Enviada em: Maio de 2021

STAND UP

Para Lori e sua pequena,
Por ensinar que não preciso ser sozinha,
por ser calor mesmo quando eu não queria.
Por mostrar que é possível ser livre e sonhadora,
mas ao mesmo tempo se manter firme no chão.
Uma celebração ao amor e a maternidade.
In memoriam a dona Rose, seu exemplo e legado
serão eternos, a tocar até mesmo aqueles que não
tiveram a honra de conhece-la em vida.




2021

– Não é engraçado como a gente sempre pensa na vida quando começamos a olhar as estrelas? – null devaneou, sorrindo de canto. – É quase automático.
– Talvez elas nos lembrem das coisas simples e cotidianas, da beleza delas. – null sussurrou, girando o corpo e apoiando a cabeça com a mão.
– Nos sempre esquecemos de prestar atenção, não é? Quanto mais crescemos, mais deixamos de lado.
– Tem razão. Eu, por exemplo, olhando para esse céu lindo, não consigo parar de pensar na minha jornada até aqui, no que meu eu criança diria se pudesse me ver agora. – O inglês sorriu fraco. – Essas coisas profundas e sentimentais que batem quando se está olhando as estrelas...
– Eu sei que ele se orgulharia de você. Muito. – null garantiu, também girando o corpo para que pudesse vê-lo melhor. – Ele e todos que acompanharam o processo.
– Sua versão criança também deve estar orgulhosa de você, da mulher incrível que se tornou. – null sorriu, beijando rapidamente a testa da brasileira. – E eu me junto a ela nisso, tenho tanto orgulho...tanta admiração.

null apenas sorriu, não conseguia pensar em nada bom o suficiente para dizer naquele momento, preferiu apenas sentir a emoção enquanto acariciava o rosto do namorado, olhando em seus olhos.
Aquele era um dos primeiros momentos que passava a sós com o piloto depois que assumiram o relacionamento. Inicialmente, por mais que a brasileira tivesse o inglês como um de seus ídolos na Fórmula Um, se imaginar numa relação com ele era algo totalmente diferente. Principalmente se considerasse o tipo de relacionamento que null costumava ter, rápidos, escandalosos e todos seguindo um padrão que ia de modelos a super modelos.
Não era tão fácil simplesmente se jogar, seguir seus hormônios e a paixão momentânea e se entregar a null null, por mais que ele insistisse. Não era sozinha, livre e desimpedida, tinha sua pequena princesa, null, sua menininha, por quem matava e morria, e como mãe, não podia simplesmente sair por aí seguindo paixões. Principalmente levando em conta toda a complexidade da relação ruim que possuía com seu ex e pai da garota, que parecia ter como meta infernizar os dias da mulher na Terra. O relacionamento péssimo com o pai de sua menina servia como constante alarme de que tudo poderia dar errado, mas nos últimos dias, com a paciência e carinho do inglês, até mesmo aquele trauma parecia não conseguir perturba-la mais.
Lembrava-se bem de que, depois de tanto se sentir só, de tanto se sentir sozinha durante as noites e acreditar que talvez nunca encontraria alguém que a amasse de verdade. Quando não conseguiu mais lutar contra aquele sentimento que apenas crescia, desordenadamente, tomando conta de seus pensamentos, e seguindo os conselhos de seu novo melhor amigo, Lance Stroll, a psicóloga brasileira havia cedido e se entregado de corpo, mente e alma a null null.
Os dois, tão iguais e ao mesmo tempo tão diferentes, haviam se conhecido em uma corrida no Brasil, quando null fora apresentada ao inglês por Valtteri Bottas, companheiro de equipe de null e namorado de uma de suas melhores amigas, null. Na época, null havia se encantado com a emoção da mulher, seu amor pela Fórmula Um, sua paixão pela vida e por seu jeito engraçado e gracioso, principalmente quando null utilizava o Google Tradutor para manter qualquer conversa com o piloto.
Agora, já fluente no idioma dele, null refletia sobre todo seu percurso até ali, olhando as estrelas, deitados num terraço na Inglaterra e aproveitando a companhia quente de seu mais novo namorado.

