Finalizada em: 27/12/2020

Capítulo Único

Passei a mão em Grape quando ela me trouxe a bolinha de volta e suspirei, jogando-a novamente, vendo a cadela de correr animadamente até ela e trazê-la de volta para mim mais uma vez.
- Que ânimo! – Ouvi uma voz e ri fracamente ao ver Hugo atrás de mim.
- E aí, filho? – Ele se sentou ao meu lado e suspirou.
- Tia está perguntando quando você vai parar de enrolar e começar sua história. – Bufei.
- Ei, ela deu um mês para todo mundo! – Rimos juntos.
- Ela usou a desculpa de que você é autor de muitas músicas da banda e escreve sobre qualquer coisa e transforma em hit.
- Se eu puder escrever uma música para a minha história, acho que facilita. – Ele negou com a cabeça.
- Acho que ela não vai deixar você se safar assim. – Suspirei.
- Como você acha que eu devo começar?
- Estava falando com a Grace e a Nat e achamos que você tem que ser honesto sobre tudo. – Ele se virou para mim.
- O que seria “tudo”? – Passei a mão em seus cabelos compridos.
- Sobre você, sobre sua infância difícil no Japão, sobre sua família tentar ganhar em cima de você, sobre a mamãe. Acho que tirando nossa família, você nunca abriu para ninguém.
- Eu não sei se sua mãe se sentiria confortável sobre...
- Ah, Dave! – Virei para trás, vendo Virgínia se aproximando de nós. – Essa é a parte mais feliz da nossa história. – Ri fracamente. – Imagina, a maior advogada de imigração do país entrando clandestina aqui? – Sorrimos e ela apoiou as mãos sem meus ombros. – Escreva, querido! É a sua história, é a nossa história.
- É muito complicada. – Neguei com a cabeça.
- É legal! – Hugo deu de ombros, acariciando Grape.
- Exato, uma boa história tem que ser legal, empolgante, emocionante. – Virgínia deu de ombros. – Acho que temos tudo isso.
- Pode começar, pai! Vai ser sucesso! – Neguei com a cabeça.
- Você não tem dever de casa, não? – Virgínia virou para Hugo e ele revirou os olhos.
- Eu estou indo! – Ele se levantou e Grape o seguiu, me fazendo rir.
- Vai dar certo, mi amor. – Virgínia me estendeu suas mãos e eu me levantei. – Só seja honesto.
- Mas minha infância foi... – Bufei para cima.
- Passe rapidamente sobre isso, eu pessoalmente prefiro que você fale de nós dois! – Ela me abraçou pela cintura.
- Você gosta disso, não é?! – Passei os braços pelos seus ombros.
- Somos o casal mais improvável da face da Terra, Dave, vai dizer que não foi emocionante?
- Mais confuso do que emocionante, preciso admitir. – Ela sorriu, colando os lábios nos meus rapidamente.
- Vai lá! – Ela sorriu. – Confio em você.
Suspirei e soltei o ar devagar. Dei meia volta, sentindo Virgínia bater em minha bunda e ri fracamente, seguindo para dentro de casa. Encontrei algumas pessoas perdidas e jogadas pelos cantos e fui para a cozinha, encontrando no notebook na mesma posição que eu tinha deixado antes.
- Vai começar? – Encontrei Melanie pegando uma garrafa da água na geladeira.
- Preciso, não é? Eu tenho o quê? Sete dias?
- Seis! – Ela deu de ombros, voltando a se sentar na bancada aonde estavam seus livros.
- Vamos, Melanie. Eu e você!
- Já disse que não pode colar! – Sorri.
- Só me faça companhia, por favor. – Sorrimos e movimentei o cursor, vendo a tela se acender novamente.

“Bem, vamos lá, pessoal! Eu estou enrolando há mais de três semanas para começar isso e não é porque eu não estou a fim de escrever, eu sempre estou a fim de compartilhar minhas músicas e tudo mais, mas escrever algo assim, biográfico, ah! Só Stone para fazer a gente se enfiar nessa.
Não me leve a mal, a ideia é muito boa, somos uma banda de sete pessoas estranhas que se tornaram uma família, então tem muito o que falar, sabe? O começo da banda, todo nosso sucesso inesperado, mas falar do nosso passado. Isso traz algumas memórias à tona, boas ou ruins.
Não que eu tive uma vida ruim, sabe? Não, nunca, mas eu acabei perdendo boa parte da minha infância com coisas que eu vejo hoje e não faz nenhum sentido, mas para minha família era algo fora do comum, necessário para trazer honra à minha família e sei lá mais o quê. Eu sou japonês, de uma das famílias mais tradicionais japonesas, acho que meus descendentes chegam de mais de mil anos atrás.
Só que para mim o que importa é quem eu sou hoje, não o que vários descendentes vão pensar sobre mim quando eu morrer. Honestamente, quem pensa em morte agora? Eu já tenho 51 anos, sou o mais velho da banda, então é, naturalmente me deprime um pouco pensar sobre isso, mas eu sabia disso quando me juntei.
Enfim, pensando desse lado, eu sou o que mais tenho história para contar, afinal, já são meio século de história, mais de 15 de Stone, então sobra em média uns 35 anos para eu contar para vocês. O problema é eu lembrar de todos os detalhes, então eu vou dividir por partes, ok?!
Vamos começar pela minha infância!
Eu nasci em Kyoto, uma das cidades mais antigas e mais tradicionais do Japão. Para você ter uma noção, Kyoto foi capital do Japão por mais de mil anos, antes de trocarem por Tóquio. Além disso, Kyoto tem uma coletânea de sítios listados como Patrimônio Mundial com templos, santuários, jardins e bairros históricos.
Minha família, os Sakawa, sempre foram muito tradicionais, quase como um filme da Mulan, para usar de exemplo, tínhamos os rituais, o templo, as rezas e tudo mais, além do kamon, um emblema de família, o que era algo entediante para um garoto jovem de oito ou nove anos. E por que eu já estou nessa idade? Porque sempre foi entediante, mas com essa idade as coisas começaram a mudar.
Claro que quando somos novos, nós tentamos entrar no ritmo da família com a intenção de sermos aceitos, de tentar gostar, entre outras coisas, mas chega um momento que você percebe que aquilo não é para você e que você não quer fazer aquilo nunca mais, é onde começam as tretas das família, e claro que eu não fui diferente.
Devido a tradição da minha família, nós sempre tivemos bastante dinheiro, então eu pude fazer todos os cursos do mundo. Meus pais queriam me capacitar cada vez mais para me tornar alguém digno para seguir o negócio da minha família, meus pais tinham, ainda tem, um restaurante de ramen noodles. Sabe? A arte do macarrão japonês com caldo e tudo mais? Pois é! E fazia bastante sucesso.
Agora não me pergunte por que cursos como música me tornaria um melhor mestre de ramen, mas todo ensinamento era válido e bem-vindo. Eu só achava que precisava primeiro aprender a cozinhar para ter alguma chance nos negócios da família. Enfim, vai entender.
Um desses cursos que eu fiz, foi música. Eu comecei a tocar piano nessa idade e com o passar dos anos comecei a adquirir rápidos conhecimentos sobre qualquer tipo de instrumento, começando a escrever minhas próprias músicas e até a montar músicas inteiras de verdade.
Isso assustou minha família um pouco, afinal, com 10, 12 anos eu sabia tocar todos os instrumentos que a escola oferecia, tinha uma voz razoável para canto, sabia escrever músicas e sabia mexer em todos os equipamentos de produção, conseguindo produzir uma música. Estranho, não? Foi aí que minha mãe foi atrás para saber o que afetaria uma criança a esse ponto.”

“Para começar que minha família era meio cética, então fomos ver vários monges e gurus e a única coisa que vinha na cabeça deles era que eu tinha um dom. Sim, um dom, mas isso eu já sabia. tem um dom, tem um dom, nossa banda inteira tem vários dons e aposto que nenhum monge, guru, padre ou outra coisa disse isso para eles. E sim, eu li as histórias deles.
Por sorte do destino, eu tinha uma tia um pouco mais aberta em relação à minha família, ela já tinha viajado para diversos países, era um pouco mais aberta, mas ela também não era levada muito a sério. Era filha bastarda do meu avô, era 20 anos mais nova do que minha mãe, então ela nunca foi muito querida, mas ela ainda é irmã da minha mãe e por mais pressionada que foi minha infância, minha mãe a acolhia bem.
- Eu o levaria para um psicólogo, irmã. – Tia Sayuri falou, acariciando meu cabelo.
- Como um psicólogo pode me ajudar? – Minha mãe sorriu para mim.
- Aposto que vai ajudar mais do que gurus.
- Te falta fé, minha irmã. – Minha irmã falou.
- Não, Hiroshi, só acho que é bom ter uma segunda opção.
Bom, encurtando o papo, depois de muitas conversas, minha mãe finalmente me levou a um psicólogo, neurologista, psicopedagogo e eu fui diagnosticado com superdotação...”

- O quê? – gritou, quase caindo do banco. – Você é superdotado? Como eu nunca soube disso antes?
- Não é algo que eu goste de falar muito, porque...
- Mas como não? Eu te conheço há mais de 15 anos! – Ela gritava, animada, gargalhando alto.
- Porque normalmente as pessoas reagem dessa forma. – Melanie, que estava ao meu lado, riu debochadamente, voltando a comer as sobras do almoço.
- Oh, desculpa! – Ela colocou as mãos na boca. - Mas como isso, Dave? Como isso nunca foi relevante para sua vida?
- Se você ler, vai perceber que isso nunca me afetou. Eu só queria viver como uma pessoa normal, estudar, realizar meus sonhos, sair daquele mundo de faz de conta que era Kyoto. – Dei de ombros e ela assentiu com a cabeça.
- Eu vou continuar lendo...
- Melhor. – Falei e ela riu.

