Finalizada em 01/08/2021

Capítulo Único

Sem movimento no local, sem clientes, observava os quadros que decoravam a parede mais comprida da padaria. Sentada diante do caixa, ela analisava os mais de vinte anos de tradição dos naquele ponto enquadrados em fotografias antigas: a inauguração, o auge do lugar que os pais dedicaram metade da vida para levantar. Não restava quase nada daquele brilho agora.
As tecnologias chegaram e o mercado rodou, no entanto os progenitores não acompanharam.
- Deveríamos trocar a disposição das mesas. A forma como elas estão distribuídas no salão não é a mais convidativa para que os clientes entrem e queiram ficar. – insistia sempre que podia, recebendo um abanar de mãos do pai.
- Bobagem! Aquele que decidir entrar vai ser sempre fiel ao nosso trabalho duro e sabor.
- Poderíamos pelo menos reformar a fachada e pagar por um novo letreiro. – lembrou-se dos dias que passava pela rua direto para ir à faculdade, a porta de entrada da padaria dos era praticamente engolida pelas lojas ao redor, quase como se nem existisse levando a placa desbotada que levantava o sobrenome deles.
- Não creio que tenhamos orçamento para isso no momento.
- Eu posso cuidar disso! – a filha bateu no peito, chamando a responsabilidade para si – Eu posso arranjar um projeto e bons fornecedores...
- Esqueça! – o mais velho a cortou – Não se esqueça da condição que sua mãe e eu deixamos imposta, . Só assumirá a liderança da padaria quando arranjar um marido.
Ela grunhiu insatisfeita. A exigência era tão ultrapassada quanto a decoração do salão. sentia-se injustiçada, começou a ajudar com os afazeres antes de ingressar no ensino médio, sabia a rotina do estabelecimento, tinha os contatos dos fornecedores nas palmas das mãos e principalmente do que eles precisavam ou não no momento. Já comandava grande parte das atividades indiretamente. Todavia, os pais insistiam que ela só estaria passível de assinar decisões maiores quando tivesse um homem ao lado.
- Não faça esses sons para mim! Não é respeitoso com quem é seu pai.
- E você quer que eu faça o quê? – o tom de voz subiu e o mais velho balançou a cabeça reprovando a postura agressiva e fora do esperado para uma dama – Eu também ajudei a padaria a crescer! Dou duro todos os dias, mas vocês insistem em colocar a companhia de um homem acima de tudo. – exasperou, sentindo a garganta queimar, como toda vez acontecia quando a sensibilidade estava atacada.
- Ter alguém do seu lado é indispensável...
- Eu não preciso de ninguém! – seus orbes saltaram um pouco.
- Vai me deixar falar? – observou o pai em sua calma usual, sem nenhum indicativo de nervos a flor da pele – Não ficará jovem para sempre. É bom que tenha alguém com quem contar nos momentos difíceis, alguém para apoiar e se apoiar. Nós, pais, não duraremos para sempre, então quando ficar velha, sem marido ou filhos, com quem vai contar? – permaneceu reflexiva por instantes.



