FFOBS - You're Still The One, por Cah (Kerouls)

Finalizada em: 30/09/2018

Primeiro Capítulo

Observei a pequeno bebê se mexer desconfortável na cama e me inclinei para ajeitar o travesseiro embaixo da sua cabeça. A mãozinha dela estava aberta em cima do lençol branco e eu coloquei o meu dedo indicador em sua palma, sentindo-a fechar a mão e segurar com uma força inconsciente. Sorri sozinha, passando a mão livre por sua cabeça e suspirei baixo, deixando que todo o ar acumulado em meus pulmões fosse solto e o alivio percorresse meu corpo.
Ouvi duas batidas na porta antes dela se abrir um pouco e null colocar a cabeça pra dentro do quarto, com um sorriso calmo no rosto. Sorri de volta, fazendo um gesto para que ele entrasse, e ele o fez, caminhando até mim e sentando em meu colo.
- Como ela ‘tá? – Sussurrou.
Beijei seus cabelos e deitei sua cabeça em meu ombro.
- Ela está bem, meu príncipe. Só está descansando. – Respondi no mesmo tom. – E o seu pai?
- Tá no corredor. O tio null ‘tá no telefone. – No exato segundo em que null terminou de falar, a porta se abriu e null entrou por ela. Com um sorriso praticamente idêntico ao de null, ele caminhou até onde estávamos e me deu um beijo na testa. Sorri carinhosamente e o observei pegar uma das cadeiras vazias que estavam por ali e sentar ao meu lado, admirando nossa filha dormir.
- O médico falou que ela vai acordar daqui a pouco. – Sussurrei, voltando a fazer um carinho nos cabelos de null. – A febre já diminuiu bastante, espero que ela não acorde chorando de dor.
- Ele já confirmou o que é? – Perguntou, desviando o olhar para mim.
- É apendicite, como já suspeitávamos. Mas eles ainda não sabem se é um caso mais complicado. – Respondi, deixando minha voz morrer aos poucos.
null estava com 2 anos e 3 meses recém completados. Depois de reparar que ela estava com febre e se queixando, por meio de choros constantes, de dores, resolvi levá-la ao pediatra. Depois de alguns exames, ele diagnosticou uma apendicite e pediu para que a trouxesse até o hospital para mais alguns exames, apenas para termos confirmação.
- Vamos esperar que saiam os resultados de todos os exames. – null me abraçou de lado e beijou minha testa carinhosamente. – O que quer que seja, nós passaremos por isso juntos e eu tenho certeza que ela vai ficar boa. – Falou com a voz calma, me dando a tranquilidade que eu precisava naquele momento.
- E quando ela ficar boa, eu vou ensiná-la a jogar videogame! – null se animou, nos fazendo rir.
Três batidas na porta chamaram nossa atenção, e, segundos depois, o Dr. Brown entrou no quarto, nos cumprimentando com um aceno de cabeça.
- Boa tarde, Sr. e Sra. null. Como estão? – Perguntou, educadamente.
- Preocupados. – Respondi, antes que null o fizesse. Ele apertou minha mão levemente, entrelaçando nossos dedos numa tentativa de me acalmar. O médico me lançou um sorriso educado e tranquilizador, abrindo o envelope branco que estava a em suas mãos.
- Bom, os resultados dos exames que fizemos na pequena null ficaram prontos, eu os analisei e vim até aqui para comunicar a vocês.
Apertei a mão de null com força enquanto sentia meus batimentos cardíacos desacelerarem aos poucos. Não podia ser nada grave, podia? Não, não podia. Não com a minha menina, não com ela. Tão pequena, tão delicada, parecia mesmo um anjo, lembrava tanto o null e tinha tantos traços meus. Era minha null.
- Como eu havia dito, ela realmente está com apendicite. – Dr. Brown falou, relendo rapidamente o resultado dos exames.
Deixei que um suspiro pesado e audível saísse por entre meus lábios e meus ombros relaxassem, apesar de estar completamente nervosa. Permaneci olhando para o médico, esperando por mais informações.
– A apendicite é uma inflamação no apêndice causada por uma obstrução. No caso da null, o apêndice se encontra inflamado, portanto não é possível fazer uma cirurgia agora, é preciso esperar que a infecção e a inflamação desapareçam.
- Quanto tempo isso deve demorar? – null perguntou, tão ansioso quanto eu.
- Não muito. – Dr. Brown respondeu com a mesma calma. – Ela não precisará ficar aqui no hospital, mas deverá estar sempre sendo observada e qualquer dor abdominal que sentir, deverá ser trazida imediatamente para cá. – Fiz um aceno em concordância e olhei para null ainda adormecida na cama.
- Quando ela recebe alta? – Olhei novamente para o médico.
- Amanhã mesmo, provavelmente. – Sorriu. – Qualquer coisa que precisarem, estarei de plantão aqui essa noite. – Com um aceno, ele se retirou do quarto.
- Viu? Não é nada grave. – null sorriu. – Amanhã já poderemos levar nossa menina de volta pra casa.
- Podemos comprar um presente pra ela quando sairmos daqui, pai? – null perguntou, olhando de mim para null. Nos entreolhamos e rimos juntos.
null sorriu. - Claro que podemos, pentelho. – Os dois trocaram um aperto de mão. – Agora, por que não leva sua mãe até a cantina para ela almoçar? Tenho certeza que ela ficou aqui nesse quarto desde cedo.
- Não. Não quero sair daqui. – Resmunguei. – E se ela acordar?
- Se ela acordar, eu estarei aqui, null. Vá logo e pare de ser teimosa.
- É, mãe, vamos logo. Estou com fome. – null me puxou pela mão.
- null, nós acabamos de comer. – null o repreendeu.
null fez um bico engraçado, cruzando o braço como se estivesse chateado. - Mas eu estou com fome de novo. Estou em fase de crescimento, esqueceu?
- Bem feito, ele aprendeu isso com você. – Ri, deixando-me ser levada para fora do quarto e mandando um beijo no ar para null.
Enquanto null me puxava pela mão e falava animadamente sobre os possíveis presentes que compraria para null, eu o observei com atenção e deixei que um sorriso tomasse conta do meu rosto. Ele nunca fora ciumento em relação à irmã, mesmo quando eu e null estávamos ocupados demais com ela, logo nos primeiros meses, e não pudemos lhe dar a atenção de sempre, ele foi compreensivo e nos ajudou a cuidar dela. Lembro-me da primeira vez em que ele pediu para carregá-la, prometendo que seria cuidadoso. null ficava tão perfeitamente confortável no colo dele, mal se mexia.
Aos 10 meses de idade null falou pela primeira vez. Claro que não foi uma grande surpresa que a primeira palavra dela fora o nome do irmão. Ou uma versão infantil do nome dele já que só mais tarde ela conseguiu pronunciar a primeira letra do nome, mas nada que deixasse null menos orgulhoso.
- Mãe, você não tá prestando atenção! – null reclamou, puxando minha mão enquanto saíamos do elevador.
O abracei pelos ombros e lhe lancei um sorriso honesto. - Desculpe, meu amor. Diga.
- Eu vi em uma loja outro dia um boneco de pelúcia do Tyrone dos Backyardigans, e eu sei que a null adora ele. Ela sempre fica animada quando ele aparece. Bonecos de pelúcia são bons pra crianças na idade dela, né? – Me olhou em dúvida.
- São, sim. – Confirmei, sentando em uma das mesas da cantina. – O que você vai querer? – Perguntei, vendo a garçonete se aproximar.
- Quero um Milk shake! – Respondeu, animado.
- Milk shake? Seu pai acabou de falar que vocês já comeram e agora você quer um milk shake?
- Mas eu tô com desejo. – Fez bico. – Você estava sempre com desejo! – Protestou, me fazendo rir.
- Mas eu estava grávida.
- Eu também tô, olha! – Estufou a barriga. Eu e a garçonete nos entreolhamos e rimos.
- Tudo bem, mas só dessa vez. Milk shake não é saudável, não quero você tomando o tempo todo, ouviu bem, mocinho?
- Sim, senhora! – Bateu continência.
- Um Milk shake de chocolate para o grávido aqui, e um crossaint misto com um suco de laranja pra mim. – Sorri pra garçonete que anotou os pedidos e se retirou com um aceno.
Quase meia hora depois, subimos para o quarto em silêncio. null estava brincando com o game boy que ganhara de aniversário do null e da null, enquanto eu me lembrava que já havia quase três dias que não falava com minha melhor amiga. Ela me ligara no dia anterior, mas eu não pude atender e acabei esquecendo de retornar a ligação. Peguei o celular e digitei uma mensagem rápida pra ela, apenas dizendo que a ligaria mais tarde e pedindo desculpa por não poder retornar antes.
Entrei no quarto e vi que null conversava com null, que dava risada de algo que ele havia dito ou feito.
- Mãe. – Ela falou esticando a mão pra mim. Sorri, deixando que meus olhos se enchessem de água e peguei a mãozinha dela, beijando sua palma.
- Oi, meu anjo. Está sentindo alguma dor? – Perguntei preocupada, colocando a mão em seu abdômen. null balançou a cabeça negando e sorriu.
- Quero TV. – Falou, apontando o aparelho em um móvel perto da cama.
- Vamos ver se a gente acha Backyardigans. O que você acha, princesa? – Por eu estar sempre chamando-o de principe, null decidiu que null deveria receber o mesmo tratamento e ser chamada de princesa.
null esticou a mão para pegar o controle da mão do irmão. - Tyrone! – null respondeu, animada.
null colocou o controle mais perto da irmã, mas não deixou que ela brincasse com os botões. Ele zapeou por alguns canais até que conseguiu achar o desenho animado.
null ajeitou o travesseiro para que null sentasse, e null sentou na ponta da cama, deixando o game boy de lado.
Eu sabia que ele não gostava tanto daquele desenho, null estava mais numa fase de assistir desenhos sobre robôs e luta, sua fase de desenhos educativos já havia acabado há algum tempo. Apesar disso ele sempre fazia o possível para assistir Backyardigans e Dora, A Exploradora com sua irmã mais nova.
- Preciso te contar uma coisa. – null sussurrou em meu ouvido quando eu sentei ao seu lado novamente. O olhei, curiosa. – Mas você tem que prometer que não vai falar nada pra ninguém, principalmente pra null.
- Prometo, prometo! – Falei animada.
- O null vai fazer o pedido. – Sussurrou.
- De casamento? – Minha voz saiu um pouco mais alta, mas as crianças não desviaram a atenção da televisão. null concordou com um aceno. – Ai, meu Deus! – Sussurrei animada. - Nem acredito que ele finalmente tomou coragem. – Rimos.
- Ele me ligou hoje cedo e disse que estava comprando as alianças e iria marcar um jantar nesse fim de semana. Aliás, se ele souber que eu já te contei, ele me mata.
- Ai, que exagero. Não vou falar nada. – Dei de ombros. null sorriu e me deu um selinho.
- Eu sei que não, por isso te contei.
- Agora só falta o null. – Comentei, brincando com os dedos de null que estavam entrelaçados nos meus. Observei nossas alianças e sorri sozinha.
- Pelo menos agora ele está com a Kira e o namoro é sério. Somos ótimos cupidos. – Ele abriu a mão e eu bati a minha na dele num high five um pouco desajeitado.
- Incrivel como a gente sabe quando duas pessoas vão dar certo, né? Desde que conheci a Kira tive a impressão de que ela era a mulher ideal para o null.
- Eles já estão juntos há quase um ano, é um bom começo. – null comentou, despreocupado.
Concordei vagamente e encostei a cabeça em seu ombro, sentindo seus braços me abraçarem pela cintura. Fechei os olhos, deixando que meu corpo relaxasse e imaginei como seria o casamento de null. null estaria usando terno e gravata e provavelmente insistiria em se casar de tênis, provavelmente um Converse, enquanto ela estaria usando um enorme vestido branco com uma tiara na cabeça, ela sempre dissera que esse era seu sonho. null provavelmente seria pajem, como no meu casamento com null, e null e Megan, a filha do null e da Ash, seriam as damas de honra. A cerimônia seria linda e rápida, pois sei que os dois não gostam de nada muito demorado, e estariam o tempo todo pensando na festa que seria realmente incrível.
- Aposto que você está imaginando o casamento deles. – null sussurrou no meu ouvido, me fazendo rir.
- Sabe que, de vez em quando, o fato de você me conhecer tão bem, é irritante. – Resmunguei, beijando seu pescoço carinhosamente.
- Eu não acho. – Riu. – Daqui a pouco eu preciso ir. – null consultou o relógio.
Apertei meu braço em volta de sua cintura, demonstrando que não queria que ele fosse embora e recebi um beijo em meus cabelos. Seus dedos fizeram um carinho em meu braço e eu enterrei o rosto em seu pescoço.
- Tem reunião hoje?
- Tenho. – Suspirou. – Mas deve acabar cedo, não é nada muito importante, só coisas da gravadora. Vou deixar null em casa, vou pra reunião, depois venho pra cá de novo com o pentelho.
- Tudo bem. Vou chamar null para vir aqui agora de tarde.
- Mãe. – null me chamou, atraindo minha atenção imediatamente.
Levantei do sofá e caminhei até a cama, passando os dedos carinhosamente por sua testa.
- Diga, meu amor.
- Quero comer. – Ela segurou a barra da minha blusa e fez cara de choro.
- O que você quer comer? – Perguntei, sentando na beirada da cama e segurando sua mão entre as minhas. null deu de ombros. – Vou chamar a enfermeira e perguntar o que você pode comer.
- null, precisamos ir. – null se levantou. null concordou vagamente e deixou o controle ao lado de null. – Qualquer coisa me liga. – null colocou a mão em minha cintura e eu sorri. – Te amo.
- Também te amo. – Selei nossos lábios rapidamente.
null deu um beijo na cabeça de null e sussurrou algo que a fez sorrir. Abracei null e pedi que ele se comportasse em casa e fizesse logo os exercícios da escola.
Os dois saíram do quarto e minutos depois a enfermeira entrou. Conversei rapidamente com ela e perguntei o que null podia comer, no final acabei pedindo que trouxessem algumas frutas para ela. Sentei ao lado dela, na cadeira e peguei o livro que estava lendo mais cedo, enquanto ela assistia a um desenho animado na televisão.
Suspirei, lembrando que no dia seguinte iríamos voltar pra casa e tudo ia ficar bem. Em breve a inflamação no apêndice dela iria passar e a cirurgia poderia ser feita sem maiores preocupações. Tudo iria ficar bem, eu sabia que ia.


Segundo Capítulo

Caminhei pelo quarto apenas de calcinha e sutiã e sentei em frente à penteadeira, separando a maquiagem que iria usar. Fiz tudo calmamente, sabendo que estava cedo e null ainda nem havia chegado do estúdio. Observei meus olhos já pintados no espelho e sorri, gostando do resultado. Deixei para passar o batom apenas antes de sair de casa e vesti um roupão para checar se null e null já haviam tomado banho.
Entrei no quarto de null e a vi sentada na cama, brincando com alguns bonecos, enquanto Cassie, a babá, penteava seu cabelo. Sentei ao seu lado na cama e ela me olhou, sorrindo, e mostrando o boneco do Tyrone que null havia lhe dado há alguns dias.
- Vou separar o vestido que comprei pra você ontem, meu amor. – Ela concordou, mexendo a cabeça e voltou a atenção pro boneco. – Cassie, quando você terminar, pode colocar esse vestido nela e calçar esse sapato, tudo bem? – Deixei o vestidinho roxo e branco em cima da cama e o sapatinho de boneca logo ao lado.
- Certo. – A babá sorriu, concordando.
- Vou ver o null. – Saí do quarto rosa claro e entrei em um branco com uma parede azul escura. – null? – Chamei, observando ao redor do quarto e reparando que ele não estava por ali. Ouvi o barulho do chuveiro sendo ligado e abri a porta do banheiro.
- Mãe! Eu to tomando banho! – null reclamou, indignado, me fazendo rir e virar de costas.
- Eu já vi tudo que tem aí faz tempo. Saiu de dentro de mim. – Brinquei, ouvindo-o resmungar. Ele sempre reclamava quando eu entrava no banheiro e ele estava sem roupas. – Vou separar sua roupa e deixar em cima da cama, tá bom?
- Aham! – Virei de frente, mandando um beijo pra ele. Antes de fechar novamente a porta o ouvi reclamar mais uma vez.
Ainda rindo, separei uma roupa para null, colocando-a em cima da cama, como havia dito que faria. Dobrei algumas camisas que estavam espalhadas por ali, imaginando se algum dia ele iria me ouvir e começar a guardar as roupas ou colocá-las no cesto de roupas sujas após usá-las.
Ouvi o barulho de porta batendo no andar de baixo e sorri sozinha, guardando as roupas no armário de null e saindo de seu quarto. Desci as escadas apressadamente e encontrei null no meio da sala, falando ao celular. Ele sorriu quando eu me aproximei e sussurrou “null” apontando para o aparelho. Concordei vagamente e sorri quando ele passou o braço livre por minha cintura e beijou suavemente meu pescoço e depois meus lábios.
- Jones, vai dar tudo certo. Não se preocupe. – Rolou os olhos, me fazendo rir discretamente, lembrando que null havia me ligado uma hora antes para reclamar sobre como o null havia inventado esse jantar do nada e que ela suspeitava que ele estava planejando algo – Tudo bem. Te vejo mais tarde. Abraço. – Desligou o celular, jogando-o no sofá e inspirando uma grande quantidade de ar.
- Deixe-me adivinhar... o null está surtando de nervoso. – Rimos.
- Exatamente. Hoje no estúdio ele mal conseguia se concentrar no que fazia.
- Vai dar tudo certo. Tenho a impressão de que no fundo null sabe o que vai acontecer, mas ela não quer criar grandes expectativas, afinal com o null nunca se sabe.
- Mas já chega de falar sobre aqueles dois, preciso me aproveitar um pouco dessa mulher linda que está na minha frente. – null sorriu, me abraçando apertado e selando os lábios nos meus por alguns breves segundos. – Não me diga que você não está usando nada por baixo desse roupão. – Ele sussurrou em meu ouvido e pelo tom de sua voz percebi que ele sorria.
- Estava esperando por esse comentário. – Brinquei, beijando sua bochecha carinhosamente. – E desculpe te desapontar, mas eu estou de lingerie por baixo. – Abri um pouco a parte de cima do roupão para que ele visse minha lingerie preta.
- Posso dar um jeito nisso. – Brincou, cheio de malicia na voz.
null mordeu meu lóbulo e folgou um pouco meu roupão, tocando minha barriga com sua mão quente. Senti sua língua acariciar meu pescoço e, antes que sua mão chegasse até meu seio, a voz de null fez com que nós nos separássemos.
- Mãe. Tenho mesmo que usar aquela roupa? – Perguntou, complementando sua voz contrariada com uma careta. – Pai!
null finalmente viu null ao meu lado e correu escada a baixo para abraçar o pai.
- Pai! Pai! Fala pra mamãe que aquela roupa é horrível.
Soltei um suspiro cansado, ajeitando o roupão e sorri discretamente pra null.
- Vou dar um jeito nisso. – Ele beijou minha bochecha e subiu as escadas de mãos dadas com o filho.
Caminhei até a cozinha para beber um copo de água e vi o relógio na parede marcar quase sete da noite. Apressei-me, sabendo que o jantar seria em menos de uma hora e subi para meu quarto. Depois de encostar a porta eu tirei o roupão e peguei o vestido preto no closet, colocando-o em frente ao meu corpo e analisando meu reflexo no espelho. Fui até onde meus sapatos estavam guardados e sorri quando encontrei o Jimmy Choo dourado que null havia me dado de aniversário.
- Vou falar pra null que você está tentando ofuscar o brilho dela na festa. – A imagem de null apareceu atrás de mim no espelho.
Virei-me de frente pra ele e sorri, apontando para o vestido.
- Muito? – Perguntei, sem saber se estava muito arrumada para a ocasião.
null balançou a cabeça.
- Não. Perfeito. – Sorriu.
Virei novamente para o espelho, ainda com o vestido em frente ao meu corpo e analisei o reflexo mais uma vez. null me abraçou pela cintura e depositou um beijo sutil em meu pescoço. Com seu queixo em meu ombro, nossos rostos ficaram lado a lado. Pelo espelho vi que ele estava com um sorriso infantil no rosto.
- Vou tomar banho. – Ele falou finalmente.
Concordei vagamente e voltei para o quarto enquanto ele ia até o banheiro.
- Não quer me acompanhar? – Ele perguntou galante enquanto se despia no banheiro.
Ri e balancei a cabeça, mesmo sabendo que ele não podia me ver.
- Tarde demais. – Lamentei.
- Tem certeza?
- Talvez em outra oportunidade. – Brinquei.
- Vou cobrar.
null finalmente ligou o chuveiro e ri comigo mesma, enquanto terminava de me arrumar.

