Capítulo Único
— Diga-me por que viestes aqui.
Sua voz, potente e incisiva, fez o corpo de começar a tremer, mas apenas de leve. Sabia de sua missão e, principalmente, do porquê. Mesmo temerosa com o que viria a seguir, permaneceu firme.
— Vim testemunhar a favor dos humanos.
ouviu a risada da figura preencher o ambiente e ressoar nas finas paredes, compostas de algum material que não compreendia.
— Ora, , de fato estás com bastante fôlego se desejas fazer isto. — A proposta pareceu cômica aos seus ouvidos. — Tens certeza?
— Sou a representante. Fui escolhida. Desejo testemunhar.
Observou enquanto o espectro caminhou lentamente até uma grandiosa cadeira feita do mesmo material das paredes. Ao sentar-se, olhou-a compenetradamente.
— Isto não é necessário. Não precisas convencer-me de nada. Conheço aquilo que criei.
A mulher não iria embora com aquilo de resposta.
— Vai ter que me perdoar, Céu, mas afirmo que não nos conhece. Se nos criou, não deveria desistir de nos amar.
Escutando a humana chamar-lhe por seu nome, Céu fitou-a com mais atenção.
— Como sabes como chamo-me, ?
A pergunta fez com que a mulher aproximasse um pouco mais da cadeira intangível, como se o cômodo dissesse que ela deveria alcançar a figura em todos os sentidos possíveis.
— Me foi confiado seu nome, sua identidade e como respeitar a ti. — fechou os olhos e repetiu as palavras que lhe foram confidencializadas: — Sem pronomes, sem binarismos, sem gênero. — Abriu-os novamente e deu um passo para frente. — Céu, você é a forma mais verdadeira de humanidade.
— Estás correta e agradeço por respeitar-me como sou. Muitos não o fariam. — Percebeu que sorria em reação às palavras da humana. Aquilo acalentou seu coração. Tocou onde sentia-o bater. — Entretanto, , enganas-te sobre meu amor. Nunca deixei de vos amar.
não conseguia acreditar naquelas palavras. Como poderia Céu amá-los, deixando todos à deriva da própria sorte? Sentiu lágrimas formarem-se em seus olhos, tamanha sua agonia e perplexidade.
— Se o que você diz é verdade, Céu, poderia me responder por que isso está acontecendo agora? — questionou fervorosamente, deixando as emoções tomarem seu corpo. — Por que tantos morrem, tantos adoecem, tantos sofrem? — A dor das milhares de perdas repercutiam no seu peito e atingiam-lhe como facas. À meia voz, com o rosto inundado por pesadas lágrimas, indagou uma última vez: — Nós merecemos seus sete dias de criação, Céu?
Viu a figura soltar um longo suspiro. Sua essência alongava-se pelo tempo, que, a cada segundo, impunha-lhe mais complacência.
, como todas as que vieram antes, estava confusa, perdida e somática. Carregava, em si, naquele breve instante de conexão com sua humanidade, a tristeza de todos os outros humanos que existiram, existiam e existirão.
Compreendeu que, para que seu amor fosse entendido por , precisava mostrar-lhe o que apenas seu ser via.
— Vou explicar-lhe, . — Com um movimento, criou um lugar ao lado do seu, para que sentasse. — Venha até aqui.
Limpando sua face, deu passos hesitantes até a cadeira. Ainda sem conseguir discernir que material era aquele, sentou-se e atentou-se para o que Céu faria.
Reparou o espectro erguendo o braço e estendendo o dedo indicador, apontando para a parede imediatamente à frente dos dois. Como se ligando uma grande tela, flashes apareceram e brilharam nos olhos de .
If there's a God
Do you think he's looking down
Curled up on his couch right now?
As we fail to figure it out
Does he turn down the sound?
Is he proud? Are we proud?
A mente de foi preenchida por rápidas e sucessivas imagens de povos, guerras, nascimentos, sangue, revoltas, água, alimentos, festas, funerais, famílias. Rostos sorrindo, faces em prantos, algo entre a raiva e a frustração. Viu todos os mortos e todas as vidas, todos aqueles que nunca puderam ser e todos aqueles que ainda serão. As indefensáveis tragédias, todo o ódio e a dor acumulados nos longos milênios de existência humana. Viu os egos, as más intenções, os cochichos no escuro, as chibatas.