– Eu vou olhar minha filha. – Avisou, depois de um longo suspiro, sentando-se.
– Por que não deixa que eu faça isso? – null propôs, atraindo um olhar curioso da namorada.
– Sério?
– É, ela ainda me estranha um pouco, pode ser bom, não é? Eu também quero muito me aproximar dela, que ela goste de mim. – Disse sorrindo, pondo-se de pé em um pulo.
– Então tá. – null sorriu fraco. – Vá em frente.

A brasileira assistiu null descer as escadas pensativa, não sabia se sentia o coração aquecer por ele querer se aproximar de sua pequena, ou se sentia o frio na espinha por pensar na possibilidade dos dois se aproximarem e um dia o relacionamento acabar. Nada era mais tão simples quando uma criança estava envolvida, sabia bem disso e se preocupava na maior parte do tempo. Na parte que sobrava, sentia o coração derreter com as tentativas de aproximação de null.


Alguns bons minutos haviam se passado, e o vento frio bagunçava os cabelos de null, mas ainda nenhum sinal de null null. Sentindo a nuca doer pela preocupação e tensão que a atingiram, a psicóloga resolveu ir até o quarto da filha, se certificar de que tudo estava bem.
Quando desceu as escadas, o silêncio chamou sua atenção, mas pelo corredor pode ver uma faixa de luz que saia por uma fresta na porta do quarto em que a filha dormia, ou que devia dormir. Se aproximou com calma, tentando não fazer barulho, embora não soubesse bem porquê. Com a proximidade da porta, pode ouvir alguns sons, que a princípio não havia reconhecido, um tipo de sussurro baixinho. Colando o corpo na tábua de madeira, ainda tentando não fazer barulho, ela pode ver melhor o que acontecia dentro do cômodo: null sussurrava, lendo baixinho um dos livros favoritos de null, o ratinho, o morango vermelho maduro e o grande urso, enquanto a pequena acompanhava com olhos sonolentos, fechando-os rapidamente vez ou outra.
O coração da brasileira se aqueceu, não havia no mundo cena mais bonita que aquela. null null, o tão famoso campeão mundial, estava ali de moletom, deitado ao lado de null, lendo uma história para ela. Uma coisa tão simples, mas tão repleta de significado. A emoção que a invadiu fora tão absurda que, temendo atrapalhar o momento, escolheu correr para o banheiro para chorar lá, de felicidade, sentindo a certeza de uma boa escolha preencher seu coração.

[...]


O final de semana chegou sem que percebessem, junto com uma brisa quente e um sol para cada um no auge do verão europeu. Depois de alguns meses sozinhos na Inglaterra, null e null se reuniriam a amigos de longa data na Grécia, Valtteri Bottas, Lance Stroll, Sebastian Vettel e suas namoradas, melhores amigas de null e seria mais um dos passeios do grupo.
Desde que as amigas começaram a se relacionar com os pilotos, passeios como aqueles se tornaram mais frequentes. Nos Instagrams de fofocas sobre pilotos de Fórmula Um, as quatro brasileira já eram figurinhas carimbadas. null, noiva de Valtteri Bottas fora a primeira, depois null e Sebastian Vettel se apaixonaram, em seguida, Lance Stroll e null perceberam que deviam ficar juntos, e por fim, null cedeu a null null. A psicóloga amava o clima de família que sempre se instaurava quando os quatro casais estavam juntos, sentia falta quando alguém não podia ir, ou quando por algum motivo não podiam se reunir. Às vezes, até alguns familiares se juntavam ao grupo, irmãos, pais, primos, das brasileiras ou dos pilotos. A única coisa que null lamentava era não poder apresentar as amigas e os rapazes aos seus pais, sua mãe certamente acharia um luxo ser sogra de null null, e seu pai, as vezes null mal podia colocar em palavras como seu pai se sentiria rodeado por tantos pilotos de Fórmula Um.
– Eu não consigo esperar nem mais um minuto para sair daqui e ir para o mar. – null sussurrou, abraçando-a por trás, enquanto caminhavam para o iate, atracado na marina.
– É o que eu mais quero, só nós, tranquilos e em paz, sem holofotes. – null sorriu. – Estou sonhando em escapar disso tudo há tanto tempo.
– Eu tenho aprendido uma coisa nos últimos meses. – Ele contou. – Acho que esses momentos...eu nunca valorizei tanto um fim de semana em família como hoje em dia. Parece que de repente isso se tornou a melhor coisa do mundo. – O inglês sorriu fraco, depois fez uma careta para null, nos braços de null.
– E você não sabe o quanto saber disso me faz feliz. – Ela o olhou nos olhos. – Você é a melhor coisa que me aconteceu esse ano.
– Eu te amo. – Declarou, beijando o ombro dela rapidamente.
– Por que? – null sorriu.
– Porque você tem paciência comigo. – Disse, para em seguida se desvencilhar da brasileira e tirar null de seu colo. – E por que eu não amaria você? – Ele gargalhou, colocando a menina no chão e segurando sua mão, para que juntos corressem até o iate.