“Com o diagnóstico, minha família foi à loucura. Eu sempre fui filho único, minha mãe tinha irmãos muito mais velhos ou muito mais novos, então eu não tinha primos da mesma idade, então eu quase fui uma pedrinha preciosa para todos eles. Imagina sua avó apertando suas bochechas em todo encontro de família e ainda gritando em japonês? Minha vida era basicamente assim.
Eu já tinha uma vida boa, já fazia todos os cursos da vida, mas com o diagnóstico eu fui jogado para todos os cantos do Japão que você possa imaginar. Não sei se sabe, mas o Japão é constituído por quatro ilhas principais e quase sete mil ilhotas, vamos dizer que eu acho que conheço quase todas.
Minha nova paixão, que era produzir músicas, foi simplesmente ignorado por todos ao meu redor, inclusive por professores. Tirando feriados, eu raramente voltava para casa, era jogado em internatos atrás de internatos. Eu não aguentava mais aquela vida, eu não fazia amizades reais, eu não aproveitava os lugares novos, eu parecia uma carga que mudava a cada um ou dois meses de lugar.
Até um dia que eu pedi um basta.
Pedi para pelo menos terminar o ensino médio em casa.
Milagrosamente ela deixou. Acho que ela ainda sentia saudades.
Durante esses últimos anos de escola, eu aproveitei a deixa e consegui voltar para a escola de música da cidade e dediquei todo meu tempo disponível na música, principalmente na parte de produção e aparelhagem. Afinal, já estava craque no piano. Até ganhava uma graninha dando aulas de piano para amigos.
Por causa de quase cinco anos vivendo como um nômade, eu não tinha muitos amigos quando voltei, então acabei tendo que começar muito novo, e ainda com a pressão da escola pelo garoto superdotado, as pessoas acabavam não querendo ficar muito perto de mim por eu ser o nerd da escola. Minha vontade de sumir era sempre maior do que tudo isso.
Mas, eventualmente, eu acabei fazendo algumas amizades que me ajudaram muito na decisão mais importante da minha vida: a faculdade. Eu, como todo mundo do último ano, pensava em fazer uma faculdade, mas nada relacionado à medicina, direito, engenharia ou o que traria honra – e dinheiro – para minha família. Eu queria focar na música.
Já vou adiantar que eu nunca – leia-se NUNCA – tive a menor intenção de fazer uma carreira internacional e famosa. Eu realmente só queria trabalhar com produção musical e, sabe, um dia de cada vez, viver escondido o máximo que conseguisse, mas simplesmente apareceu em minha vida.
Voltando um pouco.
Ao pesquisar sobre universidades de música, eu acabei encontrando a maior faculdade de música do mundo, a Julliard em Nova York, então, aquilo acabou se tornando minha estrela dourada e o meu maior desejo da vida. Só que óbvio que minha família tinha outros planos para isso, mas eu só queria me ver livre deles por um momento, sair de baixo de suas asas e viver minha vida.
- Vamos devagar, David. – Hosun falava. – Eu sei que essa é a maior faculdade de música do mundo, você merece e obviamente vai entrar, mas temos várias escolas boas em Tóquio, algumas com professores até famosos.
- Eu sei, gente, mas vocês não entendem o que é viver assim. Eu não posso dar um passo sem que eles mandem ou me consultem, a chance de ir para Nova York não é só ir para Nova York, é me livrar dessa doideira de tradições, superdotação. – Suspirei. – Eu amo minha família, gente, mas é diferente para mim. – Casey, o intercambista, respirou fundo.
- Eu tenho certeza que você arrasaria na Julliard, cara. E você passaria sem dúvidas, mas eu não tenho ideias de como te ajudar. – Passei a mão na cabeça.
- Podemos fazer um plano. – Hosun falava, animado.
- Qual sua ideia mirabolante? – Falei um tanto desanimado.
- Primeiro que estamos supondo que você vai passar...
- Valeu, cara! – Eu e Casey falamos juntos ironicamente.
- Você vai fazer sua inscrição, vai fazer a prova, nesse meio tempo nós vamos te ajudar a preparar uma música fantástica para você apresentar na sua prova e, quando você passar, você joga a bomba para eles... – Suspirei. – Isso em um caso bem impossível assim.
- Não vamos fazer nada trágico, eu vou falar com eles hoje à noite. Amanhã é o último dia de inscrições nas faculdades daqui, eles vão falar alguma coisa.
- Boa sorte, cara. Você vai precisar. – Casey falou e suspirei.”

“Eu precisava e muito da boa sorte desejada por Casey. Ele tinha a vida que eu sempre quis. Os pais dele eram internacionalistas tailandeses, então eles viajavam pelo mundo inteiro, mas era de uma forma positiva, sabe? Eles sugeriram que ele ficasse na Tailândia, mas ele optou por viajar com os pais para conhecer outras culturas. Eu já queria conhecer outras culturas e não podia.
Mas a questão não era essa, eles tinham aquela visão de que com meu dom eu deveria ter um emprego grandioso, que ganhasse superbem e que me fizesse ter uma estabilidade pelo resto da minha vida. Claro que eu não garantia que a música me desse isso, mas eu tinha 18 anos, era só o que eu queria fazer.
Quando voltei para casa para o jantar, eu não precisei nem tocar no assunto, já que eles faziam questão de me perguntar isso todos os dias. Larguei meus materiais no quarto e voltei para comer, encontrando-os já na mesa. Enquanto eu comia, meu pai fez a pergunta.
Para aqueles que não sabem, meu pai se chamava Takeo, eu não tive contato com ele desde que decidi vir para os Estados Unidos. Ele quebrou relações comigo quando fiz a decisão e alguns anos depois ele faleceu de ataque cardíaco. Eu nunca o mencionei, pois não é algo relevante, é tipo a mãe da , o pai do Jack, não era para ser, sabe?
- Então, filho, amanhã é o dia da escolha. E então, já decidiu o que vai ser? – Suspirei.
- Sim, pai, acho que eu já fiz minha escolha. – Minha mãe sorriu.
- E o que vai ser, querido? – Ela perguntou e eu suspirei.
- Eu vou estudar música, mãe. – Falei. – Em Nova York.
- O quê? – Eles reagiram juntos.
- Não, não, não. Não foi isso que combinamos. – Meu pai falou.
- Não combinamos nada, pai. Eu disse que ia fazer uma escolha e eu fiz. – Falei calmamente.
- Direito ou medicina, você escolhe. – Ele disse e eu suspirei.
- Serei eu ou o senhor que trabalharei em algo que não gosto pelo resto da vida?
- Você tem um dom, filho, não desperdice. – Ele disse.
- Eu não estou. Eu só penso diferente de vocês. – Dei de ombros.
- A escolha é sua. – Ele disse.
- Direito ou medicina? – Ele assentiu com a cabeça. – Nenhum, prefiro trabalhar no restaurante da família. – Me levantei e saí dali, passando a mão pelo papel da minha inscrição e o levei para meu quarto.
Eu tentei me fazer de dramático, mas não deu muito certo, eles vieram atrás de mim, gritaram comigo, eles me deram um enorme sermão, mas eu consegui ficar com a minha carta de inscrição e, assim que eles foram dormir, eu levei a sério a ideia de Hosun e preenchi minha inscrição para Julliard e coloquei na caixa de correios no meio da noite. Primeiro eu passaria, depois pensaria como chegaria em Nova York.”

“A história da minha inscrição como superdotado não acabou, meu pai acabou mandando minha inscrição tanto para direito, como para medicina. Acho que por isso que Virgínia ser advogada foi tão irônico na minha vida, eu tinha certo ódio pela galera desses dois cursos na época da faculdade, mas isso é mais para frente.
Eu não precisei de provas e vestibulares para entrar em Julliard, só com as minhas notas e minha extensa lista de cursos extracurriculares eles já me aprovaram. E com meu vídeo de apresentação impecável e detalhado, tudo ficou mais fácil.
Então, nesse momento eu estava dentro da maior faculdade de música do mundo, eu só não sabia como chegar lá. Eu não tinha muito dinheiro, somente algumas economias com as aulas que eu dava, não tinha documentação, nem lugar parar morar e precisava confirmar minha presença em até um mês e estar lá para o início das aulas em até três.
Hosun podia ser um idiota quando ele queria, mas ele tinha um bom coração e foi uma bela ajuda nessa hora. Foram várias horas e uma longa madrugada pensando nas diversas opções que eu tinha para juntar dinheiro para a passagem.
- Mas e quando eu chegar lá, cara? Nova York é a cidade mais cara do mundo. – Falei, batendo a cabeça na parede mais uma vez.
- Não se apresse, Dave. Chegando lá você dá um jeito. Aposto que você consegue algum emprego de garçom, atendente ou até de professor de piano rapidinho. – Ele me parou. – Você precisa chegar lá antes.
- E como? – Casey perguntou.
- Quanto custa uma passagem de avião para Nova York?
- Uns 100 mil ienes. – Falei, anotando no papel.
- E quanto dá em dólar?
- Uns 900 dólares. – Casey falou.
- Ok, então por que a gente não tenta arrecadar o valor dobrado? Uns 200 mil ienes? Acho que com quase dois mil dólares dá para pagar sua passagem e você se virar com o que sobrar.
- Eu posso ir atrás de dormitório na própria faculdade também, mas só posso pedir isso duas semanas antes da aula. – Falei.
- 200 mil ienes, então? – Hosun falou e nos entreolhamos.
- Acho que sim. – Falei.
- Ok, agora como vamos arranjar tudo isso de grana? – Casey perguntou e eu bati as mãos na mesa.
- Eu cobro 150 ienes por cada aula, estou com uns oito alunos, mas meus pais pararam de me dar dinheiro depois do rolo todo de faculdade, não tá sobrando muito.
- Quanto sobra? – Casey perguntou.
- Se sobrar 25 de cada aula é muito. – Suspiramos.
- Tá, não dá para contar com isso, então. – Hosun falou.
- Bom dia, meninos. – A mãe de Hosun apareceu na manhã seguinte.
- Já amanheceu? – Perguntei, coçando os olhos.
- Já sim, queridos. E vocês conseguiram chegar em um plano? – Ela perguntou.
- Não. – Suspiramos juntos.
- Talvez um pedaço de cheesecake os ajudem a pensar melhor? – Ela perguntou e assentimos com a cabeça.
- Você é um gênio, mãe! – Hosun falou animado e subiu no sofá.
- O quê? – Nós três perguntamos juntos.
- Nós podemos vender suas cheesecakes. – Ele ficou animado. – As pessoas adoram, podemos ir nos lugares turísticos e vender, nós pagamos os materiais e você faz para gente.
- Se não for atrapalhar, obviamente. – Falei rapidamente.
- Claro que não, queridos. – Ela sorriu. – Vou adorar ajudar.
- Ok, por quanto a senhora vende cada cheesecake? – Casey perguntou, pegando o papel da minha mão.
- 500 ienes inteira e 100 o pedaço, dá oito pedaços generosos. – Arregalei os olhos.
- É perfeito! – Falei. – Podemos vender em pedaços que conseguiremos o dinheiro mais rápido, principalmente em pontos turísticos.
- De quanto vocês precisam?
- 200 mil ienes. – Falamos juntos.
- Ok, então... – Ela pegou uma calculadora. – Vocês precisam de 400 cheesecakes. – Ela suspirou, soltando o ar pela boca. – É bastante coisa.
- Ou... – Hosun roubou a calculadora dela. – 250 se vendermos todas em pedaços. – Sorrimos.
- Vamos fazer dar certo, meninos! – A mãe dele disse e sorrimos.”