A vida abriu-se em sua cabeça nas mais diferentes ramificações, interligadas, vibrantes e pungentes. Seu corpo passou por um rompante de variadas emoções em questões de milésimos de segundos, fazendo sua cabeça movimentar-se de forma involuntária, de um lado para o outro.
Quando seus olhos abriram-se após vários instantes fechados, com todo o seu ser absorvendo as informações que foram implantadas em sua cabeça, sentiu que submergia depois de quase afogar-se em um denso e profundo oceano. Arfava em busca de ar, confusa e perplexa. Encarou Céu em busca de alguma resposta, de algo que pudesse condensar tudo aquilo que havia experienciado.
— E-Eu… — balbuciou, a voz parecendo que não era usada há séculos. — Eu não…
— É informação demais, eu sei, minha querida. — Céu fez um afago nos cabelos da humana, olhando-a com melancolia. — Tinha de mostrar-lhe isto para que entendesses o que te direi agora.
Guess we forgot how to live a life with no filter
Making boring people famous
Let's pretend they're fascinating
Let's tell little girls that pretty girls are better
Or that pigment or religion really matters
aguardou ouvir a voz da figura como estava escutando desde que ingressara naquele cômodo. Entretanto, para sua surpresa, o que Céu falaria a seguir parecia penetrado em todo o seu cérebro, repercutindo no seu inconsciente. O lugar onde estaria a boca de Céu não se mexia e, em vez disso, seus olhos radiavam como dois cristais brutos, demonstrando mais sentimento que qualquer globo ocular humano poderia. À medida que escutava internamente a voz de Céu, era guiada com os olhos do ser ao que a figura sentia.
— Eu vejo e sei tudo, . O ruim, o bom e as áreas cinzas. As disputas e os preconceitos, as fragilidades dos erros de todos. A injustiça e aqueles que acreditam que ela é a justiça. Vós sois movidos pelos amores e pelas alegrias, mas também pelos rancores e as mágoas. Pelo medo. Sobretudo, por aquilo que não conseguem controlar em suas curtas existências. Lutam pela vida, a própria e a de outros. Produzem conhecimento a respeito de si mesmos e daquilo que não compreendem sobre os outros, que nunca irão compreender. Nessa produção, acabam, também, produzindo o que seria o outro, ignorando aquilo que sois. O julgamento, que não cabe a ninguém, nem mesmo a mim, é o que vos move.
We're in some trouble
Mr. Maker, don't turn away from your screen
At least the bubble that we've created
It could make for some good TV
— Pelos milênios, pelas sociedades e pelas culturas, o julgamento foi construído em cima daquilo que era considerado normal e aceitável. Cada parte disso com vossas próprias visões enviesadas, em uma vã tentativa de reafirmarem-se como superiores em cima de outros. Usaram-se de discursos para enjaular, para ferir, para matar. Para fabricar os heróis e os vilões e quem destes merecia a vida. A partir desses fundamentos e das ideológicas abstrações, os seres humanos moldaram-se como o foram, o são e o serão. Muitos decidiram honrar seus ideais com chacinas, outros, com largas comunidades autossuficientes. Na perpétua luta entre o que é o certo e o errado, o bem e o mal, a vossa história é contada, mudada e transformada.
Oh, the land of poor taste
A spectacle of cut and paste
That we've made
Would you say? Please, say
It was worth the seven days
Os olhos de Céu cristalizavam-se em um misto de desalento e sobriedade. Suas palavras inundavam todos os pensamentos de , que só conseguia encarar a figura sem qualquer expressão. O tom de seu discurso lhe trazia uma sensação de plenitude, como se todo o conhecimento possível de tudo sobre a humanidade estivesse sendo condensada para que sua forma humana, mortal, assimilasse-o.
— E é especialmente peculiar, , observar como essas categorias são construídas. Como as definições de “bem” e “mal” modificam-se para cada povo, cada pedaço da história. A própria “história”, como vós a conheceis, não apresenta um ponto de vista neutro. É uma reflexão daqueles que detêm o poder e os meios para contá-la da maneira como soa melhor aos ouvidos. Quantas outras histórias perderam-se, foram esquecidas e assassinadas à queima-roupa para que a “história”, como vós a reconheceis hoje, existisse?
God, or is it Mr. G to me?
