Capítulo Único
Primavera
Eu não saberia dizer, naquele instante, se a névoa formada pela fumaça dos tantos cigarros acesos era o que me fazia crer que existia algo celestial no par de olhos azuis que, do outro lado daquela sala escura, me encarava de volta.
Ou se, de fato, havia algum elemento etéreo neles.
A garota ao meu lado cutucou minhas costelas, estendendo o baseado preso entre seus dedos para mim. E, embora eu não lembrasse o nome dela ou como eu havia parado ali, dei uma longa tragada, esperando sentir meu corpo extremamente leve em instantes.
E a sensação de êxtase teria chego - se, após cochichar algo no ombro do garoto alto e de cabelos claros, Olhos Azuis não tivesse caminhado em minha direção.
Parecia, de fato, que as estrelas faziam seu caminho entre as galáxias enquanto o garoto de cabelos castanhos despenteados e o sorriso de canto mais belo que eu já havia visto oscilava entre as cortinas de fumaça da sala daquela casa no Brooklyn.
Ele me olhou dos pés à cabeça quando parou em minha frente. Embora minha atenção estivesse cravada na intensidade de suas írises, fora o sorriso atravessado que me causou a sensação de estar flutuando.
- Primeira vez na casa de Andrew? - ele se curvou um pouco para que, sob a música que explodia alta em algum lugar, eu pudesse ouvir.
Eu nem sabia que o dono da casa se chamava Andrew.
- Os sapatos me entregaram?
Ele encarou os saltos vermelhos nos meus pés e seus ombros chacoalharam com uma risada.
Podia parecer inadequado, mas eu defendia a ideia de que nenhuma ocasião era inapropriada o suficiente para que meus pés não mostrassem alguma peça da última coleção de um estilista fabuloso. E não importava se eles voltassem para casa fedendo a maconha - lavagem à seco era mesmo a minha melhor amiga.
- Eu certamente me lembraria se tivesse te visto aqui antes. - ele estendeu as mãos em uma reverência engraçada - O que acha de uma noite inesquecível?
- Você aborda todas as garotas assim? - cruzei os braços, inclinando a cabeça para observá-lo.
- Quase todas. - ele piscou e indicou a porta da casa com a cabeça antes de girar nos calcanhares - Meu nome é , a propósito.
Sorri para suas costas, sem dúvida nenhuma que o acompanharia.
- .
Existiam duas coisas que coisas me faziam derreter.
Sapatos em liquidação.
E garotos com o potencial de me deixar curiosa o suficiente com apenas três frases.
Como os Manolos já estavam em meus pés, descobri que era o que estava faltando para que a noite fosse, de fato, inesquecível. E foram os saltos em questão que me fizeram segui-lo até o lado de fora.
- Como veio parar aqui? - a pergunta veio quando já estávamos passando pelo jardim, rumo ao asfalto deserto da Bergen Street.
- Não estamos nos anos 90, os táxis vem de Manhattan para o Brooklyn - sorri ao apertar o passo e chegar ao seu lado.
Ele soltou uma risada ao jogar a cabeça para trás.
- Manhattan... - os olhos azuis me encararam de canto - Isso explica os sapatos.
Parei um instante para observá-lo. Era inegável o quanto o contraste entre os olhos claros e os cabelos escuros o deixavam lindo. Irretocável. Ele tinha um sorriso potencialmente capaz de fazer qualquer um sorrir junto sem pensar duas vezes e, apesar de parecer doce, a jaqueta de couro e a calça preta e justa eram um lembrete claro de que ele podia não ser tão mélico assim.
- Aonde está me levando? - perguntei após alguns minutos seguindo os seus passos instintivamente.
- Está com medo? - ele estreitou uma das sobrancelhas.
- Estou querendo saber se vou precisar usar a faca que tenho em minha bolsa.
- Você não está de bolsa.
Droga.
- Só preciso saber aonde estou me metendo. Você sabe, antes que seja tarde demais.
E mais um sorriso atravessado que me fazia ver estrelas.
