Última atualização:31/10/2020

Capítulo Único

Na cabeça das crianças, aquele dia, trinta e um de outubro, era mais conhecido como Halloween. Na minha cabeça de vinte e sete anos, o último dia de outubro era mais conhecido como Dia do Saci.
Eu claramente me achava uma mãe bem descolada, mas, para as crianças, eu só era uma pessoa que não entendia sobre muita coisa e era bem “boba”, por acordá-las vestida toda de vermelho e “me equilibrando” em um pé só todos os anos.
Vamos lá, como uma boa brasileira, não me apetecia passar somente a receita do brigadeiro para frente. Eu já tinha aberto mão sobre muitas coisas da minha cultura para poder me casar e formar uma família com três crianças e dois cachorros de grande porte com em Nova Iorque.
Foi bem clichê como nos conhecemos, mas eu não gostava de ficar lembrando, porque não conseguia parar de sorrir e viver o dia querendo abraçá-lo e fazer tudo o que ele gostava, segurando o choro de emoção por ter conquistado tudo o que desejei, com o cara que amava muito e no país em que admirava.
Nós não tínhamos trabalho nesse dia, era um sábado e acordamos cedo, comemos nossos biscoitos tradicionais de manteiga, que me dava um trabalho descomunal para fazer e eu tinha que acordar por volta das cinco da manhã, para terminar tudo a tempo de meus filhos, acompanhados de meu marido, levantarem — o que acontecia por volta das oito e meia, nove horas — para me ajudarem com a massa de fondant branca, que eu já cortava no tamanho dos biscoitos, enquanto os tirava do forno e obviamente queimava todos os meus dedos — e incrivelmente sempre me esquecia de comprar no dia anterior, então tinha que sair correndo de casa e praticamente ajudar os funcionários a abrir a loja.
Durante o dia, passei fazendo alguma coisa diferente e assustadora de comida, porque como o condomínio que morávamos era cheio de pessoas ricas, famosas de todos os níveis e com crianças, preferíamos nos reunir cada ano em uma quadra, juntar as comidas, bebidas, mesas e realizar uma festa entre nós e os outros familiares que quisessem vir. Também tinham as pessoas sem tempo, o que eu me encaixava parcialmente, que ou deixavam as cozinheiras ficarem responsáveis por essa parte, ou davam o dinheiro para qualquer outra incluí-lo em seu prato.
Estranho, porém real.
Minha família, antes de eu me mudar para os Estados Unidos, sempre foi bem tradicional sobre se alimentar à mesa, comemorar aniversários primeiro com a família, Natal só com pessoas amadas e, talvez, o Ano Novo onde quisesse. Além de sexta-feira Santa com os avós, o bacalhau sobre a mesa e a Páscoa com ovos de chocolate recebidos só no dia. E acostumada com isso, e admirada também, desde o início tentei inserir dentro de casa; primeiro lapidando , que também vivia em uma família mais ou menos tradicional, mas não extrema como a minha e, em seguida, meus filhos.
Eu sabia, a partir do momento em que Lilah entrasse na escola, que sentiria meio que deslocada, porque, quanto mais moderna a família dos amigos eram, menos conviviam juntos, mas sabia também que, quando ela ficasse mais velha, seria eternamente grata por essa minha “encheção de saco”.
E era por isso e também por gostar, que eu passava o meu dia todo na cozinha, principalmente no Halloween e Natal, preparando o que levaríamos.
ficava com as crianças, enquanto eu surtava a cada vez que eles apareciam à porta para me dar um simples e pentelhado “oi”. Ele vinha, rindo da minha cara, e pegava o escolhido da vez no colo, distraindo-o até o próximo sair e fazer o mesmo. Então, finalmente, o primeiro dormia assistindo algo e os outros dois o seguiam, deixando-o livre para me atazanar mais do que o trio de filhos.
Primeiro eu brigava por ele ficar atrás de mim, fazendo-me sombra e assistindo meu trabalho. Depois, por enfiar o dedo na calda de algo e eu me irritar, dizendo que a comida toda estragaria... e assim por diante, até termos que acordar as crianças para começarem a se fantasiar.
A cada ano, um de nós dois era responsável pela fantasia e, como ano passado foi minha vez, o encarregado desse era , que acreditava que venceria a minha criatividade.