I hope that through the static you'll show what's the clarity
'Cause it's hard to find the silver lining in the bittersweet
— Apesar do que já lhe disse, acho admirável como, em meio às catástrofes, os seres humanos conseguem trazer tanta luz para aqueles com os quais se importam. Considere o próprio conceito do amor, que, para mim, representa algo diferente daquilo experienciado por vós. Vós podeis odiar e causar intrigas, mas nada pode se comparar à forma com que este peso de sentimento pode ser utilizado para o amor, a amizade, o companheirismo. A vossa vida, afinal, surge disto. Talvez não a de todos, talvez não no momento mais desejável sempre, talvez com dores, anseios e medos, mas, quando ele existe em sua completude, o amor parental é uma das maneiras mais puras de se amar.
Don't touch the remote
We'll be back in a moment
We are not hopeless
We are just coping
— É pelo amor dos outros, mas, principalmente, pelo amor próprio, que vós vos apoiais em ambos os pés para significarem vossas vidas. A despeito das dificuldades, daquilo que vós não controlais, conseguis continuar presentes em cada região do planeta. E, pela vossa larga comunidade, que compartilha e produz conhecimento, ciência e informação, vós desenvolveis propósito. Vós sobreviveis.
The mayhem is rolling
But it ain't showbiz
— É isto, então, Céu? — questionou, após ouvir o profundo monólogo do ser. — Você é nosso telespectador? Acompanha nosso caos de sua posição privilegiada, sem interferir? — Não interrogava Céu com a mágoa de antes, contudo posicionava-se com firmeza. Seu papel naquela negociação, afinal, era buscar auxílio da figura para retornar ao mundo com algo concreto como resposta.
Reality's potent
Chaotic, I know it
But we're growing
Have some hope in us
O olhar de Céu atingiu novamente , clareando a aguardada “resolução” que ela buscava antes mesmo de escutá-la em sua mente pela voz de Céu.
— Vós nunca precisastes de mim para aprender, para vos melhorar. Fazeis isso por vossas próprias falhas e limitações. Tendes direito aos breves anos de existência para usufruí-los entre vossa comunidade, aprimorando-se e edificando, a cada geração, o que significa ser humano. Meu papel neste cenário, , é guardar todas as esperanças do mundo para que alcancem esta definição do melhor meio possível. — Então, como se alterando sua postura, fechou os olhos, abrindo-os logo em seguida, e, com a boca, disse: — A vossa era irá sobreviver a esta calamidade, , porque tudo que vive pressupõe o acúmulo da dor dos que viveram.
Were we worth all the time you gave up?
— E não há nada mais digno de meus sete dias de criação, minha querida, do que aqueles que não os tomaram como direito e transformaram-nos em vida milenar, em eterna construção.
Em um instalo, o material esbranquiçado das paredes, chão, teto e cadeira modificou-se em sonoras risadas, brincadeiras e rodas de histórias. não conseguia colocar em palavras a catarse metafísica que experienciava, já que via o cômodo como era, mas tudo também era som, coloração, textura e luz. Era branco, mas com todas as sombras e cores de tudo que havia. Era a vida em si.
— Eis o vosso legado, . — Céu esboçou um leve sorriso. — Use-o com sabedoria.
Sua voz, potente e incisiva, fez o corpo de começar a tremer, mas apenas de leve. Sabia de sua missão e, principalmente, do porquê. Mesmo temerosa com o que viria a seguir, permaneceu firme.
— Vim testemunhar a favor dos humanos.
ouviu a risada da figura preencher o ambiente e ressoar nas finas paredes, compostas de algum material que não compreendia.
— Ora, , de fato estás com bastante fôlego se desejas fazer isto. — A proposta pareceu cômica aos seus ouvidos. — Tens certeza?
— Sou a representante. Fui escolhida. Desejo testemunhar.
Observou enquanto o espectro caminhou lentamente até uma grandiosa cadeira feita do mesmo material das paredes. Ao sentar-se, olhou-a compenetradamente.
— Isto não é necessário. Não precisas convencer-me de nada. Conheço aquilo que criei.
A mulher não iria embora com aquilo de resposta.
— Vai ter que me perdoar, Céu, mas afirmo que não nos conhece. Se nos criou, não deveria desistir de nos amar.
Escutando a humana chamar-lhe por seu nome, Céu fitou-a com mais atenção.
— Como sabes como chamo-me, ?
A pergunta fez com que a mulher aproximasse um pouco mais da cadeira intangível, como se o cômodo dissesse que ela deveria alcançar a figura em todos os sentidos possíveis.