Lance Stroll fora o primeiro a chegar, alto, com seus cabelos esvoaçantes e sorriso largo. null e o canadense tomavam uma cerveja, espichados no convés enquanto aguardavam a chegada dos outros.
– De quem é essa playlist horrível de batidão? Por que não estamos ouvindo pagode? – null questionou, já não aguentava mais ouvir música eletrônica.
– É do Valtteri e null. – Lance deu de ombros, virando o resto de sua bebida. – É a vibe do momento, é verão.
– Mais uma razão. – Ela protestou.
– Não reclame comigo, miss simpatia. A escolha foi toda e completa do seu namorado. – Stroll apontou com o queixo para o piloto inglês, que brincava com null utilizando um colete salva vidas. – Que aliás, parece estar em outro universo hoje.
– É fofo, não é? – null sorriu, encarando o amigo, feliz por enfim conseguir desabafar com alguém. – Eu vomito um arco íris toda vez que vejo essas cenas.
– Espero que no sentido figurado. – O piloto puxou as pernas para longe da brasileira.
– Idiota. – null o empurrou pelo ombro, rindo e o fazendo sorrir. – Claro que é.
– Os dois estão se dando bem? – Stroll quis saber. – Lembro de como você ficou preocupada com isso.
– Ele está tentando. – A psicóloga suspirou. – Há algumas noites, quando null acordou de repente, o encontrei lendo para ela. Ele não me chamou, nem reclamou que teria que interromper nossa noite romântica. Só fez.
– Preciso admitir, ele me surpreende. – Lance confessou, cruzando as pernas. – null solteiro null, se tornando o null padrasto-modelo null.
– Ah, para, não é para tanto. Ele sempre foi assim com os sobrinhos. – null defendeu.
– É, com os sobrinhos. Mas estar com os sobrinhos não o impedia de fazer coisas de casal, estar com ela sim. – Lance lembrou.

Antes que null pudesse pensar em qualquer resposta, risadas altas foram ouvidas, os membros que faltavam estavam chegando.
– Foi aqui que pediram três grandes gostosas e dois gogoboys meio xoxos? – null brincou, assim que se aproximou da dupla.
– Você está falando do seu, né? O seu é xoxo? – null reclamou, abraçando null, enquanto null pulava no pescoço de Lance Stroll para matar a saudade do namorado.
– Onde estão os gogoboys? – A psicóloga quis saber, abraçando null e depois null, com força.
– Espero que estejam falando de nós, espero mesmo. – Valtteri surgiu atrás delas, com a mão no peito, teatralmente.
– Oi, null. Onde está minha afilhada? – Vettel abraçou a amiga, correndo os olhos atrás da pequena.
– Com null, ali. – Ela apontou com o queixo na direção do namorado, que cumprimentou a todos com um aceno.
– Você perdeu, Bottas. Sua noiva estava chamando você de xoxo. – null contou a Valtteri, que franziu o cenho, encarando null.
– Que isso. Imagina se eu diria isso. – Ela desconversou. – Eu disse que você e o Vettel eram xoxos. – Repetiu, enfatizando os dois sujeitos da frase.