Terminei de pendurar minha escumadeira, que havia caído quando coloquei a colher de arroz lavada em seu preguinho. Finalmente estava cuidando de II, Lilah e Zach, e eu tinha terminado todo o meu serviço. Agora, só tinha que esperar mais um tempinho para poder levar para a organizadora colocar sobre a grande mesa, em frente à nossa casa, localizada na quadra da vez.
Quando apaguei a luz da cozinha e sai, para poder subir as escadas, trombei com meu marido, que parecia entretido em seu celular.
— Nossa, amor, que criativo você!
parou de encarar a tela e o bloqueou, voltando-se para mim, sorrindo sarcástico.
— Poderia ter uma melhor, mas você tem “medinha”... — deu de ombros e rolei meus olhos.
Foram várias as noites que, pequena, fiquei sem dormir por causa do Jason. E foram algumas as vezes, que peguei o filho de uma mãe do assistindo Sexta-Feira 13 ou Freddy x Jason, para o meu pesadelo. Quer dizer, se fosse A Hora do Pesadelo, pelo menos teria o Johnny Depp e seria mais leve, na minha cabeça.
Eu só não sabia o que era pior: e até mesmo , com seus cinco aninhos, rindo de mim e do meu medo, ou os pensamentos que me rodearam por duas semanas consecutivas.
Apoiei uma de minhas mãos em seu peito, olhando para cima, para poder encará-lo.
— Eu juro que se você fizer isso, ... Na verdade, o problema é seu, você quem sabe: divisão de bens, meu amor.
Ele riu de mim, apontando em direção às minhas narinas, que provavelmente inflaram só com o pensamento, e, claramente, ignorou minha ameaça.
— Mas... sério? Freddy Krueger?
— Sim! E você precisa ver a dos nossos filhos. São animais!
Eu nem queria imaginar, para ser sincera.
— Ok, então. Eu só vou lá trocar de roupa, depois ir lá fora levar as coisas para a mesa da vizinhança e já volto para tirar a farinha do meu ouvido e me fantasiar.
Ele concordou com a cabeça e depositou um beijo em meus lábios, antes de sair correndo como uma gazela querendo voar pela escada, gritando as crianças, que estavam no quarto de Lilah.
Neguei com a cabeça e acompanhei seus passos, indo para nosso quarto para limpar as mãos, o rosto e trocar minha blusa preta, que estava extremamente branca por causa da farinha. Se as fãs do me vissem assim, alguns aninhos atrás, diriam que eu era fuleira demais para poder chamá-lo de marido. Agora elas não ligavam mais e já tínhamos três filhos... acho que se tocaram que não adiantava de mais nada suas opiniões raivosas.