— Me foi confiado seu nome, sua identidade e como respeitar a ti. — fechou os olhos e repetiu as palavras que lhe foram confidencializadas: — Sem pronomes, sem binarismos, sem gênero. — Abriu-os novamente e deu um passo para frente. — Céu, você é a forma mais verdadeira de humanidade.
— Estás correta e agradeço por respeitar-me como sou. Muitos não o fariam. — Percebeu que sorria em reação às palavras da humana. Aquilo acalentou seu coração. Tocou onde sentia-o bater. — Entretanto, , enganas-te sobre meu amor. Nunca deixei de vos amar.
não conseguia acreditar naquelas palavras. Como poderia Céu amá-los, deixando todos à deriva da própria sorte? Sentiu lágrimas formarem-se em seus olhos, tamanha sua agonia e perplexidade.
— Se o que você diz é verdade, Céu, poderia me responder por que isso está acontecendo agora? — questionou fervorosamente, deixando as emoções tomarem seu corpo. — Por que tantos morrem, tantos adoecem, tantos sofrem? — A dor das milhares de perdas repercutiam no seu peito e atingiam-lhe como facas. À meia voz, com o rosto inundado por pesadas lágrimas, indagou uma última vez: — Nós merecemos seus sete dias de criação, Céu?
Viu a figura soltar um longo suspiro. Sua essência alongava-se pelo tempo, que, a cada segundo, impunha-lhe mais complacência.
, como todas as que vieram antes, estava confusa, perdida e somática. Carregava, em si, naquele breve instante de conexão com sua humanidade, a tristeza de todos os outros humanos que existiram, existiam e existirão.
Compreendeu que, para que seu amor fosse entendido por , precisava mostrar-lhe o que apenas seu ser via.
— Vou explicar-lhe, . — Com um movimento, criou um lugar ao lado do seu, para que sentasse. — Venha até aqui.
Limpando sua face, deu passos hesitantes até a cadeira. Ainda sem conseguir discernir que material era aquele, sentou-se e atentou-se para o que Céu faria.
Reparou o espectro erguendo o braço e estendendo o dedo indicador, apontando para a parede imediatamente à frente dos dois. Como se ligando uma grande tela, flashes apareceram e brilharam nos olhos de .
Do you think he's looking down
Curled up on his couch right now?
As we fail to figure it out
Does he turn down the sound?
Is he proud? Are we proud?
A mente de foi preenchida por rápidas e sucessivas imagens de povos, guerras, nascimentos, sangue, revoltas, água, alimentos, festas, funerais, famílias. Rostos sorrindo, faces em prantos, algo entre a raiva e a frustração. Viu todos os mortos e todas as vidas, todos aqueles que nunca puderam ser e todos aqueles que ainda serão. As indefensáveis tragédias, todo o ódio e a dor acumulados nos longos milênios de existência humana. Viu os egos, as más intenções, os cochichos no escuro, as chibatas.
A vida abriu-se em sua cabeça nas mais diferentes ramificações, interligadas, vibrantes e pungentes. Seu corpo passou por um rompante de variadas emoções em questões de milésimos de segundos, fazendo sua cabeça movimentar-se de forma involuntária, de um lado para o outro.
Quando seus olhos abriram-se após vários instantes fechados, com todo o seu ser absorvendo as informações que foram implantadas em sua cabeça, sentiu que submergia depois de quase afogar-se em um denso e profundo oceano. Arfava em busca de ar, confusa e perplexa. Encarou Céu em busca de alguma resposta, de algo que pudesse condensar tudo aquilo que havia experienciado.
— E-Eu… — balbuciou, a voz parecendo que não era usada há séculos. — Eu não…
— É informação demais, eu sei, minha querida. — Céu fez um afago nos cabelos da humana, olhando-a com melancolia. — Tinha de mostrar-lhe isto para que entendesses o que te direi agora.
Making boring people famous
Let's pretend they're fascinating
Let's tell little girls that pretty girls are better
Or that pigment or religion really matters
aguardou ouvir a voz da figura como estava escutando desde que ingressara naquele cômodo. Entretanto, para sua surpresa, o que Céu falaria a seguir parecia penetrado em todo o seu cérebro, repercutindo no seu inconsciente. O lugar onde estaria a boca de Céu não se mexia e, em vez disso, seus olhos radiavam como dois cristais brutos, demonstrando mais sentimento que qualquer globo ocular humano poderia. À medida que escutava internamente a voz de Céu, era guiada com os olhos do ser ao que a figura sentia.
