11. El Tango de Roxanne

Postado em: 12/03/2019

Capítulo Único

Desejo


— A dama está livre?
Seu vestido vermelho massageou seu corpo quando ela se virou para olhá-lo, um sorriso brincando nos lábios. O decote, profundo o suficiente, destacava seu colo, atraindo o olhar para o cordão de diamantes que usava. No mesmo tom de vermelho que a roupa, sua boca respondeu:
— Sim, señor. — A voz era doce e aveludada, atraindo-o ainda mais. — Tem a minha total atenção.
Pegou levemente na mão dela e debruçou-se para deixar um beijo no dorso. Sem sair daquela posição, olhou para cima e notou quando a mulher abriu um pequeno sorriso. Aos poucos, imitou seu sorriso. Em seguida, endireitou-se e tirou o chapéu de sua cabeça, colocando-o apoiado entre seu dorso e seu braço. A mulher de vermelho acenou com a cabeça a direção que deveriam seguir, até um dos quartos do estabelecimento.
Incomum para aquele tipo de lugar, estava surpreendentemente silencioso. Ele imaginou que os quartos tinham isolamento acústico, o que o intrigava ainda mais. Porém, apesar de ter distraído sua mente ruminando sobre aquela observação, seus olhos não se desgrudavam da figura à sua frente, de costas e andando sutilmente. Pôde notar, com o tempo, que ela usava um salto alto vermelho, porém tão cautelosamente caminhava que o barulho do salto mal podia ser ouvido.
Talvez o chão tivesse isolamento acústico, também.
Soltou uma risada baixa sem querer com aquele pensamento sem sentido.
Señor, por favor, conte-me o que lhe trouxe divertimento. — perguntou, ainda guiando-o pelo corredor. — Estou curiosa.
— Notei o quanto este estabelecimento é silencioso e, ao mesmo tempo, mal posso ouvir seus saltos no chão. — respondeu ele, ainda um pouco surpreso pelo pedido da mulher. — Ou a dama caminha como uma leve pena, ou tudo, incluindo o chão, é revestido com isolamento acústico.
Não chegou a vê-lo, mas a dama em vermelho sorriu discretamente enquanto colocava uma chave em uma das portas, a de número 20.
— É estranho, de fato, señor. Muitos dos homens não conseguiriam tirar os olhos de seu prêmio e de sua excitação, contudo você não só o fez, como também notou que tudo neste estabelecimento foi preparado nos mínimos detalhes. — Destrancou a porta e abriu-a, encarando-o no mesmo momento. — Espero conseguir capturar a sua total atenção da mesma forma que o silêncio e minha escolha de calçado.
Algo no tom elaborado e profundo da mulher fez perceber que tinha adentrado uma situação que não poderia escapar.
Sequer queria.
Caminhou até o pé da cama, móvel central do quarto, e observou as paredes em um tom profundo de vinho, contrastando com o preto dos lençóis e do dorsel. Havia uma pequena cômoda em madeira escura, mas era apenas aquilo. Sentiu mais do que escutou a mulher aproximando-se dele.
Dama, confie no que digo. — Lambeu os lábios ao contemplar a fisionomia dela, seu batom vermelho, marcando sua boca. Não encontrava palavras para descrever a beleza e a luxúria do vestido que usava, e tudo o que via parecia apenas diferentes tonalidades da mesma cor rubra, brincando com sua mente. Finalmente, admirou seus olhos e percebeu o quanto se afetava com a mera mirada que ela podia lhe dar. — Tem a minha total atenção.
Observou enquanto a mulher abaixava as alças do vestido e revelava ainda mais seu colo nu, sua pele reluzindo após ser liberta de sua prisão vermelha. Só aquele pequeno gesto fez o coração de bater mais forte, o sangue imediatamente indo para regiões mais baixas. Sentiu uma forte vontade de beijá-la bem ali, no encontro da pele e vestido, perdendo-se nas cores e nas sensações.
Segurou-a pela cintura, sem qualquer agressividade, e aproximou-a de si. A dama não apresentou qualquer resistência e apenas manteve-se em silêncio, aguardando as próximas ações de . Esperava que ele seguisse o convite e beijasse-a em seu colo, ou no topo do seu seio, ou, então, no seu pescoço.
Surpreendeu-se quando o beijo foi direcionado para os seus lábios, dando início à dança que seus corpos fariam naquela noite.

