Fanfic Finalizada

Capítulo Único

Quando eu era pequeno, por volta dos oito anos, uma de minhas tias presenciou um assalto a um banco. Não consigo lembrar do evento em si, mas um detalhe jamais me fugiu da memória: ela repetiu várias vezes que, quando um dos assaltantes apontou uma arma na direção de sua cabeça, ela foi capaz de ver sua vida passar diante de seus olhos com tanta clareza, que essa experiência mudou toda a sua percepção do mundo.
Anos mais tarde, no primeiro ano da faculdade, namorei uma garota que estava estudando medicina e esperava, no futuro, tornar-se neurocirurgiã. Folheando um de seus livros em uma noite qualquer, acabei me deparando novamente com o tal fenômeno das situações pré-morte, conhecido pelos cientistas como life review. Segundo estudos, essa sensação de ver a vida passar diante dos olhos em eventos traumáticos nada mais é do que uma grande liberação de adrenalina, que diminui sua percepção de tempo. É o que acontece com esportistas, que precisam decidir uma jogada em milésimos de segundo, ou em sonhos, em que um segundo do tempo real pode durar horas em outro plano.
Quando ouvi a segunda explosão e uma névoa de poeira tóxica tomou todo meu campo de visão, eu esperava realmente ver tudo. Desde minhas primeiras lembranças, meu primeiro cachorro, a primeira vez que vi minha banda favorita ao vivo. A viagem mais maluca que já fiz com meus amigos para a Tailândia... Tudo o que eu tinha direito.
Mas, quando eu pisquei, a única coisa que consegui ver foi o sorriso dela, como uma fotografia tão nítida que jamais seria apagada de meu subconsciente.
Milhares de coisas podem acontecer em um único segundo.
Uma infinidade de imagens podem ser vistas.
E eu agradeceria para sempre por ter escolhido essa.

Londres, 7 de Janeiro de 2003


Observei uma centena de pessoas em frente a minha casa pela janela do escritório do meu pai. O tempo estava nublado – como sempre –, mas elas estavam por todas as partes, segurando nas barras de ferro dos portões, posando para selfies estranhas, fazendo graça enquanto tentavam enquadrar algum dos guardas em suas fotografias. A enorme fonte estava cheia de gente, especialmente crianças pequenas, que queriam a todo custo achar um bom lugar para ver a troca da guarda, que aconteceria pontualmente às onze, dali vinte minutos.
Apesar de estar relativamente longe, meus olhos pousaram especificamente em uma garotinha. Ela devia ter por volta de quatro anos, e estava acompanhada pelos pais. A pequena estava posando para todo tipo de foto, usando uma coroa na cabeça e um vestido que muito se assemelhava ao da Cinderela, pelo menos àquela distância. Ela parecia genuinamente feliz, o que colocou um sorriso tímido em meus lábios. Crianças. Sempre querendo ser princesas.
- ! Você pode ao menos fingir que está me escutando? – Minha mãe praticamente berrou dentro da sala, fazendo-me dar um pulo na cadeira e voltar meu olhar para ela. – Você viu essas manchetes? Será que você não pensa nem por um segundo na imagem da nossa família?
Franzi a testa, confusa por alguns instantes. Imagem da família? Nós definitivamente não podíamos estar tratando do mesmo assunto.
Eu não tinha me drogado e dançado em cima de uma mesa em público.
Não tinha batido o carro por dirigir alcoolizada, não tinha dado nenhuma entrevista ferindo a Monarquia; absolutamente nada disso.
Respirei fundo, entediada. Minha mãe, a Sua Alteza Duquesa de York – que era popularmente e erroneamente conhecida como Princesa Catherine, visto que para o povo, casar com o Príncipe lhe dá direito ao título imediatamente (não dá) -, era uma mulher que só poderia ser descrita como alguém que liga muito para aparências.
Não sei exatamente se posso culpá-la, visto que ela nasceu nobre e foi moldada a vida inteira para conquistar o coração do Príncipe Henry, também conhecido como meu pai. Fruto de uma criação exótica ou não, conviver com a Duquesa de York era absurdamente estressante.
- Mãe, eu não fiz nada demais – tentei argumentar. – Eu simplesmente não gostava do curso. Não quero passar três anos estudando francês, sendo que fiz isso minha vida inteira.
- Esse não é o ponto, ! Você estava estudando francês na Universidade de York, estava se preparando para o futuro brilhante que tem em sua frente! Não posso simplesmente assistir de braços cruzados você largar a Universidade que sonhamos para simplesmente...
- Quem sonhou, exatamente? – Perguntei, arqueando a sobrancelha.
- Não venha agir como uma rebelde sem causa agora, querida, porque não tenho tempo para lidar com isso, e você sabe disso – ela me repreendeu, rolando discretamente os olhos. – Você é a Princesa da Inglaterra e precisa se portar como tal. Ainda há tempo de voltar para York e recomeçar o curso com alguns dias de atraso, então eu sugiro que...
- Eu não vou.
- ...
Apesar da ideia de voltar para York ser extremamente atrativa, porque mesmo que eu tivesse que andar com dois guarda costas, eu estava longe da loucura do palácio (e da minha mãe), eu simplesmente detestava aquele curso. E quando comecei a falhar colossalmente, a notícia logo caiu em domínio público. Em menos de um mês, saí das sombras para me tornar a herdeira ao trono que não liga para a própria educação. E, meu Deus, eu amava estudar. Mas não, não isso.
E daí que ser formada em francês seria perfeito para as relações internacionais com nosso país vizinho? Eu não dava a mínima.
- Não que isso me interesse, mas o que você pretende estudar, então? – Ela perguntou, com seu olhar estreito em minha direção. Aquele olhar costumava me apavorar, nas poucas vezes que o vi. Mas não agora.
Abri um enorme sorriso, antes de responder:
- Cinema.
Minha mãe não esboçou a menor reação, continuou pálida, etérea e gélida como sempre foi, mas algo me dizia que ela estava dando uma gargalhada mental. Só podia estar. Chacoalhou a cabeça de um lado para o outro, e depois perguntou, séria:
- Por que você não pode agir como uma pessoa normal?
Pisquei algumas vezes, encarando-a.
- Porque sou a Princesa da Inglaterra. E eu não sei o que é normal.

Cruzei o salão na primeira oportunidade que tive e entrei dentro da cozinha do palácio. Os empregados pareceram parar tudo que estavam fazendo, assustados por minha presença ali, e eu apenas arqueei uma sobrancelha, achando graça. Peguei um doce de uma bandeja e fui caminhando calmamente pelo local, arrastando meu vestido verde pelo chão que estava cheio de marcas de sapato e precisando ser esfregado, mas ninguém podia culpar quem trabalhava ali. Servir um jantar para setenta pessoas era uma tarefa complicada, ainda mais quando o rei e a rainha estão uma pilha de nervos porque alguns contatos importantes estariam presentes. À medida que caminhava, os empregados paravam e se curvavam um a um, e eu rolei os olhos.
- Podem continuar com o que estão fazendo, não vim atrapalhar.
- A senhorita precisa de alguma coisa, Alteza? – O chef de cozinha perguntou, e eu neguei com um meneio de cabeça.
- Só de um pouco de paz. Já estou saindo daqui, e se alguém perguntar por mim, vocês nem me viram.
- Sim, Alteza.
A outra porta da cozinha dava acesso a um longo corredor que eu pouco costumava usar. Por ali eram feitas entregas para a dispensa da cozinha, e também era o acesso para grande parte dos aposentos daqueles que trabalhavam e residiam no próprio palácio. Havia outro jeito de entrar ali, mas esse estava inacessível devido a incrivelmente entediante festa para asiáticos de algum país que eu não prestei atenção.
Existem funções muito claras na realeza.
Alguns nasceram para governar, outros para ponderar, havia ainda aqueles que nasceram apenas para desfrutar de tudo que estar na Monarquia pode lhe dar. Alguns preferiam tentar destruir o próprio sistema. Eu me encaixava em um grupo extremamente seleto: o grupo dos que gostavam de viver na extrema margem. Aqueles que, embora quase todo mundo saiba que estão na realeza, muito pouco chamam atenção a si próprios, escondendo-se atrás dos holofotes que os mais expostos (por vontade ou não) atraem.
É claro que sendo a única princesa legítima da linhagem até então, isso era muito difícil de ser feito. Sempre tinha alguém extremamente interessado em saber onde eu estava, com quem, e fazendo o quê. Queriam saber se eu seria mais parecida com Henry III, meu irmão mais velho, o futuro rei perfeito; ou com Sebastian, meu outro irmão, que aparecia drogado nas capas de revista, sempre com alguma garota descartável a tiracolo. Muitos queriam saber se eu seria tão interessada no povo (insiram algumas risadas aqui) como a belíssima Duquesa/Princesa de York.
Aprendi logo cedo que sempre teria alguém vasculhando minha vida. Mas descobri que, com bastante esforço e com uma pitada de sorte, eu conseguia passar batido por aí.
Às vezes, as pessoas nem se tocavam de que eu era a princesa. Eu era mesmo muito boa nesse negócio de me esconder e fugir de conversas que pouco me interessavam.
Cruzei o corredor para a esquerda e caminhei até o final, batendo na porta.
Penny abriu a porta rapidamente. Ela estava de pijama de flanela, um coque no alto da cabeça e usava um creme branco em cima de algumas espinhas. Tentei prender o riso, e então ela me ofereceu um pacote de Oreo.
- Percebo que sua sexta-feira está muito badalada, hein?
- Nem todas as mortais tem festas de gala com chineses para aproveitar, querida – ela cutucou, com um sorrisinho.
- Se você chama isso de aproveitar... Acho que eu preferia ficar aqui tratando minhas espinhas e assistindo a DVDs. – Respondi, e ela gargalhou.
- Você é uma vadia. Até parece que você tem espinhas.
- Ei! Isso são modos de se referir à Sua Alteza Princesa de York?
Ela deu de ombros, com uma risada.
- Quem é princesa no meu quarto sou eu, meu amor.
Penny era minha amiga desde a infância. Sua mãe se mudou para o palácio para trabalhar diretamente com a minha na parte de assessoria de imprensa. Ela era filha única, eu não tinha ninguém da minha idade para brincar, acabamos unindo o útil ao agradável. Agora ela estava estudando na London College Of Fashion e eu tinha ao menos tentado me dar bem em York, mas não tinha sido bem sucedida. Nossa amizade, uma das poucas áreas estáveis da minha vida, se manteve intacta.
- Argh – despenquei de costas na cama. – Estou exausta. Estou começando a me sentir realmente estúpida por ter voltado de York.
- Você poderia ter transferido o curso lá mesmo...
- Eu sei, mas isso cairia na mídia da mesma maneira. Você sabe que eu detesto fazer tipo, mas não é muito fácil ser herdeira ao trono.
Penny deu risada.
- Seus pais vão te dar um tempo. Logo menos seu novíssimo sobrinho nascerá e o Sebastian se meterá em alguma encrenca, e então você voltará para seu mundinho excluso.
- Deus te ouça – levantei as mãos para o teto, depois olhei para Penny, com um sorriso malicioso nos lábios. – Penn, preciso de sua ajuda.
- Ah, jura por tudo? Eu já estou de pijama – Ela grunhiu, e eu ri.
- Quero sair para dar uma volta de novo.
Penny era o tipo de garota que tinha uma leveza absurda em tudo o que fazia. Nunca parecia preocupada, e sempre estava com um sorriso no rosto. Mas todas as vezes que eu lhe pedia isso, especificamente, ela parecia a ponto de ebulição. Não de raiva, mas de preocupação.
- ...
- Por favor - pedi, com a voz arrastada. – Já fizemos isso dezenas de vezes e nunca aconteceu nada!
- Não é por que não aconteceu nada antes, que não irá acontecer agora. Você tem noção do perigo que você corre quando me convence a deixá-la fazer isso?
- Tenho – disse, mordendo o lábio. – E não ligo.
Penny rolou os olhos, parecendo mais adulta do que jamais seria em outra ocasião. Nós duas tínhamos dezenove anos, os cabelos do mesmo tom, e mais ou menos a mesma estatura. Claro que passávamos longe de sermos idênticas, mas essas pequenas semelhanças eram demasiadamente úteis de vez em quando.
Encarei-a com os olhos cheios de ansiedade e juntei as mãos em prece, fazendo minha melhor cara de pidona. Essa funcionava muito bem com meu pai, mas o truque já estava velho para Penelope.
- Por favor, por favorzinho... – Pedi, e ela bufou.
- Está bem – disse, finalmente se dando por vencida. – Mas, pelo amor de Deus, tome todo o cuidado do mundo. É sério.
- Eu tomarei! Juro, você sabe que eu sei me cuidar.
Penny fez uma careta, mas não retrucou o que eu disse. Pegou uma calça jeans, uma bota e um casaco de lã pesado com capuz, porque fazia muito frio naquela época do ano. Jogou as peças em minha direção e eu sorri, saindo o mais depressa possível de dentro do vestido, antes que ela pudesse considerar mudar de ideia.
Em dois minutos, eu estava muito bem aquecida dentro das roupas de Penelope, e ela estava com o meu vestido.
- Suba direto para o meu quarto. Use os túneis. Mesmo que algum segurança a veja, jamais vai achar que é você.
- Eles deviam dar um zoom nas minhas espinhas malditas – Penny vociferou, e eu gargalhei. – Promete para mim que não vai demorar?
- Prometo. Hoje só quero dar uma volta pela cidade.

Sair do palácio sem seguranças era sempre fácil quando eu me transformava em Penny. A primeira vez que fiz isso, ainda com dezesseis anos, entrei em desespero ao cruzar a primeira esquina, morrendo de medo de ser descoberta por alguém da rua, ou pior ainda, por alguém do palácio. Depois do choque inicial, essas saídas tornaram-se cada vez mais fáceis, e essenciais.
Quando eu estava de jeans e moletom e me misturava pelo meio das pessoas, eu não era mais Sua Alteza Princesa de York. Eu era apenas uma garota qualquer.
Em alguns dias, eu escolhia apenas andar pelas ruas londrinas que eu tanto amava, mas pouco podia apreciar. Quase todas as vezes gostava de caminhar até o Parlamento para ver o Big Ben e a London Eye, exatamente como os turistas faziam. Eu não me importava. Não conseguia imaginar como alguém poderia se cansar de observar esses dois monumentos.
Nos dias mais quentes, gostava de carregar um livro para ler em um parque. Gostava ainda de simplesmente sentar no metrô e deixar que ele me levasse para qualquer lugar, sem pressa.
Quando cheguei a uma das ruas paralelas ao palácio, o ar congelante de Janeiro encheu meus pulmões, quase petrificando meu nariz. Dei risada sozinha, porque gostava daquilo. Nada podia pagar aquela sensação de liberdade.
Parei em frente ao metrô e ponderei o que poderia fazer.
Sabia que aquele dia já teria valido só com uma voltinha pelo quarteirão, e Penny tinha praticamente implorado para que eu não demorasse, então resolvi apenas caminhar. Quando o vento frio se tornou desconfortável pouco tempo depois, no entanto, eu ainda não estava com a menor vontade de voltar para casa.
Avistei um pub do outro lado da rua e mordi o lábio.
Talvez aquele fosse um bom dia para tentar algo novo.

Londres, 7 de Janeiro de 2003


Olhei para o relógio pela quinta vez em dez minutos. Eram quase nove da noite e aquele dia tinha sido completamente perdido. Joguei meu caderno de anotações na parede, irritado, e fechei o notebook sem nenhuma delicadeza.
Escrever não era uma tarefa fácil, de um modo geral, especialmente quando você lançou um livro que foi fenômeno de vendas no mundo inteiro e simplesmente não consegue fazer nada que preste depois disso.
O sucesso, para uns, é apenas um resultado, mas para mim, foi uma surpresa. E, no fim, havia algo de estarrecedor e paralisador na ideia de publicar alguma coisa depois do meu primeiro livro e descobrir que, como num jogo de pôquer, tudo se tratava de sorte de principiante.
Caminhei até a geladeira e xinguei quando percebi que não havia mais uma mísera garrafinha de cerveja lá dentro. Outra coisa sobre o sucesso: não fiquei rico, nem perto disso. Meu livro não teve os direitos comprados por alguma grande produtora de Hollywood, muito menos fiz legiões de fãs dedicados. Todo o dinheiro que ganhei foi provavelmente gasto em algumas viagens e em comida e cerveja. Para mim, parecia justo, mas quando seu editor está no seu pé, ameaçando dar para trás no seu contrato, você se sente meio idiota.
Eu sabia que devia sentar em frente ao maldito computador e me dedicar ao livro. Sabia que estava congelante do lado de fora. E daí? Precisava espairecer.

Sempre morei no mesmo apartamento minúsculo por puro prazer. O prédio tinha um terraço simples, mas que permitia apreciar a vista de boa parte de Londres. Ao norte, era possível ver a London Eye acesa durante a noite, sua imagem se misturando com as luzes da cidade e, algumas vezes, com as estrelas.
Gostava de sentar lá no verão para relaxar e escrever, e foi ali, inclusive, que escrevi meu primeiro e famoso romance. Mas com o tempo gelado desse jeito, procurar inspiração no terraço era assinar meu atestado de morte.
Resolvi pegar o metrô para ir até um pub em que trabalhei quando me mudei para a cidade, depois da faculdade. Ele era a algumas estações do meu apartamento, mas gostava do ambiente e das pessoas. Lá eu me sentia em casa.
Talvez eu só tomasse umas duas cervejas e com alguma sorte conseguiria escrever alguma coisa quando voltasse.