“Bem, a partir desse dia, nós passamos as próximas quatro semanas vendendo cheesecake nos pontos da cidade. Nós éramos em cinco, a irmã de Hosun e a namorada de Casey também nos ajudavam. Nós pegávamos as cheesecakes com a mãe de Hosun as seis da manhã e cada um seguia para um ponto turístico da cidade.
Eu não podia parar de dar aulas, pois eu ainda precisava pagar toda a documentação necessária, então eu tinha que dar muitas aulas, tinha vezes que ficava quase até meia noite ensinando o dó, ré, mi para adultos e crianças.
Conseguimos o dinheiro mais rápido do que o esperado, mas ficamos mais uma semana trabalhando para pelo menos repor um pouco monetariamente o cansaço que havíamos causado na mãe de Hosun. Ela não estava acostumada a acordar quatro horas da manhã para fazer cheesecakes, sua loja de doces abria nove horas da manhã.
Eu finalmente tinha tudo, só faltava uma coisa no meu coração: o apoio de meus pais. E eu sabia que não teria isso em nenhum momento, mas eles também sabiam o que eu estava fazendo. Eles não falavam, eu não falava, então eu fui só montando meu plano calmamente, juntando todas as informações e me preparando para o começo das aulas em setembro.
Meu voo para Nova York era numa quinta-feira à noite, mas eu tinha comprado passagem saindo de Tóquio, então os meninos combinaram de me levar para Tóquio de carro. Eram quase seis hora, então sairíamos logo de manhã.
Eu arrumei todas as minhas coisas e quando ouvi a buzina do carro da mãe de Casey, eu respirei fundo, fiz uma reza rápida e peguei minhas coisas. Segui para a cozinha, aonde eles tomavam café da manhã, e parei na porta, encarando ambos.
- Mãe, pai, eu estou indo. – Falei devagar, respirando fundo. – Gostaria de me despedir.
Eu esperei, honestamente esperei alguma reação deles, qualquer uma que fosse, mas nenhum dos dois se distraiu do seu café da manhã para pelo menos olhar para mim. Eu esperei cerca de um minuto, parado, encarando ambos. Quando as lágrimas começaram a sair de meus olhos, eu peguei minha mala novamente.
- Isso não faz com que eu os deixe de amá-los, eu os amo, e muito. Eu só quero algo diferente para minha vida. – Respirei fundo e saí de lá.
Saí de casa e acenei para Casey, Hosun e sua mãe. Entreguei as malas para eles e Casey me deu um longo abraço, provavelmente entendendo o que tinha acontecido só com a minha cara de desapontado.
- Me desculpe, cara! – Acenei com a cabeça.
- Foi uma decisão que eu precisei fazer. – Dei de ombros. – Obrigado por me ajudarem nisso.
- Quando precisar, cara. – Ele sorriu. – Vamos lá, temos uma longa viagem pela frente.
- Filho? – Virei e encontrei minha mãe na porta de casa.
- Mãe? – Ela me abraçou fortemente e eu abri um largo sorriso.
- Viva sua vida, ok?! Mas não se esqueça de mim, porque eu não me esquecerei de você.
- Nunca! – Sorri, acariciando seu rosto. – Eu ficarei em contato e você vai me visitar.
- Seja feliz, meu filho. – Ela beijou minha bochecha e eu sorri.
- Obrigado, mãe. – Sorri e acenei mais longe, entrando no carro de Casey, vendo Hosun feliz ao meu lado e senti a bênção dos deuses sobre mim.
Eu não estava mais sozinho.
- Agora sim, David, agora está perfeito. – Senhora Andrews falou.
- Sim, agora posso ir embora em paz. – Vi minha mãe acenando de longe e suspirei.”

“Quando cheguei em Nova York, eu me senti um pouco deslocado, afinal, eu vivi em uma bolha por boa parte da minha vida, não era fluente em inglês e minhas formas de diversão eram um pouco diferentes do que os caras da faculdade faziam. Mas eu tive um colega de quarto, Frank, ele era meio festeiro, meio baladeiro, mas me deu algumas dicas úteis e era bom de ouvir e me ajudar no inglês. Não nos tornamos grandes amigos, não sei o que ele está fazendo da vida dele, mas foram ótimos quatro anos.
Eu tinha pouco menos de mil dólares para viver quando cheguei, mas não esperei a grana acabar para eu procurar um emprego. Entrei em contato com pessoas da faculdade e no fim do primeiro mês eu consegui uma vaga em um dos vários cafés da faculdade. Não era difícil, nem tão horrível e ainda tinha um salário razoável.
No segundo ano da faculdade eu e mais dois colegas de turma conseguimos pagar aluguel de um apartamento aos arredores e, quando juntei mais grana novamente, eu consegui comprar um piano e voltar a dar aulas de piano. Eu amava mixar e produzir, mas o piano sempre foi uma parte importante da minha vida.
Ironicamente, as aulas de piano acabaram viralizando e eu peguei algumas aulas de piano na própria faculdade, claro que como eletivas, nada profissional. Afinal, eu também estava lá para estudar. Tudo começou a se ajeitar.
Algo que vocês provavelmente não devam saber é que Jessica Stone, nossa querida empresária, foi minha veterana em Julliard. Nós não éramos melhores amigos, mas aquela mulher tinha minha idade e estava trabalhando nas melhores gravadoras do mundo, então todo mundo queria se aproximar dela.
Ela vinha durante a semana e voltava para Los Angeles, era algo fantástico. Como eu disse, não éramos melhores amigos, mas ela funcionava quase como uma espiã da gravadora, como se buscasse os melhores talentos para contratar. Eu só vi isso acontecer três vezes. Dois cantores que não atingiram o sucesso desejado e eu.
Aqui entra a história de como eu comecei a trabalhar na Virgin Records, e sim, eu fiquei quase 20 anos lá antes de me juntar à banda. Jessica me encontrou da mesma forma que , inesperadamente. Pensando agora, dois grandes momentos da minha vida foram idênticos. Eu estava produzindo algumas mixagens e elas me encontraram.
Um dia no quarto ano eu estava treinando minha prova de conclusão de curso, uma música que misturava canto, piano e mixagem, quase como one man show, até que ouvi a porta da minha sala de ensaios abrir.
- O filho sempre retorna, não? – Brinquei, vendo Jessica e parando com tudo.
- Relembrando algumas coisas, passeando pelo campus. – Sorri.
- Sempre bom te ver, Jessica, mas imagino que não esteja aqui só porque sentiu saudades.
- Ah, não! Nunca, obviamente. – Rimos juntos.
- E então, o que te traz aqui?
- Você, senhor Sakawa. – Franzi a testa.
- Acho que nunca fomos íntimos o suficiente para você chegar aqui, senhorita Stone. – Rimos juntos.
- Eu acho que podemos parar de graça aqui, David. Você sabe porque eu estou aqui, porque é ótimo, não há ninguém na atualidade que faça o que você faz, e a gravadora te quer. – Ela deu de ombros.
- O que quer dizer com isso?
- Estive te observando, David. Eu sou peixe pequeno na gravadora, mas sei reconhecer um bom talento e você tem. – Suspirei. – Você se forma no próximo mês e gostaria de ser a primeira a te oferecer um emprego. Um emprego de verdade, bom, que você pode realmente mostrar seu talento.
- Na Virgin Records? – Perguntei.
- Não achei que você fosse um cara da Broadway. – Rimos juntos.
- Eu só nunca pensei em ser famoso. Isso não é para mim. Eu sou fechado demais. – Ela deu de ombros. Sim, eu já achei isso um dia.
- Estou te oferecendo um trabalho de produtor, não um contrato de cantor. Você trabalharia na gravadora na produção de todos os cantores que pudessem aparecer, todos que necessitassem sua ajuda. – Assenti com a cabeça.
- É tentador, a maior gravadora dos Estados Unidos. Você deve saber que eu já tenho outras ofertas de trabalho, certo? – E eu realmente tinha, inclusive alguns cantores de R&B famosos. – Eu teria que me mudar para Los Angeles, minha vida mudaria totalmente. O que a Virgin pode me oferecer? – Perguntei e ela riu.
- Além de excelentes condições de emprego, estrutura, liberdade criativa, auxílio-moradia, plano de saúde, odontológico, vale transporte, alimentação, creche, escola e faculdade para filhos, além de ótimas festas de fim de ano?
- Exatamente. – Falei, querendo saber até aonde isso iria. Nenhuma das minhas ofertas tinha tudo isso de benefícios, mas era bom saber.
- Um green card por ser trabalhador registrado em uma empresa americana, você é estrangeiro, certo? Está com visto de estudante.
- Sim. – Falei, assentindo com a cabeça.
- Além de um pequeno salário. – Ela me estendeu um pequeno papel com um valor que eu precisei respirar fundo para não engasgar. – O que me diz?
- Para quando podemos marcar minha entrevista? – Perguntei e ela riu.
- Você não precisa de entrevista, está dentro. – Ela disse, tirando uma pasta da bolsa e me entregando. – Aqui está o contrato completo com todos os seus deveres e benefícios, caso aceite, envie-o assinado para o endereço na última folha. – Sorri. – Espero te ver em Los Angeles, David. – Assenti com a cabeça.
- Também espero, Jessica.
Você pode perceber que desde cedo a Jessica já era a pessoa mais poderosa do mundo. deve ter pego todo o feeling dela, porque ela também tem essa áurea poderosa que intimida todas as pessoas e te traz uma alegria incrível quando você é aprovado por alguma delas.
Isso estávamos falando de um David de 22, 23 anos. Eu ainda estou longe de chegar em Stone e tudo mais, mas eu já estava dentro da Virgin Records, e é lá que eu estava até me encontrar.”

“Bom, eu apresentei meu trabalho de conclusão no festival do meio do ano, foi muito bem elogiado, teve algumas ressalvas interessantes, não vou negar, mas eu me formei com facilidade. Infelizmente minha mãe não pode vir na minha formatura por questões monetárias, mas Casey estava nos Estados Unidos e veio me ver. Foi legal se reencontrar.
Como disse lá em cima, meu pai faleceu de ataque cardíaco pouco tempo depois que eu me mudei. Eu fiquei bem triste quando isso aconteceu, é o óbvio de: peça desculpas hoje, pois você não sabe o que vai acontecer amanhã. Sei que quem me devia desculpas era ele, mas não adiantava mais brigar, ele não está mais aqui.
Por outro lado, minha mãe se tornou mais aberta comigo. Ela foi morar com a minha tia, então acho que ela acabou se abrindo mais de diversas formas. Nunca casou novamente, mas ela estava bem consigo mesma. Nos conversávamos com certa frequência e ela gostava de saber sobre minhas novidades. Não foi diferente quando contei a ela que tinha conseguido um emprego importante em Los Angeles e estava me mudando para lá.
- Eu estou muito orgulhosa de você, meu filho. Você está realmente trazendo honra para nossa família, e do seu jeito. – Sorri ao telefone.
- Mãe, a senhora sabe que eu não preciso disso para crer.
- Você não, mas eu sim, e eu fico feliz. – Suspirei, me sentando em meio às caixas do meu apartamento.
- Obrigada, mãe! O salário é muito bom, espero poder te trazer para cá o mais rápido possível. Você vai gostar dos Estados Unidos, é tudo exagerado, tudo grandioso, tudo incrível. Bem diferente de Kyoto.
- Só me importa te ver, querido David, mas aceito essa visita.
- Deixa eu me organizar e vamos programar, e traga tia Sayuri também, ok?!
- Pode deixar, estamos muito felizes por você. – Sorri.
- E as novidades por aí? O que você me conta de novo?
- Ah, acho que nada querido, eu vi Hosun esses dias, ele está com uma namorada nova, bonita, mas é estrangeira, não é daqui.
- Conversamos há pouco tempo, ele me disse que está feliz.
- Que bom! – Sorri. – E você? Quando vai encontrar uma moça para se casar? – Ri fracamente.
- Eu nunca pensei nisso, mãe. Nem durante a faculdade, acho que eu sou muito focado no meu trabalho.
- É sempre bom ter alguém para compartilhar as nossas conquistas. – Suspirei.
- Quero acreditar que quando for para acontecer vai acontecer. – Guardou essa frase? É muito importante para meu futuro com Virgínia.
- Vai sim, querido, confie! – Sorri.”

