Lá estava eu, em plena livraria lotada de gente, a expectativa pairava no ar e era quase palpável. Algumas garotas conversavam animadas em um canto e, ao meu lado, uma senhora folheava o livro, parecendo muito interessada no que estava vendo. “Compre. Vale a pena.” Eu poderia ter dito a ela, mas resolvi deixar que ela descobrisse isso por si mesma.
O exemplar em minha mão estava rudemente preso entre meus dedos, alguma força maior do que eu me fazia segurá-lo com força, como se o conteúdo, de alguma forma, pudesse penetrar minha pele e correr por minhas veias. Olhei ao redor, percebendo que as pessoas pareciam brotar do chão ou simplesmente aparatar na loja, talvez nem eles esperassem que tanta gente fosse aparecer.
- O senhor vai comprar o livro? – Uma das funcionárias da loja apontou o exemplar em minha mão.
A olhei, hesitando por alguns segundos, afinal, eu já tinha o meu exemplar desde o dia em que fora lançado. Balancei a cabeça em concordância e ela sorriu abertamente.
- Eles estão acabando rapidamente, já estamos trazendo para a loja os últimos do estoque, então estamos pedindo para que, quem for comprá-lo, se dirigir ao caixa. A autora estará aqui em poucos minutos.
Sem esperar por uma resposta, ela se dirigiu ao grupo de garotas animadas.
“A autora estará aqui em poucos minutos.” A voz da vendedora ecoava em minha mente. “Em poucos minutos.” Afrouxei o livro entre meus dedos e o levantei até que meus olhos capturassem o nome da autora, logo acima do título, Tell Me A Secret. Foi então que uma memória me atingiu inesperadamente.
***
A música estava alta. Alta até demais. Mas já era de se esperar, festa liberada, bebida correndo livremente e sem supervisão de adultos. A festa estava exatamente como deveria estar.
Ao meu redor, as pessoas dançavam sem parar, umas no ritmo da música, outras já altas demais para saberem o que estavam fazendo. Eu tentava apenas chegar do outro lado da sala para conseguir sair pela varanda e chegar até o jardim. Era lá que ela estava, sozinha, apenas observando a movimentação. Susan Smith apareceu na minha frente, seus olhos vermelhos e o sorriso bobo revelavam o que andara fazendo. Apenas afastei seus braços de mim e continuei abrindo espaço entre as pessoas, meus olhos fixos nela, tentando não perdê-la de vista.
- ! Cara, ‘tava procurando por você. – Nick, dono da casa, organizador da festa e distribuidor de qualquer droga ilícita que estivesse circulando por ali, segurou em meus ombros. – Preciso te mostrar uma coisa.
O olhei por um segundo, apenas para constatar que seus olhos estavam iguais ao de Susan. Sorri sem graça e voltei a olhar para onde ela estava. Nick acompanhou meu olhar e deu um riso irônico.
- Vai lá pra sua melhor amiguinha. Se você resolver revelar sua paixão secreta pra ela, me avisa, quem sabe sob efeito de uma balinha ela não vai pra cama com você. – Gargalhou.
Controlei minha vontade de socar a cara dele, afinal, sabia que era a droga falando. Lancei-lhe um olhar ameaçador e ele se afastou, me dando alguns tapinhas no ombro.
Finalmente, depois de despistar Susan novamente, cheguei até o jardim e caminhei até o banco onde ela permanecia sentada. Seus olhos agora estavam fixos nos meus e um sorriso sincero iluminava seu rosto já angelical.
- Olá! – Sorri, sentando ao seu lado.
- Oi, . – Ela se inclinou e beijou minha bochecha.
- Não sabia que você vinha. - Na verdade nem passou pela minha cabeça que ela iria àquela festa.
era nova no colégio. Poucas pessoas ao menos sabiam seu nome, apesar de ela ser extremamente carismática e sempre falar com todos. Eu tentava introduzi-la em alguns grupos, apresentá-la, mas ninguém parecia realmente interessado nela e eu não conseguia entender por quê.
- Na verdade nem eu sabia. – Deu de ombros. – Fiquei com vontade de ver gente, mas não sabia que veria tantas.
- É, só precisa falar em bebida de graça que todos aparecem. – Olhei ao redor e tive uma idéia. – Tá a fim de dar o fora daqui?
- Por favor! – Ela riu.
Peguei em sua mão e a levei pela rua iluminada até um parque no final da rua. Apesar do horário, algumas crianças ainda brincavam no balanço. Sentei em umas das mesas de mármore e apontei para que ela sentasse ao meu lado.
- Bem melhor assim. – Ela me olhou e sorriu em agradecimento.
- É... – Concordei vagamente.
Ficamos observando as crianças brincarem na areia e se empurrar no balanço. A maior delas devia ter no máximo sete anos e duas mulheres mais velhas as observavam de perto e, vez ou outra, gritavam para que elas não colocassem areia na boca.