Enquanto esperávamos do lado de fora do apartamento que null e null dividiam, null, em meu colo, brincava com algumas mexas do meu cabelo. null estava encostado contra a parede. Sua camisa social azul clara realçava seus olhos e seus cabelos estavam perfeitamente penteados. null havia finalmente o convencido de que aquela era uma ocasião especial e ele precisava usar roupa social. null concordou prontamente com a condição de que ele escolhesse a camisa. O resultado foi melhor que o esperado.
null resmungou algo incompreensível, enquanto checava algo em seu celular.
- Algum problema? – O olhei.
Antes que ele pudesse responder a porta se abriu e null abriu os braços para me abraçar.
Ela vestia um vestido vermelho que realçava sua boa forma e era curto de uma forma sexy, mas não vulgar.
- Entrem, entrem. – Ela abraçou null e se abaixou para beijar a bochecha de null.
- Princesinha! – null sorriu para null em meu colo e ela, como já era de se esperar, sorriu abertamente e estendeu os braços para que ele a pegasse no colo.
null sempre teve um grande apego à null. Bastava ele aparecer que ela abria um sorriso imenso e se jogava nos braços dele. A afinidade entre os dois era visível em todos os momento que eles estavam juntos. Se existia alguém que podia fazer null parar se chorar, esse alguém era null. Não era a toa que ele era seu padrinho.
Enquanto null foi falar com o resto dos convidados e null resolver algo na cozinha, caminhei até null e lhe lancei um sorriso.
- Nervoso?
Ele abriu a boca para responder, mas depois pareceu entender o meu tom de voz.
- O null te contou! – Seu tom acusatório soou claramente como uma brincadeira. – Fofoqueiro! – null gritou, apontando para null.
- O jantar está quase pronto. – null anunciou da cozinha.
Caminhei até onde ela estava, observando algo no forno ligado.
- Precisa de ajuda? – Ofereci.
- Nah. Tudo sob controle. Vamos para a sala.
Como nós fomos os últimos a chegar, null, Ash e Megan, a filha deles e null e Kira já estavam lá. Quando terminei de cumprimentar todo mundo, ouvi o alarme na cozinha soar e null correr até lá.
Em menos de dez minutos estávamos todos sentados ao redor da mesa com nossos pratos cheios e a conversa quase cobrindo a música que saia das caixas de som perto da lareira.
Enquanto eu preparava o prato de null, null fazia o mesmo para null, que estava sentado ao seu lado.
Não demorou muito para que as histórias sobre o passado começassem a ser contadas. Sempre que estávamos todos juntos era impossível evitar as conversas sobre tudo que já havíamos passado juntos. Nossas refeições eram sempre regadas à memórias e muitas risadas, e dessa vez não poderia ser diferente.
Quando todos já pareciam satisfeitos, null se levantou para checar a sobremesa e eu e null começamos a recolher os pratos e levá-los para a cozinha.
- Espero que o null consiga sobreviver até o final do pedido. – null sussurrou para que apenas eu o ouvisse.
- Nem me fale. – Balancei a cabeça, rindo junto com ele.
- O que acham? – null reapareceu na cozinha com uma enorme torta de chocolate em mãos.
- Acho que meus filhos vão passar a noite acordados se comerem uma fatia dessa torta. – Brinquei.
Como eu previ, foi só a criançada ver a torta, que todos correram de volta para a mesa oferecendo seus pratos e pedindo um pedaço.
Eu sabia que null iria fazer o pedido depois da sobremesa, por causa disso mal consegui comer a torta. A ansiedade que crescia dentro de mim não era nada perto da que devia estar enlouquecendo null. Quando ele me viu o observando, sorriu, tentando esconder o nervosismo.
Antes mesmo que todos tivessem terminado de comer a sobremesa, null se levantou a limpou a garganta, atraindo a atenção de todos na mesa.
- Discurso? – null brincou, nos fazendo rir.
- Quase isso. – null respondeu. – Acho que poucos de vocês sabem que hoje fazem nove anos que eu vi a null pela primeira vez. – Ele olhou para a namorada ao seu lado e ela estendeu a mão para que ele a segurasse.
null passou um de seus braços por meus ombros e nós trocamos um olhar cumplice.
- Esses nove anos, sem dúvida, serviram para me mostrar que não existe outra mulher com quem eu queira passar o resto da minha vida e construir uma família. – As lágrimas se formaram rapidamente nos olhos de null e ela deixou que elas corressem por seu rosto.
Ao redor da mesa todos pareciam tão emocionados quanto eu estava. Não era mais segredo o que o null iria fazer. As crianças pareciam ser as únicas sem entender o que estava acontecendo.
- Depois de tudo que já passamos, eu cheguei à conclusão de que essa decisão é a melhor que já tomei.
null puxou null pela mão para que ela se levantasse e se ajoelhou em sua frente. Minha amiga levou a mão até a boca e seus olhos se arregalaram tanto que eu não pude deixar de rir discretamente.
- null, eu prometo fazer você a mulher mais feliz do mundo e te amar mesmo nos piores dias. – null tirou uma caixinha preta do bolso e a abriu em frente à null. – Casa comigo?
Quando null se ajoelhou em frente à null e balançou a cabeça, sem conseguir falar o sim, a mesa explodiu em gritos e comemorações. Todos nós corremos ao mesmo tempo para abraçar os noivos e lhes desejar felicidades.
Quando abracei null percebi que ela tremia e seu rosto já estava completamente molhado por causa das lágrimas.
- Você sabia? – Ela perguntou.
- Sabia! – A abracei mais uma vez, quase levantando-a do chão.
Claro que depois disso muito champanhe foi servido e o resto da noite foi cheio de planos para o casamento. Enquanto os homens comemoravam na varanda do apartamento, nós mulheres ficamos na sala com as crianças, bebericando champanhe e escolhendo as melhores opções de datas, vestidos e até lugares para a lua de mel.

Encostei minha cabeça no ombro de null, quase encostando-a na de null, que estava adormecida em seu colo, e suspirei baixo, enquanto esperava a porta ser aberta por null. Passei o dedo indicador delicadamente pela bochecha de minha filha e observei seu rosto tranquilo, agradecendo por ela não ter mais se queixado de nenhuma dor. No começo da semana eu a levaria ao médico novamente, para ele avaliar como estava a inflamação em seu apêndice.
- Não corre na escada, null. – null reclamou, quando null subiu as escadas apressado.
- Preciso ir ao banheiro! – Ele gritou de volta, ainda correndo.
- Quer que eu bote ela na cama? – Apontei para null. null negou, dando um sorriso breve e beijando minha bochecha.
- Cuida do pentelho, ele vai querer ficar jogando vídeo game antes de dormir. – Falou antes de subir a escada.
Olhei o relógio que marcava quase meia noite e tirei as sandálias antes de subir até o quarto de null para me certificar de que ele iria dormir.
Entrei em seu quarto, já rolando os olhos ao ver as várias roupas espalhadas pela cama e pelo chão e me perguntei como ele havia conseguido fazer aquela bagunça, já que antes de sairmos de casa eu havia dado uma pequena arrumada.
- Posso jogar vídeo game? – null perguntou assim que saiu do banheiro. Neguei, controlando o sorriso que queria se formar em meu rosto. Exatamente como null havia previsto.
- Já passou da hora de criança estar na cama. – Respondi, arrumando as roupas em seu armário.
- Nem mesmo um pouco? Não sou mais tão criança assim. – Argumentou.
- Ah não? – Brinquei. – Da última vez que chequei oito anos ainda é bem criança sim. Vamos. – Bati na cama dele, mostrando que ele deveria deitar.
Fazendo uma carinha de quem havia sido derrotado, null entrou novamente no banheiro para colocar seu pijama eu sentei em sua cama e esperei por ele. Quando saiu do banheiro já pronto para ir pra cama, ele deitou ao meu lado e puxou o edredom de Star Wars para cobrir seu corpo.
- Terminou de fazer os exercícios da escola? – Perguntei, deitando um pouco meu tronco e o abraçando, sentindo ele se encolher.
- Já, mas tenho um teste na segunda.
- Então amanhã pela manhã vamos estudar juntos, okay? Assim você tem o resto do dia livre para jogar video game e até chamar um amigo para brincar com você. – Passei minha mão por seus cabelos e mordi levemente sua bochecha, ouvindo-o rir baixo.
- Que nojo, mãe! – Passou a mão pelo local que eu havia mordido e puxou o edredom para cobrir o rosto. – Boa noite. – Apesar de sua voz abafada eu pude ouvir o sorriso nela.
- Te amo, meu príncipe. – Puxei o edredom de seu rosto e sorri, vendo-o me olhar e sorrir de volta.
- Também te amo, mãe. – Rolou os olhos e cobriu novamente o rosto.
Levantei da cama e fui até a poltrona, dobrando a roupa que ele havia jogado ali e saindo do quarto logo em seguida.
Ao passar pelo quarto de null, vi null acenar, querendo que eu fosse até onde ele estava. Quando cheguei ao seu lado, ele apontou para a filha adormecida na cama.
- Ela ‘tá sorrindo. – Ele sussurrou.
Observei null respirar calmamente e reparei no pequeno sorriso no canto de seus lábios. Sua feição tranquila acalmava meu coração, deixando que a preocupação de algumas semanas antes se dissipasse.
- Ela é tão linda. – Falei, abraçando null pela cintura e sentindo-o passar um dos braços em volta de mim e beijar meus cabelos. – Não quero que ela sofra. – Sussurrei.
- Ela não vai sofrer, em breve ela vai poder fazer a cirurgia e tudo vai ficar bem. – null me tranquilizou. – Vamos deixá-la dormir em paz? – Segurou minha mão e sorriu. Concordei com um aceno e o puxei pra fora do quarto.
As mãos de null subiram por meu braço até meus ombros enquanto entravamos no quarto e eu deixei um suspiro escapar quando ele começou uma massagem calma. Deixei que minha cabeça pendesse para o lado e relaxei aos poucos, sentindo os lábios dele encontrarem minha pele muito lentamente. Uma de suas mãos desceu até minha cintura, puxando meu corpo para perto do seu e me fazendo gemer baixinho quando sua língua massageou meu pescoço.
Virei-me de frente para ele e fechei a porta calmamente, pressionando seu corpo contra ela. Ele sorriu e observou meu rosto, seus olhos desceram até meus lábios e eu senti suas mãos apertarem minha cintura, cheias de desejo.
Minhas mãos passearam por seu peito e depois eu o abracei pelo pescoço, aproximando ainda mais nossos corpos. Os lábios de null tocaram minha bochecha carinhosamente, fazendo com que eu fechasse os olhos e suspirasse.
- Sabe o que me passou pela cabeça quando o null fez o pedido? – null perguntou.
Lentamente ele abriu o zíper do meu vestido e deixou que ele caísse aos nossos pés. Uma de suas mãos segurou meu pescoço e a outra trouxe meu corpo para mais perto do seu. Neguei, balançando a cabeça antes de beijar seus lábios com força. Ele correspondeu o entusiasmo, virando-me contra a porta e me levantou, fazendo com que minhas pernas se cruzassem em sua cintura.
- Casa comigo? – Ele sussurrou entre os beijos. Eu sorri, ainda com meus labios grudados nos dele. – Casa comigo de novo.
- Sim e sim. – Respondi. – Quantas vezes você quiser.
Naquele momento eu sabia que eu poderia me casar com null de novo e de novo. Não importava quantas vezes ele pedisse, a resposta sempre seria sim. Porque eu era dele, e ele era meu. Eu me renderia a ele quantas vezes fossem necessárias. Eu seria sua namorada, sua melhor amiga, sua esposa e sua amante pelo resto de nossas vidas. E para sempre eu sentiria meu coração bater no ritmo do seu enquanto nossos corpos se transformavam em um e o resto do mundo era apenas nós dois. Juntos. Para sempre.


Terceiro Capítulo

null brincava com blocos coloridos no pequeno cercado da ala infantil do hospital, enquanto eu assinava os papéis na recepção e trocava algumas palavras com a recepcionista sorridente. Devolvi os papéis já assinados e retribui seu sorriso. Sentei em uma das cadeiras desconfortáveis e observei null tentar construir um castelo usando apenas os blocos rosa.
Peguei meu celular na bolsa e chequei meus e-mails e mensagens. Enquanto eu respondia algumas perguntas de null sobre a recepção de seu casamento, vi que uma outra criança, mais ou menos da mesma idade de null, se aproximou dela e apontou para seu castelo. null sorriu e ofereceu um bloco rosa para a outra criança que pegou o objeto e sorriu.
- Sra. null? – A recepcionista me chamou. - Vocês já podem entrar. - Ela sorriu e apontou para a porta branca do outro lado da sala.
Levantei-me e ofereci minha mão para null.
- Vamos, meu amor. O médico está esperando.
null se levantou, ainda com um bloco rosa na mão e eu ri.
- O bloco precisa ficar aqui. – Apontei para a área em que ela estava brincando.
null olhou o bloco em sua mão por alguns segundos, como se pensasse o que fazer a seguinte, então ela o ofereceu novamente para a mesma criança que havia aceitado o outro bloco rosa.
A recepcionista estava na porta da sala, segurando-a aberta para que eu e null entrássemos. Dr. Brown levantou-se e apertou minha mão quando eu entrei na sala.
- Pequena null. – Ele sorriu animado.
null estendeu a mão, gesto que ela aprendera com null, e Dr. Brown a apertou delicadamente.
Depois de ler os últimos exames que null havia feito e examiná-la, Dr. Brown diagnosticou que o apêndice dela ainda estava inflamado e a cirurgia seria adiada por mais algum tempo. Perguntei se não havia nenhum remédio, além dos que ela já tomava, para que a inflamação diminuísse, mas infelizmente ele disse que teríamos que esperar para que o processo acontecesse naturalmente. O tempo é mesmo o melhor remédio.
Em menos de meia hora, já estávamos novamente no carro. No banco de trás null analisava o “doce” que Dr. Brown havia lhe dado. Apesar de apenas o sabor ser adocicado, o objeto tinha formato de chupeta. null havia parado de chupar chupeta seis meses antes e desde então nunca mais havia pedido por uma. Talvez por isso ela estivesse hesitando tanto com o objeto em sua mão.
- Mãe. – Ela me chamou. Quando olhei para trás vi que ela estava me oferecendo a chupeta.
- Não quer, meu amor?
- Não. Quero sorvete. – Sorriu.
- Parece uma troca justa. – Concordei.

- Então, qual sorvete você quer?
null em meu colo observava a extensa variedade de sabores. Seus olhos indecisos passeavam pelas cores dos sorvetes. Para ela, o sabor era o menos importante.
- Esse. – Ela apontou o de morango. – Rosa que nem os blocos.
A maneira como ela pronunciava blocos me fez rir. - Rosa que nem os blocos. Perfeito.
Sentamos em uma das mesas da praça de alimentação e null se ajoelhou na cadeira para poder alcançar o copinho de sorvete em sua frente.
- Sabe qual é o sabor desse? – Apontei para seu sorvete.
- Hm. – Ela observou o sorvete e colocou um pouco na colher de plástico. – Morango. – Respondeu, antes mesmo de colocar a colher na boca.
- Que menina sabida!
- Sabida. – Ela repetiu e deu risada.
Enquanto eu a observava comer o sorvete calmamente ela me ofereceu uma colher cheia. Tentei negar, mas antes que pudesse me afastar ela já estava colocando em minha boca e me fazendo estremecer por causa da quantidade de sorvete. Minha boca inteira ficou dormente por quase um minuto.
Quando null terminou de comer eu tirei um pano molhado da bolsa e limpei seu rosto e suas mãos que não podiam estar mais grudentas.
Caminhamos um pouco pelo shopping, apenas esperando a hora de pegar null na escola. Acabamos saindo de lá com uma sacola de uma livraria que chamara a atenção de null por ter vários livros cor de rosa e com desenhos de princesas. Duas das coisas que ela mais adorava.
Enquanto esperava pelo fim das aulas de null em uma fileira de carros, recebi uma ligação de null que queria saber como fora a consulta. Repeti no telefone o que o médico havia dito.
- Então só nos resta esperar. – Ele suspirou. Concordei, balançando a cabeça, mesmo sabendo que ele não podia ver. – Já estou indo pra casa. Quer que eu pegue null na escola?
- Não precisa, já estou aqui.
- Certo, até daqui a pouco.
Coloquei o celular na bolsa quando a fila de carros começou a se mover. Observei as crianças esperarem em duas filas logo em frente ao portão da escola. Quando os carros das mães ou pais chegavam mais perto, elas eram liberadas para ir embora.
null viu meu carro e apontou para mim, mostrando a uma das professoras que controlava a fila que ele poderia atravessar os portões. Ela acenou para mim e eu retribui o gesto.
Algumas mães preferiam estacionar o carro e ir buscar as crianças na porta, mas eu não via motivo para isso, a não ser que eu me atrasasse e a fila já estivesse muito grande quando eu chegasse lá.
Duas madames passaram pela frente do carro conversando. As duas usavam longos saltos e vestidos completamente inapropriados para aquela hora do dia. Balancei a cabeça e, pela centésima vez, me perguntei se colocar null naquela escola era a melhor escolha. No começo do ano havíamos tido a oportunidade de matriculá-lo em uma escola pública muito menor que esta e que ficava a um quarteirão de distância da nossa casa, mas null achou melhor uma escola mais reconhecida e maior, claro que o fato de ser particular também ajudava.
Uma das assistentes abriu a porta do meu carro para null entrar. Ela sorriu para null e nos desejou um bom dia.
- Oi, mãe. Oi, princesa. – null sentou ao lado da irmã e colocou o cinto de segurança.
- Oi, principe! – null respondeu, animada.
- Como foi o seu dia? – Perguntei enquanto saía da fila de carros e dirigia até a saída da escola.
- Normal. – Ele deu de ombros. – Ah, dois colegas meus brigaram por causa de uma garota e foram levados pra diretoria.
- Brigaram por causa de uma garota? Quantos anos vocês têm mesmo? – Brinquei.
null riu e deu de ombros novamente. – E como foi o seu dia?
- Tranquilo. – Respondeu. – Levei null ao médico e depois fomos até o shopping.
Ouvi uma risada e olhei pelo retrovisor, vendo null fazer cócegas em null, que ria sem controle. Sorri comigo mesma, agradecendo pela cumplicidade dos dois.
- Mãe, posso chamar o Drew para ir lá em casa na sexta?
- Preciso falar com a mãe dele antes, mas por mim tudo bem.
- Ele falou que a irmã mais velha dele é fã da banda do papai.
- É? – Respondi, vendo-o balançar a cabeça.
- Mcfly! – null deu um gritinho animado, nos fazendo rir.

Quando estacionei na garagem vi que o carro de null já estava lá. null desceu do carro rapidamente, mal me dando tempo de mandá-lo lavar as mãos antes de comer um lanche.
- Oi, Val. Tudo bom? – Entrei pela porta da cozinha e sorri para Vallerie, a “faz-tudo” que eu havia contratado há alguns meses. Ela cozinhava, lavava roupas, limpava a casa, e me ajudava com o que eu precisasse. Alguns dias eu me perguntava o que seria da minha vida sem ela.
- Tudo bem. Oi, null. – Ela sorriu quando null caminhou pela cozinha.
- Oiii! – null respondeu, correndo até o sofá na sala.
Coloquei minha bolsa no closet da sala e peguei a boneca que null estava tentando alcançar em cima da mesa. null voltou para a sala e caminhou até o armário da cozinha.
- Lavou as mãos? – Perguntei.
- Lavei!
Ouvi o barulho de passos na escada e um segundo depois null apareceu vestindo um moletom preto e uma calça jeans velha. null correu para abraçá-lo e ele a pegou no colo, girando-a no ar e fazendo com que ela gargalhasse.
Ainda com null no colo, ele sentou ao meu lado no sofá e beijou meus lábios rapidamente.
- Ouvi dizer que você se comportou como uma meninona no médico. – null comentou, colocando null de cabeça pra baixo por alguns segundos, enquanto ela sentava em seu colo.
- Eu brinquei com blocos! – Respondeu animada. – De novo. De novo! – Pediu, já se jogando para trás. Meu coração parou por um segundo, até eu ver que null estava segurando-a pelos braços e não havia chances de ela cair.
- Tudo bem? – Ele perguntou mais baixo, apenas para que eu ouvisse.
Balancei a cabeça e lhe lancei um sorriso tranquilo. – Apenas cansada. Vou trocar de roupa.
Subi as escadas sem pressa e quando cheguei ao meu quarto, encostei a porta. Tirei a roupa que estava vestindo e fui até o banheiro sabendo que eu precisava passar uma água no rosto.
Há alguns dias eu vinha evitando ter uma conversa com null. Em parte porque era algo que já havíamos discutido antes, ele havia deixado clara sua opinião e eu havia concordado. Em parte. O motivo de eu querer trocar null de escola e matriculá-lo em uma menor não era só porque eu já havia visto uns dois paparazzi rondando pela área, mas porque eu pude conhecer alguns dos colegas de null e visto em primeira mão que muitos deles estão recebendo uma educação muito diferente da que eu e null estamos ensinando aos nossos filhos.
null sempre soube que o fato de ele ter um pai famoso vinha com algumas consequências, mas ele aprendeu desde cedo que isso não o tornava melhor que ninguém e que muitas pessoas iriam querer se aproximar dele por puro interesse. Eu sabia que ele era esperto, mas isso não me deixava mais tranquila. null sempre fora muito comunicativo e algumas vezes sua ingenuidade não lhe deixava perceber o quão ruim algumas pessoas podem ser.
Eu nunca fui o tipo de mãe que proíbe meus filhos de fazerem suas próprias escolhas. Meu papel como mãe é protegê-los e orientá-los para que essas escolhas sejam as melhores possíveis. Mas eu sabia que uma hora ou outra null iria precisar cometer um erro e aprender com ele.
- null? – A voz de null me despertou dos meus devaneios.
Voltei para o quarto e vi que havia colocado null em nossa cama. Vesti uma calça de moletom qualquer e um blusão antigo de null antes de sentar na cama ao lado de null.
- Senta aqui. – Falei pra null, apontando para o espaço vazio ao meu lado.
- Tem certeza que está tudo bem? – Perguntou, sua feição preocupada.
Suspirei. – Sim e não. Mas não é nada demais.
Massageei um de seus ombros tensos e sorri o abraçando pela cintura.
- Lembra quando eu concordei sobre não trocar o null de escola?
Agora foi a vez de null suspirar. Eu sabia que ele já estava cansado daquele assunto, mas enquanto eu não deixasse claro como eu me sentia, não iria conseguir parar de pensar sobre aquilo.
- Eu sei, eu sei. – Ri. – Mas eu ainda não sei se aquela escola é a melhor opção.
null colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e pareceu analisar meu rosto. – Alguma vez ele já reclamou pra você? Qualquer coisa, sobre a escola ou sobre como alguém o tratou?
Mordi meu lábio inferior e balancei a cabeça.
- Se ele está feliz lá, por que mudar?
- Mas ele pode ser feliz em outra escola também. Talvez uma escola pública... – Sugeri.
null passou a mão pelo cabelo e soltou um suspiro cansado. null engatinhou até mim na cama e sentou em meu colo, me mostrando os adesivos que ela estava brincando.
- null, eu não sei mais o que falar sobre esse assunto. Eu já deixei a minha opinião bem clara, mas se te faz feliz, por que você não pesquisa outras escolas e conversa com o null sobre isso?
- Você acha que ele ficaria chateado?
- Provavelmente, mas nada que você não consiga lidar. – Riu. – Podemos esquecer esse assunto por um tempo? Estamos no meio do ano letivo e trocá-lo de escola agora só o deixaria confuso.
- Eu sei. Por enquanto ele fica onde está, mas ano que vem eu quero passar longe daquela escola.
- Cinderela. – null falou, colando um adesivo da Cinderela em minha testa. Ela observou a cartela por alguns segundos e escolheu o adesivo da Fera para colar na testa de null.
- Filha, Cinderela e a Fera não são um casal. – null comentou, apontando para os casais na cartela.
- Eu sou a Bela. – Ela colocou o adesivo da princesa com um vestido amarelo em sua testa.
- Ei, eu também quero um adesivo na testa. – null entrou no quarto e sentou ao lado de null.
null escolheu o príncipe encantado da Cinderela para null. Entreolhamo-nos e rimos dos casais que ela havia formado.
- Vou encher meu príncipe de beijos. – Brinquei, pegando null pela mão e beijando o rosto dele, ouvindo-o resmungar e rir ao mesmo tempo.
Momentos como aquele me faziam ter certeza de que null estaria bem onde quer que ele estudasse. O fato de termos paparazzi tirando nossas fotos ou fãs do Mcfly nos reconhecendo nas ruas não mudava a realidade de que éramos uma família normal apenas vivendo uma vida um pouco caótica.