- Eu te prometi uma noite inesquecível, lembra? - ele desacelerou os passos para focar os olhos inteiramente em mim - E, se os táxis viessem com tanta frequência para o Brooklyn, você saberia que estamos chegando no East River. - ele apontou para o ponto bem à nossa frente - E você saberia que essa é a vista mais bonita em toda Nova York.
Soltei uma risada inevitável. era mesmo um cara... Interessante, no mínimo.
- É realmente a vista mais bonita de Nova York... - dei mais alguns passos e debrucei na grade de ferro às margens do rio e, dessa vez, eu que apontei para frente - Porque estamos olhando para Manhattan.
Um sorriso engraçado puxou o canto de seus lábios enquanto ele balançava a cabeça negativamente.
- Touché. - ele se virou para mim, apoiando-se na grade - Você é uma garota intrigante, .
Engraçado. Era exatamente o que eu estava pensando sobre você.
- Você sabe o que dizem. - levantei os ombros - É apenas o humor refinado do Upper East Side.
Naquela noite, descobri que quase cinco horas de conversa podiam voar em um espaço breve de cinco minutos.
era diferente de todos os caras que haviam passado pela minha vida. E ainda mais diferente de todos os caras que eu havia conhecido em uma festa aleatória de um garoto que eu nem ao menos sabia o nome horas atrás.
Eu não saberia explicar o que aconteceu naquela noite. Me vi à frente de um garoto que me fazia rir a todo momento e que, em pouco tempo, fazia-me sentir como se eu o conhecesse à vida toda.
Se no começo da noite meus olhos se prenderam nos seus, tão belos, procurando algum envolvimento carnal, no começo da manhã eu queria sentar, conversar e ouvir o que ele tinha a dizer. Perguntar qual era o seu filme favorito e qual a sua cafeteria preferida na cidade.
Era uma daquelas coisas que aconteciam somente uma ou duas vezes na vida - em que você conhece alguém e, instantaneamente, sabe que aquela pessoa vai fazer a diferença em sua vida.
Eu sabia que faria diferença na minha.
Mas, quando atravessei o East River de volta naquela manhã de primavera, não desconfiava que havia acabado de conhecer o cara que eu viria a chamar de melhor amigo.
Verão
- Eu realmente te odeio. Você sabe disso, não sabe?
- Não é assim tão complicado.
- Estamos falando da minha vida aqui, .
Encarei o abismo bem abaixo dos meus pés. Não podia ser tão perigoso assim. Podia?
- Eu te odeio. - disse novamente ao dar um passo pra trás.
- Essas serão suas últimas palavras pra mim?
Apertei os olhos e dei um sorriso completamente ausente de humor - exatamente o oposto do que exibia, claramente se divertindo com a situação.
Quando ele disse que havia descoberto o melhor lugar entre Nova York e New Heaven eu estava esperando tudo - exceto um penhasco no meio da estrada com um corpo d’água cem metros abaixo do chão.
Era, de fato, lindo.
E, pra mim, terrivelmente assustador.
- Eu mal sei nadar. Você devia trazer algumas das suas mil e uma pretendentes.
- E então você teria trago o Heath. E você sabe o quanto o odeio.
Mordi a boca segurando um riso. Existia algum tipo de regra que obrigava todos os melhores amigos a julgar que os namorados nunca eram bons o suficiente?
- O que acontece se eu bater naquela pedra? - apontei para um pedaço levemente saliente no caminho que me levaria até a água.
- ... - ele suspirou, virando o rosto para que seus olhos encontrassem os meus - Eu não te colocaria em perigo. Você sabe disso.
Eu sabia.
E sabia também que, apesar do medo correndo minhas veias, meu corpo insistia em dar ouvidos à adrenalina que insistia em trazer pra minha vida.
Me obrigando a não pensar em mais nada, fechei os olhos com força. E antes que eu pudesse perceber, o medo tinha dado lugar à liberdade quando meus pés não mais tocavam o chão e o vento bagunçava meu cabelo.
E então, quando imergi na água, entendi porque havia me levado ali.