Dias depois eu me mudei para Los Angeles. Como sabem, trabalhar para a Virgin Records era simplesmente fantástico. Eles te proviam tudo, davam vários benefícios e eu ainda me divertia trabalhando. No começo eu era quase o estagiário, acabava fazendo coisas a esmo, trabalhando com produtores antigos, que quando nos tornamos bandas nem faziam mais parte da gravadora, mas Henry e Brandon são dois dinossauros naquela gravadora. Bom, eram, até roubá-los para a S Records, mas isso é assunto para outra hora.
Em Los Angeles, eu não morava em LA Brea, me mudei para lá quando meu contrato mudou para um membro de uma banda, inicialmente eu morava perto da faculdade UCLA, em um condomínio residencial também, mas com grande presença de estudantes. Confesso que eu me irritava um pouco, já tinha passado dessa fase de estudante e não tinha interesse em voltar nunca mais.
Eu acabei conhecendo alguns vizinhos e me tornando amigos deles, foi aí que eu meio que voltei para a faculdade. Eles eram alunos, ironicamente de direito e medicina, então eu acabei frequentando algumas festas, bares e cafeterias no qual vários alunos também frequentavam. Eles riam quando eu falava que minha amizade com eles era improvável, entrando em um longo papo sobre minha infância. A reação à minha superdotação era sempre a mesma, igual a de quando ela leu essa parte no livro.
Eventualmente eu acabei deixando para lá essa informação da minha vida, era atenção demais e eu tive bastante atenção sobre isso durante quase 18 anos da minha vida, queria viver de forma nova. Era um lugar novo, emprego novo, pessoas novas, eu podia ser quem eu quisesse e, naquela época, eu seria David Sakawa, produtor musical da Virgin Records.
Eu acabei entrando em um modo loop, eu acordava, trabalhava, as vezes saía à noite, descansava no fim de semana e foi isso por cerca de dois anos. Eventualmente era de se pensar que o trabalho me enjoaria, mas conforme os dias foram passando, eu fui ganhando mais liberdade, trabalhando mais próximo com cantores e bandas.
Mas algo que eu realmente gostava era que produtores não estouravam como cantores, eles viviam às escondidas, então eu podia viver minha vida normalmente. Confesso que era perfeito, a gente tinha o nome, os louros, o dinheiro, mas também tinha a privacidade.
Com o tempo consegui trazer minha mãe para vir me visitar e voltei algumas vezes para o Japão. Apesar de ainda ter contato com meus amigos de lá, não era a mesma coisa, eu era quase um estadunidense, minha vida inteira estava aqui e agora eu só nutria um grande amor pelo meu país e ainda possuía meu sobrenome. De resto? Eu não me lembrava de mais nada.
Com o tempo eu voltei ao piano. Um dos pianistas da gravadora se ausentou e Jessica, agora trabalhando no Reino Unido, antes da sua demissão, alcoolismo e tal, me indicou para esse trabalho. Eu meio que lembrei dele e voltei a oferecer aulas de piano. Não sei, piano me acalmava, eu gostava muito de tocar e sentia que aquilo realmente me acalmava. Diferente da mixagem que me mantinha ligado no 220V a todo momento.
Creio que isso é tudo o que eu tenho para falar da minha vida profissional.”

“Quero fazer um parêntese aqui e falar um pouco de Jessica. Nós tentamos fazer com que ela escrevesse uma história dessas sobre sua vida, mas ela gosta de se manter fora dos holofotes o máximo possível, mesmo tendo criado a maior banda de atualidade – e de 15 anos atrás. Então, Jessica, não me mate, ok?! Acho que já temos liberdade o suficiente para falarmos um sobre o outro e eu acho que o alcoolismo na sua vida me envolve um pouco já que eu te ajudei em diversos momentos, até tudo dar errado, mas prometo que te farei ficar bem na fita, ok? Ou no livro, se preferir assim.
Como viram, minha história com Jessica vem desde os meus 20 anos, praticamente, nos conhecemos há 30, então eu, junto de Brandon e Henry, somos as pessoas que mais podemos falar sobre o que aconteceu para ela ter que se afastar de seus trabalhos e seus deveres.
Dando um rápido enredo para vocês, Jessica é filha da antiga diretora da Virgin, Angelina, ela foi a primeira mulher nomeada à diretora de uma empresa musical. Colocando rapidamente vocês na ordem, após ela veio Daniel Whings e depois o idiota do Patrick Wilson. Ele morreu, então acho que posso falar isso.
Bom, com isso, Jessica nasceu nessa vida de ricos e famosos e acabou ganhando gosto e jeito para a coisa. Seu pai era produtor musical, igual eu, e ela simplesmente tinha ouvido para música, então fez todos os cursos possíveis, aproveitou toda oportunidade que teve durante a gerência de sua mãe e conseguiu.
Ela ficou na gravadora com a chegada de Daniel Whigs e com a de Patrick Wilson. Foi na chegada de Patrick que tudo começou a dar errado. Jessica quando mais nova teve uma doença severa que a tornou viciada em certos medicamentos, não ela ser viciada no medicamento, mas seu corpo ser. Eu não sei explicar direito, mas tinha medicamentos que simplesmente não agiam mais em seu corpo, então quando ela ficava doente, nem que fosse uma simples gripe, ela precisava usar remédios cada vez mais fortes para combater essas doenças e, imagino que saiba que existe álcool na maioria dos medicamentos, se não em todos.
Bem, com isso, ela acabou viciada em álcool, de forma geral, medicamentos, bebidas alcóolicas, até álcool etílico. Só o cheiro a deixava inebriada, não consigo contar quantas vezes Brandon me ligava no meio da noite pedindo para me acompanhar na casa de Jessica, pois ela não atendia ao telefone. Quando chegávamos lá, a cena era a mesma de quando a encontramos quando retornou do hiato.
Depois de muita insistência, ela entrou em uma clínica e se controlou, mas aí ela conheceu o Brent. Ele sempre foi um cara filho da mãe e inescrupuloso, mas ele era bonito e irresistível! O cara ainda é hoje, preciso afirmar isso, mas na época ele era tudo o que é hoje e bonito, então Jessica não resistiu a seus encantos e, quando vemos, eles já estavam de juras de amor.
No início achamos até bom, Jessica sempre foi aquela workaholic que vocês conhecem e Brent a deixava mais confortável, mas ele também a deixava mais tensa, mais alerta, mais nervosa, dando motivos para que ela entrasse em um modo de ciúmes total. Afinal, até hoje duvidamos que ela era única na vida dele.
Só que o que a gente mais estranhava era que Brent se fazia de carente em diversas situações, meio que fazendo o jogo inverso do ciúme para cima de Jessica e isso nos deixava loucos. Inicialmente a gente não sabia que tudo isso acontecia, então eles namoraram por cerca de oito meses, chegaram um dia noivos, casaram quatro meses depois, eu fui na festa e é isso. Final feliz.
Mas não, depois de dizer sim à Brent e ir morar com ele, Jessica se transformou em outra. Ela era mais descontrolada, mais atacada, mais raivosa, chegando até a agredir uma assistente que trabalhava conosco. Adriene entendeu depois que tudo foi explicado, mas ela já tinha pedido as contas faz tempo.
Depois desse fato com Adriene, obviamente Jessica foi demitida, sofreu processo trabalhista e nunca mais a vimos. Éramos colegas, mas éramos colegas próximos e foi aí que percebemos que tinha alguma coisa errada, fomos em sua casa um dia e a encontramos largada em sua casa cheirando à bebida e sem sua aliança de casamento. Aquele dia foi a derrota de Jessica, ela tinha chegado ao fundo do poço.
Eu, Brandon e Henry, os últimos dois principalmente, que tinham mais intimidade, tentaram inúmeras vezes levá-la para uma reabilitação, acompanhavam o tratamento de perto, mas quando ela saía, tinha que começar do zero. Ela não queria se salvar, ela não queria dar uma chance para ela mesma.
Eles acabaram desistindo eventualmente, o trabalho os levou para caminhos diferentes e ela ficou em sua gigantesca mansão em Beverly Hills, todo dinheiro do mundo, muitas bebidas e sozinha. Não é algo que eu goste de pensar.
Nisso já estamos em 2003, então você pode imaginar quem foi a única pessoa que a conseguiu tirá-la da sua miséria, isso a gente precisa agradecer ao Henry. Brandon nunca foi contratado da Virgin, ele fazia trabalhos esporádicos, quase como um freelancer, agora Henry estava lá dentro. Quando chegou o vídeo de , os burburinhos ficaram alto, todos queriam-na, incluindo outras gravadoras – está cochichando que nunca soube disso, BUM! Surpresa - mas ninguém sabia de onde era aquilo. Relva? Que porcaria era aquela? Então, Henry fez o trabalho sujo. Enviou o vídeo para Jessica e, em um passe de mágica, ela estava indo por conta própria para a reabilitação.
Acho que o dia mais feliz da minha vida foi quando ela entrou na Virgin como nova. A última vez que eu tinha visto-a ela estava magra, seus cabelos loiros desbotados, marcas roxas pelo corpo e ela não era mais aquela linda mulher que eu a conhecia, mas quando ela voltou, parece que a Jessica de 25 anos tinha entrado em seu corpo novamente.
Ela realmente era outra, não bebia nem esporadicamente, frequentava as reuniões de Alcóolicos Anônimos e um psicólogo e se sentia bem. Achamos que ficar perto de Brent faria mal a ela, mas digamos que ele foi levemente enxotado pelo pai, afinal, ela conseguiu e nada mais importava. Claro que o tempo foi passando e Brent precisava trabalhar junto, mas ela se virou bem.
Quando se afastou é outra história, vou deixar que ela conte melhor o que aconteceu, mas parecia um formigueiro, no momento em que ela pegou o avião de volta para o Brasil, cada um foi para um canto inicialmente, ninguém nem se lembrou dos outros, e isso afetou Jessica novamente.
Agora, só fechando esse parêntese, Jessica é a pessoa mais forte que eu já conheci. Não forte de força bruta, mas força interna e agradeço à por esse legado incrível, mostrando que tudo o que aconteceu lá atrás não desmerece Jessica em nenhuma situação. Ela é incrível, ela é poderosa e ela merece tudo o que ela ganhou na vida.”