— Eu vejo e sei tudo, . O ruim, o bom e as áreas cinzas. As disputas e os preconceitos, as fragilidades dos erros de todos. A injustiça e aqueles que acreditam que ela é a justiça. Vós sois movidos pelos amores e pelas alegrias, mas também pelos rancores e as mágoas. Pelo medo. Sobretudo, por aquilo que não conseguem controlar em suas curtas existências. Lutam pela vida, a própria e a de outros. Produzem conhecimento a respeito de si mesmos e daquilo que não compreendem sobre os outros, que nunca irão compreender. Nessa produção, acabam, também, produzindo o que seria o outro, ignorando aquilo que sois. O julgamento, que não cabe a ninguém, nem mesmo a mim, é o que vos move.
Mr. Maker, don't turn away from your screen
At least the bubble that we've created
It could make for some good TV
— Pelos milênios, pelas sociedades e pelas culturas, o julgamento foi construído em cima daquilo que era considerado normal e aceitável. Cada parte disso com vossas próprias visões enviesadas, em uma vã tentativa de reafirmarem-se como superiores em cima de outros. Usaram-se de discursos para enjaular, para ferir, para matar. Para fabricar os heróis e os vilões e quem destes merecia a vida. A partir desses fundamentos e das ideológicas abstrações, os seres humanos moldaram-se como o foram, o são e o serão. Muitos decidiram honrar seus ideais com chacinas, outros, com largas comunidades autossuficientes. Na perpétua luta entre o que é o certo e o errado, o bem e o mal, a vossa história é contada, mudada e transformada.
A spectacle of cut and paste
That we've made
Would you say? Please, say
It was worth the seven days
Os olhos de Céu cristalizavam-se em um misto de desalento e sobriedade. Suas palavras inundavam todos os pensamentos de , que só conseguia encarar a figura sem qualquer expressão. O tom de seu discurso lhe trazia uma sensação de plenitude, como se todo o conhecimento possível de tudo sobre a humanidade estivesse sendo condensada para que sua forma humana, mortal, assimilasse-o.
— E é especialmente peculiar, , observar como essas categorias são construídas. Como as definições de “bem” e “mal” modificam-se para cada povo, cada pedaço da história. A própria “história”, como vós a conheceis, não apresenta um ponto de vista neutro. É uma reflexão daqueles que detêm o poder e os meios para contá-la da maneira como soa melhor aos ouvidos. Quantas outras histórias perderam-se, foram esquecidas e assassinadas à queima-roupa para que a “história”, como vós a reconheceis hoje, existisse?
I hope that through the static you'll show what's the clarity
'Cause it's hard to find the silver lining in the bittersweet
— Apesar do que já lhe disse, acho admirável como, em meio às catástrofes, os seres humanos conseguem trazer tanta luz para aqueles com os quais se importam. Considere o próprio conceito do amor, que, para mim, representa algo diferente daquilo experienciado por vós. Vós podeis odiar e causar intrigas, mas nada pode se comparar à forma com que este peso de sentimento pode ser utilizado para o amor, a amizade, o companheirismo. A vossa vida, afinal, surge disto. Talvez não a de todos, talvez não no momento mais desejável sempre, talvez com dores, anseios e medos, mas, quando ele existe em sua completude, o amor parental é uma das maneiras mais puras de se amar.
We'll be back in a moment
We are not hopeless
We are just coping
— É pelo amor dos outros, mas, principalmente, pelo amor próprio, que vós vos apoiais em ambos os pés para significarem vossas vidas. A despeito das dificuldades, daquilo que vós não controlais, conseguis continuar presentes em cada região do planeta. E, pela vossa larga comunidade, que compartilha e produz conhecimento, ciência e informação, vós desenvolveis propósito. Vós sobreviveis.
But it ain't showbiz
— É isto, então, Céu? — questionou, após ouvir o profundo monólogo do ser. — Você é nosso telespectador? Acompanha nosso caos de sua posição privilegiada, sem interferir? — Não interrogava Céu com a mágoa de antes, contudo posicionava-se com firmeza. Seu papel naquela negociação, afinal, era buscar auxílio da figura para retornar ao mundo com algo concreto como resposta.
Chaotic, I know it
But we're growing
Have some hope in us
O olhar de Céu atingiu novamente , clareando a aguardada “resolução” que ela buscava antes mesmo de escutá-la em sua mente pela voz de Céu.
— Vós nunca precisastes de mim para aprender, para vos melhorar. Fazeis isso por vossas próprias falhas e limitações. Tendes direito aos breves anos de existência para usufruí-los entre vossa comunidade, aprimorando-se e edificando, a cada geração, o que significa ser humano. Meu papel neste cenário, , é guardar todas as esperanças do mundo para que alcancem esta definição do melhor meio possível. — Então, como se alterando sua postura, fechou os olhos, abrindo-os logo em seguida, e, com a boca, disse: — A vossa era irá sobreviver a esta calamidade, , porque tudo que vive pressupõe o acúmulo da dor dos que viveram.
— E não há nada mais digno de meus sete dias de criação, minha querida, do que aqueles que não os tomaram como direito e transformaram-nos em vida milenar, em eterna construção.
Em um instalo, o material esbranquiçado das paredes, chão, teto e cadeira modificou-se em sonoras risadas, brincadeiras e rodas de histórias. não conseguia colocar em palavras a catarse metafísica que experienciava, já que via o cômodo como era, mas tudo também era som, coloração, textura e luz. Era branco, mas com todas as sombras e cores de tudo que havia. Era a vida em si.
— Eis o vosso legado, . — Céu esboçou um leve sorriso. — Use-o com sabedoria.
Fim
Nota da autora: Olá, pessoal! Espero que vocês tenham gostado.
Apesar de não ser especificado, acho que todas tiveram a impressão de que essa "intervenção" da pp foi profundamente baseada na situação que nos encontramos agora, pandemia de coronavírus. Não quis especificar porque acho que qualquer catástrofe que já aconteceu no mundo poderia gerar essa história profundamente ficcional.
"Céu" seria equivalente a "Deus" no Cristianismo, já que a própria Alessia na música usa Deus e marcações de gênero, referindo-se a "Ele". Entretando, sempre me incomodou essa visão de Deus como homem e todas as implicações ligadas a isso, então, só pra ficar bem claro, Céu é agênero.
Acho que é isso. Obrigada por terem chegado até aqui!
Beijos no core iluminado de vocês,
Caroline.
Outras fanfics minhas:
01. The Eve (Ficstape #111: EXO - The War/Finalizada)
03. Where Do Broken Hearts Go (Ficstape #003: One Direction - Four/Finalizada)
11. El Tango de Roxanne (Ficstape #151: Trilha Sonora de Moulin Rouge/Finalizada)
12. Disenchanted (Ficstape #068: My Chemical Romance - The Black Parade/Finalizada)
12. Tomorrow (Ficstape #060: Olly Murs - Never Been Hurt/Finalizada)
Lisboa (Especial All Around The World/Finalizada)
His Phonecall (Outros/Shortfic)
The Moon (Outros/Finalizada)
Apesar de não ser especificado, acho que todas tiveram a impressão de que essa "intervenção" da pp foi profundamente baseada na situação que nos encontramos agora, pandemia de coronavírus. Não quis especificar porque acho que qualquer catástrofe que já aconteceu no mundo poderia gerar essa história profundamente ficcional.
"Céu" seria equivalente a "Deus" no Cristianismo, já que a própria Alessia na música usa Deus e marcações de gênero, referindo-se a "Ele". Entretando, sempre me incomodou essa visão de Deus como homem e todas as implicações ligadas a isso, então, só pra ficar bem claro, Céu é agênero.
Acho que é isso. Obrigada por terem chegado até aqui!
Beijos no core iluminado de vocês,
Caroline.
Outras fanfics minhas:
01. The Eve (Ficstape #111: EXO - The War/Finalizada)
03. Where Do Broken Hearts Go (Ficstape #003: One Direction - Four/Finalizada)
11. El Tango de Roxanne (Ficstape #151: Trilha Sonora de Moulin Rouge/Finalizada)
12. Disenchanted (Ficstape #068: My Chemical Romance - The Black Parade/Finalizada)
12. Tomorrow (Ficstape #060: Olly Murs - Never Been Hurt/Finalizada)
Lisboa (Especial All Around The World/Finalizada)
His Phonecall (Outros/Shortfic)
The Moon (Outros/Finalizada)