Eu não sabia ao certo há quanto tempo estávamos olhando as crianças, mas quando elas foram embora resolvi olhar o relógio e percebi que havia quase meia hora que o silêncio nos dominava. Trocávamos alguns olhares e sorrisos de vez em quando, quando alguma criança fazia algo engraçado, mas nenhuma palavra saiu de nossas bocas.
- Então... – Falei, apoiando os braços no mármore frio e relaxando o corpo.
- Então... – Ela suspirou, me olhando em seguida.
Encarei seus olhos por alguns instantes e quase fui capaz de saber o que ela estava pensando, mas ela piscou e olhou para o chão antes que eu pudesse pensar qualquer coisa.
- Vamos fazer um jogo. – Falei de repente.
- Um jogo? – Ela me olhou, um pequeno sorriso surgindo no canto de seus lábios.
- É, um jogo. – Sentei de frente pra ela e cruzei as pernas. Hesitante, ela fez o mesmo. – Cada um fala uma coisa embaraçosa sobre si.
deu risada, balançando a cabeça negativamente. Por alguns segundos achei que ela fosse discordar, mas apenas me olhou e disse:
- Tudo bem, mas eu não vou começar.
- Certo, eu começo. Só preciso pensar um pouco...
Olhei o céu escuro e tentei me lembrar de momentos embaraçosos que já tinha vivido. Lembrei de algumas bobagens quando era criança, mas nenhuma era boa o suficiente, então me lembrei do começo da minha adolescência e o momento mais marcante dela.
- O meu primeiro beijo – Comecei a falar. me olhou com atenção. – foi bastante embaraçoso. – Ri sozinho. – Eu meio que... mordi a boca da garota e sangrou.
Vi me olhar, seus lábios claramente controlando um riso.
- Pode rir. – Foi só o que precisei dizer para que ela gargalhasse livremente. Ri junto, sem resistir ao som da sua risada e também lembrando o meu desespero ao ver o sangue na boca da garota.
- Você estava beijando ou comendo a boca da pobre menina? – Ela enxugou uma lágrima que escapou depois da crise de risos.
- Foi horrível. – Cobri o rosto com as mãos, completamente envergonhado por ter revelado aquilo pra ela. Ótima maneira de conquistar a garota dos seus sonhos, !
- Ah, pára! – Ela segurou meus pulsos e afastou minhas mãos do rosto. – Já passou, e se você pensar bem, é uma história para contar para os netos.
- Sim, claro. Eles vão se orgulhar bastante do avô. – Ri. – Sua vez agora. Já passei vergonha, agora você diz algo embaraçoso.
Percebi que o sorriso em seu rosto se apagou aos poucos e suas bochechas assumiram um tom levemente rosado. Num gesto de insegurança, ela colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha e mordeu o lábio. Seus dedos brincavam entre si enquanto ela parecia pensar se deveria dizer o que estava pensando.
Segurei suas mãos e entrelacei os dedos dela nos meus.
- Não vou rir, prometo. – Sussurrei.
sorriu e soltou minhas mãos, colocando as suas embaixo de suas pernas cruzadas. Olhou o céu alguns instantes e respirou fundo antes de falar.
- O meu primeiro beijo... – Ela fechou os olhos e puxou todo o ar que pode. – Ainda não aconteceu.
Suas palavras saíram tão baixas e hesitantes que demorei alguns segundos para compreender.
Seus olhos apreensivos me encaravam e suas bochechas estavam novamente rosadas, dessa vez num tom mais forte. Ela estava esperando alguma reação óbvia da minha parte, eu podia perceber isso. Talvez uma risada, ou alguma piadinha fora de hora como sempre acontecia nas nossas conversas mais sérias, mas honestamente eu não senti vontade de fazer nenhuma dessas coisas.
Minutos, ou talvez segundos, se passaram. Ela ainda me olhava esperando uma resposta e eu ainda hesitava em lhe dar a única que eu tinha.
Meus olhos passaram pelos seus e desceram lentamente para sua boca, quase tão rosa quanto suas bochechas. A única coisa que eu conseguia pensar naquele momento era como eu queria aqueles lábios grudados nos meus e os dedos dela correndo por meus cabelos.
Num ato completamente impulsivo, inclinei-me em sua direção e, sem esperar qualquer reação, encostei minha boca na sua. Pude sentir seu nervosismo passar pra mim por ondas elétricas que me atingiram em cheio. Meu coração, de forma patética, disparou sem controle, quase rasgando meu peito.
Segurei o rosto de com as duas mãos e passei minha língua por seus lábios, sem saber como ela iria reagir. Cheguei a pensar que ela ia se afastar e sair correndo talvez, mas ela me surpreendeu ao abrir a boca e deixar que a minha língua encontrasse a sua.
Perdi a noção do tempo durante aquele beijo. Esqueci o mundo, esqueci a hora, esqueci até meu nome. Tudo estava girando em torno de nós dois e aquele beijo a cada segundo parecia ficar melhor e mais impossível de parar.
Eu não estava preparado para me afastar dela, mas senti suas mãos em meu peito, me afastando com delicadeza. Não fui capaz de me afastar muito, nossos rostos ainda ficaram muito próximos, tão próximos que eu podia sentir o calor emanar de sua pele e sua respiração, ainda desregulada, bater em minha boca.