“Confesso que agora não sei porque comecei a falar de Jessica e espero que ela não me mate quando ler isso, mas não precisa ter motivo para ovacionar mulheres fantásticas, não é?! E eu me sinto muito bem por ovacionar todas as mulheres da minha vida, porque elas são demais.
E já que estou ovacionando mulheres incríveis, está na hora de eu falar sobre Virgínia, a mulher da minha vida. Quem me vê agora acha engraçado, pois quando nos conhecemos tínhamos tudo para dar errado, e demos, Virgínia era a pessoalmente mais errada para mim e eu posso garantir que era o cara errado para ela, mas no meio de tantos erros, estamos muito bem casados há 20 anos.
Antes de contar, eu gostaria de lembra-los que a The Fucking Stone é uma banda de estrangeiros e que, tirando a família Derrick, todos aqui viemos de uma parte diferente do globo, possuímos pensamentos, culturas e criações diferentes e é isso que nos torna únicos e fantásticos. Somos abertos, liberais, gostamos de uma boa discussão política, odiamos xenofobia e tentamos espalhar o amor por qualquer lugar que passamos. Então gosto de imaginar que se você está aqui, gosta da nossa banda e nossas músicas, você também tem esse pensamento. Não totalmente igual, mas que nos aceita pelo o que somos e de onde somos.
Ok, dito isso, vamos à minha história.
Como eu disse lá atrás – estou me sentindo na faculdade de novo dando essa floreada toda – eu fiz muitos amigos que eram alunos universitários. Eu era um pouco mais velho que eles, já tinha meus 27, 28 anos, mas aqui nos Estados Unidos eles têm alunos universitários de todas as idades, então não faz muita diferença. E um deles era aluno de direito, como sabem, Virgínia é uma das melhores advogadas de imigração do país, e eles estudavam juntos.
Em uma dessas festas, nós acabamos nos esbarrando. John era da turma dela e eles já tinham ficado algumas vezes, mas de repente ele chegou um dia e disse que sua amiga queria ficar comigo. Tipo coisa de filmes mesmo. Inicialmente eu fiquei meio assim, porque eu ainda tinha na minha cabeça que era muito mais velho que o pessoal dessas festas, mas Virginia é só três anos mais nova do que eu e ela estava no último ano de direito.
Eu olhei para ela e não tinha como dizer não. Ela era alta, bonita, pele morena, cabelos e olhos castanhos, longos cachos em sua cabeça e um sorriso de tirar qualquer homem de órbita. Mas, afinal, como dizer sim para isso?
Eu não citei antes por não ser relevante, mas eu tinha experiência nesse departamento do ensino médio, faculdade e tudo mais, mas as coisas simplesmente aconteciam, ninguém vinha me pedir isso, então o que eu falei foi:
- O que eu deveria responder quanto a isso?
- Que aceita? Olha, eu já peguei, ela é boa. – Franzi a testa e balancei a cabeça. Era estranho, muito estranho, simplesmente aceitar assim. E ainda é estranho eu falar que o John estava me divulgando sua ex. Enfim, a vida é louca.
- Sei lá, topo conversar.
- Mas é patético, mesmo. – Ele saiu revirando os olhos e Herbert só deu de ombros.
- Virgínia é gente boa, pode não ser o amor da sua vida, mas pelo menos ela é bacana. – Ele disse e se afastou quando John voltou com ela.
- Dave, essa é Vi. Vi, David. – Ele falou rapidamente e nos cumprimentamos rapidamente. – Divirtam-se. – Ele saiu.
- Então, Vi... – Falei seu apelido.
- Virgínia, não costumo usar meu nome inteiro, pois acho que é de velha. – Rimos juntos.
- Eu gosto, é bacana. – Ela sorriu. – Então, Virgínia, o que você faz?
- Estudo direito e você?
- Sou produtor musical, me formei em música há alguns anos. – Ela sorriu.
- Ah, que bacana. John mencionou algo sobre. – Sorri.
- É um trabalho bem legal, e você? Que foco você quer seguir na sua carreira?
- Não sei ainda, estou tentando me formar antes. – Rimos juntos.
Descobri que ela era mexicana, estava estudando para trazer uma melhor condição para sua família, gostava de pêssegos... Papo vai, papo vem, uma bebida, duas, três, eu só lembro de estar escorado em uma parede com seus lábios colados no meu. Acordei pelado em casa na manhã seguinte com um bilhete dela ao meu lado e seu telefone.
Eu vou ser honesto e dizer que eu não lembrava de nada daquela noite, nada mesmo, então eu não sabia se tinha gostado ou não, então eu fui um cara bem ruim e não liguei para ela no dia seguinte, nem nos outros que se seguiram. Mas ela tinha gostado, pelo menos era o que eu imaginava inicialmente, então ela elaborou diversos jeitos de nos esbarramos casualmente aqui e ali.
A primeira vez que a gente se reencontrou, depois do fatídico evento, eu achei estranho. Ela chegou muito empolgada, muito apaixonada, muito de beijos e grudes e, cara, eu sou japonês, a gente já é fechado normalmente, com uma reação dessas, eu me fechei em um casulo.
- Dave! – Ela passou os braços ao redor do meu pescoço e seus lábios vieram em minha direção e consegui desviar para receber esse beijo em minha bochecha.
- Virgínia, ei, como está? – Falei, abaixando suas mãos delicadamente.
- Você não me ligou depois daquele dia. – Ri fracamente.
- Me desculpa, é que eu realmente não lembro o que aconteceu naquele dia, eu estava bêbado e... – Franzi a testa, aquilo era horrível de se dizer, mas era real. – Me desculpa, deve estar me achando um idiota.
- Que isso! – Ela riu fracamente. – Afinal, foi eu quem quis.
Aquela garota era um perigo, eu estava totalmente fora de tudo o que estava acontecendo e sabia que entraria em surto se não tirasse aquela pessoa da minha vida rapidamente. Não era assim que eu estava acostumado, ok, eram culturas diferentes, ela é latina, tem um calor mais intenso, mas era estranho ainda.”

“Eu fugi dela um dia, depois outro, e ela não se tocava que eu não ligava para ela, não marcava de sair e ela também não fazia nada, mas sentia que tinha esperanças que eu o fizesse. Até que chegou um dia que eu mandei a real de que não ia rolar nada, eu não pensava nela daquela forma e que não deveríamos ter seguido em frente desde o primeiro dia. Qual é, eu estava bêbado! Passamos a noite juntos e eu não queria nada com ela? Ela podia estar grávida, se quer saber. Não, juro que só tenho três filhos.
- Oi, Dave! – Ela me encontrou sorridente um dia e eu sabia que seria aquele momento.
- Ei, Virgínia, visitando o John? – Perguntei e ela ponderou com a cabeça.
- Estamos nos ajustes finais do nosso TCC, está chegando à apresentação. Falando nisso, você não...
- Podemos conversar? – Peguei a deixa antes de ela terminar e ela me olhou, assentindo com a cabeça.
- Claro! – Ela sorriu.
- Eu não quero soar chato, arrogante ou prepotente, mas acho que isso entre a gente não vai rolar. – Seu sorriso se fechou na hora. – Somos completamente diferentes, você é animada, agitada, eu sou produtor musical, mas meu interior ainda é parado. – Passei a mão nos cabelos. – Você é incrível, bonita, sensual, inteligente, mas eu não consigo. – Dei de ombros. – Está fora da minha zona de conforto e eu não sei se estou preparado para sair dela.
- Eu entendo. – Ela assentiu com a cabeça. – É uma pena, pois eu realmente gostei de você, mas se é sua decisão, eu respeito. – Ela respirou fundo. – Desculpe ser muito invasiva, mas eu também sou assim.
- E não quero que mude, só acho que não estou acostumado. – Sorrimos.
- Tudo bem, amigos? – Ela esticou a mão e eu a apertei.
- Claro! – Sorri.
Você sabe que quando um casal se pega, não dá certo e falam que serão amigos, isso não acontece de verdade, não é mesmo? E foi o que aconteceu. Eu ainda esbarrava nela ocasionalmente, mas porque ela era amiga do John, e éramos vizinhos, mas nos cumprimentávamos educadamente, trocávamos um rápido abraço e cada um foi para seu canto, conseguimos manter assim por um mês.
Não sei, parece que quando ela saiu do modo conquistadora, eu gostei mais dela, acho que eu sentia certo medo dela me atacar com beijos e abraços – desculpe, amor – e, depois que ela entendeu meu lado, tudo ficou mais fácil.
Até que um dia o imaginável aconteceu. Sério, eu nunca esperava receber uma notícia dessas e o pior, entrar nesse barco com ela, tendo a chance de ser deportado. Vai entender, as loucuras que a gente faz por amor. Mas o melhor de tudo: eu não a amava naquela época, pelo menos não dessa forma, sentia certo carinho por ela.
Vamos aos fatos.”

