Última atualização: 17/01/2021

Capítulo único

2010,

Era o início de uma nova era. O dia tinha amanhecido ensolarado e interpretou como um sinal de que tudo o que planejou durante toda a sua vida estava pronto para ser concluído. Tinha trabalhado consigo mesma a ideia de uma vida simples, mas feliz, onde pudesse levar justiça para aqueles que não tinham meios para comprá-la. Mas como recém formada, não tinha recebido muitas oportunidades de emprego nos últimos tempos. Muitos escritórios de Direito Penal se ofereciam para receber estagiários não remunerados, mas nenhum se mostrava disposto a realmente contratar alguém que não tivesse muitos anos de experiência.
Mas tudo mudou quando recebeu seu primeiro caso. Mark Fleming, relativamente jovem, foi acusado de mandar matar o Vice Presidente de uma empresa multinacional onde trabalhava como encarregado de elevador. Tendo três crianças para sustentar com um salário mínimo, não teve condições de pagar pelos serviços de um advogado experiente. E misteriosamente, em todo o estado, nenhum dos advogados da assistência jurídica quis o caso.
Mas ao se voluntariar para salvar esse homem do corredor da morte, sentiu que estava fazendo o que realmente nasceu para fazer. Acreditava com todas as forças na inocência de seu cliente e estudou todos os meses que teve para defendê-lo da melhor forma. Acordou cedo no dia da audiência e colocou o terninho que considerava mais respeitável. Chegou antes de todos para se preparar, mas como já sabia perfeitamente tudo o que tinha que dizer, a ansiedade começou a tomar conta de seus pensamentos.
Sabia que as provas eram apenas circunstanciais e que isso não era o suficiente para condená-lo. Mas também sabia que esse era seu primeiro caso, ela tinha acabado de se formar e não tinha experiência nenhuma. O que garantiria que ela conseguiria falar qualquer coisa com tantas pessoas a julgando?
bufou e se levantou, resolvendo andar um pouco para espairecer. Muitas pessoas já tinham chegado e agora conversavam baixinho enquanto ela andava pelos corredores. Podia ouvir perfeitamente os comentários nas suas costas.
— Tadinha, ela não sabe onde se meteu.
— Tão jovem para tentar algo nesse nível.
Caminhou mais um pouco, não demorando a passar por outro grupo.
— Eu fiquei sabendo que ninguém queria esse caso, ela foi a única opção.
— Ela realmente parece a última opção — um homem riu, fazendo com que ela corasse.
Respirou fundo e levantou a cabeça, não ia deixar que a diminuíssem dessa forma. Se virou lentamente e sorriu, sendo recebida com sorrisos sarcásticos.
— Fiquei sabendo que todos os jurados foram comprados — o mesmo homem sussurrou para os companheiros, fazendo questão que a garota ouvisse — perder essa acusação acabaria com a imagem da empresa.
Conteve o impulso de levar a mão à boca, obviamente ele só estava querendo assustá-la, e se distanciou o mais rápido que pôde na direção do bebedouro. Talvez um pouco de água gelada conseguisse clarear a sua mente. Se abaixou para pegar um copo quando ouviu alguém sussurrar seu nome.
?
Olhou ao redor demorando para identificar o dono do sussurro. Em uma sala escura com a porta entreaberta, um par de olhos a encarava com expectativa.
? — chamou de novo.
olhou para suas costas checando se não estava sendo observada e entrou para se encontrar com a voz misteriosa. Nada suspeito, pensou.
Só quando se deparou com a silhueta de uma mulher percebeu que estava prendendo a respiração. Respirou mais uma vez para ter certeza de que seu corpo estava funcionando corretamente e deu um passo à frente.
— Quem é você? — franziu as sobrancelhas — E o que você quer?
— Você é a advogada de defesa, não? — ela sibilou — Mais jovem do que eu pensava.
A garota revirou os olhos.
— Vou repetir apenas mais uma vez. Quem é você e o que quer?
— Sou uma amiga — a mulher inclinou a cabeça e sorriu — E quero te dar um presente. Suponho que tenha ouvido que o júri foi comprado pela corporação?
Relutante, assentiu.
— Então talvez você precise disso — ela lhe entregou um cd — use com sabedoria.
— O que tem aqui?
— A única coisa que vai te permitir ganhar essa noite.
E com isso ela se afundou novamente nas sombras.
saiu atordoada. Se sentou em um dos bancos na porta do tribunal e pegou o notebook para ver o conteúdo do cd, mas antes que pudesse tirá-lo da caixa, seu nome foi chamado. Guardou a caixa no fundo da bolsa e prometeu que não o usaria independente do que acontecesse. Com esse pensamento, entrou na sala.