As gotas cálidas, molhando meu corpo, faziam-me sentir como se o mundo estivesse distante e não houvessem mais preocupações. Quando voltei à superfície, o sol esquentando minha pele reforçava o recado.
E, como se não fosse o suficiente, meu melhor amigo estava bem ao meu lado, observando em silêncio o sorriso involuntário que havia se formado em meu rosto.
- É melhor admitir que eu tinha razão. - ele apertou meu nariz com carinho, cerrando os olhos azuis por conta do sol - Não é o melhor lugar em que já esteve?
- É tudo o que eu não sabia que precisava.
- Preciso confessar... - senti sua mão tocar a minha embaixo d’água e, em um instante, ele havia me puxado para mais perto de si - Parece ainda melhor com você aqui.
O sorriso que meus lábios o entregaram foi sincero.
Não apenas pelas palavras doces de .
Mas, principalmente, porque eu me sentia da mesma forma.
Outono
Enterrei a cabeça no peito de e senti minhas lágrimas molhando o tecido branco de sua camiseta. O seu corpo estava tenso enquanto apoiava o meu, lado a lado no meio-fio em frente à minha casa.
Era um daqueles momentos em que eu sabia que ele era a única pessoa que eu queria e precisava - então não pensei duas vezes antes de pedir para que ele viesse me encontrar após a discussão que tive com Heath.
- Você tinha razão. - minha voz saiu trêmula enquanto os dedos do meu amigo deslizavam por meus cabelos.
Eu não precisava dizer mais uma palavra pra ele entender o que eu estava falando.
- O que ele fez com você? - seu corpo, assim como sua voz, ficou ainda mais duro.
Eu sabia que havia ativado o senso de proteção de . E sabia, ainda, que precisava ser cuidadosa com as palavras para que ele não fizesse nenhuma besteira.
- O que você esperava que ele fizesse.
Com o canto dos olhos, vi seus dedos se cerrarem em um punho. Instintivamente, tornei nosso abraço mais apertado, lembrando-o que precisava dele ao meu lado, e não em um acerto de contas com o meu ex-namorado.
Não era necessário colocar em palavras detalhadas. sabia que a única coisa na vida que, pra mim, não existia perdão, era traição.
E era exatamente o que ele esperava de um cara que havia traído todas suas ex-namoradas.
Eu costumava a ver o lado positivo das coisas. A esperar o melhor em todas as pessoas. A ser otimista e pensar que, comigo, podia ser diferente.
Encolhi os ombros, sentindo as lágrimas encherem meus olhos com mais força.
- Sabe qual o maior problema? - minha voz saiu trêmula, quase inaudivel.
- Qual, ?
- Eu ainda gosto dele. - seu peito subiu e desceu pesado diante de minhas palavras - Me ajude a não gostar mais dele, .
Senti seus dedos deslizarem dos meus braços para minhas maçãs. Desenterrei o rosto de sua camiseta quando ele começou a enxugar minhas lágrimas, buscando o conforto conhecido que aqueles olhos azuis sempre me ofereciam.
E ele estava lá.
Intocável e alentador, como sempre.
- Se lembra da noite em que nos conhecemos? - a nostalgia suave em sua voz me fez sorrir.
- Me lembro que você foi um babaca porque eu estava usando sapatos de 800 dólares em uma festa underground no Brooklyn.
Ele deu uma risada discreta.
Não era verdade; e ele sabia disso.
- Eu queria ter te beijado aquela noite, sabia?
Fiz uma careta ao encará-lo por cima das lágrimas que ainda embaçavam minha vista.
- Você sabe disfarçar muito bem. - esfreguei meus olhos e apoiei os cotovelos em minhas pernas para poder repousar meu rosto em minhas mãos - Estou há quase um ano me sentindo envergonhada por ter me encantado pelos seus olhos azuis.
O sorriso atravessado que me fizera encantar naquela noite desenhou seus lábios.
- Você precisa parar de fazer isso.
- O quê?
- Dizer coisas que me fazem querer te beijar.
Pisquei algumas vezes, recobrando minha atenção para ter a certeza de que eu havia ouvido corretamente.
