Última atualização: 15/12/2020

Capítulo Único

Duvide que as estrelas sejam fogo,
Duvide que o sol se mova,
Duvide que a verdade seja mentira,
Mas nunca duvide do meu amor.
Meus olhos correram pelas palavras rabiscadas em preto no papel e eu o apertei entre os dedos.
Não que eu realmente precisasse ler; havia decorado aquelas palavras no exato dia em que o poema fora entregue em minhas mãos.
– Ter certeza de que é uma boa ideia, ? – Minha amiga me olhou de relance, os punhos cerrados com força no volante.
Ela estava quase mais nervosa do que eu. Quase.
– Eu espero por esse dia há dois anos, Lucy – Forcei um sorriso, desviando o olhar para a janela do carro.
– Só estou tentando ser profilática.
– Não sou racional quando o assunto é . Você sabe.
Era verdade. E essa era, na verdade, uma das coisas que eu mais gostava sobre ele; ele me trazia a espontaneidade que eu quase nunca experimentava.
– Me ligue se precisar de alguma coisa, sim?
Assenti enquanto colocava os dedos trêmulos na maçaneta do carro.
– Obrigada por me trazer.
Senti o vento gélido bater em cheio no meu rosto.
Naquela tarde, a temperatura não devia passar dos dez graus, mas meu corpo estava em brasa, a ansiedade aquecendo cada milímetro da minha pele. O sol se insinuava timidamente entre as nuvens, tal qual meu coração, voltando a bater depressa com a ideia de ver .
Bem à minha frente, a placa cinza com os dizeres Clínica de Reabilitação me fazia querer sair correndo dali. Eu não sabia se eu era forte o suficiente para ver saindo pelas portas daquele lugar.
E fora quando eu estava pensando na minha fraqueza que as tais portas se abriram.
Dei dois passos instintivos para trás, a ideia falha de que aquilo, de alguma forma, me tornaria invisível para os olhos dele.
Faziam dois anos que eu não o via. A internação sem direito a visitas fora escolha dele – e eu nem pensei em contester, achava que simplesmente não aguentaria vê-lo naquela situação.
Senti vontade de sair correndo quando a figura por mim tão conhecida emergiu entre os dois blocos de concreto.
Lá estava ele. Era como se o tempo tivesse passado e, ao mesmo tempo, tudo continuasse igual.
Seus olhos eram tão intensos quanto eu lembrava, embora eu percebesse uma certa tristeza na nébula de sua íris. Os cabelos continuavam displicentes daquela forma despreocupada que eu costumava amar, e o sorriso se insinuando no canto dos seus lábios ao ver-me bombardeou os mais diversos tipos de lembranças para a minha mente.
Lembrei dos filmes que assistíamos juntos, ele sabia o quanto eu era apaixonada por cinema e filmes antigos e, por mais que ele soubesse a resposta, perguntava toda vez o porquê de eu gostar de assistir o mesmo filme várias vezes. Me conforta ver o começo conhecendo o final.
Lembrei das músicas que, com o violão, ele costumava tocar para mim. Não havia uma semana que, durante a noite, logo antes de dormir, ele não sentasse na ponta da cama e tocasse Can’t Help Falling In Love. Era a minha preferida e ele sabia.
Lembrei de todas as promessas que fizemos. De todos os sonhos interrompidos pela inevitabilidade de um destino amargo e a expectativa da eternidade.
Junto com as lembranças, vieram as mágoas. Eu me vi cara a cara, pela primeira vez, com o real motivo que fazia meu peito doer tanto ao vê-lo novamente.
Não era apenas pelo fato de que, por quase um ano, havia escondido pelo quê estava passando, os excessos com álcool, remédios e pensamentos suicidas.
Machucava-me tanto como navalhas entrando em meu coração a ideia de que ele não havia dividido comigo a situação deplorável que estava passando.
Um dia antes. Um dia antes de se internar – foi quando ele me contou tudo.
Mas além disso, o que realmente estraçalhava meus ossos e fazia meu corpo inteiro doer era o fato de que eu não havia percebido.
Como não pude perceber que meu namorado precisava de ajuda?
É claro que eu notava que, um dia ou outro, ele parecia mais triste e sem vontade de encarar a vida. Que, numa noite ou outra, ele exagerava na bebida. Mas não imaginava todo o resto.
Eu me perguntei o que ele estaria pensando enquanto caminhava devagar em minha direção. Eu já não podia mais ler seu olhar – ou talvez não quisesse tentar, com medo do que encontraria lá dentro.
Tive o cuidado de vestir o vestido preto que ele tanto gostava; de mangas compridas e detalhes brilhantes na cintura. Os cabelos longos caindo pelos ombros, como ele preferia.
Será que ao menos lembrava?
Quando parou à minha frente, todos os pensamentos foram embora. As lembranças, mágoas e teorias voaram pelos ares.
Por um instante, éramos apenas eu e ele. Os olhares se encontrando, os sorrisos se reconhecendo, a vontade de redescobrir o toque.
– Não acredito que está aqui. – A voz, serena como sempre, atingiu meu peito em cheio.
Senti o sorriso em meu rosto espalhar a felicidade pelo corpo, como se eu finalmente reconhecesse-o.