Paixão


Após aquela primeira noite, ia ao seu encontro pelo menos uma vez na semana, no Molino Rojo. Chamavam-na de Roxanne, a mulher de vermelho, e ela sempre estava esperando por ele durante as noites. Normalmente aguardava-o bebericando algo do bar ou sentada brincando com seu cabelo, trajando seu majestoso vestido carmim.
Era quase um sonho perto demais do sol para ser real: a cortesã que tinha um favorito. Cumprimentava-o com um sorriso, acalentava-o com um beijo e incendiava-o com seu sexo. Era irreal, fantasioso, quiçá utópico.
nunca havia se sentido daquela forma antes, como se seu coração fosse sair para fora de sua caixa torácica a cada toque, cada olhada, cada movimento. Sabia que, quando o dia raiava, tinha de deixar as notas altas na cômoda, despedindo-se silenciosamente e a deixando descansar, já pensando na semana que chegaria e poderia tê-la nos braços uma vez mais.
Entretanto, no momento em que olhava para aquelas notas, sentia um súbito refluxo e uma comoção interna, uma pequena voz dizendo que aquilo estava total e completamente errado.
Não sabia seu nome verdadeiro, não sabia o que gostava de comer, não sabia sua história de vida, o que a levou até ali, sequer sabia se vermelho era sua cor favorita.
Tinha a impressão de que não.
Desejava saber das pequenas peculiaridades a seu respeito, não apenas o superficial. O contexto em que se encontravam não era exatamente propício para aquilo, e ele tinha completo conhecimento disso.
Às vezes, quando repousavam, já na madrugada, fazia perguntas delicadas, tentando obter algumas respostas daquela moça misteriosa a qual intitulavam Roxanne.
Com o passar do tempo, soube de certas informações a respeito dela.
Gostava de comer lomo, de ouvir pássaros cantando no início da manhã, de assistir a documentários, de escutar rock. Após alguma insistência, contou que tinha nascido em uma região pobre da Argentina e que não conhecia seus pais. Riu com a pergunta sobre qual seria sua cor favorita, já que acreditava que sabia que era vermelho.
Não. — a voz do homem saiu enfática. — Sua cor favorita não pode ser vermelho.
Roxanne deu de ombros, ainda rindo da reação dele.
— Por que não? — inquiriu, com um tom curioso.
pigarreou, dando-se alguns segundos para elaborar seu raciocínio. Percebeu que a mulher estava atenta para o que quer que ele fosse falar e não queria envergonhar-se.
— Porque o vermelho é a máscara que você usa para que nunca cheguem perto de te alcançar. — respondeu cuidadosamente. — É para a sua proteção.
Parecia que Roxanne iria falar mais alguma coisa, talvez discordar, argumentar ou dizer que ele estava vendo algo onde não havia. Entretanto, ela apenas piscou os olhos, um pouco conturbada, e virou-se para apagar a luz do quarto.
Alguns instantes de silêncio preencheram o ambiente agora escuro antes da mulher dizer algo.
— Boa noite, señor.
iria prontamente respondê-la, quando notou, pelo uso do “señor”, que em nenhum momento havia dito seu nome para ela.
Por alguma razão, acreditou ser aquele o momento ideal.
.
Roxanne já estava de olhos fechados e abriu-os na escuridão.
— Como é?
— Meu nome é .
Aquele parecia ser o final da interação entre os dois antes de dormirem. O homem estava debatendo internamente seu arrependimento por ter aberto uma porta indesejada, até ouvir a voz aveludada de Roxanne uma última vez.
— Boa noite, .
Era bom escutar seu nome saindo dos lábios borrados de batom dela.