Quarto Capítulo

Coloquei null na banheira já com água morna e peguei alguns brinquedos de borracha que estavam na bancada do banheiro. Enquanto ela se distraía brincando em comecei a passar sabonete por seu corpo e molhar seu cabelo que tinha um forte cheiro de suco de uva. Dez minutos antes null havia, literalmente, tomado um banho de suco. null havia deixado seu copo com suco de uva na beirada da mesa e null, sempre curiosa, tentou pegar o copo e acabou com o liquido em seu rosto, cabelo e roupa.
Estávamos na casa de null e Ash para um domingo em família. Aquele era um programa típico de outono, as baixas temperaturas indicavam que o inverno não estava longe. As nuvens escuras do céu davam um ar nostálgico um pouco triste e me faziam sentir saudade do verão.
O pato que null brincava fez barulho quando ela o apertou, fazendo com que minha filha gargalhasse como se aquele som fosse a coisa mais engraçada que ela já tivesse ouvido.
- null? – A voz de null veio da porta do quarto de Megan.
- Quase terminando. – Anunciei.
Cuidadosamente eu tirei o shampoo do cabelo de null. Mesmo que o produto fosse para crianças e dissesse na embalagem que não irritava os olhos, null sempre chorava quando a espuma atingia seus olhos.
null entrou no banheiro ao mesmo tempo em que null gargalhava mais uma vez ao som do pato.
- Pelo visto o choro de alguns minutos atrás foi substituído por outro som muito mais agradável. – null ajoelhou-se ao meu lado e sorriu para null.
Enquanto meu marido e minha filha se divertiam com brinquedos aquáticos que faziam barulhos estranhos eu fui até o quarto de Megan e abri a mochila que sempre levava comigo para emergências. null não usava mais fraldas e desde que passou a usar o vaso sanitário teve apenas dois ou três acidentes, mas mesmo assim eu sempre tinha uma troca de roupa para ela.
null trouxe null para a cama e a colocou sentada, enrolada em uma toalha rosa. O pato barulhento ainda estava nas mãos dela, mas null o pegou e começou a brincar com ele enquanto eu vestia null.
- nulls, o almoço está pronto! – A voz de null veio do andar de baixo.
null gritou de volta que estaríamos lá em um minuto e pegou a toalha usava por null para colocar no cesto de roupa suja.
Desci junto com null que tinha null em seu colo e vimos que null já estava sentado à mesa, nos olhando como se pedisse permissão para começar a comer. Sentei ao seu lado enquanto null mandava todos atacarem a comida já que eu e null havíamos voltado.

null, Kira, Ash e eu estávamos sentadas na cozinha conversando enquanto null e Megan dormiam no andar de cima, devidamente monitoradas pela babá eletrônica. Os homens estavam na sala assistindo um jogo de futebol que não nos interessava. Vez ou outra ouvíamos suas exclamações e reclamações com o juiz ou algum jogador.
No começo estávamos conversando sobre receitas culinárias, mas aos poucos o assunto foi mudando e agora discutíamos qual era a melhor idade para se ter um filho. Eu não sabia como o assunto havia mudado tão rapidamente, mas quando nós quatro conversávamos, esse era o tipo de coisa que acontecia sem ninguém perceber.
- Eu não sei a idade mais adequada, mas posso te dizer que aos dezesseis anos não é recomendável. – Ri do meu próprio comentário.
- Eu acho que independente da idade, quando você se sentir preparada e tiver condição física e financeira para ter um filho, então tenha. – Kira deu de ombros.
- Eu não gostaria de casar grávida. – null comentou tocando a própria barriga. – Acho tão deselegante entrar na igreja com um barrigão.
- Ei, eu casei grávida! – Ash reclamou.
null balançou a cabeça e riu. – Ash, você nem mesmo sabia que estava grávida quando casou. Megan tinha acabado de ganhar a corrida e se instalar no seu útero quando você disse sim pro null.
Rimos do comentário de null e ouvimos os homens na sala rindo ao mesmo tempo, mas de algo que eles estavam conversando entre si. A coincidência fez com que gargalhássemos ainda mais.
- Eu já ouvi histórias de mulheres que pariram sem nem saberem que estavam grávidas. – Kira falou quando as risadas finalmente cessaram.
- Sem chance! – null balançou a cabeça, indignada. – E os enjoos? Os desejos? O fato de sua barriga crescer loucamente em alguns meses?
- E o bebê se mexer. – Complementei. – Sem chance de uma mulher não saber que está grávida.
Kira deu de ombros, sua feição deixando claro que ela concordava com o que eu e null havíamos falado.
Minutos depois os homens entraram na cozinha para perguntar se nós queríamos participar de um desafio de karaokê. Concordamos e fomos todos para sala.
Sentei na poltrona no colo de null e olhei ao redor reparando que null não estava ali. Percebendo que eu havia ficado tensa repentinamente null falou que null havia ido para o andar de cima para fazer como a irmã mais nova e tirar uma soneca.
- Qual música você quer? – null perguntou baixo em meu ouvido. Dei de ombros, sem saber qual escolher, nenhuma estava em minha mente naquele momento.
- A gente escolhe depois. Vamos ficar por último e deixar esses bobões aí. – Sugeri, dando um beijo carinhoso em seu pescoço.
null e Ash se prontificaram a ser o primeiro casal e olharam a lista das músicas que estava no karaokê. O que um escolhia o outro parecia discordar. Aqueles dois não mudavam nunca!
- Ah, eu aceitei a proposta daquela revista. – Voltei minha atenção para null e ele fez uma expressão surpresa e alegre.
Quando null nasceu, eu sai do meu antigo emprego para poder me dedicar mais aos meus filhos. Ao longo dos anos eu havia conseguido juntar uma certa quantidade de dinheiro, não era muito, mas eu não passaria fome por algum tempo. Por causa do trabalho de null, levávamos uma vida acima do padrão e, me arrisco a dizer, com certo luxo. Desde então eu havia feito alguns trabalhos de freelancer na internet e criado um blog voltado para mães com filhos pequenos. Recentemente eu havia introduzido o problema de saúde de null em meus posts e o blog vinha ganhando grande popularidade.
Uma semana antes uma revista de circulação nacional havia me contatado para saber se eu tinha interesse em escrever artigos quinzenais para eles com o mesmo assunto do meu blog. Depois de uma entrevista por e-mail e uma pessoal, eu havia aceitado a proposta que eles me fizeram.
null já esperava que eu aceitasse, já que havíamos conversado bastante sobre o assunto, mas agora que era oficial eu me sentia ainda mais animada.
- Primeiro o blog, agora revista... Em breve estarei comprando um livro seu na livraria. – null me puxou para mais perto e selou nossos lábios rapidamente.
Ao fundo podia ouvir null e Ash cantando e rindo, mas estava tão perdida nos olhos de null que o mundo ao nosso redor havia ficado em segundo plano.
- Esse é o plano. – Concordei.
null acariciou minha bochecha e aproximou nossos lábios novamente. Ele provocou por alguns segundos, deixando nossos rostos tão próximos que sua respiração caía diretamente em minha boca entreaberta. Dessa vez quando selamos nossos lábios ele não deixou que eu me separasse e aprofundou o beijo, sem se importar com as outras pessoas na sala.
Normalmente eu evitava esse tipo de comportamento quando estávamos em público, especialmente porque na maioria das vezes nossos filhos estavam por perto, mas dessa vez eu me deixei levar e até o abracei pelo pescoço, adorando a forma como ele ainda me fazia sentir.
Uma almofada nos atingiu pouco tempo depois, fazendo com que nos separássemos rindo. Olhei para meus amigos e vi Ash cantando com as mãos na cintura e nos repreendo com o olhar. Ela riu para deixar claro que estava brincando e apontou para a tv e para null, deixando claro que éramos obrigados a prestar atenção neles.
Dei um último selinho em null e escorreguei para o pequeno espaço vazio que restava na poltrona, deixando minhas pernas ainda no colo de null e me recostando preguiçosamente.
- Já sei uma música. – Comentei, segundos depois.
null me olhou, levantando as sobrancelhas e eu sorri.
- Você já já vai saber. – Provoquei.
null não contestou, apenas voltou sua atenção ao casal que finalizava sua sessão de cantoria.

Depois de muitas desafinações, a grande maioria por parte das mulheres, chegou a nossa vez de cantar.
- Casal pegação! – null brincou.
Mostrei o dedo do meio para minha melhor amiga e me dirigi com null até o centro da sala.
- Qual vai ser? – Ele perguntou, curioso.
- You’re Still the One. – Sorri, lhe entregando um microfone.
- Shania Twain? – Ele questionou como se não soubesse. Rolei os olhos, sabendo que ele estava brincando. Estava cansado de saber que aquela era uma de minhas músicas favoritas.
Comecei a cantar sozinha, ainda um pouco sem graça diante de tantos expectadores. Costumava cantar durante o banho ou quando estava sozinha, mas sabia que a minha voz estava longe de ser bonita ou mesmo aceitável. null deixou que eu cantasse sozinha até o refrão que era a única parte que ele sabia sem errar.
You're still the one that I lo-ove, cantei sozinha.
The only one that I dream o-of, null cantou.
A última parte cantamos juntos.
You're still the one I kiss, good niiight.
Continuamos assim até o final da música. Nossos amigos no sofá cumpriram seu papel de audiência e até mexeram os braços no ritmo da música.
I'm so glad we made it, look how far we come my baby. Cantamos a última frase juntos.
- Mais uma! – null brincou.
- Não, chega de desafinações. – Ash levantou-se e pegou nossos microfones. – Hora de decidir quem ganhou.
Como a pontuação de null e null havia sido igual a de Ash e null, tivemos que votar para ver quem iria vencer. Como sempre, na hora da votação todos começaram a falar ao mesmo tempo e os casais empatados e se defender e dizer que haviam sido mais afinados. Entre muitas risadas decidimos que Ash e null mereciam ganhar, até porque eles ameaçaram colocar todos para fora da casa deles.
- Nossa vez, garotas! – null pegou os microfones. – Meninos contra meninas. Preparem-se para perder. – Disse, olhando feio para os garotos.
Nem precisou de muita discussão para decidir que Dancing Queen seria nossa música.

Algumas horas e muitas músicas depois, entramos no carro, colocando null e null no banco de trás. Depois que as crianças acordaram lanchamos uma torta de maçã que Kira havia levado e tomamos chá antes de nos despedirmos.
O caminho até em casa foi rápido e silencioso. Ninguém mais aguentava ouvir música, eu ainda podia ouvir as desafinações da sessão de karaokê em meu ouvido.
null dirigia atento, uma de suas mãos fazia um carinho sem malícia em minha perna, me deixando mais sonolenta do que eu já estava. A chuva fraca que caía combinada com a calmaria nas ruas era reconfortante para um final de domingo.
Comecei a repassar o dia em minha cabeça e sorri sozinha. Dias como aquele me fazia esquecer qualquer problema que existia em nossas vidas, até mesmo o problema de saúde de null. Eu não poderia ter encontrado amigos melhores.
Em casa com null e as crianças assistimos a um filme infantil bobo que fez null rir. Ajudei null com um projeto que ele deveria entregar na terça-feira e não demorou até que ele e null estivessem na cama. Nas sextas e sábados o horário de null ir para cama era mais tarde, já que ele não tinha aula, mas aos domingos tudo voltava ao normal.
Com a babá eletrônica de null em mãos, desci para procurar por null que havia ficado encarregado de colocar null na cama.
- Tudo tranquilo? – Perguntei.
null não estava acostumado a tirar cochilos durante a tarde, havia parado com esse hábito desde os 4 anos de idade, então imaginei que ele ainda estivesse acordado, apesar de estar na cama.
- Deixei ele ler por mais 15 minutos antes de dormir. – Respondeu.
Observei null procurar por algo nos armários da cozinha e levantei a sobrancelha. Ele sorriu, misterioso, mas não disse nada, apenas continuou juntando alguns ingredientes no balcão.
Quando ele pegou a tequila, eu juntei os ingredientes e percebi que ele iria preparar margaritas.
Enquanto preparávamos a bebida, conversamos sobre a semana que iria começar. Apesar de o casamento, null costumava me ligar toda semana para que fossemos pesquisar preços, experimentar doces e salgados, escolher vestidos para as madrinhas e mais uma lista de outros preparativos para o grande dia.
- E o null? – Perguntei, querendo saber como andavam os preparativos da parte masculina do casamento.
null deu de ombros. – Normal, pra falar a verdade. Você sabe como ele é.
- Hum. – Concordei, balançando a cabeça.
Terminamos de preparar a bebida em silêncio. Fui pegar duas taças apropriadas para o drink na sala e quando voltei null já havia enchido a jarra de vidro com a bebida. Coloquei as duas taças no balcão e o observei limpar rapidamente a pequena bagunça que fizemos.
- Agora – Ele falou, vindo até mim e apoiando as mãos no balcão atrás de mim, prendendo-me entre seus braços. – eu tenho uma proposta.
Suspirei quando ele beijou levemente meu pescoço. – Sou toda ouvidos.
- Eu, – beijo atrás do ouvido. – você, - mordida no lóbulo. – jacuzzi, - beijo na minha mandíbula. – jarra de margarita. O que acha?
Sem me dar tempo de responder, null me beijou, abraçando-me com força pela cintura e trazendo meu corpo para mais perto do seu. Assim como ele fez mais cedo, na poltrona da casa de null e Ash, null aprofundou o beijo e sua intensidade fez com que meu corpo estremecesse.
Não era sempre que tínhamos momentos a sós como aquele. Com duas crianças em casa é um pouco difícil ficarmos sozinhos ou até em silêncio por mais de um minuto. Entre a preocupação com a saúde de null, os infinitos deveres de casa e projetos da escola de null, o trabalho cansativo de null e as várias pesquisas que eu tinha que fazer para o meu site, não tínhamos muito tempo para brincarmos de namorados e fingir que não havia mais nada no mundo além de nós dois.
Mesmo ali, enquanto ele me beijava como se o mundo fosse acabar a qualquer momento, eu estava preocupada com null e não conseguia parar de pensar se null já havia dormido.
- null – me afastei, empurrando-o um pouco pelo peito.
null me olhou em dúvida, sua respiração tão pesada quanto a minha. Eu podia ver até um pouco de mágoa em seus olhos que me observavam com atenção.
- Acredite, essa é a proposta mais tentadora que você já me fez desde que pediu a minha mão em casamento, mas as crianças...
- null, as crianças estão dormindo. Você quer que eu vá checar? Eu vou, verifico se elas estão completamente apagadas, mas, por favor, você não faz ideia do quanto eu preciso disso. – ele fez um gesto para nossos corpos ainda próximos.
- Eu sei, lógico que eu sei. Você tem noção do quanto eu agradeço pelos seus braços em volta da minha cintura? Se não fosse por eles eu seria apenas uma poça derretida no chão. – Rimos.
Passei meus braços por seu pescoço e trouxe seu rosto para muito próximo do meu.
Limpei minha garganta e usei o tom de voz mais sexy que consegui. – Quando você me beija desse jeito tudo que eu quero é esquecer o resto do mundo e voltar a ser uma adolescente inconsequente. – Passei meus lábios por seu pescoço e sentir sem corpo enrijecer.
null levou uma de suas mãos até meu cabelo e o puxou para trás, fazendo com que eu o encarasse. O desejo em seus olhos era tão claro que eu perdi a linha de pensamento.
- Eu vou checar as crianças. – Sua voz estava rouca, quase como se ele estivesse tendo dificuldade para formas frases. – Você vai levar essa jarra e as taças pra jacuzzi e me esperar lá. Cinco minutos.
Sem nem saber como responder aquilo, apenas balancei a cabeça, concordando, e o observei se afastar com pressa.
Fiz o que null falou e, ao chegar à jacuzzi percebi que ele já havia estado ali já que o ambiente estava aquecido e a água na banheira estava morna.
A jacuzzi ficava no andar de baixo da casa. Eu chamaria de porão, exceto que uma parte dele dava para o jardim dos fundos da casa e as grandes janelas e portas de vidro faziam com que o lugar fosse bem iluminado. O ambiente em que a jacuzzi ficava era reservado e geralmente ficava trancado por causa das crianças. As cortinas já estavam fechadas e, para deixar o ambiente perfeito, acendi algumas velas e desliguei a luz principal.
Apressei-me tirando a roupa e vestindo o roupão rosa que ficava atrás da porta. O de null, claro, era azul. null havia nos dado os roupões de presente por termos apresentado Kira a ele.
Enquanto enchia os copos com a bebida que preparamos, ouvi passos apressados do lado de fora e logo depois null abrir a porta.
- Completamente apagados. Coloquei monitor no quarto de null, assim não seremos pego de surpresa. – Ele sorriu, mostrando o monitor antigo que usávamos quando null era pequeno.
Sorri e ofereci uma das taças a ele. null olhou ao redor parecendo gostar das velas acesas e tirou o celular do bolso. Antes que eu pudesse protestar uma música baixa começou a sair das caixas de som. Eu nem sabia como aquilo acontecia, mas só com o celular null conseguia colocar música em quase todos os cômodos da casa.
- Vem aqui. – Ele falou, estendendo uma de suas mãos.
Depois de colocar as duas taças perto da jacuzzi ele me abraçou pela cintura e encostou a testa na minha. Sorrimos juntos antes de nossos lábios se encontrarem cheios de paixão e desejo.
Saber que mesmo depois de dois filhos e tantos obstáculos o nosso amor ainda prevalecia me confortava. Quando estávamos só nós dois daquela forma eu tinha certeza que ele ainda era só meu e eu ainda era só dele.
null deslizou uma de suas mãos pra dentro do meu roupão e percebeu que eu não usava nada. Separei nossas bocas e corpos e sorri sensualmente, puxando o cordão de prendia o roupão e deslizando-o por meus braços. Quando null fez menção de se aproximar para me tocar eu me afastei mais e entrei na jacuzzi, lançando-lhe um sorriso convidativo. Em questão de segundos eles também tirou a roupa e entrou na jacuzzi.
O resto da noite foi preenchido por beijos, toques, sussurros e gemidos. Éramos novamente dois adolescentes cheios de hormônios que não conseguiam e nem queriam se desgrudar. Apenas nós dois e a promessa de um amor infinito.


Quinto Capítulo

Observei meu prato ainda cheio de comida e comecei a brincar com os talheres que estavam em minha mão. Um sorriso bobo tomou conta do meu rosto enquanto eu mexia na salada sem prestar muita atenção. Senti um olhar em cima de mim e levantei a cabeça, encontrando null com as sobrancelhas arqueadas e um sorriso de deboche.
- Que foi? – Perguntei ainda confusa.
- Eu que pergunto. Ao invés de comer você está mexendo no prato com um sorriso idiota no rosto. – Ela riu.
Dei de ombros, mostrando que não ligava para suas preocupações e senti que o sorriso bobo continuava a brincar em meu rosto.
- Vai, desembucha, null!– Insistiu.
- Não é nada.
null bufou, voltando a atenção para seu prato de comida. Não por muito tempo já que instantes depois voltou a perguntar o que havia acontecido.
- Céus, null, será que eu não posso nem lembrar a maravilhosa noite de sexo que eu tive com meu marido sem ninguém me incomodar? – Gargalhei ao ver a careta que ela fez.
- A última vez que eu vi você sorrindo assim foi nove meses antes do null nascer. – Comentou.
Antes que eu pudesse responder o celular dela tocou em cima da mesa e uma foto dela com o null surgiu na tela. Com um sorriso tão bobo quanto o meu ela atendeu o telefone.
Enquanto ela e null conversavam eu observei a aliança em meu dedo e mordi o lábio inferior controlando um riso. Diversos flashes da noite anterior passaram por minha mente, fazendo-me suspirar e desejar que pudéssemos repetir aquela noite sempre que quiséssemos.

Depois do almoço dividimos uma sobremesa do menu diet e pagamos a conta já um pouco atrasadas para a prova do vestido de null. O restaurante ficava a um quarteirão de distância do ateliê, então resolvemos ir a pé, o que agradou bastante a futura noiva já que não parava de falar que aquela sobremesa iria fazer o vestido apertar.
Subimos as escadas do casarão que era usado como ateliê pela estilista franco-italiana que Ash havia indicado e a encontramos mexendo em outro vestido de noiva.
- Olá! – null sorriu. – Desculpe o atraso.
- Apenas cinco minutos, não tem problema. – Cécile sorriu, mas algo me dizia que cinco minutos fazia toda a diferença para ela. – Venham.
Fomos levadas para uma sala menor que continha apenas um manequim com o vestido de null. Ela tocou o tecido e sorriu, andando ao redor do manequim para observar os detalhes do vestido.
- Perfeito. – Sussurrou. – Exatamente o que eu queria.
- Fico feliz que tenha gostado. – Cécile disse, tirando o vestido do manequim para que null vestisse. – Vou deixar vocês à vontade, se precisarem de mim estarei aqui fora. – Entregando o vestido com cuidado na mão de null, ela nos deixou a sós na salinha.
- O que achou? – Minha amiga sorriu, olhando-me extasiada.
- Incrível! – Exclamei.
Toquei a parte de cima do vestido, sentindo os pequenos cristais em meus dedos. Senti um leve arrepio e uma sensação estranha tomou conta de mim. As cenas do meu casamento passaram como um flash por minha mente e eu mordi o lábio inferior, percebendo que ver aquele vestido havia cutucado a saudade do dia do meu casamento que estava guardada lá no fundo.
– É perfeito pra você. – Finalmente falei.
Ajudei null a colocar o vestido, tomando cuidado para que nada rasgasse ou soltasse, já que ainda não estava finalizado. Fechei os botões perolados na parte de trás e a observei sua imagem sorridente no espelho.
Ficamos alguns minutos em silêncio, apenas observando-a vestida daquela forma, sem saber o que dizer.
- Garotas? – A voz preocupada de Cécile nos despertou.
- Entra! – null pediu, virando-se para a entrada da sala.
- Ah, maravilhoso. – Cécile ajeitou alguns detalhes e estendeu a calda, admirando o próprio trabalho. – Você tem muito bom gosto, esse é um dos vestidos mais bonitos que já costurei. – Seu sotaque francês deu um pequeno toque de drama àquela fala.
Virando-se para o espelho novamente null olhou sua imagem refletida e seus olhos se encheram de lágrimas.
- Falta um detalhe. – Cécile comentou, saindo da sala e voltando rapidamente com um véu. – Esse não é o seu, mas é apenas para você ter uma ideia.
Com o cabelo de null já preso em um coque alto, Cécile colocou a tiara com o véu e foi aí que a noiva não conseguiu mais segurar e deixou que suas lágrimas caíssem. Segurei sua mão e fiquei ao seu lado no espelho sentindo meus olhos também se encherem de lágrimas.
Limpei minha garganta e ofereci meu braço, fingindo ser null. null deu risada, mas seguiu minha linha de pensamento. Fingimos entrar na igreja e ela até confidenciou o que planejava falar durante os votos.
Depois de muitos ensaios, risadas e lágrimas, saímos do ateliê fazendo planos para o grande dia, sem nos importarmos por ainda faltar alguns meses. null insistia em ter um dia de princesa, com direito a spa e salão de beleza o dia inteiro, além pessoas a servindo e fazendo tudo que ela pedisse.
Despedimo-nos em frente aos nossos carros parados no estacionamento e seguimos caminhos diferentes. Ela estava voltando para o trabalho e eu tinha uma entrevista com o editor da revista em que eu escreveria artigos quinzenais. Olhei o relógio no painel do carro e percebi que ainda faltavam 50 minutos para a minha entrevista, que seria às quatro da tarde, como o prédio ficava do outro lado da cidade e o trânsito não facilitaria a minha vida, aquele era o horário perfeito.
Combinamos de no dia seguinte irmos experimentar doces e salgados para o casamento, o que deixou null bastante animada já que desde que ficara noiva, ao invés de fechar a boca, estava comendo como uma grávida. Não pude deixar de perguntar se não havia chances de ela estar de fato grávida, mas ela estava positiva de que não havia a menor chance. Quem era eu para duvidar.
Cheguei ao enorme prédio onde a revista era criada e produzida e me identifiquei na recepção do décimo andar, onde a maioria das salas se localizava. A recepcionista pediu que eu me sentasse e aguardasse alguns minutos e assim eu o fiz.
Várias edições, antigas e novas da revista estavam em uma mesa de centro. Peguei uma delas sem me importar muito e comecei a folhear, apenas para passar o tempo. Senti meu celular vibrando na bolsa e peguei o aparelho, vendo o nome de null na tela.
- Oi, amor. – Mantive a minha voz baixa já que além da recepcionista teclando algo no computador, a sala estava em total silêncio.
- Você não viu a mensagem que eu te mandei?
Afastei o aparelho do ouvido e vi que na parte de cima da tela o desenho que indicava uma nova mensagem estava lá.
- Desculpe, não vi mesmo. Almocei com null mais cedo e passamos o resto da tarde no ateliê onde o vestido dela está sendo costurado. Tudo bem por ai?
Como null havia ficado em casa, ele estava encarregado de fazer tarefas que normalmente eu fazia como preparar o almoço de null, pegar null na escola e esse tipo de coisa.
Depois de me atualizar sobre como as crianças estavam e o que elas estavam fazendo naquele momento, null comentou que havia achado em uma de suas agendas antigas algo sobre a nossa primeira noite juntos.
- Como assim? – Perguntei, curiosa.
Quando nos mudamos para a casa nova, null achou algumas caixas antigas que ele guardou na época em que eu me mudei para o apartamento dele. Vez ou outra ele arrumava um tempo para dar uma olhada nessas caixas, já que poderia haver algo ali que o ajudasse a recuperar algumas memórias que havia perdido no acidente.
Por muito tempo essas caixas ficaram num quartinho do porão da casa nova, até que há alguns meses, em uma de suas buscas, ele achou algumas agendas com anotações que ele costumava fazer e resolveu levar essas caixas para o nosso quarto na intenção de aos poucos ler essas agendas. Eu brincava dizendo que ele costumava ter diários, mas a verdade é que aquelas anotações eram muito valiosas.
- É, eu peguei uma das agendas para ler e resolvi olhar as anotações desse mês há nove anos. – Ouvi o barulho de páginas e deduzi que ele estava com a agenda em mãos. – Você me disse há um tempo que tínhamos nos conhecido por volta dessa época de final de ano, certo?
- Hum, sim.
- Olha só o que eu escrevi no dia que teria sido ontem: Bar com os caras. – Ri, mas antes que pudesse dizer algo ele continuou. – E sabe o que tem na data de hoje?
- Não, null. O que tem na data de hoje? – Repeti seu tom empolgado.
- Eu escrevi em letras garrafais “Bom sexo” e colei um papel com um número de telefone.
- Não! – Quase gritei, empolgada com a descoberta. – Espera, é o meu número mesmo?
- Me diga você. – Respondeu e repetiu o número que estava no papel.
- null, é o meu numero antigo! Você colou meu número de telefone no seu diário!
null estava tão feliz com a descoberta que nem reclamou por eu ter chamado suas agendas de diário. Ele leu algumas outras anotações dos dias seguintes e eu ri das frases completamente sem sentido que ele costumava criar.
- null, nove anos! – Ele riu, desacreditado. – Precisamos comemorar essa data, foi pra isso que te liguei, pra falar que as crianças vão ficar com a babá hoje a noite e nós vamos sair para comemorar.
- Claro que vamos! – Concordei.
- Que horas a sua entrevista termina? Podemos nos encontrar naquele restaurante francês que você adora às seis e meia?
Chequei o relógio, reparando que faltavam dois minutos para as quatro e deduzi que a entrevista terminaria em aproximadamente uma hora, se não fosse pelo trânsito extremo no horário de pico, poderia até ir para casa para encontrar null.
- null? – A recepcionista me chamou, indicando uma porta grande e preta. Assumi que ela esperava que eu a acompanhasse.
- Perfeito. Amor, preciso ir, está na hora da entrevista. Nos vemos mais tarde.
- Até mais. Te amo.
Antes que eu respondesse ele desligou.
Coloquei o aparelho de volta na bolsa e sorri para a recepcionista, acompanhando-a pelo longo corredor que, segundo ela, levava a sala de Jesse Davis, o editor da revista.

Olhei o mais discretamente possível para o relógio em meu pulso e vi que quase quarenta minutos já haviam se passado desde o começo da entrevista e até agora Jesse não havia parado de falar. Não que eu estivesse reclamando, longe disso, estava grata por Jesse ser ainda mais simpático em pessoa do que soava no telefone.
Observei seu rosto jovial sorrir enquanto comentava sobre uma de suas várias ideias para os meus artigos. Apesar de alguns cabelos brancos aqui e ali Jesse não parecia ter mais de quarenta anos. O porta retrato na sua mesa me dizia que ele era casado com uma jovem loira e tinha um filho de aproximadamente três anos.
Enquanto falava, Jesse gesticulava, por vezes até jogando uma caneta ou um bloco de notas no chão, tamanha era sua excitação. Claro que eu também opinava sobre tudo, concordava com algumas coisas e por vezes apenas sorria.
A recepcionista, Tracy, entrou na sala novamente e informou que dois homens chamados Greg e Marcus estavam à espera de Jesse em outra sala.
- Ah, sim, claro! – Jesse concordou e já foi se levantando. – null, me acompanhe, por favor, você precisa conhecer esses dois.
Acompanhei Jesse até a outra sala e ele me apresentou a Greg e Marcus que faziam parte da produção da revista.
Sentei ao lado de Jesse na mesa comprida e vi que os homens se preparavam para fazer uma apresentação, só então me toquei que aquela deveria ser uma reunião. Olhei nervosa para o relógio, mas antes que pudesse comentar com Jesse que tinha um compromisso em pouco mais de uma hora, Marcus começou a falar.
- A ideia para essa edição é que nossos leitores fiquem mais por dentro de todas as mudanças que vão ocorrer na revista e lhes dar segurança de que não vamos mudar a essência. – Greg falava.
Isso não pode estar acontecendo, pensei. O relógio marcava quase seis da tarde e nem mesmo se eu saísse exatamente naquele segundo conseguiria chegar ao restaurante sem atraso.
Finalmente reuni coragem e pedi licença com a desculpa de que precisava ir ao banheiro e sai da sala rapidamente. Ainda no corredor eu peguei o celular na bolsa e apertei a tecla para destravá-lo, mas ao invés de a tela acender como deveria, nada aconteceu. Tentei novamente e nada. Apertei o botão de desligar e a imagem de uma bateria descarregada apareceu na tela.
- Não, não, não!
Caminhei em círculos no corredor esperando que aquilo fosse algum tipo de pegadinha, como era possível tudo dar errado assim de uma vez?
Fui até a recepção e sorri para Tracy.
- Será que eu poderia fazer uma ligação rápida do seu telefone? O meu acabou a bateria e eu preciso muito falar com meu marido.
- Claro! – Tracy sorriu e colocou o telefone na empresa em cima do balcão, na minha frente.
Agradeci e disquei o número do celular de null rapidamente. Depois de chamar seis vezes fui recebida pela sua caixa postal.
- Ele só pode estar brincando! – Reclamei, em voz alta.
Tentei novamente apenas para ser atendida pela sua caixa postal outra vez.
- null? – Jesse apareceu, fazendo-me corar. Pega na mentira!
- Oi, Jesse. Mil perdões, eu preciso falar com meu marido e meu celular acabou a bateria e eu vim pedir ajuda pra Tracy, mas agora ele não atende o telefone...
Jesse fez um gesto com a mão, interrompendo o meu vômito de palavras.
- Não se preocupe. Greg e Marcus já estão finalizando a apresentação, só precisamos de você na sala para dar o ok ao seu artigo inicial. Prometo que você estará fora desse prédio em dez minutos!
Sem graça e completamente sem palavras, coloquei o telefone no gancho e sorri agradecida para Tracy antes de voltar para a sala onde Greg e Marcus estavam.
Em quinze minutos eu estava entrando no carro, procurando desesperadamente o carregador que geralmente deixava no porta luvas, mas então lembrei que por algum motivo eu o havia levado para meu quarto e esquecido de colocar de volta no carro.
- Maldita tecnologia! – Gritei.
Sai do estacionamento do prédio já prevendo o tamanho do engarrafamento que iria enfrentar. O relógio no painel me dizia eu já estava mais de vinte minutos atrasada. Quando parei no semáforo tentei novamente ligar o celular, mas não tive sorte. Respirando fundo me concentrei em dirigir o mais rápido possível para o restaurante, tentando não causar um acidente e pegar caminhos fora de rota que pudessem estar menos engarrafados.
Às sete e vinte e dois eu cheguei no restaurante. Deixei a chave com o manobrista e, literalmente, corri até a porta onde fui recepcionada por uma hostess sorridente e bem vestida.
- Posso ajudá-la? – Se ofereceu, ao ver que eu olhava para as mesas a procura de null.
- Sim, meu marido, quer dizer, eu e meu marido marcamos de nos encontrar há quase uma hora, mas eu me atrasei. – Mais uma vez o vômito de palavras. – Eu não sei se ele ainda está aqui.
A hostess concordou e pareceu procurar algo em uma gaveta.
- Sra. null? – Ela perguntou, olhando para um papel em sua mão. Concordei. – Seu marido deixou esse bilhete para a senhora.
Peguei o pequeno envelope na mão dela e agradeci, me afastando para ler o bilhete.
Te encontro em casa, era o que o bilhete dizia. Apoiei-me na parede, sentindo a culpa me consumir rapidamente. Eu nem conseguia imaginar o quão chateado null devia estar. Eu havia dado uma mancada feia com ele e não seria fácil me redimir.
Pedi ao manobrista para buscar meu carro e, por causa do pouco tempo, ele nem mesmo me cobrou.
Normalmente aquele horário seria mais tranquilo e sem congestionamentos, mas depois de passar quase vinte minutos em uma fila interminável vi que havia ocorrido um acidente que acabou fechando uma das faixas, deixando os motoristas nos dois sentidos com apenas uma faixa e engarrafando tudo.
Quando finalmente estacionei na garagem de casa, às oito e cinco, me perguntei como um dia que havia começado tão bem estava terminando tão mal.
Subi as escadas podendo ouvir a voz de null e a risada das crianças vindas do quarto de null. Caminhei até lá e parei na porta entreaberta, vendo os três sentados na cama, null lendo um livro e nossos filhos, um de cada lado, prestando atenção aos desenhos nas páginas. Estava quase no horário de null ir pra cama e, apesar de ainda faltar uma hora para null ir dormir, algumas vezes ele gostava de ouvir histórias com a irmã.
- Mãe! – null foi a primeira a me ver.
Sorri descalçando os sapatos e deixando-os ao lado da porta antes de entrar no quarto.
null me lançou um olhar rápido e sem expressão e voltou a ler o livro. Sentei na cama e null engatinhou até mim. Fiz um sinal para que ela não interrompesse a leitura de null e ela obedeceu, sentando no meu colo e me abraçando.
Por vinte longos e tortuosos minutos eu sentei ali, ouvindo null ler o livro e me ignorar por completo. Quando a leitura finalmente terminou null pediu por outro livro.
Olhei o relógio e balancei a cabeça.
- Nada feito, mocinha, hora de ir pra cama.
- Já? – null me olhou, seus enormes olhos castanhos me dizendo que ela queria mais tempo acordada.
- Umhum. – Concordei.
- null, você precisa ir tomar banho. – null comentou.
- Mas eu tomei ontem e o tempo tá frio. – Reclamou.
- Você teve educação física hoje. – Lembrei.
- Mas eu nem suei!
Ainda protestando ele pegou um pijama na gaveta e entrou no banheiro. null saiu do quarto e eu suspirei. Aquela seria uma longa noite.
Deitei com null na cama nova nela e coloquei o cobertor por cima de seu corpo encolhido. Apesar do berço ainda estar no quarto, ela já não dormia nele há quase dois meses.
- Canta pra mim, mamãe?
- Canto, meu amor.
null se aninhou em meu peito e eu a abracei começando a cantar uma cantiga de ninar. Não demorou muito para que ela caísse num sono profundo. Levantei-me com cuidado para não acordá-la e saí do quarto, pegando sua babá eletrônica no móvel ao lado da porta.
O chuveiro ligado me dizia que null ainda estava tomando banho. Fui até meu quarto e vi que a luz estava apagada, null devia estar no andar de baixo. O andar principal também estava vazio, foi então que ouvi a televisão do porão ligada.
A sala maior de televisão ficava próxima ao cômodo com a jacuzzi. Apesar de a televisão ser maior que a que ficava na sala principal do andar de cima, as crianças só podiam entrar ali se estivéssemos em casa. Perto da televisão ficavam vários outros aparelhos eletrônicos que elas podiam facilmente quebrar ou desconfigurar.
Como a porta do cômodo estava aberta, vi null sentado no grande sofá, prestando atenção a um documentário na tv. Sentei no braço do sofá e, apesar de ter notado minha presença, ele não me olhou.
- null, me desculpe.
Com um suspiro, null desligou a televisão. Observei ele apoiar os cotovelos nos joelhos e passar as mãos pelo rosto, como se estivesse cansado demais. Esperei que ele dissesse algo, mas sua única resposta foi o silêncio.
- A entrevista durou mais do que eu previa. Jesse, o editor, me pegou de surpresa e me colocou em uma reunião com dois caras importantes na revista, eu não tinha como dizer não ou me levantar e ir embora.
null finalmente me olhou e eu pude ver a mágoa clara como cristal em seus olhos. Mordi meu lábio inferior e desviei o olhar para o chão.
- Por que você não me ligou? Eu entenderia. Você sabe disso.
- Claro que sei. – Concordei. – O meu celular ficou sem bateria, eu te liguei pelo telefone da empresa e você não atendeu.
null balançou a cabeça, impaciente.
- Não tem nenhuma chamada perdida no meu celular.
- Eu não estou mentindo! – Aumentei um pouco a voz, mesmo sem querer. Odiava quando duvidavam de mim.
- Eu não disse que estava! – null respondeu, no mesmo tom de voz, levantando-se do sofá.
- Mãe? – A voz de null veio da porta do cômodo e eu e null olhamos para ele ao mesmo tempo.
- Oi, meu amor. – Caminhei até ele e beijei seus cabelos. – Já está na hora de ir pra cama.
null concordou, seu rosto revelando o quanto ele estava chateado por nos pegar brigando. Ele caminhou até null e o abraçou pela cintura.
- Boa noite, campeão.
Quando null saiu do cômodo eu e null nos entreolhamos.
- Eu esperei que nem um idiota no restaurante por quase uma hora.
null caminhou de uma ponta a outra do cômodo, como se pensasse no que fazer.
- Um telefonema. Só um telefonema bastava e eu teria entendido. Eu sei que esse trabalho na revista é importante pra você, sei o quanto você está feliz por ter conseguido, eu nunca teria pedido pra você sair correndo pra me encontrar.
- null, eu sei! – Insisti odiando a forma como aquilo me fez soar como uma adolescente mimada. – Eu sei de tudo isso, mas você precisa acreditar que eu também nunca faria isso de propósito com você. Eu sinto muito se te fiz esperar por mim por tanto tempo e não entendo por que o seu celular não está mostrando as minhas ligações, mas eu liguei, juro que liguei.
Sentei no sofá, já sentindo as lágrimas descerem por meu rosto. Por que eu nunca conseguia segurá-las e conversar como uma adulta? Maldita falta de controle sobre minhas emoções e meu canal lacrimal.
- Por mais que esse emprego seja importante, eu nunca o colocaria acima de você, nunca trocaria uma comemoração tão importante como a de hoje por causa de qualquer entrevista, mesmo que fosse na Vogue!
Nesse momento eu já estava chorando alto e soluçando sem controle. null permanecia em silêncio, observando eu me desfazer em lágrimas. Vários minutos se passaram enquanto o silêncio dominava o cômodo e a tensão entre nós dois ficava cada vez mais palpável.
- Quando eu não consegui falar com você... – A voz estrangulada de null fez com que eu o olhasse, limpando meu rosto molhado com as costas da minha mão. – Eu tentei te ligar várias vezes e você não atendia.
null balançou a cabeça e mais uma vez escondeu o rosto nas mãos. Antes de voltar a falar ele inspirou uma grande quantidade de ar, como se precisasse se controlar para que sua voz não se quebrasse no meio da frase.
- Você sempre atende o telefone, então quando você não atendeu depois de umas cinco vezes eu comecei a imaginar o pior.
- null...
Ele estendeu a mão como se pedisse pra eu não falar. Obedeci, me calando.
- Você não sabe o quão agoniante é pensar que você podia estar envolvida em um acidente. Eu pensei o pior e me culpei porque se algo tivesse acontecido seria porque você estava indo me encontrar! Que importância uma estupida comemoração tem se eu perco você?
Foi então que eu percebi que null não estava chateado porque eu não apareci para o jantar. Ele não se importava se eu me atrasasse. Nada daquilo tinha importância diante da possibilidade de eu estar machucada, ou pior, morta em algum lugar.
Levantei-me do sofá e caminhei até ele, o abraçando pela cintura e sentindo ele me abraçar de volta com uma força que me fez perceber o quão assustado ele estava.
- Está tudo bem. – Sussurrei em seu ouvido, sem parar de abraçá-lo.
null se afastou um pouco, ainda me abraçando, seus olhos aflitos me observaram de perto. Seu polegar fez um carinho gostoso em minha bochecha e ele suspirou. Sorri, o assegurando que tudo estava bem. Ele beijou meus lábios, meu nariz e minha testa.
- Eu te amo. – Sussurrou.
Balancei minha cabeça e escondi meu rosto em seu pescoço, incapaz de dizer qualquer coisa. Ao longo desses nove anos eu nunca o vira tão vulnerável, era sempre eu quem precisava dele, sempre eu quem caia no choro e agora ele estava ali, declarando sem palavras o quanto ele também precisava de mim.
- Eu te amo. – Sussurrou mais uma vez, não porque achava que eu não tinha escutado, mas porque quando temos um vislumbre, por menor que seja, da nossa vida sem a pessoa que mais amamos, percebemos quão importantes palavras não ditas podem ser.
Afastei-me um pouco, apenas para olhar em seus olhos novamente. Segurei seu rosto e encostei nossas testas.
- Eu sei. – Afirmei.
Beijei seus lábios rapidamente e me certifiquei de que ele estava bem. Com os olhos fechados e os lábios dele em minha têmpora, sussurrei de volta.
- Eu também te amo.


Sexto Capítulo

O sol de um belo fim de tarde de outono sumia no horizonte, enquanto eu, null, null e null nos divertíamos com um jogo de tabuleiro no meio de nossa roda. Apesar de ter nevado um pouco pela manhã, aquele dia de Dezembro havia sido ensolarado e nos permitiu brincar com a neve no quintal por um tempo, mas agora a temperatura havia caído bastante sem a presença do sol e preferimos nos manter aquecidos dentro de casa. Era a vez de null jogar e ele contava quantos quadrinhos precisava avançar para chegar onde queria.
null em meu colo penteava os cabelos de sua boneca favorita, sem prestar muita atenção no que estava acontecendo no jogo.
- Isso! – null comemorou ao ver que os dados haviam lhe dado o exato número para ele atingir seu objetivo.
O celular de null tocou e ela se levantou para atender.
- É o null! – Avisou, afastando-se um pouco.
- Crianças, vocês sabem o que isso significa, não é?
null balançou a cabeça.
- O papai vai ligar!
Antes mesmo que ele terminasse a frase o meu celular tocou.
null deu um gritinho, animado. – Papai!
Atendi o celular e coloquei no viva voz.
- Oi, pai! – null começou.
- Campeão! Como estão as coisas?
- Tudo bem, estamos jogando o Jogo da Vida.
- Você está no viva voz. – Avisei.
null apenas sorria, ouvindo a conversa. Ela sempre gostara de conversar, mas não por telefone. Não sei o que acontecia, talvez ela não entendesse como podia ouvir a voz de alguém sair de um aparelho, mas sempre que alguém começava a falar com ela no telefone, ela ficava muda e apenas sorria.
null e os outros garotos haviam partido em uma mini turnê por nove países europeus. A duração era de três semanas e naquela noite aconteceria o último show, em Dublin. Como em alguns países eles tinham um ou dois dias de folga entre um show e outro, null aproveitara para voltar pra casa, mesmo que fosse por menos de um dia inteiro. A última vez que nós nos encontramos havia sido seis dias antes. null já estava acostumado com as turnês e ausência do pai por alguns dias, às vezes até semanas, mas null perguntava constantemente onde o pai estava e era a mais animada quando ele aparecia nos dias de folga.
- Amanhã temos algumas entrevistas e no Domingo eu estou de volta. – null comentou.
null voltou a se sentar na roda e eu assumi que aquela ligação não demoraria muito, o show deles estava prestes a começar.
- Pai, quantas pessoas estão na plateia? – null perguntou, ele sempre perguntava.
- Essa é uma casa de shows pequena, acredito que entre 3 e 4 mil pessoas.
- Uau! – A expressão de null arrancou risadas minhas e de null.
Ouvimos algumas vozes no fundo e eu soube que null precisava desligar.
- O show já vai começar. Amor, mais tarde eu te ligo.
- Certo. Nós te amamos!
- Amo vocês.
Desliguei o celular e retomamos o jogo.
null parecia um pouco agitada em meu colo, o que era um pouco incomum para ela e me deixou preocupada. Perguntei se ela estava bem e mesmo com sua resposta positiva, algo dentro de mim estava inquieto.
Estávamos na última rodada do jogo e era claro que, com um pouco de sorte, null facilmente ganharia. Ela e null trocavam ameaças bobas quando null se levantou do meu colo. Observei-a caminhar até o baú de brinquedos e procurar por algo.
- Sua vez, null. – null avisou.
Os poucos segundos que levaram para eu jogar os dados e começar a mover a minha peça foi o suficiente para null começar a chorar. Quando me virei vi que ela havia vomitado e segurava a barriga enquanto seu choro alto tomava conta do cômodo.
Levantei-me apressada e a peguei no colo, perguntando o que ela estava sentindo e se alguma parte do corpo dela doía. Quando ela confirmou, comecei a apalpá-la com cuidado, do jeito que o médico havia ensinado. Quando cheguei perto de seu apêndice vi que ela se encolheu e chorou ainda mais alto.
- null! – Chamei, só então vendo que ela já limpava o vomito com um pano e algum produto com cheiro forte. – Precisamos ir para o hospital.
Em poucos minutos já estávamos todos no carro. null dirigia enquanto eu e null estávamos no banco de trás, null em sua cadeirinha ainda chorava, mas agora de forma mais calma, enquanto eu afagava sua cabeça e lhe dizia que tudo ficaria bem.
null, como todo bom irmão mais velho, segurava a mãozinha dela e não escondia sua preocupação.
null me deixou na porta da emergência com null e foi estacionar o carro. Pedi que null fosse com ela enquanto eu corria para o balcão do hospital e explicava a situação de null. Não demorou muito para que a levassem para uma sala e começassem a fazer exames. Eu e null estávamos na sala enquanto null tentava falar com um dos meninos, o que sabíamos que seria impossível já que o show deles ainda não havia terminado.
- Sra. null. – Dr. Brown entrou na sala e estendeu a mão para que eu a apertasse. – É um prazer revê-la, sinto muito que seja nessa situação.
Agradeci com um aceno e ele prontamente começou a examinar null, ouvindo seus batimentos cardíacos e apalpando seu abdômen.
Em um flash de apenas um segundo vi sua expressão ficar um pouco preocupada, mas tão rápida quanto veio, ela se foi. Ele disse algo em voz baixa para a enfermeira que saiu da sala em seguido e se virou para mim.
- Nós vamos levar a pequena null para fazer mais alguns exames e em breve teremos a confirmação do que está acontecendo.
- O senhor já sabe o que é. – Afirmei, tentando manter minha voz firme.
Dr. Brown suspirou e passou a mão pela cabeça.
- Eu não posso te dizer com certeza, mas é provável que a inflamação no apêndice dela tenha piorado e que haja um abscesso, que é um acúmulo de pus. Se esse for o caso, precisaremos remover de imediato.
Antes que eu pudesse responder duas enfermeiras entraram na sala e começaram a empurrar a maca em que null estava em direção a porta.
- Mãe! – null choramingou, estendendo a mão para ela segurar.
- Está tudo bem, meu amor. – Beijei sua palma. – O Dr. Brown vai cuidar de você. Vai ficar tudo bem.
Ela começou a chorar novamente e a enfermeira me lançou um olhar solidário antes de se afastar com a minha filha em uma maca. Seu choro infantil ecoou pelo corredor e assim que ela sumiu de vista eu desabei na cadeira, sentindo null me abraçar e chorar baixinho. O abracei de volta, sentindo lágrimas silenciosas descerem por meu rosto. null entrou na sala e eu senti seus braços envolverem a mim e a null enquanto ela dizia palavras de consolo e reafirmava que tudo iria ficar bem.

Os segundos viraram horas na sala de espera da emergência. null ao meu lado brincava com o tablet de null, mas toda vez que ouvia passos se aproximando levantava a cabeça, na esperança de que fosse alguma enfermeira conhecida ou o Dr. Brown. Minhas pernas inquietas não paravam de balançar em ritmo acelerado, como se mantê-las em movimento pudesse me acalmar de alguma forma.
Menos de quinze minutos haviam se passado quando uma das enfermeiras que haviam levado null apareceu com um sorriso solidário no rosto.
- Está tudo bem? – Falei, já me levantando e caminhando até ela.
- Como o Dr. Brown suspeitava, por causa da inflamação no apêndice, há um acúmulo de pus que precisa ser removido. null já está na sala de cirurgia sendo preparada para o procedimento.
- Mas como isso aconteceu? Ela vem tomando os remédios, a alimentação está controlada, tudo como o Dr. Brown aconselhou.
- O abscesso no apêndice não é incomum e o fato de a senhora tê-la trazido imediatamente ao hospital é um ponto positivo. O Dr. Brown já realizou esse procedimento várias vezes. null está em boas mãos. – A enfermeira sorriu e tocou meu braço de forma tranquilizadora.
- Sei que sim. – Concordei. – Obrigada.
A enfermeira se afastou e eu voltei a me sentar. null passou a mão por meus cabelos e me olhou.
- Vai ficar tudo bem, null.
Suspirei, deitando minha cabeça em seu ombro. – Obrigada por estar aqui.
- Sempre que precisar. – Respondeu, beijando minha cabeça e me abraçando.

Eu não saberia dizer quanto tempo havia se passado quando o Dr. Brown finalmente apareceu e eu corri até ele, meu desespero estampado em meu rosto. Segurei suas mãos, já sentindo a vontade de chorar se abater sobre mim com força total.
- Está tudo bem. – Ele disse, sorrindo tranquilizador.
Ao invés de falar alguma coisa eu o abracei com força. Dr. Brown me deu alguns tapinhas nas costas, mas pareceu não se importar com o meu abraço e deixou que eu chorasse em seu ombro.
- Quando eu vou poder vê-la? – Perguntei finalmente me afastando e limpando do meu rosto o rastro deixado pelas lágrimas.
- Em breve. Agora será necessário muito descanso. Eu removi todo o pus e os líquidos do abscesso formado e em algumas semanas, quando a inflamação estiver completamente controlada, poderemos fazer a cirurgia de remoção do apêndice.
- Obrigada, Dr. Brown. Muito obrigada.
Trocamos um aperto de mão e ele acenou antes de se afastar.
null, também aliviada, me abraçou, assegurando-me que o pior já havia passado.
null estava adormecido na cadeira em uma posição que não parecia nada confortável. Passei a mão por seu cabelo e fiz carinho em seu braço, vendo-o despertar aos poucos. Sorri, beijando sua mão.
- Está tudo bem, meu amor. null já saiu da cirurgia, mas ainda precisa ficar em observação.
null confirmou com um sorriso e esfregou os olhos.
O toque do meu celular soou distante, dentro da bolsa. null estava mais perto e pegou o aparelho.
- É o null!
Atendi apressada, aliviada por ele ter ligado quando eu já tinha noticias de nossa filha, senão iria deixá-lo ainda mais preocupado. Expliquei toda a situação, deixando claro desde o começo que ela estava fora de perigo. null suspirou algumas vezes, parecendo cansado e tenso com tantos acontecimentos em tão pouco tempo.
- Já estamos no ônibus indo para o hotel. Vou arrumar minhas coisas e pegar o primeiro avião que achar.
- Mas e as entrevistas amanhã?
- Não importa. Os caras vão entender, eu preciso estar ai nesse momento.
Concordei silenciosamente e mordi meu lábio, sem querer dizer que eu precisava dele naquele momento. Não dissemos nada por alguns instantes, eu apenas escutei sua respiração e ele a minha. De alguma forma aquilo era quase tão reconfortante quanto tê-lo ao meu lado. Quase.
- Preciso ir. Nos vemos em breve. Te amo.
- Também te amo.
Guardei o celular na bolsa novamente e vi que null havia voltado para a mesma posição desconfortável de antes. null percebeu a minha preocupação e se ofereceu para levá-lo para casa e dormir lá com ele. E então me vi sozinha naquele corredor de hospital e desejei por meu marido, por seu abraço, seu sorriso tranquilizador, suas palavras de conforto...
Em breve.

Senti alguém tocar em meu braço e chamar meu nome, só então me dei conta de que havia adormecido no banco desconfortável da sala de espera. Uma enfermeira um pouco mais velha sorriu para mim.
- Sra. null, a null já está no quarto. Gostaria de vê-la?
- Sim, claro. – Respondi prontamente.
Passei a mão pelos cabelos e esfreguei os olhos em uma tentativa de parecer mais alerta. Segui a enfermeira em direção ao elevador e fomos até a ala pediátrica no terceiro andar.
null estava adormecida na cama, seu corpo coberto pelo cobertor e a respiração sonora.
- Ele ainda deve dormir por mais algum tempo. – A enfermeira avisou antes de sair do quarto, me deixando a sós com null.
Passei a mão pelos cabelos curtos de minha filha e peguei sua pequena mão com cuidado. Beijei sua palma e a encostei em minha bochecha quente. Sua boca estava entreaberta e seus longos cílios negros contrastavam com sua pele branquinha.
Puxei uma cadeira e sentei bem ao lado na cama, pegando novamente sua mão e deitando minha cabeça no travesseiro dela, deixando nossos rostos próximos. O único barulho no quarto era o do ar condicionado e o da respiração de null, aos poucos esses barulhos foram ficando mais distantes e cai num sono novamente.

- Amor. – A voz de null me despertou.
Abri os olhos e vi que null continuava adormecida na cama. Ao meu lado, null me olhava com seus olhos vermelhos e cheios de cansaço e preocupação. Ele me puxou para mais perto dele e me abraçou, suspirando um pouco aliviado.
- Que bom que você está aqui. – Sussurrei.
null se afastou um pouco e segurou meu rosto com as duas mãos, olhando-me com atenção.
- Você parece cansada.
Dei de ombros. – Você também.
null sorriu e beijou meus lábios rapidamente. Ele fez um gesto para que eu me levantasse da cadeira e quando eu o fiz, ele se sentou, me puxando para sentar em seu colo. Descansei a cabeça em seu ombro e inspirei seu perfume.
- Há quanto tempo ela está dormindo? – null perguntou.
Olhei o relógio em meu pulso e fiz umas contas rápidas.
- Trouxeram-na para o quarto há uns trinta minutos, mas a enfermeira disse que era normal ela dormir por mais algum tempo.
null concordou silenciosamente e começou a fazer um carinho gostoso em meu braço, fazendo com que eu me aninhasse ainda mais nele. Ficamos daquela forma por um tempo, até finalmente null se mexer e choramingar um pouco.
- Shhh... Está tudo bem, meu anjo. – Sussurrei, beijando sua testa.
null abriu lentamente os olhos já cheios de lágrimas e começou a chorar baixinho, fazendo um bico que em qualquer outra situação seria adorável, mas naquele momento era de partir o coração.
Do outro lado da cama null se abaixou para ficar mais próximo a ela e começou a cantar baixinho, acariciando seus cabelos.
Apertei o botão ao lado da cama para chamar a enfermeira e observei null se acalmar aos poucos, olhando o pai de perto e parecendo encantada por ele.
A mesma enfermeira que havia me levado até ali apareceu para examinar null rapidamente. Ela sorriu, confirmando que tudo havia ocorrido bem na cirurgia e que null estava respondendo bem. Antes de sair ela conferiu o soro rapidamente e pareceu satisfeita com o que viu.
O resto da noite foi mais tranquilo. null chorou algumas vezes, reclamou do soro, mas eu e null fizemos o possível para distrai-la. Quando ela caiu no sono novamente eu finalmente percebi que estava faminta. null disse que havia comido no avião e que estava bem, mas me obrigou a ir colocar algo no estômago. Ao invés de ir até a cafeteria, apenas peguei um lanche qualquer em uma das máquinas que ficavam no corredor. Comi rapidamente, ansiando por voltar novamente para o quarto.
Encontrei null ao lado da cama, seus olhos quase se fechando, enquanto a televisão ligada e sem som iluminava seu rosto. Ele sorriu quando eu entrei e falou para eu deitar no sofá e ele dormiria na cadeira ao lado de null. Depois que eu deitei no sofá tudo virou apenas um borrão e em poucos minutos eu apaguei.

No outro dia de manhã logo cedo Dr. Brown apareceu no quarto. Todos já estávamos acordados, null brincava com uma boneca que uma enfermeira havia trazido.
Dr. Brown nos assegurou novamente de que null estava bem e que em algumas semanas seria possível fazer a cirurgia para remover o apêndice. Apesar de só podermos ir para casa pela noite, ele confirmou de que era apenas precaução e que gostaria de ficar de olho em null por mais algumas horas.
null e null apareceram um pouco depois e null finalmente pareceu mais relaxada ao ver o irmão. null acabou participando de uma das entrevistas pelo telefone e conseguiu até convencer null a dizer “oi” rapidamente.
Ao ouvir a risada de null eu soube que aquele pesadelo já estava ficando para trás e em breve ele seria passado e eu teria a minha princesa saudável como nunca.


Sétimo Capítulo

- Quem está animado para escolher uma árvore de Natal? – null perguntou, observando as crianças pelo retrovisor do carro.
Virei-me um pouco no banco, voltando minha atenção para null e null no banco de trás. null levantou a mão animada e sorriu.
- A gente pode pegar uma bem grande? – null perguntou, parecendo animado.
- Bom, não pode ser tão grande porque ela vai ficar na sala e não pode ocupar tanto espaço assim.
- Neve. – null falou.
Por um segundo pensei que ela estivesse falando sobre o tempo do lado de fora. Apesar do clima frio, a neve não caia há quase uma semana, desde o dia em que null foi levada para o hospital. O céu escuro e o vento frio indicava que não demoraria muito para a paisagem se tornar branca.
Em poucos minutos estávamos no local onde as árvores eram vendidas. Aquela era a primeira vez que íamos lá, já que nos anos anteriores compráramos em outro local, mas depois de null e Ash insistirem que esse lugar tinha árvores mais bonitas, resolvemos arriscar.
null tinha null em seu colo e eu segurava firme na mão de null. O espaço aberto onde as árvores ficavam era enorme e eu não queria correr o risco de perdê-lo.
Olhamos ao redor por um tempo, tentando achar árvores de tamanho mais apropriado para o local na sala em que ela ficaria. null não parava de apontar para diversas árvores que eram muito maiores do que nossa sala comportaria e null parecia maravilhada com todo aquele clima natalino.
Depois de quase uma hora finalmente escolhemos a árvore. O tamanho era um pouco maior do que esperávamos encontrar, mas null conseguiu nos convencer de que aquela era a escolha certa. Ao final da compra ele e o vendedor já eram grandes amigos.
- Não vamos levá-la agora? – Ele perguntou, parecendo desapontado.
- Não se lembra dos outros anos? – null perguntou, pegando a mão dele já que agora null estava em meu colo. – Amanhã pela manhã ela vai ser entregue e nós vamos montá-la.
- Podemos comprar mais enfeites?
- null, nós temos tantos enfeites em casa.
- Por favor, mãe! Só alguns!
- Que tal irmos almoçar e depois passamos no mercado para dar uma olhada em novos enfeites? – null sugeriu.
null comemorou, trocando um high five com o pai.

O dia seguinte chegou mais rápido que o esperado. Às dez da manhã em ponto a árvore foi entregue e nós começamos o longo processo de arrumá-la.
null e null tinham chapéus de Papai Noel na cabeça e estavam se divertindo como se fosse véspera de Natal. Da caixa de som saiam músicas natalinas que completavam o clima da casa.
Depois de terminarmos de enfeitar a árvore, null colocou neve de mentira no topo, deixando a espuma branca cair pela árvore. null esticou a mão para tocar na espuma e riu ao sentir a textura em sua pele.
- Pronto, está perfeita. – null anunciou.
- O que acham de comemorar todo esse trabalho duro com cookies? – Sugeri.
- Cookies de chocolate? – Os olhinhos de null chegaram a brilhar.
- Os seus favoritos. – Concordei.
null e null correram para a cozinha enquanto null passou um de seus braços por meus ombros e beijou minha têmpora. Quando nos juntamos às crianças na cozinha os dois já estavam sentados - ou ajoelhados - nas cadeiras, ansiosos pelos cookies de chocolate.
Comemos os cookies juntos na cozinha, as crianças com leite para acompanhar enquanto eu e null aproveitamos para tomar uma taça de vinho.
- Mãe, quando vou ter férias de inverno? – null perguntou.
Conferi o calendário em meu celular onde deixava tudo organizado e informei que aquela era sua última semana antes do recesso de Natal e ano novo.
- Na verdade tem uma nevasca prevista para Quarta-feira, talvez você só tenha aula até lá. – null informou.
- Ah não! – Reclamei.
Conferi as noticias e a previsão do tempo e vi que null tinha razão.
– Tenho um documento importante para entregar na Sexta-feira e se essa nevasca acontecer meu chefe vai querer que eu entregue na Terça. Preciso ir terminá-lo.
- Enquanto a mamãe termina isso, por que não assistimos um filme natalino? – null sugeriu.
Sorri para ele, agradecendo-o por distrair as crianças e sabendo que elas ficavam em silêncio durante os filmes. Beijei as bochechas de null e null e lhe dei um selinho rápido antes de subir para o quarto, ansiosa para terminar logo o documento e poder aproveitar o resto do Domingo com minha família.
Diferente do que eu imaginava, ainda havia muito a ser feito. Tive que buscar alguns e-mails antigos com informações importantes para o documento e até ligar para alguns colegas para pedir opiniões e tirar algumas dúvidas.
As risadas no andar de baixo faziam com que eu ficasse com vontade de largar tudo aquilo e esquecer que precisava terminar aquilo, apenas por uma noite, mas eu sabia que não teria tempo para terminá-lo em outro momento já que andava tão ocupada quando ia para o escritório.
Foram quase 3 horas presa no quarto, lendo documentos e escrevendo sobre eles, sem parar nenhum segundo. Quando percebi que ele estava quase todo pronto e que podia me dar um descanso, coloquei tudo de lado e tomei um banho rápido antes de descer para encontrar null e as crianças.
- Oi, meus amores.
Sentei ao lado de null que jogava um jogo de estratégia que ele adorava no tablet do pai. null coloria um livro de princesas com a ajuda de null. Ela concentrada na Pequena Sereia e ele na princesa Aurora.
- Terminou? – null perguntou, interessado.
Suspirei. – Quase. Consigo finalizar amanhã no trabalho ou quando chegar em casa.
- Mãe, estou com fome. – null reclamou.
null se ofereceu para fazer o jantar, mas recusei e pedi que ele ficasse com as crianças enquanto eu preparava alguns sanduiches rápidos para todos nós.
Comemos na sala mesmo. null falava sobre o filme que haviam assistido, enquanto null divagava sobre princesas da Disney.
Como ainda estava cedo quando terminamos, eu e null deixamos que as crianças assistissem um pouco de tv antes de dormir enquanto lavávamos a louça do jantar.
- Prontos para ir pra cama? – null perguntou.
- Podemos ler livros antes de dormir? – null pediu.
- Claro que sim, meu amor.
Peguei null, já quase adormecida, em meu colo, enquanto null e null já subiam para escolher o livro que íamos ler. Troquei a roupa da minha caçula por um pijama de frio e fomos para meu quarto onde null e null já estavam na cama, ambos com roupas de dormir.
Sentei no meu lado da cama com null ainda em meu colo, seu coelhinho de pelúcia seguro em sua mão e suas pálpebras já pesadas. null começou a ler um dos livros favoritos de null com ele deitado ao seu lado, prestando atenção em suas palavras.
Em vinte minutos null e null já estavam em seus quartos, null já adormecida e null sonolento o suficiente para não reclamar por ter que ir para cama.
Como gostávamos de fazer nos Domingos à noite, null e eu descemos para assistir nossos seriados favoritos na sala de televisão.
- E ai, vamos começar com qual hoje? – null perguntou ligando a tv.
Pensei um pouco, lembrando que, por causa da turnê, estávamos atrasados em alguns seriados.
- Demolidor? Só faltam dois episódios para terminar a temporada.
Ele concordou silenciosamente e sentou ao meu lado, puxando-me para perto e fazendo com que eu deitasse minha cabeça em seu ombro.
Domingos como aquele me faziam acreditar que diversos momentos da vida podiam ser perfeitos se a gente soubesse esquecer um pouco as preocupações e aproveitá-los ao lado das pessoas que amamos.


Oitavo Capítulo

POV: null

Diferente do que a previsão do tempo dizia a nevasca não veio na Quarta-feira, ela havia esperado até a Quinta de madrugada para começar, mas então mostrou para que veio.
As escolas haviam cancelado as aulas e muitas empresas ficaram sem funcionários já que a neve constante interditava ruas e avenidas da cidade. Apesar disso, o dia havia amanhecido ensolarado, ajudando a derreter um pouco da imensa quantidade de neve que caíra durante a noite.
Já era começo da tarde e a vizinhança estava quieta. A maioria das pessoas não se atrevia a sair de casa. Em algumas casas era possível ver crianças brincando de guerra de neve no jardim, mas outras pareciam vazias.
Por nossa casa ficar no topo de uma montanha, quando a neve caia as crianças gostavam de ir até uma clareira ao lado de casa para deslizar na neve e brincar com o trenó que eu havia construído há alguns anos.
null carregava sua prancha debaixo do braço, enquanto null segurava minha mão e caminhava arrastando as botas na neve, deixando marcas que segundo ela ajudariam a mamãe a nos encontrar.
null havia voltado para casa rapidamente, apenas para pegar a máquina fotográfica que havia sido esquecida em cima da mesa. Ela gostava de registrar momentos, por menores que fossem, pois levava o ditado que diz que imagens que valem mais que mil palavras muito a sério.
- Papai, posso ir no trenó? – null pediu.
Por conta da neve alta, a caminhada dela se tornava mais lenta e difícil. Coloquei-a dentro do trenó e ela sorriu, segurando os lados de madeira do seu novo transporte. Quando voltei a caminhar notei que null ficou um pouco mais para trás, lado a lado com sua irmã enquanto ele contava mais uma vez a história de como aquele trenó fora construído quando ela ainda era uma bebê recém nascida.
Quando estava chegando na clareira ouvi uma risada alta de criança e logo reconheci Charlie e seus pais, Monica e James.
- Oi, pessoal. – Monica acenou quando nos viu chegar.
- Charlie! – null vibrou quando viu sua amiga.
Apesar de a pequena Charlie ser dois anos mais velha que a minha filha, as duas sempre de deram muito bem. Depois de tirar null do trenó ela correu para abraçar Charlie. O modo de null expressar que gosta mesmo de alguém é através de abraços. Se você receber um dela, então pode ter certeza que ela gosta muito de você.
- A null não veio? – Monica perguntou, ao notar a ausência da minha esposa.
- Ela teve que voltar para buscar a máquina fotográfica.
- null e suas fotos. – James brincou.
- Pai, posso escorregar na minha prancha? – null pediu.
- Claro, vai lá, campeão.
Eu, Monica e James ficamos em pé olhando as crianças brincarem.
Charlie e null brincavam no trenó, a mais velha puxando minha caçula pela neve. Quando chegou a hora de inverterem as posições null não se saiu muito bem, então Charlie desceu para ajuda-la a puxar o trenó vazio. Elas não pareceram se importar com isso, o que fez com que nós déssemos muitas risadas.
null sentava na prancha e descia pela montanha coberta de neve. Quando chegava ao pé da montanha ele gritava, me perguntando quanto tempo havia demorado para chegar lá.
Ouvimos um clique atrás de nós e null surgiu, máquina em mãos já tirando fotos de tudo.
- Um dia você precisa fazer uma exposição com todas essas fotos. – Monica sugeriu.
- Quem sabe um dia... – null concordou juntando-se a nós.
Enquanto ela fazia mais alguns cliques, nós conversávamos sobre a nevasca e as crianças. Os três nem pareciam se lembrar de que existiam quatro adultos ali já que brincavam como se não houvesse amanhã.
Quando a neve começou a cair com maior intensidade e o céu começou a ficar cinza, resolvemos que era hora de voltar para casa.
Monica e James aceitaram meu convite para tomar uma xícara de chocolate quente, enquanto as crianças brincavam dentro de casa ou assistiam um filme.
null e Charlie preferiram ficar brincando com algumas bonecas e null pediu para assistir um filme que estava há algum tempo gravado no aparelho de tv. Talvez por estar um pouco sozinho ele tenha desistido do filme na metade e preferiu ir para seu quarto ler uma história em quadrinhos.
O céu já estava escuro quando Monica, James e Charlie se despediram e voltaram para casa. null parecia cansada do dia de brincadeiras e null a levou para tomar um banho antes de colocá-la na cama.
- Pai, eu posso chamar o Ivan passar o dia aqui amanhã? – null perguntou.
Terminei de colocar as xicaras sujas na lava louça, enquanto pensava sobre o assunto. Ivan era um dos melhores amigos de null e eu conhecia os pais dele, então achei que era um pedido razoável.
- Precisamos ver se a nevasca vai continuar e se não haverá mesmo aula. Muitas ruas ainda estão com acesso difícil. Eu também precisaria ligar para os pais dele e ver se eles permitem.
- Podemos fazer isso amanhã de manhã bem cedo?
Ri de sua empolgação.
- Bem cedo, não. É falta de educação ligar para as pessoas muito cedo, mas acertaremos isso ainda pela manhã, tudo bem?
- Tá! – Respondeu já saindo da cozinha e subindo as escadas de volta para seu quarto.
Minutos depois fui até o andar de cima ver se null já tinha colocado null para dormir e null já havia vestido o pijama.
Pela porta entre aberta ouvi null cantando músicas aleatórias para nossa filha que, a julgar pela quietude, já havia adormecido ou estava muito perto de adormecer.
- Hora de vestir o pijama, campeão. – Comentei, entrando no quarto do meu primogênito.
null colocou o livro que estava lendo de lado e olhou o relógio digital na cabeceira de sua cama.
- Posso ficar lendo por mais alguns minutos? Estou quase acabando esse livro.
- Só mais vinte minutos, ok? Amanhã é sexta-feira e ainda não sabemos se a escola vai abrir ou não. Não quero que acorde cansado para ir pra aula.
Ele concordou prontamente, enquanto trocava de roupa rapidamente para poder voltar a ler seu livro. Eu sabia que as chances de ele ter aula no dia seguinte eram muito pequenas, já que a neve ainda caia do lado de fora, mas também sabia que apesar de parecer elétrico, ele estava cansado e precisava descansar.
Quando ele deitou novamente na cama, eu beijei sua cabeça e lhe desejei uma boa noite, lembrando-o de que ele só tinha mais vinte minutos de luz acesa.
Voltei para o meu quarto notando que null ainda estava com null no quarto e aproveitei para tomar um banho rápido e bem quente. Apesar de estar cansado, não sentia que estava com sono ainda e odiava ter que deitar sem sono.
Enquanto me secava e vestia uma calça de moletom ouvi os passos de null já no quarto.
- Amor?
- Oi. - respondi voltando para o quarto.
null estava sentada na cama com um livro na mão. Seu cabelo estava em um rabo de cavalo frouxo e ela vestia uma camisa antiga minha e uma calça de moletom igual a minha. Seus olhos pareciam cansados, mas ela tinha um pequeno sorriso nos lábios.
- null disse algo sobre chamar o Ivan para passar o dia aqui amanhã? - ela comentou em dúvida.
- É, ele me pediu, mas eu disse que teríamos que esperar até amanhã para ver se eles teriam aula e para ligar para a Karen e o Steve. - comentei, me referindo aos pais do Ivan.
- Recebi um e-mail há uns 5 minutos dizendo que amanhã não haverá aula novamente e que as aulas voltam ao normal na segunda-feira.
Dei de ombros. – Então amanhã ligo para eles.
null deitou na cama, puxando o edredom para cima de si e se encolhendo embaixo dele.
Chequei a temperatura do aquecedor, apenas para confirmar se estava adequado ao frio do lado de fora e depois deitei-me na cama ao seu lado. Apesar o abajur do lado dela na cama estava aceso já que ela tinha o livro aberto em suas mãos.
- Vem aqui - sussurrei, puxando-a pela cintura para mais perto de mim.
- Preciso terminar de ler esse livro - resmungou, se aconchegando mais perto de mim e suspirando audivelmente.
- Pode terminar, vou ficar quietinho - prometi.
Ela riu. – Não é por causa do barulho. É você, aqui tão pertinho de mim com esse cheiro de sabonete e esse hálito fresco em meu ouvido.
Ela suspirou mais uma vez e eu sorri antes de selar nossos lábios rapidamente.
- E se eu terminar de ler o livro pra você?
- Você vai comigo para o clube discutir sobre ele? – Ela perguntou, um pouco empolgada demais.
Há pouco menos de um ano null havia entrado para um clube do livro com algumas amigas dos tempos de faculdade. Ela sempre amara ler, mas por não ter ninguém com quem discutir os livros, ela terminava ficando um pouco frustrada. Quando recebeu a proposta para entrar no clube, não pensou duas vezes. Elas se reuniam duas vezes ao mês para discutir e recomendar livros. Ela dizia que aquela era sua válvula de escape.
- Não, bobinha. – Beijei a pontinha de seu nariz rapidamente e peguei o livro em sua mão. – Eu leio, você escuta.
A capa do livro era familiar pra mim, o que indicava que eu já havia visto null lendo ele antes. O titulo em letras garrafais dizia que ele se chama “A Menina Que Contava Histórias” e preciso confessar que até parecia interessante.
Faltavam poucas páginas para null terminá-lo, então respirei fundo e comecei a ler enquanto ela me abraçava pela cintura e descansava a cabeça em meu peito.

Olho para Leo e nego com um gesto de cabeça.

- Fim! - anunciei.
- Uhum - null balbuciou sem nem mesmo abrir os olhos. – Acho que vou pedir para você ler para mim mais vezes.
Beijei seus cabelos delicadamente e sorri.
- Quantas vezes você quiser.
Depois de fechar o livro e colocá-lo na mesinha ao lado da cama eu me deitei e abracei null.
- Esse final me surpreendeu um pouco. – Comentei.
Ela soltou um riso abafado.
- Você nem leu o resto do livro.
Dei de ombros. – Eu me apego fácil a personagens fictícios.
- É? Desde quando? – null levantou um pouco a cabeça para me olhar.
Não respondi sua pergunta. Apenas beijei sua testa e lhe desejei boa noite, apagando a luz do abajur ainda aceso.
Antes de fechar meus olhos, beijei suavemente os lábios de null porque até hoje ainda era esse beijo antes de dormir que fazia com que minha mente ficasse livre das preocupações e me dava esperanças de um dia seguinte sempre melhor que o anterior.


Nono Capítulo

POV: null

Encarei a tela do computador intensamente. Podia sentir as rugas se formando em minha testa a cada segundo que passava, meus olhos focados no documento em branco começavam a arder com a claridade. Suspirei impaciente. Por que aquilo estava sendo tão difícil?
Do lado de fora da janela a minha frente um carro vermelho passou em baixa velocidade, logo atrás dele um veículo branco com o motorista fumando pela janela aberta. Como era fácil me distrair. Coloquei meus dedos sobre o teclado, impacientes eles tocavam as letras, mas nada estava sendo escrito no documento que continuava em branco.
Soltei um grunhido frustrado e fechei o laptop com mais força do que pretendia. Coloquei os óculos de leitura em cima da mesa e cocei meus olhos cansados.
Há quatro dias meu chefe havia pedido um artigo sobre “a culpa da mãe”. Ele pediu que eu abordasse temas como o machismo, como a mãe é vista pela sociedade que na maior parte das vezes perdoa os pais e condena a mãe pelas atitudes das crianças. Eu sabia o que escrever, tinha tudo em minha cabeça, todos os tópicos que iria abordar no texto, mas na hora de passar para o papel, algo dentro de mim travava e eu acabava com o documento em branco. Saber que eu só tinha mais três dias para escrever e enviar para meu chefe me deixava irritada e ansiosa, o que me levava a ficar distraída durante o dia e com insônia durante a noite.
Caminhei pelo meu escritório silencioso, observando os livros cuidadosamente arrumados na estante. Alguns eram de ficção, outros eram biografias e muitos com o tema maternidade. Escolhi um dos meus favoritos, escrito por uma mãe de quatro filhos e descrevia os vários estágios da maternidade. Era um dos poucos livros com fotos, e eu gostava de observá-las.
Peguei o celular em meu bolso e escolhi uma playlist de músicas acústicas para ouvir enquanto folheava o livro distraidamente. Algumas fotos me faziam lembrar minha própria família. Passeios em parques, aventuras no jardim de casa, fotos em que tudo parecia estar acontecendo ao mesmo tempo; uma criança chorando, outra gargalhando enquanto duas brigam no fundo. Aquela foto em particular sempre me fazia sorrir. Ela era real demais para todas as mães, impossível não se identificar.
O som de uma nova mensagem no celular fez com que meus pensamentos se dispersassem rapidamente. Peguei o aparelho e vi uma nova mensagem de null na tela, uma confirmação do nosso almoço em um dos meus restaurantes favoritos. Depois de digitar uma resposta rápida, resolvi que estava na hora de ir tomar banho e começar a me arrumar para esse almoço. Era apenas um encontro casual, mas resolvi que precisava de um bom banho de banheira naquele momento para relaxar meu corpo e minha mente.
Ao meio dia em ponto eu estava pronta, sentada no sofá da sala esperando null me buscar para irmos almoçar. Eu estava fazendo anotações rápidas no bloco de notas do celular, ideias que surgiram durante o relaxante banho de banheira e que talvez fossem úteis para o meu artigo. Anotar ideias no celular já era parte de minha rotina. Mesmo que elas não fossem boas, sempre achei que valia a pena estudá-las com mais calma depois e avaliar se realmente não poderia tirar bom proveito delas. Uma buzina do lado de fora me avisou que null havia chegado.
Durante o trajeto até o restaurante conversamos sobre amenidades. Planos para o resto da semana e a reunião de pais e professores que a escola de null havia convocado na semana passada e aconteceria no final daquela tarde.
- Acho importante irmos, mesmo que insistam em tratar os mesmos assuntos de sempre. - comentei, após null afirmar que as reuniões são sempre as mesmas. - Além disso, assuntos como bullying devem mesmo ser repetidos incessantemente, especialmente hoje em dia.
- Acha que null já sofreu bullying? - ele me olhou rapidamente antes de voltar sua atenção ao trânsito.
Pensei por alguns segundos, mesmo que já estivesse certa sobre a minha resposta.
- Provavelmente sim. Os motivos para o bullying hoje em dia são tantos. Quando eu era mais nova lembro-me que as crianças que mais sofriam bullying eram as que estavam acima do peso ou que usavam óculos. Motivos bobos, mas esses eram os alvos mais fáceis.
null balançou a cabeça negativamente.
- Por que acha que ele já sofreu então? Ele está dentro do peso ideal para a idade e não usa óculos.
- Esses eram os motivos de antigamente. Aliás, acredito que ainda sejam hoje em dia, mas null é filho de uma pessoa pública, o que tecnicamente o torna um alvo fácil. Se duvidar a chacota nem é sobre ele, e sim sobre você, mas como qualquer outra criança de sua idade, ele toma as dores para si.
Observei sua reação com o meu comentário e pelo seu rosto retorcido percebi que não gostou nada da minha teoria. Apesar de não ter dito mais nada, era notável que aquilo o incomodou e que ainda iríamos falar mais sobre aquilo em outras oportunidades, talvez quando null estivesse presente.
O almoço com null e null foi sereno. Entre muitas risadas e conversas triviais, o casamento era o assunto que sempre acabávamos voltando. Faltando apenas poucos meses para o grande dia, ambos pareciam ansiosos e contentes com o andamento das preparações.
Minha melhor amiga não sabia, mas seu futuro marido estava fazendo aulas de dança para surpreendê-la no grande dia. Os passos de dança de null sempre haviam arrancado boas gargalhadas de todos ao seu redor, e ele havia decidido que não queria parecer um tolo na frente de sua família e da família de null. Eu não sabia por quanto tempo ele conseguiria esconder aquele segredo, já que ele sempre fora o menos sigiloso do grupo, aquele que sempre revelava os segredos, dele e dos outros, sem nem perceber o que havia falado.
Quando nos despedimos dos nossos amigos ainda tínhamos pouco mais de uma hora até a reunião na escola de null. No caminho até lá passamos para pegar null na escolinha. - ela havia retornado há pouco tempo. Com a preocupação dos últimos meses em relação a apendicite, sua frequência nas aulas eram baixas, mas as professoras me garantiram que ficariam de olho nela o tempo inteiro e que qualquer sinal de que algo estivesse errado com ela ligariam para mim ou para null.
null sentia falta das aulas, ela deixava isso claro quando perguntava de suas amiguinhas e das professoras. As sessões de música e brincadeiras ao ar livre que a escola oferecia não tinha tanta graça quando era apenas ela em casa sozinha, mesmo que eu e Val a acompanhássemos em suas aventuras.
No caminho até o carro, onde null nos esperava do lado de fora da escola, notei que null cantarolava uma música conhecida enquanto se agarrava calorosamente a uma boneca de pano colorida.
- O que está cantando, meu amor? - perguntei, curiosa.
- Papai. - respondeu com um sorriso.
- Está cantando uma música para o seu pai?
null negou, balançando a cabeça e voltou a cantar a música. Finalmente me atentei para a melodia cantada e sorri.
- Está cantando uma música da banda do papai?
- Mcfly! - ela falou alegremente. - Pró Tatá colocou Mcfly!
“Pró Tatá” era como ela se referia a uma de suas professoras, Tatiana. Ela era a responsável pelas sessões de músicas. Com seu violão e sua voz melodiosa, era fácil prender a atenção das crianças com as mais diversas músicas.
Após colocá-la em sua cadeirinha no banco de trás do carro, acenei para o segurança na porta da escola e sentei-me novamente ao lado de null, que já estava com sua atenção voltada para a filha.
- Adivinha quem cantou música do papai hoje com a Pró Tatá? - brinquei, olhando para null enquanto null começava a dirigir em direção a escola de null.
- ´Cause OBVIOUSLY, - null gritou a única parte da música que ela cantava certo. Sem saber direito a letra da música ainda ela enrolava o resto no ritmo da música, o que era ao mesmo tempo engraçado e adorável.
Como esperado, a reunião de pais e professores tratou de assuntos como disciplina, motivação, dinâmicas, relação entre os alunos e professores e, claro, bullying. Nos últimos anos a escola havia voltado boa parte de seus esforços para combater essa prática entre os alunos. Ainda havia casos, claro, null constantemente chegava com uma história nova sobre bullying entre alunos e até com professores, mas era claro que o bullying havia diminuído e a punição para os que ainda o praticavam, ficava cada vez mais severa.
Já no carro a caminho de casa, eu e null conversamos com null sobre o que havia sido dito na reunião. null, que havia assumido uma feição muito séria, questionou null sobre bullying e se ele já havia sido vitima.
- Poucas vezes. - ele confessou, parecendo pouco confortável com a conversa.
- O que te disseram? - perguntei, virando-me para olhá-lo e recebendo seu olhar constrangido em retorno.
- Nada demais, - tentou desconversar, mas depois de um suspiro continuou. - alguns garotos dizem que a banda do papai é ruim, mas eu não ligo.
- O que você diz para eles? - null questionou, um tom de voz irritado.
Toquei seu braço gentilmente e lhe ofereci um olhar sereno. Ele respirou fundo algumas vezes e me olhou, seu rosto agora mais calmo.
null deu de ombros, sem demonstrar ter notado a irritação do pai.
- Não digo nada, prefiro ignorar.
- Fico feliz que você lide com o bullying de forma tão madura, filho. A melhor coisa é realmente ignorar esses garotos e mostrar que as palavras bobas deles não atingem você.
null finalizou o assunto dizendo que estava orgulhoso do filho e lembrando o que a diretora da escola havia dito sobre o bullying dizer mais sobre a pessoa que pratica do que a vítima.

Lá estava eu novamente em frente ao computador. Depois de um jantar pacífico e agora com as crianças já na cama, meus pensamentos estavam novamente focados no artigo ainda em branco na tela do computador.
- Quero falar sobre o machismo na criação das crianças. - revelei para null, que estava deitado na cama mexendo no celular. - Quero abordar assuntos que ainda incomodam quando se trata da formação dos filhos.
- Acha que sou machista na criação dos nossos filhos? - ele perguntou genuinamente interessado.
- Acho que muitos de nós ainda somos machistas e nem percebemos. Quando vemos uma criança de comportando mal em público imediatamente julgamos a mãe, mas quando é o pai que está com a criança logo perguntamos onde está a mãe e por que aquele pai está lidando com aquilo sozinho.
- Tenho medo de ser injusto com a null por ela ser mulher e acabar educando-a de forma diferente do null. - revelou.
- Vou educá-la para que perceba isso e puxe sua orelha caso faça alguma injustiça com ela, prometo.
Quando null voltou sua atenção ao celular novamente eu comecei a digitar algumas ideias no arquivo. Não foi fácil abordar assunto ainda tão polêmicos, mas fiz o melhor que pude.
Na manhã do último dia de prazo que meu chefe havia me dado para escrever o artigo, enviei o documento para seu e-mail sentindo-me satisfeita com meu trabalho e a sensação de dever cumprido me preenchendo de serenidade.

Até aqui betado por That


Décimo Capítulo

Festas infantis são sempre eventos agradáveis, certo? A resposta é sim, contanto que você não tenha filhos. Lembro-me do quanto costumava gostar dessas festinhas cheias de comidas gostosas e amigos e família ao redor para socializar. Não que eu tenha parado de gostar, mas o foco mudou e agora passo uma boa parte da festa me preocupando com meus filhos que correm de um lado para outro com os amigos.
A festa de aniversário de Megan, filha de null e Ash, estava impecável. Tudo que as crianças poderiam querer em uma festa infantil. Vez ou outra null vinha até mim para pedir algo ou reclamar algo de algum amiguinho que pudesse estar fazendo algo que ele considera errado ou até provocando outros. null ainda passava uma boa parte dessas festas comigo ou com null e quando via algo que a interessava nos fazia ir até lá com ela.
Observei null ir até o carrinho de cachorro quente pela terceira vez e lhe lancei um olhar de repreensão. Ele estava em uma fase um tanto gulosa da vida. Apesar de também estar se exercitando mais do que antes, não queria que sua dieta normal fugisse muito do controle. Observei-o correr até mim com o cachorro quente em mãos e sussurrar em meu ouvido a promessa de que aquele era o último.
Senti uma mão em meu ombro e me virei encontrando null com null em seu colo. Ela chupava um pirulito grande demais para caber em sua boca e suas bochechas estavam manchadas com o corante do doce. Em seu rosto um sorriso grande anunciava sua satisfação com o mimo que o pai havia lhe dado.
A conversa em nossa mesa fluía facilmente. null e null conversavam sobre uma partida de futebol que havia acontecido há poucas horas enquanto nós, mulheres, falávamos sobre um clipe de música polêmico que havia sido lançado recentemente. Ao meu lado null conversava com null sobre a decoração da festa, perguntando-a sobre os personagens que ela conhecia e seus nomes. null amava o desenho animado representado na festa e não parava de cantar as músicas e falar sobre certos episódios que ela já tinha assistido tantas vezes que sabia de trás pra frente o que acontecia.
null contava algo sobre um artigo que havia lido recentemente quando ouvi um choro familiar vindo de um dos brinquedos atrás de onde estávamos. Levantei-me e caminhei apressadamente para onde algumas crianças observavam uma outra no chão, com um joelho encolhido e, a julgar pelo choro, sentindo muita dor.
Ajudei null a se levantar do chão enquanto ele chorava e soltava resmungos de dor. Peguei-o no colo desajeitadamente já que pesando 23 quilos aquela não era uma tarefa fácil. null rapidamente escondeu o rosto em meu pescoço e eu senti suas lágrimas em minha pele. null apareceu atrás de mim e abraçou nosso filho, beijando seus cabelos bagunçados.
“Está tudo bem, meu amor,” confortei-o. “Onde está doendo?”
null soluçou algumas vezes antes de apontar para o joelho.
Sentei em uma cadeira e o ajeitei para que pudesse ver seu joelho que estava um pouco vermelho. null tocou com cuidado o machucado e null choramingou. null apareceu com um saco de gelo e só então percebi que todos na mesa nos olhavam com preocupação. null, que agora estava no colo de null, observava o irmão, seu pirulito deixado de lado.
“Mamãe vai colocar gelo no machucado, tá bom?” Sussurrei no ouvido de null e ele concordou, seu rosto ainda escondido em meu pescoço.
Era difícil lembrar a ultima vez que null havia chorado. Mesmo quando mais novo ele nunca fora de abrir o berreiro por qualquer coisa. Muitas vezes ele se mostrava chateado e fechava a cara ou então fazia um bico e, mesmo com seus olhos cheios de lágrimas, dificilmente ele chorava muito.
Quando o gelo tocou sua pele ele se contraiu e choramingou, mas o choro havia cessado. null tocou seu rosto, enxugando as lágrimas que manchavam suas bochechas rosadas e o ofereceu uma bala que estava em cima da mesa. null pegou o doce, mas não abriu, apenas o segurou em sua mão.
null desceu do colo de null e caminhou até mim. Com um pouco de dificuldade e na ponta do pé ela abraçou o irmão pela cintura, encostando o rosto em suas costas.
“Está tudo bem, null.”
Houve uma pequena comoção na mesa, todos adorando a demonstração de carinho.
null colocou null em seu colo e aproximou sua cadeira da minha, fazendo com que nossos filhos ficassem mais próximos. null virou o rosto e encarou null que lhe ofereceu seu pirulito – babado. null riu e balançou a cabeça, indicando que não queria o doce.
Pouco menos de dez minutos depois nada parecia ter acontecido. null desceu do meu colo quando seu amigo veio perguntar se ele queria jogar vídeo game e eu beijei sua bochecha avisando-o para ter cuidado.

Depois de cantar o parabéns muitas crianças pareciam começar a dar sinais de cansaço. Algumas se preparavam para ir embora enquanto outras já estavam adormecidas nos colos dos pais. Claro que esse não era o caso dos meus filhos. null brincava com os amigos enquanto null se divertia na piscina de bolinhas com a filha de um casal amigo de Ash.
Aos poucos o grande jardim da casa foi esvaziando, o barulho de conversas e crianças gritando cessando pouco depois de o sol sumir completamente no horizonte. O frio, antes suportável, começava a se intensificar. Rapidamente ajudamos os pais da aniversariante a arrumar a bagunça que se formara no jardim e corremos para dentro em busca de abrigo na sala devidamente aquecida.
Sentamos no sofá e almofadas e null rapidamente apareceu com dois violões. null se encontrava adormecida em uma poltrona, e null e Megan se divertiam com os presentes que a aniversariante havia ganhado.
Não levou muito tempo para que estivéssemos todos com taças de vinho nas mãos e fazendo uma de nossas sessões de música. Os gêneros eram os mais variados, desde clássicas baladas românticas de grandes nomes da música nos anos 80 e 90 até músicas emo e de metal. A risada era certa quando esquecíamos algumas letras e praticamente inventávamos novas músicas.
Em um determinado momento, quando os violões já eram tocados apenas distraidamente e a conversa paralela tomava conta da sala, null apontou para a mesa onde as taças de vinho se encontravam e olhou para Ash.
“Por que não está tomando vinho com a gente? Você ama esse tinto francês.”
Ash pareceu um pouco surpresa pela pergunta e olhou para null.
“Ai, meu Deus!” null gritou, já se levantando.
Olhei para Kira, que também parecia não entender a situação, mas um segundo depois, ao mesmo tempo em que null se levantava, compreendemos o que estava acontecendo.
“Em pouco menos de sete meses teremos um Shane ou uma Gabriella saindo do forno!” Megan confessou, seu rosto se iluminando enquanto null tocava sua barriga.
“Ainda estamos com 10 semanas,” null explicou. “Estávamos esperando essa fase mais arriscada passar para contar.”
Brindamos a novidade e comemoramos com mais vinho e com o bolo do aniversário que todos pareceram querer experimentar repentinamente. Era o perfeito final de noite para um dia que havia sido cheio de risadas e comemorações.


Décimo Primeiro Capítulo

Fevereiro começou um pouco atípico. Com temperaturas mais elevadas que os 9 graus de máxima para a época quase era possível sair de casa sem um casaco mais grosso. Quase.
Fechei o zíper da jaqueta de null e a removi da cadeirinha, colocando-a no chão ao lado do carro. Ela segurou minha mãe com firmeza e esperou enquanto eu pegava minha bolsa e trancava o carro.
“Cadê o papai?” Perguntou, curiosa.
“Ele vai chegar mais tarde. Está em uma reunião com o tio null.” Respondi caminhando pelo estacionamento em direção a escola de null.
O dia de sua grande apresentação finalmente havia chegado. Durante semanas a única coisa que ele conseguia falar era sobre essa peça, mas nunca nos deixava assistir os ensaios ou nos contava muito sobre ela. Sabíamos apenas que seu papel era importante e ele estava se dedicando ao máximo.
A escola estava cheia de alunos e pais. Muitas séries e turmas também iriam se apresentar no mesmo dia, alguns em horários mais cedo, outros mais tarde. Minha tentativa de encontrar null naquele mar de crianças correndo e ensaiando nos corredores foi frustrada. Aquilo seria uma tarefa quase impossível.
Segui com null, que ainda segurava minha mão e olhava ao redor curiosa com toda a movimentação, para o auditório e na porta informei o meu nome e a série do null para uma moça cujo crachá me dizia que se chamava Cinthia. Após conferir uma lista, Cinthia me indicou a fileira em que os pais dos alunos da mesma série que meu filho iriam se sentar. Apesar de ter reservado uma cadeira para null, ela preferiu sentar em meu colo abraçada com seu elefantinho de pelúcia que havia ganhado alguns dias antes.
Enquanto esperávamos resolvi checar meus e-mails no celular. Não tinha a intenção de responder nenhum, mas acabei escrevendo algumas respostas rápidas e que não necessitavam de muita atenção. Alguns rostos familiares de pais de colegas de null sentaram por perto, alguns conversavam um pouco e brincavam com null, outros apenas cumprimentavam com um rápido aceno.
O auditório já estava cheio e a nossa fileira de cadeiras quase completas quando vi null se aproximar usando um terno azul escuro e uma camisa social preta com os últimos botões abertos. Aquela era uma das minhas combinações favoritas, então não pude deixar de sorrir ao vê-lo vestido assim.
“Olá,” ele sorriu, beijando meus lábios rapidamente. “Como está a minha princesa?”
null sorriu com a menção do seu apelido favorito e mostrou o elefante rosa que estava em seus braços.
“A Fante também é uma princesa?” indagou de forma curiosa se referindo a pelúcia.
“Claro que sim,” null respondeu prontamente.
null. Como vai?” Rafael, o pai de um dos melhores amigos de null parou ao lado de meu marido para cumprimentá-lo e os dois rapidamente engataram uma conversa.
null, ainda em meu colo, pediu para eu tirar algumas fotos nossas com filtros fofinhos e eu prontamente fiz algumas selfies enquanto ela se divertia fazendo caras e bocas para a câmera do celular.
Um sinal soou pelo auditório anunciando que em 5 minutos começaria a peça e todos sentaram rapidamente em seus lugares, ansiosos para verem seus filhos se apresentarem. Eu mal podia esperar para ver a performance de null. Ele sempre fora bom na atuação e em suas ultimas apresentações ela vinha evoluindo bastante. Com seu carisma e seu humor ágil ele acabava sendo muito elogiado por seus professores e outros pais de alunos.
No decorrer da peça pudemos ver que as muitas horas de ensaio e dedicação da turma havia valido a pena. Rimos e nos emocionamos junto com as crianças no placo. Os poucos erros e desacertos foram ofuscados pelo ótimo trabalho das crianças e também dos professores que com certeza foram muito importantes nos bastidores.
Para minha surpresa, e com certeza de null também, no final da peça um número musical, liderado por null e sua colega, Charlie, foi apresentado. Se eu disser que sabia o quão melodiosa a voz do meu filho era, estaria mentindo. Apesar de ouvir música o tempo todo, ele nunca fora de cantar, especialmente alto o suficiente para que percebêssemos sua afinação.
Quando as cortinas se fecharam os merecidos aplausos tomaram conta do auditório. Aplaudimos ainda mais quando a turma voltou para uma ultima reverencia. Não demorou para que as crianças começassem a descer do palco e irem ao encontro de suas famílias.
Assim que avistei null corri ao seu encontro e lhe envolvi em um abraço de mãe-ursa. Eu não tinha palavras para demonstrar o quão orgulhosa estava dele e talvez por isso em meio ao abraço senti algumas lagrimas escaparem de meus olhos.
“Você foi maravilhoso, meu amor!” Dei um beijo em sua bochecha e ele sorriu.
“Mesmo?”
“Está brincando?” null apareceu atrás de mim. “Aquilo foi incrível, cara.”
Após ser abraçado por todos nós – e resmungar por estarmos o envergonhando na frente dos colegas – null cumprimentou alguns amigos. Conversamos com alguns outros pais de seus colegas e comemoramos o sucesso da apresentação de nossos filhos. Estávamos todos muito animados e orgulhosos enviando vídeos e fotos no grupo de mensagens dos pais.
O jantar de comemoração seria em uma pizzaria famosa cuja dona era a mãe de dois colegas de null. Ela havia reservado um de seus restaurantes e convidado a turma e os pais para celebrar o sucesso da apresentação com uma rodada de pizza para todos.
Muitas horas – e pedaços de pizza – depois, chegamos em casa com null ainda elétrico. Suas histórias sobre os ensaios e bastidores da peça pareciam não ter fim e ele contava cada uma delas nos mínimos detalhes e com a mesma animação. Eu sabia que ele não iria dormir tão cedo, especialmente se continuasse com essa agitação, então pedi que ele tomasse um banho e escolhesse um filme para assistirmos.
null se ofereceu para dar banho em null e eu agradeci e aproveitei para também tomar um e relaxar. No dia seguinte seria a consulta de null e saberíamos se ela já poderia fazer a cirurgia de remoção do apêndice.
Durante o filme – null havia escolhido Big Hero 6, um de seus favoritos – null sentou-se em meu colo e encostou a cabeça em meu ombro. Não demorou muito para que ela adormecesse, seus braços ao redor do elefante de pelúcia assim como os meus a abraçavam em uma tentativa de mantê-la segura de todos os perigos que a vida pudesse lhe trazer.
“Vou coloca-la na cama.”
null concordou e beijou a bochecha de null.
Mesmo depois de colocar minha filha na cama, a mantive em meus braços. Todas as memórias dos últimos meses, suas reclamações de dores na barriga, febres e enjoos me deixavam ansiosa para que aquele pesadelo acabasse logo.
Não saberia dizer que horas eram quando null me acordou e me dei conta de que ainda estava na cama de null em ela em meus braços. Deixei que ele me conduzisse até o nosso quarto e me colocasse na cama como se eu fosse uma criança. Quando ele se deitou ao meu lado e me abraçou eu suspirei, ainda sentindo aquele peso em minhas costas e a ansiedade embrulhar meu estomago.
“Você está tensa,” ele comentou levando suas mãos aos meus ombros.
“Estou preocupada com a consulta de amanhã. Não vejo a hora disso tudo acabar.”
Ele suspirou e beijou minha têmpora antes de me abraçar ainda mais apertado.
“Vai acabar logo,” sussurrou.

Na manhã seguinte Dr. Brown comunicou que a cirurgia já poderia ser marcada e para o mais breve possível. Depois de nos explicar todo o procedimento – uma cirurgia por laparoscopia com duração de 30 à 60 minutos – e o tempo de recuperação – tempo suficiente para ela curtir o casamento de null e null – agradecemos e saímos do consultório certos de que essa fase de nossas vidas estava prestes a se encerrar e podíamos relaxar e ter nossa princesa sempre alegre e sorridente de volta.


Décimo Segundo Capítulo

As paredes brancas do hospital já eram tão familiares que não me enchiam mais de agonia. Apesar de estar nervosa pela cirurgia de null, o alivio que eu sentia por esse dia finalmente ter chegado fazia com que qualquer sentimento ruim fosse esquecido dentro de mim.
Havíamos chegado bem cedo ao hospital, até mais do que o médico havia pedido. A noite pareceu se arrastar, as horas se perdiam em meio a insônia e tentativas frustradas de dormir um pouco. Se consegui realmente apagar por pelo menos duas horas já foi muito. Por mais que tentasse não conseguia desligar a minha mente e a ansiedade incomodava meu estômago.
null estava deitada na cama já com a roupa do hospital e pronta para a cirurgia. null estava no pequeno sofá com um livro no colo que ele parecia agitado demais para abrir e ler. null digitava algo no celular enquanto olhava atentamente para a tela, uma de suas mãos segurava a mãozinha de null. Observei a manhã escura pela janela enquanto ouvia atentamente o barulho no corredor do lado de fora do quarto. Ainda sentia meu estomago reclamar do copo de suco que me obriguei a beber antes de sair de casa, se eu conseguisse não colocá-lo para fora até a hora de null subir para a sala de cirurgia já seria uma grande vitória.
Uma enfermeira entrou no quarto e nos avisou que o Dr. Brown logo estaria conosco para falar sobre a cirurgia. Ele já havia explicado na última consulta o que iria acontecer durante a cirurgia, mas agora provavelmente iria falar sobre o pós-operatório.
Não demorou muito para que ele entrasse no quarto, seu sorriso calmo no rosto jovial.
- Bom dia, família null. Como estão?
Sua voz era grave e seu tom sempre sereno como sua feição.
- Bastante ansiosos. – null respondeu antes que eu o fizesse.
Ofereci um sorriso que provavelmente foi um pouco amarelo e menos confiante do que eu gostaria.
Dr. Brown foi até null e conversou rapidamente com ela, acalmando-a e fazendo uma breve explicação sobre o que aconteceria na cirurgia, claro que ele usou um discurso lúdico e fez null sorrir mais tranquila.
Quando ele pegou uma cadeira e pediu que eu e null sentássemos no sofá, pedi para que meu filho sentasse na cama com a irmã e mostrasse o livro para ela, apenas para distraí-la.
Com calma Dr. Brown explicou novamente o processo da cirurgia, desde a duração até as incisões e depois falou sobre o pós-operatório e os cuidados que iriamos ter com null. Medicação, dieta, restrição de certos movimentos e, muito importante, as consultas de acompanhamento. Ele também nos alertou sobre sintomas que não são boas indicações pós-cirurgia e que, apesar de não acontecerem com frequência, não podia deixar de falar sobre eles.
Quando ele se retirou do quarto avisando que os enfermeiros em breve viriam buscar null soltei um suspiro carregado de aflição. null passou as mãos por meus braços e beijou minha têmpora, sussurrando que tudo ficaria bem.
- Onde apertamos para adiantar esse dia logo? – Comentei observando meus filhos abraçados na cama. - Não vejo a hora de sair desse hospital e não precisar voltar tão cedo.
- Eu sei.
null me puxou para mais perto e eu deitei minha cabeça em seu ombro. Ele beijou a palma da minha mão antes de depositá-la em seu peito com a sua por cima. Seu calor era reconfortante e sua respiração calma era quase uma canção de ninar.
Meus olhos já estavam pesados quando ouvi o enfermeiro que já havia atendido null naquele mesmo hospital entrar brincando com minha filha e fazendo-a rir.
- Vamos levá-la para um passeio de elevador e depois você vai dormir um pouco enquanto o Dr. Brown vai deixar você melhor em um passe de mágica. – Hans, o enfermeiro, brincou.
- Mamãe também vai? – null me olhou estendendo a mão.
Levantei do sofá e abracei minha bebê tentando tranquiliza-la.
- A mamãe não pode ir, princesa, mas o enfermeiro Hans e a enfermeira Judy estarão lá com você o tempo todo.
- Mas eu quero ir com você. – ela choramingou antes de começar a chorar com o rosto em meu ombro.
Pedi um minuto ao enfermeiro que assentiu prontamente e peguei null no colo sussurrando palavras de conforto em seu ouvido. null me abraçou, deixando nossa filha entre nós dois e também falando algumas coisas em seu ouvido que a acalmaram aos poucos. Ficamos daquele jeito até ela se acalmar e o choro cessar.
Foi difícil vê-la sair do quarto para a cirurgia e não pude evitar algumas lágrimas que escorreram por meu rosto.
- Vai demorar muito? – null perguntou me abraçando pela cintura.
Limpei rapidamente as lágrimas e balancei a cabeça negando. Logo logo nossa princesa estaria de volta.

**

Um choro no corredor roubou minha atenção antes focada no livro em minhas mãos. Levantei-me correndo e null me acompanhou. Estávamos sozinhos no quarto já que null havia ido passar algumas horas com null e null para que não ficasse muito entediado esperando null descer novamente para o quarto.
- É ela. – comentei indo até a porta.
Antes que eu alcançasse a maçaneta ela se abriu e o choro de minha filha preencheu o silencio do quarto.
- Estou aqui, meu amor. Mamãe está aqui. Está tudo bem.
Segurei sua mão e acompanhei enquanto a enfermeira a colocava de volta na cama do quarto. Suas bochechas estavam bem rosa e molhadas por causa das lágrimas.
- Ela acordou agora há pouco. Foi tudo bem na cirurgia. Assim que possível o Dr. Brown passará aqui.
Concordei antes que a enfermeira se retirasse e sentei na beirada da cama puxando null com muito cuidado para mais perto de mim.
- Ei, princesa, já passou. Estou muito orgulhoso de você. – null comentou com um sorriso.
null agora tinha um bico adorável nos lábios e seus olhos ainda estavam cheios de lágrimas, mas o choro havia se transformado apenas em um choramingo.
Ficamos um tempo conversando com ela, mas por causa da anestesia ela ainda estava um pouco sonolenta e não demorou muito para pegar no sono novamente. Continuei a abraçando enquanto seu corpo ia ficando mais relaxado e sua respiração acalmava.
Soltei um suspiro aliviado e null me olhou com um sorriso no rosto.
- O pesadelo acabou.
Sorri de volta e concordei. Ele veio até o meu lado e me deu um selinho antes de beijar a ponta do meu nariz e encostar sua testa na minha.
- Mal posso esperar para leva-la de volta para casa. – ele comentou.
null sentou na poltrona ao lado da cama e segurou minha mão livre entrelaçando nossos dedos. Ficamos em silêncio no quarto. Era possível ouvir todos os barulhos do lado de fora do quarto. No corredor do hospital passos apressados, vozes, telefones tocando. Do lado de fora da janela os pássaros cantavam, carros aceleravam, alarmes eram disparados. Mas ali dentro do quarto a paz e a calma eram as únicas coisas que predominavam.
Vários minutos se passaram até que null abriu a porta com cuidado e colocou apenas a cabeça para dentro do quarto. Ao ver a irmã na cama ele sorriu.
- Ela está bem?
- Está ótima. – null afirmou chamando-o para se sentar em seu colo.
- Tia null e tio null estão ai fora, não sabiam se podiam entrar.
Levantei-me com cuidado para não acordar null e fui até o lado de fora onde meus amigos aguardavam ansiosos.
null me recebeu com um abraço reconfortante e null beijou minha testa com carinho.
- Como ela está? Foi tudo bem?
- Sim, tudo ocorreu bem. O médico ainda não veio conversar depois da cirurgia, mas a enfermeira afirmou que foi um sucesso. Ela chegou acordada, mas logo depois caiu no sono.
Ao dizer isso ouvi a risada de null dentro do quarto.
- Acho que agora acordou. – Rimos.
Pedi para que meus amigos entrassem no quarto para vê-la enquanto ia procurar alguma enfermeira.
Antes que eu pudesse chegar até a recepção no final do corredor Hans, o enfermeiro que acompanhou null até a sala de cirurgia saiu de um dos quartos.
- Sra. null, posso ajuda-la em alguma coisa?
Balancei a cabeça concordando, mas sabendo que estava apenas ansiosa para encontrar logo Dr. Brown.
- Só queria saber quando o médico poderá vir até o quarto.
- Ah, claro. Ele entrou em outra cirurgia logo após a de null. Acredito que não vá demorar muito e assim que encontra-lo peço que vá até lá.
- Obrigada, Hans.

Quando Dr. Brown finalmente entrou no quarto null e null já haviam ido embora. null estava no sofá lendo o livro que havia trazido, null e eu conversávamos sobre os planos para quando voltássemos para casa. Ele nos tranquilizou mais uma vez confirmando que a cirurgia havia sido um sucesso as pequenas incisões no abdômen de null virariam pequenas cicatrizes e depois provavelmente nem seriam mais visíveis.
- Ela poderá ter alta assim que conseguir ingerir alimentos sólidos, o que não deve demorar muito.
E de fato ele estava certo. No final da manhã seguinte null conseguiu comer alguns pedaços de frutas e não reclamou de nenhuma dor. No final da tarde já estávamos em casa preparando muitos mimos para ter certeza de que a nossa princesa teria uma recuperação rápida e sem problemas. Até mesmo null insistiu para ficar do lado da irmã o tempo todo e ler livros para ela toda noite. Recebemos visitas de amigos e familiares ao longo dos dois dias que se seguiram e null não poderia ficar mais feliz com todos os presentes que recebeu para que se recuperasse logo.


Décimo Terceiro Capítulo

Estávamos no carro a caminho de Brighton. Era uma Sexta-feira fria, mas muito ensolarada. O céu estava incrivelmente limpo, muito poucas nuvens manchavam o tom azul real que nos permitia apreciar uma incrível paisagem durante o caminho.
A viagem até a cidade ao sul do país durava aproximadamente uma hora e meia e, apesar de já termos ido até lá diversas vezes, Brighton era um lugar que eu nunca cansava de visitar. Já tinha comentado com null algumas vezes sobre a minha vontade de morar lá, mas no momento era inviável para nós dois, além do mais as crianças amavam suas escolas e seus amigos.
- Já estamos quase chegando. – null anunciou.
null olhava pela janela, animado. Os fones de ouvido plugados no celular estavam em uma altura que nos permitia conversar durante o caminho. null estava em sua cadeirinha e dormia tranquilamente. No começo da viagem eu havia deixado que ela assistisse um desenho em meu celular, mas ela sempre acabava pegando no sono em algum momento da viagem.
Uma semana já havia se passado desde a cirurgia e null estava se recuperando muito bem. No dia anterior a levamos para uma consulta de acompanhamento e Dr. Brown a elogiou por seguir todas as instruções sem reclamar.
- Será que vamos ver esquilos novamente? – null perguntou animado.
Da última vez que fizemos um piquenique no Parque Preston muitos esquilos vieram até nós por causa das comidas e as crianças se divertiram tentando correr atrás dos bichinhos.
Acordei null quando null terminou de estacionar o carro e ela abriu os olhos se espreguiçando antes de olhar ao redor para tentar se localizar.
- Chegamos, meu amor. – Anunciei tirando-a da cadeirinha.
- Vamos ver esquilos, null! – null segurou a mão da irmã observando-a sorrir com a noticia dos esquilos.
- null e Kira já chegaram também. – null comentou enquanto caminhávamos pelas ruas movimentadas.
Havíamos combinado de nos encontrar no parque. Kira estava tomando conta do sobrinho, Freddy, que tinha a mesma idade de null. Os dois já havia se encontrado algumas vezes e em nessas ocasiões se deram muito bem e brincaram bastante.
Antes de seguir para o parque paramos em um mercadinho no meio de caminho para comprar algumas coisas para nosso piquenique. Por coincidência, quando estávamos escolhendo alguns queijos avistamos null, Kira e Freddy também comprando algumas coisas.
- E aí, nulls? – null cumprimentou animado.
null abraçou as pernas dele e ele a carregou e começou a brincar com ela e fazê-la gargalhar. A minha filha definitivamente era apaixonada pelos melhores amigos do pai e eles por ela, claro.
- Oi, Freddy! – null o cumprimentou com animação.
O sobrinho de Kira acenou de volta e logo eles engataram uma conversa sobre um novo jogo de vídeo game.
Enquanto nossas famílias caminhavam pelo mercado pegando as comidinhas essenciais de um piquenique comentávamos sobre a proximidade do casamento de Lana e Danny. No final de semana seguinte os dois iriam finalmente dizer o sim oficial perante suas famílias e amigos e estávamos todos muito animados para celebrar essa data com eles.
- Como está a recuperação de null? – Kira perguntou observando minha filha ainda no colo de seu namorado.
- Está ótima! Fomos ontem na consulta de retorno e está tudo perfeito. Ela reclamou um pouco nos primeiros dias após a cirurgia, mas agora parece nem se lembrar mais.
- Nessa idade as coisas são tão mais simples, né?
Concordei. Com certeza o fato de null ser tão novinha a ajudou muito na rápida recuperação. Apesar de já querer sair correndo pra brincar e tomar sorvete de chocolate no dia após a cirurgia, ela conseguiu entender - até certo ponto - por que aquilo não era possível. Por sorte as visitas e consequentes brinquedos que ela ganhou foram o suficiente para distraí-la.
Finalizamos as compras e seguimos juntos até o parque que já tinha algumas famílias sentadas na vasta grama verde. Escolhemos um lugar próximo a algumas árvores e estendemos as toalhas antes de sentarmos e nos acomodarmos. Tirei da bolsa um livro de colorir e alguns lápis e giz de cera coloridos e os entreguei para null.
null tirou uma bola de futebol da sacola e logo os meninos se animaram para jogar com ele e null. Eu e Kira ainda estávamos conversando sobre os preparativos do casamento enquanto arrumávamos na toalha as comidas que havíamos trazidos. Ofereci um potinho com salada de frutas para null, mas ela pegou apenas um pedaço de um morango e voltou sua atenção ao desenho que coloria da página do livro.
- null, como você é uma pintora talentosa. – Kira comentou. – Quem é essa menina do desenho?
- Masha. – Ela respondeu sem parar de colorir.
Durante sua recuperação null vinha assistindo Masha e o Urso sempre que possível. Apesar de evitarmos deixa-la na frente da tv por muito tempo, quando ela sentava na frente do aparelho esse era o primeiro desenho que ela pedia.
Depois de colorir duas páginas inteiras ela observou os homens e os garotos brincando com a bola e se levantou para chegar mais perto de mim e sussurrar em meu ouvido.
- Mamãe, vamos brincar de bola.
- Você quer brincar de bola com os meninos?
Ela olhou para os pés e balançou a cabeça negando.
- Com você.
- E se todos nós brincarmos de bola? – Kira sugeriu.
null observou a família próxima a nós que conversava animadamente enquanto comiam. Sua mão brincava com a barra da jaqueta vermelha que usava.
- Meu amor, você ouviu o que a tia Kira perguntou?
Ela olhou pra mim e tocou meu nariz sorrindo. Segurei sua mão e fingi que ia morder, fazendo-a gargalhar. Beijei sua bochecha e a coloquei em meu colo onde ela ficou brincando distraída com meu cachecol por algum tempo.
- null, quer brincar? – null perguntou algum tempo depois.
Ela olhou para ele e depois para o pai, parecendo incerta sobre ir ou não brincar com eles.
- Vamos lá, princesa.
Eu e Kira levantamos junto com ela e caminhamos até onde os garotos estavam. Começamos a brincar de chutar a bola – bem devagar, claro – e aos poucos null foi se soltando e se divertindo junto conosco. Ela sempre agia de forma mais tímida quando tinha alguém que não conhecia muito bem no grupo. Nesse caso era Freddy.
Quando sentamos novamente na toalha para comermos e bebermos água reparamos que o parque já estava bem mais cheio do que quando chegamos. No céu o sol estava brilhando e apesar de vez ou outra passar algumas nuvens e encobri-lo, na maior parte do tempo o céu estava limpo.
Enquanto comiam sanduiche, null e Freddy distraiam com null, mostrando alguns personagens no livro de colorir e fazendo perguntas sobre eles.
Eu estava sentada entre null e Kira enquanto null estava ao lado da namorada. Os meninos estavam deitados na grama de barriga para baixo e null apoiada nas costas do irmão e de pernas esticadas. Entre brincadeiras e risos acabamos nem vendo as horas passarem. Em um certo momento null e Freddy pediram para visitarmos o Pier e Brighton e pouco antes das 3 da tarde decidirmos ir para aproveitarmos o final do dia por lá.
Assistimos o por do sol na praia próxima ao píer, depois de irmos em todas as atrações possíveis com as crianças. Enquanto elas brincavam com as pedrinhas na areia da praia eu me aconcheguei nos braços de null. O frio estava começando a ficar difícil de encarar com a quantidade de mangas compridas e casacos que estávamos vestindo, agora sem o sol para nos esquentarmos só nos restava buscar o calor humano.
Decidimos que era hora de voltar para casa quando null começou a choramingar por qualquer coisa, um grande sinal de que ela estava cansada. Fiz o possível para que ela não dormisse no carro, o que não foi nada fácil já que suas pálpebras pareciam pesadas demais para permanecerem abertas, mas com a ajuda de null conseguimos chegar até um restaurante onde jantamos antes de seguir para casa.
“O que vamos assistir?” Perguntei, sentando ao lado de null no sofá.
As crianças estavam finalmente na cama e a casa estava quieta a não ser pelo barulho da lareira que esquentava a sala. Peguei a manta para me cobrir e encostei minha cabeça no peito do meu marido enquanto o abraçava e escondia uma de minhas mãos no bolso do seu moletom.
“Você quer dizer o que eu vou assistir enquanto você pega no sono depois de dez minutos?” null comentou enquanto pesquisava alguns filmes na tv.
Ri, sabendo que ele estava coberto de razão. Eu estava cansada e com o frio que estava fazendo não havia a menor chance de eu assistir qualquer coisa na televisão por mais que alguns minutos, mas eu não me importava e, apesar do seu comentário, eu sabia que ele também não.
“Que tal O Terminal?” Ele comentou.
“Não vale. Você sabe que é um dos meus favoritos e eu vou querer ficar acordada pra assistir.”
“Exatamente.” null respondeu beijando meus cabelos e me abraçando apertado antes de dar play no filme.
Sendo um dos meus filmes favoritos ou não, o sono não demorou para me encontrar. Embalada pela claridade da televisão e o cafuné de null eu rapidamente adormeci.


Décimo quarto capítulo

O grande dia finalmente havia chegado.
Para todos os lados que eu olhava podia ver pessoas apressadas, ajustes de ultima hora e uma noiva calmamente sentada em frente ao espelho enquanto o seu véu era ajustado em seu cabelo, preso em um coque alto e arrumado.
null observava pelo reflexo no espelho toda a movimentação no cômodo. Sua feição serena era bem diferente de como imaginei que ela estaria minutos antes de caminhar até o altar. Sentei em uma poltrona ao seu lado, com cuidado para não amassar meu vestido.
- Como está se sentindo? – Perguntei.
null me olhou com um sorriso e eu sorri de volta.
- Não sei se tem um nome pra isso. – Brincou.
Ri, sabendo exatamente o que ela estava falando. Eu havia me sentido assim anos antes, no meu casamento. Acreditava que fosse algo entre felicidade e euforia, além de varias outras coisas misturadas.
- Você está linda nesse vestido. – null comentou.
Virei de frente e me olhei no espelho. Meu cabelo estava preso em uma trança cuidadosa que deixava alguns fios soltos. O vestido de madrinha, que ela havia escolhido com muito cuidado era deslumbrante. Eu não saberia definir a cor, mas segundo ela mesma se chamava Nostalgia Rose, o que sempre me fazia rir.
- Ah, para. – Sorri. – Olha só pra você, todos os convidados vão perder o folego quando te virem.
null se olhou no espelho também e sorriu satisfeita.
- Eu sei, não é? – Brincou. – Posso ficar assim pra sempre?
- Infelizmente não, então aproveite as próximas horas.
Ela me mostrou a língua e voltou sua atenção para o celular em suas mãos. Depois de tirarmos algumas fotos, tanto no celular quanto profissionais, Samantha, a responsável pela organização da festa e a quem null tinha dado sua total confiança de que tudo ocorreria sem sustos nos pediu para irmos para o lado de fora do cômodo e se organizar.
Soprei um beijo para null que finalmente parecia ter se dado conta que estava prestes a casar e agora tinha uma feição um pouco tensa, mas o sorriso em seu rosto parecia permanente.
Já na fila que estava sendo organizada na ordem dos padrinhos que entrariam primeiro encontrei null. Os homens estavam usando um terno cinza e com gravatas da mesma cor dos nossos vestidos. null havia escolhido tudo e ela definitivamente tinha um ótimo gosto para isso.
- Oi. – null falou antes de roubar um selinho rápido.
Sorri e arrumei sua gravata que não estava desajeitada, mas eu estava começando a ficar nervosa. Ter dois melhores amigos se casando podia fazer isso com uma pessoa.
- Você está incrivelmente linda nesse vestido. – Ele comentou e então aproximou o lábio do meu ouvido. – Mas eu ainda prefiro você sem ele.
Dei uma gargalhada alta e uma cotovelada leve em meu marido. Segurei sua mão e observei null, null e Megan se aproximarem. As garotas já com as flores nas mãos e null, assim como fizera em nosso casamento, com as alianças.
null correu e me ofereceu as flores em suas mãos, fazendo com que todos nós na fila déssemos risada.
- Não, meu amor. Você vai entrar com isso e caminhar até o tio null, tá bom? Aí você espera com null pela mamãe e o papai que a gente vai te encontrar lá, do jeitinho que ensaiamos.
- Vem comigo, null. – null ofereceu a mão para a irmã que aceitou com um sorriso.
Havíamos praticado com null por muitos dias para que quando o momento chegasse ela não desistisse ou ficasse tímida. Como a cerimonia e a festa seriam em um hotel conseguimos ir algumas vezes até lá para praticar exatamente como seria no dia.
O terno que null usava era igual ao dos padrinhos e eu notei o quão crescido ele estava. Seu cabelo arrumado para o lado e sua postura já davam sinais de que a pré-adolescência não estava longe. Tentei visualizar como ele estaria daqui a alguns anos, mas eu realmente não estava preparada para ver o meu bebê dessa forma.
Não demorou muito para ouvíssemos a musica começar a ser tocada e Samantha desse o sinal para que, em casais, os padrinhos começassem a entrar.

***


A cerimonia havia ocorrido do jeito que ensaiamos. Apesar de estar preocupada com null, ela havia se comportado como um anjo, sentada no colo de null durante a maior parte do tempo e se distraindo com null que fazia o possível para não deixar que ela ficasse sem fazer nada por muito tempo.
Estávamos sentados em uma mesa com null, null e suas respectivas parceiras enquanto aguardávamos null e null entrarem no salão onde seria a festa. Por toda a parte havia garçons circulando servindo comida e bebidas e pessoas conversando. Apesar de estar tocando uma música, todos sabiam que os primeiros a dançarem seriam os recém casados.
Algumas cabeças começaram a virar para a entrada do salão e eu soube que null e null estavam vindo. Aplausos e gritos animados tomaram conta do local quando os dois entraram com sorrisos enormes nos rostos. Eles se dirigiram até o meio da pista de dança e o DJ tocou All About Lovin’ You do Bon Jovi que era a música que null e null haviam escolhido muito antes de pensarem em se casar. Não demorou para que todos se juntassem a eles e a pista de dança começasse a ficar cheia de corpos dançantes regados a muito champanhe.
Para que não precisássemos nos preocupar com as crianças, null, eu, null e Ash havíamos decido levar Vallerie para fica de olho, especialmente em null. Pouco mais de duas semanas já haviam se passado desde a cirurgia e sua recuperação continuava maravilhosa. Ela não sentia dores e já estava comendo normalmente. Dr. Brown não se cansava de comentar o quão orgulhoso estava dela. null amava quando ele lhe entregava algum premio por bom comportamento depois das consultas.
Observei null dançar de uma forma engraçada e cheguei a conclusão de que as aulas de dança que ele havia tomado o prepararam somente para a dança tradicional com null, pois em qualquer outro ritmo seu corpo continuava duro e sem jeito, fazendo que com que gargalhássemos de suas tentativas de fazer passinhos ensaiados de dança.
Depois de brincar muito com algumas outras crianças que também estavam na festa, jantar e até dançar um pouco, null começou a dar sinais de cansaço. Seus olhinhos pequenos e seus choramingos eram clássicos sinais de que ela estava pronta para ir pra cama. Pedi que Val ficasse um pouco mais com ela, apenas para ver se ela já pegava no sono ali na festa mesmo e não deu outra, em alguns minutos ela estava no colo de sua babá com o rosto encostado em seu ombro e a boca entreaberta.
Entreguei a chave do quarto de hotel que havíamos reservado para as crianças na mão de Val e pedi que ela se servisse do que quisesse no frigobar do quarto. Em breve null também subiria para dormir, mas deixei claro que ela não precisava esperar acordada se não quisesse já que eu mesma poderia coloca-lo na cama. Por ainda ser cedo eu sabia que ela provavelmente não dormiria imediatamente, mas só de estar aqui já era um enorme favor que estava nos fazendo, então fiz questão de deixa-la o mais confortável possível com a situação.
Quando voltei para o salão principal vi que alguns dos meus amigos estavam na mesa e outros se serviam do jantar quente que havia sido colocado em uma das grandes mesas. Encontrei null no meio do caminho e ele me puxou pela mão afirmando que estava morrendo de fome.
Na mesa das crianças null já estava sentado devorando a comida em seu prato e se divertindo com as outras crianças de sua idade. Megan ao seu lado estava falando algo no ouvido de null que estava agachado ao lado da filha.
- Aconteceu algo com Megan? – Perguntei curiosa.
null seguiu o meu olhar e deu de ombros.
- Acho que não.
Voltei minha atenção para o jantar e decidi pegar um pouco de cada coisa já que tudo parecia estar delicioso. null pareceu ter a mesma ideia já que quando sentamos a mesa novamente percebemos que nossos pratos estavam iguais.
Quando null e null passaram em nossa mesa para tirarmos fotos os pratos já haviam sido recolhidos e as pessoas começavam a voltar animadas para a pista de dança. As músicas haviam sido escolhidas a dedo pelos noivos e eu sabia que todos os convidados iriam dançar muito a noite inteira. Antes de também voltarmos para a pista null, null e null tiraram o terno e arregaçaram as mangas das camisas brancas que usavam, a temperatura do lado de fora poderia estar baixa, mas ali dentro, especialmente com tantas pessoas dançando juntas, o calor tomava conta.
Uma hora após seu horário regular de ir para cama eu fui atrás de null para que pudesse leva-lo para o quarto. Ash me acompanhava já que havíamos combinar de levar Megan e null juntos, assim eles não sentiam que estavam sendo injustiçados por um poder ficar mais tempo na festa que o outro.
Os encontramos em uma roda com outras crianças brincando de alguma coisa que os faziam rir. Apesar de reclamarem um pouco, como já era esperado, eles nos deixaram que guiássemos até o elevador e depois até o quarto. Quando abri a porta vi que a televisão estava ligada e null adormecida na cama com Val ao seu lado, quase dormindo também, mas ela se sentou quando entramos.
- Desculpe, Val.
Ela sorriu e disse que não tinha problema.
Ash e eu conversamos enquanto as crianças trocavam de roupa e escovavam os dentes. Apesar do barulho null nem se mexeu e quando me aproximei consegui ouvir sua respiração pesada e as pálpebras dos seus olhos se mexendo, demonstrando que estava em um sono mais profundo. Depois de colocarmos null e Megan na cama e termos certeza de que eles estavam cansados demais para levantar, mas deixarmos que assistissem tv com Val até que caíssem no sono, voltamos para a festa e encontramos nossos maridos de volta a mesa.
- Cansaram? – Ash perguntou sentando ao lado de null.
- Desanimamos um pouco, vocês são a vida da festa. – null brincou. – Começou a tocar algumas musicas românticas e depois de o null insinuar que devíamos dançar juntinhos nós resolvemos sair de lá.
- Não é uma má ideia. – Provoquei.
null fingiu dar risada e me puxou pela cintura para que sentasse em seu colo.
- null deu trabalho? – Perguntou.
Balancei a cabeça. – Nem um pouco.
null e Ash avisaram que iriam voltar para a pista de dança, mas resolvemos continuar ali sentados um pouco.
Passei a mão pelo cabelo de null para bagunça-lo um pouco já que ele ainda estava com o penteado arrumadinho da cerimonia e apesar de ficar incrivelmente lindo daquela forma, o eu real dele definitivamente tinha cabelo bagunçado.
- Já falei o quão linda você está com esse vestido? – Ele comentou beijando meu pescoço e me fazendo encolher e rir sentindo cócegas.
- Hmmm, talvez. – Brinquei. – Mas se eu me lembro bem você prefere que eu esteja sem ele.
Beijei sua bochecha ouvindo sua risada infantil e ele confirmou.
- Quando isso vai acontecer?
O olhei sem entender e ele rolou os olhos.
- Você. Sem o vestido.
Gargalhei e passei meu braço ao redor do seu pescoço, trazendo meu corpo para mais perto do seu.
- Em breve, Sr. null. – Afrouxei um pouco sua gravata e beijei seus lábios rapidamente. – Muito em breve.
Depois de conversamos sobre algumas amenidades e trocarmos alguns carinhos – totalmente apropriados para o publico - resolvemos nos juntar aos nossos amigos na pista de dança novamente.
Sem as crianças ao redor para nos preocuparmos nos soltamos mais com a ajuda de algumas taças de champanhe. A animação não diminuiu nem mesmo quando a pista foi ficando mais vazia ou o DJ colocava algumas músicas que não gostávamos muito.
A barra do vestido de null já estava suja e nossos pés descalços precisariam de um bom banho por causa da sujeira, mas seguíamos dançando sem nos preocupar.
Quando o DJ perguntou se tínhamos alguns últimos pedidos de música, pois seu horário já estava esgotando resolvemos anotar em um papel algumas musicas favoritas e passarmos para ele. Na pista de dança só estávamos eu, null, null, Ash, null, Kira, null, null e os pais dos noivos. Poucas pessoas ainda estavam em algumas meses mesas, a maioria já havia ido embora e os garçons já passavam pelas mesas limpando tudo.
Depois que a música cessou resolvemos sentar um pouco em um sofá e algumas poltronas perto da pista de dança. Ainda estávamos animados e o efeito do álcool fazia com que déssemos risada e nos divertíssemos mais do que normalmente o faríamos naquele horário.
Vi o DJ pegar o microfone e sorri para nós.
- Ainda animados, hein? – Ele riu quando confirmamos com gritinhos. – Recebi um pedido especial de uma última musica e resolvi ceder.
Quando a introdução de You’re Still The One da Shania Twain começou a ecoar pelo salão null surgiu em minha frente e ofereceu sua mão para me levantar. Entre assovios e gritos animados dos nossos amigos ele me guiou até o meio da pista e começamos a dançar abraçados.
- Lembra quando eu pedi pra você casar comigo de novo e você disse que casaria quantas vezes eu quisesse? – null relembrou.
O Olhei e balancei a cabeça confirmando achando a memória divertida.
- Vamos fazer isso. Vamos viajar por ai e casar em vários países diferentes.
Dei risada.
- De onde tirou essa ideia? – Perguntei e antes que ele achasse que eu não tinha gostado complementei: – Não que eu negaria um pedido desse.
null beijou meus lábios e depois deu de ombros.
- Não tirei de lugar nenhum, só é a vontade de ficar velhinho do seu lado com várias memórias dos lugares onde casamos.
- Podemos começar pela Tailândia? Quero casar na praia de Railay. – Comentei animada.
null sorriu.
- Podemos começar aonde você quiser. Temos o resto das nossas vidas pela frente e não existe um dia que eu não queira você ao meu lado.
- Só quando eu te irrito e você me odeia por alguns minutos. – Brinquei.
null beijou minha bochecha antes de sussurrar em meu ouvido.
- Eu não deixo de te amar nem quando eu te odeio.
Ali, embalados pela nossa musica na voz da Shania Twain eu percebi que tudo que eu sempre precisei e procurei estava bem ali comigo. Todo o amor, o companheirismo, a amizade e a paixão que eu poderia precisar era ele. Assim como a música dizia, mesmo depois de todos esses anos ele ainda era aquele pra quem eu corria, aquele a quem eu pertencia, aquele que eu queria pelo resto da vida.

“Estou tão contente por termos conseguido, veja o quão longe nós chegamos, meu amor.”


FIM



Nota da autora: *suspira aliviada* Ai, como é difícil acreditar que acabou. Foram 3 anos escrevendo e enviando essa fanfic pro site. Claramente houve um tempo em que eu desisti dela, já que 3 anos pra só 14 capítulos é bem bizarro, né? Na verdade acho que desisti dela umas 3 vezes, mas dessa última vez voltei determinada a escrever até o fim. Ela é a continuação da minha primeira fanfic de capítulos, eu não poderia abandoná-la. Enfim, estou muito satisfeita com essa história e com o final dela e espero que vocês gostem tanto quanto eu. Se você estiver aqui desde o início, aqui vai meu muito obrigada e minhas sinceras desculpas. E para quem começou a acompanhar há pouco tempo ou começou a ler agora, também agradeço muito por darem uma chance à minha história.
Mudando de assunto eu queria aproveitar pra dizer que já existe uma história minha nova no site. Ela se chama Colisão (Original – em andamento) e o link dela está ai embaixo junto com o link para todas as outras. Dentre tantas gostaria de dizer que meus xodós são Tudo em Você, 2030 e Don’t Let This Memory Fade Away, todas oneshot.
Bom, acho que fico por aqui. Se puderem tirar um minutinho do seu dia para deixar um comentário eu fico muuuito feliz. Mesmo que você nunca tenha comentado antes ou comente sempre, ajude uma autora a receber um feedback, por menor que seja, já ajuda bastante. Obrigada novamente. Até a próxima. Beijo!





Outras Fanfics:
2030 (Outros - Finalizada)
Addicted (Mcfly - Finalizada)
All She Dreams (Mcfly - Finalizada)
Colisão (Original - Em Andamento)
Decoy (Restrita - Finalizada)
Don't Let This Memory Fade Away (Restrita - Finalizada)
I Hate Everything About You (Mcfly - Finalizada)
Tell Me a Secret (Outros - Finalizada)
Tudo em Você (Outros - Finalizada)
The Not-Xmas Day (Conto de Natal)


Que honra chegar ao fim de uma história sua, Cah! ♥ Continue escrevendo sempre.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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