanto ora conversava com , ora notava o quão popular ele era, sempre falando com os caras e meninas que passavam aqui na frente — outro contraste, algumas garotas acenavam para mim, mas nada tão verdadeiro e confiável quanto eu e o moreno ali em frente ou a ruiva ao meu lado.
algumas vezes veio mexer comigo, entretanto, não conseguia encerrar o assunto, por ter que voltar correndo ao seu posto; algo como estar batendo recorde da menina do terceiro C, que ela não ia muito com a cara. Eu só ria e rolava os olhos internamente — coisa que provavelmente já fez com a sua melhor amiga até estarem sozinhas para poder dizer na cara.
— Por um acaso andam dizendo lá no caixa de quem são as respectivas fichas? — acabei perguntando, o famigerado “filtro quebrado de ”.
— Oi? — parou de viajar em um universo paralelo, focando o olhar em mim. — Como assim?
— É, , estão dizendo lá que a ficha vermelha é da , a roxa minha... enfim?!
— Ah... — coçou a nuca. — Não — pigarreou. — Digo, não sei? — parecia confuso, ainda com as mãos atrás da cabeça, a blusa do lado esquerdo um pouco mais erguida e os braços bem mais bonitos que o normal.
Estreitei os olhos, desconfiada. Ele não me parecia muito certo do que dizia.
— Comprou a da Bárbara?
— Quê? Que Bárbara?
— Ficha amarela, a quinta. Ironicamente loira, que você sempre quis beijar — tentando não soar entediada (e talvez um pouco nervosa), chacoalhava minhas marias-chiquinhas de um lado para o outro, explicando.
— Ah... — pareceu finalmente lembrar, talvez me aliviando ou irritando mais ainda. — Isso foi na quinta série, !
— E daí? Até hoje você não realizou seu sonho dos onze anos! E se ele continua aí dentro?
— Quem disse que eu nunca beijei ela?
Minha boca escancarou e a mente reproduziu o sonho de algo quebrando. Não sabia qual lado meu falava mais forte, mas ambos só me levavam a um caminho: a vontade de chorar.
Eu sempre fui meio chorona e meu apelido por um momento era “Manteiga”, só que graças a Deus não grudou a tempo e as pessoas do colégio foram se esquecendo conforme fomos crescendo. E sabia disso — pelo lado da amizade, mas sabia.
— Vo-Você não faria isso sem me contar, faria? — o termo “chocada em Cristo” me descrevia e não conseguia disfarçar.
Os olhos ardiam e provavelmente lacrimejavam, e quando ele deu de ombros, indiferente, e pediu licença para ir ao banheiro, tudo o que fiz foi me ajoelhar atrás do balcão e segurar a barriga, enquanto chorava copiosamente, tentando ser barulhenta o suficiente para chamar a atenção só da . Não queria todo mundo ao meu redor, perguntando o que aconteceu. O outro problema que me tornava eu, era que não sabia mentir.
Meu celular vibrou no bolso e peguei para ver o que era, já que minha mãe havia dito que se caso precisasse de ajuda com meu irmão recém-nascido, mandaria uma mensagem de SOS. E tudo o que mais queria na vida, nesse momento, era recebê-la.

[AAA]: “Tóis conversa sobre isso mais tarde regadas a leite com Toddy...” “Se quiser ir embora, eu juro que dou um jeito aqui e cubro o seu lado” “Cê nem queria estar se prestando a esse papel por vários motivos que eu bem sei... pf” “Foda-se a polícia, parssa!” “Amo você do fundo do meu c*! <3”
[LÓVIS]k: “Que nojo, brother!” “Obrigada e cuidado com os sapinhos!” “<3”

Se estivesse trabalhando na cozinha, idealizaria eu saindo da mesma tirando o avental de cabeça baixa e pensamento longe. Foi basicamente isso, mas rasgando a pulseira roxa que me valeu de nada, além da decepção e dor no coração.
— Não acredito que comprei todas as fichas roxas para ser abandonado no meio do processo!
— Ã? — ergui o olhar, confusa, vendo-o se aproximar chacoalhando com o vento que havia aumentado alguns por centos.
— De acordo com meus cálculos e conhecimento, eram vinte e cinco por pessoa. Cem beijos de meninas e cem de meninos, totalizando em duzentos reais para nossa formatura.
— Quê?
— Meu Deus do céu, justo agora sua lua em Peixes vai atacar? Sério? — sua mão foi à cabeça, incrédulo, fazendo-me elevar alguns tons da voz.
— Você nem escutou quando te li meu mapa astral, ! E é ascendente! — uniu as sobrancelhas. — Meu ascendente é em Peixes, não a lua!
Sabia que em seu pensamento vociferava um “foda-se” e seus ombros erguidos, expressão indiferente e mãos nos bolsos complementaram o momento:
— Foda-se.
Exausta. Eu estava exausta de . E foi por isso que bufei, rolei os olhos bem na sua cara e continuei meus passos até passar por ele, desejando ter o poder de deixá-lo invisível aos meus olhos de idiota apaixonada e o de voar para casa para não ser acompanhada.