- E aí, cara! – Trent me cumprimentou de trás do balcão, com um sorriso no rosto. – Pensei que nunca mais te veria por aqui!
- Nunca mais? Não tem nem duas semanas que vim aqui, você que estava de férias – retruquei, rindo, e o cumprimentei com um soco na mão. – Você sabe, esse frio está de matar, não estou indo nem para o pub do lado de casa.
- Você é um puta de um folgado, isso sim – Trent riu, colocando um copo de cerveja em minha frente sem que eu pedisse nada. Era por essas e outras que eu adorava aquele lugar.
Os dois anos que trabalhei ali foram sensacionais. Tudo bem, você é obrigado a trabalhar todo dia em horários em que pessoas normais estão aproveitando. Mas a bebida era boa, a comida ótima, os amigos que fiz lá eram alguns dos melhores de todos, e para completar: sempre havia alguma garota.
Modéstia à parte, criei uma certa fama no pub por minha lábia para conquistar clientes. Essa fase não durou muito tempo, no entanto, porque eu...
- E como anda a Jill? – Trent perguntou o inevitável, e eu cocei a cabeça.
Ah, a Jill. A musa inspiradora do meu primeiro livro, também conhecida como a garota que destruiu minha vida e provavelmente minha carreira.
Que saudade.
- Terminamos em Novembro – eu disse, simplesmente, e Trent deu uma risada.
- Vocês terminaram e voltaram mais vezes do que a Britney Spears e o Justin Timberlake.
- Que referência maravilhosa. Assistindo muito E!?
- Vá se foder – ele riu, com as bochechas vermelhas.
Tomei um gole de cerveja e o encarei.
- Dessa vez é de verdade. E ela se mudou para Tóquio.
- Para Tóquio? Cacete, o que você fez?
Algo no tom de voz de Trent me fez querer rir.
- Nada. Ela achava que nosso relacionamento estava estagnado. E que eu só pensava no meu maldito livro. Sabe como é.
- Não, não sei, mas...
- E ela já está namorando outro cara.
- Porra!
- Exatamente.
Voltei a beber, e Trent saiu correndo para atender alguns clientes que pareciam insatisfeitos com a demora pela comida em uma das mesas. Olhei em volta e vi que estava apenas ele e uma garota desconhecida que se desdobrava para servir as pessoas na outra extremidade do balcão. Arqueei uma sobrancelha quando ele voltou e sorri.
- Quer ajuda?
Trent deu risada, encarando-me como se eu fosse maluco.
- Você sabe que é perigoso pedir isso duas vezes...
Gargalhei, tomando o resto da cerveja de uma vez só e passando para o outro lado do balcão. Trent nem se opôs, jogando um avental em minha direção.
- O desgraçado do Tony faltou hoje – ele resmungou. – Ainda lembra de alguma coisa, além de dar em cima de todas as garotas quando você brigava com a Jill? – Ele perguntou, com um tom de voz desafiador, e nós dois rimos.
- Lembro o suficiente para acabar com você nisso aqui.

O relógio correu meia hora voando. O bar estava ridiculamente cheio para um dia tão frio, o que era ótimo para distrair. Entre servir cervejas e correr para lá e para cá, conversei com algumas garotas nada interessantes que pareciam encantadas comigo. Eu ainda era bom naquilo.
Joguei um pano de prato no ombro depois de servir três pints para um grupo de amigos, e quando estava virando o corpo para pegar alguns copos, avistei uma garota na ponta direita do balcão.
O lugar estava escuro porque bem ali uma das lâmpadas estava queimada, e ainda que o local estivesse cheio, ela poderia ter escolhido uns quatro outros lugares melhores para sentar. Ela estava olhando com interesse para as pessoas do bar, com um copo de cerveja vazio parado em sua frente. Era difícil distinguir muito mais de suas feições com a baixa iluminação, mas era fácil chutar que ela era bonita.
Ao perceber que eu estava a olhando, a garota deu um pulo, voltando o olhar para a frente instantaneamente, como uma criança que era pega fazendo arte.
Não pude conter uma risada baixa, e caminhei até onde ela estava, agora encarando o teto, provavelmente sabendo que eu estava me aproximando.
- Mais uma cerveja? – Perguntei, e ela demorou tempo demais para olhar para cima.
Dava para notar que seu rosto estava vermelho e que ela estava desconfortável, o que era no mínimo estranho, visto que nós nem nos conhecíamos.
- Estou bem – ela respondeu baixo, ainda sem me olhar nos olhos.
Seus cabelos caíam como uma moldura em seu rosto, mas eu mal conseguia enxergar a cor de seus olhos.
O que, diabos, estava incomodando tanto essa garota? Não era possível que ela fosse tão tímida assim.
- Tem certeza? – Resolvi tentar mais uma vez, apontando para o copo vazio, e ela mordeu o lábio.
- Aceito mais uma cerveja - Ela disse, e eu tinha certeza que era para se livrar de mim, mas acabei rindo de novo, sem saber por quê.
Dei de ombros, correndo para pegar outra cerveja, praticamente com um dos olhos cravados nas costas para ter certeza que ela não estava fazendo uma pegadinha e sairia correndo sem rumo pela porta assim que eu virasse.
Ela ainda estava parada quando eu voltei e coloquei o outro copo em sua frente.
- Aqui está.
A garota suspirou e então me encarou por meio segundo.
Seus olhos eram escuros, e ela era realmente linda.
- Obrigada – ela disse, e voltou a olhar para o copo.
Aquilo era no mínimo confuso.
Eu não queria perguntar se ela estava sendo bem atendida ou se queria mais alguma coisa. Mas estava curioso, especialmente por que ela era tão quieta e parecia tão à vontade poucos segundos antes de me pegar observando o pub.
Será que ela estava lá de olho em um namorado que estava a traindo?
Dei uma olhada por cima do ombro, sem achar ninguém suspeito.
Não devia ser isso.
Enquanto eu estava parado olhando para o salão, mas exatamente em sua frente, a garota limpou a garganta, tirando-me do meu devaneio. Encarei-a, ansioso.
Ela curvou a cabeça para baixo em uma reverência e sorriu sem mostrar os dentes.
- Isso é tudo, obrigada.
Arregalei os olhos e não consegui conter o riso incontrolável que subiu pela minha garganta. Quando soltei uma gargalhada alta, a garota pareceu estática, roxa de vergonha. Ficou em pé em um pulo e eu chacoalhei a cabeça, segurando-a pela mão antes que ela pudesse correr.
Como eu esperava, ela pareceu congelar quando eu a segurei pela mão, encarando-me com os olhos esbugalhados.
- Perdão, desculpe, eu não quis rir. É que ninguém nunca fez uma reverência para mim, me senti meio da...
- Realeza? – Ela acrescentou, rolando os olhos, e eu assenti.
Algo naquela conversa deixou-a extremamente incomodada, mas não da forma que já estava. Ela pareceu ficar puta de uma hora para a outra. Colocou o dinheiro no balcão – uma nota muito maior do que precisava, aliás –, e em seguida quase abaixou a cabeça de novo, corando e xingando baixo em outro idioma.
- Você precisa do seu troco – Falei, antes que ela desse as costas.
- Não, você sabe que eu não preciso – ela respondeu, nervosa, e eu arqueei uma sobrancelha.
- Eu sei que você não precisa? Como é que eu...
- Por favor, apenas deixe que eu vá para casa sem alarde. É só o que eu quero – ela pediu, suplicante, e eu fixei meu olhar no dela.
Eu conhecia aqueles olhos, não conhecia?
Eles eram memoráveis demais para eu simplesmente esquecer.
Pensei que poderia tê-la conhecido antes, ou talvez dormido com ela antes da fase Jill e terminado sem nenhum motivo. Ela parecia brava, e parecia ter certeza que eu sabia quem ela era.
Mordi o lábio, sentindo meu rosto esquentar.
- Desculpe, o que quer que eu tenha feito para você, saiba que eu não fiz por mal.
Nessa hora, ela quem me encarou, parecendo confusa e chocada.
- Do que você está falando?
- Do que você está falando? – Retruquei, e ela me encarou, com os olhos espremidos.
Pareceu me estudar por alguns instantes, depois voltou a falar, curiosa.
- Você realmente não sabe quem eu sou?
Merda. Merda. Aquilo era no mínimo desconcertante.
Como é que você fala para alguém que não lembra da pessoa?
Ela ficaria ofendida, eu tenho certeza.
- Desculpe – eu disse, fazendo todo um esforço mental para lembrar dela, e então ela riu, pela primeira vez.
Parecia não estar levando nada daquilo a sério, mas algo me dizia que ela acreditava em mim. Eu não sabia por que ela estava rindo, mas acabei fazendo o mesmo.
Ela mordeu o lábio quando parou, e então me veio um flash na cabeça, pelo jeito que ela mexeu o cabelo e sorriu.
Eu já tinha a visto.
Na televisão. Nas revistas.
Não poderia ser... É óbvio que não podia ser. Só de pensar em falar aquilo já dava para imaginar a gargalhada que a garota daria na minha cara. Minha percepção deve ter sido visível, porque ela mordeu o lábio novamente, e olhou do balcão para mim, e de mim para o balcão.
- Você é a...
- Não fale – ela pediu, com os olhos suplicantes. E então, suspirou, olhando para os lados de maneira conspiratória, e completou: - Sim.
Arregalei os olhos, esperando que ela completasse.
- Meu nome é – ela disse, depois fez uma careta. – Princesa de York.
Demorei alguns segundos para conseguir processar a informação.
Não parecia brincadeira, nada perto disso, especialmente porque agora que ela tinha dito, dava para ver que ela era mesmo a cara da Princesa que vi algumas vezes no noticiário.
Parecendo ler minha mente, ela acrescentou:
- É sério.
- Parece que sim, mas não estou conseguindo processar – confessei, e ela sorriu, olhando para baixo.
- E por que não?
- Porque você é uma princesa. E está em um pub. Tomando cerveja – respondi, enumerando os fatores, e ela gargalhou.
Nunca tinha visto uma princesa gargalhando.
Certo, eu nunca tinha visto uma princesa. Em certo ponto, achei que devia tocá-la como as pessoas fazem com as estátuas do Madame Tussauds. E tinha uma dela lá!
- O fato de eu ser princesa não anula que, antes disso, sou uma pessoa – ela respondeu, voltando a sentar, e então tomou um gole de cerveja.
- E onde estão seus seguranças?
Ela ponderou.
- No palácio.
- Você está aqui sozinha?
- Não, porque agora você está aqui também – Ela respondeu, com um tom de voz que beirava o tédio, e eu senti o rosto queimar.
- Desculpe incomodá-la, Majestade – disse, com uma falsa reverência, e ela fez uma careta.
- Esse não é o pronome correto.
- Você vem até o meu bar e quer corrigir meus pronomes?
- Esse bar é seu?
- Os pronomes são seus? – Retruquei, e ela segurou a intensidade do meu olhar, mas parecia querer rir.
- Na verdade, tudo da fronteira da Irlanda até o extremo Sul da Inglaterra é, tecnicamente, meu – Ela disse, com um sorrisinho vitorioso.
Sei que devia protestar e achá-la nojenta, e apesar de conhecê-la há cinco minutos, tinha certeza que ela estava brincando. Seus olhos estavam brilhando.
- Touché – eu fiz um barulho com a boca, e ela sorriu. – O que traz uma pessoa tão poderosa a um bar tão simplório?
pareceu pensar no que responder, e então levantou o copo de cerveja. Eu ri.
- Não tem cerveja em Buckingham?
Ela rolou os olhos.
- Tem coisas demais em Buckingham – disse, meio absorta. Ouvi Trent me chamar do outro lado do balcão, mas não queria admitir: eu não queria sair dali.
Estava meio fascinado, não sei se pelo fato de ela ser uma celebridade ou porque toda essa aura de mistério, mesmo sendo a Princesa da Inglaterra, me deixava preso, incapaz de mover um músculo.
olhou de mim para Trent, e então sorriu.
- Vai ser demitido se ficar por aqui?
Eu gargalhei.
- Eu nem sequer trabalho aqui – disse, e ela pareceu confusa, então continuei: - Trabalhei aqui por algum tempo depois da faculdade. Mas hoje só sou cliente, e me ofereci para ajudar meu amigo porque não tinha nada melhor para fazer essa noite.
Ela sorriu.
- Então agora você tem – disse, e indicou o banco vazio ao seu lado com a cabeça. – Vou te pagar uma cerveja.

definitivamente não era como nenhuma garota que eu já tinha conhecido – e olha que eu conheci garotas demais nessa vida.
Seus gestos eram extremamente delicados, provavelmente fruto de sua educação, como uma bailarina em uma eterna apresentação. A forma como mexia as mãos, o jeito como ela piscava, fazia parecer que ela tinha saído de dentro de um filme. Conflitando com isso, ela parecia desenvolta demais para uma princesa.
Quando sentei ao seu lado, ela perguntou meu nome, o que eu fazia, e em poucos minutos conseguira arrancar de mim boa parte da minha história sem parecer evasiva. E ela bebia cerveja de verdade.
Era estranho.
Ri sozinho, virando-me para ela depois de pegar mais uma cerveja para mim.
- Então quer dizer que eu estou sentado aqui, em um pub qualquer, tomando uma cerveja com a futura rainha da Inglaterra? – Eu ri. – Típica história que, se eu contar por aí, ninguém jamais vai acreditar.
Ela pousou o copo no balcão e me encarou com uma sobrancelha arqueada, como se eu tivesse dito algo estapafúrdio e ela estivesse secretamente me julgando.
- Você está, sim, tomando uma cerveja em um pub qualquer, mas o resto dessa sua frase é completamente ilusório – disse, e eu franzi o cenho.
- Você é a princesa da Inglaterra, no fim das contas.
- Sim, mas sou a sétima na linha de sucessão para o trono. Pode imaginar o tanto de gente que teria que morrer para que eu realmente me tornasse rainha? – Ela riu, e depois tomou outro gole. Parecia estar se divertindo, quando mordeu o lábio inferior e acrescentou, com a voz baixa: - Há um limite de pessoas que posso assassinar sem levantar suspeitas, querido. Seis é demais, até para a princesa da Inglaterra.
Pisquei algumas vezes, depois gargalhei.
- Não sabia que você era serial killer nas horas vagas.
- Tento esconder esse meu lado para o bem da população em geral, mas agora talvez tenha que te matar pelo bem da minha identidade secreta – ela sorriu, e nós dois rimos.
- Sétima? – Fiz uma careta. – Posso não ser muito bom em realeza, mas sempre achei que você só tinha dois irmãos.
Ela riu.
- Vamos lá. Minha vó ainda está viva, e estará para sempre, eu tenho certeza – ela riu da própria piada. – Depois disso, o primeiro na linha é meu pai. Depois dele, tem meu irmão mais velho, mas ele já tem dois filhos e minha cunhada está esperando o terceiro. – Eu devo ter feito uma careta, porque ela riu. – Eu sei, surpreendentemente, temos televisão no palácio – disse, fazendo-me rir. – Por fim, tenho meu outro irmão, Sebastian, e então eu. Então, de verdade, a não ser que eu realmente mate todo mundo ou descubra a poção da juventude, jamais serei rainha.
Dei risada, tomando um longo gole da minha cerveja.
- Você sempre pode colocar todos em um avião e derrubá-lo – disse, e ela pareceu ponderar a ideia.
- Isso jamais aconteceria, é contra o protocolo de segurança um voo com tantas pessoas da família real assim. Precisarei pensar em outra coisa – retrucou, e eu ri, voltando o copo para o balcão.
- Então você é a princesa rebelde? – Eu disse, e ela me encarou nos olhos.
- Para um escritor, você é péssimo para ler as pessoas – respondeu, e eu mordi o lábio, suspirando. Ela arregalou os olhos imediatamente. – Perdão, eu estava brincando. Deus, não quis ser indelicada.
- Não foi – eu ri. – É só que... É difícil essa vida de escritor.
- Você disse que tem um livro publicado, certo? – Perguntou, e eu assenti. – Será que já o li? ...
- . Mas duvido que você tenha lido. É um romance policial.
- Adoro romances policiais. Diga-me o nome do livro, irei pesquisar.
A ideia da Princesa da Inglaterra lendo meu livro fez meu rosto queimar, e ela rapidamente percebeu, rindo.
- Eu posso jogar no Google, se você quiser. Mas seu nome não é estranho – ela disse, e eu tinha certeza que era porque queria ser delicada.
Funcionou, porque eu relaxei.
- Fica o dever de casa para você, então – falei, e assim que cheguei ao fim da frase, a garçonete tocou o sino do bar, indicando que o expediente tinha terminado.
Encarei , incerto de que ela sabia o que aquilo significava, mas ela se levantou prontamente.
- Achei que você tinha dito que vir a um pub era novidade – disse, e ela sorriu.
- Sozinha. Já fui a pubs diversas vezes. Mas isso sempre envolve seguranças e jornalistas e coisas irritantes – disse, e eu também levantei. Quando me coloquei em sua frente, ouvi minha própria voz dizer, sem nem pensar: - Eu conheço o dono do pub. Se você quiser ficar mais um pouco.
A ideia de deixar aquela noite terminar tão subitamente como começou – e vê-la ir embora para provavelmente todo o sempre – me pareceu impensável.
Ela sorriu.
- Perdão. Acho que já passei demais do meu horário.
- Cinderela, é você?
Muito bem, . Ótima maneira de ser babaca.
Ela riu, provavelmente por compaixão.
- Quase isso. Exceto que minha história não envolve abóboras – ela disse, e então completou, com uma nova reverência, provavelmente sem perceber. Dessa vez, aceitei sem rir. – Foi um imenso prazer conhecê-lo.
Imitei a reverência, e ela gargalhou.
- O prazer foi meu, Alteza – Disse, e ela sorriu de canto com o pronome.
Quando a vi dar as costas, no entanto, resolvi arriscar.
- Ei... ? – Chamei, incerto de que podia me referir a ela dessa maneira. Ela me olhou, esperando que eu prosseguisse. – Posso acompanhá-la de volta ao palácio? Está tarde.
Depois do momento em que eu não a reconheci, essa foi provavelmente a única coisa que a surpreendeu, e era visível em seu rosto. Não sei se os caras não costumam levar a princesa em casa, e essa ideia me parecia ridícula.
É claro que levavam.
Será que ela estava com medo de eu ser um assassino ou coisa assim? Meu Deus, o papo todo era brincadeira!
- Até a esquina do palácio – ela disse, interrompendo meu devaneio, e eu sorri.
Até a esquina do palácio era, de fato, muito melhor do que nada.

- Sabe no que eu estava pensando? – Eu disse, assim que saímos porta a fora e a temperatura gelada nos encontrou. colocou o capuz e colocou as mãos nos bolsos, encarando-me.
- No quê?
- Você realmente não é a princesa rebelde, porque eu raramente a vejo nos jornais, mas vejo muito seu irmão... Sebastian?
Ela riu.
- Sebastian é um caso sério.
- E seu outro irmão sempre aparece também. É estranho, era de se pensar que os ingleses teriam muito mais interesse em sua única princesa – falei, e ela sorriu.
- Isso é em grande parte culpa minha, na verdade. Não gosto muito de aparecer.
- Mas você é a princesa.
- Isso não foi minha escolha – disse, e eu assenti.
Ficamos alguns segundos em silêncio, mas não era desconfortável. Ela voltou a falar.
- Sou muito grata a tudo que já tive e tenho, mas nunca me senti obrigada a suprir a necessidade da mídia em me estampar nos jornais e na televisão. E, apesar das brincadeiras, sempre foi um alívio saber que eu não seria rainha – ela disse, olhando para o chão enquanto caminhava, e eu sorri.
- Não consigo nem imaginar como deve ser sua vida.
Ela riu.
- Tem muito mais champanhe que cerveja, você pode ter certeza – disse, e eu gargalhei, vendo o vapor quente que saiu da minha boca desenhar no ar gélido.
- Posso perguntar por que você estava sozinha no pub hoje, ou parecerei um jornalista enxerido? – Perguntei, curioso, e dessa vez ela quem riu.
- Não costumo dar detalhes da minha vida a pessoas que acabei de conhecer.
Outch.
Corte fino como uma navalha.
Fiquei em silêncio, e então ela começou a falar, deliberadamente:
- Há alguns anos faço isso. Nem meus pais, nem os seguranças fazem ideia. Eu pego as roupas da minha melhor amiga, que mora no palácio, e saio para passear e espairecer. É provavelmente o que me mantém sã – ela finalizou, e eu a olhei.
Ela continuava olhando para frente, mas sabia que tentava me ver pelo canto do olho. Aquela informação me fez sorrir.
- Achei que você não compartilhasse detalhes de sua vida com estranhos.
- É por isso que terei que matá-lo.
- Estou começando a realmente ter medo de você.
Ela riu alto, depois levou uma das mãos enluvadas à boca.
Parecia não fazer aquilo com frequência, e eu acabei sorrindo que nem um idiota quando ela me olhou.
Parou em minha frente repentinamente, com um sorriso, e ficou nas pontas dos pés.
Eu tinha certeza que tinha congelado, mas não pelo tempo.
Ela beijou meu rosto, depois se afastou.
- Você fica por aqui – disse, e eu tinha certeza que ainda parecia em choque. – Obrigada pela noite. Foi memorável.
- Sou apenas um plebeu, Majest... Porra! Alteza – Ela voltou a rir alto, provavelmente com o palavrão, e apertei os olhos, fazendo uma careta. – Acabei de estragar a noite, certo?
Ela negou com a cabeça, e então tirou um guardanapo do bolso, esticando para mim. Parecia ansiosa, e suas bochechas estavam rosadas.
- Não venda o telefone da Sua Alteza para os tabloides. Ou, você sabe...
Eu apertei o papel contra o peito, e arqueei uma sobrancelha.
- Acho que prefiro morrer.
- Você vai morrer de qualquer jeito.
- Mórbida, essa futura rainha... – Provoquei, e ela riu.
- Boa noite, .
- Boa noite, Sua Alteza Princesa de York – eu disse, com uma reverência exagerada, e ela sorriu.
- Pode me chamar de – ela disse e piscou, antes de virar as costas e caminhar na direção do palácio.
Apertei o guardanapo na mão, ciente de que eu, pelo menos, não esqueceria aquela noite tão cedo.

Londres, 7 de Janeiro de 2003


A última vez que corri tanto pelos corredores eu provavelmente tinha doze anos e estava fugindo de Sebastian em uma brincadeira de pique-esconde (que, devo acrescentar, era difícil demais de concluir morando em um palácio). Eu estava rindo como uma garotinha quando bati na porta do meu próprio quarto – Penny estava trancada lá dentro, é claro, pelo bem da minha fuga e mais ainda pelo bem da comédia romântica que ela provavelmente escolheu naquela noite.
- Sou eu – eu sussurrei, vendo um segurança de soslaio no fim do corredor, perto da porta de Sebastian, e ela abriu a porta prontamente, puxando-me para dentro, e acertando um tapa no meu ombro. – Ai!
- EU DISSE PRA VOCÊ IR RÁPIDO! – Ela gritou, e depois botou a mão na boca. – Meu Deus, quer me matar do coração? Onde, diabos, você estava?
Eu sei que devia ter pedido desculpas, mas minha reação inicial foi rir. Penny arqueou uma sobrancelha, de braços cruzados.
- É bom que essa risada tenha uma explicação.
Contive meu impulso de chamá-la de mãe e rir, e me joguei na cama, com um sorriso bobo no rosto.
- Eu conheci um cara – disse, com a voz quase em um sussurro, e Penny arregalou os olhos, puxando-me pelo braço para sentar com uma expressão que era uma mistura de choque e perversão, o que me fez rir.
- Repete.
- Eu conheci um cara.
- Parem as máquinas, acho que vou ter um ataque – ela disse, jogando-se do meu lado, gargalhando. – Fala logo! Desembucha!
- Não tem muito o que dizer, e não aconteceu nada. Ele era... Diferente.
Estava me sentindo idiota. Não conseguia me lembrar uma única vez que eu dei um ataque de alegria desses apenas por conhecer um cara. Penelope parecia tão surpresa quanto eu, e radiante.
Aquela noite tinha sido realmente atípica.
Primeiro que, em sã consciência, eu nunca me meteria em um pub sozinha. Segundo que estava trabalhando lá, sem realmente trabalhar lá, bem na noite em que eu apareci. E ele foi falar comigo.
Poderia ter sido qualquer outra pessoa, mas foi ele.
E, Meu Deus, como ele era lindo. Alto, com os olhos mais lindos que eu já vi e com um sorriso de tirar o fôlego. Sei que ele provavelmente sabia que aquele sorriso era poderoso, e que devia tê-lo usado milhares de vezes para conversar com garotas no canto do bar, e isso geralmente me deixaria irritada e faria me afastar; mas incrivelmente não estava me importando nem um pouco.
Porque havia algo muito real em .
Algo que me fazia querer falar de coisas que não costumo falar para pessoas que conheço há muito mais tempo. Algo que me fazia considerar arriscar toda minha liberdade apenas para ficar mais um pouco conversando com um estranho.
Algo que me fazia – Jesus - dar meu telefone do nada para um cara.
Aquela não era a que eu mesma conhecia. Eu tinha sofrido alguma lavagem cerebral, isso era certo.
Lembro-me de ter anotado meu número no papel enquanto ele contava sobre sua carreira. Não sei o motivo, mas anotei. E agora ele estava por aí, com o meu número na mão, e a coisa mais babaca de tudo era que: eu realmente esperava que ele ligasse.
E ficaria muito chateada se ele sumisse.
Isso era possível?
- , sua cara está me assustando! – Penny disse, com uma risada, e eu senti o rosto esquentar.
- Desculpe. O nome dele é , e eu o conheci num pub.
- Num pub?
- Ele estava ajudando um amigo, mas na verdade é um escritor de romance policial que parece bem famoso. O nome dele não me é estranho, mas...
- do quê? – Penny me interrompeu.
- .
Penelope arregalou os olhos, e saiu me puxando pela mão pelo corredor, sem se importar que estávamos com as roupas trocadas e que alguém poderia nos ver.
- O que você está fazendo? – Questionei, assustada. – Penny!
Ela não me respondeu, e chegamos a seu quarto dois andares abaixo em tempo recorde. Entramos rapidamente e ela subiu na cama para poder alcançar uma prateleira mais alta, pulando de lá meio segundo depois.
Ela esticou a mão para mim e me mostrou um livro chamado “A Garota de Vermelho”. Eu lembrava que ela amava aquele livro e quis me obrigar a ler várias vezes, mas acabei me enrolando com outros livros, na minha infinita lista. Acima do título, estava o nome do autor.
.
Arregalei os olhos.
- Isso é sério? Meu Deus, eu sabia que já tinha visto esse nome em algum lugar!
- Eu não acredito que você conheceu esse cara! Ele é um gênio! Mas, espere... Sempre achei que ele fosse mais velho, não tem foto aqui...
- Ele tem vinte e cinco, só. Acha que escrever esse livro foi um golpe de sorte – respondi, lembrando o que tinha dito, e apertei o livro contra meu peito.
- Você não tem espinhas, e ainda conhece o . Você é uma vaca completa – Penny provocou, e eu gargalhei.
- E ele é lindo. E eu dei meu telefone para ele.
- VOCÊ O QUÊ? Sente aqui, pode me contar tudinho, desde o começo. Se deixar algum detalhe de fora, pode ter certeza que vou te socar – Penny disse e eu sorri, fazendo o que ela mandou de muitíssimo bom grado.

A conversa com Penny tinha durado tempo demais.
Eu não sabia por que tinha me deixado tão imensamente encantada. Já conheci tantos garotos pelos quais garotas como eu enlouqueceriam – como príncipes de outros países e astros de rock – mas nenhum tinha surtido um efeito tão rápido, ainda que eu tenha me interessado. Talvez fosse a maneira como nos conhecemos, tão despretensiosa, ou o fato de ele genuinamente não me reconhecer; ou porque nossas personalidades simplesmente clicaram. Fácil e complexo assim. E, pelo menos para mim, isso não acontecia com frequência alguma.
Toda aquela inquietude me dava calafrios, de um jeito bom – e ruim, porque ele não tinha ligado ainda.
Tudo bem, ele era um cavalheiro. Despedimo-nos por volta de onze e meia da noite. Não faria sentido ele ter ligado. Não que eu saberia o que fazer caso ele de fato ligasse.
Então, depois de uma extensa conversa com Penny, subi para o meu quarto com o livro em mãos, e planejava lê-lo ao invés de dormir, mas depois de um banho quente, encostei-me à cama e adormeci quase de imediato.

Acordei com a luz da janela invadindo o quarto, porque não lembrei de fechar as cortinas. Murmurei algumas palavras desconexas e xingamentos que deixariam minha mãe horrorizada, e sentei na cama, confusa.
A primeira coisa que vi foi a capa escura do livro, acomodado em meu criado mudo. Estiquei-me para pegar o livro e o celular.
Nenhuma ligação de ainda. Bufei, um pouco contrariada – estava muito mal acostumada a ter as coisas acontecendo exatamente quando e como eu queria, ainda que odiasse admitir isso –, e antes de abrir o livro que Penny tinha emprestado, apertei um ramal qualquer do telefone fixo, porque nunca consegui decorar os certos, simplesmente porque não os usava.
Achava incômodo obrigar os criados a me seguirem pela casa fazendo o que eu queria. Eu gostava de fazer meu próprio café da manhã, coisa que aprendi com meu pai, mas minha cabeça estava doendo das míseras cervejas que eu tinha ingerido, então usaria algumas regalias naquele dia.
- Copa – Alguém disse do outro lado da linha, e eu dei uma risadinha, feliz por ter acertado.
- Oi. Quero alguma coisa com Nutella. E nada de chá, quero uma xícara de café bem forte – demandei, e a pessoa assentiu.
- Perfeitamente, Alteza. Seu café da manhã chegará em alguns minutos.
- Obrigada – disse, desligando o telefone e voltando a encarar o celular.
Nos dois minutos que eu me estiquei na cama, alguém bateu à minha porta, e me assustei quando vi duas criadas entrarem com um carrinho de café da manhã que tinha basicamente todo tipo de coisa com Nutella em cima.
Franzi a testa.
- Como que vocês conseguem esse tipo de coisa? – Perguntei, curiosa de verdade, sem entender tamanha eficiência.
- Nosso trabalho é servi-la da melhor maneira possível, Alteza – uma delas respondeu, e eu sorri.
- Mas não é possível que em dois minutos vocês... – Parei no meio da frase, incomodada porque as duas estavam paralisadas com as mãos nas costas, me encarando como se eu fosse de outro mundo. Elas não me viam com frequência, mesmo, então todas as vezes que isso acontecia pareciam estar estáticas. Era estranho, mas não conseguia deixar de imaginar o que faziam toda vez que iam entregar o café da manhã de Sebastian e davam de cara com ele nu. Atordoada com a imagem, chacoalhei a cabeça. – Isso é tudo. Agradeço.
Assim que as duas saíram, levantei e peguei a xícara de café. O líquido quente me deixou instantaneamente mais feliz, e então eu sentei na cama, amarrei o cabelo em um rabo de cavalo, e com o livro na outra mão, abri-o com um sorriso.
A sinopse parecia realmente muito boa.
Estava doida para ler aquilo e comentar com depois. Isso se ele não sumisse.
Ah, por favor, não era possível que ele ia sumir.
Virei as duas primeiras páginas e parei na dedicatória:

Para Jill, minha eterna musa inspiradora.

Fechei um livro com um tapa, de olhos arregalados.
Quem, diabos, era Jill?
Derrubei café na cama no susto, e voltei a xingar.
Eu não esperava que essa notícia me chocasse tanto como chocou. Talvez pelo fato de ter sentido tamanha conexão com , achei que ele mencionaria o fato de que tinha uma musa inspiradora eterna por trás dele.
Eterna.
Eu era uma perfeita babaca.
Meu rosto começou a queimar como fogo, instantaneamente. Eu tinha dado meu telefone para esse cara! Para um cara comprometido, que provavelmente estava rindo de mim até agora! Eu era mesmo ridiculamente amadora na arte da sedução. Confundi uma conversa casual com um interesse, estava toda idiota pensando nos malditos olhos dele, e...
Penny entrou em meu quarto, e eu instantaneamente berrei, fazendo-a pular.
- ETERNA MUSA INSPIRADORA – Gritei, indicando o livro. – Eterna!
Penny piscou algumas vezes, atordoada.
- Esse livro é do começo de 2002 – ela disse, com a voz branda, e eu grunhi.
- Eterna! – Repeti, incapaz de dizer outra coisa, e Penny mordeu o lábio.
- Isso não quer dizer nada, .
- Exceto que quer dizer muita coisa – grunhi, arremessando o livro do outro lado da cama. Era como se eu tivesse feito parte de um filme, mas só eu tinha o assistido.
Como se tudo fosse fruto da minha imaginação maluca.
Ocorreu-me, então, que eu nem sabia o que Penelope estava fazendo em meu quarto.
- O que você quer?
- Queria saber se ele tinha ligado – ela respondeu, como quem não queria dizer aquilo, e eu suspirei audivelmente.
- Adivinhe.
Ela sentou ao meu lado, pegando um mini-croissaint de Nutella.
- Eu sinto muito.
Mordi o lábio, repetindo o gesto.
- Eu também.
No instante em que levei o croissant à boca, o celular vibrou na cama, e vi pelo visor do flip que eu tinha recebido uma nova mensagem.
Penny pegou o celular primeiro que eu, abrindo-o rapidamente.
- O que você está fa...
- É ele! – Penny deu um pulinho, enfiando o telefone na minha cara.
Minha intenção era tirar o telefone dali com um tapa, mas minhas mãos gelaram na hora. Engoli em seco, pegando o aparelho e suprimindo meu orgulho para ler a mensagem.

Bom dia, (ainda não tenho certeza se posso chamá-la assim). Adorei nossa conversa ontem.

Enquanto eu lia, o celular vibrou novamente.

Queria saber se você teria interesse em repetir a dose hoje. Atenciosamente, .

- Atenciosamente? – Penelope gargalhou, e só aí percebi que ela estava lendo comigo, o tempo inteiro. – Tenho a leve impressão de que ele realmente não sabe lidar com você.
Eu quis rir, mas ainda estava gelada.
E agora, o que aquilo significava? Ele tinha uma musa eterna.
Será que ele pensava que eu era aquele tipo de garota?
Percebendo a confusão em meu rosto, Penny voltou a falar:
- Acho que a eternidade já acabou.
- Ou ele simplesmente é um cachorro – retruquei, e ela gargalhou.
- Ele disse atenciosamente. Cachorros não falam assim.
- Você claramente nunca ficou com o Príncipe da Noruega, então – provoquei, e ela gargalhou.
- Vaca. Responda!
- Responder o quê?
- Diga que vai!
- Eu não posso fazer isso, não posso arriscar sair daqui dois dias seguidos – disse, e ela rolou os olhos.
- É um caso emergencial.
- Que tipo de emergência é essa?
- Sexual.
- Penelope! – Gargalhei, com o rosto queimando, e ela riu.
- Você sabe que quer vê-lo. Vamos, ande logo com isso. Posso ficar trancada por uma tarde em casa se for pelo bem geral da nação.
Mordi o lábio, encarando-a.
- Tem certeza?
- Um novo casal vale meu sacrifício.

já estava em frente à estação de metrô quando eu cheguei. Era particularmente perigoso sair àquela hora do dia, porque estava tudo relativamente claro, o que significava que os milhares de turistas que ficavam por ali poderiam me reconhecer e acabar com os meus planos.
Ele sorriu ao me notar em meio às pessoas, tirando as mãos dos bolsos do casaco, e eu senti meu corpo estremecer – e não era de frio.
- Você veio – ele disse, com um sorriso, e eu sorri de volta.
- Você esperava que eu não viesse?
- Não sei exatamente o que esperar de você. Além, é claro, de que você eventualmente vá me matar – ele retrucou com uma piscadela, e eu tive certeza do porquê estava ali.
Foco, .
Não esqueça do eterno amor pela Jill, seja lá quem for Jill. Desde quando isso devia me preocupar tanto?
- Eu não tenho muito tempo. Foi difícil convencer Penny a trocar de identidade comigo de novo – menti, e ele riu.
- Quanto tempo nós temos?
- Talvez umas duas horas. Não posso levantar suspeitas.
deu risada, chacoalhando a cabeça.
- Esse tipo de conversa realmente a faz parecer uma agente dupla ou algo assim – concluiu, e eu ri. – Vamos. Se não temos muito tempo, é melhor aproveitarmos.

me levou até um café bem esquisitinho e de certa forma adorável em uma parte de Londres que eu não fazia ideia qual era. Estava quebrando todos os meus próprios protocolos de segurança e me deixando levar por um (quase) completo desconhecido, mas algo me dizia que ele não estava interessado em roubar meus órgãos e vendê-los no mercado negro.
O lugar tinha o teto bem baixo e as paredes de madeira, cheirava a café e chá e pelas poucas pessoas que vi, era frequentado por alguma parte cult da sociedade, com homens com cara de professores de filosofia lendo seus jornais e garotas com cabelos coloridos. não era o típico estereótipo de escritor, mas eu conseguia imaginá-lo facilmente ali.
- Chá ou café?
- Pode ser chá.
- Sente lá no fundo, volto em um minuto – ele disse, caminhando até o balcão.
Observei-o ir até lá, me perguntando se eles não nos atenderiam na mesa – ou se atendiam, mas ele estava me poupando de um possível reconhecimento – e ele logo voltou tentando equilibrar as duas xícaras, arrancando-me uma risada baixa.
- Você era um garçom! – Exclamei, e ele negou, lambendo o dedo sujo de chá.
- Barman, e eu não servia nada em pires – se defendeu, e eu ri, depois tomei um gole da bebida.
– Eu descobri por que conhecia seu nome – falei, e ele arqueou uma sobrancelha, sem parecer acreditar muito na minha conversa.
Seu olhar dizia muita coisa, e dessa vez era: “por que a princesa da Inglaterra saberia quem eu sou?”
Chutando, resolvi completar:
- Sim, era verdade, eu achava que conhecia seu nome. Não estava apenas sendo delicada.
riu.
- Você é realmente boa nisso – ele disse. – Agora fiquei curioso: de onde você conhecia meu nome, então, Alteza?
Havia algo divertido no jeito que ele usava o pronome – correto – agora. Acabei rindo, mesmo querendo me conter porque sabia para onde estava levando aquela conversa. Mas havia algo muito hipnótico naquele sorriso fácil de , e eu não conseguia me segurar.
- O nome do seu livro é “A Garota de Vermelho”, certo? – Perguntei, e ele riu, assentindo. – Penny, minha melhor amiga, tem esse livro na prateleira. Ela tentou que eu o lesse algumas vezes e eu sempre esquecia – confessei, sabendo que provavelmente tinha corado. deu risada.
- Quer dizer que você rejeitou meu livro? Estou mesmo muito ofendido, Princesa – ele disse, e eu fiz bico.
- Não! Eu apenas tinha outras coisas para ler, e... – Parei de falar quando o vi rindo, e rolei os olhos. – Idiota.
- Ei, você pode falar esse tipo de coisa?
- Claro. E como meu súdito, você tem mais é que aceitar calado – provoquei, arrancando uma gargalhada de .
Suspirei, tentando retomar o foco e, depois de um longo gole de chá, encarei-o. Era melhor que eu soubesse de uma vez, e que fosse agora. Antes que eu ficasse ainda mais idiota.
- Quem é Jill? – Perguntei de uma vez só, sem me preocupar em explicar, e engasgou com o chá, tossindo alto e fazendo um casal de uma mesa próxima nos encarar. Ele estava com os olhos esbugalhados e eu resolvi acrescentar alguma coisa, antes que ele morresse. – Eu peguei o livro para ler hoje pela manhã, e vi na dedicatória.
limpou a boca com um guardanapo. Seu rosto estava vermelho e ele parecia extremamente desconfortável pela primeira vez desde que nos conhecemos. Aquilo não era um bom sinal. Talvez era melhor que eu já arrumasse minha bolsa e preparasse uma saída à francesa.
Enquanto eu ponderava uma fuga para me livrar de um cara lindo, porém comprometido – talvez até casado, por Deus! -, me encarou nos olhos, e começou a falar, encarando a mesa em seguida.
- Jill é uma ex-namorada – ele disse, e eu o encarei.
Ex era melhor do que nada.
Exceto que toda aquela coisa sobre eternidade me revirava o estômago.
Tentei parecer casual, tomando um gole de chá, e então acrescentei:
- Perdão, não pretendia ser invasiva. Apenas fiquei curiosa porque vi que ela era sua eterna musa, então... – Achei melhor parar de falar quando percebi que minha voz estava meio esganiçada.
Eu queria morrer. Sério, ?
Precisava daquela voz de namoradinha traída com um cara que você conheceu – literalmente – ontem?
riu, e dessa vez me olhou nos olhos.
- O livro foi publicado há algum tempo. Espero que não pense que eu estou traindo alguém com você, ou...
- Traindo alguém comigo? – O interrompi, com uma risada. – Por algum acaso estamos fazendo alguma coisa errada?
Achei minha sacada genial, mas ficou roxo de vergonha e eu quis me matar numa forca logo em seguida. Ele riu, chacoalhando a cabeça.
- Desculpe, acho que me expressei mal. Eu não quis dizer isso. Só achei que você pudesse estar com a impressão que eu estava aqui para... – Ele parou de falar. – Deixa para lá.
Mordi o lábio, sentindo meu coração derreter. Ele era bom nisso sem nem fazer esforço, coisa que eu não podia falar sobre mim mesma, obviamente.
Estiquei a mão e toquei a dele de leve, por um segundo, fazendo-o olhar para mim. Sorri, e completei:
- Eu sei o que você quis dizer. E era isso mesmo que eu estava pensando – acabei confessando, e ele riu. Achei melhor parecer casual em seguida: - Sinto muito por sua musa inspiradora.
gargalhou.
- Ela está feliz em Tóquio com outro cara. Não precisa sentir muito.
- Devo sentir muito por você? – Perguntei, com uma sobrancelha erguida, e ele mordeu o lábio. Parecia que estava me estudando, e em seguida deu uma risada:
- Se isso funcionar para você, princesa – disse, com um tom de voz divertido e quase pervertido, e eu soube que estava vermelha, mas com um sorriso babaca no rosto.

Já estava escurecendo quando saímos do café, obviamente depois de três horas. Era seguro dizer que Penelope iria me matar – ela ficava muito nervosa quando tinha que se passar por mim, apavorada de ser pega –, e, para completar, já tinha me enviado umas três mensagens. O problema, se é que eu poderia considerar isso um problema, é que a nossa conversa estava maravilhosa. Nós nunca ficamos em silêncio, conversando desde carreiras até coisas engraçadas de nossas infâncias e sobre lugares do mundo.
Eu poderia fazer aquilo facilmente a noite inteira.
- Sei que já estamos atrasados, então vou te dar uma chance: o caminho mais curto ou o mais longo? – perguntou, e eu levei a mão ao queixo, fingindo pensar.
- Você quer a resposta oficial ou aquela das entrelinhas? – Perguntei, e sorriu de orelha a orelha.
- A oficial.
- O mais rápido – sorrimos juntos, e ele me segurou pela mão, puxando-me pelo lado oposto.
Havia muita eletricidade ali, mesmo com ambas as mãos enluvadas. Ele sorriu, encarando-me.
- Então iremos por aqui.
Eu não fazia ideia de quanto tempo o caminho mais longo levaria, mas secretamente esperava que muito, mesmo que estivesse quase morrendo de frio pela rua. Tinha pego um par de jeans rasgados que eu e Penny tínhamos igual – mas eu nunca usava, pelo menos não oficialmente e mesmo com meia calça por baixo, estava congelando. É claro que já tinha feito piada da minha falta de senso para andar pelas ruas londrinas, mas eu não estava me importando.
Passamos em frente ao Queen’s Park e entramos por uma rua qualquer, que vi de rabo de olho que chamava 6th Street. Era bizarro que eu, princesa daquele país, não fizesse ideia de onde eu realmente estava, mas sempre acreditei que às vezes você precisa se perder para se encontrar.
parou abruptamente para amarrar os tênis, dando pulinhos de frio na rua.
- Não vão desconfiar se você pegar uma gripe tremenda depois dessa voltinha? – Ele perguntou, abaixado, e eu ri.
- Existe gripe no palácio.
- Não se você não sair dele – ele sorriu, e eu assenti.
Apertei as mãos, com frio, e ele mordeu o lábio.
- Por mais que eu odeie dizer isso, vamos cortar por uma paralela e ir logo para o metrô. Não quero que você morra antes de matar todo mundo e assumir o trono – ele disse, fazendo-me gargalhar.
Ficamos alguns segundos em silêncio, apenas trocando olhares, e ele perguntou:
- Sei que você provavelmente tem coisas melhores para fazer, mas algo me diz que deveríamos sair amanhã também. O quanto Penny odiaria isso? – Ele perguntou, parecendo ansioso, e eu suspirei, fazendo uma careta triste.
- Penny vai viajar amanhã com os colegas de classe para a Semana de Moda de Paris.
logo entendeu o que eu quis dizer.
Uma semana não nos mataria, mataria? Se eu o conheci ontem, por que era tão difícil pensar em simplesmente não vê-lo por alguns dias?
- Você devia ter dito isso antes. Eu teria a convencido a ficar a noite inteira antes de matá-la de hipotermia – disse, e nós dois sorrimos.
O vi tirar um de seus casacos e arregalei os olhos.
- Você está maluco? Vai congelar até chegarmos no...
- Shhhh... Deixe que eu seja um cavalheiro para compensar o frio que eu estou fazendo você passar – ele disse, colocando o casaco nas minhas costas, e eu sorri largamente.
Uma semana era muita coisa.
Em um impulso, fiquei na ponta dos pés e, apoiando-me em seus ombros, colei minha boca na dele. Eu nunca tinha tomado uma atitude dessas na vida, ainda por cima conhecendo-o há tão pouco tempo, e quando percebi, já estava fazendo. Havia uma única luz vinda de um poste exatamente em cima de nossas cabeças, e nossos lábios estavam gelados, mas não ousei me mover. Um choque elétrico ainda mais forte do que quando seguramos as mãos passou de um corpo para o outro, e eu queria simplesmente atacá-lo, mas me segurei. Não abri a boca, e me afastei quando o vi levantar as mãos até a minha cintura, deixando-o em provável estado de choque.
Eu sabia que eu estava.
- Está pronto para correr? – Eu disse, encarando-o.
Dei as costas, com dois milhões de coisas passando pela minha cabeça ao mesmo tempo, e dei graças a Deus por estar de luvas, porque minhas mãos estariam petrificadas. Ele segurou pelo meu pulso, virando-me de frente, e respondeu, com um sorriso de canto:
- Não.
E então ele me tomou pela cintura e me empurrou gentilmente até o poste. Não encostou o nariz no meu, não fez cena, simplesmente juntou nossas bocas e eu não ofereci resistência alguma. Ao contrário de nossos lábios, o beijo foi quente, muito devagar a princípio, arrepiando cada parte do meu corpo. Estávamos tão colados que o frio passou, o perigo passou, tudo passou.
Eu só queria ficar ali para sempre, sem parar. Meu coração estava batendo em todas as partes erradas possíveis.
Quando ele se afastou, encostou a testa na minha, e eu sorri, vendo nossas respirações quentes se misturarem no ar gelado.
- Agora podemos correr – ele disse, e eu mordi o lábio.
- Em um minuto. – Respondi, puxando-o pela nuca, e percebi que ele estava sorrindo durante o beijo.

Londres, 16 de Janeiro de 2003


O palácio de Buckingham conseguia ser três vezes mais imponente por dentro do que era por fora. Eu tinha certeza que aquele tanto de ouro, obras de arte e tapetes importados poderiam alimentar um país pequeno por anos. Era tudo estupidamente lindo, como qualquer pessoa poderia imaginar quando fatalmente para na frente do lugar e se pega pensando o que a rainha estaria fazendo naquele exato momento. E se ela estava olhando furtivamente para você por alguma daquelas janelas.
Obviamente não havia uma palavra que pudesse descrever o tamanho do meu pânico de estar ali dentro.
Eu não estava fazendo nada de errado – bom, ao menos não tecnicamente - mas a sensação de estar sempre sendo observado era enlouquecedora. Olhei para , que estava deslumbrante em seu vestido lilás, era justo no busto e caía como ondas da cintura para baixo. Ela estava mais maravilhosa do que qualquer uma das dezenas de mulheres incrivelmente ricas que estavam lá. Era a primeira vez que nos víamos em mais de uma semana – e depois de incontáveis mensagens e ligações - e eu não conseguia tirar os olhos dela, como um stalker meio assustador.
Esperava que não tão assustador.
Sebastian riu, ao meu lado, e eu engoli em seco, concluindo que ele voltaria a falar comigo. O que as pessoas faziam quando estavam paradas do lado de um príncipe?
- Você está a encarando demais – ele disse, baixo, e tomou um gole de seu drink. Senti o rosto queimar.
- Acho melhor eu dar uma volta – murmurei, e ele voltou a rir.
- Minha mãe está solta por aí, se você quer sair dessa festa vivo, meu conselho pessoal é permanecer ao meu lado. Minha mãe me evita nesses eventos – ele disse, achando graça.
- Por quê? – Perguntei, vendo-o dar de ombros.
- Ela diz que sou como uma bomba-relógio, e não quer sujar as mãos comigo em frente às visitas – Sebastian respondeu, achando tudo aquilo muito divertido, e eu acabei rindo.
Quando me disse que Sebastian tinha tomado o telefone da mão dela e lido algumas de nossas mensagens, eu sinceramente achei que estava tudo perdido. Mas com um evento importante chegando ao palácio e a vontade que eu estava de vê-la, aceitei prontamente o convite do próprio Sebastian de vir à festa como um de seus amigos. Ele, inclusive, me mandou um smoking.
Não é sempre que você abre a porta de casa e dá de cara com um mordomo segurando um smoking, e eu logo percebi que o cara não estava de brincadeira.
É claro que ninguém ali sabia quem eu era, muito menos que tinha beijado a sétima herdeira ao trono inglês no meio do frio congelante da 6th Street.
Ah, aquele beijo.
Eu nunca sabia o que esperar de . Estar com ela era uma montanha-russa constante, e aquilo me excitava. De todas as coisas que eu esperava que ela fizesse, nunca chutaria que ela me daria passe livre para beijá-la no meio da rua um dia depois de conhecê-la.
Eu sabia que tinha que tomar cuidado, porque era vergonhoso o quanto eu estava encantado por aquela garota. E o quanto minha última semana tinha sido toda voltada a ela, mesmo sem vê-la.

Girei uma garota qualquer no meio do salão e Sebastian fez um sinal com a cabeça para trocarmos de par. Quando fez uma reverência em minha frente – e eu a copiei – meu coração estava batendo nos ouvidos.
Segurei-a pela cintura, ávido para tocar aquela pele pela primeira vez em dias, mas sabia que precisava me segurar. Ela sorriu largamente, e eu a acompanhei.
- Desculpe por não poder ficar com você o tempo inteiro. Isso está me matando – disse, e eu sorri.
- Você está maravilhosa – retruquei e ela sorriu, com as bochechas vermelhas. – Mesmo que eu queira morrer a cada segundo aqui – disse, e ela riu baixo.
- É tão terrível assim?
- Estou em pânico – disse, e ela riu.
- Não é necessário. Tenho certeza que Sebastian está o protegendo direitinho – ela deu uma piscadela antes que eu a rodasse.
Nossos narizes ficaram a centímetros de distância, e eu mordi o lábio.
- Você está vendo aquela garota de azul perto da porta de ouro?
- Todas as portas são de ouro.
- Atrás de mim – disse, entre dentes. – Aquela é Penny.
- Eu devia agradecê-la, então – falei, e sorriu.
- Poderá fazer isso em um instante. Quando a música acabar, siga-a para fora e me espere – ela disse, com um sorriso de canto. – Eu estava com saudades.
Aproximei a boca do ouvido dela, e sussurrei:
- Pensei que fosse o único.

- Desculpe ter demorado tanto – apareceu, afobada, usando um casaco em cima do vestido.
Penelope tinha ficado alguns minutos lá fora comigo, mas teve que voltar, e eu fiquei esperando por mais tempo do que minha sanidade me permitia.
- Sei que você tem muito o que fazer, estou acostumado a passar frio por você – eu disse, e esperava que aquela frase não tivesse saído tão sarcástica quanto soou em minha cabeça. , no entanto, não pareceu ligar, sacando uma câmera fotográfica do bolso e tirando uma foto minha, do nada. – Ei!
Ela sorriu.
- Você fica uma gracinha quando está assim, nervosinho.
- Eu não estou nervosinho – disse, tentando pegar a máquina da mão dela. – Quero ver isso!
Ela negou com a cabeça, rindo, e escondeu a câmera atrás das costas.
- É uma pena que você não esteja nervosinho, eu estava doida para acalmá-lo – disse, com um sorriso sedutor, e senti meu corpo desarmar.
Quando vi, já estava com um sorriso imenso estampado na cara.
- Pensando bem...
- Foi o que eu pensei – ela sorriu, olhando rapidamente para os lados antes de me beijar.
Eu estava com tanta saudade daquilo que o beijo saiu mais urgente que o normal, provavelmente pegando-a desprevenida. arqueou as costas para trás, e eu ouvi um pequeno barulho de algo caindo no chão atrás dela, mas ela não se preocupou em parar o beijo, muito menos eu.
Quando nos separamos, ela olhou para mim com os olhos brilhando, ofegante. Não disse nada, apenas continuou ali, em meus braços, e para mim isso era mais do que suficiente. Olhei para o colar que ela carregava no pescoço, e não contive o ímpeto de abri-lo, observando uma foto bem antiga de um casal lá dentro.
- São meus avós – ela disse, e eu sorri.
- A rainha?
- Ela mesma – respondeu, olhando para a foto. – Ela quem me deu esse colar quando eu completei dezesseis anos. Está na família há séculos.
Sorri, observando o casal.
- Eles pareciam felizes.
deu um sorriso meio triste.
- Eles definitivamente eram.
Coloquei uma mecha atrás de seu cabelo, e ela sorriu, dando-me um selinho e abaixando para pegar a câmera.
- Tire uma foto direito comigo – falou, e eu ri, negando com a cabeça.
- Odeio fotos.
- Por favor - Ela pediu, com a voz arrastada. – Vamos. Às vezes, eu queria ter algo para olhar quando estamos longe.
Sorri, encarando-a. Era fácil dizer que aquela semana tinha sido tão importante para ela quanto foi para mim. Eu sorri, pegando a câmera em sua mão, e nós dois nos posicionamos enquanto eu tentava me acertar com aquela coisa terrivelmente tecnológica. Era a primeira vez que eu usava uma daquelas câmeras com visor.
Eu beijei sua testa quando apertei o botão, e ela saiu olhando para mim, com um sorriso no rosto.
- Talvez devêssemos tirar outra – eu disse, meio confuso, e sorriu.
- Está perfeita.
- É sério?
- Sim – ela disse, e então me deu um beijo rápido. – Eu preciso voltar.
- Mas você acabou de...
- Desculpe. Nos vemos lá dentro.

Era quase meia noite quando Penny conseguiu me tirar do salão novamente e me arrastar para o que parecia uma antiga sala de guardar casacos e chapéus. Ela finalmente tomou coragem para falar sobre meu livro e eu dei risada, envergonhado e feliz com as palavras da garota, mas aquelas últimas horas depois do jardim tinham sido um inferno.
Acabei conhecendo a Princesa Catherine de York, mãe de , que fez mais perguntas do que eu considerava normal e quase mijei nas calças. Tenho certeza que a deixei muito desconfiada e provavelmente achando que eu era ladrão e queria roubar as coisas de ouro do palácio. Tive conversas mínimas sobre bolsa de valores e economia internacional e também recebi cantadas nada discretas de mulheres de setenta anos que não conseguiam mover a cara devido a tantas intervenções estéticas. Os assuntos me davam vontade constante de rolar os olhos e largar um ou outro falando sozinho. Sebastian se atracou com uma garota desconhecida e sumiu, me largando sozinho, vendo à distância.
Mas a cereja do bolo definitivamente foi quando o Príncipe da Noruega parou ao meu lado para colocar gelo em seu drink e sorriu com a maior cara de pau do mundo, e me disse o quanto era gostosa e o quanto ele esperava levá-la para a cama eventualmente.
Eu queria socá-lo ali mesmo. Em poucas horas, soube que aquela coisa toda de realeza me despertava uma certa ira.
abriu a porta do lugar, com um sorriso meio incerto nos lábios.
- Desculpe. Melanie, minha cunhada, tirou a noite para...
- Por favor, eu não quero saber. A última coisa que eu quero saber agora é o que a esposa do seu irmão estava fazendo – retruquei, de braços cruzados, e arregalou os olhos.
- Desculpe, eu só queria justificar o motivo pelo qual...
- Eu sei o que você estava fazendo – eu disse, e ela me encarou, parecendo nervosa.
- O que há com você?
Chacoalhei a cabeça, me aproximando. Segurei-a pelos ombros e tentei amenizar com um sorriso.
- Desculpe. Essa noite foi insuportável. Estou feliz de finalmente...
- Insuportável por quê?
Ela realmente precisava saber?
- Por nada. O que importa é que estamos aqui, juntos – eu disse, mas ela desviou o rosto quando me aproximei.
- Fale.
Rolei os olhos e bufei, chacoalhando a cabeça.
- Essas pessoas. As conversas delas. As coisas de ouro, essa ostentação toda! Eu sei que você deve achar tudo isso normal, mas para mim foi insuportável – despejei, e deixou o queixo cair.
Eu não sabia por que ela parecia tão ofendida, quando ela mesma vivia falando sobre isso. Sua expressão mudou bruscamente, e seus olhos estavam meio vermelhos.
- Eu não sou a maior apoiadora desse estilo de vida e você sabe disso, . Mas isso aqui – ela apontou para as paredes, cheias de quadro e ouro. – Isso aqui é a minha vida. Pode não definir quem eu sou, mas é o que me trouxe aqui. E estar comigo exige muito mais do que beijos no escuro e conversinhas em pubs – sua voz era cortante como uma faca. – Exige tudo isso aqui. Porque querendo ou não, eu sou a Princesa da Inglaterra.
- , não foi isso que eu quis dizer.
- Foi, sim – ela disse, abraçando os braços, e abriu a porta da sala. – Desculpe-me por submetê-lo a isso, de verdade. Não quis colocá-lo em nenhuma situação desconfortável. Isso é tudo, com licença – ela disse, saindo da sala, e eu demorei uns três segundos para conseguir me situar.
Quando fui para o lado de fora, ela estava na metade do corredor. Corri o espaço e a segurei pelo braço, assustando-a.
- Eu ainda não terminei – eu disse, e ela me encarou, parecendo nervosa.
- Mas eu terminei!
Quando um senhor pareceu interessado e paralisado demais nos encarando, me puxou para uma varanda, fechando a porta. O golpe de vento fez com que ela levasse as duas mãos aos ombros imediatamente.
- Você está maluco? Quer gritar daquele jeito na frente das pessoas?
- Eu não ligo! – Eu disse, quase rindo, e ela pareceu a ponto de me socar.
- É claro que você não liga. Para você, a minha vida é simplesmente uma piada, não é? – riu, sem humor algum. - Você deve ter achado divertidíssimo conhecer uma pessoa como eu, tão diferente de você. Deve mesmo ter sido incrível, até você perceber todas as consequências que vêm comigo simplesmente por eu ser quem sou!
- Você já acabou? – Perguntei, e ela me encarou, furiosa, sem dizer nada, então eu resolvi prosseguir. – Eu sei o que você está esperando, Sua Alteza Princesa de York. Você está esperando que eu dê aquele discurso clichê e ridículo enumerando razões pelas quais somos tão diferentes e por isso não devemos ficar juntos.
- Eu não...
- Está, sim – eu disse, interrompendo-a. – Porque é isso o que você espera das pessoas. E sim, eu posso ter achado a grande maioria dos seus convidados insuportáveis, posso ter odiado ter ficado tão longe de você a noite inteira, fugindo e me escondendo. Posso achar um absurdo o tanto de ouro que tem na sua parede, mas eu não estou aqui por causa de qualquer filho da puta que quer puxar o saco da realeza. – Fiz uma pequena pausa, encarando-a. – Estou aqui pela garota de jeans rasgados que correu comigo na rua e que me beijou na 6th street. Pela garota que me colocou num smoking e numa situação maluca só para ter uma chance de vê-la – eu sorri, vendo que ela estava quase chorando. – Eu estou aqui pela . E pela Princesa de York. E vou aguentar qualquer coisa que venha com ela – eu sorri, e ela também. – Mesmo que seja banhado a ouro.
Quando afundou o rosto na curva do meu pescoço, eu consegui sentir seu coração batendo contra o meu. Sorri, passando as mãos pelos seus braços nus, numa tentativa frustrada de aquecê-la, e então olhei para fora.
- O senhor ainda está lá – eu disse, com um bico.
- Que se dane – ela sorriu. - Me beije. Agora.
Puxei seus lábios para os meus, apertando-a com toda força, e nada mais importava. As pessoas chatas, o príncipe da Noruega (engula essa, veja só quem ficou com a garota), ou até o cara que estava parado do lado de fora.
Naquele momento, ela era tudo o que eu pensava e precisava. E sabia que a recíproca era verdadeira.

Dois meses depois


- Repassando pela última vez, garotas – Sebastian disse, olhando de mim para Penny. – Vamos sair em dois carros. O protocolo oficial é de que vai sair comigo para uma festa particular em um hotel. Penny, vamos entrar no carro pelo subsolo. Se algum paparazzi estiver do lado de fora, se abaixe.
- Certo – Penny concordou, empolgada.
- , você vai no carro de trás, que é o de seguranças extras, mas que na verdade está sendo dirigido por meu amigo Max. Ele vai fazer uma curva acentuada no inferno e deixar você no prédio do – Seb disse, e então suspirou. – Por mais que eu odeie a ideia de pensar nisso, leve camisinhas.
- Sebastian! – Estapeei seu braço, roxa de vergonha, e ele gargalhou alto.
- Vamos colocar o plano em prática. Tome cuidado, e qualquer coisa ligue para Penny porque você sabe que eu não atendo o telefone – ele disse, com uma piscadinha.
- Pode deixar. E vocês se comportem – eu disse, fazendo os dois rirem, como se aquilo não fosse uma possibilidade. Às vezes, eu achava que Penny e Sebastian dariam um bom casal. – Obrigada pelo que estão fazendo, de verdade.
- Não precisa agradecer – Penny sorriu, caminhando pelo corredor, e Sebastian deu um beijo em minha testa.
- Amo você – falei para ele, e ele sorriu.
- Eu também amo você – ele disse, depois deu uma piscadinha maliciosa: - Tenha um bom sexo.

Eu estava com há pouco mais de dois meses. Nunca tínhamos nos assumido oficialmente, até por que isso seria terrivelmente difícil de fazer no meu caso, mas estávamos dando nosso jeito de nos encontrarmos sempre que eu conseguia fugir, o que não era muito frequente, mas com a ajuda de Penny e também de Sebastian, tudo ficava minimamente mais fácil.
Em alguns dias, nós nos encontrávamos no café de sempre, mas já saímos para jantar e fomos ao cinema, e também ficamos fazendo absolutamente nada juntos, o que era ótimo. Eu amava cada gesto de . O jeito como ele pronunciava meu nome e brincava com meu cabelo, como ele me beijava e fazia parecer que tudo no mundo havia parado e só nós dois existíamos.
Meus pais estavam mais tranquilos quanto ao meu abandono de York, como Penelope previra, e eu já tinha convencido meu pai – e ele que se virasse com minha mãe - a deixar que eu começasse a cursar cinema em Londres mesmo em Setembro. , por sua vez, tinha voltado a escrever um novo romance, e eu não dizia nada, mas esperava secretamente que ele tivesse encontrado inspiração agora que estava comigo.
O fato era que eu nunca tinha ido até o apartamento dele, por pura falta de tempo hábil. Em dois meses, tínhamos nos visto muito menos que casais normais faziam, e nós definitivamente não tínhamos consumado nossa relação.
E eu estava em pânico porque Sebastian não tinha ideia, mas suas piadinhas faziam todo sentido do mundo. Não tínhamos falado abertamente disso, mas sabia que teríamos finalmente uma noite para nós e que estava tudo implícito.
Eu iria vomitar de ansiedade.

abriu um sorriso gigantesco quando me viu, e eu relaxei quase instantaneamente de todo nervosismo que estava me corroendo no caminho inteiro com Max dirigindo – especialmente porque ele era curioso demais e veio me enchendo de perguntas.
Ele me beijou antes que nós entrássemos, então abriu passagem para mim.
- Bem-vinda ao meu lar. Não repare na bagunça. Nem no tamanho. Nem...
- Fique quieto – brinquei, puxando-o pela mão e entrando como se eu fosse de casa.
O apartamento de inteiro provavelmente cabia em um dos menores cômodos do palácio, mas aquilo não me importava nem um pouco. Era aconchegante, cheio de livros, e a cara dele em todos os sentidos.
Vi a mesa posta com taças e pratos, e dei um sorrisinho.
- O que teremos no menu do dia?
sorriu, depois mordeu o lábio.
- Pizza. Já disse que eu sou um péssimo cozinheiro? Achei melhor não arriscar – ele disse, e eu ri alto.
- Uma noite com pizza, vinho e você. Acho que sou a garota mais sortuda do mundo – falei, com um sorriso bobo, e ele me puxou, rindo.
- Não sou nem um príncipe, sabe? – Ele provocou e eu fiquei na ponta dos pés até que nossos narizes se tocassem.
- Ainda bem.

As coisas definitivamente escalaram rápido.
Eu já estava deitada no sofá verde musgo de com o corpo dele em cima do meu, enquanto ele beijava meu pescoço com voracidade e subia com uma mão por baixo da minha blusa. Eu estava respirando alto demais quando ele apertou minha coxa e me beijou, de forma intensa, longa e cheia de desejo.
Cravei minhas unhas em uma parte de sua pele que estava descoberta pela camiseta e sorri quando ele olhou em meus olhos.
Sabia que ali existia uma pergunta implícita. Ele não queria quebrar nenhuma barreira sem que eu o autorizasse. Não queria me afugentar.
E, só por causa disso, existia algo que me puxava cada vez mais para ele. Sorri, distribuindo alguns beijos em seu rosto, e ele mordeu o lábio.
- Você está me matando – ele disse, com a voz rouca, e eu sorri.
- Era meu plano desde o princípio – retruquei, e ele deu uma gargalhada alta. – , eu sei que é fácil de concluir, mas eu não tenho muita... Experiência.
- Você nunca...? – Ele parou no meio da frase, sem querer me deixar envergonhada, mas aconteceu de um jeito ou de outro e meu rosto começou a queimar no mesmo instante. Mordi o lábio e apenas assenti.
Ele sorriu.
- Não faremos nada que você não queira. Se você quiser, podemos ficar só aqui – ele disse e eu sorri, encantada.
- Eu quero.
- Tem certeza? – perguntou, incapaz de conter um sorriso, e eu o acompanhei.
- Tenho.
me conduziu pela mão até a última porta visível do apartamento, revelando seu próprio quarto. Sua cama era enorme e o lugar era cheio de detalhes, coisas relacionadas ao trabalho dele por todos os cantos. Ele pegou um acendedor de fogão e acendeu algumas velas aqui e ali pelo quarto, dando a impressão de que elas estavam em locais extremamente calculados, o que me fez rir.
Ele entendeu o recado.
- Eu não queria parecer um louco e deixar tudo pronto, mas também queria ter alguma coisa preparada – disse, e eu sorri.
Com o ambiente com aquela iluminação bucólica e o sorriso de , tudo ficou extremamente fácil. Seus beijos eram quentes, mas cada um de seus gestos era doce e calmo. Ele queria me deixar à vontade, e me dar todo o tempo do mundo.
Tirei a blusa e observei seus olhos brilharem à pouca luz enquanto ele desabotoava minha calça. Eu sabia que ele escondia um corpo maravilhoso embaixo de todas aquelas roupas de frio dos meses anteriores, e fiquei praticamente maluca quando vi aquele abdômen maravilhoso, provavelmente soltando alguma piadinha infame que o fez gargalhar.
Quando não havia sobrado muito mais a trilhar, ele encostou a testa na minha e me beijou, finalmente acabando com todo espaço que havia entre nós.
E, focada naqueles olhos, nos movimentos de seu corpo sobre o meu, qualquer desconforto e neura simplesmente se tornou menor.
Todas as garotas procuravam um príncipe, mas eu provavelmente tinha encontrado um sem nem procurar.

estava brincando com o meu cabelo enquanto eu estava agarrada nele, com o edredom nos cobrindo. Eu poderia ficar facilmente naquele quarto por dias, até por anos, se ele continuasse exatamente naquele lugar. Do nada ele deu um pequeno pulinho, sorrindo.
- Esqueci de te dar uma coisa – ele disse, pegando suas boxers pelo caminho e se dirigindo até a mesa onde estava seu computador. Ele mexeu em alguns papéis e pegou algo que eu mal consegui enxergar.
- Mandei fazer para você – ele disse, colocando na mão uma redução minúscula da foto que tínhamos tirado no jardim do palácio há dois meses.
Eu sorri, confusa.
- E por que tão pequena? – Perguntei, e ele riu.
Passou a mão por minha nuca e soltou meu colar, abrindo-o em minha frente.
- Eu vi que um dos lados estava vazio. Sei que pode parecer muito pretencioso, mas queria que você tivesse essa lembrança – disse, e eu acho que quase chorei. Beijei-o imediatamente, voltando a encarar a pequena foto.
- É maravilhoso, . Não acredito que você fez isso – eu disse, colocando a foto dentro do colar, e ele sorriu.
Havia algo melancólico naquele sorriso, e eu não consegui entender o quê, exatamente. Pisquei algumas vezes, perguntando a mim mesma se eu não estava apenas cansada demais, mas logo saiu da minha frente, virando-se para colocar o colar de volta em meu pescoço.
Ele sorriu ao me olhar de volta, e então me beijou, e eu esqueci de toda e qualquer coisa.

Eu estava me trocando quando o telefone de vibrou na bancada, parado exatamente ao lado da minha blusa. Aquilo não chamaria nem um pouco minha atenção se não fosse pelo número que apareceu no visor.
Jill.
Meu estômago deu um loop instantâneo e eu ouvi o barulho de fazendo o chá que havia me prometido na cozinha. Hesitei, sentindo as mãos gelarem, e segurei o aparelho, abrindo-o.

Eu sinto muito a sua falta. De verdade. Estou esperando, então..

Minha cabeça estava girando e quando eu percebi, já estava na mensagem anterior de Jill, que era um “estou com saudades”, enviado umas três horas antes. Mexi de um lado para o outro na caixa de mensagens até encontrar as enviadas.
Ele tinha respondido a primeira mensagem dela poucos minutos depois de recebê-la. Li, com um bolor na garganta.

Não posso falar agora. Nos falamos depois.

entrou no quarto com duas canecas de chá e um sorriso no rosto, e acho que minha expressão de choque e o fato de eu estar com seu celular na mão entregou muito do que eu estava fazendo. Ele apoiou as canecas na mesa.
- ...
- Não comece – eu disse, irada, colocando a blusa de qualquer jeito. – Eu estava aqui. Eu estava aqui!
Ele estava falando com a eterna musa inspiradora enquanto eu estava no apartamento. Pouco antes de eu ir para a cama com ele. E pelo teor da conversa, eu era uma perfeita idiota.
- Eu não sei o que você leu, mas...
- Você sabe o que eu li, não se faça de idiota! – Esbravejei, chorando. – Eu dormi com você, ! Pior do que isso! Eu dei a você meu coração e você simplesmente estava...
- Eu não estava! – Ele praticamente gritou, fazendo-me dar um pulo. – Escute, . Eu não tenho mais nada com a Jill. Se ela sente ou não falta de mim, é irrelevante. Eu apenas disse que falaria depois porque não queria estragar nosso momento.
- Não queria estragar o quê? – Gargalhei, calçando os sapatos de qualquer jeito. – Não queria estragar a chance de me levar para a cama?
Ele suspirou, meio verde, e então me segurou pelos ombros.
- Você sabe que isso não é verdade.
- Eu não sei nada.
- Então deixe que eu explique, porra! – Ele xingou, e eu arregalei os olhos. – Desculpe, eu... , você precisa me escutar. Eu realmente não tenho nada com a Jill. Eu amo você.
Encolhi os ombros, chocada ao ouvir aquelas três palavras. Pisquei algumas vezes, e eu sabia que ele voltaria a falar. Mas eu estava fora de mim.
- Se você me amasse, não teria escondido isso de mim. Teria sido honesto e teria dito que ela estava procurando você. Não teria me levado para a cama, me feito acreditar que eu era a única pessoa do mundo, quando...
- Você é a única!
- Não sou – eu disse, tentando segurar as lágrimas. – Se você me seguir até lá fora, eu juro por Deus que eu ligo para a Segurança Nacional – eu disse, e instantaneamente lembrei do pequeno momento na cama em que achei que ele estava estranho. É óbvio que estava. Furiosa, gritei, o mais alto que eu provavelmente gritei na vida, assustando-o. - Me deixe em paz!

Aqueles três dias tinham sido absolutamente terríveis.
tinha tentado me ligar, tentou ligar para Sebastian, conseguiu arrumar o telefone de Penny – que o mandou para o inferno, diga-se de passagem. Ele arriscou, ainda, aparecer na portaria do palácio e gritou para os seguranças que me conhecia e que precisava falar comigo.
Isso obviamente pareceu falso a todos da segurança, e ele praticamente foi preso (foi o que eu ouvi dizer). E isso tudo tinha acontecido nos dois primeiros dias.
Agora, no terceiro, passava das dez da noite e ele não tinha ligado. Nem aparecido. Nem sequer tentado.
Eu não queria que ele ficasse correndo atrás de mim para sempre. Na noite em que eu saí do apartamento, estava chorando tanto quando cheguei ao palácio, que quase acreditaram que eu tinha sofrido um atentado. Tive que fazer uma manobra de outro planeta para conseguir manter a notícia longe dos ouvidos dos meus pais. Havia algo muito errado naquela história toda.
Extremamente errado.
Eu acreditava que me amava. Acreditei que todos os sentimentos e momentos que vivemos foram recíprocos. Depois do choque inicial, aquele papo da reaparição de Jill não se encaixava em minha cabeça. Eu queria, de verdade, acreditar que a cara de pânico e os olhos vermelhos dele quando eu o mandei me deixar em paz eram reais. Mas, novamente, eu nunca havia me apaixonado antes para tentar entender se alguma pessoa poderia ser tão inescrupulosa a ponto de enganar outra daquela maneira.
Penny achava que não. Sim, ela o mandou para o inferno, porque ela viu o meu desespero, e estava incondicionalmente ao meu lado. Sabia que eu não conseguiria resolver nada naquele estado. Mas agora ele tinha sumido, eu já tinha corrido todas as desculpas que eu podia para não deixar que Sebastian soubesse de nossa briga (e fizesse alguma besteira) e estava olhando para o teto, esperando que ele desse um jeito de aparecer em minha janela explicando tudo e pedindo para que eu voltasse.
Como eu era idiota. Se eu queria isso, por que eu não tinha o recebido, para começo de conversa? Esse negócio de ser novata no amor era mesmo complicado.
Enquanto eu tentava enumerar possibilidades pelas quais estava falando a verdade e que apareceria em qualquer momento, acabei dormindo.

Quando completei seis dias longe de – quatro desses sem ouvir mais falar dele – eu estava oficialmente desesperada. Demorei aproximadamente dois dias para conseguir engolir meu orgulho, e quando eu já estava quase apanhando de Penelope, peguei o telefone e liguei.
- O número chamado está desligado ou encontra-se fora da área de cobertura – eu repeti o que a gravação disse, apertando os olhos. – Eu estraguei tudo mesmo, não foi? Ele não estava com a Jill coisa nenhuma, e eu estraguei tudo e o entreguei de bandeja para ela. Meu Deus, ele foi para Tóquio atrás dela, tenho certeza!
- De onde você tira essas maluquices? – Penny grunhiu, e então pegou o telefone, tentando novamente. Pareceu decepcionada ao escutar a mesma gravação que eu ouvi. – Tenho certeza que há uma explicação lógica para isso. Talvez ele só esteja dando um tempo para que você respire e possa entendê-lo quando ele aparecer.
Eu queria acreditar piamente naquilo, de verdade. Mas minhas pernas estavam inquietas e eu estava com uma dificuldade absurda para respirar.
Tinha acordado assim naquele dia. Eu sabia que era o motivo de tanto desespero, mas não fazia ideia que aquilo iria me incomodar fisicamente daquela maneira. Apertei os olhos, com a cabeça latejando.
- Ei, fique calma – Penny passou a mão em meu ombro. – Ele vai aparecer.
Mordi o lábio, tentando não perguntar o óbvio a mim mesma.
E se ele não aparecesse?
Olhei para Penelope.
- Penn, preciso ir até lá – eu disse, levantando de uma vez só da cama. – Consegue me ajudar?
Os seguranças estavam em polvorosa quando nós duas saímos do quarto, e nós trocamos um breve olhar, confusas.
Ao invés de caminhar até o quarto de Penny, puxei-a pela mão e saí pelas dependências do palácio tentando entender por que as pessoas estavam correndo. Assim que cheguei no salão comunal, Sebastian me encarou, parecendo preocupado.
- Aí está você – ele disse, apoiando com as duas mãos no encosto do sofá.
- O que aconteceu? – Perguntei, e ele fiz sinal para que eu olhasse para a televisão.

“...As forças aliadas lideradas pelos Estados Unidos incluem o Reino Unido, a Austrália e a Polônia. A invasão em massa foi feita na capital Bagdá sem que uma guerra fosse declarada entre os países envolvidos. As informações até o momento são escassas, mas estima-se que mais de quarenta mil soldados ingleses estejam em campo. Voltamos a qualquer instante com o pronunciamento oficial do primeiro-ministro Tony Blair.”

Quarenta mil soldados ingleses.
Meu Deus do céu, onde eu estava me escondendo que não fiquei sabendo disso previamente? Meu pai devia estar maluco de preocupação. Ainda que eu tivesse ouvido rumores dessa ocupação do Iraque, meses atrás, não achei que fosse envolver tanta gente assim e nem ser feita de uma hora para outra. E então eu pisquei, um lampejo passando em minha mente de uma vez só.

“- Eu vi que um dos lados estava vazio. Sei que pode parecer muito pretencioso, mas queria que você tivesse essa lembrança.”

Levei a mão ao pescoço imediatamente, apontando a ponta do colar à medida que meu coração disparava.
Não. Não podia ser. Aquilo não faria o menor sentido.
Ele não poderia...
- Você está pálida – Penn sussurrou ao meu lado e eu arregalei os olhos.
- Preciso ir até lá – disse, caminhando em passos firmes, e Penelope me seguiu.
- O que houve?
Meu coração estava batendo tão forte que eu achei que fosse desmaiar. E eu estava com um gosto ruim na boca. Virei, abruptamente.
- Ele não poderia estar lá, poderia?
Penny me encarou, confusa.
- Lá aonde?
Eu não consegui pronunciar o resto da frase, e Penelope me encarou como se eu fosse maluca.
- Por que, diabos, ele estaria no Iraque? – Ela falou, quase achando graça, mas só eu sabia o quanto estava desesperada.
Queria que você tivesse essa lembrança.
Não disse nada, apenas corri para a porta, onde fui segurada imediatamente por um segurança.
- Me solte – ordenei, mas ele negou com a cabeça.
- Perdão, Alteza, mas todos da família real estão proibidos de deixar o palácio até o pronunciamento oficial do primeiro ministro. Afinal, uma nova guerra começou, e você conhece o protocolo.
Consternada – e ainda segurando o colar – eu simplesmente xinguei o segurança, mas ele ainda não deixou que eu passasse.
- Isso é sério, saia da minha frente agora.
- ! – Penelope chamou minha atenção, enquanto colocava um casaco em cima da roupa. – Fique quieta, eu vou até lá.
- Senhorita Penelope, não sei se considero prudente, você é praticamente...
- Não sou praticamente nada, Olsson. Saia da minha frente – Penny ordenou, e o segurança prontamente a obedeceu. Ela olhou para mim e apertou minha mão, de leve. – Tente ficar calma. Eu volto já.

Penelope estava branca como papel quando abriu a porta do meu quarto. Aquela hora que ela tinha passado fora tinha passado tão devagar que tive a impressão que ela ficou quatorze dias vagando pelas ruas sem me dar nenhuma notícia. Eu tinha ligado insistentemente para , incapaz de conseguir me acalmar antes de ouvir sua voz – mas o celular estava sempre desligado, e em sua casa eu sempre caía na secretária eletrônica.
Fiquei de pé em um pulo, com o coração na boca.
- O que foi? Por que você está com essa cara? – Perguntei, e Penny mordeu o lábio. – Ande logo!
- , ele não estava lá. E eu não sei muita coisa. A vizinha dele me viu na porta e perguntou se eu me chamava e me deu um envelope. Disse que ele saiu há dias, mas que devia ter alguma explicação aí – ela apontou para o envelope branco, e bastou apenas um olhar para que Penn entendesse e compartilhasse do meu desespero.
Segurei o papel, com a mão tremendo, e rasguei o envelope de qualquer jeito.

,
Sei que esses últimos dias foram difíceis e espero, com todo meu coração, que essa carta chegue em suas mãos alguma hora. Perdoe-me pelo mal entendido com Jill. Acredite em mim quando eu digo que aquilo não era nada, e eu não queria estragar os poucos dias que ainda teria ao seu lado relembrando uma pessoa que ficou completamente no passado. Espero que consiga entender.
Existem muitas coisas que não foram ditas, e por isso peço perdão novamente. Eu nunca comentei com você que, há alguns anos, servi ao exército britânico e ainda estava cadastrado como reserva. Fui alistado para a ocupação do Iraque que acontecerá no dia 20 de Março, e não tive coragem de contar isso a você assim que soube. Porque eu sabia que, se você simplesmente piscasse, eu não conseguiria ir. E apesar de ser um escritor, esse também é meu dever. E a ideia de deixá-la para trás tão pouco tempo depois de tê-la em minha vida é insuportável, e eu sei que não conseguiria fazê-lo.
Eu não sei o que o destino nos reserva, mas saiba que eu amo você. E a amei desde o dia que te vi no canto do bar, secretamente julgando as pessoas. Eu só não sabia disso, mas espero que você saiba. E espero que possa vê-la e tê-la em meus braços novamente, em breve.
Mil desculpas,
.”


O choro saiu por minha garganta quase como um grito, de uma vez só, e Penny me abraçou com força, quase caindo para trás. Eu tinha noção de que todo o meu desespero de nada adiantaria, que ele estava há milhares de quilômetros em uma situação de guerra, correndo risco de vida. Mas o que mais me enlouquecia era que ele tinha feito tudo isso sozinho, achando que eu o odiava. Eu não tinha dado a ele uma chance de se despedir. Eu não tinha tentado fazê-lo ficar.
E agora tinha perdido todas as minhas chances, para sempre.
- Está tudo bem? – Um dos guardas abriu a porta com um solavanco, com a arma apontada para os lados. Quando eu escorreguei para o chão, ele arregalou os olhos, e com a visão turva, vi minha mãe entrar no quarto.
- O que está acontecendo? – Ela perguntou, com um tom de voz esquisito, e eu me joguei em seus braços, quase engasgando.
Nós não tínhamos esse tipo de proximidade, e isso pareceu assustá-la.
- Mãe, tire-o de lá. Por favor, tire-o de lá! Eu imploro! – Consegui dizer, sem parar de chorar, e ela procurou uma explicação no rosto de Penelope.
Não sei como isso aconteceu, mas Sebastian também já estava em meu quarto. Antes que ele perguntasse alguma coisa, Penny disse:
- está no Iraque – ela falou, e eu engasguei mais uma vez quando Sebastian xingou, e se livrando da minha mãe, abraçou-me.
- Quem é , por Deus? Alguém pode me explicar o que está acontecendo? – Minha mãe perguntou, e eu a encarei, quase sem ver.
- Ele é o amor da minha vida – gemi, enterrando a cabeça no pescoço de Seb.
E nem sei se ele sabe disso. – Concluí mentalmente, enquanto chorava.

20 de Março de 2003


É impossível não ficar com o coração na boca quando se está a bordo de um avião caça. Eu não vivi essa experiência por muito tempo, e apesar de ter sido um dos melhores durante todo meu tempo no exército, estar em uma guerra de verdade era desesperador e vertiginoso.
A ocupação feita por terra e pelo ar em Bagdá tinha sido bem-sucedida e pelo que ouvi, com poucas baixas. As forças iraquianas tinham se dissipado pelo país, e isso era extremamente preocupante, porque esse era território deles, mesmo que a CIA tivesse o mapeado antes da invasão. Com as ameaças de bombas de destruição em massa e com os Estados Unidos em busca da Saddam Hussein, sabia que aqueles não seriam os dias mais tranquilos.
O soldado ao meu lado parecia em profundo desespero. Voltei meu olhar para ele por um instante.
- Você está bem? – Perguntei, e ele forçou uma risada.
- Como é que posso estar bem? – Retrucou, e aquilo era bem verdade. Nem os mais aficionados pelo exército conseguiam estar bem. Você sempre estava em seu melhor, mas a sensação de estar sempre cruzando uma linha imaginária que acabaria com a sua vida não era exatamente a melhor do planeta. Ele continuou. – Minha esposa acabou de dar a luz, há duas semanas.
Mordi o lábio, entendendo a preocupação.
- Meus parabéns. Primeiro filho?
- Primeira filha. Já tenho um garoto de quatro anos. Fica mais difícil a cada vez – ele disse, olhando para baixo, e assenti. – Você é casado?
- Não – respondi, e ele deu um sorrisinho.
- Tenho certeza que tem alguma garota esperando por você em casa – disse, e eu apertei os lábios em uma linha fina, chacoalhando a cabeça.
Só a ideia de pensar em quebrava minha concentração em mil pedaços. Eu não conseguia acreditar que tinha saído da Inglaterra sem conseguir resolver as coisas, e me matava aos poucos pensar que talvez ela nem soubesse porque eu sumi.
Eu sabia que ela se importava. E esperava que ela tivesse lido a carta, apesar da ideia de fazê-la sofrer e se preocupar só me deixava pior.
- Tenho, sim – respondi, finalmente, e o soldado sorriu.
- Nós vamos voltar para aqueles que amamos, cara – ele disse, vendo-me focalizar uma área um pouco suspeita lá no chão. Levei por cima do colete até onde sabia que tinha um bolso lá no uniforme, onde tinha guardado nossa foto, e concordei com a cabeça, incapaz de dizer qualquer coisa.
Só esperava que ele estivesse certo.

20 de Março de 2003


Abri a porta do escritório do meu pai com tanta força que ele deu um pulo na cadeira.
- Eu quero que você faça minha vó cancelar essa guerra – demandei, e a resposta que obtive foi uma gargalhada.
Meu rosto ainda estava completamente inchado, eu já tinha até vomitado de tanto chorar – mas eu sabia que estava em posição de fazer alguma coisa. Ou pelo menos tentar fazer alguma coisa.
- , meu amor, esse não é o momento para gracinhas. Hoje é um dia seríssimo e eu preciso trabalhar – meu pai disse, sem tirar os olhos de seus documentos, e eu arranquei o monte de papeis de sua mão, arremessando do outro lado da mesa.
- Tire os soldados ingleses de lá! Eu sei que você pode fazer isso. Você pode falar com o Tony Blair – demandei, e sabia que estava parecendo infantil, principalmente porque já estava chorando de novo. – Ligue para ele! Larguem os Estados Unidos e a merda deles lá, sozinha! Tire os soldados de lá!
Meu pai parecia chocado demais até para conseguir formular uma frase coerente. Foi só então que percebi que minha mãe também estava dentro do escritório.
- Ela tem um namoradinho que foi alistado – ela acrescentou, enquanto mexia no telefone.
- Você tem um namorado?
- Isso não importa agora – retruquei, tentando recobrar minha sanidade. – Eu sei que você pode fazer alguma coisa.
Jurei que escutei minha mãe rir, mas não me virei para ter certeza, porque provavelmente acertaria um vaso chinês que custa milhares de libras na cabeça dela. Sem nem pestanejar.
Meu pai segurou minha mão.
- Meu amor, não sei do que você está falando e que namorado é esse, mas eu infelizmente não posso retirar as tropas inglesas do Iraque. Você sabe que isso não cabe a mim, e sabe também que o primeiro ministro ou qualquer outro governante seria completamente contra. Tente se acalmar.
Meu pai deu a volta na mesa e me abraçou quando eu voltei a chorar. Naquele momento eu soube, pelo seu olhar, que ele faria qualquer coisa que eu quisesse se pudesse fazê-lo. Mas ele simplesmente não podia.
- Qual é o nome desse garoto? – Ele perguntou, do nada.
- – respondi, e minha mãe franziu a testa, provavelmente tentando lembrar se ele era filho de alguém nobre.
Meu pai ponderou alguns instantes.
- Agora nos primeiros dias, o contato será praticamente impossível. Mas sei que há telefones nas bases e você pode contatá-lo por carta, embora isso vá demorar demais – ele disse, mordendo o lábio. – Aguente firme por alguns dias. Prometo que conseguirei pelo menos uma ligação.
Abracei-o com mais força, e segurei o colar em seguida.
- Obrigada, pai. Eu amo você.
- Eu também amo você. Agora prometa que vai se acalmar.
- Não posso prometer isso – respondi, e meu pai suspirou.
- Você terá que tentar.

Duas semanas depois...

- DUAS SEMANAS, PAI! Você me pediu alguns dias, e eu estou sofrendo por duas semanas sem ter uma mísera notícia de ! – Gritei, e meu pai apertou as têmporas.
Eu realmente não sabia como tinha conseguido viver durante aqueles quatorze dias. Na verdade, acho que sobreviver seria a palavra correta. Eu alternava crises de choro com noites em claro e acompanhava minuto a minuto todas as notícias possíveis sobre o desdobramento da guerra, tanto nos meios de comunicação, quanto em métodos extraoficiais que provavelmente só quem morava no palácio tinha acesso. Meu pai continuava insistindo que eu fosse paciente, que esse começo era realmente assim, mas eu não queria saber. Fui convencida que era 99,9% provável que ele estivesse vivo, a menos que houvesse uma baixa não anunciada na tropa inglesa, coisa que era raríssima de acontecer. Mas haviam feridos. Não muitos, mas só o fato deles existirem me desesperava ao extremo. A ideia de ferido em meio ao Iraque era insuportável.
Tinha escrito uma carta e enviado, e a essa altura tinha quase certeza que era capaz de a carta chegar até ele antes que meu pai conseguisse localizá-lo e me fornecesse uma ligação. E eu já tinha tentado fazer isso sozinha, também, mas aparentemente ninguém liga para quem você é e com quem você quer falar quando o tópico principal é uma guerra.
- Querida, eu já disse que...
- Henry, pare! – Minha mãe interrompeu, rolando os olhos. – O garoto não está morto e você está irritando a todos nessa casa. Tenha um mínimo de senso, – ela me repreendeu, e eu deixei o queixo cair.
- Mínimo de senso? – Minha voz saiu aguda demais. – Quem é você para falar alguma coisa sobre isso? Todos esses dias você nem sequer mostrou um pingo de preocupação com essa história toda. Ainda que você seja tão mesquinha a ponto de não sentir compaixão por alguém ou por milhares de pessoas envolvidas em uma guerra, você não está nem aí para a sua própria filha!
Percebi que meu pai estava chocado, mas a expressão de minha mãe pouco mudou.
- Você está sendo leviana. Vou fingir que nem escutei o que disse – ela concluiu, caminhando com seu salto altíssimo até a porta.
- Isso, vá embora! É difícil ouvir a verdade, não é? – Gritei, e ela se virou para mim.
- É a verdade que você quer? Perfeitamente, princesinha – ela deu um sorriso malvado. – Eu não estou me importando para esse seu showzinho de adolescente sobre um rapaz que você mal conhece, porque sei que isso não vai durar. Olhe só para você. Você é herdeira da realeza, e ele é um mero escritor que se meteu em uma guerra – ela desdenhou. – Ainda que ele não morra, sei que você vai recobrar sua sanidade e entender que essa história de feitos um para o outro só existe para princesas dos contos de fada.
Meus olhos estavam ardendo, mas de ódio. Com as mãos fechadas em punho, eu chacoalhei a cabeça de um lado para o outro, completamente fora de mim.
- Isso não é um conto de fadas, e é exatamente por isso que eu não vou permitir que você me diga qualquer tipo de asneira só porque se acha a rainha do mundo – dei uma risada sarcástica. – Espero que um dia você recobre a sanidade e perceba que a vida que você finge viver só existe na sua cabeça.
Me virei para sair, mas então me voltei a ela:
- Ele nunca esteve aqui por eu ser uma princesa, e sim apesar de eu ser uma princesa. E eu tenho todo orgulho do mundo de ter conhecido e me apaixonado por ele – vociferei, e minha mãe riu.
- Ele pode estar usando você como escada para o sucesso.
- Nem todo mundo é como você, mãe – retruquei, e meu pai se aproximou rapidamente.
- !
- Com licença – virei as costas, mas voltei para meu pai. – Quando Henry vai embarcar para o Iraque?
- Hoje.
- Eu vou com ele.

Sabia que o mundo estava desabando do lado de fora da minha porta. Tinha a trancado propositalmente, e todo mundo do palácio já tinha tentado falar comigo – seguranças, meu pai, minha própria mãe – mas eu me recusava a abrir a porta. Estava decidida. Não aguentaria mais meio minuto dentro daquele lugar, ou ficaria doida. Sem notícias e tendo que aturar minha mãe, essa era a única opção viável. E sabia que Henry poderia me proteger perfeitamente bem, assim como faria consigo mesmo, para voltar para minha cunhada e meus sobrinhos.
- Tampinha, abra essa porta.
Quando ouvi a voz de Sebastian, suspirei, rolando os olhos.
Sempre tive um problema muito sério em dizer não a Sebastian, desde pequena. Mordi o lábio.
- Eu vou sair daqui a pouco – disse, e sabia que ele provavelmente tinha feito uma careta.
- Vamos, preciso falar com você. Só eu e você – ele assegurou, e eu suspirei, sabendo que era verdade. Destranquei a porta, e ele entrou em meu quarto rapidamente, vestindo seu uniforme do exército. Franzi a testa.
- Por que está vestido assim?
- Porque eu vou para o Iraque – ele respondeu, em um tom de voz óbvio.
- Vamos todos, então – eu apontei para minha mala, e ele deu uma risadinha.
- Arrumando uma mala para o Iraque, que gracinha – provocou, e eu mostrei o dedo do meio, fazendo-o rir brevemente. Então, seu semblante se tornou sério, e ele se aproximou, segurando-me pelos ombros.
- Não – já disse, de antemão. – Eu não vou ficar aqui.
- Vai, sim – ele retrucou, e antes que eu protestasse, voltou a falar. – Porque eu estou indo para lá. E tantos membros da família real em uma zona de guerra é contra o protocolo de segurança.
- Então fique você! – Falei, um pouco alto demais, e ele negou com a cabeça.
- Acha mesmo que ia querer vê-la correndo perigo no meio de uma guerra?
- Não faço ideia, até porque o é meu namorado, e não meu dono. Ele não diz o que eu tenho que fazer – respondi, e Seb pareceu achar graça.
- É por isso que eu amo você – disse, e aquilo me desarmou minimamente. – E é por isso, também, que eu estou indo. Não faço milagres, mas vou trazê-lo de volta para você em vinte e sete dias.
Pisquei algumas vezes, assustada com a proposta.
- Vou passar os vinte e sete dias no Iraque com Henry. Você sabe o quanto seremos protegidos, não estaremos em uma área de risco e apesar de darmos alguma ajuda, estaremos basicamente fazendo cena – ele disse a verdade, depois deu de ombros. - Chegando ao Iraque, darei um jeito de localizar . Descobrirei em que zona ele está, darei um jeito de trazê-lo para a minha tropa, onde ele estará sempre seguro, e o trarei de volta para você, antes que você se torne mais insuportável do que sempre foi.
Eu sabia que estava chorando, porque Sebastian riu.
- Eu não posso... Não vou aguentar ficar aqui – confessei, e ele sorriu.
- Você irá passar alguns dias com Penny em Cambridge, naquela casa de campo maravilhosa que você gosta. Fique tranquila, eu darei notícias. Tente não morrer de ansiedade e nem acertar nada na mamãe.
- Me deixe ir com você – murmurei, e ele riu.
- não é seu dono, nem eu, mas nós dois só queremos seu melhor. Pegue essa mala e encontre Penny lá embaixo. Fique uns dias fora, não enlouqueça, e eu cumprirei minha promessa.
Abracei Sebastian com toda a força. Era certo de que ele estaria seguro, mas ainda assim imaginá-lo em uma guerra me revirava o estômago. Não podia perder dois dos caras que eu mais amava no mundo, mas eu tinha certeza que ninguém me deixaria ir, e que no mínimo já tinham dado um jeito de me prender ali. Eu confiava cegamente em Seb. Se ele estava dizendo que traria de volta, eu sabia que traria.

Uma semana depois


Lavei meu prato e talheres e sentei em uma cadeira, contemplando o sol forte que parecia não deixar aquele país, nunca. Fechei os olhos e me deixei levar por um instante, cansado demais para sequer pensar, quando Stuart, um dos soldados, me acertou com um papel no meio da testa.
- Chegou correspondência para você, mané – ele disse, e eu quase dei um pulo, reconhecendo a caligrafia de do lado de fora do envelope.
Meu coração estava tão acelerado que quase pulei, rasgando o envelope rapidamente. Eu não tinha notícias dela desde que tinha viajado, e tentava ao máximo não pensar nisso, mas a dor era crescente todos os dias que concluía que ela talvez nem soubesse onde eu estava, ou, cheguei a pensar, soubesse, mas não quisesse entrar em contato. A comunicação em minha base era extremamente complicada, especialmente depois que fomos transferidos para Ramadi, uma área bastante perigosa.
Consegui falar com meus pais pouco antes de mudar de base, mas nada de . E soube, por meio de boatos, de que seus dois irmãos estavam em operação também no Iraque, o que me encheu de esperança de ter alguma notícia, mas nada tinha ocorrido até então.
Quando segurei o papel em mãos, um dos majores – braço direito do líder da operação – apareceu praticamente correndo.
- A ida ao campo foi adiantada. Há uma suspeita de rebeldes na fronteira, venham comigo, agora – ele disse, e eu mordi o lábio.
Coloquei a carta no bolso, contrariado, e peguei meu armamento para conter o ataque.
Eu não sabia o que estava escrito naquela carta, mas só de ter noção de que ela estava em meu bolso, ao meu alcance, já estava aliviado.

Os poucos rebeldes da fronteira se renderam sem muito alarde, mas fomos obrigados a continuar em campo para manter a segurança do local.
Eu não sabia o quê, mas havia algo estranho no ar. A maneira que eles se renderam foi muito fácil, sem nenhuma espécie de resistência, e aquilo não fazia sentido algum para mim – nem para o líder da operação, que estava traçando uma rota de última hora para checarmos os arredores.
- , Tanner e Bryce, vocês vão checar a oeste, perto da extremidade da divisa – ele disse, apontando para o local. – Há uma minúscula comunidade adiante naquele sentido, tomem cuidado com os civis. Vou espalhar o resto da tropa, continuem a postos até que recebam meu sinal.
O tanque que estava conosco seguiria com o próprio líder até o extremo sul, porque aquela era a área considerada mais suspeita. Concordamos e partimos na direção escolhida, adentrando a neblina fina que tomava conta da região.

Estávamos parados há quase uma hora quando escutei passos vindos em nossa direção. Levantei, apontando a arma para o local do barulho, seguido por Tanner e Bryce. Quando o barulho tornou-se muito mais próximo, engoli em seco e, pouco antes de atirar, ouvi um pequeno grito.
- Abortar missão, abortar missão – gritei rapidamente, caminhando na direção da pessoa, e dei de cara com uma garotinha de aproximadamente quatro anos com as mãos para o alto. Arregalei os olhos, surpreso, e abaixei em sua direção, percebendo que os outros soldados estavam logo atrás de mim. – Ei, está tudo bem – falei, baixinho, mas ela se encolheu toda.
Tanner estava checando os arredores, e eu tentei novamente.
- Fique tranquila. Não faremos nada contra você – repeti, fazendo um gesto com a mão, e colocando o armamento ao meu lado. Ela pareceu relaxar minimamente. – Você mora na vila? – Tentei, e a garotinha assentiu.
- Como que você veio parar aqui? Está com seus pais? Está com alguém? – Bryce parecia querer interrogar a criança, e eu olhei feio para ele, fazendo-o entender que eu lidaria com aquilo.
- Sozinha – ela respondeu baixinho, e eu sorri, e vi que ela estava olhando para meu cantil. Sorri.
- Água? – Perguntei, e ela pegou o cantil com bastante empolgação.
- Aparentemente ninguém – Tanner apareceu, olhando a menininha. – Ela é da vila?
- Sim – respondi. – Precisamos devolvê-la.
- Precisamos ficar aqui até sermos solicitados – Bryce falou, contrariado, e Tanner rolou os olhos.
- Podemos ficar os dois aqui e você leva a garota – Tanner sugeriu.
- Essa é uma operação para ser cumprida por nós três, estaremos em perigo se ele...
E então eu ouvi um clique.
Bryce ainda estava falando quando grunhi.
- Cale a boca – foi a única coisa que consegui dizer.
O barulho ensurdecedor de uma bomba explodindo encheu o ambiente, e eu me joguei por cima da garotinha, tentando protegê-la enquanto ela gritava e chorava. Bryce estava no chão, e eu não consegui enxergar Tanner por um instante.
- Merda, merda – xinguei, empurrando a garotinha para baixo, olhando ao redor para tentar encontrar alguma maneira de escondê-la em meio a um campo aberto.
É claro que os rebeldes estariam ali.
Eles sabiam de tudo desde o princípio.
A poeira tóxica tomou conta de meus pulmões, e eu tentei proteger o nariz da garotinha.
- Tanner – gritei, e ele apareceu ao meu lado no chão. – Graças a Deus!
De joelhos, arrastei a garotinha até uma grande e única pedra que vi por ali, sinalizando para que ela tampasse o nariz e ficasse imóvel. Acho que mesmo com a barreira de linguagem, ela entendeu perfeitamente o que eu quis dizer.
Voltei para encontrar Tanner e Bryce, que já estavam deliberadamente atirando para a frente, e pude perceber que tinham atingido alguns rebeldes. Apontei a arma para atirar, e então ouvi a segunda explosão, e voei para trás como se fosse um pedaço de papel.
Minha visão estava turva e eu não sabia onde tinha sido atingido, porque o torpor foi tão grande que era impossível distinguir. Tentei soltar o ar pela boca, derrubando a arma ao meu lado, e a primeira pessoa que veio em minha mente foi .
Ela estava sorrindo como no dia que nos conhecemos. Eu não sabia se estava morrendo, mas aquela imagem me acalmou instantaneamente.
- ! ! – Ouvi Tanner gritar, e bater em meu rosto em algumas vezes, e tentei falar alguma coisa. – , cara, fique comigo. Você está bem?
- A garota – murmurei. – A garota.
Não vi o rosto de Tanner, mas o ouvi gritar por Bryce.
- Não, você.
- Eu o quê?
- Seus filhos. Saia daqui. Leve a garota – falei, piscando algumas vezes.
- Eu não vou deixar você aqui – ele gritou, mas então não ouvi mais nada.
Quando voltou à minha cabeça, ela estava usando uma coroa. Estava linda, sorrindo, e me segurou pela mão.
- Cara, fique comigo, ande. Acorde!
Ela me levantou e me beijou, e parecia flutuar como um anjo em meio a todo o caos. E então não havia guerra, nem explosões. Só nós dois.
E eu queria dizer que a amava.
- !
- Eu amo... ...
- , cara, por favor!
E eu deixei que ela me levasse com ela.

Alguns dias depois...


Eu sabia que alguma coisa tinha dado muito errado. Por mais que eu tentasse me manter calma, Sebastian não tinha ligado há alguns dias, e agora ele estava retornando mais cedo para casa, deixando Henry na base.
Durante o tempo em que meu irmão esteve no Iraque, nosso contato foi basicamente por comunicados oficiais direcionados exatamente – e exclusivamente – a mim. Eu sabia que ele estava fazendo sua parte, e que já tinha descoberto onde estava, mas depois de alguns dias ele simplesmente parou de dar notícias, e isso havia culminado com alguns ataques rebeldes espalhados de ponta a ponta do país.
As notícias sobre isso eram extremamente vagas e meu coração estava na boca desde o dia em que começaram a acontecer. O único ataque rebelde que tinha vítimas confirmadas, por enquanto, era em Bagdá, e Seb tinha dito que estava em outra cidade, embora não tivesse me informado qual.
Só que a falta de notícias das demais bases era o que me preocupava. E essa volta de Sebastian...
- Vai ficar tudo bem – Penny assentiu, apertando minha mão. – Ele trará boas notícias. Talvez traga até ! – Disse, e eu senti o estômago revirar.
Algo me dizia que aquilo não era verdade.
Quando a comitiva de Sebastian irrompeu pelo palácio, saí correndo com Penny logo atrás.
Todas as vezes que eu ou meu irmão viajávamos, nossa recepção era sempre calorosa, cheia de risadas e sorrisos. Mas Seb estava sério quando entrou no salão.
- O que houve? Eu sei que aconteceu alguma coisa – despejei, e ele soltou o ar pela boca, parecendo escolher as palavras. – Sebastian!
Sebastian olhou para os lados e, vendo que estávamos cercados de gente, puxou-me com sua mão gelada, arrastando-me para uma antessala. Ele fez um sinal com a cabeça para que Penelope também viesse.
Assim que a porta fechou, ele olhou em meus olhos e mordeu o lábio.
- A tropa de sofreu um atentado - ele disse, e eu levei a mão à boca imediatamente. - Ele estava com outros dois soldados em uma ronda e eles foram atacados com duas bombas por rebeldes a oeste de Ramadi.
Eu provavelmente parei de escutar na palavra atentado, sentindo cada músculo de meu corpo começar a estremecer absolutamente fora de controle. Pisquei algumas vezes, minimamente atenta ao fato de que Seb ainda estava em minha frente, e tentei puxar o ar dos pulmões de uma vez só, fazendo um barulho alto.
- Fique calma, por favor - ele pediu, sem me tocar, como se tivesse medo de fazer qualquer movimento; mas eu continuava respirando audivelmente. E como em um pesadelo, eu não conseguia falar.
- Como ele está? - Ouvi Penny perguntar, e Sebastian continuou olhando exclusivamente para mim.
- Apenas um dos soldados conseguiu fugir, com uma garotinha que estava perdida em meio ao campo. Ele buscou reforços, mas nenhum dos outros dois soldados estava lá quando voltaram. Esse que se salvou - Seb fez uma pausa longa demais. - Disse que tinha sido gravemente ferido. Ele tinha quase certeza que ele estava... Que ele tinha...
Sebastian parou subitamente de falar quando olhou para mim.
Eu não conseguia puxar o ar dos pulmões de jeito nenhum. Era como se alguém tivesse amarrado uma pedra pesada em um dos meus pés e me jogado em alto mar, e eu não conseguisse voltar à superfície de nenhuma maneira, por mais que eu tentasse, por mais que eu me debatesse.
Um grito em minha garganta saiu como um sussurro, e eu senti as mãos de Sebastian em volta de mim pouco antes de apagar de vez.

Enxerguei alguns vultos ao meu redor quando consegui abrir minimamente os olhos. Notei que algumas pessoas estavam falando, mas a princípio não consegui distinguir nenhuma das vozes. O primeiro rosto que vi foi o de Penny, e de repente tudo voltou a mim como um golpe, fazendo-me pular sentada em minha própria cama.
- Calma, , respire – ela pediu, segurando minha mão, e então eu vi Seb sentado em um sofá no lado oposto do quarto.
Sua camisa estava aberta e desgrenhada, seu cabelo desalinhado e ele parecia extremamente preocupado. Bastou um olhar para que ele caminhasse até mim, e eu pulei para fora da cama, ignorando o fato de que tinha um médico do palácio dentro de meu quarto.
- Seb – sussurrei, com a voz rouca. – Por favor, me diga que não... Diga que o que você disse é mentira. Por favor – supliquei, quase sem voz, e ele mordeu o lábio.
- Você sabe que eu faço tudo que posso por você, mas não posso te enganar – ele respondeu, igualmente baixo, e dessa vez eu consegui ficar de pé.
Quando desabei, tremendo descontroladamente, meu irmão me abraçou.
Foi a primeira vez que eu o vi chorando, incapaz de fazer qualquer coisa para diminuir a dor que eu estava sentindo. Escorregamos até o chão, enquanto ele me aninhava em seu peito, e murmurava coisas que eu não conseguia entender.
tinha sofrido um atentado. E estava morto.
Eu estava completamente zonza, praticamente gritando, apertando Sebastian contra mim como se minha vida dependesse daquilo. Só que, infelizmente, não havia nada que ele pudesse fazer. E eu tinha sido estúpida o suficiente de ter estragado tudo pouco tempo antes de partir, e agora eu jamais seria capaz de pedir perdão, ou de tocar em seu rosto, de beijá-lo e de ouvir sua voz sussurrando ao telefone, de madrugada. Ele jamais saberia o quanto eu amava, porque eu não tinha dito isso a ele.
- Traga-o de volta – pedi, inutilmente, enquanto chorava. – Eu faria qualquer coisa...
- , por favor, respire – Seb pediu, segurando meu rosto. – Eu estou aqui com você. Vai ficar tudo bem.
- Não vai! – Gritei, histérica. – Ele não... Ele nunca vai saber que eu o amo! Eu nunca mais vou... – Não consegui completar a frase, e Sebastian sussurrou contra meu ouvido:
- Ele sabia, sim.
- Não sabia.
- Qualquer pessoa no planeta saberia, meu amor – ele disse, afagando meu cabelo. – Nem sempre precisamos de palavras.

Uma semana depois


A dor não iria diminuir nunca.
Eu sabia que estava apática, mas não conseguia me mover, nem fazer absolutamente nada. Talvez ele soubesse, quando me escreveu aquela carta, qual seria o nosso destino. Talvez, inconscientemente, sabia que tinha que fazer nosso tempo juntos contar porque, assim como ele veio do nada absoluto, foi embora em um piscar de olhos.
O sumiço dos dois soldados – de e de outro companheiro de tropa – era dado ao fato de que, provavelmente teriam sido carregados pelos rebeldes. Buscas e mais buscas tinham sido realizadas, mas nenhum dos dois foi encontrado, além de alguns pertences praticamente dilacerados.
- Você precisa levantar daí, querida – Penny pediu pela provável milésima vez nos últimos dias, e eu neguei com a cabeça.
- Vá para o seu quarto, por favor.
- Ele pode estar vivo – Penn incentivou, mas eu chacoalhei a cabeça. – Deve haver algum motivo pelo qual os dois sumiram, e...
- Penelope, por favor! – Gritei, assustando-a. – Saia daqui.
- Seu pai encontrou o contato dos pais de – ela disse, e eu levantei os olhos pela primeira vez, com o coração acelerado. – Ele me deu o número, para caso você queira...
Escondi o rosto nas mãos, voltando a chorar. Falar com os pais de nessas circunstâncias. falava com muito amor sobre seus pais. Era filho único e os adorava, dizia que eles sempre o apoiaram muito e brincava que, no futuro, iria armar um encontro entre nós todos para ele quase matar a mãe de susto quando visse quem era a garota dele.
A ideia de pensar nesses pais perdendo o único filho era difícil de digerir, deixando-me engasgada. Chacoalhei a cabeça.
- Eu não consigo – respondi, e Penn afagou meu cabelo, abraçando-me de lado.
- Vou deixar dentro de sua gaveta, caso você decida.

Eu nunca consegui ligar para os pais de , simplesmente porque me sentia incapaz de tocar na minha ferida aberta, quanto mais na dos outros. Sabia que conversar com alguém exatamente na mesma situação talvez fosse bom, porque eles compreenderiam. Mas só a ideia disso já despertava em mim sentimentos que não conseguiria lidar.
Os dias passavam muito lentamente. Alguns eram muito piores que os outros, em alguns eu tentava tornar tudo aquilo meramente suportável. Deixei o sol do jardim bater contra minha pele, enquanto Penny falava alguma coisa sobre sua aula de modelagem. Escutá-la falando trivialidades tinha um efeito bastante calmante, ao qual eu estava recorrendo com frequência. Ouvir assuntos aleatórios, jamais ligar a televisão ou acessar a internet e tentar combater qualquer coisa que pudesse me pegar desprevenida.
Uma sombra tampou meu sol e Penny parou de falar. Encarei Sebastian.
- É bom te ver aqui fora – ele disse, e eu dei um sorriso. – Tenho um assunto complicado para tratar com você.
- Jura, Sebastian? Você não poderia esperar até a noite? Demorei quarenta e cinco minutos para conseguir trazê-la para fora – Penny ralhou, e eu sentei, franzindo o cenho.
Eles andavam discutindo e filtrando informações para que eu não me aborrecesse?
- Desculpe, mas isso é realmente importante. A esposa de Jeremy Tanner me procurou.
- Quem é Jeremy Tanner? – Perguntei, confusa.
- O soldado que estava com .
Pisquei algumas vezes, incapaz de conseguir pensar em alguma coisa coerente, e Sebastian prosseguiu:
- Ela falou com o marido e ele comentou algumas coisas com ela. Eu não sei exatamente o que é, nem como ela conseguiu concluir que devia procurar você, mas... Você gostaria de conversar com ela?
Mordi o lábio, já sentindo os olhos arderem. Embora aquilo fosse completamente contra tudo o que eu tentava fazer para me manter inteira, a ideia dessa mulher ter conseguido chegar até mim me deixava curiosa e com o coração na mão.
- Talvez ela saiba alguma coisa do sumiço – eu disse, lembrando que tinham simplesmente parado as buscas, do nada, em um dia particular em que arremessei dois vasos chineses contra a parede de minha mãe.
Sebastian deu de ombros.
- Posso pedir para que ela venha até aqui?

Eu estava praticamente enroscando as mãos na barra do vestido, ao ponto de deixá-lo completamente amassado, quando a mulher apareceu, segurando um garotinho pela mão. Ela deveria ter no máximo uns trinta e poucos anos, e percebi o quanto estava nervosa de estar lá no palácio. Levantei para recebê-la.
- É um prazer conhecê-la, Alteza – ela disse, com uma reverência, e eu chacoalhei a cabeça.
- Sem formalidades, por favor. Me chame de .
O garotinho estava puxando a barra da saia da mão e eu sorri, olhando-o. Abaixei até ficarmos da mesma altura.
- E você, quem é?
- Brody – ele respondeu. – Muito prazer, princesa.
Algo na maneira que um garoto de quatro ou cinco anos falou comigo me fez rir, provavelmente pela primeira vez em quase dois meses.
- O prazer é todo meu, querido.
- Ei, Brody – Sebastian o chamou. – Quer jogar bola?
A alegria no rosto do pequeno Brody foi tanta que ele saiu correndo, deixando a mim e a sua mãe para trás.
- Perdão, não perguntei seu nome – eu disse, e ela sorriu.
- Jaclyn – ela respondeu. Sentamos em um banco no jardim, e apesar do tempo gostoso da primavera, eu estava gelada. – Perdão ter vindo incomodá-la. Eu sinto muito por tudo que aconteceu.
Poucas pessoas sabiam a situação que eu estava – afinal, quase ninguém sabia do meu relacionamento com – e o jeito que Jaclyn falou isso me deixou emocionada.
- Obrigada. Você tinha alguma coisa para falar? Como que você descobriu que eu era... Ele disse ao seu esposo? – Percebi que estava atropelando as perguntas e ela sorriu.
- Ele disse ao Jeremy, mas ele não acreditou – Jaclyn sorriu. – Depois encontrou uma foto de vocês nas coisas de , no acampamento, e teve certeza.
Pisquei algumas vezes, lembrando da foto, e me segurei para não chorar. Jaclyn prosseguiu.
- Jeremy está arrasado com tudo o que aconteceu. Ele não queria deixar sozinho e ferido, mas tinha uma garotinha... Ele disse que implorou para que ele tirasse a garotinha de lá. Ele negou, dizendo ao outro soldado que a levasse, mas ele... – Jaclyn parou, fungando. – Ele disse que era para que Tanner fizesse isso.
- Por quê? – Perguntei, com um sussurro, e ela sorriu.
- Porque sabia que Tanner tinha Brody e nossa bebê, Emmaline, e não queria que ele se ferisse.
A chegada daquela informação me fez sorrir e chorar ao mesmo tempo. Limpei o rosto com a mão, meio trêmula, e chacoalhei a cabeça.
- Ele estava tentando proteger a garotinha perdida quando foi atingido. Tanner disse que ele é provavelmente o homem mais honrado que ele já teve a oportunidade de conhecer, e que você deveria saber disso. E deveria saber que ele a amava muito.
Eu já estava chorando compulsivamente quando Sebastian voltou com o pequeno Brody, provavelmente alarmado por isso. O garotinho olhou para mim, e com as duas mãos apoiadas em meus joelhos, falou:
- Meu pai disse que um herói o salvou. Não chore, ele com certeza está bem. Minha mãe disse que ele virou uma estrelinha – o garotinho disse, e eu engasguei.
- Desculpem, eu não consigo – eu levantei, pronta para correr para o palácio, quando ouvi a voz de Jaclyn.
- Tanner disse que encontrou um livro dele. Um livro novo – ela disse, e eu me virei, voltando a encará-la. – Dedicado a você, mas ele não tem um final. Ele disse que pode enviá-lo para mim, se a Alteza quiser.
Com a mão no peito, chacoalhei a cabeça.
- Eu... Pode ser – concordei, meio tonta, e então voltei a correr.
Um livro sem um final.
Exatamente como nós dois.

Três meses depois

Há muito tempo eu não colocava um vestido de baile, e ao encarar meu reflexo no espelho, me senti estranha. O vestido era lindo, em um tom de azul bem escuro, opulente e elegante na medida certa. Meu cabelo estava arrumado em ondas e eu encarei minha tiara favorita, pronta para colocá-la na cabeça.
Depois de muita insistência, minha mãe tinha conseguido me convencer a participar da festa dada para o aniversário de minha vó. A verdade era que o único motivo pelo qual eu compareceria era, de fato, a minha vó.
Já estava enjoada antes mesmo de deixar meu quarto.
Jaclyn havia simplesmente sumido. Eu queria muito aquele livro, mas não sabia se conseguiria lê-lo, não naquele momento, e eu desconfiava que muito de seu sumiço tinha a ver com a preocupação de Sebastian. Usei aquele tempo para tentar me recompor, e ainda que acreditasse que jamais me curaria daquilo, estava começando a me preparar para entrar na Universidade e estudar Cinema, como eu sempre quis. estava sempre junto comigo, dentro do meu colar, perto das batidas do meu coração. E eu sabia que ele se importava muito comigo e torcia para que eu realizasse meus sonhos. E era isso que eu tentaria fazer.
Meus irmãos e meu pai sorriram largamente quando eu apareci no salão, e eu sorri, brevemente.
- Você está linda, irmãzinha – Henry fez as honras, beijando minha mão.
- Só estou aqui pela vovó – disse, deliberadamente, e ele deu um sorrisinho.
- Todos estamos. Tente pelo menos se divertir um pouco – ele sugeriu, e então Seb chegou perto de mim.
- Em tradução livre, encha a cara comigo – ele sussurrou, e eu dei uma pequena risada. – Onde está Penny?
- Por que o interesse? – Perguntei, com uma sobrancelha erguida, e ele riu, sem perder a pose.
- Porque estou interessado em repetir algumas coisas que aconteceram... – ele disse, com um olhar sugestivo, e eu dei um tapa em seu braço, de queixo caído.
- O que aconteceu? – Eu praticamente gritei, arrancando uma gargalhada dele. – Vocês dois estão juntos?
- Você sabe que eu não sou de beijar e contar, irmãzinha – ele brincou, e deu uma piscadinha. – Fica a cargo de sua imaginação.

Depois de descobrir que, de fato, meu irmão tinha “deliberadamente agarrado Penny, pegando-a desprevenida” – como ela disse, mas seu sorriso provava o contrário, eu relaxei minimamente, capaz de colocar um meio sorriso no rosto. Isso, obviamente, foi um convite para que Sasha, o príncipe norueguês que amava me importunar, colasse ao meu lado para falar sobre suas maravilhosas férias em Maiorca e o quanto ele sentiu minha falta lá.
E isso estava revirando meu estômago de um jeito que eu quase o empurrei para trás, mas apenas me encolhi, em um canto, acuada demais para sair dali.
Foi quando vi Sebastian cortar a festa como um furacão, literalmente correndo pelo meio das pessoas.
- O que houve? – Perguntei, quando ele se aproximou, e ele me puxou pela mão para me tirar do meu canto com o príncipe norueguês.
- Lembra da Jaclyn?
- Sim – assenti. – Aconteceu alguma coisa com ela?
- Eu a fiz sumir porque achei que aquela história toda seria pesada demais para você – ele disse, e eu quase sorri, sabendo que sempre estive certa. – Mas ela entrou em contato comigo agora. Tanner foi retirado do Iraque, e está chegando agora em Londres.
Levei a mão imediatamente ao colar, apertando-o com força.
- Ele trouxe as coisas de . E tem outra coisa – Sebastian fez uma pausa, piscando algumas vezes. – O número de soldados que está voltando cedo assim, especificamente dessa tropa, é maior do que o anunciado. E eu não sei o que diabos isso quer dizer, mas...
Com o coração batendo nos ouvidos, saí correndo em direção à porta, deixando Sebastian falando sozinho, mas ele logo apareceu atrás de mim.
- Pode ser um erro, é muito provável que seja, não quero que você se iluda por...
- Pode não ser – eu retruquei, e ouvi minha mãe gritando por nossos nomes. – Pode não ser, não pode?
Sebastian suspirou, quando eu olhei para ele, e mordeu o lábio.
- Acho que pode – ele respondeu, meio incerto, e continuou me seguindo.
- Aonde vocês dois pensam que vão? – Minha mãe interrompeu a passagem, falando entre dentes. Antes que eu pudesse responder, meu pai a tirou do caminho.
- Andem logo – ele disse, abrindo espaço para que nós dois corrêssemos para fora.
Um mar de fotógrafos estava do lado de fora do palácio para cobrir as festividades e homenagens à minha vó. Pela primeira vez, eu não me importei com a presença deles, apenas entrei em um carro, com o coração disparado, e ouvi Sebastian xingando que vários fotógrafos estavam nos seguindo.
Com a mão grudada em meu colar, parada e em silêncio pela primeira vez, eu rezei. Rezei para que eu estivesse fazendo a coisa certa.
Eu sabia que quebraria minha cara, sabia que veria, no máximo, Tanner, e todas as coisas de que me deprimiriam por dias, meses, ou pela minha vida inteira.
Se isso acontecesse, não poderia doer mais do que já tinha doído. Mais do que ainda doía.

O voo já tinha pousado quando irrompi pelo aeroporto com Sebastian e umas duas dezenas de seguranças e fotógrafos, que se juntaram aos outros tantos que foram receber a minúscula parte da equipe atacada que voltaria. O tanto de turistas e pessoas que praticamente surtaram ao nos ver foi absurdo, e eu corri para o desembarque, onde avistei Jaclyn com seus dois filhos. Ela arregalou os olhos ao me ver, mas quando o primeiro soldado apareceu pelo portão – e correu para os braços de sua família – ela simplesmente voltou o olhar para a frente, ansiosa demais para qualquer coisa.
Eu tinha plena noção que os seguranças e funcionários do aeroporto estavam formando um cerco ao nosso redor, tentando nos proteger, mas os gritos e flashes estourando eram uma loucura. Eles estavam tão descompassados quanto a batida de meu coração.
Eu nunca tinha visto Tanner na vida, mas logo notei quem ele era quando vi Brody correr em sua direção e passar pela segurança. O soldado ajoelhou, chorando em prantos, apertando o garotinho como se ele fosse um urso de pelúcia, e o resto de sua família foi até ele. Eu percebi que já estava soluçando com a cena quando Sebastian apoiou a mão em meu ombro, incapaz de dizer qualquer coisa.
Eu estava com o olhar vidrado no pequeno Brody, tão alegre e inocente, que chorava tanto quanto o pai no chão, quando meu olhar se voltou para a porta vazia, onde um soldado estava parado com o braço enfaixado em uma altura muito alta, indicando que provavelmente tinha sofrido uma injúria séria.
Minha visão turva não impediu que nossos olhares se cruzassem.
Ele estava paralisado e eu levei a mão até a boca, arregalando os olhos.
E corri.
A quantidade absurda de flashes estourando em minha direção conseguiria cegar qualquer ser humano, mas como em uma cena de slow motion de um filme, ele era a única coisa que eu via, enquanto tentava tirar as lágrimas que caíam deliberadamente em meu rosto. Como quem saía de um transe, ele jogou as coisas no chão e correu o resto do caminho entre nós, segurando-me com tanta força que eu achei que fosse desmaiar.
- Você... – eu parei, chorando copiosamente enquanto segurava seu rosto. – Ai, meu Deus!
Exclamei, e ele estava chorando tanto quanto eu quando me apertou com força e me beijou, com toda urgência de alguém que não imaginava mais que aquilo aconteceria. Separamo-nos e ele beijou cada canto do meu rosto, parecendo meio ludibriado.
Eu achei que nunca mais sentiria aquele cheiro, aquele gosto, que jamais teria seus braços em volta de mim. Eu não conseguia parar de chorar e de tremer, absorta demais e torcendo secretamente para que tudo aquilo não se tratasse de um sonho tão real que me traumatizaria para o resto da vida.
- Você… Tinham dito que você tinha morrido! - Eu consegui falar, soluçando, e ele mordeu o lábio.
- Eu não lembro de nada. Sei que fui salvo por algumas pessoas de um outro vilarejo, e que eles cuidaram de mim durante todo o tempo que eu estava desacordado, mas… - Ele parou, sorrindo. - Eu não acredito que você está aqui, Majestade – ele murmurou, com a testa colada na minha, depois deu um sorrisinho cínico.
Eu ri verdadeiramente pela primeira vez depois de todo aquele tempo. Estudei cada parte de seu rosto, que estava mais magro e abatido, mas era ele. Era o meu . Passei a mão por seu braço enfaixado e ele se contraiu, mordendo o lábio.
- Eu não... Foi a bomba – disse, quando eu percebi que ele realmente tinha sido amputado. Meu coração apertou, e ele beijou meu rosto. – Eu não sei o que vou fazer agora – disse, baixinho, e eu sussurrei.
- Eu serei seu braço direito. Para sempre – respondi, e ele sorriu largamente, voltando a me beijar. – Perdão por tudo o que eu disse, eu achei que nunca mais fosse...
- Shhhh... – ele me calou com um selinho. – Você é quem me manteve vivo. E eu voltei para casa, para você.
Sorri, abraçando-o de volta, deixando que as lágrimas – dessa vez, de alegria – caíssem no pescoço daquele que eu jamais pensei ver novamente.
- Nunca mais me deixe! – Sussurrei, e ele riu. – Eu amo você. Tanto, mas tanto...
Ele sorriu largamente.
- Eu também amo você, Sua Alteza Princesa de York.



Nunca entendi como as pessoas se apaixonam. Na verdade, isso sempre esteve na minha extensa lista de coisas que eu não entendia no mundo. Eu já vi pessoas que se conheceram a vida inteira acordarem um dia e se viram de forma diferente. Já ouvi relatos de casais que precisaram apenas de um olá e estavam apaixonados.
Quando você é um escritor, não entender o amor perfeitamente pode ser um problema. Lembro-me de uma noite, meses antes do fatídico dia do bar, em que eu estava atolado de coisas para escrever, mas não conseguia chegar à conclusão alguma. Talvez muito disso se devesse ao fato de que eu estava preso em um relacionamento sem futuro - mas não fazia a menor ideia disso.
Sempre fui apaixonado por palavras, e então resolvi abrir o dicionário para folheá-lo em busca de qualquer ajuda, e dei de cara com a palavra serendipidade. Serendipidade significa o ato de descobrir alguma coisa extremamente maravilhosa quando não a está procurando. Naquele dia, eu adquiri interesse instantâneo por esse termo, ainda que soubesse que eu não tinha vivido aquilo ainda.
Hoje, olhando para trás, deitado no gramado de um parque com a garota que jamais sonhei ao meu lado, eu soube o que tudo aquilo significava.
Ela tinha esperado por mim mesmo quando achava que eu tinha morrido, tinha enfrentado sua mãe por mim; tinha me apresentado ao mundo como o cara que ela amava. Tinha sido forte o suficiente para correr atrás de seus sonhos e para viver ao meu lado. E, apesar de eu ter me tornado subitamente conhecido como um herói da guerra, eu soube que ela era uma heroína.
Ainda que isso não fizesse o menor sentido, e mesmo que o destino não tivesse planejado nos juntar a princípio, tinha acontecido de qualquer maneira.
Palavras podem significar muita coisa, mas se não forem usadas de maneira correta, elas são vazias. E então eu concluí, observando-a sorrir para mim, que o amor nada mais é do que uma palavra, assim como qualquer outra.
Até que, um dia, alguém apareça em sua vida e lhe mostre seu verdadeiro significado.




Fim



Nota da autora: Olá, docinhos! Meu Deus, que saudades eu estava de escrever uma “short” hahahaha. Quem me acompanha lá no grupo sabe que essa me deu um trabalho do cão, e eu nem reli para não mudar tudo DE NOVO, mas espero que tenha valido a pena. Quando eu já estava escrevendo me toquei de que isso daria uma boa long, mas já foi! Hahahaha Photograph é minha favorita do Edinho Ruivo Lindo e eu espero ter conseguido fazer jus ao que essa música maravilhosa merecia <3 Sei que a fiction é bem diferente do que eu costumo fazer, e é por isso mesmo que eu estou doida para ler os comentários e críticas construtivas. Não esqueçam de deixar seu recadinho :) É muito difícil tentar escrever um tema tão sério como uma guerra em um espaço tão “pequeno”, mas espero ter conseguido traduzir o amor desse casal que gostei tanto. Vocês que me dirão! Fico por aqui, muito obrigada pelo carinho de sempre <3 Amo vocês!





Outras Fanfics:
- Summertime: McFly/Finalizadas
- Behind The Scenes: McFly/Andamento
- Who’s That Guy?: Especial All Stars/Finalizada
- Storm Warning: McFly/Finalizadas
- Amor Em Jogo: Challenges/Finalizada
- Be Your Everything: Especial da Equipe/Finalizada
- One Night Only: Especiais/Finalizada
- Never Gonna Be Alone: Especial de Natal/Finalizada

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