“Um dia eu cheguei mais cedo da gravadora e, enquanto eu me confundia todo para encontrar qual chave abria meu apartamento, a porta de John bateu com uma força que me assustou e ambos saíram gritando do mesmo.
- Eu não vou fazer isso, já falei várias vezes.
- Não custava nada, mas você é um mulherengo que só sabe brincar com esse pênis aí. – Arregalei os olhos com as palavras dela.
- Vai achar outro brinquedinho para suas graças! – Ele falou e bateu à porta fortemente, me deixando travado sobre como agir, afinal, não tinha entendido nada nesse papo.
- Me desculpe, David. Eu estou indo. – Ela falou rapidamente, se virando para o elevador, mas notei que ela estava muito nervosa e desesperada.
- Oh, você não vai sair daqui assim, vem aqui. – Segurei-a pelos ombros, achei a chave e abri a porta do meu apartamento. – Entra aí. – Ela fez o que eu pedi e eu preparei rapidamente um copo de água com açúcar e levei para ela no sofá.
- Me desculpe, eu não queria atrapalhar, eu... – Ela tentou se explicar, mas caía em lágrimas segundos depois.
- O que aconteceu, Virgínia? Você pode falar comigo.
- Eu não quero te atrapalhar com meus problemas, eu devo ir embora.
- Eu não deixo você sair daqui até você me contar o que está te machucando. – Apoiei no móvel da televisão. – Somos amigos, certo? – Ela riu fracamente e eu revirei os olhos.
- Você vai me odiar. – Ela limpou as lágrimas.
- Tudo bem, amigos se odeiam em algumas situações, mas se são amigos de verdade, ficam com a gente.
- Você não sabe o que está falando. – E ela estava certa, eu não sabia. E foi com aquela frase que eu me ferrei, de certa forma.
- Ok, mas vou te dar o benefício da dúvida e se você ficar bravo comigo, não vou me importar, só peço para que não me denuncie. – Franzi a testa.
- Por que eu faria isso?
- Porque eu estou aqui ilegalmente, David. – Arregalei os olhos.
- O quê? – Me sentei em sua frente e encarei fundo em seus olhos.
- Eu estou aqui ilegalmente, David.
- Mas como? – Perguntei.
- Eu passei na UCLA, mas meu visto foi negado porque minha família já tem histórico de ter sido deportada por atravessar pelo México, mas eu não podia perder a melhor oportunidade da minha vida. – Ela suspirou. – Nunca ganhei nada, sempre foi na raça e dessa vez eu tinha passado por merecimento, mas eu não podia vir por uma lei idiota. – Ela suspirou.
- Mas como você está aqui?
- Eu tinha pedido um visto de turista com a desculpa de fazer o vestibular aqui, eles me deram por um ano, usando a desculpa que teriam outras fases e teve. Quando estava para começar o curso, eu vim para cá, faltava uns seis meses para acabar e quando ele chegou perto de acabar, eu não fui embora. – Ela suspirou.
- E como você está na faculdade? Frequentando e assistindo aulas?
- Eu forjei alguns documentos, advogada, né?! – Ela deu de ombros. – E eu estou conseguindo me livrar desde então, mas agora está perto de eu me formar e eu não sei o que fazer. Porque eu não posso ir embora por meios convencionais e eu também não quero perder todo meu curso por causa disso.
- Meu Deus, Virgínia, eu realmente não sei como te ajudar com isso. – Suspirei.
- Eu tentei fazer com que você me ajudasse sem perceber, mas não deu certo, não consegui fazer com que você gostasse de mim. – Franzi a testa.
- Como assim? – Ela suspirou.
- É agora que você vai me odiar. – Ela respirou fundo. – Eu queria casar contigo ou engravidar de você, assim eu conseguiria ficar aqui e dentro das leis. – Suspirei.
- Você queria casar comigo? – Falei um tanto alto.
- Me desculpe, eu sei que foi um erro, mas era minha única alternativa. John sabia do meu plano e tentou me ajudar, mas se ele casasse comigo, tudo ficaria mais fácil, mas aquele filho de uma puta...
- Espera aí! – Parei-a rapidamente. – Mas eu sou japonês, como você faria isso dar certo?
- Você já tem o green card por trabalho em uma empresa genuinamente americana. – Ela deu de ombros. – Só juntar um mais um.
- Deus, Virgínia, você se meteu em...
- Uma bela enrascada? Sei bem. – Ela suspirou. – Mas obrigada. – Ela me devolveu o copo. – Eu vou dar um jeito, pelo menos tentar não perder tudo o que aprendi. – Ela se levantou do sofá.
- O que precisaria fazer? – Perguntei, curioso.
- Fazer o serviço de imigração achar que somos um casal apaixonado e ficar casado por pelo menos um ano. – Ela suspirou. – Ou ter um filho em solo americano, mas eu tenho três meses, é pouco tempo para isso. Além de que não seria o ideal para minha carreira agora. – Suspiramos.
- E como você se safaria da não deportação quando seu nome caísse no sistema? – Perguntei.
- Eu tenho um professor advogado que está me ajudando com tudo, pro bono, eu precisava só achar alguém que aceitasse fazer parte disso, mas eu falhei. – Ela suspirou. – Talvez eu nem devesse ser advogada, eu sou péssima em convencer as pessoas. – Ela seguiu até a porta. – Mas obrigada, Dave, espero que te veja novamente no futuro.
Respirei fundo, passando rapidamente algumas informações na minha cabeça, fazendo conta de datas, entre outras coisas, e balancei a cabeça, tentando fazer com que essa ideia escapasse de minha cabeça, mas foi aí que eu fiz a coisa mais louca da minha vida.
- Virgínia. – Chamei-a quando ela estava quase fechando a porta novamente.
- O quê? – Ela perguntou.
- Eu te ajudo. – Falei rapidamente. – Eu caso contigo. – Ela arregalou os olhos e entrou correndo novamente, fechando a porta.
- Você está brincando comigo, não é mesmo?
- Deveria estar, porque eu não estou acostumado a entrar em loucuras assim, mas de certa forma é culpa minha, não é?! Eu que não me apaixonei por uma mulher incrível como você. – Rimos juntos.
- Isso é sério, Dave, você pode ser deportado também, perder tudo, isso pode dar muito errado. – Suspirei.
- Eu sei, mas pelo menos posso dizer que fiz alguma coisa corajosa pela primeira vez na minha vida. – Dei de ombros.
- John me contou sua história e posso te garantir que não é a primeira vez. – Sorri.
- Então, vamos nos casar mesmo? – Perguntei e ela suspirou.
- É uma decisão sua. – Ela disse e eu assenti com a cabeça.
- Vamos lá. – Falei e ela sorriu, me abraçando fortemente.”

“Depois desse dia, eu e Virgínia acabamos nos tornando grandes amigos e nos afastando de qualquer outra pessoa que pudesse estragar nosso plano. Eram nós, nossos amigos e só. Não contamos para nossas famílias, pois sabíamos que não seria algo fácil e nossos amigos, apesar de nos acharmos loucos, nos apoiavam.
No mês que se seguiu, focamos em criar um plano perfeito para ter o mínimo de chances de nos desmascararem, além de sairmos quase todos os dias para almoçar ou jantar juntos para que as pessoas da vizinhança nos vissem e pudessem ser entrevistadas.
O plano nem era tão difícil, nós nos conhecemos quando me mudei para Los Angeles, nossos amigos nos apresentaram, inicialmente as coisas não deram certo, mas depois estávamos loucamente apaixonados. Nem é tão diferente da verdadeira, tirando o fim. Eu a pedi em casamento há cerca de seis meses e escolhemos esperar o fim do seu curso para juntarmos as escovas de dente.
Sobre o fato dela ser ilegal? Eu falaria que sabia, ela havia me contado sobre tudo, caso me perguntassem porque eu não a denunciei, falaria que não conseguiria viver sem ela e que a ajudei a encontrar um advogado que nos ajudasse com isso e é por isso que estávamos lá.
Nós nos casamos em uma cerimônia muito íntima aqui no cartório de Los Angeles, na mesma sala em que Emily e Amir e Mack e Delilah quando eles se casaram. Estavam presentes as irmãs de Virgínia, poucos amigos que sabiam sobre isso, Jessica, Brandon e Henry, não passavam de 15 pessoas. Não queríamos envolver essa mentira para muitas pessoas, porque era maior chance de dar totalmente errado.
- Estamos aqui reunidos, em cerimônia pública no cartório de Los Angeles, sexta-feira, 13 de maio de 2002, às 16:30 da tarde, para reunir David Sakawa e Virgínia Benita, imigrante japonês e mexicana. – O juiz de paz falou. – Vocês dois estão conscientes sobre as leis e diretrizes de um casamento?
- Sim. – Falamos juntos.
- Sabendo todas as diretrizes, vocês querem se unir em matrimônio? – Ele perguntou novamente.
- Sim. – Falei um tanto nervoso.
- Quais são as testemunhas presentes? – Ele se virou para nossos amigos.
- Brandon Barrett.
- Henry George.
- Lydia Benita. – A irmã de Virgínia falou.
- John Blake. – Ele não aceitou se casar com ela, mas aceitou nos ajudar.
- Vocês, testemunhas, estão cientes das mesmas diretrizes legais do casamento?
- Sim. – Eles responderam em coro.
- David Sakawa, Virgínia Benita, pelo poder investido em mim pelo estado da Califórnia, eu vos declaro marido e mulher. – Ele falou, antes de assinar um papel e virar para nós dois que fizemos o mesmo.
Assim que assinei, peguei uma caixinha no bolso, mostrando duas finas alianças e Virgínia sorriu surpresa. Um casal precisa de alianças, certo? Trocamos rapidamente, sentindo aquele anel encaixar em meu dedo a partir de agora durante um ano e sorri.
- Você pode beijar a noiva. – John cochichou para mim e eu ri nervoso.
Segurei-a pela cintura, vendo-a me apertar pelos ombros e colei meus lábios delicadamente dos dela, ouvindo nossos amigos gritando empolgados. Olhei para eles rapidamente, vendo todos fingindo muitas felicidades menos Jessica, ela não achava certo, mas ela também não se opôs a isso.
Agora começava a regressiva de 365 dias.”

“Depois do casamento, Virgínia foi morar comigo e algumas semanas depois entramos com o pedido. Acredite, foi bem menos pior do que eu esperava, principalmente porque eu também era estrangeiro. Eles nos chamaram para entrevistas, levamos fotos e comprovantes do nosso “amor” desde o tempo que começou, alguns forçados pelo pessoal do laboratório de fotografia da UCLA, mas deu tudo certo na nossa primeira entrevista.
Virgínia teve que pagar uma multa de quase 100 mil dólares por causa da permanência ilegal no país durante esse tempo todo. Acredite, a multa foi pequena baseada em tudo o que poderia acontecer de pior. Eu ganhava bem, então ajudei-a pagar. E ela estava começando seu escritório de advocacia, focado em imigração, e foi me pagando conforme dava.
Eu a ajudei a ter essa ideia do escritório, era perfeito para ela, e gosto de dizer que, atualmente, ela é a melhor aqui nos Estados Unidos do assunto. Acho que por causa de sua história, as pessoas botavam confiança nela, mas durante nosso primeiro ano de casados ela só era Virgínia Benita, advogada de imigração.
Nós vivíamos bem, tínhamos uma certa cumplicidade interessante. A gente se divertia muito conversando, cozinhando, era quase um casal, só não tinha nenhuma relação física entre nós, só quando saíamos juntos de casa, por causa daquela questão de as pessoas puderem ser entrevistas pelos agentes de imigração que poderiam aparecer eventualmente. Então, eu passava o braço ao redor de seu corpo, ela me dava alguns beijos no rosto, mas quando entrávamos em casa, éramos amigos novamente.
Tivemos a visita do oficial de imigração duas vezes enquanto estávamos casados. A primeira Virgínia estava trabalhando, ela tinha alugado uma sala há alguns quarteirões dali. O convidei para entrar, ofereci algo para beber, fiz questão de ele ver toda nossa intimidade, inclusive os diversos porta-retratos nossos, além de oferecer para irmos até seu trabalho, mas não foi necessário. E na segunda vez nenhum de nós estava, então ele acabou tocando na porta de John, conversou com o porteiro do condomínio e com alguns vizinhos que ele encontrou pelo meio do caminho.
John disse que falou que era nossos amigos, que estávamos sempre juntos e tudo mais, agora não sabemos o que nossos vizinhos falaram, mas imagino que eles conversaram com o senhor Harry, ele sempre ficava lá embaixo lendo seu jornal e fazendo palavras cruzadas, mas ele gostava muito da gente, então não era difícil. Sempre que nos via ele falava:
- “Olha o meu casal favorito”. – Então imagino que tenha dado tudo certo.
Vivemos assim por um ano, mas os dias estavam passando e parecia que esperávamos ansiosamente por esse dia. Pelo menos eu. Não que um cara depois dos 30 tivesse muito o que fazer, mas pelo menos morar em casas separadas seria bom, voltar a ter minha liberdade de tudo mais.
O dia que completamos um ano de casamento, nós fizemos uma festa em meu apartamento. Não comemorando o casamento, mas comemorando que nossa farsa tinha dado certo. Eu lembro que bebi para caramba e acordei pelado em minha própria cama.
Eu tinha dormido de novo com Virgínia e não me lembrava de nada novamente. Só alguns lapsos passavam pela minha memória, mas eu estava perdido novamente. Suspeitei que tinha acontecido algo pelo fato de ela estar muito envergonhada perto de mim. Ela não precisou usar palavras, mas eu já sabia. Esse foi outro motivo para eu estar feliz, as coisas estavam começando a se misturar.”