– Onde mais eu estaria?
Eu queria abraçá-lo. Queria jogar-me em seus braços e sentir meu corpo no seu novamente.
Mas não era tão simples assim.
Muita coisa mudara em dois anos.
E, apesar de não saber se era justo com ele, eu sentia que minha confiança precisava ser restaurada. Eu sabia que amava – céus, como eu amava. Mas havia um abismo entre amar e entregar meus sentimentos novamente para ele.
– E então... O que mudou durante as minhas férias? – Ele deu um pequeno sorriso e eu meneei a cabeça negativamente.
Ele já estava mesmo pronto para fazer piada sobre aquilo?
– Está tudo do jeito que você deixou, . Lucy continua maternal, eu continuo teimosa e as coisas continuaram sem graça sem você.
O sorriso, dessa vez, adotou um tom de tristeza.
Seu olhar demorou em mim por alguns segundos.
– Senti sua falta, .
E, então, eu senti que podia desabar. Pois tudo se resumia àquilo: eu havia sentindo a falta dele.
Mas, mais uma vez, era difícil entregar meus sentimentos e restaurar a confiança. Então apenas sorri – um sorriso tão triste quanto o dele – e desviei o olhar do seu rosto, pois tinha certeza que os meus olhos marejariam se continuassem mirando os seus.
– Pensei em andarmos até o Battersea. Acho que ver a cidade vai fazer bem pra você.
E foi o que fizemos.
Andamos, lado a lado, até o Battersea Park. Nosso parque preferido da cidade.
Onde, como nos velhos tempos, sentamos no gramado logo ao lado da Chelsea Bridge, de onde a cidade parecia mais bonita e o céu, mais infinito.
– Eu não consegui vir aqui sem você, sabia? Nem apenas uma vez. – Confessei, enquanto perdia o olhar bem no ponto onde o rio encontrava a cidade.
Eu havia sentido falta daquela vista.
– Muitas lembranças? – Nem precisava olhá-lo para saber que um pequeno sorriso surgia em seu rosto.
– As melhores. – As palavras escaparam sem pensar, mas eram puramente verdadeiras.
havia, de fato, proporcionado-me os melhores momentos.
O silêncio caiu sobre nós; um novo integrante sem convite naquela relação. Os instantes se passaram, e eu estava apenas consciente de sua presença – mas meu pensamento estava relativamente longe dali.
Estava na última vez que nós nos vimos.
Nós dois, em um carro, embaixo da chuva. estava me deixando em casa depois de uma noite pela cidade quando contou que internaria-se no dia seguinte.
E, então, aconteceu rápido demais. Eu não queria entrar naquele assunto; ao menos, não naquele instante. O primeiro dia de de volta à vida deveria ser livre de qualquer negatividade ou discussão.
Mas, antes que eu pudesse controlar, vi as palavras sendo bombardeadas de meu peito direto para minha garganta.
– Por que você não me contou, ? Por que não me disse o que estava acontecendo? Eu fiquei sabendo um dia antes...
Tentei não soar injusta demais. Talvez eu estivesse sendo apenas mesquinha, sabia que aquilo parecia um tanto irrelevante perto do que ele havia passado.
Mas eu estava magoada. Ele havia me magoado.
E, então, mais instantes de um silêncio incômodo sucederam antes dele, finalmente, ousar falar.
– Eu não queria te magoar, . Queria te manter longe daquilo tudo, eu… – Sua voz saiu fraca, quase inexistente. – Não queria ser fraco pra você. Não queria admitir pra mim mesmo que eu havia chegado naquele ponto. Eu achei que conseguiria resolver sozinho, que tudo ia passar, mas…
– Só piorou. – Conclui, sentindo um nó se formar em minha garganta.
– Só piorou.
Procurei por seus olhos. Quando eu os encontrei e as duas pedras tão familiares faiscaram diante de mim, senti algo quebrar em meu corpo, em um lugar tão fundo que eu mal sabia existir.
Senti as lágrimas enchendo meus olhos. Através da visão embaçada, os deles não estavam tão diferentes assim.
Ah, não… Eu não aguentaria vê-lo chorando.
… Como eu não pude perceber? – Uma lágrima solitária dançou pelo meu rosto.
Segurando as suas, encostou a ponta dos dedos com delicadeza em minhas maçãs.
Senti borboletas baterem asas em minha barriga.
Um frio intenso subiu pela minha espinha.
E a vontade de chorar aumentou ainda mais.
Ah, como eu havia sentindo falta daquele toque...
– Eu escondia bem. – Ele murmurou, fazendo um carinho terno em meu rosto antes de afastar a mão.
– Não é o tipo de coisa que dá pra se esconder. Eu devia ter percebido, . E se… – Respirei fundo, buscando coragem para continuar. – E se acontecer de novo e eu não perceber mais uma vez? Pode custar a sua vida. Você precisa de alguém melhor, alguém que...
– Não. – Ele me interrompeu, duro. – Nem pense em completar essa frase.
Soltei um suspiro, tentando livrar-me das lágrimas.
Eu sabia que era verdade.
Ele sabia que era verdade.
Eu não podia simplesmente continuar de onde paramos. Certamente não éramos as mesmas pessoas de dois anos atrás – , principalmente, não era.
– Esse lance de ser espontânea não combina comigo. Não consigo viver o hoje sem saber se posso te fazer mal amanhã.
– Você nunca me faria mal.