Valtteri olhou da noiva para Vettel e depois para null.
– Não olhe para mim, viking, você que escolheu. Quem pediu ela em casamento foi você. – null riu.
– Na Finlândia não há vikings. Na Finlândia não há vikings. – Valtteri respondeu entediado a provocação da brasileira que adorava implicar com o finlandês. Depois, balançou a cabeça negativamente e se juntou a null, sendo seguido por Lance e Vettel.
– Problemas no paraíso, ruiva? – null brincou, oferecendo cerveja as amigas.
– Não, mas já imaginou como é para mim namorar alguém que é a minha cópia? Eu preciso gerar algum entretenimento, senão as pessoas mudam de canal. – null deu de ombros, dando um longo gole em sua cerveja.
– E com isso eu e Sebs nos mantemos no pódio de melhor casal de fanfic. – null riu, levantando sua cerveja.
– Pois só em teus sonhos, né? – null negou. – Quer casal mais coerente, bem-apessoado que eu e Lance? Não tem, não tem no Brasil.
– Gente, podem falar à vontade, mas olha aquilo, null null brincando com a null. – null apontou. – Isso sim é que é foda.
– É, eu preciso admitir. Vocês colocaram null null pra mamar. – null zombou.
– Parece que são pai e filha mesmo. – null comentou.
– Como está sendo tudo? Vocês três? A dinâmica? – null quis saber.
– Melhor do que eu pensava, ele se esforça, de verdade. – null sorriu, olhando para o namorado e atraindo para ele os olhares das amigas



– E que cor é essa? – null perguntou pela terceira vez, apontando para o colete salva-vidas. – Vamos, você sabe.
– Acho que ela ficou tímida com a nossa presença. – Valtteri sorriu fraco quando null ignorou mais uma vez a pergunta de null.
– Crianças são assim mesmo. – Vettel deu dois tapinhas no ombro do inglês, tentando animá-lo.
– Ela disse...tem tipo, menos de dois minutos. – null baixou os ombros frustrado, enquanto oferecia o braço para que a pequena pudesse se equilibrar melhor.
– E eu acredito, todos nós. – Sebastian sorriu, apoiando-se com o braço nos ombros de Valtteri, que era alguns centímetros mais baixo.
null. – O inglês balançou a cabeça negativamente, sorrindo da situação. – Ela está tão inteligente, eu acho mesmo que ela deve ter um QI desses super altos, sabe? E tem talento artístico, vai ser uma artista.
– Ela não tem, tipo...só três anos? – Lance arqueou uma sobrancelha e riu abafado. – Vai com calma.
– Eu estou indo com calma, mas é a verdade. Eu vejo isso, ela é talentosa. – Argumentou animado. – E é linda, não é? Os olhos tão expressivos, ela é perfeita e agora, ouvindo melhor, é mais esperta que eu. – null sorriu grande. – O que me faz lembrar uma coisa muito importante. Preciso de um conselho.
– Você precisa é de um babador. – Valtteri sorriu.
– Mas o conselho também serve, diga, null. – Sebastian interveio.
– Obrigada, Sebs. É o seguinte, eu não queria que ela me chamasse de null, parece tão distante, impessoal, não é? Mas ao mesmo tempo, do que ela me chamaria? Namorado da mamãe? É muito longo. – Questionou pensativo.
– Tio null? – Lance sugeriu.
– Eu pensei nisso, mas não é meio estranho também? Sabe? – Ele estreitou o olhar.
– Pela experiência que tenho como pai, digo que ela vai descobrir sozinha como te chamar, você vai estar brincando num belo dia de sol e então ela vai dizer, do nada. Um apelido, um jeito de se referir a você, alguma coisa. – Sebastian falou, e null assentiu com a cabeça.
– Será que ela não vai acabar chamando ele de pai? – Valtteri indagou, atraindo para si todos os olhares. – Sabe, ela é muito pequena e se eles continuarem juntos, vai ser meio que...natural? – O finlandês hesitou.
– Eu preciso confessar que já pensei nisso. – null disse, num suspiro longo.
– Em ensiná-la a chamar você de pai? – Lance expirou surpreso.
– Ah, é complicado. – O piloto inglês levantou os ombros. – Eu estou junto com a null há mais de oito meses e contando o tempo que insisti, já temos um ano. Às vezes tenho esse impulso, mas estou tentando controlar. Me preocupo em como pode ficar a cabeça dela se algum dia nós nos separarmos.
– Acho que é o mais certo a se fazer. – Vettel assentiu.
– Só a mim soa estranho o null ser associado a palavra pai? – Valtteri indagou e riu entredentes, afastando o braço de Vettel de si.
– Quem diria que o campeão mundial seria domado por uma garotinha. – Lance gargalhou, sendo acompanhado pelo grupo.
– É porque ela não é só uma garotinha, é a minha garotinha. – null declarou, sorrindo com doçura.

