FFOBS - 13. Recess, por Anmi


13. Recess

Fanfic Finalizada.

Capítulo Único

Nas lentes do par de óculos que eu usava estava refletido as letras dos parágrafos contidos na página da Wikipédia que explicavam tudo sobre o que era Síndrome de Burnout. Eu sei que o correto era perguntar mais aos meus psicólogos e psiquiatras, mas depois de receber o pré-diagnostico eu apenas fugi da cidade. Juntar tudo em uma mala de mão e pegar o primeiro trem para o interior enquanto eu usava uma peruca de qualidade duvidosa Não era a reação mais correta e nunca seria. Foi a única que eu tive.
Durante toda a viagem tratei de nunca tirar os óculos de armação grossa e a peruca loira. Talvez chamasse mais atenção desse jeito do que com as minhas roupas normais, porém não tinha tempo para prestar atenção em nada a minha volta a não ser me concentrar em não ter um surto no meio do transporte. Esperava que toda a minha tentativa de passar despercebida pudesse servir como alguma coisa para que eu chegasse na fazenda em paz e sem confusões com a mídia. Só de chegar lá sem ter alguma notícia minha em algum tabloide eu já agradecia ao meu esforço. Afinal de contas, a grande cantora não podia se envolver em mais nenhuma polemica.
Os fãs entenderiam quando o pessoal que cuidava das minhas mídias anunciasse que eu tinha tirado férias. Eles tinham que entender. Eu precisava sumir por uns tempos. Desaparecer mesmo. Não só por causa do meu último escândalo, mas porque eu não aguentava mais a rotina absurda de trabalho. Todo ano tinha lançamento de álbuns e turnês pelo país inteiro e as vezes em outros países também. Ao menor sinal de que eu estava descansando, a gravadora aparecia com um projeto novo para me envolver. Estava ficando insustentável para eu viver apenas em função do trabalho.
Meus relacionamentos com família e amigos eram superficiais demais e até mesmo o meu último relacionamento amoroso tinha ido para o espaço. Aparentemente eu era uma louca que não podia aguentar o meu noivo me traindo com uma outra. Era doida por não aceitar a justificativa de que ele precisava ocupar o tempo e cama com uma pessoa de verdade, que estivesse presente de verdade.
O término foi duro demais para mim, mas de toda a dor e aflição que passei fiz músicas incríveis que geraram mais e mais dinheiro, após o lançamento do disco e dos shows. Tinha saído da coitada que foi corna para a poderosa que supera as dificuldades com maestria. Os críticos e fãs amaram tudo. Durante muito tempo deu para me convencer de que estava tudo bem, que minha vida estava no meu controle e que eu amava trabalhar muito. Era fácil me convencer de que eu era uma workaholic nata.
O momento em que perceberam que havia alguma coisa errada comigo foi quando tive os primeiros sintomas da doença: dores de cabeça e insônia. Foi bem fácil culpar o estilo de vida que tinha. Não tinha hora para dormir e acordava cedo demais, sempre viajando e comendo mal, horas de exercício físico para compensar a dieta errada, ensaios exaustivos, todos os dias no estúdio gravando músicas ou dando entrevistas. Mesmo diante desses sintomas, eu consegui convencer a todos que era só a rotina intensa de trabalho. Quando comecei a ter crises de choro no meio dos shows, dos ensaios, das entrevistas, em praticamente todo lugar que ia, também conseguiram disfarçar tudo dizendo que era apenas um momento mais sensível que estava passando, relacionado a morte de um antigo amor meu. Eu nunca era autorizada a dizer alguma coisa então a mídia inventava o que queria e o pessoal que cuidava da minha imagem só desmentia o que convinha.
Ao chegar na fazenda me deparei com uma cor que quase nunca via por onde eu atualmente moro: o verde. Tinha mato e árvore para todos os lados do jeito que eu me lembrava de quando era criança. Um dos empregados me recepcionou na entrada da casa. Apenas a governanta sabia que eu vinha e deixou tudo preparado.