“Um dia eu cheguei do trabalho e peguei as cartas na caixa de correio e encontrei a desejada carta no meio de todas, era o processo finalizado de Virgínia e a comprovação de seu green card. Era aquilo, estava tudo acabado. Entrei no apartamento e a encontrei fazendo almoço, lembro de ouvir sua voz me chamar algumas vezes, mas só a percebi quando ela me puxou pelo ombro.
- Meu Deus, David, o que aconteceu? – Ela me perguntou e eu estendi o envelope para ela.
- Isso chegou para você. – Me apoiei na parede e a olhei abrir a carta empolgadamente.
- Chegou? – Ela sorriu ao ler rapidamente o papel e depois pulou em meus braços, me apertando fortemente. – Obrigada, Dave. Obrigada, obrigada, obrigada! – Ela falava repetidamente e eu ri fracamente.
- Sobrevivemos juntos, Giny, não precisa me agradecer. – Ela sorriu.
- Mas sério, foi muito importante para mim, quem diria que um estranho me ajudaria tanto? – Dei de ombros.
- Para você ver, mas foi legal, vai.
- Sim, foi. – Ela suspirou.
- Bom, agora, senhora advogada, você pode elaborar nosso pedido de divórcio. Você está livre. – Ela me olhou com a testa franzida.
- O que disse? – Ela perguntou e eu ri fracamente da confusão em seu rosto.
- Você está livre, podemos fazer a festa de divórcio. – Vi seu peito subir rapidamente.
- Mas eu acho que não quero me separar, Dave. – Ela disse. – Eu acho que eu te amo de verdade.
- O quê? – Travei, mas no segundo seguinte ela pulou em meus braços e me beijou.
Dali seguimos para o quarto e não preciso descrever exatamente o que aconteceu, não é? Dessa vez eu pelo menos lembrei do que aconteceu. Depois conseguimos conversar melhor.
- Como isso aconteceu? – Perguntei e ela riu fracamente.
- Eu não sei, só sei que a vida nos juntou de uma forma bem engraçada.
- E perigosa. – Falei.
- Eu não acredito que deu certo e que eu ainda encontrei de verdade o amor da minha vida. – Sorri, tocando meus lábios em seus cabelos.
- Bem, depois dessa revelação, senhora Sakawa, o que devemos fazer? – Perguntei e ela girou na cama, me encarando.
- Eu sugiro que nos casemos de verdade, com direito a apresentação aos nossos pais e também contar tudo o que aconteceu até hoje. – Sorri.
- Minha mãe vai ficar feliz por eu estar casando. – Assumi e olhei para ela. – Vai ser legal.
- Já é legal. – Ela sorriu. – Não vai mudar nada! – Sorrimos cúmplices.
- Marido e mulher? – Perguntei e ela assentiu com a cabeça.
- Pelo resto da vida. – Ela colou os lábios nos meus novamente.”

“Você pode imaginar a piada que foi contar isso para todo mundo que estava envolvido nessa mentira que realmente estávamos juntos agora. Rolou piada de todos os lados e demorou para essas piadas passarem, mas ok, estamos vivos, estamos juntos e, o melhor, ninguém foi preso.
Pela lei nós estávamos casados, mas em nossos corações não, então fizemos tudo o que um casal faz quando está se conhecendo. Fomos a encontros e eventos de verdade, conhecemos cada detalhe íntimo da pessoa e nos abrimos para outra pessoa da mesma forma que só nos abrimos para nós mesmos.
Cerca de seis meses depois, nós decidimos casar de novo, de verdade agora. Tivemos uma bênção no Japão, em Kyoto, e outra no México, em Cancún, Virgínia é de lá. Além disso, fizemos uma grande festa em Los Angeles para todos nossos amigos e familiares. Não podíamos estar mais felizes, eu estava honestamente nas nuvens.
Eu nunca imaginaria que depois de um ano eu encontraria o amor da minha vida dentro da minha própria casa, morando com ela há um ano, mas encontrei, e encho a boca para dizer que estou com ela até hoje. Temos duas filhas e um filho maravilhoso, passamos por altos e baixos em nossas vidas, mas vivemos muito bem, obrigado.
O tempo foi passando normalmente, Virgínia cresceu na carreira, se tornou uma advogada renomada, começou a ser reconhecida e atualmente possui uma equipe de mais de 30 pessoas, além de ter Amir como seu sócio e Gemma que se formou recentemente e voltou para os Estados Unidos com Matheus, mas isso é outra história.
Minha vida não deu nenhuma mudada até o meio de 2004, eu ainda era produtor da gravadora, professor de piano nas horas vagas e tinha uma única obrigação de fazer minha esposa feliz.
As coisas começaram a mudar quando Jessica voltou com tudo para a Virgin Records, depois de passar por longos meses em reabilitação. E com ela, , a menina que todos procuravam desesperadamente e queriam muito fechar um contrato com ela. Acho que ela está sabendo disso agora, porque acabou virando um tabu. A Virgin encontrou primeiro, então ela ofereceu o contrato de exclusividade que ela quisesse.
A primeira vez que ouvi o nome , foi em um almoço com os produtores da gravadora. Eles cochichavam sobre a nova garota misteriosa que eles tinham encontrado, mas não me interessei em perguntar o que estavam acontecendo. A Virgin tinha níveis, caso tal informação fizesse parte do seu nível, ela era compartilhada com você, do contrário, não era do seu interesse. Como não era do meu interesse, eu não sabia de nada.
Quando ela chegou, eu a vi de longe em diversas situações, até conversava um pouco com Brandon sobre o estilo que ela aderiria como cantora e como poderia ajudar, mas nada mais. Eu continuava fazendo meu trabalho de produção, ajudando o pessoal a criar músicas, mixagens e produções sensacionais.
A primeira vez que eu vi seu vídeo, sabia que era realmente um diamante bruto, eu não era do canto, o meu só era usado para produção, mas quando a ouvi cantando com nosso trio de professores, fiquei abismado. Aquela garota tinha tudo para dar certo na música, além de que ela tinha coragem, enfrentava Patrick e Brent de frente e me dava uma alegria interna.
Eu não trabalhava diretamente com ela, atualmente estava produzindo para uma boyband, seria a One Direction daquela época, mas deu muito errado, não saiu do primeiro sucesso, mas mesmo assim eu criei boas produções para eles.
E foi em uma dessas produções que eu conheci .”