[...]


Alguns adultos estavam reunidos no convés, conversando sobre histórias do passado, suas adolescências e rindo de momentos constrangedores. Lance, null, null e Sebastian mostravam uns aos outros, fotos antigas de si mesmos em suas fases mais feias, e as risadas poderiam ser ouvidas por todo mar mediterrâneo. null e null estavam no bico de proa, posando para fotos que Valtteri Bottas tirava, como se estivessem posando para Vogue, ELLE ou a Harper's Bazaar. Embaixo, em um dos quartos do iate, no compartimento da tripulação, null null se entretinha com null.
Geralmente, ele seria o primeiro a estar no convés, tirando fotos ou bebendo alguma coisa, rindo e aproveitando a festa, mas naquela tarde quente, no marasmo silencioso do mar, estar com aquela criança era o que mais o interessava.
Nem ele mesmo entendia o porquê, sempre adorou crianças, mas aquilo ia além. Era até diferente do que sentia por seus sobrinhos, como se o amor que nutria pela mãe da menina se transferisse para aquela garotinha tão linda, com olhos grandes e sorriso doce a sua frente.
Por ela não se importava em passar o tempo que fosse preciso enfiado em uma cabana de cobertores e almofadas, fingindo ser um pirata de verdade. null ouviu passos rápidos e a menina se escondeu atrás de uma parede de lençóis à distância de um braço, abaixando-se para que ele não a visse. O piloto se arrastou até estar perto o suficiente de null e colocou a cabeça para fora do esconderijo.
– Então aí está minha prisioneira! – Falou, forçando uma voz mais rouca. A menina gritou de empolgação quando o viu, correndo para se esconder e subir em cima da cama.
– Não! – Ela gritou em meio a risadas, se esforçando para subir na cama.
– Não adianta correr, eu vou pegar você. – null cantarolou, indo atrás dela.

Quando o piloto a alcançou, ajudou a garotinha a subir na cama disfarçadamente, sem que ela percebesse o apoio. Depois, começou a fazer cosquinhas em sua barriga, null gargalhava enquanto se sacudia, tentando se desvencilhar das mãos dele.
– Para. – Pediu.
– Não, não. – null balançou a cabeça negativamente, também rindo. – Qual é a palavra? A palavra que eu te ensinei?

null continuou tentando se livrar das cócegas, mas não conseguia se lembrar da palavra mágica.
– Con...– null tentou ajudar.
– Congela. – Ela completou, e riu ainda mais quando o homem fingiu estar paralisado, com olhar vagante.

A garotinha pôs-se de pé, ficando com os olhos na mesma altura que os dele, que tentava com muito esforço não rir e se manter imóvel. null resolveu testar o candidato a padrasto apertando seu nariz, mas null não se moveu, depois encostou as duas mãozinhas nas bochechas dele, apertando o rosto do piloto inglês, que de novo não manifestou qualquer reação. A pequena resolveu olhar mais de perto, curiosa, e inclinando-se sobre ele, estreitando os olhos em busca de qualquer coisa fora do normal.
Aí então, null a agarrou novamente, a assustando e a cobrindo de cócegas novamente, enquanto a garota gargalhava de forma tão deliciosa que até os anjos deviam parar seus afazeres para contemplar.