As coisas não estavam indo bem. Por mais que ela insistisse e argumentasse, o júri parecia claramente inclinado ao lado da acusação. Talvez o homem do corredor estivesse certo e eles foram subornados. Não era de julgar as pessoas pela primeira impressão, mas ele realmente parecia o tipo de pessoa que se submeteria a qualquer coisa por alguns milhões.
— Segundo o laudo da perícia, a morte ocorreu entre as 19h30 e às 20h30, horário que meu cliente já estava em casa — falou pelo o que parecia a terceira vez. Como ninguém parecia perceber que não estar na cena do crime era a maior das provas de não ter cometido o crime?
— Tem testemunhas?
— A família.
— Objeção, meritíssimo — o advogado de acusação interrompeu — Artigo 477. O cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade é impedido de testemunhar contra ou a favor do réu.
— Muito conveniente — sussurrou, forçando um sorriso. A última coisa que precisava agora era que percebessem o quanto ela estava nervosa, mas também não esperava que o cara ao lado decorasse cada linha do código penal.
— Objeção aceita. A senhorita gostaria de fazer mais alguma colocação?
exitou. Tinha plena consciência da sua bolsa colocada às pressas na cadeira ao seu lado e mais ainda do cd dentro dela. Que uma pessoa completamente estranha entregou. Mas e se ela fosse realmente uma amiga? E se a vida de seu cliente estivesse nas mãos daquela silhueta?
— Bom, nesse caso… — o júri levantou o martelo, pronto para decidir.
Todos no local sabiam qual seria o veredito. Olhou de relance para seu cliente que suplicava com o olhar, a família não pôde comparecer ao julgamento e se as coisas dessem errado ela provavelmente seria a última a vê-lo vivo. Não morreria a princípio, os condenados ficavam anos no corredor da morte e a grande maioria morria por causas naturais. Mas sabia que não deixariam que ela tivesse contato com ele se acabasse no corredor e muito menos teria alguma chance de sair de lá.

— Espera! — falou o mais baixo que conseguiu, o que foi um quase grito — Eu tenho mais uma prova.
Procurou as pressas pelo cd e fechou os olhos por alguns segundos torcendo para estar fazendo a coisa certa. Então se levantou e caminhou até o reprodutor de dvd velho no canto da sala.
— E do que exatamente se trata esse dvd? — o juiz perguntou.
Mas já tinha dado play e as cenas inundavam a sala. Um silêncio ensurdecedor tomou conta do ambiente e no momento em que viu o brilho no olhar do outro advogado, soube que tinha feito a coisa errada.
As imagens mostravam claramente Mark entrando no elevador junto com o vice-presidente. Tinha sido a última pessoa a vê-lo com vida, mas as imagens da câmera de segurança tinham desaparecido. Até aquele momento. No take seguinte o vídeo avançou quarenta minutos e mostrava o corpo ensanguentado dentro do elevador. Sua secretária havia o encontrado quando estava saindo. Ninguém esperava que ela trabalhasse até mais tarde aquele dia, muito menos o assassino. E além de tudo, era apenas mais uma prova circunstancial, mas que ela havia entregado na bandeja para o lado inimigo.
— Eu, eu não — sentiu os olhos se encherem de lágrimas e começou a falar mais alto e mais enrolado — Não era isso… Eu… — Controle-se — o juiz pediu, mas não foi capaz de atender. Acusou a empresa de forjar provas e sentenciar um homem inocente a morte. Por pura sorte escapou de ela mesma não ser presa naquele momento. E então cometeu o erro de olhar para Mark, o que partiu seu coração. Também com lágrimas nos olhos ele parecia estranhamente conformado. Então com o estalar do martelo, o juiz deu sua sentença e se preparou para recorrer.

No dia seguinte todos comemoravam a condenação do suposto assassino. Sua cara estampava os jornais impressos e noticiários. A justiça tinha sido feita. Menos para . Tinha entendido tudo ao reconhecer a silhueta da sala vazia de braços dados com o CEO da empresa, ou talvez fosse apenas sua imaginação, mas sabia que tinha sido sabotada. Não levantou da cama por semanas depois do caso. Alguns amigos e colegas de faculdade mandavam mensagens para saber se ela estava bem, e entre eles, várias chamadas perdidas do seu melhor amigo . Sabia que poderia ignorar todos, menos ele. Então pegou seu celular e digitou apenas algumas palavras para tranquilizá-lo “Vou ficar bem” e se sentou na cama, para voltar a investigar.