Ao entrar na casa tomei um susto, tudo estava ainda do jeito que a minha vó deixou antes de se mudar para a casa da minha mãe na cidade. A tinta das paredes, as fotos nas paredes dos corredores dos quartos no segundo andar. Tudo ainda tinha a mesma aura da minha vó e por isso me senti em casa. Fui para o quarto que geralmente era o meu, mas notei que havia crescido demais para dormir na cama infantil que tinha ali. Então me vi obrigada a me instalar no quarto de hospedes da casa.
As paredes eram de cor branca, a cama centrada com uma cabeceira de metal localizada na parede em paralelo a porta, uma cômoda com um espelho na parede oposta à da cama e perto da janela uma escrivaninha com a cadeira. O guarda-roupas era simples e pequeno, feito para ser algo passageiro.
Ao largar minha mala e bolsa no chão do quarto me enfiei no banheiro que tinha no corredor. Devo ter tomado o banho mais longo que pude tomar nos últimos meses e dias. Fingi estar civilizada o suficiente durante toda a consulta para não sair dali diretamente para uma clínica de reabilitação, mas por dentro queria gritar de raiva por estar passando por tudo aquilo. Naquele banho deixei a água me lavar de tudo o que eu considerava sujo e com a bucha eu tentava tirar de mim qualquer indício de que estava indo de mal a pior.
Ao sair do banho peguei uma roupa bem confortável e me sentei na escrivaninha com o computador aberto no Google para pesquisar tudo o que precisava saber sobre essa doença. Entrei no primeiro link que o site me deu como resultado e coloquei os meus óculos que tinham sido usados para compor o disfarce, mas que na verdade eu precisava usar para ler. Fiquei diante do computador até a ter dores de cabeça. Ironicamente meu estomago resolveu dar sinais de que estava vazio por tempo demais e tive que abandonar tudo para comer algo e me hidratar.
A cozinha não era mais tão a mesma do tempo de vovó. O fogão não era mais a lenha e tinha agora uma moderna geladeira e micro-ondas também. A geladeira estava abastecida de comidas caseiras que a cozinheira deve ter deixado preparado para mim quando soube que estava chegando. Tinha tanto para escolher que fiquei impressionada com a agilidade dela na cozinha para montar vários pratos em apenas quatro horas.
Comi tudo sentada no sofá da sala com a televisão ligada em um documentário sobre o Ártico. Qualquer coisa para que eu não me sentisse tão sozinha assim. Sim, estava no estado em que queria estar sozinha, mas sempre odiei comer sem companhia. Quando acabei peguei uma garrafa de água e comecei a tomar. Em algum momento do documentário eu dormi em uma posição torta no sofá e acordei no meio da noite com o barulho do vento. Aparentemente o tempo estava mudando e poderia chover horrores.
Só o cheiro da terra molhada já me trazia memórias de anos atras naquela fazenda. Eu lembro de quando minha família perguntava sobre o que eu queria ser quando crescer. Eu sempre disse cantora. Sempre quis cantar e ser famosa com isso. Eu era muito nova para ver a verdade. Eu lembro de sentar-me no colo da minha vó na cadeira de balanço e de sentir o seu perfume de modo tão profundo que era como se eu estivesse mergulhada nele por completo. Era muito nova para me importar com todos os conselhos que vovó me dava enquanto cuidava de mim.
“As pessoas vão dizer que se você precisar de um intervalo, alguém vai tomar o seu lugar. As pessoas vão tentar dizer que você está bem com os olhos cheios de ganância, . Mas se lembre, não deixe eles te estragarem, querida. Não deixe nem tentarem te perturbar. Não deixe eles te machucarem. Só diga: estou cansada, preciso de um intervalo.”
A de dez anos de idade não entendia nada daquilo que a sua vó dizia, mas a de vinte e oito anos sabe bem o quanto deveria der dado ouvidos aqueles conselhos.