— Sai logo, mamãe! — Lilah me gritou, enquanto eu ajeitava minha segunda pele preta nos braços, por estar um tempo frio, em frente ao espelho.
Eles reclamariam, rolariam os olhos e falariam mil coisas em minha orelha, mas eu queria me vestir dessa maneira e nada me proibiria. Ninguém mandou o Halloween cair no dia da minha TPM.
Conferi o gel em meu rosto e sorri, vendo que não adiantaria de nada tentar ser fofa com esse machucado estranho em meu rosto, tentando imitar as feridas dos zumbis.
Esperava assustar Zach, pelo menos!
Destranquei a porta do meu quarto e passou correndo por mim, adentrando o mesmo, enquanto eu saía. Eu, hein?!
— Af, manhê! — Ouvi a tentativa de tom adolescente de Lilah e mandei-lhe a língua, perdendo sua atenção quando seu celular apitou.
Eu ainda mataria o por ter dado um iPhone para essa menina em seu aniversário de sete anos. Quem ganhava um celular desses com essa idade? E fica tirando selfie o dia todo? E contando as curtidas no Instagram que as fãs do pai davam? Ah, me poupe!
— Me dá essa bosta aí, Lilah. — Estiquei a minha mão e, a contragosto, entregou-me.
— Achei bem sick a sua fantasia, mãe.
Voltei minha atenção ao meu filho, II (mãe clichê, eu sei), e sorri em sua direção, ignorando o termo que ele usou e como se pareceu ainda mais com seu pai. Era irritante que até por essa palavra eram viciados igualmente.
— Obrigada, filho! — Passei a mão pelo topo da cabeça dos dois e meu olhar foi parar ao chão, onde notei algo gordo e laranja, bem fofo, com algumas manchas azuladas pelas bochechas. — O que raios o Zach está fazendo no chão?
Zach olhava para mim, vestido de abóbora, e sorria entre seus “mama”. Abaixei-me e tomei-o em meus braços, beijando de leve sua bochecha para não tirar o que quer que fosse que havia tentado fazer em seu rosto, junto às outras crianças.
— O papai deixou aí, porque eu e o Munk não aguentamos ele, né?!
Munk vinha de chipmunk, que significava esquilo e tinha se tornado um apelido por causa dos dois dentinhos que nasceram em meu caçula.
— E cadê o seu pai?
— Foi mijar. — riu alto.
— E por que el- — desisti de terminar a pergunta. Era o , não dava para entender.
— Eu falei pra ele ir ao outro banheiro, mas ele disse que não ia dar tempo e ia fazer nas calças se andasse.
Nada respondi.
Fiquei encarando minhas crias por certo tempo, pensando de onde tinha tirado que Chucky e sua noiva eram ideias revolucionárias e ótimas, assim como abóbora.
— Eu consigo ver a popa da sua bunda mesmo com essa meia-calça, .
Dei um pulo de susto, quando ele parou atrás de mim e anunciou sua chegada em um tom de voz alto.
Rolei os olhos, ignorando sua observação.
— Me explica, por favor, o que raios é isso no rosto do meu filho, porque já cansei de quebrar a cabeça pensando.
Ele sorriu abertamente e olhou para trás de mim, fazendo-me virar e ver o mesmo sorriso nos rostos dos meus filhos.
Deus, era tarde ou cedo demais para sentir medo?
— Se prepara, porque lá vai a melhor e mais insuperável ideia de todas... — esticou os braços, como se estivesse em um espetáculo de circo, e arrastou os dedos em “L” pelo ar, como se abrisse um cartaz. — Uma abóbora estragada!
Sabe quando parece que você ouve o som de algo caindo ao chão e o silêncio se faz, continuando só o eco do objeto em sua cabeça e pelo salão? Ou quando, na escola, alguém fala que o Haiti fica localizado na África? Pois bem, isso foi o que aconteceu à minha volta e em minha cabeça.
Eu podia sentir a movimentação do ao meu lado, pulando como um macaquinho em seu lugar, esperando minha reação, mas eu não sabia o que responder para aqueles três.
— Vamos logo, Chuckys, Freddy e... Abóbora. — Encarei meu filho em meu colo, que riu.
saiu pulando até as escadas, sendo seguido por sua irmã, que parecia mais feliz agora também.
— Pega os baldinhos do doce pra mim, por favor? — Pedi para o meu marido, que continuava me olhando, esperando algo bem feliz da minha parte.
Como minha quarta criança, de seis, viu que não o responderia, deu de ombros antes de dizer:
— Depois a gente busca, .
Concordei e descemos juntos, um atrás do outro, até o hall, para em seguida irmos para a festa da vizinhança.