Quando meus olhos se fixaram nos seus, senti a atmosfera ficar mais densa. Uma faísca de desejo que eu mal sabia que existia em mim se atreveu a ascender em meu peito.
Eu não sabia se era a tristeza por causa de Heath. Não sabia se isso era algo que eu queria há muito tempo, mas preferi guardar em um lugar secreto e escondido dentro de mim. Quando percebi, estava com a ponta dos dedos acariciando a pele macia do rosto de e me inclinando em sua direção.
- Se você se aproximar mais... - ele soprou e eu senti o seu hálito quente formigar em meus lábios - Eu não vou deixar você sair de perto de mim.
- Por favor… Não deixe.
Nossos olhos se conectaram, cúmplices, por alguns instantes. E então as mãos de envolveram minha cintura e trouxeram meu corpo para perto do seu no instante em que nossas bocas se encontraram.
Ele era doce.
Suave.
Macio.
Por mais que nossos lábios dançassem lentamente um contra outro, eu sentia a recém-descoberta vontade tomar conta do meu corpo de maneira feroz.
Suas mãos deslizaram pelo meu pescoço para apertar minha cintura. Meus dedos dedilhavam o caminho até suas costas.
Eram puro desejo, fome e carinho. E, para minha surpresa, aquela combinação parecia se encaixar perfeitamente.
Quando, com uma mordida sutil, ele separou nossos lábios, hesitei em olhá-lo. Mas sabia que apenas no azul dos seus olhos encontraria o conforto de que eu ainda estava precisando.
Dessa vez, por um, motivo diferente.
E ele ainda estava lá.
Ele sabia que eu estava perguntando, silenciosamente, se aquilo fora um erro.
E embora ainda não soubéssemos, seu olhar me passava a certeza de que, se aquilo fosse mesmo um erro, seria o melhor que já havíamos cometido.
Inverno, dois anos depois
Encarei o pedaço de papel entre os meus dedos, sabendo que ali estavam as palavras mais valiosas que eu podia, um dia, sonhar em ouvir. Era apenas um eu te amo, rabiscado em tinta preta, guardado em uma caixa de lembranças ao lado de nossa cama. Ele havia deixado ao meu lado no travesseiro após a primeira noite que tivemos juntos, quando saiu para comprar café.
Do meu lado, dormia, sereno.
Em cima da cômoda, duas taças de vinho provavam que não precisávamos de muito para uma noite perfeita.
E eu mal podia acreditar que, há dois dias, ele havia me pedido em casamento.
Eu sempre achei que precisava de algo especial para dizer sim. Um anel de diamantes maior que meu punho ou um par de Manolos, como em Sex and The City.
Mas a verdade é que eu só precisava dele. E, por isso, não tive dúvidas em aceitar o pedido que aconteceu no sofá da casa em que dividíamos há um ano, enquanto assistíamos filmes antigos.
Sem anel.
Sem um par de sapatos caros.
Eu sabia que precisava dizer sim porque aquela simples cena de um sábado à noite era o suficiente para me fazer feliz. Eu sabia que, se alguém desse a ideia para de me pedir em casamento como a Carrie e o Big, ele apenas daria de ombros e diria que eu sempre preferi a Charlotte - e então, faria algo exatamente com a nossa cara. Do nosso jeito.
Como ele fez.
Porque isso era quanto ele me conhecia.
E isso era o suficiente para saber que eu não precisava de nada além do carinho e cumplicidade do garoto de olhos azuis que dormia ao meu lado.
Eu não saberia dizer, naquele instante, se a névoa formada pela fumaça dos tantos cigarros acesos era o que me fazia crer que existia algo celestial no par de olhos azuis que, do outro lado daquela sala escura, me encarava de volta.
Ou se, de fato, havia algum elemento etéreo neles.
A garota ao meu lado cutucou minhas costelas, estendendo o baseado preso entre seus dedos para mim. E, embora eu não lembrasse o nome dela ou como eu havia parado ali, dei uma longa tragada, esperando sentir meu corpo extremamente leve em instantes.