Suspeita


Na semana seguinte, estava decidido de que iria perguntar o nome verdadeiro de Roxanne. Queria deixá-la à vontade para abrir-se com ele, talvez construir uma confiança que a fizesse largar aquele lugar e o acompanhasse. Ele a ajudaria a construir sua vida de uma maneira diferente sem sequer hesitar. Roxanne precisava saber daquilo, saber o quanto ele estava enfeitiçado por ela.
Ele devia isso a ela mais do que as notas que deixava durante as madrugadas na cômoda.
Assim, parte esperançoso, parte apreensivo, entrou no Molino Rojo e dirigiu-se até onde normalmente encontrava Roxanne, à sua espera, sozinha com seus pensamentos ou um copo de bebida.
Daquela vez, para a sua surpresa, não a encontrou nem com seus pensamentos, nem com um copo de bebida.
Tampouco sozinha.
O homem que conversava com ela parecia ser um pouco mais velho do que ele, com algumas marcas de expressão. Falava algo baixo, como se não quisesse ser ouvido. Notou que Roxanne dava, às vezes, pequenas risadas, mas estava atenta ao que o homem dizia.
Algo borbulhou dentro de , e seu primeiro impulso foi avançar em cima daquele indivíduo. Conteve-se, contudo, refletindo que poderia estar interpretando erroneamente a situação.
Lentamente caminhou em direção aos dois, tentando compreender sobre o que estava sendo aquela conversa. Se escutasse algo que minimamente se assemelhasse a uma sugestão provocativa, interromperia imediatamente.
No entanto, Roxanne foi a que cessou o bate-papo, tendo reparado na aproximação de . Fez algum gesto com a cabeça e despediu-se do homem, que logo se dirigiu para a saída do estabelecimento.
. — ela cumprimentou-o, sorrindo, o vestido vermelho mais vibrante do que nunca.
Só de ouvir o seu nome dito por ela, o coração dele voltou a bater forte novamente, e decidiu não se deixar levar por uma situação que não lhe dizia respeito. Tinha uma missão à frente, que necessitava de sua atenção.
Precisava descobrir como Roxanne verdadeiramente se chamava.
Para seu desespero, algumas horas depois, obteve a resposta dela. Foi simples e curta, independente das insistências do homem sobre o assunto:
— Meu nome é Roxanne, . Esse é o único nome que preciso ter.
Foi a resposta daquela noite e da próxima, e da próxima, e da próxima.

Ciúmes & Raiva


Ela não o estava esperando. Não estava atrasado, tinha chegado na hora que sempre havia chegado. Havia outras moças conversando com pessoas, o movimento era o usual. Porém, ela não estava lá. Procurou por toda parte daquele salão, e um pequeno pensamento em sua mente estava dizendo-o que ela devia estar no quarto 20.
Com outro alguém.
Outro alguém que não era ele.
Com o coração chorando, desejando ardentemente que aquilo não fosse verdade, dirigiu-se até o quarto, sozinho pela primeira vez. Sabia que não haveria barulho e a porta estaria trancada de qualquer forma, mesmo com ou sem alguém ali. O que indicaria a presença seria a sombra de luz pelo vão da porta.
Roxanne gostava das luzes acesas.
Em sua cabeça, enquanto aproximava-se do cômodo, pôde apenas pensar naquele dia há quase um mês, em que ela conversava com o homem mais velho. Podia ver tão claramente os olhos dele em seu rosto, as mãos nas suas, os lábios acariciando a pele dela, retirando seu vestido. Possuindo-a, dando-a prazer, sendo satisfeito por ela, como era todas as noites. A imagem era tão nítida como se estivesse naquele quarto, olhando enquanto os dois realizavam sua própria dança.
Era mais do que ele conseguia aguentar.
Vendo apenas o vermelho da raiva, diferente de todos os outros tons de vermelho que já tinha experienciado no Molino Rojo, chegou até a porta. Estava pronto para arrebentá-la e resgatar Roxanne do homem, de prometer o que queria há tempos fazer, de lhe dizer o quanto lhe amava.
Porque aquela era a verdade: amava-a. Mais do que deveria, mais do que julgava correto, mais do que ele era capaz de amar outra pessoa na vida. Conhecia seus movimentos, seus gemidos, suas risadas, seus calores, sua perspicácia, seu humor.
Apenas não sabia o seu nome.
No final da mistura de amor com raiva e paixão com ciúmes que sua mente insistia em percorrer, contemplou a luz apagada do vão e deu um suspiro.
Retornou para o salão, sem saber o que fazer, e, logo em seguida, viu Roxanne sair de uma das portas mais para o fundo. Ele sabia que era ali que ficava o banheiro feminino.
Quase deu um tapa na própria testa.

