Prólogo
O relógio marcava 23h47 quando o avião tocou o solo. A cidade parecia menor do que ele lembrava, ou talvez fosse ele que tivesse crescido demais para caber ali. Fazia sete anos desde a última vez que voltara, e, ainda assim, nada parecia diferente. As mesmas ruas estreitas, as mesmas luzes amareladas refletindo no asfalto úmido. O tempo passara, mas aquela cidade parecia existir em um intervalo à parte, imune às mudanças que tanto o assombravam.
Ele ajustou a alça da mala no ombro e respirou fundo antes de sair do aeroporto. O ar carregava um cheiro familiar de terra molhada e jasmim—resquícios de uma noite quente que prometia chuva antes do amanhecer.
Voltar nunca esteve nos planos. Mas os planos já não faziam sentido há algum tempo.
Aos 29, ele deveria ter sua vida resolvida, ou pelo menos foi o que disseram. Um bom emprego, um apartamento bem decorado, um relacionamento estável. Ele tinha tudo isso, em teoria. Mas então, vieram os dias cinzentos. O esgotamento silencioso. O vazio que nenhuma conquista preenchia.
O retorno de Saturno. Era assim que diziam. Um ciclo de fechamento, de confrontar tudo que foi deixado para trás. Talvez fosse isso que o trouxera ali, a força invisível do passado puxando-o de volta para as ruas onde um dia foi feliz, para as pessoas que um dia foram sua casa.
Ele não sabia o que esperava encontrar. Talvez nada. Talvez tudo.
Mas, no fundo, uma parte dele sabia que algumas respostas só poderiam ser encontradas onde tudo começou.
Capítulo um
A cidade se desdobrava diante dele como um filme antigo, cada esquina trazendo um eco de lembranças enterradas sob os anos. Ele dirigia devagar, os dedos tamborilando no volante, tentando encontrar uma sensação de familiaridade naquelas ruas estreitas. Tudo parecia igual, mas diferente ao mesmo tempo. O letreiro piscante da cafeteria na esquina ainda falhava em algumas letras, o posto de gasolina tinha um novo nome, e as árvores da avenida principal pareciam maiores, como se também tivessem testemunhado o passar do tempo.
O rádio tocava uma melodia baixa, mas ele não prestava atenção. A cabeça estava ocupada demais com as razões que o trouxeram ali—ou melhor, com a falta delas. Ele costumava evitar esse lugar. Pensava que a distância ajudaria a seguir em frente, a se tornar alguém novo, alguém que não olhava para trás. Mas agora estava de volta, e tudo parecia uma peça pregada pelo destino.
Ao virar a última rua, viu a casa onde cresceu. A varanda de madeira ainda rangia ao vento, a luz do poste projetava sombras suaves contra a fachada. Seu peito apertou. Não sabia o que esperava sentir, mas definitivamente não estava preparado para a onda de nostalgia que o atingiu.
Ele estacionou o carro, mas permaneceu ali por alguns instantes, observando a própria história refletida naquela casa. Um suspiro longo escapou antes que ele finalmente pegasse a mala e subisse os degraus desgastados da varanda.
A porta rangeu ao abrir, e um cheiro familiar de lavanda e madeira tomou conta de seus sentidos.
— Achei que você nunca mais voltaria.
A voz veio do sofá, onde uma silhueta se recostava preguiçosamente. Ele piscou algumas vezes antes de reconhecê-la.
— Não achei que alguém ainda morasse aqui.
Ela deu de ombros, um pequeno sorriso brincando nos lábios.
— Pois é. Mas algumas pessoas não vão embora tão facilmente.
E ali estava ela. A pessoa que ele mais evitou nos últimos anos. A única que poderia fazer com que esse retorno significasse algo.
A conversa entre eles começou hesitante, como se ambos pisassem em gelo fino.
— Você cortou o cabelo — ele comentou, porque era a única coisa segura de se dizer.
Ela riu, e o som fez algo dentro dele vacilar.
— Você diz isso toda vez que me vê depois de muito tempo. Talvez seja sua forma de evitar conversas difíceis.
Ele abriu um sorriso de canto.
— Talvez seja.
Ela inclinou a cabeça, observando-o com aquela intensidade que sempre o deixava desconfortável. Como se conseguisse enxergar as camadas que ele tentava esconder.
— E então? Por que voltou?
A pergunta pairou no ar, pesada. Ele poderia dizer a verdade, que não fazia ideia. Que algo simplesmente o puxou de volta. Que, ultimamente, tudo parecia errado, desalinhado, e essa cidade parecia o único lugar onde ele poderia se encontrar.
Mas ele apenas encolheu os ombros.
— Precisava de uma pausa.
Ela não pareceu convencida, mas não pressionou. Apenas deu um suspiro leve e apontou para o sofá ao lado.
— Bom, já que está aqui, pode ficar. Mas não espere que eu facilite as coisas.
E por algum motivo, ele sabia que não esperaria nada diferente dela.
Capítulo dois
A manhã nasceu lenta, tingindo o céu com tons de laranja e azul pálido. null despertou com a sensação de que ainda pertencia a um tempo diferente, como se sua mente não tivesse se ajustado completamente ao presente.
A casa estava silenciosa, exceto pelo som da chaleira no fogão e o ruído leve da colher batendo contra a xícara. Quando ele seguiu o aroma de café, encontrou null na cozinha, descalça, usando uma camisa velha que provavelmente pertencia a ele.
Por um instante, foi como se os anos tivessem derretido. Como se estivesse de volta a um tempo onde tudo parecia mais simples.
— Bom dia — ela disse sem olhar para ele, concentrada em despejar café em duas xícaras.
— Bom dia — respondeu, aceitando a xícara que ela lhe ofereceu. O calor se espalhou por seus dedos, trazendo uma estranha sensação de conforto.
null se encostou no balcão, soprando o vapor da bebida.
— Você dormiu no mesmo quarto de sempre?
Ele assentiu.
— Nada mudou.
Ela riu baixinho.
— Isso porque você nunca ficou tempo suficiente para ver as mudanças acontecerem.
A resposta o pegou desprevenido. Ele estudou o rosto dela, tentando decifrar se havia alguma mágoa escondida ali. null sempre foi assim—direta, mas nunca cruel.
— E o que mudou? — perguntou, querendo saber a resposta e, ao mesmo tempo, temendo-a.
null girou a xícara entre os dedos antes de responder.
— As coisas envelhecem, null. Pessoas mudam. Mas algumas coisas continuam iguais, presas no tempo. Como essa casa. Como certas lembranças.
Havia algo mais naquela resposta, algo que ela não estava dizendo.
null olhou ao redor. A luz da manhã iluminava os móveis antigos, os retratos na parede, os pequenos detalhes que ele reconhecia desde criança. Tudo ali tinha um pedaço dele.
E então percebeu que talvez o que realmente estivesse preso no tempo não fosse a casa.
Fosse ele.
Capítulo três
O cheiro de café fresco se misturava com o ar frio da manhã, e null se pegou observando null de soslaio. Havia algo na forma como ela girava a colher dentro da xícara, como se estivesse perdida em pensamentos, que o fez sentir um aperto no peito. Ele sabia que não poderia simplesmente voltar e esperar que as coisas fossem como antes.
— Você se lembra da tempestade daquele verão? — null perguntou de repente, sem desviar o olhar da janela.
E foi como se o tempo recuasse em um instante.
Verão de 2012
O calor era sufocante naquela tarde. O céu, antes limpo, começava a se fechar em tons escuros, e o vento agitava as folhas das árvores ao redor do lago. null e null estavam sentados na beira do píer, os pés balançando sobre a água.
— Você acha que um dia a gente vai sair daqui? — null perguntou, apertando os olhos para encarar o horizonte.
null deu de ombros, arrancando um pedaço de grama e girando-o entre os dedos.
— Acho que sim. Todo mundo sai, eventualmente.
null ficou em silêncio por um momento. O vento bagunçou seu cabelo, e ela puxou os fios para trás, distraída.
— Eu não sei se quero ir.
null franziu o cenho, surpreso.
— Por quê?
Ela sorriu de canto, mas não era um sorriso feliz.
— Porque eu gosto daqui. Gosto das ruas, das casas velhas, das histórias que as pessoas contam. Gosto de saber que, não importa o que aconteça, esse lugar sempre vai ser o mesmo.
Ele olhou para ela por um longo tempo. Para os olhos castanhos que refletiam a luz do entardecer, para a forma como suas mãos descansavam sobre os joelhos. Naquele momento, ele pensou em dizer que, se ela ficasse, talvez ele também ficasse.
Mas ele nunca disse.
A tempestade chegou pouco depois, com trovões rasgando o céu e a chuva caindo pesada sobre eles. Correram rindo até o carro de null, encharcados, os cabelos grudando na pele. Quando ele ligou o rádio, uma música antiga tocava, e null, sem hesitar, cantou junto, batucando os dedos no painel.
null nunca esqueceu aquela cena. Nem a sensação de que aquele era um dos últimos momentos perfeitos antes que tudo mudasse.
De volta ao presente.
null soltou um suspiro leve, como se também estivesse presa na mesma memória.
— Você foi embora logo depois, e a cidade continuou aqui. Mas eu sempre soube que, um dia, você voltaria.
null abaixou a cabeça, girando a xícara entre os dedos. Ele não sabia o que dizer.
Porque, no fundo, uma parte dele sempre soube que voltaria também.
Capítulo quatro
O dia passou arrastado, como se o tempo quisesse prolongar aquele reencontro. null e null dividiram o café da manhã, depois null saiu para o trabalho, e ele passou o dia vagando pela cidade. Caminhou pelas ruas que conhecia de cor, parou diante da livraria onde costumavam passar as tardes, observou as vitrines da cafeteria que frequentavam, sentindo-se mais espectador do que parte daquele lugar.
Mas, ao entardecer, algo o fez voltar para o lago.
Era ali que as melhores lembranças moravam.
Quando chegou, null já estava lá. De costas para ele, sentada no píer, exatamente como tantos anos atrás. A diferença era que agora o silêncio entre eles não era de conforto, mas de coisas não ditas.
— Achei que te encontraria aqui — ele disse, aproximando-se.
Ela não se virou, apenas abraçou os joelhos e olhou para a água.
— Você sempre volta, null. Mas nunca fica.
Ele sentiu o impacto daquelas palavras como um soco no peito.
— Eu sei — admitiu, sentando-se ao lado dela. O vento soprava forte, balançando as árvores, fazendo a água ondular suavemente. — Mas talvez eu sempre tenha voltado porque alguma parte de mim nunca quis realmente ir embora.
null riu sem humor.
— Não sei se acredito nisso.
null virou o rosto para ela, estudando seus traços à luz do entardecer. O tempo havia mudado pequenas coisas—o formato do sorriso, o brilho nos olhos—mas null ainda era null. Ainda era a pessoa que o fazia se sentir em casa, mesmo quando ele passava anos fugindo dessa ideia.
— Você estava certa, sabe? Sobre essa cidade. Sobre ela sempre estar aqui. Eu passei tanto tempo tentando encontrar algo melhor, um lugar que fizesse sentido… Mas a verdade é que o único lugar que fez sentido de verdade sempre foi esse.
Ela olhou para ele então, e null soube que aquele era o momento. Aquele era o instante que definia se ele estava apenas passando por ali mais uma vez ou se finalmente estava pronto para ficar.
— E eu só percebi isso porque percebi você.
null piscou algumas vezes, como se precisasse absorver aquelas palavras.
— Isso quer dizer que…
null pegou sua mão, os dedos deslizando como se nunca tivessem se separado.
— Quer dizer que eu estou cansado de fugir do que sempre esteve aqui. Se você ainda quiser, eu quero ficar.
null apertou os lábios, desviando o olhar para o lago, como se precisasse de um momento para processar. Mas então ela riu baixinho, balançando a cabeça.
— Você sempre foi péssimo com palavras bonitas.
Ele sorriu.
— Eu sei.
Ela olhou para ele de novo, e dessa vez, havia algo diferente em seus olhos. Não era dúvida. Não era incerteza. Era um reconhecimento, um reencontro consigo mesma e com o que sempre esteve ali.
E então, como se fosse a coisa mais natural do mundo, ela se inclinou e o beijou.
Foi um beijo cheio de tempo perdido e de promessas silenciosas, de lembranças que nunca haviam sido apagadas e de um futuro que, talvez, sempre estivesse esperando por eles.
null não precisava mais fugir.
Porque, pela primeira vez, ele estava exatamente onde deveria estar.
Fim.
Nota da autora: Oi, pessoal! Espero que gostem.

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09. love is embarrassing
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