E a sensação de êxtase teria chego - se, após cochichar algo no ombro do garoto alto e de cabelos claros, Olhos Azuis não tivesse caminhado em minha direção.
Parecia, de fato, que as estrelas faziam seu caminho entre as galáxias enquanto o garoto de cabelos castanhos despenteados e o sorriso de canto mais belo que eu já havia visto oscilava entre as cortinas de fumaça da sala daquela casa no Brooklyn.
Ele me olhou dos pés à cabeça quando parou em minha frente. Embora minha atenção estivesse cravada na intensidade de suas írises, fora o sorriso atravessado que me causou a sensação de estar flutuando.
- Primeira vez na casa de Andrew? - ele se curvou um pouco para que, sob a música que explodia alta em algum lugar, eu pudesse ouvir.
Eu nem sabia que o dono da casa se chamava Andrew.
- Os sapatos me entregaram?
Ele encarou os saltos vermelhos nos meus pés e seus ombros chacoalharam com uma risada.
Podia parecer inadequado, mas eu defendia a ideia de que nenhuma ocasião era inapropriada o suficiente para que meus pés não mostrassem alguma peça da última coleção de um estilista fabuloso. E não importava se eles voltassem para casa fedendo a maconha - lavagem à seco era mesmo a minha melhor amiga.
- Eu certamente me lembraria se tivesse te visto aqui antes. - ele estendeu as mãos em uma reverência engraçada - O que acha de uma noite inesquecível?
- Você aborda todas as garotas assim? - cruzei os braços, inclinando a cabeça para observá-lo.
- Quase todas. - ele piscou e indicou a porta da casa com a cabeça antes de girar nos calcanhares - Meu nome é , a propósito.
Sorri para suas costas, sem dúvida nenhuma que o acompanharia.
- .
Existiam duas coisas que coisas me faziam derreter.
Sapatos em liquidação.
E garotos com o potencial de me deixar curiosa o suficiente com apenas três frases.
Como os Manolos já estavam em meus pés, descobri que era o que estava faltando para que a noite fosse, de fato, inesquecível. E foram os saltos em questão que me fizeram segui-lo até o lado de fora.
- Como veio parar aqui? - a pergunta veio quando já estávamos passando pelo jardim, rumo ao asfalto deserto da Bergen Street.
- Não estamos nos anos 90, os táxis vem de Manhattan para o Brooklyn - sorri ao apertar o passo e chegar ao seu lado.
Ele soltou uma risada ao jogar a cabeça para trás.
- Manhattan... - os olhos azuis me encararam de canto - Isso explica os sapatos.
Parei um instante para observá-lo. Era inegável o quanto o contraste entre os olhos claros e os cabelos escuros o deixavam lindo. Irretocável. Ele tinha um sorriso potencialmente capaz de fazer qualquer um sorrir junto sem pensar duas vezes e, apesar de parecer doce, a jaqueta de couro e a calça preta e justa eram um lembrete claro de que ele podia não ser tão mélico assim.
- Aonde está me levando? - perguntei após alguns minutos seguindo os seus passos instintivamente.
- Está com medo? - ele estreitou uma das sobrancelhas.
- Estou querendo saber se vou precisar usar a faca que tenho em minha bolsa.
- Você não está de bolsa.
Droga.
- Só preciso saber aonde estou me metendo. Você sabe, antes que seja tarde demais.
E mais um sorriso atravessado que me fazia ver estrelas.
- Eu te prometi uma noite inesquecível, lembra? - ele desacelerou os passos para focar os olhos inteiramente em mim - E, se os táxis viessem com tanta frequência para o Brooklyn, você saberia que estamos chegando no East River. - ele apontou para o ponto bem à nossa frente - E você saberia que essa é a vista mais bonita em toda Nova York.
Soltei uma risada inevitável. era mesmo um cara... Interessante, no mínimo.
- É realmente a vista mais bonita de Nova York... - dei mais alguns passos e debrucei na grade de ferro às margens do rio e, dessa vez, eu que apontei para frente - Porque estamos olhando para Manhattan.