“Eu gosto de dizer que eu amo meu trabalho, muito mesmo, mas imagina você trabalhar na mesma coisa por quase 15 anos? Acaba enjoando, certo? Então, quando eu tive a oportunidade de mudar minha realidade, nem que um pouco, eu a agarrei da mesma forma que Giny quando nos casamos pela segunda vez.
Um dia eu fiquei trabalhando na gravadora até tarde, pois Patrick adiantou o lançamento dessa boyband – não, eu não me lembro nem do nome, para ver como foi insignificante – e nesse dia estava acontecendo uma pequena festinha interna da banda de Stone – nome artístico escolhido. Então, tinha todas as pessoas da banda e eu trabalhando no estúdio de sempre.
Eu estava tão ligado em minhas aparelhagens e em toda mixagem perfeita para uma música perfeitamente coreografada que nem percebi quando a porta foi aberta, então só acabei percebendo sua presença quando ela falou.
- Ei! – Ela disse e eu ergui o olhar para ela.
- Oi! – Falei. – Posso te ajudar? – Perguntei, tirando o fone da orelha.
- Você trabalha aqui? – Ela perguntou e eu assenti com a cabeça.
- Sim, eu produzo algumas músicas. – Falei e ela assentiu com a cabeça. – E você?
- Stone! – Ela disse e eu assenti com a cabeça, rindo fracamente.
- Oh, então é você! – Dei um sorriso e ela assentiu com a cabeça.
- O que você faz em seu horário de folga...
- David! – Me apresentei. – Eu dou aula de música. – Dei de ombros.
- Eu realmente gostei do seu som, você consegue reproduzir sons para um show ou gravações? – Ela perguntou e eu dei de ombros.
- Claro, é como tocar piano. – Falei rindo. – O que eu toco também.
- Você toca piano e é DJ? – Ela perguntou um tanto surpresa.
- Estranho, não?! – Falei e dei de ombros.
- Mais ou menos. – Rimos.
- Eu canto um pouco também, gosto mais de rap. – Falei rapidamente.
- Você gostaria de fazer parte da minha banda? – Arregalei os olhos. – Acho que poderia muito bem usar um DJ. – Abri um sorriso.
- Mesmo? – Perguntei rapidamente.
- Se você não tiver medo de palco e não se importar em ficar com muitas crianças ao seu redor. – Ri fracamente.
- Não me importo. – Ela sorriu.
- Te vejo amanhã, então? – Ela perguntou.
- Com certeza! – Respondi e ela deu de costas.
- Oh, David! – Ela se virou novamente. – De onde você é?
- Nasci no Japão, mas estou aqui há 20 anos. – Falei e ela deu um largo sorriso.
- Isso é demais! – Ri fracamente. – Até amanhã! – Ela gritou e puxou a porta novamente.
- Isso só pode ser brincadeira. – Falei sozinho e balancei a cabeça.
Eu tinha acabado de aceitar fazer parte da aposta da gravadora sem nem pensar duas vezes. Eu não pensei se a gravadora aceitaria isso, eu não pensei em Virgínia, eu não pensei se isso era real, eu simplesmente disse sim para uma menina de 18 anos. Era loucura.
E eu não precisei fazer nenhum teste para isso, tinha sido fácil demais.
Já estava tarde aquele dia, finalizei minhas coisas e fui para casa pensativo, a primeira com que eu falei sobre foi Virgínia. Ela ainda estava analisando alguns processos quando cheguei tarde da noite em casa, mas fez questão de parar para me dar um pouco de sua atenção.
- Meu Dave virar um rockstar? – Ri fracamente.
- O assunto não é esse agora, Giny. Eu falei que aceitava, mas não sei se é uma boa ideia, tipo, eu estou na gravadora há muitos anos e do nada entro em uma banda? Eu nunca pensei nisso.
- Não é porque você nunca pensou que seu subconsciente não pensou. – Franzi a testa e ela riu. – Amor, qualquer novidade na vida faz bem. Nem sabemos ainda se a banda fará sucesso, mas vai ser uma forma de você focar em outra coisa. – Ela segurou minhas mãos sobre a mesa. – Você ama produzir e tocar, não ama?
- Só não mais do que amo você. – Ela sorriu.
- Então, dê uma chance! – Ela suspirou. – A banda é de Jessica, não é?
- Cantora, na verdade. A banda seria de apoio.
- Mais fácil ainda. – Ela suspirou. – Vá cedo para gravadora amanhã e fale com Jessica primeiro, veja o que ela acha e deixe que ela enfrente Patrick, você só viu uma oportunidade e pegou. Não vejo problema nenhum nisso. – Suspirei. – E outra, se você não gostar, você tem todo direito de mudar de opinião. Já ganhamos muito bem, alguns zeros na conta não farão tanta diferença. – Suspirei.
- Talvez não. – Ela sorriu e estalou um beijo em meu rosto delicadamente.
- Agora vamos! Tomar um banho, deitar e dormir. – Ela se levantou e eu ri ao ver que ela começava a tirar meu casaco.
No dia seguinte eu fiz o que Virgínia me indicou e falei com Jessica. A cara de espanto dela quando me viu na entrada da gravadora as seis da manhã foi impagável, eu não esqueço nunca mais.
- Meu Deus, Sakawa, madrugou, é?! – Ela perguntou e eu suspirei.
- Precisamos conversar. – Falei.
- Stone te chamou para integrar à banda dela, acertei? – Ela disse.
- Como você sabe? – Ela me mostrou o celular com uma mensagem que não identifiquei, mas vi que era de .
- Ela é boa, Dave, um pouco mais intrometida do que Patrick queria, mas funciona. – Ela deu de ombros e a segui para dentro de seu escritório.
- O que você acha que eu devo fazer? – Ela me encarou na porta.
- O que você quer fazer, Dave? Patrick é um merda, mas você está conosco há 15 anos, não se esqueça disso, acho que você pode tirar alguns benefícios desse emprego.
- Seria legal mudar de ares, de vez em quando... – Ela suspirou.
- Senta! – Ela disse e eu fiz o que ela pediu. – Antes de mais nada acho que eu preciso te explicar o que implica esse trabalho, antes de você assinar um contrato, pode ser?
- Por favor. – Falei.
- Ao decidir se tornar um artista da gravadora, sua vida vai mudar completamente, Dave. Você vai ajudar na escrita, na produção, na gravação, vai ter que estar presente para gravação de material, ensaios, shows, turnê. Imagine seu trabalho hoje, de produção e gravação e coloque cerca de 10, 12 novas responsabilidades. – Suspirei. – Isso que é ser um artista. Se você acha que está pronto para mudar sua vida radicalmente, eu digo para aceitar, mas caso não esteja pronto, não entre nesse barco para “mudar de ares de vez em quando”. – Suspirei.
- Mas você acha que eu seria uma adição boa à banda?
- Você seria a melhor adição, até melhor que . Você tem experiência na prática, Dave, você sabe como as coisas funcionam, você escreve, você produz. é um diamante bruto ainda, ela canta. Só isso. Ela não escreve, ela não toca, ela não tem noções de produção. Você ao lado dela faria ela decolar muito mais rápido.
- Não conversamos muito, mas ela me parece uma boa pessoa. – Ela sorriu.
- E ela é. Tenho grandes planos para essa garota e espero não estar errada. – Assenti com a cabeça.
- Também espero, sabemos o que a última decepção te fez. – Ela suspirou.
- E aí, preparo seu contrato? – Ela perguntou.
- Por favor. – Sorri e me levantei.
- Se arrume, temos a primeira sessão fotográfica como banda às 15 horas.
- Já? – Franzi a testa.
- Estamos há quatro dias do prazo do Patrick, quero dar motivos para ele se irritar. – Rimos juntos e me levantei.”

E às 15 horas eu estava lá, com um contrato, muito melhor que o meu, assinado, usando minhas roupas casuais e conhecendo pessoas de 10 a 15 anos mais novas do que eu. No começo eu me senti um peixe fora d’água, mas tem o dom de fazer com que você pertença em um lugar rapidamente. Além de que eu sempre gostei de conhecer outras culturas e tínhamos várias na banda.
Fazer parte da The Fucking Stone é algo que eu nunca pensei na vida, nunca mesmo, mas pensando na minha vida agora, eu percebo que nunca fui do tipo que me acomodava. Achava que sim, devido à minha família, minha cultura e todas as pessoas à minha volta, mas não.
Eu fui o cara que fugiu de casa para estudar, que casou com uma pessoa só para ajudar ela a ganhar o green card e decidi trocar toda minha realidade de 15 anos por uma incerteza. Ao começar essa história, me sentia o cara mais clichê do mundo, mas pelo visto não. Então, obrigado, fãs. Obrigado por estarem lendo isso, porque essa história de 20, 30 páginas fez muito mais do que só contar minha história para vocês, fez com que eu me descobrisse mais ainda, mesmo passando dos 50 anos.
Falando em idade, eu não percebei que ela chegou até falar a plenos pulmões dela. Não, é meio dramático pensar no número, mas eu não me sinto diferente do que me sentia com 35 anos. Eu sei que eu ainda tenho o dom, eu sei que eu ainda tenho o poder e ainda colaboro com que a gente permaneça no topo desde o começo.
Claro que eu tive algumas surpresas no meio do caminho, primeiro foram as trigêmeas, depois o crescimento delas, uma se descobriu transgênero, a outra é lésbica, enfim... Foram sustos que fomos aprendendo a lidar calmamente dia após dia, mas é a nossa vida, seria bem chata se não tivesse nada de interessante para contar, não é mesmo?
Quando tudo começou lá atrás, ficamos assustados, retraídos, não sabíamos como agir, mas com o passar do tempo, acompanhamento dedicado com profissionais competentes fez com que nosso mundo fosse se expandindo cada vez mais e hoje falo com orgulho que tenho duas filhas e um filho. É assim, essas são as surpresas da vida.
Os três estão na escola, aquele começo com namoradinhos está começando a aparecer, mas realmente não tenho mais nenhuma preocupação com eles. Virgínia é a melhor advogada de imigração dos Estados Unidos, construiu uma vida e uma carreira longe de The Fucking Stone e encontrou seu lugar ao sol.
E eu? Gosto de dizer que eu estou muito bem, fazendo parte da melhor banda da atualidade. E aonde vamos chegar? Não sei, já chegamos no céu e nas estrelas, já enfrentamos água e fogo, então, quem sabe o que nos aguarda dali para frente?
Por enquanto só sinto orgulho de tudo o que nós construímos ao longo do tempo e espero que nossos deuses permitam que consigamos fazer muito mais.
Nem que eu tenha que tocar de cadeira de rodas.”

- “Nem que eu tenha que tocar de cadeira de rodas”. – finalizou e todos ao redor sorriram, aplaudindo animadamente. – Está maravilhosa, Dave, obrigada por isso. – Sorrimos e a abracei de lado, vendo-a se levantar do banco. – É isso, gente.
- Acabamos, então? – Mack perguntou animado.
- Acho que sim. – disse. – Acho que agora podemos dizer que essa é a história de The Fucking Stone, não só minha. Vocês fizeram com que essa história ficasse um pouco mais interessante de ler.
- Ela já é, meu amor. – falou sorrindo. – A história de vocês é perfeita.
- Agora, qual é o próximo passo? – Emily perguntou.
- Agora Agatha entra nessa história, faz toda a parte de revisão, ajustes e envia para a editora. Aí podemos esperar o lançamento no fim do ano. – falou.
- E o que você vai fazer? – Melanie perguntou.
- Eu não sei, isso me deu algumas ideias. – suspirou. – Talvez esteja na hora de eu falar sobre tudo o que aconteceu. – Ela suspirou.
- Falar ou... – Mike fez o movimento de escrita.
- Escrever, obviamente. – Ela falou e rimos juntos.
- Vamos lá, eu te ajudo. – Mike disse e ambos sorriram. – Dave, salva isso aí e nos encontra lá em cima.
- Pode deixar. – Falei e o pessoal começou a se dissipar da cozinha, me fazendo voltar para o notebook e fazer o comando para salvar mais uma vez por precaução.
- É isso, cara! – falou atrás de mim e eu virei para ele.
- Agora vai ficar tudo bem, cara. Ela falar sobre o incêndio, você vai ver, ela vai melhorar. – Ele assentiu com a cabeça.
- Foi quase um ano, Dave. Eu vi aquela mulher forte e incrível se apagar aos poucos em minha frente. Ela não percebe, mas ela precisa disso e odeio quando a vejo assim. – Bati em suas costas.
- Todos nós odiamos, cara. Eu te entendo, mas ela vai ficar bem. Ela já está em tratamento, as coisas estão voltando a andar, ela só precisa colocar para fora da sua maneira: cantando. – Ele assentiu com a cabeça.
- Pode me emprestar o notebook, por favor? – Ele perguntou e franzi a testa.
- O que você vai fazer? Acabou, não? Eu era o último. – Perguntei e ele ponderou com a cabeça.
- Não sei, ainda acho que tem mais coisa para contar. – Dei de ombros e entreguei o eletrônico a ele.
- Eu confio em você, , mas não faz ela surtar. – Rimos fracos.
- Relaxa, ela não vai nem saber. – Sorrimos cúmplices e eu gargalhei.
- Boa sorte com isso! – Falei e ele abanou a mão, subindo às escadas novamente.




Continua em Bem Antes do Amor Acontecer.



Nota da autora: Escrever e encontrar a história ideal para o cara, na minha opinião, mais sensacional e mais família dessa banda, foi muito difícil! A história dele precisa ter muito mais gama do que dos outros, pela questão da idade, então eu fui pescando na memória o que eu poderia criar e veio essa história de amor engraçada e deliciosa!
Espero que vocês gostem, que tinham gostado desse especial, mas ainda tem mais e apertem os cintos, pois o melhor sempre fica para o final!
Beijos e até a próxima!


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    Nota da beta: O David é maravilhoso demais, amei a forma como ele conheceu sua esposa, que loucura, hein? Hhahahha, e que história forte a dele com a família, enfim, amei muito! Parabéns!<3

    Lembrando que qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.

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