— Como está se sentindo no seu primeiro Halloween, pequeno Zach?
“Dadá” foi sua resposta risonha, antes de jogar o biscoito que usava para coçar sua gengiva para bem longe. Bufei, repreendendo-o com o olhar, e o coloquei no chão, vendo-o dar alguns passinhos e se jogar de bunda na rua.
Colhi os pedaços que restaram do biscoito do chão e coloquei sobre a mesa que estava próxima de mim, onde eu conversava com uma de minhas vizinhas.
— Essa fase é tão boa... — ela sorriu fofamente, olhando para ele com seus olhos brilhando.
Minha maior vontade era poder dizer que no primeiro era mesmo, talvez no segundo, mas que no terceiro, minhas costas não aguentavam mais o sobe e desce para pegar cada coisa que voava longe e que meus joelhos não estalavam mais, e sim, rangiam como uma porta velha de uma história de terror de Halloween. Mas eu guardei pra mim, limitando-me a sorrir fechado e concordar com a cabeça, antes de beber um pouco do refrigerante que me serviu cinquenta horas atrás.
— Mas, me conta, como foi na escolha das abóboras?
E na maior animação, após pegar a criança no colo mais uma vez, a Saci aqui começou a contar.
A escolha das abóboras foi, mais uma vez, extremamente especial para nós dois — eu e . Era o primeiro Halloween do Zach e agora II entendia mais sobre a história também. As incontáveis selfies da Lilah não conseguiram me irritar e ficaram até que bem legais, principalmente quando ela conseguiu captar um tombo que o asno do meu marido tomou, tentando pular as fileiras de abóboras para fazer Zach rir. Eu juro, se isso tivesse acontecido no ano seguinte, que já vai estar nos trinta, ele teria travado!
Deu um trabalho imenso para levantar aquela jaca mole do chão e eu não conseguia parar de rir, então precisamos juntar em três, para conseguir fazê-lo se sentar mais ou menos. Sua calça se sujou toda de terra e eu lavei com a maior satisfação, se quer saber, porque a cada vez que a olhava, desmanchava-me em lágrimas de riso.
O Zach entrou em uma abóbora aberta e quando chegamos em casa, para decorarmos, ele fez questão de juntar todo o recheio dela e jogar em direção a minha porta de vidro, que a funcionária tinha limpado no dia anterior.
E lá fui eu, mais uma vez, pagar de empregada...
Mas valeu a pena e eu queria muito que as crianças se lembrassem desse dia mais para frente. Até mesmo de quando brigaram comigo, porque imprimi um molde de Saci para desenhar em uma das abóboras — que, aliás, coloquei sem eles saberem em frente de casa, junto com as deles que não eram tão legais quanto a minha.
— Ai, meu Deus, esse é um atrapalhado mesmo... — bateu em sua própria testa, rindo. — Mas me explica: do que você está fantasiada, vizinha?
Eu queria aquelas pragas aqui, agora, para gritar um gigante “aha! Viram? Alguém se importa e pergunta!” na cara de cada um.
— Saci-Pererê zumbi. — Ri de sua cara de confusão. — Ele é um menininho do folclore do Brasil, lugar de onde vim, como você deve saber... — concordou. — Ele perdeu uma das pernas lutando capoeira e é bem levado, assim como sempre tem um cachimbo na boca. Adicionei o zumbi para poder dar um clima mais Halloween. — Sorri, sentindo-me orgulhosa.
— Entendi... — passou a mão pelo cabelo de Zach, que não parava de se mexer no meu colo. — Mas por que você o escolheu?
Tem quem se interessa, família . Vai tomando!
— É que o povo brasileiro não é muito nacionalista, sabe? Daí estavam querendo colocar o Halloween na nossa cultura, mas fizeram uma lei de que o dia do Saci seria no último dia de outubro, para a população ver que também temos nossas histórias, culturas, valores...
— Pelo o que eu vejo e ouço, o Brasil tem tanto para ser um país unido e feliz com suas próprias coisas...
— É, mas eu também não posso falar muito, porque eu saí de lá, né?! — Comprimi os lábios, ao mesmo tempo em que erguia as sobrancelhas.
— De qualquer maneira, todos vocês deviam ter vindo igual, achei bem interessante.
Fechei os olhos, suspirando, e soltei minha frustração.
— Sim, estou tentando fazer isso há sete anos, desde quando a Lilah nasceu e passamos a adicionar esse dia no nosso calendário. — Ajeitei meu filho em meus braços, que já doíam.
Cadê o ?
— Mas acontecem que eles idolatram mil vezes mais o papai estadunidense, então fica meio difícil para eu ter voz ali. Mas todo ano eu me visto assim, antes de acordá-los. E esse ano eu pensei: quer saber? Eu vou assim, eles gostando ou não, porque eu sou tão boa quanto os quatro!
Minha vizinha começou a rir, enquanto batia palmas.
— Deve ser engraçado viver na casa de vocês. — Apoiou uma das mãos em meu ombro, antes de continuar: — Sua família é linda, seus filhos são maravilhosos e eu te parabenizo por ter conseguido algo tão difícil de obter em pleno século XXI. O trabalho de vocês nessa família é incrível e todo mundo aqui no condomínio fala sobre isso.
Podia me chamar de mole mesmo, mas meus olhos arderam até a bendita lágrima escorrer. Eu sabia o que eu passava dentro de casa com viagens, com meu trabalho em Relações Públicas, com três crianças, dois cachorros, o e o time dele. Era tanta coisa para administrar, tanta bronca para dar e vida para cuidar como se fosse a minha, que ouvir essas palavras não podia me causar outro efeito.
— Ei, não chora! — Riu de mim, passando o dedão debaixo de meu olho. — Sua cria está vindo aí!
E antes de terminar, já ouvi certa vozinha me chamar.
— Oi, meu amor! — Virei-me em sua direção, colocando Zach em pé na rua, que deu alguns passos e se agarrou na perna do irmão, que retribuiu “o abraço”.
— É hora de pegar os doces... Você trouxe nosso baldinho?
— Pedi para o seu pai pegar e ele não pegou, pede pra ele, filho.
— Eu não sei onde ele tá...
O...
Quê?