Um sorriso engraçado puxou o canto de seus lábios enquanto ele balançava a cabeça negativamente.
- Touché. - ele se virou para mim, apoiando-se na grade - Você é uma garota intrigante, .
Engraçado. Era exatamente o que eu estava pensando sobre você.
- Você sabe o que dizem. - levantei os ombros - É apenas o humor refinado do Upper East Side.
Naquela noite, descobri que quase cinco horas de conversa podiam voar em um espaço breve de cinco minutos.
era diferente de todos os caras que haviam passado pela minha vida. E ainda mais diferente de todos os caras que eu havia conhecido em uma festa aleatória de um garoto que eu nem ao menos sabia o nome horas atrás.
Eu não saberia explicar o que aconteceu naquela noite. Me vi à frente de um garoto que me fazia rir a todo momento e que, em pouco tempo, fazia-me sentir como se eu o conhecesse à vida toda.
Se no começo da noite meus olhos se prenderam nos seus, tão belos, procurando algum envolvimento carnal, no começo da manhã eu queria sentar, conversar e ouvir o que ele tinha a dizer. Perguntar qual era o seu filme favorito e qual a sua cafeteria preferida na cidade.
Era uma daquelas coisas que aconteciam somente uma ou duas vezes na vida - em que você conhece alguém e, instantaneamente, sabe que aquela pessoa vai fazer a diferença em sua vida.
Eu sabia que faria diferença na minha.
Mas, quando atravessei o East River de volta naquela manhã de primavera, não desconfiava que havia acabado de conhecer o cara que eu viria a chamar de melhor amigo.
Verão
- Eu realmente te odeio. Você sabe disso, não sabe?
- Não é assim tão complicado.
- Estamos falando da minha vida aqui, .
Encarei o abismo bem abaixo dos meus pés. Não podia ser tão perigoso assim. Podia?
- Eu te odeio. - disse novamente ao dar um passo pra trás.
- Essas serão suas últimas palavras pra mim?
Apertei os olhos e dei um sorriso completamente ausente de humor - exatamente o oposto do que exibia, claramente se divertindo com a situação.
Quando ele disse que havia descoberto o melhor lugar entre Nova York e New Heaven eu estava esperando tudo - exceto um penhasco no meio da estrada com um corpo d’água cem metros abaixo do chão.
Era, de fato, lindo.
E, pra mim, terrivelmente assustador.
- Eu mal sei nadar. Você devia trazer algumas das suas mil e uma pretendentes.
- E então você teria trago o Heath. E você sabe o quanto o odeio.
Mordi a boca segurando um riso. Existia algum tipo de regra que obrigava todos os melhores amigos a julgar que os namorados nunca eram bons o suficiente?
- O que acontece se eu bater naquela pedra? - apontei para um pedaço levemente saliente no caminho que me levaria até a água.
- ... - ele suspirou, virando o rosto para que seus olhos encontrassem os meus - Eu não te colocaria em perigo. Você sabe disso.
Eu sabia.
E sabia também que, apesar do medo correndo minhas veias, meu corpo insistia em dar ouvidos à adrenalina que insistia em trazer pra minha vida.
Me obrigando a não pensar em mais nada, fechei os olhos com força. E antes que eu pudesse perceber, o medo tinha dado lugar à liberdade quando meus pés não mais tocavam o chão e o vento bagunçava meu cabelo.
E então, quando imergi na água, entendi porque havia me levado ali.
As gotas cálidas, molhando meu corpo, faziam-me sentir como se o mundo estivesse distante e não houvessem mais preocupações. Quando voltei à superfície, o sol esquentando minha pele reforçava o recado.
E, como se não fosse o suficiente, meu melhor amigo estava bem ao meu lado, observando em silêncio o sorriso involuntário que havia se formado em meu rosto.
- É melhor admitir que eu tinha razão. - ele apertou meu nariz com carinho, cerrando os olhos azuis por conta do sol - Não é o melhor lugar em que já esteve?
- É tudo o que eu não sabia que precisava.