Não me dei conta que todo o meu processo de auto análise foi feito enquanto estava dando voltas pela casa. Só percebi isso ao ver que estava de volta no meu quarto. Lancei-me na cama e fiquei com os olhos fixados no teto. Já não usava mais os óculos, estavam perdidos em algum cômodo da casa. Pisquei algumas vezes e ao fechar os olhos lembrei da minha luxuosa cobertura na cidade. Estranhamente conseguia sentir que meu espírito estava lá vagando pelos ambientes cuidadosamente decorados por pessoas tão famosas quanto eu. Tinha a sensação de que estava lá sentada no cômodo onde mantinha meus prêmios. Meus olhos castanhos claros contemplavam cada prêmio que já recebi na vida, desde os troféus até as placas de discos de ouro, platina e todos os metais possíveis que a indústria tinha para parabenizar.
Tudo o que eu sempre quis como artista tinha sido alcançado. Eu deveria estar feliz, mas ultimamente não conseguia sair da cama e se saísse era para cumprir a minha agenda de compromissos. Passa muito tempo deitada, com o semblante apático e com a minha mente ligada no máximo, me fazendo estressar as múltiplas vozes mentais que gritavam comigo todas as paranoias inventadas por ela.
Respirei fundo algumas vezes. Me esforcei para lembrar de que não estava lá, que não era real. Lutei contra a sensação de aperto no peito que estava surgindo, porém não segurei as lágrimas.
Me sentia perdida em meu próprio personagem. Presa em dias, meses, quiçá anos sem que eu encontrasse um pouco de euforia, alegria em tudo o que fazia no trabalho. Deixei de ser uma menina decida, sonhadora e passei a ser apenas o que meus empresários queriam, o que eles precisavam para obter lucros. Infelizmente em algum momento da minha carreira, tinha desentendido que eu era estrela e eu estava em posição de poder ali.
Algo dentro de mim começou a me perguntar bem alto e forte: onde você gastou o seu tempo e onde você deixou a sua mente? Quando foi que eu havia deixado de lembrar das palavras da minha vó? Infelizmente não sabia as respostas, porém sabia que não podia mais me submeter a nada daquilo. Não esperava que eles entendessem mais o meu jeito. Havia chegado o momento em que eu devia demandar o respeito. Sei que o processo para retomar a completa confiança em mim e a estabilidade mental que eu tinha seria bem longo, portanto, não importava o fato de ser três horas da manhã quando eu escutei Edna, minha relações públicas, atender o telefone com a sua voz de sono e levemente preocupada após saber que era eu do outro lado da linha.
— Me fala o que você precisa, .
— Preciso que cancele toda a minha agenda. Não posso mais trabalhar com a minha mente tão exausta. Estou doente e não posso mais lidar com tudo sem me tratar.
, você precisa entender que a grav-
— Eu entendo bem, mas o que vocês precisam entender é que se eu não estiver em boas condições mentais e físicas não produzo mais nada com a mesma qualidade incrível.
Ouvi Edna tentar abrir a boca para argumentar algo, mas apressei em dizer: — Estou cansada, preciso de um intervalo.
Obviamente desliguei o telefone. Corri para todas as minhas redes sociais e gravei um vídeo com uma pequena legenda avisando que sumiria para cuidar da minha saúde e para ficar bem por eles e principalmente por mim mesma. Sei que minha vó estaria orgulhosa de mim assim que ouvisse pela mídia o que tinha feito. O que eu tinha era sério e poderia desencadear muito mais outros problemas, não era algo que um paliativo resolveria. O intervalo era necessário e finalmente eu o teria.


Fim!



Nota da autora: A personagem de 13. Recess é grandemente inspirada na Ariana Grande e tudo o que ela passou nos últimos anos com um quê da crítica feita pela Melanie Martinez ao compor a canção. Não sei ao certo se ela chegou a ter a Síndrome de Burnout, mas essa é uma doença real e que aflige muitas pessoas mesmo. Escrever 13. Recess foi um lembrete a mim mesma de que tudo bem dizer “[...] estou cansada, preciso de um intervalo.” Por mais que a nossa sociedade atual seja gananciosa em nossa produtividade, não podemos deixar que isso valha mais que nossa saúde física e mental, portanto, procure médicos e entre em contato com pessoas nas quais você se sinta confortável para desabafar. Há sempre esperança e soluções positivas para tudo, não desista. :)



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