— Como assim não sabe onde o seu pai está, se vocês saíram juntos de perto de mim, II?
Seus ombros se encolheram, como se não soubesse me responder, e meu coração foi parar na garganta.
— Cadê a sua irmã?
— Te esperando em frente de casa.
Perguntei desesperadamente à minha vizinha se poderia ficar com Zach por mim e ela concordou sem pestanejar.
Peguei a mão de e juntos, saímos correndo em direção a sua irmã, que, claro, olhava o celular que havia a devolvido quando saímos de casa.
— Cadê o seu pai?
— Foi na casa de sei lá quem, pegar sei lá o que, sei lá pra quê.
— Bela informação. Muito obrigada! — Sorri falsamente, mas um pouco mais aliviada, e ela retribuiu rindo. — Vamos pegar os baldes com a mamãe, crias.
O mesmo que era responsável pela fantasia, era o responsável por acompanhar as crianças na hora do “Doce ou travessuras?”, e eu mataria o caso ele não aparecesse a tempo.

Eu já tinha pego o baldinho das crianças, que tinham ido buscar os cachorros, quando a porta da frente bateu. O meu susto foi tão grande, por estar me perguntando sobre meu marido, que virei todo o copo de água em cima de mim sem perceber.
Dei alguns passos até a porta da cozinha, a fim de olhar o hall e ver se alguém tinha entrado em casa. Assim que passei pela porta, ouvi algo batendo na da cozinha que tinha saída para o quintal dos cachorros. Aquela porta vivia emperrando, o vivia arrumando ou chamando alguém para consertar, e ainda assim ela continuava de “cuzagem” com a minha paciência. Por isso, voltei meus passos, ao constatar que tudo estava bem por ali, e pedi para II e Lilah esperarem, que já abria.
Girei a maçaneta e nesses três anos que morávamos ali, era a primeira vez que ela tinha aberto sem maiores problemas.
— Mãe? — Lilah chamou, enquanto arrumava a coleira em meu Setter Irlandês, vulgo Ant, o amor da minha vida.
— Oi, filha... — acenei, encostando-me no batente da porta. — Está tudo bem? — Concordou. — Cadê o seu irmão?
— Ah, o Munk tá pegando o cachorro do papai.
“Pegando o cachorro do papai”. Ok.
— Ah, tudo bem. Vou encostar aqui e qualquer coisa batam, ok?
— Beleza.
Eu já podia começar a me cagar?
Foi o tempo de encostar a porta, ainda de costas para a cozinha, para eu ouvir um som bem próximo de mim de algo batendo, logo minha luz se apagou e meu grito escapou da garganta.
— Mas que cara-
Mas eu não terminei de falar.
Ouvi minha filha me gritando e chacoalhando a porta, tentando abri-la, e logo uns resmungos do II, que parecia que ia chorar a qualquer momento.
Pedi calma para os dois, tentando me acalmar durante. Meu coração estava disparado, eu não conseguia enxergar nada, graças a , que tinha tampado até a luz da lua do nosso quintal, com essa neura de segurança dele.
Eu poderia chutar a sua bunda, se não tivesse que limpar a minha primeiro ou até mesmo soubesse onde ele estava.
Estiquei minha mão até o negócio que liga a luz, que tinha me esquecido do nome, e por incrível que pareça, ela voltou. E tudo parecia normal...
Dei meus passos até a porta e senti algo atrás de mim. Eu não queria olhar. Era a vida real, não Atividade Paranormal, que é de boas você oferecer um sanduíche para o Toby. Ou seja lá como for o nome daquele não filho de uma mãe.
Lilah bateu mais uma vez na porta, chamando-me. Estiquei minha mão para relar na maçaneta e a energia chegou mais perto.
Eu puxei a porta, olhei para trás e gritei. Tudo ao mesmo tempo. Sem pausas, sem tempo para pensar, em uma sincronia incrível.
— Seu filho de uma égua! — Gritei, voando em direção ao , que parecia confuso e assustado, assim como eu.
— O que eu fiz?
E acompanhando a sua pergunta, gritou bem agudo, fazendo-me sair de perto de , desistindo de começar a estapeá-lo e olhar para onde meu filho apontava.
— Puta que pariu!
— Oi, !
Eu não sabia se corria em círculos com o Chucky, jogava-me em cima do meu cachorro, que a noiva dele segurava na coleira, ou abraçava o Freddy, mas tudo o que eu sabia era que eu não sabia por que raios uma pessoa vestida de Jason me cumprimentava.
Eu poderia morrer!
Virei-me de costas para todo mundo e chorei, chorei como se não houvesse dia seguinte e tentava me livrar da vontade de matar cada um naquele cômodo.
Senti braços me circulando e eu só pedia a Deus para que não fosse o Jason tentando me consolar. Era só isso que eu queria. Eu arrancaria o meu rim a sangue frio e daria para um cachorro comer, mas eu só não queria ser consolada por quem quer que fosse aquela pessoa fantasiada.
— Ei... — ouvi aquela voz, ao mesmo tempo em que sentia aquele perfume.
Não conseguia me decidir entre socar o rostinho bonito e me aconchegar em seu abraço.
— Não sabia que Sacis choravam... — e depositou um beijo na minha cabeça. — Era só o com o Zach, meu amor... Calma!
Eu ia matar o padrinho da minha filha. Eu juro que eu ia! Ela ia ficar desapadrinhada, mas aquele monstro não entraria nunca mais na minha casa, nem por cima do meu cadáver que não vai descansar, até puxar o seu pé à noite cem vezes o bimestre por dez anos consecutivos!
— Eu falei que era para ter escolhido outro dos meninos para ser padrinho da minha filha.
— Eu ouvi isso, sua ingrata! — Ouvi a voz do cara que agora me causaria náuseas, como o fez no exato momento em que gritou em minha direção.
— Vai para aquele lugar, seu idiota. — E mais uma vez minhas lágrimas voltaram, acompanhadas de soluços, que interromperam a minha fala, deixando-a cortada.
Apertei-me mais em e em sua blusa listrada de azul e vermelho, sentindo meu corpo se chacoalhar conforme eu puxava o ar para dentro e ele falhava.
Não queria odiar o , mas agora seria difícil de olhar para o seu rosto e não me lembrar de sua traição. Como ele ousava? Era demais para mim! E eu sequer tinha a capacidade de pensar em uma vingança, porque não queria que ele se vingasse pela vingança que eu me vingaria e ficaria nesse círculo vicioso.

Eu tinha me acalmado, as crianças tinham saído com o amigo do meu marido (não o considerava mais parte do meu coração, depois do que me fez), mas ainda assim continuávamos em pé, na cozinha, com a única diferença de que estava apoiado na ilha ao meio do cômodo, enquanto me abraçava pela cintura.
Eu olhava para a parede, pensando em nada e sentindo meu rosto todo grudento, preparando-me psicologicamente para lavá-lo e sair na rua mais uma vez. Eu que não ficaria sozinha nessa casa, enquanto as crianças estavam longe e com os cachorros — só para ressaltar, Ant estava lindo com sua fantasia de aranha.
— Você está me sufocando, ... — riu, puxando meus braços para afrouxá-los um pouco da sua cintura.
— Grosso. — Mostrei-lhe a língua, em um ato mais infantil do que quando chorei, e apoiei meu queixo em seu peito para poder olhar para o seu rosto. — Eu te amo.
— Eu também te amo. — Seu rosto se abaixou em minha direção para me dar um beijo.
Ao que nos separamos, pude ver o canto de seus lábios se esticando, mas aquilo não era um sorriso, e sim, uma crise de riso que estava por vir. Eu conhecia o meu marido e eu sabia que algo não estava tão normal assim dentro daquela cabecinha.
E estava certa!
se afastou um pouco mais de mim e começou a rir como se eu tivesse contado a melhor piada do ano. Seu rosto começou a se avermelhar e eu tirei minhas mãos de perto dele para poder encará-lo de longe.
— Seu filho de uma puta, desgraçado! — Gritei, irritada.
Ele tinha armado tudo aquilo. Eu não tinha mais dúvidas, se é que em algum momento elas haviam existido.
— Olha como você fala da minha mãe, .
— Que se dane tanto aquela vaca que te pariu, quanto você, que foi parido! — Acertei com o máximo de força de tinha o seu braço e um estralo, um pouco abafado por sua blusa, pôde ser escutado. Poderia acertar o meio da sua bochecha também, mas não pretendia receber o divórcio ainda...
— Você quase que viu o Monk escondido atrás da máquina de lavar roupas, sua jegue.
Filho de... mim. Ele ia ver só, quando tivesse pesadelos!
— Eu te odeio! — Apontei em sua direção, antes de deixar a cozinha para lavar o meu rosto, ainda escutando a sua gargalhada que costumava ser fofa e agora era odiosa!

— Vou procurar o e pedir para ele ir com as crianças, ok? — Parou próximo do sofá em que eu estava.
Não me dei o trabalho de encará-lo.
— Não, é para você ir. É o seu compromisso com elas, .
— Tudo bem, então. Logo mais voltaremos. — Passou a mão por minha cabeça e se afastou.
— Podem ficar para sempre. Não vão fazer falta na minha vida... pode ter certeza! De pessoas como vocês, eu quero distância.
Outch, amor!
nunca foi de me chamar de amor com tanta frequência como fez hoje. Isso era planejamento assíduo, plano em prática e falso arrependimento pós-sucesso.
Meu dedo do meio se estendeu no ar e ele fingiu uma cara de desapontamento. Eu poderia tacar todos os objetos da casa na sua cabeça, de tanto ódio que ele estava me fazendo sentir. Mas antes que colocasse meu plano em prática, deixou nossa casa, encostando a porta após sair, e, com isso, resolvi tomar um banho e tirar o que não tinha conseguido antes da massa na minha cara, assim como passei a considerar jogar fora minha fantasia.

Quando saí do banho, estava sentado na beirada da nossa cama.
— Demorei tanto assim?
— Não, as crianças não quiseram me esperar e arrastaram o , mesmo.
Dei de ombros, pedindo internamente para que o fizessem sofrer bastante, e entrei em meu closet, vestindo meu pijama para poder me deitar. Minha cabeça doía, por causa do choro, provavelmente, e minhas costas imploravam por arrego, talvez por ter ficado muito tempo em uma posição só para arrumar as coisas para a festinha da rua.
Saí do closet e vi-o esticar os braços em minha direção, lugar para onde caminhei apressada, rapidamente me ajeitando em seu colo e entre os seus braços quentes.
Estiquei o meu pescoço em direção ao dele e senti seu perfume, e, logo em seguida, depositei um beijo em seu maxilar, voltando a apoiar minha cabeça em seu ombro.
— Você é bem idiota, mas eu gosto bastante de você, tá?
Ele riu fraca e nasaladamente, e abaixou a cabeça em minha direção, dando-me um beijo na ponta do nariz, antes de juntar nossos lábios em um beijo que me fez esquecer sobre o que aconteceu. Era sempre assim. Sempre ao fim do dia, tudo ficava bem entre nossa família e voltávamos a ser o exemplo, como minha vizinha havia dito mais cedo para mim.
Aproveitei do momento em que o beijo terminou, para contá-lo o que tinha me lembrado, e ele me apertou mais em seus braços.
— Obrigado por ter me dado uma família.
— Obrigada por ter me dado uma família. — Repeti, juntando mais uma vez nossas bocas e sentindo meu coração disparado, como de praxe, quando estava perto dele ou de nossas crias.

Depois de um tempo sendo melosos, fiz se levantar e ir tomar banho. Assim que ele terminou de se trocar, as crianças chegaram e ele foi colocá-las para tomar banho e depois dormir. O que fizeram rapidamente, segundo ele... o engraçado (ou não), era que comigo demoravam a vida, morte e se bobeasse, até a reencarnação. Incrível!
— Desculpa por falar da sua mãe... — comecei, abaixando o meu livro, assim que se ajeitou na cama.
— Tudo bem, às vezes eu falo da sua também. A única diferença é que acontece só mentalmente. — Deu de ombros.
Fuzilei aquele cara à minha frente e percebi que hoje eu não estava afim de ser simpática com ele, perdoá-lo ou algo semelhante a amor. Queria só esganar e dar com sua cabeça na parede várias vezes.
— Idiota!
Vi sua mão se esticar até chegar o meu rosto, onde apertou minha bochecha, fazendo-me espumar mais ainda de ódio.
— Feliz Sacilloween Voorhees, meu amor.
— Voorhees?
— É, é o sobrenome d-
Não deixei que ele terminasse.
— Nossa, , vai se danar! — Tirei o edredom de cima do meu corpo, jogando todo em cima dele, e me levantei. Meu livro fez o mesmo caminho que o tecido, acertando bem a sua barriga.
Bem. Feito!
— Ei, volta aqui! — Chamou. — Cacete, isso doeu, !
Estendi o meu dedo do meio no ar, pela segunda vez naquele dia, enquanto recolhia os meus dois travesseiros e vestia minhas pantufas nos pés.
Sabe de uma coisa? Nesse fim de noite eu ia dormir com os meus filhos!

“Saci, Saci Pererê;
Toda turma vai querer fazer uma aposta com você;
E essa aposta você vai ter que ganhar;
Não pode perder, não pode perder.”

— Sítio do Picapau Amarelo



Fim!



Nota da autora: Olá, meus doces!
Essa fanfiction foi escrita no Halloween de dois mil e quinze. Não sou muito fã da data, mas torço para que tenha dado uma experiência agradável a vocês como mães de três filhos e esposas de um doido.
Espero que tenham gostado da história e qualquer dúvida, crítica, elogio, meus contatos estão logo abaixo, sintam-se livres e à vontade para me chamar, seguir e/ou adicionar.

Feliz Sacilloween e milhões de beijos,
Coral 😽💜

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Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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