- Preciso confessar... - senti sua mão tocar a minha embaixo d’água e, em um instante, ele havia me puxado para mais perto de si - Parece ainda melhor com você aqui.
O sorriso que meus lábios o entregaram foi sincero.
Não apenas pelas palavras doces de .
Mas, principalmente, porque eu me sentia da mesma forma.
Outono
Enterrei a cabeça no peito de e senti minhas lágrimas molhando o tecido branco de sua camiseta. O seu corpo estava tenso enquanto apoiava o meu, lado a lado no meio-fio em frente à minha casa.
Era um daqueles momentos em que eu sabia que ele era a única pessoa que eu queria e precisava - então não pensei duas vezes antes de pedir para que ele viesse me encontrar após a discussão que tive com Heath.
- Você tinha razão. - minha voz saiu trêmula enquanto os dedos do meu amigo deslizavam por meus cabelos.
Eu não precisava dizer mais uma palavra pra ele entender o que eu estava falando.
- O que ele fez com você? - seu corpo, assim como sua voz, ficou ainda mais duro.
Eu sabia que havia ativado o senso de proteção de . E sabia, ainda, que precisava ser cuidadosa com as palavras para que ele não fizesse nenhuma besteira.
- O que você esperava que ele fizesse.
Com o canto dos olhos, vi seus dedos se cerrarem em um punho. Instintivamente, tornei nosso abraço mais apertado, lembrando-o que precisava dele ao meu lado, e não em um acerto de contas com o meu ex-namorado.
Não era necessário colocar em palavras detalhadas. sabia que a única coisa na vida que, pra mim, não existia perdão, era traição.
E era exatamente o que ele esperava de um cara que havia traído todas suas ex-namoradas.
Eu costumava a ver o lado positivo das coisas. A esperar o melhor em todas as pessoas. A ser otimista e pensar que, comigo, podia ser diferente.
Encolhi os ombros, sentindo as lágrimas encherem meus olhos com mais força.
- Sabe qual o maior problema? - minha voz saiu trêmula, quase inaudivel.
- Qual, ?
- Eu ainda gosto dele. - seu peito subiu e desceu pesado diante de minhas palavras - Me ajude a não gostar mais dele, .
Senti seus dedos deslizarem dos meus braços para minhas maçãs. Desenterrei o rosto de sua camiseta quando ele começou a enxugar minhas lágrimas, buscando o conforto conhecido que aqueles olhos azuis sempre me ofereciam.
E ele estava lá.
Intocável e alentador, como sempre.
- Se lembra da noite em que nos conhecemos? - a nostalgia suave em sua voz me fez sorrir.
- Me lembro que você foi um babaca porque eu estava usando sapatos de 800 dólares em uma festa underground no Brooklyn.
Ele deu uma risada discreta.
Não era verdade; e ele sabia disso.
- Eu queria ter te beijado aquela noite, sabia?
Fiz uma careta ao encará-lo por cima das lágrimas que ainda embaçavam minha vista.
- Você sabe disfarçar muito bem. - esfreguei meus olhos e apoiei os cotovelos em minhas pernas para poder repousar meu rosto em minhas mãos - Estou há quase um ano me sentindo envergonhada por ter me encantado pelos seus olhos azuis.
O sorriso atravessado que me fizera encantar naquela noite desenhou seus lábios.
- Você precisa parar de fazer isso.
- O quê?
- Dizer coisas que me fazem querer te beijar.
Pisquei algumas vezes, recobrando minha atenção para ter a certeza de que eu havia ouvido corretamente.
Quando meus olhos se fixaram nos seus, senti a atmosfera ficar mais densa. Uma faísca de desejo que eu mal sabia que existia em mim se atreveu a ascender em meu peito.
Eu não sabia se era a tristeza por causa de Heath. Não sabia se isso era algo que eu queria há muito tempo, mas preferi guardar em um lugar secreto e escondido dentro de mim. Quando percebi, estava com a ponta dos dedos acariciando a pele macia do rosto de e me inclinando em sua direção.