- , vá pedir por dois pacotes de trigo emprestados aos vizinhos da frente.
A mulher escorada no caixa encarou a mãe com um olhar pedindo por misericórdia. Nenhum deles sentia-se muito à vontade pisando no território dos concorrentes da rua, apesar deles terem se provado simpáticos e abertos em várias ocasiões.
- Por que eu?
- Porque seu pai mandou. Rápido. Já estamos atrasados na produção e se continuar parada, não teremos pão hoje.
A começou a remover o avental amarrado a contragosto.
- Uma padaria que não está preparada para fazer pão... – despejou desaforada antes de sumir pelas portas do estabelecimento.
Sempre que estava a poucos passos da padaria dos , o coração começava a palpitar mais forte. Apenas uma ruazinha os separava. Os concorrentes eram uma família gentil e trabalhadora, assim como a dela, mas nada mudava o fato de que o ego ficava ferido com as visitas que a obrigavam a fazer. Mesmo com todo o carisma, eles eram rivais de negócios em uma competição saudável e indireta para definir quem eram os donos da rua. Enquanto os eram tradição, eles ofereciam modernidade e um cardápio amplo. sentia o ego abalar sempre que precisava recorrer aos outros para darem conta do serviço. Se os pais ao menos a deixassem comandar tudo...
De costume, era o herdeiro dos que assumia o balcão. Aproveitou-se para dar uma espiada de soslaio pelo lugar a fim de conferir o movimento e deparou-se com um número razoável de clientes ao mesmo tempo em que no deles estava vazio. A sensação desgostosa de estar ali cresceu.
- Sua mãe está, ? – o rapaz que esfregava o tampo do balcão com álcool assentiu – Pode chama-la?
- Está horrível, . – falou sem maldade ao reparar nas linhas de expressão levemente contraídas no rosto dela.
- E eu te perguntei alguma coisa? – infelizmente, a paciência para o dia estava curta – Só pedi para chamar a sua mãe!
, que era um ano mais velho e ocupava a mesma posição que ela na cadeia alimentar, arregalou os olhos com tamanha grosseria. Ambos eram filhos de padeiros ajudando nos negócios da família, e mesmo com as similaridades, ainda via a disparidade das personalidades: era afobada, incapaz de guardar os pensamentos para si. O temperamento quente a fazia cuspir palavras que, na maioria das vezes, não parava para analisar, dando margem para más interpretações.
A sorte dele é que já estava vacinado contra aquilo, exibiu um sorriso debochado antes de abrir a boca:
- Do que precisa? Ela está um pouco ocupada no momento.
- Vocês... – mordeu o canto interno da bochecha arrependida pela forma rude com que se portara, não era daquele jeito que se tratava alguém que estava prestes a ceder um favor – Não teriam dois sacos de farinha sobrando para emprestar?
- Creio que sim, vou confirmar. Pode ficar só de olho nos clientes para mim, por favor?
assentiu, juntando as mãos diante do corpo, mirando por todo o redor, conforme se ausentava. Não demorou muito para que esse retornasse com um saco de cinco quilos em cada mão.
- Aqui estão! Dois sacos de farinha novos! – ergueu o conteúdo dos sacos com facilidade e não conseguiu não reparar em como os músculos nos braços dele contraíram com o esforço. Aquelas mangas da camisa branca que usava de uniforme pareceram não serem páreas para os bíceps dele.
Feito uma sombra, a senhora surgiu segundos depois dele, limpando as mãos úmidas no avental bem usado.
- Seus pais vão bem, ?
- Estão bem e você? – aproximou-se para receber a farinha das mãos de – Tudo certo?
- Tudo certo! – assentiu com um sorriso – , filho, ajude-a a carregar a farinha pelo menos até a porta deles.
- Não precisa! – prontamente rejeitou – São vocês que estão nos fazendo o favor já, eu seria incapaz de tirá-los do posto. Não se preocupem...
- Não tenho nenhum problema em ajudar, . – fitou-a seriamente, demorando-se mais que o esperado por ela ter retribuído.
- Er... Não precisa... – reiterou – Eu consigo carregar sozinha. É só uma rua!
- Então... – levou as mãos aos bolsos da calça – Justamente por ser uma rua que não tem problema. Vamos! – adiantou um passo, puxando o saco que acabara de passar a ela.
- Não, !
- !
Outra vez, os dois trocaram olhares demorados.
- Aceite, querida!
A voz da mãe dele foi o que os despertou.
- Certo... – ainda sentia-se incerta – Muito obrigada, senhora ! – acenou sem-graça, empurrando a porta para que saísse antes.
- Sempre que precisar!
Enquanto caminhavam em passos de pinguim, questionava se a mulher realmente lhe jogara uma piscadela, ou fora somente sua impressão.
- Aconteceu alguma coisa hoje?
A pergunta dele a fez franzir o cenho.
- Do nada isso? Bom... – parou diante do sinal que fechou – Não. Ainda não. O dia está só começando. – reforçou os dedos contra o pacote que escorregava dos braços – E você? – quis saber enquanto espiava os dois lados da rua embora ela fosse de uma via apenas.
Cada um carregava um pacote diante do corpo, entre os braços, como se tivessem uma criança no colo.
- Nada muito novo. – suspirou.
- Hm... Bem, muito obrigada pela ajuda com a farinha.
- Por nada! Sempre que precisar.
O bonequinho em luz verde piscou.
- Já viu isso? Padaria que quase ficou sem pão? – puxou para que a conversa não morresse, arrancando uma risada gostosa.
- Vocês estão sem pão? Sabe que podem pedir, não sabe?
- E a dignidade fica onde, amado? Um padeiro que não vende os próprios pães. Meu pai pediria para se aposentar antes que isso pudesse acontecer... Bem que podia acontecer... – sussurrou a última parte.
- Por quê? – as sobrancelhas dele se levantaram em curiosidade.
- Não sei se percebeu, , mas eles já não são tão novos. Tudo o que quero é que reservem um tempo para aproveitar melhor a vida... Que descansem e deixem o pesado comigo. Porém, eles se recusam a me deixar no comando enquanto não arranjar um marido. – soltou o saco de farinha no chão ao chegarem na entrada da padaria dos pais.
- Hm.
- Desculpa despejar tudo isso em você. – riu nervosa – Como não acrescenta muita coisa, é só ignorar e esquecer.
- Sem problemas. Se seus pais não liberarem a padaria, posso te convidar para assumir a minha.
Diferente dela, ele não tinha muito interesse nos negócios da família. A mãe é quem vivia botando a pressão para que ele tomasse jeito. Mal sabia que ela era uma das candidatas favoritas da mãe para se tornar nora.

- Olhe para o exemplo da . – mãe e filho observaram através da porta de vidro – Veja como ela trabalha e ajuda os pais e sabe o que quer.
- Eu ajudo vocês também. – protestou.
- Mas parece um saco morto às vezes. – a mulher declarou espirituosa – Meu sonho é que alguém como ela possa te motivar cada vez mais. Ela é uma líder-nata. Tem movimentos precisos e firmes. Ela, sim, te puxaria para cima, filho.
estava espiando escondido atrás do vidro por incentivo da progenitora, mas tinha certeza que se buscasse os olhos dela, os veria brilhando mais que qualquer constelação.
Ela jurava que a solução para endireitar qualquer homem era uma mulher bem resolvida e decidida.


- Ótimo! Pois pode me chamar mesmo. Seria o meu sonho ter o controle dessa rua toda? – brincou – Obrigada outra vez, . Prometo que devolveremos os produtos o mais breve possível. – esticou os braços para receber o conteúdo que ele abrigava.
- Tranquilo.
- Darei um jeito de recompensá-los. Obrigada mesmo!
- Até mais, . – estava prestes a dar a volta para retornar ao trabalho e acabou desistindo no meio do processo – ... – chamou pela mulher que levantava a farinha pelos cantos do saco com cautela para não rasgá-los.
- Fala!
- Tente não se estressar muito com os seus pais. Eles só estão pensando no seu bem-estar.
- É justamente por ser bem crescida que entendo que posso trilhar o meu caminho. Eles deveriam estar preocupados em cuidar de si mesmos.
- Tudo bem. – deu os ombros – Tchau, .



- Eu tenho uma proposta. Já desejou ser atriz em algum momento, ?
- Ih, lá vem...
- Precisamos de companhia para que nossas famílias nos deixem em paz. Por que não unir o útil ao agradável? Você se passa pela minha companheira e vice-versa quando estivermos diante dos nossos pais...
- Pode ser!
- Pode ser? – se assustou com a rapidez com qual ela concordou.
- Por que o choque?
- Esperava um pouco de resistência de sua parte.
- Eu? Jamais! Se não fosse você, seria um agiota qualquer que a internet me recomendasse.
- Você não pode estar falando sério, ! – a boca se escancarou.
- Pelo contrário, eu só falo sério.
- Ok. Podemos combinar as histórias?
- Manda a ver!



Todo dia, faltando trinta minutos para fecharem, ia buscar o rodo para dar uma última passada de pano no piso. Naquele dia, além da limpeza, ainda restava um cliente para sair.
- Deveria dar um toque nele, mãe! Vamos ficar aqui esperando para sempre?
- Concordo com a , querida. Sabe-se Deus quanto tempo mais ele vai precisar para finalizar o copo de café?
- Não vamos expulsá-lo. Ele é nosso cliente de longa data e sempre gasta uma nota aqui. Não correrei o risco de perder a minha mina de ouro.
Em meio a discussão, um rosto familiar que estava se tornando frequente no local apareceu soando o sino da porta. A mais nova rapidamente correu para atendê-lo.
- O que faz aqui?
- Sentiu minha falta, namorada?
- Estou limpando o chão agora. – ergueu as mãos para exaltar o charme das luvas de borracha.
- Como você disse que preferia não anunciar o relacionamento, mas fingir e fazer demonstrações de romance no ar para que eles criassem suspeitas por conta própria, achei que seria uma boa hora para aparecer. – deu um dos melhores sorrisos.
- Boa ideia. Agora se aproxima um pouco mais, como se estivesse compartilhando um carinho ou coisas engraçadas.
- Seu pai é padeiro, ? – sussurrou forçando uma sensualidade fofra do comum ao deslizar os braços meticulosamente pelo quadril da mulher até que se entrelaçassem um pouco acima da bunda dela.
- É, sim, . – rolou os olhos – Por que a pergunta?
- Porque você é um sonho! – riu mesmo a piada sendo previsível, um riso de compaixão – O meu melhor sonho. – inclinou o rosto para beijá-la, sabendo que eram assistidos pelos mais velhos.
De longe, pareceu realmente que eles trocavam juras de amor. Após uma pequena demonstração de falso amor, recebeu um passe livre para se juntar a eles.
- Sogros... – chegou na intimidade – Podem ir para casa descansar. Eu me certifico de ficar com aqui para desligar tudo.
- Jamais, ! Só porque esta acompanhando , não quer dizer que deve nos poupar do nosso trabalho. Pode sentar e ficar quietinho enquanto finalizamos, querido.
- Eu faço questão! Podem ir! Ela estará segura comigo.



aguardava ansiosa para que o homem passasse o cartão e a comanda para que pudesse fechar o fluxo do caixa, porém ao contrário do que esperava, recebeu um pedaço de guardanapo apenas.
- Para você! – o cliente fiel insistiu e ela pensou se seria rude ou desconfortável recusar. Por fim, recebeu e jogou em um canto do caixa. Depois ela cuidaria daquilo.
Da primeira banqueta ao lado do caixa, acompanhava as interações pelo canto dos olhos.
- Vamos! Abra o papel! – o homem insistiu depois dela ter aceitado.
Contraria, as entranhas dela se apertaram em nojo ao decodificarem o conteúdo no papel. Aquela era uma declaração meia boca de um homem muito mais velho que descobriu que a observava esse tempo todo. Enquanto corria pelas mesas para limpar e distribuir os pedidos, aquele maldito ficava acompanhando as curvas que o corpo tinha e fazia.
Muito tenebroso.
- Ew! Não vai rolar, senhor. – o rosto se contorceu em caretas imediatamente.
- Oh, mas por que não? – o cliente avançou, querendo invadir o lado interno do balcão para tocá-la. – nesse instante, cansou de fazer papel de invisível.
- Acho que a moça disse não, meu senhor. – conteve o homem pelo braço – Não vamos deixar a atmosfera pesada, sim? – forçou um sorriso.
- É o namorado dela?
Pelo grande beijo que trocaram na entrada, o estranho deveria deduzir que sim. Entretanto, ele parecia alheio aos acontecimentos.
- Não sou. – precisou crispar os lábios para não contestar a resposta dele – Mas não vamos perder a cabeça, hum?
- Está certo! – o mais velho o mirou com desconfiança e irritação – Avise a sua mãe para descontar o que eu devo diretamente dos créditos que tenho sobrando, mocinha. Até outro dia. – sumiu apressadamente, deixando sem saber se era pelo constrangimento, ou não.
- Por que disse que não era o meu namorado? – indagou com as mãos na cintura assim que certificaram de que estavam a sós.
- Porque, tecnicamente, é minha esposa, não namorada. – rolou os olhos – E outra: ele deveria te respeitar pela sua resposta de recusa, por você ser uma mulher, e não por eu ser seu parceiro.
A forma terna, porém séria, com qual explanou fez os sentidos de balançarem um pouco, verdadeiramente tocada por tamanha sensibilidade e consideração.
- Obrigada. – murmurou, contendo um sorriso.



- O que foi? Algo te preocupa? – se virou ao reparar que ela brincava com as mãos, inquieta.
“Apenas tudo”, ela quis responder.
- Um pouco sufocada. Meio enjoada. Você não sente que essa mentira cresceu muito? – sentia vontade de sair correndo da imobiliária.
- Planejamos coisas para muito além da etapa em que nos encontramos agora. Está arrependida? – o peito dele afundou um pouco com a possibilidade – Quer desistir? É melhor falar antes de pegarmos as chaves do apartamento. Depois vai ficar uma burocracia...
- Não. Vamos adiante, por favor.



O combinado era que cada um ficasse em seu quarto no apartamento alugado e quando houvesse visitas, um deles cederia a cama. No entanto, com o passar dos dias, a cláusula pareceu perder o sentido para . O apartamento era relativamente grande e silencioso. Ela não gostava daquela solidão toda, sabendo poderia não ficar só.
- ... – pronunciou sem graça quando o viu se levantar com o fim do filme, prestes a se recolher – Pode ficar comigo essa noite? – imitou os movimentos dele, deixando o sofá e desligando a televisão.
- Sempre, .



FIM



Nota da autora: Todo o meu amor para você que chegou até aqui. Obrigada por ter reservado um tempo para dar chance à história! Ela ficou bem corrida, mal foi postada, mas já quero reescrevê-la. Sinto que essas últimas semanas têm sido como um apagão: ando meio perdida e desanimada. Peço desculpas e prometo melhorar <3 Muito obrigada pela compreensão! Se cuidem e fiquem bem.

Beijos,
Ale





Outras Fanfics:

Universo de Harry Potter:
Felicitatem Momentaneum (principais interativos)
Finally Champion (Olívio Wood é o principal)
Finally the Refreshments (sequência de Finally Champion – restrita)

Algumas ficstapes:

05. Mobile
09. I Don’t Have to Try (restrita)
10. Fuego


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