Traição


— Você está agindo estranho hoje, . — Roxanne estava sentada na cama, esperando o homem falar o que o estava atormentando.
Ela havia notado que algo não estava normal quando, em vez de vir da porta principal, ter aparecido pelo corredor. Além disso, ele não havia correspondido o seu sorriso, muito menos mostrado sua faceta relaxada e alegre por estar encontrando-a de novo.
— Eu não… — Colocou as mãos nos cabelos, em um gesto de inquietude. — Eu não sei o que estou fazendo.
Ela amenizou sua expressão e tentou colocar em sua voz o máximo de conforto que conseguia.
— Pode falar comigo, . Confie em mim.
Aquilo pareceu ter o efeito oposto do que Roxanne esperava, porque o homem a encarou subitamente, uma raiva crescente que ela nunca havia visto em seus olhos.
— Confiar em você? — O tom irritado a magoou, compreendendo da onde vinha aquela raiva e o comportamento incomum de . — Quando o amor é para quem paga mais, Roxanne, não há confiança.
Com aquilo, a mulher levantou-se, seu vestido espalhando-se no ar e aumentando o mar de vermelho daquele cômodo.
Amor? — Cuspiu a palavra, rejeitando-a. — Chama isto de amor? Eu sou uma prostituta, !
Ele odiava aquela palavra. Odiava saber de suas posições, da hierarquia, de que havia sempre uma dúvida de se ela realmente gostava e queria transar com ele.
Era seu trabalho.
Seu corpo.
Seu vestido.
Sua ilusão.
— Mas eu te amo, mierda! — Aproximou-se dela, anunciando o fato a poucos centímetros de seu rosto. — E eu posso ser o homem mais estúpido do mundo por amar uma prostituta, mas é a verdade!
— Você está confundindo as coisas, señor. — Ela deu dois passos para trás, não conseguindo suportar a intensidade do olhar de — Não sabe o que diz.
— Acredite quando digo que eu te amo. — Sua expressão suavizou-se um pouco, percebendo, de repente, que não adiantava a raiva naquele momento. — Por favor, Roxanne...
— Pare. — ela alertou, ainda mantendo uma distância entre eles.
— Você não precisa usar esse vestido, nem vender seu corpo para a noite. — disse, ainda a encarando e vendo o vermelho. Não mais de seus olhos, mas das roupas dela. — Eu posso te ajudar.
Queria que as máscaras caíssem.
— Não. — Roxanne percebeu as lágrimas em seus olhos começarem a se formar com aquela promessa de muitos, cumprida em momento algum, jogada ao vento como palavras obsoletas.
Viam o vestido e o corpo e o batom e o sorriso e o gemido e o orgasmo e o vermelho e nunca, nunca, nunca a mulher.
Queriam falar de amor só sabendo falar da carne.
— Sou devoto a você, Roxanne. Quero poder verdadeiramente te conhecer, mas, com tão pouco que conheço, já te amo. — Colocou as mãos nos ombros dela, fazendo um carinho. — Você não se abre para mim, e eu posso esperar o quanto for necessário para você se sentir confortável para isso.
O toque dele era como uma brasa marcando sua pele. O interior dela gritava para ir embora, nunca mais aceitá-lo no Molino Rojo, nunca mais tê-lo como…
Cliente?
Sim, ele era um cliente no início. Contudo...
— Confie em mim. — falou baixinho para ela, com certa firmeza — Me desculpe pelo o que disse antes. Seu amor não está e nunca esteve à venda, Roxanne.
não sabia daquilo, mas ela não se deitava com mais nenhum homem a não ser ele há algum tempo.
O único que pagava mais.
Regularmente.
Aquelas eram as desculpas dela para tal.
Não queria olhar, nem sentir, nem ver.
Não queria mais aquilo.
— Estou aqui para você, Roxanne–
— Meu nome é , hijo de puta! — ela gritou, assustando-o por conta da proximidade dos dois. Só percebendo depois de alguns instantes o que havia feito, arregalou os olhos.
Traíra o vermelho.
E, com a ajuda de , nunca mais voltaria àquela cor de novo.


Fim



Nota da autora: Olá, pessoal! Espero que vocês tenham gostado.
Vou só explicar algumas coisinhas. De acordo com a cena de Moulin Rouge, essa música especificamente conta a história de uma prostituta e um homem, que se apaixonou por ela, e se passa na Argentina. Por isso traduzi Moulin Rouge para Molino Rojo, em espanhol, e por isso também que algumas palavras espanholas aparecem e estão em itálico. Os títulos que aparecem na história referem-se à cena do filme mesmo, que se enumera as "fases" desse romance.
Além disso, apesar da narração estar em terceira pessoa, a maior parte da história é contada do ponto de vista do homem. Isso influencia um pouco em como as coisas aconteceram e foram contadas.
Foi uma delícia escrever essa pequena fanfic! Acho que é isto. Obrigada por terem chegado até aqui!
Beijos no core iluminado de vocês,
Caroline.





Outras fanfics minhas:
01. The Eve (Ficstape #111: EXO - The War/Finalizada)
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12. Disenchanted (Ficstape #068: My Chemical Romance - The Black Parade/Finalizada)
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