- Se você se aproximar mais... - ele soprou e eu senti o seu hálito quente formigar em meus lábios - Eu não vou deixar você sair de perto de mim.
- Por favor… Não deixe.
Nossos olhos se conectaram, cúmplices, por alguns instantes. E então as mãos de envolveram minha cintura e trouxeram meu corpo para perto do seu no instante em que nossas bocas se encontraram.
Ele era doce.
Suave.
Macio.
Por mais que nossos lábios dançassem lentamente um contra outro, eu sentia a recém-descoberta vontade tomar conta do meu corpo de maneira feroz.
Suas mãos deslizaram pelo meu pescoço para apertar minha cintura. Meus dedos dedilhavam o caminho até suas costas.
Eram puro desejo, fome e carinho. E, para minha surpresa, aquela combinação parecia se encaixar perfeitamente.
Quando, com uma mordida sutil, ele separou nossos lábios, hesitei em olhá-lo. Mas sabia que apenas no azul dos seus olhos encontraria o conforto de que eu ainda estava precisando.
Dessa vez, por um, motivo diferente.
E ele ainda estava lá.
Ele sabia que eu estava perguntando, silenciosamente, se aquilo fora um erro.
E embora ainda não soubéssemos, seu olhar me passava a certeza de que, se aquilo fosse mesmo um erro, seria o melhor que já havíamos cometido.
Inverno, dois anos depois
Encarei o pedaço de papel entre os meus dedos, sabendo que ali estavam as palavras mais valiosas que eu podia, um dia, sonhar em ouvir. Era apenas um eu te amo, rabiscado em tinta preta, guardado em uma caixa de lembranças ao lado de nossa cama. Ele havia deixado ao meu lado no travesseiro após a primeira noite que tivemos juntos, quando saiu para comprar café.
Do meu lado, dormia, sereno.
Em cima da cômoda, duas taças de vinho provavam que não precisávamos de muito para uma noite perfeita.
E eu mal podia acreditar que, há dois dias, ele havia me pedido em casamento.
Eu sempre achei que precisava de algo especial para dizer sim. Um anel de diamantes maior que meu punho ou um par de Manolos, como em Sex and The City.
Mas a verdade é que eu só precisava dele. E, por isso, não tive dúvidas em aceitar o pedido que aconteceu no sofá da casa em que dividíamos há um ano, enquanto assistíamos filmes antigos.
Sem anel.
Sem um par de sapatos caros.
Eu sabia que precisava dizer sim porque aquela simples cena de um sábado à noite era o suficiente para me fazer feliz. Eu sabia que, se alguém desse a ideia para de me pedir em casamento como a Carrie e o Big, ele apenas daria de ombros e diria que eu sempre preferi a Charlotte - e então, faria algo exatamente com a nossa cara. Do nosso jeito.
Como ele fez.
Porque isso era quanto ele me conhecia.
E isso era o suficiente para saber que eu não precisava de nada além do carinho e cumplicidade do garoto de olhos azuis que dormia ao meu lado.
Fim.
Nota da autora: Sim, sou péssima em histórias fofinhas e felizes e estou voltando agora para os dramas melancólicos hahaha.
Brincadeiras à parte, foi uma história muito gostosinha de escrever, para uma música muito gostosinha de ouvir. Espero que vocês também gostem de ler!
Nos vemos em outras histórias!
Um beijo enorme <3
Outras Fanfics:
Shades Of Cool Restritas - Longfic - Finalizada
You Fucked Me So Good That I Almost Said I love You Restritas - Longfic - Em Andamento
Me, My Teacher And Our Secrets Restritas - Longfic - Em Andamento
Midnight In Hollywood Restritas - Longfic - Em Andamento
The Beauty Of Being Broken Restritas - Longfic - Em Andamento
Chaos Theory Restritas - Shortfic - Finalizada
Nota da beta: Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Brincadeiras à parte, foi uma história muito gostosinha de escrever, para uma música muito gostosinha de ouvir. Espero que vocês também gostem de ler!
Nos vemos em outras histórias!
Um beijo enorme <3
Outras Fanfics: