Última atualização: 10/04/2021

Prólogo

A pequena garota corria pelos corredores mal iluminados do grande castelo. Por conta da baixa luminosidade e do desespero que sentia, tropeçava vez após outra nos próprios pés, equilibrando–se no último segundo antes de cair.
Não soube por quantos metros correu e como conseguiu continuar, pois sua respiração pesada mostrava que já estava no limite. Porém, as imagens em sua cabeça a impediam de parar e ela apenas virava em mais e mais corredores. Ofegante, alcançou a escada e agarrou o corrimão, subindo os degraus com velocidade sem olhar para trás um minuto sequer.
Não podia olhar para trás. Temia que se o fizesse ela estaria lá em seu encalço, então apenas fitava o caminho à frente mesmo que enxergasse pouco mais de um palmo. Mais alguns metros e viu uma porta. Era justamente ali que queria estar.
Usando o último traço de coragem e lucidez que ainda lhe restava, a garotinha escancarou a grande porta de madeira, adentrando o quarto como um furacão. Os olhos assustados correram pelo recinto procurando pela única pessoa com a qual se importava e quando a encontrou deitada na cama seu coração pulsou, aliviado. Quando a mais nova se levantou, assombrada pela invasão repentina, foi em sua direção.
– Irmã, o que houve? – A menina questionou, mas não obteve reposta.
A outra a abraçou com força, como se aquele gesto fosse suficiente para protegê–la de todo o mal e o abraço foi a gota d'água para fazer seus sentimentos transbordarem. Agarrada à irmã mais nova, chorou como uma criança. Era uma, afinal.
– Irmã, o que aconteceu? – Insistiu, se afastando e segurando suas mãos trêmulas. – Por que está chorando?
– Irmãzinha... – Suas lágrimas continuavam a correr. – Eu sinto muito.
– O quê? – Franziu o cenho. – Por que está dizendo isso?
A mais velha abriu os lábios para contar algo, mas não teve tempo para continuar. Pegando–as desprevenidas, homens vestidos com uniforme da guarda do palácio entraram no cômodo e foram até as garotas, separando–as à força.
, não! – A maior berrou, se desvencilhando de um dos homens e correndo até a irmã.
! – Esticou a mão para ela, sem conseguir se soltar.
Quando seus dedos se encontraram, o mesmo homem a agarrou com força, afastando-as novamente. As meninas continuaram a se debater e chamar o nome uma da outra, todavia, foi em vão. Enquanto foi mantida no lugar, foi levada para fora sem qualquer delicadeza. Chorando e esperneando, se viu no próprio quarto. Quando o guarda a deixou no chão, ela pensou em fugir. Porém, ela estava lá e isso foi suficiente para que paralisasse.
Podia ver as machas de sangue nas mãos e no tecido do belo vestido da mulher. A pequena sabia exatamente de onde elas tinham vindo. Ao sentir a adulta se aproximar, começou a tremer e temeu que desfalecesse de medo ali mesmo, e quando sua voz imponente alcançou seus ouvidos, sabia que jamais a veria como antes.
– A partir de agora mantenham as duas separadas! – A mulher ordenou.
– Sim, Majestade! – O homem respondeu, curvando–se para a nova rainha.

Capítulo 1

No amplo campo de treinamento era possível escutar sons de espadas se chocando mesmo a metros de distância. Os soldados treinavam sem parar, aprimorando suas habilidades de combate mesmo que o sol brilhasse de forma impiedosa.
Ignorando os homens mais atrás, a moça com um longo vestido verde claro permanecia em outra parte do campo, perto dos alvos para treinamento de arco e flecha. Com os fios presos em um rabo de cavalo ela escolheu uma das flechas e a ajeitou contra o instrumento, semicerrando os olhos e prendendo a respiração enquanto esperava um pouco antes de soltar a corda. Em uma velocidade alarmante o tiro acertou bem o centro do alvo, arrancando um sorriso discreto da jovem.
Preparava–se para atirar novamente quando ouviu o som de palmas atrás de si e se virou naquela direção, surpresa. Parado a certa distância estava um homem que ela não reconheceu. Pela sua roupagem, uma camisa de mangas longas azul, calças pretas e botas de couro da mesma tonalidade, era algum nobre. Quanto à aparência, ele era jovem e atraente. Definitivamente não pertencia àquele reino.
– Posso ajudar, senhor? – Tentou ser gentil.
– Sabe, nunca tinha visto ninguém atirar com tanta precisão. – Ele sorriu.
– Aposto que não deve ter visto muitos atiradores. – Ergueu as sobrancelhas.
– Pelo contrário. – Se aproximou. – Eu lido com arqueiros experientes todos os dias.
– É o chefe dos arqueiros de seu reino, por acaso? – Se interessou pelo assunto, abaixando o arco que segurava.
– Digamos que sim. – Balançou os ombros. – E devo dizer que não ficaria nem um pouco surpreso se você fosse também.
– Estar aqui praticando já é mais do que suficiente. – Imitou seu gesto. – E acho que ninguém gostaria de ter uma mulher como líder no exército.
– Não são pessoas que ganham batalhas – disse com convicção. – São habilidades e estratégias. E isso todos podem desenvolver.
– Eu deveria me perguntar por que alguém como você está vivendo entre nós – falou com ironia. – Não veio de um tempo diferente do nosso? Ou talvez tenha saído de um conto de fadas.
– Acha que pensamentos assim são contos de fadas? – Franziu o cenho.
– Apenas acho que é muito mais fácil falar do que fazer – respondeu sem pensar duas vezes.
– Deveria levar em conta a rainha que governa essas terras. – Apontou para o lugar com uma das mãos. – Não é um exemplo a ser seguido pelas outras mulheres?
Ao ouvi–lo falar sobre a rainha a expressão da jovem ficou séria e rapidamente ela se virou na direção dos alvos. Ainda calada, tirou outra flecha e ergueu o arco, preparando–se para atirar.
– Desculpe se disse algo errado, senhorita – o jovem disse, ao perceber a repentina mudança de humor. – Eu não pretendi...
– Você não disse nada errado. – O cortou antes que continuasse. – Não se preocupe.
Em seguida soltou a corda e a flecha atingiu mais uma vez o círculo vermelho central. Respirando fundo, resolveu ser gentil com o rapaz, pois não podia culpá–lo por dizer aquelas palavras. Ninguém sabia a verdade. Voltando–se para ele, sorriu da melhor maneira que pôde e então lhe estendeu o arco.
– Gostaria de tentar? – perguntou.
– Tem certeza de que não está zangada comigo? – Ergueu as sobrancelhas.
– Eu não estou. – Sorriu mais largo.
– Certo. – Sorriu em resposta. – Então vou aceitar o seu convite.
O jovem pegou o objeto da mão dela e seus dedos se tocaram, causando um sobressalto em ambos. Afastando–se rapidamente a garota olhou para frente, mostrando–lhe onde deveria atirar. Pigarreando, ele seguiu suas instruções.
– A propósito, eu poderia saber o nome da senhorita? – Olhou para ela por cima do braço esticado.
– respondeu, o encarando de volta.
– Prazer, . – Continuou a fitá–la. – Eu sou .
Então o rapaz soltou a flecha, que se cravou exatamente ao lado da que a mulher havia lançado. Os dois sorriam ao perceber o quanto estavam próximas e continuaram ali, desafiando um ao outro para saber quem acertaria mais flechadas no centro.
– Isso nunca vai acabar! – observou, vendo–o acertar mais uma vez.
– Devo concordar. – Riu da expressão desolada dela.
– Podemos permanecer aqui o dia inteiro, mas nunca vamos desempatar o placar. – Apontou para os alvos acertados. – É como se as flechas seguissem uma a outra.
– O que acha de declarar que somos arqueiros com as mesmas habilidades? – Sugeriu.
– Eu aceito essa proposta. – Pegou o arco das mãos dele, caminhado até o suporte ao lado. – Além do mais, preciso voltar.
Pendurou a arma e tirou a aljava das costas, deixando–a ao lado. Sabia que depois os soldados iriam usá–las.
– Para onde está indo? – Se aproximou. – Posso acompanhá–la.
– Não acho que seja preciso. – Engoliu em seco.
– O que a senhorita e todas as outras pessoas pensariam de mim se eu a deixasse ir sozinha? – Fingiu estar indignado.
– Já que insiste. – Riu abafado com o drama feito.
Começaram a caminhar juntos, passando ao lado de fileiras de soldados que não os havia notado ali. os analisava com interesse e deduziu que o motivo dele estar em seu reino deveria ser militar. Ele havia dito que era chefe dos arqueiros de seu exército.
Saindo dos campos de treinamento eles seguiram por uma estreita estrada de terra e o rapaz notou que a garota não se importava em arrastar a barra do vestido pelo chão, que deixava o tecido cada vez mais sujo e batido. Ela tinha uma postura ereta e olhava para frente com os ombros levantados. Uma verdadeira nobre. Mas notou algo diferente nos olhos , um brilho semelhante à rebeldia ou talvez fosse bravura. No momento não soube bem como definir.
Saindo da estrada de terra, passaram por um caminho de ladrilhos que se estendeu por muitos metros. Enquanto seguiam, permaneciam quietos sem ter coragem de continuar a divertida conversa de instantes atrás.
– Eu sei que não é da minha conta... – tomou coragem para falar. – Mas posso perguntar o motivo de estar aqui?
– Eu não tenho nenhum interesse aqui. – A fitou se soslaio. – Ainda não.
– Então o que o trouxe para essas terras? – O encarou, confusa.
– Meu irmão mais jovem. – Explicou. – Ele diz ter se apaixonado por uma moça desse lugar.
– Veio pedi–la em casamento? – Completou o raciocínio.
– Sim. – Concordou, com um aceno de cabeça.
– Então boa sorte para ele. – Desejou, sinceramente.
Os jovens riram, continuando até avistarem o grande castelo onde a rainha vivia. Passando pelas poucas pessoas que circulavam pelas ruas, pararam em frente aos portões negros da grande muralha de pedra, que foram imediatamente abertos pelos guardas de prontidão.
– Então... – Cruzou as mãos de forma apreensiva. – Acho que nos separamos aqui.
– Sim. – Ele concordou. – Mas espero poder vê–la novamente antes de partir.
sorriu ao ouvir a sentença. Apesar de não gostar muito de estar com garotos, aquele rapaz era gentil, divertido e a tinha feito sorrir várias vezes em um curto período. Talvez vê–lo novamente não fosse má ideia. Com a coragem de que quase sempre dispunha, deu um passo na direção de , mas antes que falasse ouviram alguém chamar.
– Alteza! – alguém disse a certa distância.
– Sim! – A garota respondeu ao chamado.
– Estou aqui! – disse ao mesmo tempo.
Os jovens se encararam, espantados. Será que tinham mesmo ouvido certo? Não tiveram como saber, pois logo uma criada alcançou .
– Meu Deus, olhe esse estado! – a senhora disse, com espanto. – Alteza, não me diga que veio andando? Eu avisei que deveria levar ao menos um cavalo, mas a senhorita nunca me escuta.
A moça não pôde responder, logo sendo puxada pelos portões adentro. Em meio à euforia de sua criada, olhou para o rapaz, que também a encarava sem acreditar. só foi tirado de transe quando um dos seus próprios empregados se aproximou.
– Alteza! – o guarda o chamou novamente. – Não o encontrei no campo de treinamento na hora combinada.
– James, me diga uma coisa. – Ignorando–o, voltou a fitar o caminho por onde era levada.
– Sim, senhor. – Acenou com a cabeça.
– Quem é aquela moça? – perguntou, realmente curioso.
– Aquela é a princesa mais velha, senhor. – Explicou para ele. – A filha legítima da rainha.
Ajeitando a postura, o homem não pôde acreditar. A garota que havia encontrado treinando com um arco e flechas em um grande campo aberto e que não se importava em arrastar seu caro e belo vestido na lama era uma princesa. Ele percebeu que havia nobreza nela, mas a jovem não parecia se importar, o que tornava tudo ainda mais especial.
Deixando que um sorriso de canto surgisse, permaneceu parado por alguns instantes, olhando para o caminho agora vazio. Só então aprumou os ombros e fez o caminho contrário para que pudesse se encontrar com o irmão mais novo.


~o~


Suspirando pela milésima vez, a garota cruzou os braços graças ao tédio que sentia. Desde que fora arrastada para dentro do castelo não fazia ideia de quanto tempo estava em seus aposentos recebendo cuidados de sua criada. A senhora de quarenta e poucos anos era gentil e trabalhadora, porém, exagerava às vezes e aquele era um dos momentos.
– Ai! – A princesa gemeu quando uma mecha de seu cabelo foi puxada mais do que o devido.
– Mil perdões, alteza! – falou depressa, continuando a escovar os fios. – Mas olhe para esse cabelo!
– O que há de errado com ele? – questionou, olhando para o espelho da penteadeira à sua frente.
– Não há nada de errado – respondeu, sem deixar o trabalho. – Mas deveria tratá–lo melhor.
– Não vou perder horas do meu dia escovando o cabelo, Mary. – Fez uma careta. – Tenho muito mais coisas para fazer.
– Não precisa passar horas, menina. – Finalizou a última mecha. – Apenas aplique alguns óleos antes de dormir e verá a diferença.
Juntando os fios que haviam se soltado, a criada se afastou para buscar alguns acessórios para enfeitar o cabelo . Após prender as mechas pela metade com grampos bem disfarçados, colocou sobre a cabeça de uma singela tiara de diamantes.
– Por que tudo isso? – perguntou, ainda confusa.
– A rainha pediu que fosse até ela. – explicou, fazendo a jovem se erguer e ajeitar seu vestido vermelho.
– Ela pediu? – Arregalou os olhos. – Onde?
– Na sala do trono – respondeu, sem notar o espanto dela. – Parece que haverá uma reunião com algumas pessoas importantes, mas não sei mais do que isso.
Após calçar os sapatos e colocar um colar e brincos que combinavam com o vestido, ela aguardou. Receosa, não fazia ideia do que a mãe poderia querer e nem de quem poderia estar no castelo. Será que também seria chamada? Foi tirada de seus pensamentos ao ouvir uma batida na porta. Mary atendeu e viram um guarda que a levaria até o local.
Com as mãos unidas em frente ao corpo, seguiu o homem de vestes vermelhas e pretas, sentindo o coração bater contra o peito. Não gostava de estar na presença da rainha e preferia passar os dias sem ser notada por ela, mas daquela vez não poderia escapar.
Assim que parou em frente à grande porta de madeira escura, os dois lados foram abertos de uma vez.
– Sua Alteza Real, Majestade! – ouviu anunciarem sua chegada.
Puxou ao ar, estufando o peito, e então entrou. A cada novo passo evitava olhar para frente, seguindo em linha reta até parar a alguns metros do trono onde a rainha estava sentada.
– Majestade! – Curvou–se graciosamente.
– Finalmente está aqui. – A voz da mais velha encheu o ambiente.
Ao encará–la, viu seu rosto bonito pintado com uma maquiagem forte. Olhos negros e batom de um tom arroxeado. Os longos cabelos presos sustentavam uma grande coroa de ouro com algumas pedras preciosas incrustadas, como rubis e esmeraldas. O vestido negro era deslumbrante, assim como os acessórios que completavam a visão, mas nada disso impressionava a princesa.
– Vá para o seu lugar. – A mulher ordenou. – Os convidados estão chegando.
Com um leve curvar de cabeça a obedeceu, indo para o lado esquerdo do trono. Durante a curta caminhada ela notou parada ao lado direito e seu coração se encheu de alegria. A mais nova usava um vestido azul com detalhes brancos, os cabelos escuros e soltos estavam enfeitados com uma tiara parecida com a sua. Trocaram um breve olhar e os sorrisos foram inevitáveis, mas não disseram nada. Sabiam que era melhor continuarem quietas.
Assim que tomou sua posição, ouviu um dos servos anunciar a chegada dos convidados tão esperados, ajeitando a postura. Não sabia o que deveria aguardar, todavia, nunca imaginou que seria o que viu assim que as portas se abriram.
– O Príncipe Herdeiro do Reino do Sul e o Príncipe do Reino do Sul, Majestade! – Os convidados foram anunciados.
Após isso, dois jovens adentraram o salão caminhando lado a lado de forma imponente, chamando a atenção de todos os presentes. Não era apenas a beleza, mas também a postura e expressões carismáticas. Entretanto, a princesa mais velha reparou em apenas um deles.
Seus lábios se abriram de surpresa ao reconhecer . Sabia que ele era um príncipe, mas nunca imaginou que o veria novamente em tão pouco tempo. O rapaz também a notou imediatamente e seus olhares se cruzaram enquanto ele ainda caminhava rumo ao trono.
– Majestade! – O mais velho curvou–se, sendo seguido pelo irmão. – É uma honra que tenha nos recebido.
– É um prazer tê–los aqui, queridos. – Levantou–se do trono. – Soube que gostariam de conversar diretamente comigo.
– Sim, senhora. – continuou. – Nossos reinos nunca foram aliados, no entanto, também nunca foram inimigos. Creio que esse seja o momento ideal para que comecemos uma união.
– É uma proposta interessante. – A soberana se aproximou dois passos. – E qual seria sua sugestão?
– Meu irmão poderá tratar melhor desse assunto. – Sorriu gentil, olhando para o mais novo. – , por favor.
– Irmão. – Sorriu para ele, voltando–se para a rainha. – Majestade, eu sei que em todos esses anos os nossos reinos não tiveram muito contato, mas em uma das poucas ocasiões em que pudemos dividir o mesmo espaço eu tive o prazer de conhecer uma bela dama que pertence a esse lugar.
– Uma dama? – A rainha franziu o cenho.
– Sim, senhora. – Acenou positivamente. – E estou olhando para ela neste exato momento.
então percebeu para onde olhava. Sua irmã sorria, fitando o chão escuro. Suas bochechas até mesmo estavam coradas. Sorrindo, encarou e este retribuiu o gesto.
Então era isso! Quando conversaram no caminho até o castelo, foi de que estavam falando. Sua irmã mais nova era o motivo daqueles homens estarem ali.
– Seja mais específico, por favor. – A rainha pediu, apesar de ter percebido a quem o rapaz se referia.
– Perdão, Majestade! – disse, ajoelhando–se em seguida. – Vim de tão longe apenas para pedir a mão da Princesa em casamento e desejo receber sua benção.
O príncipe foi direto e não vacilou em seu pedido. Seu olhar era decido, assim como a postura. Ele realmente queria o que estava solicitando e também. conhecia bem sua irmã e a forma como olhava para o garoto era indício de que estava apaixonada. Todos podiam ver e não havia motivos para objeções. Na realidade, era a chance perfeita para que uma nova aliança começasse. Todos sairiam ganhando.
– Lamento informar, mas a princesa não está disponível – a rainha disse, sem pensar duas vezes.
Aquelas poucas palavras foram suficientes para destruir os dois jovens. O brilho no olhar foi sugado sem piedade e eles não pareciam acreditar. Ninguém no recinto conseguiu compreender aquela atitude.
– Majestade, eu... – insistiu.
– Meu querido, eu sei que se esforçou para vir até aqui, mas não creio que essa seja a melhor maneira de iniciarmos uma aliança. – A mulher o interrompeu. – Ainda assim, não precisa sair daqui de mãos vazias.
– Como assim? – questionou.
– Veja a princesa . – Apontou para a moça. – Tenho certeza de que será uma melhor escolha.
– Agradeço pela oferta, mas meu desejo já foi expresso. – O rapaz não se intimidou.
– Sim. – Sorriu de forma cínica para ele. – Mas devem estar cansados, afinal, vieram de muito longe. Podem ficar aqui o tempo que precisarem.
Deixando de lado os dois jovens, se virou para os servos, dando ordens para que preparassem quartos para os visitantes. Imediatamente algumas pessoas deixaram o recinto e a soberana voltou a encará–los.
– Descansem, queridos. – Indicou um dos servos. – Talvez amanhã tenham mudado de ideia.
cerrou os punhos, pronto para rebater as palavras da rainha, porém, foi mais rápido.
– Muito obrigado pela hospitalidade, Majestade! – Se curvou rápido.
Olhou então para o irmão, indicando que o assunto havia sido encerrado. Ainda que a contragosto, o mais jovem entendeu e engoliu as palavras. Em seguida se curvaram e deixaram a sala do trono, guiados até os quartos que ocupariam.
– Acho que acabamos por aqui. – A rainha soltou um suspiro entediado. – Podem se retir...
– Majestade, por favor! – Para a surpresa de todos, correu até a madrasta, ajoelhando–se a seus pés. – Por favor, deixe que eu me case com ele!
– O que pensa que está fazendo? – Lançou-lhe um olhar mortal.
– Madrasta, eu imploro! – falou com os olhos cheios de lágrimas.
– Já ouviram a minha resposta e é não! – Elevou o tom. – E continuará sendo até que aprenda a ser uma princesa.
Paralisada, assistia a cena e segurava as próprias lágrimas. Como sua mãe podia ser tão cruel? Como podia negar um pedido como aquele para uma de suas filhas? Seus membros tremiam querendo levá–la até , mas o medo de ser repreendida era maior.
– Levem–na daqui! – A mulher ordenou, voltando a se sentar no trono. – Agora!
Imediatamente dois guardas foram até a princesa e a ergueram com delicadeza. Em prantos, a garota os acompanhou para fora. Era nítido o quanto estava desolada. Quando as portas foram fechadas, pensou que era hora de se retirar. Todavia, poderia fazer algo pelo menos daquela vez.
Com cautela, ela caminhou até estar de frente para a mãe, que sem entender sua intenção, ergueu as sobrancelhas. Tentando não encará–la para não perder a coragem, falou de uma vez.
– Majestade, peço que estenda sua bondade à princesa . – Por sorte sua voz não tremeu. – Sei que não estou no direito de exigir nada e que não é um assunto em que deva me intrometer, mas... por favor, não negue a ela a felicidade.
– Como você mesma disse, não é um assunto que deva ser meter. – Respondeu sem sequer ponderar. – Agora volte para seu quarto!
– Mãe, por favor... – Tentou mais uma vez.
Semicerrando os olhos, a rainha se levantou e caminhou até a filha a passos lentos. Quanto menor se tornava a distância, maior era o tremor que acometia seu corpo e quando a mulher parou em sua frente, encarando-a com os grandes olhos pintados, ela agarrou o próprio vestido instintivamente.
– Acho que não fui bem clara – sussurrou bem perto. – Ou é você que não está ouvindo direito?
– Eu ouvi. – engoliu seco. – Mas pensei...
– Pensou errado. – A interrompeu. – Agora saia daqui!
– Mãe, eu... – Tentou outra vez.
Porém, não pôde terminar o que dizia. Cambaleou para trás ao sentir o rosto queimar, levando a mão até a bochecha direita. Espantada, olhou para a mulher, que abaixava a mão usada para o golpe que lhe acertou a face.
– Já chega de tanta rebeldia! – Berrou e virou–se para os empregados. – Tirem essa garota de minha frente!
Antes que fosse alcançada pelos guardas, acertou a postura e caminhou na direção da saída. Dispensando os homens que a acompanhavam, seguiu pelos corredores, chegando ao seu quarto. Abriu a porta e a fechou no segundo em que as primeiras lágrimas escaparam. Não chorava por conta da agressão, mas sim pela humilhação e por ver sua irmã ser privada da felicidade e não poder fazer nada.
Ignorando a criada que perguntava o que havia acontecido, sentou–se de frente para a penteadeira e começou a retirar os acessórios que usava. Aos poucos toda a produção foi removida e o cabelo estava livre. Tirando o vestido luxuoso que usava, colocou um mais simples, quase sem roda, na cor azul celeste. Limpando as lágrimas restantes, continuou a encarar o reflexo e ele parecia tão desolado quanto ela mesma.


~o~


O dia ensolarado foi embora depressa, permitindo que a noite de lua cheia chegasse. O céu quase não tinha nuvens e as estrelas completavam a bela visão da paisagem noturna. A princesa poderia estar observando isso da janela de seu quarto, porém, seu coração inquieto não deixava que tivesse paz.
Levantando–se da cama, calçou os pés e pegou um robe branco de seda, colocando–o por cima do vestido azul. Aproveitando que Mary já havia ido para o próprio quarto, saiu e caminhou pelo corredor, se escondendo dos guardas que circulavam por lá vez ou outra. Não podia ser vista, pois sabia que se a pegassem indo para o quarto da irmã a levariam de volta.
Observando de longe pela escuridão, esperou até que os guardas que passavam virassem o corredor à frente. Tentando não fazer barulho, correu até o quarto de e tirou uma chave dourada de dentro do decote do vestido. Olhou para os lados e a enfiou na fechadura, girando–a com calma. Abriu a fechadura e empurrou a madeira, entrando no quarto a passos inaudíveis. Fechou a porta com cuidado e então a trancou novamente.
Virando, buscou a irmã pelo recinto e a encontrou perto da janela. observava a lua, distraída, e seus olhos claros brilhavam por conta das lágrimas. O coração da mais velha doeu ao ver a cena.
... – a chamou baixinho.
A garota se virou, com os olhos surpresos, e se encararam por alguns segundos antes que a mais nova corresse até a outra, abraçando-a com força. Chorando copiosamente, apoiou o rosto no ombro de , que a segurou com carinho.
– Eu sinto muito... – murmurou, afagando os fios curtos.
– Não é justo! – disse entre os soluços. – O que fiz de errado para que seja privada até mesmo disso?
– Você não fez nada. – Tentou acalmá–la. – Não tem nada a ver com você.
Sentindo compaixão, puxou a garota até que se sentasse na grande cama de casal, uma de frente para a outra. Levou os dedos até o rosto pálido e limpou as lágrimas que escorriam. Não gostava de vê–la assim e, principalmente, de não poder agir a respeito.
– Ela quer que se case com ele. – baixou o rosto. – Você irá?
– Não! – respondeu de uma vez. – É com você que ele quer casar e sei que quer o mesmo então por que me intrometeria?
– Eu achei que quando completasse a maioridade ela me deixaria ser livre. – Sorriu, sem humor. – Mas parece que só piora.
– Sim, mas nós estamos crescendo. – Concordou. – Ela não vai poder nos controlar para sempre.
– E se puder? – Olhou desesperada para a irmã.
– Ela não pode! – falou com convicção. – Uma hora vamos seguir nossos destinos.
– Eu temo quando esse dia chegar. – encolheu os ombros.
– Por quê? – questionou.
– Talvez não entenda, pois é filha legítima dela. – Suspirou, aflita. – Mas eu não. Sou apenas o lembrete de que um dia esse reino já teve outro governante.
– Ela não faria nada contra você – disse ao perceber onde ela queria chegar.
– Eu sou uma ameaça, irmã. – Balançou a cabeça. – Meu pai era o rei e eu sou a herdeira.
– Não vou deixar que nada aconteça a você. – Segurou as mãos dela com força. – Eu prometo!
– Você vai me salvar? – Sorriu.
– Se for preciso. – Sorriu de volta.
Voltaram a se abraçar e logo em seguida deitaram no colchão macio, passando o resto da noite conversando sobre os jovens que haviam chegado.
– Como o conheceu? – perguntou, curiosa.
– Se lembra do baile promovido pelo reino vizinho? – Se virou de lado, ficando de frente para ela.
– O que eu não pude ir, pois estava resfriada? – Fez uma careta.
– Exatamente! – Sorriu. – Naquela noite ele me tirou para dançar várias vezes e nos dias seguintes que permaneci lá nos encontramos todas as noites no jardim do castelo onde eu estava hospedada.
– Como conseguiram? – Riu da ousadia da mais nova.
– Minha criada nos dava cobertura. – Riu junto com ela. – Irmã, ele é tão gentil e bom. Me trata como se eu fosse uma...
– Uma princesa? – Debochou.
– Muito mais do que isso! – Jogou o lençol sobre suas cabeças e ficaram totalmente cobertas.
– Como assim muito mais? – Pensou que talvez a irmã estivesse exagerando.
– Quando estávamos juntos era como se nada mais existisse. – Suspirou, apaixonada. – Éramos nós dois.
encarou a irmã e se sentiu comovida. O jeito que ela falava a cada vez que se referia ao príncipe parecia estar vivendo em um conto de fadas. Não sabia que era possível sentir algo assim e não pretendia descobrir, mas a sinceridade daqueles sentimentos tocou seu coração. Estava decidida. Iria ajudar a se casar com e não se importava com as consequências.
As jovens princesas ficaram horas juntas conversando e contando histórias. Não era todo dia que podiam se encontrar assim e sabia bem, havia sido pega e castigada inúmeras vezes. Por um tempo teve medo de ir até a outra, porém, o amor que sentia por ela era maior do que qualquer temor.
Observou com carinho dormir profundamente e a cobriu direito. Após depositar um beijo na testa da irmã, levantou da cama pronta para se retirar. Abriu a porta devagar e, ao constatar que o lugar estava limpo, saiu na ponta dos pés.
Caminhou por vários metros pelos corredores mal iluminados, virando mais um deles e dando de cara com dois guardas. Para sua sorte, eles não a viram e a garota correu de volta, buscando um lugar para se esconder. Ao virar um dos corredores, olhava para trás e não percebeu o momento que esbarrou com alguém, derrubando de suas mãos a lamparina que carregava.
O som do vidro se partindo assustou os dois jovens, que olharam para lá no momento em que o óleo se espalhava e a chama apagava. Só após o susto conseguiu o reconhecer. a encarava com o cenho franzido, como se perguntasse se havia algo errado.
– Droga... – murmurou ao ver o estrago que tinha causado. – Me desculpe por isso.
– Está tudo bem? – perguntou, deixando a lamparina de lado.
– Sim, sim... – Finalmente o encarou diretamente. – Eu só estava indo para meu quarto.
– Deveria me perguntar o que uma princesa está fazendo a essa hora fora de seus aposentos? – ergueu as sobrancelhas.
– Eu poderia fazer a mesma pergunta, senhor. – Sorriu de lado.
– Não consigo dormir – respondeu após um suspiro.
– Devo imaginar o motivo. – Mordeu os lábios.
– Tudo parecia muito certo – continuou – e por isso não conseguimos entender a decisão da rainha.
– Não há como entendê–la. – Balançou a cabeça para os lados. – Mesmo assim não faça o que ela diz.
– Poderíamos conversar sobre isso. – Sugeriu. – Mas talvez em outro lugar.
– Claro. – Concordou. – Venha comigo.
A mulher não sabia exatamente para onde ir, mas permitiu que os instintos a guiassem. Recordou–se do que a irmã dissera sobre conversar no jardim e conduziu o príncipe para lá. Seria bom que estivessem longe das paredes do castelo enquanto tratassem sobre o assunto. Além do mais, precisava de ar puro para suportar falar de algo tão delicado.
Após chegarem ao lado de fora caminharam lado a lado por alguns metros. Estavam calados e o rapaz fitava o céu estrelado. o observou melhor. Usava calças pretas e uma camisa branca com as mangas dobradas até os cotovelos. O cabelo estava levemente bagunçado, dando a ele um ar mais jovial.
– Meu pai sempre desejou unir nossos reinos desde os tempos do antigo rei do Reino do Norte. – começou a dizer. – É uma pena que ele tenha sido traído e morto pelos próprios servos.
– Sim, é uma pena. – A garota baixou os olhos.
– Mas ele ainda acredita que essa aliança possa acontecer, especialmente agora que a herdeira está chegando à idade de assumir seu posto. – Parou e ela fez o mesmo. – Mas Sua Majestade não parece estar interessada.
– A rainha é uma mulher difícil. – Se virou para o rapaz. – Se ela não concordou com o casamento é porque se sente ameaçada.
– Não viemos aqui como uma ameaça. – franziu a testa.
– Vocês não são. – Explicou para ele, tentando não dar mais detalhes que o necessário. – Mas talvez a princesa seja.
– A princesa será uma ameaça apenas se a rainha não desejar deixar o trono. – Balançou os ombros.
– Essa é a questão. – Sorriu, sem humor. – Porém, ela não poderá ficar lá para sempre e é por isso que peço para que não aceitem a proposta dela. Se o príncipe deseja se casar com minha irmã, peça a ele que espere por ela.
– Posso afirmar que a ideia de aceitar a proposta da rainha não passou pela mente dele um minuto sequer – disse e a ouviu rir abafado.
– Ele é um homem decidido. – A garota observou. – E eu espero muito que eles possam ser felizes.
Continuando a caminhada, chegaram até um dos bancos no jardim e se sentaram. Pela primeira vez naquela madrugada, olhou para o céu e viu a lua cheia brilhando bem acima de suas cabeças. Suspirando com a bela visão, não notou quando se levantou e foi até um dos arbustos atrás de si. Apenas voltou à realidade quando o ouviu dar um sobressalto.
– Ai! – O príncipe gemeu ao espetar o dedo em um dos espinhos da rosa vermelha que tentava colher.
– O que está fazendo? – riu, indo até ele. – Não é assim se colhe uma rosa.
– Eu sei. – Desistiu da flor, se preocupando com o sangue da ferida. – Havia pensando em improvisar.
– Veja só o que aconteceu graças ao seu descuido. – Se aproximou, pegando sua mão com cuidado.
– Não pensei que me espetaria. – Observou a garota usar a ponta do robe que usava para limpar o sangue.
– E para que exatamente queria essa flor? – Continuou a segurar sua mão.
– Era para a senhorita. – Foi direto. – A menos que não goste de flores.
– Eu não gosto. – respondeu, mas logo completou a fala ao perceber que tinha sido muito rude. – Mas não me importaria de receber uma.
– Então pensarei em um presente melhor. – Sorriu para ela.
A princesa sorriu de volta. Nenhum deles havia percebido que ainda mantinham as mãos unidas, continuando assim por um tempo incalculável. Apenas quando a garota se deu conta do tempo que passaram a se encarar é que se tocou e se afastou. Ambos sem jeito, eles sorriram um para o outro e voltaram a caminhar, conversando sobre coisas triviais.
Enquanto seguiam sob a luz da luz, não faziam ideia de que eram observados. De seu quarto no andar superior, a rainha olhava para baixo pela sua janela, analisando os dois jovens com desaprovação, pois conhecia a filha. Se tivesse ajuda, com certeza a garota atrapalharia seus planos, mas isso era algo que jamais permitiria.

Capítulo 2

não sabia há quanto tempo estava sentada em frente a todos aqueles papéis. Após conversar boa parte da madrugada com , eles retornaram aos seus aposentos, porém, a jovem não conseguiu dormir, indo parar no escritório do antigo rei.
Lembrava–se bem dele. A rainha havia morrido quando a princesa era um bebê, mas o homem não deixou que isso o tornasse amargurado. Pelo contrário, era gentil e alegre como e sempre estava pronto para ajudar os outros. Quando ele e sua mãe se casaram, foi recebida de braços abertos e, mesmo não sendo uma descendente direta do rei, ganhou o título de princesa.
Suspirando ao se recordar do triste fim que ele tivera, a moça pegou mais uma folha, lendo o que estava escrito com atenção. Todos aqueles documentos se referiam ao que aconteceria com o trono caso o monarca viesse a falecer. O rei decretou que sua única filha seria sua sucessora mesmo que no futuro tivesse mais filhos, afinal, ela era sua primogênita. Após se casar novamente, decretou que a nova rainha seria a tutora da menina caso ela ainda não tivesse a idade para governar. Todavia, no tempo determinado, a coroa deveria retornar para as mãos da princesa herdeira e ela seria a rainha definitiva.
Deixando o testamento sobre a mesa de madeira escura, a garota passou as mãos nos cabelos soltos, com preocupação. Aqueles papéis foram feitos antes de qualquer conspiração ser conhecida pelo homem e tinha a assinatura dele e da rainha. Porém, haviam sidos esquecidos e nunca mais citados. Era óbvio que sua mãe não pretendia devolver a coroa para a verdadeira dona e esse era o maior motivo dela não permitir que se casasse com , pois significava que a garota estaria livre de suas garras.
– Não pode nos prender para sempre. – murmurou para si mesma, arrumando os papéis em uma pilha.
Arrumou a bagunça feita e se retirou, voltando para seu quarto. Procurando um bom esconderijo, guardou o testamento e se deitou sobre os lençóis brancos. Fitando o teto, repassava vez após vez em sua mente como poderia ajudar a irmã e, sem perceber, finalmente caiu no sono.
A jovem só acordou ao sentir os primeiros raios de sol atingindo seu rosto. Sabia que havia fechado as cortinas, por isso olhou para lá ainda sonolenta, encontrando Mary terminando de empurrar o longo tecido vermelho.
– Bom dia, Alteza! – A mais velha desejou, com um sorriso. – Hora de levantar.
Bufando em descontentamento, voltou a se jogar na cama. Será que não poderia ter pelo menos um minuto de paz? Após muita insistência da criada, se levantou e fez sua higiene antes de comer qualquer coisa.
– Os príncipes ainda estão aqui! – A mulher observou com entusiasmo, penteando os cabelos cacheados.
– A rainha insistiu que ficassem pelo menos uma noite. – Completou, fingindo desinteresse.
– São rapazes muito gentis e bonitos. – Parou por um segundo, franzindo o cenho. – O que vieram fazer aqui?
– Uma coisa importante. – A encarou pelo espelho.
– Que coisa importante? – A criada arregalou os olhos.
– Logo você e todos os outros saberão. – Sorriu para ela.
Mesmo com a insistência da senhora para que contasse do que se tratava, continuou de boca fechada. Desejava poder resolver a situação sem mais interferências. Após preferir tomar o café da manhã no próprio quarto, pegou os papéis que havia encontrado e os colocou dentro de um livro. Com passos cautelosos foi até o quarto que sabia ser onde o príncipe estava.
Bateu duas vezes na porta, olhando para os lados sempre até que foi atendida. O rapaz a encarou com certa curiosidade, mas ela não estava pronta para explicações àquele horário da manhã.
– Princesa ? – Franziu o cenho. – Posso ajudar?
– Posso entrar? – Foi direta.
– Bem, sim. – Abriu mais a porta. – A casa é sua, não é?
– Obrigada! – Sorriu.
Sem cerimônias a moça adentrou o recinto e esperou que ele fechasse a porta. Quando o rapaz a encarou, ainda sem entender a situação, a princesa se aproximou, apertando o livro entre os dedos.
– Quero que saiba que não há problemas da minha parte em recebê–la aqui, mas... – a encarou, receoso. – O que a rainha vai pensar caso nos encontre no mesmo quarto?
– Ela não nos encontrará. – Respondeu sem pensar duas vezes.
– Se você diz, então tentarei ficar menos aflito. – Sorriu para ela.
– O senhor gosta de ler, alteza? – perguntou de repente, inclinando a cabeça para o lado.
– Sim. Gosto! – Se surpreendeu com o assunto repentino. – Mas por que a pergunta?
– Veja este livro. – Estendeu o volume para ele. – Tenho certeza de que vai interessá–lo.
Hesitante, pegou o objeto das mãos dela, analisando a capa marrom. Não possuía nenhum título, apenas bordas douradas. Olhou para a mulher, que apenas acenou com a cabeça, e ele entendeu que deveria haver muito mais ali do que aparentava. Com os dedos ágeis folheou o livro até parar quase na metade. Imediatamente, seus orbes capturaram a folha fora do lugar e ele leu com atenção o que estava escrito.
– Então é isso – murmurou, continuando a leitura. – A rainha atual é apenas uma tutora.
– Sim. – afirmou. – O trono não foi deixado para ela, mas para a filha do rei.
– E por que está me mostrando isso? – Devolveu o livro.
– Porque preciso de ajuda. – Explicou. – Minha mãe não deixará que o poder escape de seus dedos tão facilmente mesmo que ela própria tenha assinado este testamento. E acredite, eu sei do que ela é capaz.
– Do que ela é capaz? – Franziu a testa.
fitou o homem à sua frente com receio. Segurando o grande livro contra o peito, ponderou se deveria contar a verdade a ele. Haviam se conhecido há pouco tempo, porém, sabia que era a maior chance de resolver os problemas que sua mãe havia causado. Não poderia deixar escapar a chance de fazer justiça e faria o que fosse possível para proteger a irmã.
Engolindo seco, caminhou até a cama de casal e se sentou. notou sua aflição, mas preferiu não dizer nada e apenas puxou a cadeira da escrivaninha que havia ali, colocando-a de frente para a moça e sentando–se.
– Eu vou contar algo que aconteceu. – Respirou fundo. – Espero que no final não me condene.
Então a jovem começou o relato. Pela primeira vez em sua vida compartilhava os eventos que presenciou. Nem mesmo sabia de nada. Entretanto, lhe transmitia confiança. Talvez fosse o olhar terno ou a forma que a tratava, mas naquele minuto não fazia diferença e não poderia voltar atrás.
O rapaz permanecia quieto, ouvindo a história sem piscar. Não sabia bem como reagir, porém, aquelas palavras foram suficientes para ele. Estava comovido em saber que confiava nele, que se sentiu segura em lhe contar algo tão profundo. Quando ela terminou fitava o livro sobre o colo, agarrando as bordas da capa dura com firmeza para disfarçar o tremor do seu corpo, mas ele notou.
Sem pensar, se inclinou para frente para ficar mais perto dela e então estendeu a mão, tocando a pele molhada pela lágrima solitária que a garota nem mesmo havia notado que escorria. Sobressaltou–se com o toque e se afastou rapidamente, limpando ela mesma o rosto.
– Era isso que eu tinha a dizer – sussurrou, evitando encará–lo. – Talvez ache que sou uma covarde por ter esperado tanto tempo, mas não tive escolha.
– Você não é covarde. – Rebateu. – Era apenas uma criança quando tudo aconteceu.
– Mas eu poderia ter contado a verdade. – Balançou a cabeça.
– Talvez aquele não fosse o momento certo. – se levantou.
Parando de frente para ela, segurou uma de suas mãos e a fez se levantar. A garota o fez sem entender, porém, não deixou de fitar seus olhos escuros, que estavam frente a frente, poucos centímetros os separando.
– Agradeço por confiar em mim. – Ele sorriu. – Pode ter certeza que vou ajudá–la.
– Obrigada... – sussurrou.
– Me encontre mais tarde no mesmo lugar de ontem à noite. – o rapaz pediu. – Temos muito que conversar.
– Sim. – concordou.
Em seguida, se afastou, pois se sentia constrangida com a proximidade. O rapaz soltou sua mão e ela se despediu, deixando o lugar. Abraçando o livro contra o peito, não conseguiu conter o sorriso que se formou enquanto caminhava distraída pelos corredores. Foi quando ouviu seu nome ser chamado diversas vezes e olhou para trás, vendo sua criada correndo em sua direção.
– Alteza, alteza! – A mulher abanava a mão.
– Mary, por que essa gritaria? – Fez uma careta.
– A rainha... – Parou um segundo para tomar fôlego.
– O que tem a rainha? – Ajeitou a postura.
– Sua Majestade pediu que a senhorita fosse até ela agora – finalmente disse.
A princesa ficou paralisada por alguns instantes, tentando entender o motivo de ter sido convocada de forma tão repentina. Respirou fundo, decidindo que não podia mais esperar, pois uma hora precisaria ir até ela. Entregou o livro para a criada, ordenando que esta o escondesse em seu quarto e então seguiu para o lugar onde a rainha estava.
Caminhou apressada até estar no corredor dos aposentos reais e avistou dois guardas parados das extremidades da porta. Após informar o motivo para estar lá, eles a deixaram passar.
não se recordava da última vez em que esteve no quarto da mãe, se lembrava apenas de ser um lugar em que preferia não estar e agradecia por sua progenitora não fazer questão de tê–la ali. Exatamente por esse motivo, ela não entendia o chamado justamente para ir lá.
Entrou devagar, fitando o papel de parede vermelho e os quadros pendurados. O local tinha o dobro do tamanho dos seus aposentos e era infinitamente mais luxuoso. Em meio a todos aqueles móveis encontrou a rainha sentada em uma poltrona, virada para a janela com cortinas escuras abertas.
– Majestade... – anunciou sua presença.
– Ah, você está aí! – A mulher a olhou por cima do ombro. – Aproxime–se.
A obedeceu, parando de frente para a poltrona. A mulher usava um vestido marrom e robe preto. No rosto, não usava nada e os cabelos estavam soltos, uma visão que a filha achou que jamais teria dela novamente.
– Mandou me chamar? – perguntou, unindo as mãos em frente ao tronco.
– Sim, mandei – suspirou, cruzando as pernas. – E pretendo ser breve, por isso trate de dizer apenas a verdade.
– Majestade? – Franziu o cenho.
– Qual a sua relação com o príncipe herdeiro do Sul? – Ergueu o rosto, como se exigisse uma explicação.
– Relação? – disse confusa. – Não temos nenhuma relação.
– Eu te conheço, . – Encarou a filha diretamente. – Você não gosta de estar com rapazes, então vou repetir a pergunta e espero que seja sincera. Qual a sua relação com o príncipe ?
– Eu fui sincera. – Cerrou os punhos. – Somos apenas amigos.
– Antes não tinham relação e agora são amigos? – Ergueu as sobrancelhas. – Interessante.
A rainha se levantou e a menina deu um passo para trás de maneira inconsciente. Quando esta se aproximou, caminhando ao seu redor, ela baixou o rosto, apreensiva.
– Eu já afirmei inúmeras vezes que não tolero rebeldia e sei que se lembra bem disso. – A mulher parou às suas costas. – Então nem sonhe em se meter nos meus assuntos.
– E... o que faria caso eu sonhasse? – Surpreendendo a si mesma e a mãe, questionou.
– Sabe melhor do que ninguém o que acontece com aqueles que entram em meu caminho – sussurrou no ouvido da moça. – É o único aviso que tenho.
Percebendo que o peito subia e descia graças à ameaça, a garota fechou os olhos , buscando a coragem dentro de si. Fora intimidada todo aquele tempo, mas era o momento de enfrentar a mulher responsável por sua angústia. Com os punhos cerrados, virou–se para ela, encarando seu rosto perfeito.
– Eu sei bem o que acontece com aqueles que a atrapalham. – Tentou não vacilar. – Nem mesmo o rei foi poupado, então por que eu seria?
– Você não entende ainda, é muito jovem – a outra disse.
– Entendo o suficiente para condenar os atos de um assassino! – rebateu com firmeza. – Por todo esse tempo tentei fingir que não era real, que os responsáveis foram mesmo servos traidores, mas não havia como fingir. Eu vi!
– E acha que vão acreditar no relato de uma jovem tola como você? – Riu com desdém.
– Acha que sou tola? – Riu abafado. – Não sou mais criança, então não me subestime.
A rainha permaneceu parada por um segundo, fitando a filha. Soltou um longo suspiro, voltou a se sentar na poltrona e cruzando as pernas. As duas se encararam por mais um tempo até que a mais velha deixou mais um riso desdenhoso ecoar pelo recinto.
– Fico imaginando o que alguém como você poderia fazer. – Recostou–se ao estofado. – Mas é melhor não esperar, certo?
não entendeu a sentença e não teve tempo para questionar, pois a mulher ordenou que os guardas do lado de fora entrassem. Imediatamente eles o fizeram, aguardando as instruções da soberana.
– Levem a princesa aos seus aposentos. – Fez um gesto com as mãos. – E não a deixem sair.
– O quê? – Arregalou os olhos. – Não pode me prender!
– É uma ordem! – A fitou com um sorriso malévolo.
– Sim, senhora! – Os dois responderam ao mesmo tempo.
A garota tentou se esquivar deles, mas os homens não tiveram dificuldades em dominá-la e, mesmo que tentasse, foi arrastada para fora e levada até seu quarto. Para seu desespero a porta foi trancada por fora e, mesmo que a jovem protestasse, seus pedidos para que fosse libertada não surtiram efeito.
Cansada de esmurrar a porta, caminhou de um lado para o outro, passando as mãos nos cabelos. Ao perceber que perder a calma não adiantaria, sentou–se de frente para a penteadeira e, fitando o próprio reflexo, tentou pensar em uma forma de escapar. A saída não seria viável, pois tinha certeza de que estaria vigiada, então após reavaliar as opções, escreveu um pequeno bilhete e aguardou a chegada de sua criada.
Mary chegou pela tarde, como sempre fazia, e não se levantou, esperando que a porta fosse trancada mais uma vez.
– Alteza, o que está acontecendo? – perguntou, sem entender. – Por que tem guardas na entrada dos seus aposentos?
– A rainha me trancou aqui, mas isso não importa agora. – Foi até ela, pegando uma de suas mãos. – Pegue isso.
– O que é? – Fitou o papel colocado entre seus dedos.
– Não precisa saber. – negou com a cabeça, continuando. – A única coisa que quero é que, assim que sair daqui, entregue isso ao príncipe . Entendido?
– Sim, Alteza! – disse, mesmo confusa.
Após cuidar da princesa a mulher deixou seu quarto, pronta para cumprir a tarefa que havia recebido. Se esgueirando pelos corredores, chegou até o quarto do príncipe e foi recebida por um surpreso.
– Posso ajudar em algo, senhora? – o rapaz perguntou, com gentileza.
– Pegue isso, senhor. – Olhou para os lados antes de dar a ele o bilhete. – A princesa mandou.
? – Fitou o papel com curiosidade. – Onde ela está?
– A rainha ordenou que não saísse do quarto – falou baixinho. – Mas não posso demorar aqui. Sinto muito!
– Está bem. – Acenou com a cabeça. – Obrigado!
Então a mulher o deixou e, voltando para dentro do quarto, sentou–se na escrivaninha e abriu o pequeno pedaço de papel, lendo as palavras de com atenção.

"
Nesse momento estou presa em meus próprios aposentos por ordem da rainha, mas não pretendo esperar para ver o que irá acontecer daqui em diante. Precisamos agir antes que seja tarde.
Sei que estou pedindo demais, porém, você é o único que conhece a verdade e também disse que me ajudaria.
Eu conto com isso.


Dobrando o papel ao meio, o rapaz suspirou. contava com sua ajuda, mas como tirá–la de lá? Mesmo sem seu auxílio ela afirmou que continuaria com seus planos e ele queria cooperar. Algo em seu coração o movia à ação para que aquela injustiça pudesse acabar.
Determinado, vestiu suas roupas e foi para o quarto de . Sabia que estava sendo ousado demais, entretanto, não conhecia a rainha. Ela podia ser muito pior do que o relatado por sua filha. Ao virar o corredor, avistou dois guardas de prontidão, sem mover um único músculo. Sem se intimidar, foi até eles.
– Boa tarde, cavalheiros! – falou com a gentileza de sempre. – Eu gostaria de falar com a princesa , poderiam informar que estou aqui?
– Sinto muito, Alteza, mas a princesa não pode receber ninguém – um deles disse. – São ordens da rainha.
– Que pena, mas... – Procurava uma forma de driblar a situação quando a porta foi aberta de uma vez.
Surpreendendo os três homens, a princesa apareceu na porta segurando um vaso de porcelana, que sem pensar duas vezes usou para acertar a nuca de um dos guardas, o desmaiando. O outro se aprumava, mas não teve tempo de reagir, pois o acertou com um soco, também o desfalecendo.
– Você veio! – A garota sorriu ao ver o rapaz.
– Sim, mas poderia pelo menos ter avisado! – falou ainda estupefato.
– Me desculpe, mas não tive opção. – Riu do desespero dele. – Assim que ouvi sua voz, agi, pois não podia lidar com os dois de uma vez.
– E o que pretende agora? – perguntou assim que começaram a caminhar.
– Vá até o andar inferior e procure minha criada, a mesma que foi ao seu quarto mais cedo. – Explicou com detalhes. – Ordene a ela para que lhe dê o livro com os documentos.
– E você? Para onde vai? – A olhou de soslaio.
– Vou até minha irmã. – Revelou. – Preciso ver se ela está bem.
Separaram–se no meio do caminho. A princesa seguiu em frente e o rapaz alcançou a escadaria que o levaria ao andar inferior. sabia que sua mãe era capaz de qualquer coisa, especialmente após a ameaça de mais cedo. Se a rainha não tinha piedade da própria filha, de quem mais teria?
Com pressa, conseguiu se esconder dos guardas até alcançar o quarto da mais nova e não bateu, apenas entrou no recinto, pois sabia que não se importaria. Para seu alívio ela estava lá, escovando os cabelos negros, distraída.
– Irmã, que bom encontrá–la aqui. – correu até ela.
– Onde mais eu estaria? – Se levantou, deixando a escova na penteadeira. – E por que está correndo assim?
, precisamos conversar. – A puxou para que ambas pudessem se sentar na cama.
– Por que está tão séria? – O sorriso dela morreu. – ...
– Porque o assunto em questão é sério. – Engoliu em seco.
– E qual seria? – questionou.
– Sua coroa. – Foi direta. – Está na hora de reivindicá–la.
– Mas a rainha... – Tentou dizer.
– A rainha não é governante legítima, está apenas fazendo papel de tutora até que você esteja pronta. – Ajeitou a postura. – E você está.
– A questão é: ela está pronta para deixar o poder? – A mais nova ergueu as sobrancelhas.
– Não está – disse, segurando as mãos da irmã. – E é por isso que vou ajudá–la.
– Você sempre está ao meu lado. – sorriu. – Como eu poderia retribuir?
– Poderia me perdoar. – Baixou o rosto.
– Perdoar? – Franziu o cenho.
Decidindo que aquele era o momento de sua querida irmã saber a verdade, não recuou em contar o que havia presenciado. Queria que a pessoa mais importante de sua vida a perdoasse por ter omitido algo tão crucial por tantos anos.
– O rei não foi morto por seus servos, foi a rainha quem o fez. – Começou seu relato, com os lábios trêmulos. – E eu vi tudo, mas nunca contei a ninguém. Perdoe-me por isso, por favor!
– Irmã, não me peça perdão. – Tocou o rosto dela com carinho. – Eu sempre soube o que aconteceu.
– Como? – Arregalou os olhos.
– Posso parecer ingênua, mas não significa que não penso por mim mesma – explicou. – Nunca me conformei com o ocorrido e, por conta própria, fui atrás da verdade.
– Por que nunca disse nada? – Estava incrédula.
– Para protegê–la. – Revelou.
entreabriu os lábios, sem acreditar. Seus olhos encheram–se de lágrimas ao ouvir as palavras da irmã. queria protegê–la, assim como a garota desejava fazer. Não compartilhavam o mesmo sangue, porém, a conexão entre suas almas era maior do que qualquer ser humano poderia explicar. Mordendo os lábios, se inclinou para ela e a abraçou forte para demonstrar todo o amor que sentia.
Absorvidas pelo momento fraternal, assustaram-se no momento em que a porta foi aberta e então se separaram, olhando para sua direção com espanto. Primeiro viram duas criadas adentrar o local, seguidas por pelo menos meia dúzia de guardas. As princesas se levantaram e, assim que a rainha entrou, colocou–se em frente à irmã em um ato instintivo de proteção. O que ela mais temia estava acontecendo.
– Que bela surpresa nós temos aqui! – A mulher caminhou lentamente pelo espaço. – Eu deveria imaginar que aqueles guardas seriam inúteis, afinal, é minha filha.
– O que faz aqui? – questionou, sem se importar com as formalidades.
– Que bom que perguntou, querida. – A rainha sorriu, dando ordem aos seus servos com apenas um aceno de mão.
Assim que receberam o comando, os homens avançaram na direção das princesas. Pensando rápido para tentar encontrar uma forma de fugirem, olhou ao redor, mas a única saída era pela porta a metros de distância. Com às suas costas, caminhou até estarem encurraladas contra uma parede. Quando as mãos enluvadas alcançaram seu corpo, a puxando para longe da mais jovem, ela usou de sua coragem e força para escapar de suas mãos, correndo até que já era levada.
, não! – berrou, alcançando-a em uma rápida corrida.
! – gritou de volta, estendendo a mão para ela.
Quando seus dedos se tocaram, a princesa teve o vislumbre do que havia ocorrido quando eram crianças. Sentia–se exatamente como no dia em que o rei havia sido morto. Na verdade, era pior, pois a sensação de que perderia a irmã a sufocava. Quando foi puxada para longe, gritou a plenos pulmões e continuou gritando em desespero.
– Esperem! – De repente a soberana ordenou e os homens pararam.
– Majestade? – Um deles questionou.
– Eu quero que ela veja – falou, de forma maligna.
As meninas a encaravam sem entender até que as criadas foram chamadas. Uma delas segurava uma bandeja com cálice de ouro. Fitando a filha, a rainha o pegou, caminhando até .
– Você gosta de observar as coisas, não é? – disse, com a voz rouca.
– Mãe! – se alertou ao perceber o que ela pretendia fazer.
– Então veja o que acontece com os que são tolos o suficiente para me desafiar! – Elevou o tom, causando tremor em todos os presentes.
Dando as costas para a filha, segurou o maxilar de , que era imobilizada por dois homens. Com violência ela conseguiu abrir a boca da princesa, obrigando–a a beber o líquido vermelho e sujando todo o vestido claro que ela usava.
– Não! – A mais velha se debateu. – Deixe–a em paz!
– E é assim que essa história termina. – Riu, jogando o cálice no chão.
– Não! – Sua voz rasgou a garganta.
Enquanto fitava a irmã chorar a princesa sentia todas as suas forças se esvaindo. Não era preciso muito para saber que havia sido envenenada e não estava preparada para presenciar algo tão brutal mais uma vez. Os criados permaneciam impassíveis, apenas encarando o sofrimento das duas jovens. Quanto à rainha, esta observava com prazer a cor começar a sumir do rosto da herdeira.
– A levem daqui! – Olhou para um dos soldados de olhos acinzentados e cabelos grisalhos. – Deixem que morra na floresta.
– Senhora... – Acenou uma vez com a cabeça.
Com o auxílio de mais um guarda, o homem pegou a princesa já enfraquecida no colo. A outra criada os seguiu, mas antes que pudessem sair, murmurou algo que fez o guarda parar.
– Madrasta... – falou, entre lágrimas. – Não faça mal a ela, por favor. Não machuque a minha irmã. É a única coisa que peço.
– Saiam daqui agora! – A rainha ergueu o rosto, com autoridade.
Obedecendo, eles se retiraram. Quanto a , ela fitava a porta fechada com os olhos marejados e o coração apertado. Havia perdido. Aquela mulher sem escrúpulos vencera novamente. Quando esta se aproximou, baixou o rosto, tendo a impressão de que havia voltado para a estaca zero.
– Pensou mesmo que conseguiria? – Inclinou-se, sussurrando bem perto do seu rosto. – É tão estúpida para querer ir contra mim? A moça não respondeu. Tremendo, fitava o carpete sem realmente enxergá–lo. Apenas as últimas palavras de ecoavam em sua mente. Mesmo em seu sofrimento, a mais nova havia pensando em protegê–la. Ao notar que não receberia respostas, a rainha ajeitou a postura.
– A levem para o quarto e dessa vez não deixem que saia. – Deu as costas para os presentes, caminhando até a porta. – Lá ela terá muito tempo para pensar no futuro que deseja para si mesma.
Apenas com os guardas e uma das criadas no lugar, a princesa não protestou quando foi levada para seus aposentos. Pelo contrário, agia como se lhe tivessem sugado a vida. Nem mesmo as lágrimas conseguiam descer e, ainda que quisesse gritar, a voz não chegava até a garganta.
Foi deixada sozinha no quarto e, quando a porta se fechou, olhou para todos os cantos, só então voltando à realidade. Sem mais forças, permitiu que as pernas cedessem e caiu sentada sobre o carpete carmesim com a respiração descompassada e lábios trêmulos. Não podia se mover um só centímetro, pois o sentimento de derrota era grande o suficiente para entorpecê–la por completo.