2012,

Na faculdade dizem que um único caso não pode arruinar sua carreira, mas isso não é inteiramente verdade. A condenação de Mark arruinou não só a carreira de mas também toda a sua vida. Com praticamente dois anos e vários currículos entregues, não foi capaz de arrumar nenhum emprego em sua área. Por isso se afundou em tentar resolver o caso, conversou não oficialmente com todos os detetives envolvidos na ação e revisou prova por prova. Com o tempo, teve a certeza que o próprio CEO tinha mandado matar seu vice e que só tinham culpado aquele homem para que não descobrissem a verdade. Era a ação mais lógica e isso a destruiu ainda mais. Se tivesse se empenhado mais para resolvê-lo, talvez tivessem tido outro resultado.
Para não morrer de fome, trabalhava em um brechó perto de sua casa. O lugar estava quase sempre vazio mas era o suficiente para pagar as contas e ainda sair uma vez por semana com . Depois de alguns meses sem sair do apartamento e ignorar as ligações de cada pessoa que pudesse evitar, insistiu para que tivessem encontros semanais para checar se ela estava viva e bem. não conseguia controlar um sorriso ao pensar que sem ele, talvez não estivesse.
— Talvez seja hora de mudar de área, sugeriu em um dos encontros, onde tinham resolvido jantar em um restaurante tailandês — Dar um tempo do direito penal.
A mulher revirou um pouco sua sopa, olhando para qualquer coisa que não fosse o amigo à sua frente.
— Você diz isso porque ter sua cara estampada em todos os jornais da cidade, como um lembrete de seu fracasso, não é a melhor forma de gerenciar uma carreira ou por todos os currículos que não obtiveram resultado até hoje?
suspirou, levando a mão por cima da mesa até encontrar com a sua. a apertou levemente ainda sem levantar o olhar.
— Digo isso porque me importo com você — ele sussurrou, desenhando pequenos círculos com as mãos — E porque sei que você se daria bem em qualquer coisa que tentasse.
delicadamente puxou a mão de volta, voltando a mexer a sopa.
— Existem provas do contrário.

As conversas eram sempre assim. Ele tentava animá-la, mas todos tentavam o tempo todo e nada parecia deixar as coisas melhores. Tinha começado a fazer terapia há quase um ano e só isso foi capaz de fazê-la levantar da cama e tomar a atitude de voltar a entregar seus currículos. Agora, até mesmo a psicóloga acreditava que estava na hora de ampliar seus horizontes, mas não sabia se estava pronta para isso.
Então em uma manhã cinzenta e chuvosa, tudo aconteceu. Abriu seu notebook para olhar as notícias e abriu um email de um site de empregos que tinha até esquecido que fez um cadastro. E ele veio com a proposta de emprego que a maioria de seus antigos colegas mataria para conseguir. E junto com isso, o emprego que mais repudiava.
Queriam alguém jovem para moldar de acordo com seus princípios e sabia muito bem o que eles queriam. Alguém que estivesse disponível para resolver todos os problemas que eles mesmo criavam e ainda prejudicar pessoas que não tinha nada a ver com isso, exatamente o que aquele advogado tinha feito com primor dois anos atrás. Mas não aceitaria, não iria chegar a esse nível. fechou o notebook e se preparou psicologicamente para ir ao brechó.

— Precisamos conversar — Annie, sua chefe, a chamou assim que chegou, fazendo seu coração gelar. Tinham uma boa relação e sabia exatamente o que aquele tom de voz significava.
Respirou fundo, assentindo.
, você sabe que eu te adoro…
A mulher engoliu em seco.
— Mas infelizmente eu vou precisar te dispensar. Nós não vendemos nada nos últimos dois meses e eu não tenho mais como te pagar.
assentiu novamente, com o coração na mão.
— Annie você sabe que se eu pudesse...— começou a dizer, sentindo a garganta fechar — você me ajudou tanto e eu…
— Eu sei e agradeço por isso — a mulher sorriu segurando suas mãos — Mas não acha que está na hora de recomeçar? Voltar para o direito?
Não gostava e não queria falar disso naquele momento, então se limitou a assentir uma última vez. As duas mulheres se abraçaram e pegou suas coisas e saiu. Olhou confusa ao redor sem saber muito bem o que fazer, mas ainda assim sabia exatamente quem deveria procurar.
“Ocupado?” mandou para e prontamente foi respondida.
“Para você? Nunca. O que aconteceu?”
“O brechó”
“Ah, eu sinto muito. Vamos conversar"
E era só isso que precisava ser dito, a compreensão era mútua. Com aquelas poucas mensagens era capaz de saber exatamente o que tinha acontecido e não precisavam falar onde para saber onde e quando se encontrarem.
Então as onze em ponto os dois já estavam sentados em sua mesa favorita do restaurante, com os pedidos feitos. A presença do homem era como um calmante e estava satisfeita com isso. Ela só precisava do apoio do seu melhor amigo.
Estavam na metade do almoço quando a olhou sério e segurou sua mão por cima da mesa. sentiu sua nuca arrepiar, mas ignorou a sensação.
— Sabe que eu estou com você para qualquer coisa, né?

— Se você precisar de dinheiro, um lugar para ficar…
Era tentador, mas ela sabia que não poderia aceitar uma proposta dessas. precisava da sua privacidade e uma casa com apenas um quarto não ofereceria isso. E embora não quisesse considerar, tinha uma oferta de emprego, apenas uma.
— Eu recebi uma proposta de emprego essa manhã… — falou devagar, ainda tentando assimilar a informação — De uma corporação mais famosa do que eu gostaria que fosse. Eu não ia aceitar, eu…

— Eu sei o que vai dizer — balançou a cabeça, os dois sabiam — Mas isso é contra tudo o que eu acredito!
— Eu sei que é, mas não é permanente.
Ela suspirou.
— Sim.
— E agora você precisa mais do que nunca.
— É.
— E não precisa aceitar se não quiser. Eu consigo te cobrir.
Não era uma opção.
— Eu só preciso pensar.
— Tudo bem.
Voltou para casa mais leve, mas com um dilema que não queria. “Talvez não fosse tão ruim”, pensou enquanto abria seu email e aceitava a vaga. Era só por alguns meses.



2019,

— Beatrice traz a pasta de outubro de 2019? — ajeitou seus óculos e apontou o armário para a secretária — e a de outubro de 2018 também, por favor.
— Claro, senhora — a mulher assentiu, tímida, e correu para fazer o que foi pedido.
A mulher sorriu, era muito diferente de Beatrice quando tinham a mesma idade. Cheia de sonhos e ideais que não conseguiu cumprir ao longo dos anos e que agora havia deixado de lado. Já a garota, parecia perfeitamente satisfeita com seu emprego buscando os papéis que ela necessitava. Não a leve a mal, estava bem. Tinha um bom apartamento em um bairro seguro e perto do trabalho, conseguia pagar todas as contas e sobrava dinheiro para a poupança, nunca teria imaginado tamanha estabilidade. Trabalhava muito e quase não tinha tempo para respirar, mas se tinha subido de posição tão rápido dentro da empresa foi pela quantidade de horas extras. Teve que deixar a família, amigos e vida social de lado para conseguir tudo o que alcançou.
Se estava feliz? Essa não era a questão. O importante era que agora tinha uma carreira de sucesso, era conhecida em vários países e já tinha trabalhado e vencido mais casos do que era capaz de contar.
Tinha trabalhado até tarde naquele dia, sendo uma das últimas a deixar a empresa, mais de nove horas da noite. E se parasse para um drink? Pensou enquanto dirigia distraidamente pelas ruas da cidade. Deveria ter percebido que algo estava para acontecer, pois quando percebeu estava cruzando o bairro onde morava anos atrás. Nunca fazia aquela rota pois não era algo que gostava de lembrar. Resolveu parar em um bar que sempre frequentava na faculdade e nos anos que seguiram após sua formatura, e beber rapidamente alguma coisa já que teria que acordar cedo no dia seguinte para revirar toda uma papelada. Ela o viu assim que entrou, sentindo o ar faltar em seus pulmões. Ele estava lindo.
A idade tinha deixado seus traços mais definidos e agora uma barba rala tomava conta de seu rosto. Parecia exausto, observou, estava sozinho e seu chopp estava quase no fim. Sentiu o impulso de virar para ir embora. Não via há pelo menos cinco anos, quando as coisas começaram a ficar mais apertadas no trabalho. Não teria sido um problema se ele não acreditasse que tinha sido completamente ignorado depois disso e talvez ele estivesse certo. É que ele era tão incrível e apoiador que não se dava conta de que tinha sido difícil para parar de tentar e não queria passar por tudo aquilo de novo. Tinha parado de enviar currículos para escritórios de Penal aproximadamente um ano depois de ter entrado na empresa. Ele achava que ela tinha se acomodado mas a realidade é que não conseguia mais enviar aqueles e-mails cheia de expectativa e não receber nem um não como resposta. Mas ele acreditava que ela conseguiria e esse era o pior.
E antes que ela conseguisse se mover, ele se virou em sua direção procurando um garçom. pode perceber o exato momento em que ele a viu. Pôde sentir sua respiração se alterando e o jeito como suas pupilas se dilataram. Não percebeu que tinha prendido sua própria respiração até ele sorrir e acenar para que se aproximasse.
— Ora ora, lhe deu seu melhor sorriso, pelo menos ela achava que era o melhor, e indicou a cadeira à sua frente — Senta comigo.
— Está sozinho? — se arrependeu assim que as palavras saíram de sua boca, pois seus olhos brilharam em resposta.
E eles diziam: Eu não estaria bebendo sozinho se você ainda falasse comigo. E aquilo doeu.
Ela limpou a garganta.
— Bom, como estão as coisas?
Era estranho conversar com alguém que já tinha sido tão próximo mas não era mais. A conversa era ordinária e o silêncio era constrangedor. Terminaram mais um copo de chopp e quando perceberam estavam falando do clima. Não era para ser desse jeito.
— Desistiu do Penal? — ele foi direto.
considerou um pouco antes de responder.
— Tem coisas que simplesmente não são para ser, não é?
— Essa não é a que eu conheço.
E lá estava outra vez aquele silêncio esquisito.
— É, não é — foi a única coisa que conseguiu responder.
Não fazia sentido ficar sentada ali com toda aquela mágoa entre os dois. Infelizmente eles não se entendiam mais e não tinha nada que eram capazes de fazer além de se magoarem com frases atravessadas. Pegou sua bolsa e se levantou, dessa vez pronta para ir.
— ele a chamou, fazendo-a olhar para trás — Você parou?
Franziu as sobrancelhas tentando entender do que se tratava, a verdade vindo como um soco no estômago.
— Sim, há quatro anos.
E ele assentiu.

De volta ao carro, tremia como não tremia há anos. Não esperava que ele se lembrasse e que muito menos tocasse no assunto. Desde que Mark tinha sido preso, sem poder ver os filhos e sequer um advogado enquanto esperava o dia em que seria executado, todos os anos recorria ao juiz pedindo um novo julgamento, ou a revisão da pena. Todos os anos tentava desesperadamente reparar o erro que tinha cometido no tribunal em 2010, mas sem sucesso.
Dirigiu mecanicamente até em casa e subiu para um banho quente, tinha que colocar os pensamentos no lugar. Encostou na parede sentindo a água aquecê-la e deixando os pensamentos fluírem livremente. Tinha se perdido em algum ponto entre aquele julgamento e agora. Desistiu de tudo o que acreditava e se tornou o tipo genérico de pessoa que nunca quis ser. E aquilo doía mais do que conseguia descrever. Por isso tinha se afastado de , porque ele a lembrava de que não tinha conseguido.
Resolveu que o copo de chopp não tinha sido o suficiente e abriu um whisky, nada como um pouco de álcool para fazê-la se sentir melhor. Legalmente loira estava passando na televisão e isso fez bufar. Reese Witherspoon fazia tudo parecer tão simples.
Em um ato de insanidade pegou seu notebook (já mais alterada do que iria admitir para qualquer um que perguntasse) e redigiu um recurso, solicitando ao juiz federal a revisão do caso. Sabia o número de cor, tendo tantos pesadelos com ele.
Em uma onda de sobriedade, tentou cancelar o email e o apagou, balançando a cabeça em como tinha sido boba em achar que dessa vez seria diferente.

Mas o email foi enviado.

No dia seguinte acordou de ressaca, sem lembrar de nada depois do whisky.



Janeiro de 2020,

Já tinha passado da hora de ir embora, mas chovia tanto que não conseguia pegar seu carro. Irritada, batia os pés no chão como se isso fizesse o temporal acabar mais rápido. Suspirou e olhou em volta, todo mundo estava na mesma situação mas alguns tinham desistido e voltado para o prédio. Naquele dia em especial estava cansada demais para se obrigar a ficar mais alguns minutos que fosse com os seus colegas de trabalho.
Sentiu seu celular vibrar e achou que não seria uma ideia ruim dar uma olhada nas redes sociais, já que frequentemente não tinha tempo para isso. 0 mensagens. Claro, nunca respondia ninguém em seu número pessoal e com o passar do tempo as pessoas foram parando de tentar. Olhou um pouco o Instagram vendo como as pessoas pareciam mais felizes do que ela e estava para desligar o aparelho quando chegou um novo email. Abriu rapidamente mesmo sabendo que provavelmente seria mais trabalho e sentiu o chão ceder aos seus pés ao ler algumas palavras soltas, juntando uma frase.
“Seu recurso foi concedido. Novo julgamento 15/06/2020 às 13h”.
Recurso? Depois de ter desistido por tantos anos, ela conseguiu que seu recurso fosse aprovado? Por Deus, o que faria agora?
Sentiu o olho começar a arder perante seu desespero e decidiu que não queria estar na frente de todos seus colegas quando as lágrimas caíssem, então deixou seu carro na garagem e correu. Se encharcou nos primeiros cinco minutos do lado de fora, mas isso não a impediu de continuar a correr sem saber muito bem para onde. Nunca teve nenhum tipo de inclinação para o atletismo e já tinha perdido seus sapatos há muitos quarteirões, mas seus pés agiam por conta própria.
Quando seus pulmões pareciam prestes a explodir, parou e olhou em volta para saber onde estava. Só poderia ter sido o destino, ou seu subconsciente, mas estava no bairro do . Não tinham se falado desde o dia fatídico do bar, cerca de um ano antes, mas não tinha nenhuma outra ideia em mente.
Correu para dentro do prédio, o porteiro era o mesmo de sempre e a conhecia desde a faculdade, deixando-a passar sem interfonar. Então quando bateu na porta do apartamento do amigo, ele não poderia parecer mais chocado.
? — perguntou carinhosamente, notando o quão destruída a mulher estava.
pegou o celular molhado e lhe entregou com o email aberto. Então ele entendeu tudo sem ela precisar dizer uma palavra, e eram mais uma vez como antes.

Meia hora depois estava vestida com uma camiseta velha e meias quentes, sentada no sofá. apareceu com uma caneca de chá, que já estava preparando quando ela apareceu. Tinha perdido as contas de quantas vezes na faculdade, tinham se enfiado no quarto em noites frias e chuvosas como aquela para assistir um filme e tomar uma xícara de chá. Era reconfortante saber que ele mantinha o hábito.
— Você disse que tinha parado de recorrer — ele afirmou calmamente.
— E eu parei — respondeu como uma criança mimada.
— ela adorava como seu nome soava em sua voz — Você leu o email inteiro?
— Não consegui.
suspirou, passando as mãos pelo cabelo.
— Aqui diz que você enviou um recurso, ano passado.
— O que?
— No dia em que nos encontramos no bar.
— Ah droga — gemeu — Pelo visto eu tomei mais whisky do que consigo me lembrar.
gargalhou, olhando-a com carinho.
— Você tava bêbada? Com todos esses anos de recursos negados, eles aceitaram o que você redigiu bêbada?
começou a rir.
— O sistema judiciário é uma piada!
encheu novamente suas xícaras de chá e fungou. Seria bem feito se ela pegasse um resfriado, afinal.
, o que você vai fazer? — ele soprou.
— Não tenho ideia. Eu não estou preparada pra isso.
Ele considerou.
— Na verdade, você tá sim! Sabe o caso de cor, linha por linha, e encontrou provas substanciais para inocentá-lo. Tem testemunhas que eu sei que não iriam se opor testemunhar depois de tanto tempo. Você tem tudo para ganhar esse caso.
— Era o que eu tinha pensado da última vez.
pegou sua mão e começou a desenhar pequenos círculos na superfície.
— Não é como a última vez. Você tá mais experiente…
— Me chamou de velha?
— Não me interrompa — ele sorriu, ignorando a vontade de tomá-la para si e abraçá-la com toda a força — Tem mais provas, mais contatos, tem até seu nome entre os advogados. Quantas “festas” — fez aspas com os dedos — eu não tive que aguentar com todo mundo me perguntando sobre você? Porque aparentemente todo mundo sabia que éramos amigos e…
Éramos. Ela puxou a mão de volta.
— Eu te devo um pedido de desculpas — tentou sorrir.
— Tá tudo bem.
— Não tá tudo bem. Eu… — suspirou — Eu não devia ter me afastado, ainda mais de você que sempre quis o que era melhor para mim.
— E ainda quero!
— Sei disso.
— E fico feliz que tenha vindo até mim quando precisou de ajuda — confessou.
— Meu salvador — falou dramaticamente, se jogando sobre ele.
não conteve mais nenhum impulso, aproveitando a oportunidade para apertá-la contra seu peito.
— E mais uma coisa, não vai ter mais problema com o juiz — sussurrou — ele foi afastado no começo do ano passado e duvido que qualquer um consiga comprar esse novo.



Junho de 2020,

Mais uma vez tinha a sensação de que tudo daria certo e isso a assombrava de uma maneira que não saberia descrever. Tinha dedicado os cinco meses a encontrar os dados que tinha adquirido nos últimos anos e estudando cada um deles para ver se estava tudo certo. passava em seu apartamento todas as noites para jantarem juntos e revisarem o caso, e estava adorando a desculpa que tinha para passar um tempo a mais com ele.

E então chegou o grande dia. Como da última vez, acordou cedo e colocou seu melhor terninho. Dessa vez tinha comprado um novo para a ocasião, sempre acreditou que roupa nova dava sorte. bateu em sua porta minutos depois, com café e bolinhos. E socorro, ele estava lindo.
Foram juntos ao tribunal e dessa vez não estava ansiosa, não sentia a necessidade de repassar as provas e nem de chegar mais cedo. Chegou no horário e se sentou, lançando um olhar tranquilizador a Mark que estava visivelmente desnutrido e olhava amedrontado para os cantos da sala. tinha pedido para que a família não comparecesse, não ia aguentar vê-los novamente se tudo desse errado mais uma vez. Mas da primeira fila, a olhava com confiança e isso a tranquilizou.
Se levantou quando foi necessário e seguiu quase o mesmo roteiro da última vez. Mas dessa vez tinha confiança, estava certa de sua defesa e tinha a justiça de seu lado. E dessa vez, todos ali a conheciam.
Um dos maiores avanços que fez em sua longa investigação após o julgamento, foi ter encontrado as gravações daquela noite de dentro do elevador. Precisou juntar todas as suas moedinhas para subornar algumas pessoas e encontrou a cópia da cópia da fita, mas era o suficiente. Seguiu todo o roteiro da última vez, mas dessa ao invés de entregar a fita do lado de fora do elevador, sem saber o que estava fazendo e do que estava entregando, caminhou confiante até o aparelho de vídeo (que era muito mais moderno do que o anterior) e a colocou, sendo a cartada final para o juiz decidir a seu favor. E assim ele o fez.
Reprimiu a vontade de pular. Agradeceu e caminhou até Mark para abraçá-lo.
— Tudo acabou — sussurrou para ele — Finalmente acabou.
— Você conseguiu — o homem chorava — realmente conseguiu. Eu não vou morrer.
— Ela não deixaria isso acontecer — respondeu se aproximando. Separaram do abraço e a garota o encarou, correndo para abraçá-lo também.
— Eu não faria isso sem você. Sabe, não é?
Ele deu de ombros.
— Só precisou que alguém a colocasse nos trilhos, mas o caminho é todo o seu. É o que você nasceu para ser, .
Ali, na frente de todo mundo, envolveu o pescoço de com seus braços e o beijou. Com um sorriso no rosto, só parou o que estava fazendo quando alguém pigarreou as suas costas.
— Vai se arrepender disso — o CEO rangeu os dentes, olhando-a de cima a baixo — Eu vou te destruir.
sentiu a vontade de rir.
— Então vem com tudo!


Fim



Nota da autora: Foi a fanfic mais difícil de escrever nessa vida! Eu nunca saí tanto da minha zona de conforto HAHAHAHAH (mas não poderia faltar um romancezinho ou não seria eu). Muito obrigada por ler e não se esqueçam de ler as outras fanfics desse ficstape maravilhoso!!! Deixa um oi aí nos comentários para fazer essa autora feliz! <3





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Between the order and the death eaters
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Kisses on Vacations



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