Foram três barracas sem ouvir sua voz de pseudo homem. Se a lixeira de recicláveis fosse móvel, teria voado na cabeça daquele infeliz para ver se dava logo um traumatismo craniano para eu me arrepender e largar a mão de ser trouxa. O cara nem fez nada demais e estava pistola elevado à cinquenta.
Que direito tinha eu de ditar quem deveria beijar ou não? Que direito tinha eu de me sentir frustrada por não ter escutado sobre meu mapa astral?
Foda-se!
— Eu não beijei a Bárbara.
— Foda-se — apressei os passos. Estava me recuperando e ele voltou a esse assunto. Foda-se, eu tinha sim o direito de ficar chateada por não.ter.sido.eu!
Na velocidade da luz, estava em minha frente.
— Maria , eu não beijei a Bárbara! — dizia pausadamente, olhando em meus olhos, sério.
Da mesma forma, retruquei:
Eu não ligo. Era só para ter me contado, caso...
— Contar o que se nunca aconteceu, Maria ?
Fechei os olhos, apontando:
— Para de me chamar de Maria .
— É que é engraçado e não combina. Desculpa! — riu.
Tampei meu rosto, aceitando o seu pedido em um aceno positivo com a cabeça, relembrando por que raios tinha esse nome: minha família, desde sei lá qual geração, colocava "Maria" em frente aos nomes femininos e obviamente não me livrei dessa. Era para eu ser Maria Fernanda, talvez ficasse até mais bonito, mas vai explicar para o louco do meu pai que não ficava muito legal sendo composto? Diz minha mãe que tentou...
— Não precisava mentir sobre as fichas para tentar aliviar alguma coisa ali. Está tudo bem e realmente, você não precisa me contar tudo o que faz ou deixa de fazer. Estou meio irritada por esses dias e essa coisa do bebê que não para de ch-
Estava no bolso de trás. Uma a uma, quadrada e direto para o lixo ao nosso lado, as fichas roxas passavam sobre meus olhos, conforme a voz de contava na ordem que aprendemos juntos no Jardim de Infância, sem saber que nos reencontraríamos no ano seguinte no Fundamental e nunca mais nos desgrudaríamos.
... vinte e cinco. E você culpou o seu irmão.
— Mas ele chora muito mesmo e eu...
— Eu não menti sobre a Bárbara e nem sobre as fichas, a não ser mais cedo que foi para te atormentar. Ouvi sim sobre o seu mapa, mas isso não quer dizer que me lembre de tudo, só que eu tentei.
— Eu não estou brava.
— Você mentiu mais uma vez — suspirou, aparentemente frustrado. — Eu amo você desde não sei quando, , mas eu sempre consigo te deixar chateada ou irritada com algo, mesmo sem a intenção, só sendo o babaca que sou. Sabe, a gente é cu e calça há uns onze anos, eu sei ver quando te afeto, quando mente ou o que seja.
— Então você sabe que eu gosto de você? — uni às sobrancelhas, atônita e retórica.
— Assim como sei que chorou antes de decidir ir embora — aproximou-se alguns passos, unindo nossos corpos para apoiar as mãos nos meus ombros. — E é muito estranho o fato de eu perceber isso em você e você não perceber em mim. Qualquer um sabe. A menina que me vendeu as fichas principalmente, viu...?
— Mas quando eu namorava o Júlio você torcia tanto e quando você namorava a Paula eu sequer te ouvia...
— Eu torcia pela sua felicidade e não por vocês.
— Eu também torço pela sua felicidade... — seu olhar foi de uma desconfiança cômica. — Mas não com a Paula — rolei os olhos. — Que menina chata da merda, meu Deus!
gargalhou da minha cara de nojo, jogando a cabeça para trás. Em seguida, apertou-me em um abraço, beijando minha bochecha com força.
— Eu amo você, Maria !
Estreitei os olhos, ficando nervosa mais uma vez.
— Você é um embuste, .
Encolheu os ombros, dizendo “Faz parte, né?”.
— É agora que a gente para de graça e começa a sessão de vinte e cinco beijos?
— Talvez? — respondi, passando os braços por seus ombros, dando-lhe um selinho. — ?
. De Gêmeos — gargalhou. — Fecha essa boca e não surta. Por favor.
Ri e enchi seu rosto de beijos, até transformarmos um selinho demorado em nosso primeiro beijo. O primeiro dos vinte e cinco... daquele dia.


“Foi numa noite igual a esta;
Que tu me deste o coração.
O céu estava assim em festa;
Pois era noite de São João.”

— Luiz Gonzaga



Fim!



Nota da autora: Olá, meus doces!
Essa fanfiction foi escrita no final de julho de dois mil e dezessete, para um desafio-brincadeira da autora Belle Rangel (Falling in Love, Sinais do Tempo, Tarefa Final). Não me lembro ao certo quais foram os critérios, mas quis falar um pouco sobre essa festa deliciosa por motivos óbvios.
Espero que tenham gostado da história; ela é curta, simples e meio boba, porém escrita de coração! E qualquer dúvida, crítica, elogio, meus contatos estão logo abaixo, sintam-se livres e à vontade para me chamar, seguir e/ou adicionar.

Milhões de beijos,
Coral 😽💜

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Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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