Capítulo 3

andava apressado pelos longos corredores do castelo. No andar inferior, corria os olhos pelas criadas que circulavam pelo ambiente, buscando a mulher que havia indicado. Tentando não demonstrar estar afobado, o rapaz cumprimentava todos que passavam ao seu lado com gentileza, mas sem se esquecer do seu principal objetivo.
Cansado de insistir, pois sabia que seria insolência de sua parte adentrar certos lugares, decidiu perguntar a algum dos servos onde poderia encontrá–la e, virando em um dos corredores, avistou uma jovem criada e foi até ela.
– Senhorita, poderia me ajudar? – Sorriu para ela.
– Alteza? – A garota arregalou os olhos, curvando–se imediatamente. – Sim, sim! O que o senhor deseja?
– Onde posso encontrar a criada da princesa ? – perguntou, sem parecer muito preocupado.
– A senhora Mary? – Franziu o cenho. – Ela acabou de voltar para o quarto da princesa, senhor.
– Ah, claro! – Balançou a cabeça uma vez. – Obrigado pela informação.
Antes que visse a garota se curvar, virou–se na direção oposta, refazendo o caminho de minutos antes. Mary havia voltado para os aposentos de , mas ele não a observou passar. Talvez houvesse feito outro caminho, afinal, aquele castelo era cheio deles.
Chegando até a escadaria que daria acesso ao andar onde os quartos ficavam, o príncipe parou ao ouvir seu nome ser chamado. Olhando para trás, encontrou o irmão mais novo vindo em sua direção.
? – Desceu os poucos degraus. – Onde estava?
– No jardim. – O rapaz informou, soltando um suspiro. – Combinamos de nos encontrar lá, mas ela não apareceu.
– Se refere à princesa ? – Ergueu as sobrancelhas.
– E a quem mais seria? – Imitou o gesto.
– Ela deve estar com a irmã agora – disse.
– Como pode ter certeza? – questionou, com curiosidade.
– Eu estava com a princesa e ela me disse que iria vê–la. – Balançou os ombros.
– Então você estava mesmo com ela. – Riu abafado.
– E isso agora? – Fez uma careta.
riu ainda mais, deixando o mais velho confuso. Era divertido ver alguém como , que geralmente dispensava o contato com garotas para passar horas e horas praticando tiro ao alvo, prestar atenção em uma delas.
– Por acaso ouvi pelos corredores que se encontraram mais de uma vez. – Semicerrou os olhos. – E que ela foi ao seu quarto.
– Sim – respondeu, sem se abalar.
– Irmão... – apoiou uma mão em seu ombro. – Por acaso está interessado nela?
– E se eu estiver? – Olhou para ele, sem qualquer expressão.
– Tenho certeza de que será uma ótima escolha! – sorriu cúmplice.
sorriu de volta, porém, tratou de deixar o assunto para mais tarde. Deveria admitir que era uma mulher interessante e cheia de virtudes e que estar ao seu lado era suficiente para que se sentisse bem. Entretanto, não poderia pensar no tipo de relação que poderia ter com a princesa se o assunto mais importante não fosse resolvido. A rainha nunca permitiria que se casassem, assim como fizera com e .
, escute... – voltou sua atenção para o rapaz. – Talvez exista uma forma de ajudar você e para que possam ficar juntos.
– Está falando sério? – Aprumou a postura.
– Sim. – Balançou a cabeça. – Me acompanhe e eu te contarei como.
Sem pensar duas vezes o príncipe mais novo o fez, subindo as escadas com o irmão. Durante o percurso, contou para ele a situação das duas princesas e da rainha e o que pretendia fazer para auxiliar as garotas. Prontamente, concordou em se unir a eles.
– Deveria ter me contado antes. – Bufou, meio irritado.
– Eu precisava ter certeza – explicou. – Esse não é um simples assunto, não envolve apenas duas pessoas. Estamos falando de um trono, do governo de um reino.
– Sim, eu sei – concordou. – Talvez seja por isso que esperou até agora.
O mais velho concordou. era inteligente e deveria saber que não poderia enfrentar a mãe sozinha, não quando esta era a rainha. Porém, agora teria auxílio.
Seguindo para o quarto da garota, os dois jovens pararam de supetão assim que viram uma senhora sair de lá, fechando a porta com certo desespero. Imediatamente a reconheceu.
– Senhora Mary! – chamou-a.
– Alteza! – Se virou para ele com os olhos marejados. – Finalmente o senhor chegou.
– Aconteceu algo? – Caminhou até ela.
– Entre, por favor! – Estendeu a ele o livro que tanto procurava.
– Mas... – murmurou, sem entender.
– Por favor! – Implorou.
Pegando o livro com certa cautela, olhou para o irmão, que também estava confuso. Ainda assim, recebeu um aceno de cabeça discreto e decidiu fazer o que Mary pedia. Segurando a maçaneta, girou-a lentamente e empurrou a porta, aos poucos tendo visão do ambiente, mas nada naquele luxuoso aposento chamou tanto a sua atenção. Como um imã sendo atraído pelo metal, seus olhos caíram diretamente sobre a garota sentada no carpete.
Sem olhar para trás ele foi até ela, abaixando–se ao seu lado. Mesmo assim a moça não se moveu, como se estivesse em transe. Ela permanecia olhando fixamente um ponto à sua frente.
... – a chamou em um sussurro.
Como se só naquele instante houvesse notado sua presença, ela virou a cabeça em sua direção, fazendo seus olhos se encontrarem. Os estavam marejados, indicando cada vez mais que algo estava errado.
– Está tudo bem? – Inconsciente, tocou seu queixo com os dedos.
Com o contato ele percebeu que sua pele estava fria e que a garota tremia. Olhando para a porta, viu que seu irmão e Mary continuavam lá e que a criada chorava baixinho. Havia, sim, acontecido algo de ruim.
– Onde está ? – De repente perguntou.
... – murmurou, como se a palavra a tivesse tirado do transe. – Precisamos salvá–la.
– Como? – se aproximou para ouvir melhor.
– Temos que encontrá–la! – Agarrou o braço dele. – A rainha... tentou matar minha irmã!
– O quê? – O mais novo adentrou mais no quarto, indignado. – Como?
– Ela a envenenou e levou para a floresta – disse com dificuldade graças ao choro que prendia. – Preciso achá–la.
Em desespero, levantou–se. Cambaleou por conta da velocidade com que o fez e sentiu as mãos do rapaz a segurando para que não caísse. Voltou a fitá–lo, notando seu olhar de preocupação. Todavia, não era consigo mesma que deveria se importar.
– Precisamos encontrá–la! – Insistiu, agarrando a roupa dele.
– Nós vamos. – Tranquilizou-a. – Nos diga onde ela está.
– Onde ela está? – parecia impaciente.
– Na floresta. – Abaixou o rosto, pensativa.
– Alteza, a floresta é muito grande! – Mary observou.
– Ela tem razão. – O mais novo concordou. – Precisamos de informações mais específicas.
– Eu não sei... – murmurou.
– Uma direção. – O garoto insistiu. – Norte, sul, oeste...
– Eu não sei! – Elevou o tom.
, tenha paciência! – O irmão repreendeu-o. – Vamos resolver tudo.
O príncipe soltou um longo suspiro ao pensar que sua amada estaria sofrendo. Seu coração se apertava apenas de imaginar que talvez não estivesse viva. Sacudindo a cabeça, tentou mandar para longe aqueles pensamentos mórbidos, focando seus esforços em encontrá–la.
– Eu não sei. – voltou a repetir. – Mas existe alguém que sabe.
Se afastando de , caminhou para fora. Sem entender o que ele estava fazendo os outros três a seguiram e, antes que percebesse, já corria para uma das salas do castelo. Invadiu o lugar sem cerimônias, olhando em volta os muitos objetos existentes. Era onde o rei costumava guardar suas armas. Havia belas armaduras, espadas e lanças, porém, a garota não buscava nenhuma delas. Dentro de um armário de vidro estava um belo arco e sua aljava cheia de flechas e a garota correu até lá, abrindo a trava com cuidado.
Por um segundo ponderou se deveria mesmo usar algo que havia pertencido ao antigo rei, logo tendo certeza de que sim. Ele não poderia mais proteger sua filha então ela mesma o faria. Decidida, passou a aljava pelos ombros e pegou o arco, deixando o lugar em seguida. Ao voltar a aparecer para os que a aguardavam do lado de fora, os surpreendeu com o que trazia.
– O que está planejando? – perguntou.
– A rainha mandou que um dos guardas levasse e a deixasse na floresta – explicou para eles. – A essa altura ele já deve estar voltando.
– Então vamos atrás desse homem! – elevou o tom.
– Sim, nós vamos. – Ela concordou. – Espero que saibam cavalgar muito bem.
Juntos, os três jovens se dirigiram para o estábulo para pegar cavalos para si e ordenou que Mary ficasse e guardasse novamente o livro até que eles retornassem. Após montarem cada um em seu animal eles seguiram para a floresta com a garota como guia. Segurando as rédeas, inclinava o corpo para frente para que pudesse se equilibrar.
Adentraram na parte que possuía as árvores com as copas mais fechadas, cavalgando por alguns minutos. não diminuía a velocidade nem por um segundo e os rapazes a acompanhavam, porém, como Mary havia observado, a floresta era grande demais. Seria quase impossível encontrar o guarda que havia levado se eles não adiantassem o processo.
– Vamos nos dividir! – a princesa anunciou. – Será mais fácil encontrá–lo.
– Entendido! – respondeu.
Cada um se dispersou para um lado enquanto a garota seguia em frente tomada de coragem e ira, não permitindo que nada escapasse de seus olhos . O vento balançava seu cabelo e o vestido acompanhava a dança. Ofegante, abaixou–se ao passar por um galho mais baixo, logo retomando a postura. Entretanto, ela fez com que o cavalo parasse assim que ouviu um grito. Não conseguiu discernir quem poderia ser, mas com certeza era de um homem.
Indo na mesma direção que ouviu a voz, ela se surpreendeu ao ver a toda velocidade, mas olhando melhor, viu o motivo. Mais à frente, o homem que procuravam tentava fugir em seu próprio cavalo. Travando o maxilar, pegou arco e os seguiu, logo sendo percebida. Mais atrás vinha , também guiado pelo barulho.
Ao adentrarem mais fundo na floresta os obstáculos se tornaram maiores. Sem poder continuar se equilibrando apenas com uma mão, diminuiu a velocidade, parando seu cavalo aos poucos. , que vinha mais atrás, não entendeu a repentina desistência e parou ao seu lado.
... – a chamou.
– Continue! – Respondeu apenas.
Sem questionar ele o fez, voltando a seguir o guarda real. Buscando um caminho alternativo, a princesa voltou a cavalgar sem guardar o arco, usando sua destreza para encontrar um caminho menos acidentado. Alguns metros à frente voltou a avistá–los, mas estavam longe, então cavalgou mais um pouco e parou novamente. Com rapidez, retirou uma flecha da aljava e a posicionou contra o arco, puxando a corda com força. Semicerrou os olhos e mirou, contando menos do que o de costume. Sem hesitar ela atirou e aguardou. A flecha passou com velocidade pelos rapazes, que sequer a enxergaram.
Eles foram surpreendidos quando o guarda urrou e levou a mão ao ombro, caindo do cavalo graças ao ataque repentino. Por um segundo tentaram entender, porém, assim que viram a flecha cravada em suas costas foram até ele. chegou primeiro e desceu do cavalo a toda velocidade, correndo até o homem. Quando chegou até o homem este já o agarrava pela gola da camisa. Ignorando sua dor, exigia que dissesse onde estava.
– Diga onde ela está, seu desgraçado! – dizia entre dentes, o puxando para perto. – Diga agora!
e se aproximaram, observando a insistência do mais jovem. Claramente, estava desesperado, mas como não estaria? Sua amada estava em apuros. Indo até eles, segurou o braço do rapaz com gentileza para que parasse e a encarou, ofegante.
! – o chamou.
Mesmo atordoado, entendeu o pedido do irmão e largou o guarda, se levantando e permitindo que se aproximasse. Com passos lentos parou de frente para o homem e o encarou. Pensou que quando o fizesse teria vontade de machucar ou até mesmo matá–lo, porém, não era o que sentia. Seu íntimo insistia em dizer que aquela pessoa não tinha culpa de nada e que era apenas um peão seguindo ordens.
– Eu deveria exigir que me contasse onde minha irmã está, mas pretendo apelar para sua justiça. – Encarou os olhos acinzentados. – Sei que sabe a quem pertence a coroa deste reino. Pertence a mulher que você deixou para morrer. Quanto à mulher sentada no trono, ela não tem coragem de ter o sangue de inocentes em suas mãos, por isso usa seus servos para fazer seu trabalho sujo, mas eu não o culpo.
Suspirando, ela se abaixou para ficar na altura dele. O guarda arregalou os olhos pela surpresa em tê–la tão perto, mas não se moveu ou disse qualquer coisa temendo uma nova represália.
– Desejo apenas que tenha misericórdia da princesa e de todos nesse reino. – Continuou a encará–lo. – Nos livre das garras da tirana que se apossou de algo que não a pertence.
Terminando de falar, permaneceu fitando o homem machucado. Pegando–a de surpresa, este se lançou diretamente com o rosto na terra, ignorando o ferimento no ombro. O choro seria possível de se ouvir a distância.
– Me perdoe, Alteza. Perdoe-me! – Implorava, em prantos. – Estava apenas seguindo ordens!
– Todos estavam. – Balançou a cabeça em negação. – Apenas me diga onde ela está.
– Eu a deixei debaixo de uma árvore perto do riacho. Na direção leste – disse, ainda com o rosto abaixado.
– Ela está bem? – questionou.
– Estava desacordada, mas ainda viva. – disse, para alívio de todos. – Me perdoe, senhora. Não podia fazer nada para ajudá–la, pois não tenho um antídoto.
– E onde posso encontrá–lo? – Inclinou a cabeça para o lado.
– A rainha. – Finalmente ergueu o rosto. – Apenas ela o tem.
Cerrando os punhos, se ergueu. Olhou mais uma vez para o guarda e então se virou para os príncipes.
– Ouviram onde ela está? – perguntou.
– Sim. – respondeu. – Eu vou atrás dela.
– Vá depressa, pois logo começará a escurecer. – Informou. – Eu vou até a rainha.
– Vou com você. – disse.
– Obrigada. – agradeceu, se virando em seguida para o homem no chão. – Quanto a você, volte para tratar desse machucado.
não perdeu tempo, logo seguindo na direção indicada pelo guarda real. Montou em seu cavalo e saiu a toda velocidade. Os outros dois fizeram a direção oposta, voltando ao castelo. No trajeto o céu tornava–se alaranjado graças ao sol que se punha. pensava em como conseguir o antídoto sabendo que a mãe não abriria mão dele com tanta facilidade.
Cavalgando rápido, chegaram ao castelo e deixaram os animais no estábulo. Lado a lado, adentraram a enorme estrutura de pedra, seguindo para o andar superior. A garota não sabia onde a rainha deveria estar, porém, permitiu que sua intuição a levasse para os aposentos da monarca. Chegado até lá, viu dois guardas em frente à porta, mas não se intimidou.
Quando tentou entrar, no entanto, eles tomaram a sua frente. Aborrecida, os encarou e ergueu o rosto.
– Não tentem me impedir! – Sua voz saiu baixa e rouca.
Os dois homens se entreolharam por alguns instantes antes de dar passagem para ela que, satisfeita, pousou a mão na maçaneta e olhou para trás.
– Aguarde um minuto, por favor – pediu a .
Recebendo um aceno positivo de cabeça, finalmente abriu a porta. Com passos cautelosos adentrou o recinto, buscando com o olhar a mulher que permanecia parada perto da janela, observando o lado externo. Suspirando, fechou a porta e caminhou até ela, parando a poucos metros.
– Então já escolheu seu destino – a rainha disse, virando–se para a filha. – Confesso que foi mais rápido do que eu imaginava.
– O antídoto. – Ignorou a sentença. – Onde está?
– O antídoto... – Fingiu pensar, mas logo soltou um riso abafado. – Esses seus olhos rebeldes... Cheguei a pensar que seria como seu pai, mas é exatamente como eu.
– Não sou como você! – Cerrou os punhos. – Nunca entendeu o que significa amar alguém e nunca cuidou de qualquer um que fosse. Não se importa com vidas inocentes e muito menos com esse reino, deseja apenas o poder. Então, não. Não somos iguais.
– Meu sangue corre em suas veias, querida. – Com um sorriso ladino, levou os dedos até o pescoço. – O que será que fará para conseguir o que tanto deseja?
Então a rainha puxou para fora da gola de seu vestido uma corrente prateada e preso a ela havia um pequeno recipiente de vidro. Semicerrando os olhos, pôde notar que continha um líquido avermelhado, semelhante a sangue.
– É isso que tanto deseja? – Ergueu as sobrancelhas. – Venha pegar então.
A princesa engoliu em seco quando a viu tirar o colar do pescoço, segurando-o com as pontas dos dedos. Não tinha tempo para jogos e precisava de ajuda o quanto antes. Olhando para a janela viu o céu começar a escurecer, anunciando o pouco tempo que restava.
O objeto ainda balançava no ar quando resolveu dar um passo a frente. O movimento foi suficiente para que o colar fosse solto, indo de encontro ao chão. Arregalando os olhos, a moça não pensou e apenas agiu. Como se o mundo estivesse em câmera lenta, pegou uma flecha na aljava e ergueu o arco, atirando sem nem ao menos contar. Em um golpe certeiro a flecha passou entre a corrente e cravou–se em um dos grandes quadros do lugar.
Abismada, a rainha olhou para o lugar onde a flecha permanecia, não acreditando na habilidade da mais nova. Furiosa, virou–se novamente para ela, que já abaixava o arco.
– Não vai tirar minha coroa! – disse entre dentes, tirando uma pequena adaga da manga do vestido.
– Só existe uma rainha nesse reino. – Segurou o arco com força. – E ela não é você.
Deixando de lado toda a compostura que insistia em manter, a mulher brandiu a arma e correu até a , que a imitou. Quando estava próxima o bastante, a garota usou o arco para parar o ataque e, com a mão livre, segurou o pulso da mãe, obrigando–a a soltar a adaga. Com agilidade usou uma das extremidades de sua própria arma para acertar o rosto da mulher, que caiu com o golpe.
Sentindo o rosto arder, a rainha levou os dedos até a bochecha, tocando o filete de sangue que escapava pelo local. Em estado de choque, viu largar a arco e correr até o colar com o antídoto. A garota sentiu–se aliviada assim que pegou o recipiente com as próprias mãos, o segurando com força, mas tal euforia não permitiu que sentisse a aproximação às suas costas e ela virou–se tarde demais, não podendo se desviar da lâmina que penetrou em seu ombro até o fim.
Surpresa pelo golpe repentino, o grito de dor que veio não pôde ser contido. Com as pernas bambas, deixou–se ser empurrada e quando suas costas se chocaram contra parede ela gritou mais uma vez.
– Não vai escapar, garotinha rebelde... – sibilou, segurando o cabo com furor.
A agonia de ter uma lâmina afiada dividindo sua carne era grande, porém, nada era tão doloroso quanto olhar nos olhos de sua mãe. Com o coração apertado, ela agarrou seu pulso e ergueu o braço livre contra ela. Em um movimento rápido, cravou na mulher a flecha que segurava no lugar exato em que ela havia sido atingida, arrancando-lhe um grito. Imediatamente a rainha se afastou, olhando com desespero para a flecha em seu ombro.
– Eu já escapei há muito tempo – sussurrou, agarrando o cabo de metal.
Sem pensar duas vezes arrancou a adaga com força e, desnorteada por conta da dor, cambaleou pelo recinto até alcançar o sino que a rainha usava para chamar os criados. Em segundos a porta foi aberta e os guardas entraram. Logo atrás deles viu . Ao verem a cena os três homens ficaram sem reação.
– A partir de hoje essa mulher não é mais a rainha do Reino do Norte! – A princesa apontou a adaga em sua direção. – Ela tentou matar a herdeira do trono e todos dentro dessas paredes bem o sabem. E agora mesmo tentou matar a própria filha.
– O que pensam que estão fazendo? – A mulher berrou ao perceber que os dois guardas encaravam com atenção. – Prendam essa garota insolente!
– Vamos salvar nossa verdadeira rainha – disse para eles. – Vamos salvar nosso reino. Por favor!
Os homens permaneceram imóveis por alguns segundos. Tudo estava silencioso e apenas a rainha gritava, exigindo que fosse presa por eles, mas para a surpresa dos presentes eles caminharam até a mulher e agarraram-na, fazendo com que ela se erguesse mesmo com protestos.
– Alteza, o que devemos fazer? – um deles perguntou.
– A mantenham aqui até que retornemos. Depois resolveremos isso – falou decidida. – E façam um curativo na ferida de seu ombro.
– Sim, senhorita! – O outro fez uma leve reverência.
Com um aceno de cabeça ela se afastou, indo até o príncipe. Parou em sua frente e respirou fundo, mostrando para ele o que tinha em mãos.
– É o antídoto? – Ele quis saber.
– Sim. – Puxou o ar com força mais uma vez.
– Você está bem? – O rapaz percebeu o modo como sua pele perdia a cor lentamente.
– Estou – disse, apenas. – Precisamos nos apressar. Já é noite.
não respondeu e apenas a seguiu quando ela passou pela porta do quarto. Podia ver muito bem o sangue manchando cada vez mais o tecido azul do vestido perto do ombro direito dela, entretanto, não disse nada porque sabia que não poderia impedi–la de continuar. Em seu encalço, ambos correram para fora do castelo, cruzando a passarela de ladrilhos que os levaria ao grande portão de saída. Correram alguns metros até verem Mary e James parados próximos a um cavalo negro e seguiram até eles.
– Mary! – a chamou.
– Senhorita, achei que precisaria de um cavalo e então pedi para que preparassem um. – Se aproximou dela, ajeitando seus fios bagunçados. – Mas... o que houve com seu braço?
– Discutiremos sobre isso quando eu voltar. – Se desvencilhou dela, subindo no animal depois de . – Obrigada!
– Tome cuidado, menina – falou, com voz de choro.
sorriu com carinho para ela e, em seguida, agarrou a cintura do príncipe quando este pegou as rédeas. Já com velocidade eles deixaram o castelo e seguiram para a floresta, na direção que o guarda disse ser a correta. A lua já imperava no céu e as estrelas brilhavam à sua volta. Com o colar em seu pescoço, a garota fechou os olhos, rezando para que encontrassem a irmã a tempo.
Após certo período cavalgando, ouviram o som de outro cavalo vindo em sua direção e pararam aos poucos, conseguindo avistar graças ao brilho da lua cheia. Escorada em seu peito estava , desacordada. desceu imediatamente e correu até eles. Com cuidado desceram a moça e deitaram-na sobre o gramado verde.
– Onde ela estava? – perguntou, retirando o colar com rapidez.
– Exatamente onde ele disse – o rapaz explicou, mas sua voz carregava melancolia. – Quando cheguei ela já havia desfalecido.
Desconsiderando aquele tom deprimido e os olhos visivelmente vermelhos do rapaz devido ao choro, abriu o pequeno vidro e se aproximou da irmã. Devagar, fez com que o líquido caísse dentro de seus lábios já sem cor. O processo não demorou mais que alguns segundos e então eles esperaram.
Apenas o assovio do vento era ouvido, assim como o som de grilos e corujas, tornando o momento ainda mais torturante. Agarrando o próprio vestido com força, se esforçou para manter a calma, pois sabia que acordaria. Aos poucos a cor de seus lábios voltou, assim como o viço da pele jovem. Então, quando menos esperavam, a princesa abriu os olhos com certa dificuldade.
... – murmurou, esticando a mão para a irmã assim que a viu.
– Você voltou! – Agarrou-a imediatamente.
– É aqui que você está. – A mais nova continuou, com a voz fraca. – Para onde mais eu iria?
Comovida com suas palavras ela beijou sua mão, permitindo que as lágrimas escorressem, mas aquelas eram de felicidade por saber que sua irmã de alma estava viva. Finalmente as coisas começavam a se acertar. Em seu íntimo, desejava que a partir daquele momento elas pudessem viver em paz.

Epílogo

Após mais de uma década, o Reino do Norte havia voltado a ter paz. Seus súditos não temiam mais desagradar à rainha, pois a atual governante era gentil e bondosa, assim como o antigo rei fora. Enquanto a moça dançava com seu príncipe no meio do salão, os convidados observavam com admiração a beleza do momento. Os noivos mantinham os olhares conectados e os sorrisos evidenciavam a felicidade que sentiam.
Observando e , teve plena certeza de que o amor verdadeiro existia, mas não apenas ali, no dia de seu casamento, e sim em todos os outros. O sentimento que compartilhavam era sincero e isso a deixava aliviada. Sua irmã merecia ser feliz.
A festa se estendeu por longas horas e a princesa decidiu se retirar por um breve momento a fim de respirar um pouco de ar puro. Não gostava muito de estar em ocasiões como aquela e o fazia apenas por . Ainda assim, precisava de um instante a sós antes de voltar para dentro.
Segurando com as mãos enluvadas a barra do longo e rodado vestido vermelho, caminhou pelo jardim, fitando o céu noturno. A coroa de rubis em sua cabeça incomodava um pouco, mas gostava de usá–la. Quanto aos sapatos de salto, não tinha a mesma opinião.
Suspirando, sentou–se em um dos bancos e ficou ali, apreciando a brisa passando por sua pele.
– Das visões que tive nesse reino, posso afirmar que essa é a mais bela de todas. – Ouviu alguém falando de repente, tornando a abrir os olhos.
– Pensa que palavras assim irão me cativar? – Inclinou a cabeça para o lado.
– Irão? – Ergueu as sobrancelhas.
Sorrindo, ela se levantou e caminhou em direção a ele, parando a poucos passos e o observando com aquelas belas roupas de príncipe. No decorrer dos meses o conheceu melhor e podia afirmar que sua aparência não era o que mais importava, mas sim quem era de verdade: um homem bom, gentil e esforçado. Com sua ajuda conseguiu devolver o trono para a irmã.
Ainda o encarava quando o viu tirar a mão das costas, revelando o que segurava. O sorriso aumentou ao olhar para a flor que o homem lhe oferecia de forma gentil.
– Achei que procuraria outro presente para mim – disse, com certa ironia.
– Eu tentei. – Riu abafado. – Mas nada parecia ser melhor.
– Uma rosa vermelha? – Fitou mais uma vez a flor delicada. – Está dizendo que tenho espinhos?
– Estou dizendo que é forte. – Se aproximou. – Veja tudo o que fez. Salvou sua irmã e o próprio reino.
– A justiça precisava ser feita. – Voltou a mirá–lo.
sorriu ao encarar os olhos dela. Nunca imaginou que encontraria uma pessoa como . Desde o primeiro dia sabia que havia algo mais nela e, com o passar dos dias, apenas confirmou isso. Era destemida, inteligente e não desistia das pessoas que amava.
Mordendo os lábios, pegou a flor com cuidado. Estavam próximos, mais do que já haviam estado antes, mas nenhum deles se importou. Pelo contrário, o rapaz diminuiu ainda mais a distância, levando a mão enluvada até o rosto dela. permaneceu parada, permitindo–se sentir a carícia em sua pele. se inclinou em sua direção e ela fechou os olhos automaticamente.
Quando seus lábios se uniram foi como se tudo em volta desaparecesse. Não havia mais festa ou convidados, muito menos castelo ou jardim. Naquele instante eram apenas os dois jovens permitindo que a primeira faísca de amor fosse acesa em seus corações. não soube explicar porque suas pernas ficaram bambas ou o motivo de seu coração se descompassar, todavia, admitiu dentro de si que desejava se sentir assim eternamente.
E se fosse ao lado de , não pensaria duas vezes. Não havia o que temer, afinal. Estavam em paz. Finalmente em paz!


END



Nota da autora: Olá, como estão? Então... ANTES DE TUDO EU QUERIA SURTAR, POIS MEU SONHO DE ESCREVER COM O SEOKJIN PRÍNCIPE FOI REALIZADO!! Sério!
Agora, voltando à normalidade, quero agradecer a todas as leitoras que vierem aqui ler e comentar. É muito importante pras autoras saber que seu trabalho está sendo visto. E também agradecer por esse especial maravilhoso!!





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Nota da Beta: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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