Seus olhos ainda estavam fechados quando eu acariciei sua bochecha e perguntei baixinho:
- Quer reformular a sua última frase?
***
Alguns gritos e corpos se chocando contra o meu me trouxeram de volta para a realidade. Eu continuava parado no meio da livraria, o livro em minhas mãos pareceu ter adquirido um peso inexplicável.
Olhei para onde todos estavam correndo e a vi. Tão linda como sempre fora, o mesmo sorriso sincero e os mesmo olhos transparentes. Ela acenava para algumas garotas que gritavam seu nome e mandava beijos para um grupinho de crianças segurando seu livro.
Permaneci onde estava, observando-a de longe, apenas lembrando todos os momentos que passamos juntos e quase podendo sentir novamente seu gosto. Aquele gosto que eu senti apenas uma vez, mas nunca fui capaz de esquecer.
Ela sentou em uma cadeira e apoiou os braços na mesinha arrumada, enfeitada com uma jarra de água e algumas frutas. As pessoas formaram rapidamente uma fila e esperaram ansiosas pelo momento que conseguiriam falar com ela, pegar seu autógrafo e quem sabe até tirar uma foto.
Olhei novamente o livro, pela capa preta e reluzente, pude ver meu reflexo. Doze anos haviam se passado desde aquele beijo. Há mais de dez anos eu não a via, desde que ela fora fazer faculdade em outro estado e depois mudara de país.
Sorri sozinho, ela havia realmente conseguido realizar seu maior sonho; escrever um livro. Agora ali estava ela, rodeada por fãs e fotógrafos doidos para conseguir um pouquinho de sua atenção. E eu era um desses fãs, eu também queria um pouquinho de sua atenção, talvez até um pouco mais que sua atenção.
Finalmente me dirigi até o caixa e paguei pelo meu (segundo) exemplar de Tell Me A Secret. Hesitei antes de entrar na fila, o que diria quando estivesse cara a cara com ela? Talvez ela nem se lembrasse de mim. Eu teria que esperar para ver.
Dez minutos. Vinte minutos. Trinta minutos se passaram até que finalmente chegasse a minha vez.
O segurança pediu meu livro e o colocou em cima da mesa para que autografasse. Ela assinou seu nome sem me olhar, como havia feito com todas as outras pessoas, só depois do autógrafo ela lhes dava total atenção. Achei que ela estava demorando demais para assinar, então resolvi falar algo.
- Posso te fazer uma pergunta?
- Claro. – Respondeu, sem tirar os olhos do livro.
- Me fala uma coisa embaraçosa sobre você?
Ela finalmente levantou os olhos do livro e me entregou, com um sorriso no rosto. Pareceu pensar por alguns segundos, enquanto olhava em meus olhos, prendendo minha atenção.
- O meu primeiro beijo foi bastante embaraçoso.
Sorri, arqueando a sobrancelha.
- Sério? Por quê?
- Porque foi com meu melhor amigo e eu nem ao menos consegui confessar que eu era completamente apaixonada por ele. – Suas últimas palavras saíram quase num sussurro. Um sussurro que conseguiu despertar tudo que estava guardado em mim há doze anos.
Novamente agindo por impulso, antes que qualquer segurança pudesse pensar em me impedir, inclinei meu corpo e beijei seus lábios. Senti mãos fortes segurarem meus braços, mas tão rápido quanto me seguraram, elas me soltaram. provavelmente os havia impedido.
Um turbilhão de emoções me atingiu. Senti-me com dezoito anos novamente. O resto do mundo havia sumido ao nosso redor, mas eu podia ouvir as palmas e gritos das pessoas na livraria. Eu não pensei que fosse sentir meu coração bater daquela forma patética de novo. Não depois de tantos anos.
Sem desgrudar os lábios dos meus, se levantou e me abraçou. Seu perfume havia mudado, mas eu conseguia sentir a mesma doçura e inocência que senti naquela noite doze anos antes.
- Me espera? – Ela sussurrou em meu ouvido.
A abracei com mais força e beijei sua bochecha carinhosamente antes de responder.
- Eu te espero há doze anos e esperaria cinqüenta se fosse preciso.
fim.
n/a: Olá! Que saudade de fazer uma nota, preciso atualizar ASD :x
Bom, sobre essa fic, a idéia surgiu naquele momento em que a gente fica deitada na cama, esperando para adormecer, mas a mente não consegue parar de funcionar. Tive que anotar no celular pra não esquecer e acabei escrevendo ela toda num dia só. Muito tempo que eu não escrevo uma short (sem ser algum especial do site). Nem lembrava como era escrever uma fic toda num dia só.
Iai, o que acharam?
Preciso agradecer a Babi por ter corrigido a fic na maior boa vontade só porque eu pedi pra ela ler e me dar uma opinião HAHA Babi linda, brigada mesmo. Julich e Vi, brigada também!
Beijo, amores.