– Sabe a única coisa que me manteve são durante todo esse tempo? – Seus olhos magnetizaram os meus. – A esperança de sair por aquela porta e encontrar você.
Um pequeno sorriso involuntário desenhou meus lábios enquanto eu balançava a cabeça.
– Você não pode dizer essas coisas… Sabe como funciona aqui dentro. – coloquei a mão sobre o peito.
A expressão melancólica de deu lugar a um sorriso, e seus olhos começaram a passear minuciosamente pelo meu rosto.
– Eu sonhei com você umas cem vezes durante esse tempo. E você está ainda mais bonita do que em meus sonhos.
– Ah, não diga isso. – Cobri o rosto com as mãos. – Você vai me fazer corar.
– É, eu sei.
Nossos olhares se tornaram cúmplices, sorridentes. Ele sempre dizia que eu ficava uma gracinha quando minhas bochechas se pintavam de rosa.
Respirei fundo, mais uma vez sentindo as palavras correndo sem controle por minhas veias.
Eu realmente não era espontânea; mas trazia tal impulsividade à tona.
– Eu senti sua falta... – Sussurrei, fugindo de seu olhar e deitando na grama – Duvide que as estrelas sejam fogo, duvide que o sol se mova....
Recitei o poema enquanto observava, bem acima de nós, o tom se transformar entre os tons mais atraentes de laranja e azul, perguntando-me se ainda lembrava daquilo.
Ele se deitou ao meu lado, e sorri quando seu ombro encostou no meu.
Duvide que a verdade seja mentira, mas nunca duvide do meu amor.
Meu sorriso se alargou ainda mais.
Sem pensar duas vezes, desviei o olhar da beleza celestial para algo ainda mais etéreo – seus olhos.
E, então, nós nos olhamos por alguns longos segundos.
Observei seu nariz, pequeno, apontando para cima.
Os lábios, rosados e extremamente convidativos.
Minha respiração se tornou falha.
Meu coração martelou contra meu peito.
E, então, ele se aproximou, lentamente. Acompanhei seus olhos chegando mais perto dos meus. Nossos narizes foram os primeiros a encontrarem-se. Então o roçar dos lábios, eletrizando todo e cada sentido do meu corpo.
Eu estava tremendo. Tremendo dos pés à cabeça.
Meu corpo estava febril. A centelha – que, por tanto tempo, esteve apagada – pareceu tornar-se uma explosão em um piscar de olhos.
Senti-me mais perto de . Não apenas física, mas também mentalmente.
Não havia mais segredo entre nós.
Podíamos tentar fazer aquilo dar certo.
Mas eu não estava cem por cento ali.
Uma crítica interna alarmante soava dentro de mim.
Ele não contou pra você.
Você nem ao menos percebeu.
O tempo passou, . Parece que não, mas o tempo passou.
Então uma falsa onda de sanidade passou pelo meu corpo.
Reunindo uma força de vontade que eu não sabia ter, e contrariando todo desejo vibrante correndo por meu sangue, espalmei as mãos no peito de e empurrei-o para trás.
Ele abriu os olhos de uma só vez. Eles me encararam surpresos, magoados.
E tudo o que mais odiava no mundo era magoar .
Mas eu não estava pronta. As coisas não podiam acontecer assim.
Naquele dia, eu vi dizendo adeus aos seus maus hábitos.
Mas talvez eu tivesse entregando-me novamente aos meus.
Porque era isso que ele causava em mim; jogava-me à inércia, fazia-me refém dos meus sentimentos, sem espaço para racionalidade e sem controle de mim.
E, por mais que eu não quisesse admitir, eu sabia que, com , isso não era tão mal assim.


Fim.



Nota da autora: "Oi, meninas! Como vocês estão?
Preciso começar essa nota agradecendo cem por cento a Gabs. Essa fic literalmente não existiria se não fosse por ela. A Gabs organizou o ficstape, vetou essa história E AINDA ME DEU A IDEIA DESSE PLOT! Literalmente, viu? hahahha obrigada por tudo Gabs, és uma das pessoas mais maravilhosas que conheci aqui no ffobs.
Sobre a história: eu espero que vocês tenham gostado! Ela foi muito gostosinha de escrever e acho que foi a primeira que não retratei nem um beijinho entre os pps hahhah Mass foi porque minha ideia é trazer mais duas histórias curtinhas sobre esse casal e o desenrolar do relacionamento deles; talvez em próximos ficstapes.
Eu escrevi essa fic logo depois de assistir o All About Us – ou seja, ESTOU EM PRANTOS.
Me contem aqui embaixo o que acharam e deixem amor pra Gabs também!
Beijos, lindezas. Nos vemos em outras histórias <333"



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And The Came Winter | Restritas – Longfic – Em Andamento
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04. Brooklyn Baby | Lana Del Rey
13. I love you | Billie Eilish
08. In My Feelings | Lana Del Rey
08. Paper Rings | Taylor Swift
08. Something About You | McFLY


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