2026

O clima de festa de aniversário brasileira preenchia a mansão dos nulls, cheiro de salgadinhos, cachorro-quente, bolo e alguém havia derramado guaraná no tapete. null assistia sentado no sofá, um pouco longe de toda a confraternização. null e null, sua esposa, ajudavam null a cortar algumas fatias de bolo, enquanto riam sobre alguma piada de null, que falava agitada enquanto segurava Yaël nos braços. O pequeno Yaël, com quase um ano, era o mais novo integrante do grupo, filho de Valtteri Bottas e null. Lance Stroll e Sebastian Vettel preparavam drinks, vivendo num mundo paralelo aos outros. null e Valtteri também ouviam as piadas de null, o finlandês de pé, apoiando na parede e abraçado ao corpo da esposa, que ajudava o filho a tomar um pouco de suco.
Por mais familiar que a cena fosse, por mais aconchegante que fosse a ideia dos quatro casais de amigos ali, numa noite de sábado, comendo bolo de aniversário e rindo de qualquer besteira, null preferia ficar só. Estava especialmente reflexivo aquela noite, um filme estava sendo transmitido em sua mente, num looping infinito.
Sua pequena estava completando oito anos.
E, como uma onda forte que te acerta de repente quando se está na praia, a ideia de que sua garotinha estava crescendo o pegara desprevenido. null tinha oito anos, personalidade forte, curiosidades, era uma pessoa complexa como se esperava, ou no caso de null null, exatamente como o piloto não esperava. Era injusto como o tempo passava rápido, alguém precisava urgentemente parar aquilo, pensava ele, enquanto olhava para sua menina no meio das tias, rindo como se já fosse adulta o suficiente para entender todas as piadas.
– Geralmente o calado sou eu. – Valtteri Bottas implicou ao se aproximar, sentando-se ao lado do amigo e oferecendo a ele um copo de uísque e segurando outro.
– Você me assustou, nem te vi chegar. – null riu abafado, depois cheirou o conteúdo de seu copo e deu um gole longo.
– Acho que estou casado há tanto tempo que me tornei minha esposa, não posso ver alguém sozinho e quieto que já começo a pensar que tem algo errado. – Valtteri sorriu, relaxando as costas no sofá.
– Esposas...– null riu fraco, balançando a cabeça negativamente. – Sua esposa tem razão...nesse caso.
– Não diga isso a ela. – Bottas brincou, apoiando os cotovelos nos joelhos e se aproximando mais do amigo. – O que aconteceu? Você e sua senhora brigaram?
– Não, não é nada disso. – null expirou profundamente antes de continuar. – Lembra de quando tudo isso começou? Todos nós? – Ele apontou para os dois e para o grupo reunido mais longe e Valtteri assentiu. – Quatro junções improváveis. Quero dizer, você tinha saído de um relacionamento na semana em que conheceu sua esposa, Vettel estava separado há algum tempo quando conheceu null, Lance Stroll e null depois que começaram a ser amigos não se podia mais dissociar um do outro...e eu e null...e claro a null. – null riu abafado.
– O que tem vocês?
– É que em dias como hoje me passa um filme na cabeça, sabe? – null virou de uma vez o resto do líquido âmbar em seu copo. – Eu fico assistindo...ela já tem oito anos. É como se o tempo estivesse passando muito rápido, mais do que deveria...ela já tem oito anos, a minha pulguinha pequena.
– Achei que a mãe tivesse te proibido de chama-la assim. – Valtteri riu e null deu de ombros, também sorrindo. – Sabe, quando null engravidou, meu sogro e eu tivemos algumas conversas sobre isso. – Bottas expirou, apoiando o tornozelo esquerdo sobre o joelho direito e se recostando no sofá. – Ele me disse que eles nascem, você perde noites de sono, então um dia, sem explicação eles começam a dormir à noite toda. Você relaxa, e entra numa espécie de zona de conforto, para no outro dia acordar e ficar sabendo que o bebê não está mais no berço e sim voltando meio bêbado de uma festa da faculdade.
– Minha nossa, não brinque com essas coisas. – null girou o corpo na direção do amigo e fez uma careta. – Que esse dia demore uns quarenta anos para chegar.
– Você não está criando ela para você, amigo, é para o mundo. – Valtteri disse. – Ela vai crescer, vai ter as crises na adolescência, vai te apresentar um namorado, vai para faculdade ou o que quer que ela queira fazer...
– Você diz como se fosse fácil, não é? – null o interrompeu. – O seu está ali, logo vai chegar sua vez.
– Eu sei, eu não estou falando que não tenho minhas crises, eu tenho. – Valtteri levantou os ombros. – Alguns dias atrás passei a noite toda acordado ao lado do berço, ele teve uma gripe forte, febre e eu surtei, conferia o tempo todo se ele estava respirando.
– E a null? – null quis saber curioso.
– Sentada ao meu lado. – Valtteri contou sorrindo. – O que eu estou querendo dizer é que não adianta lutar contra o tempo. Ela está crescendo e não tem nada de ruim nisso, as experiências e coisas que vocês podem fazer juntos muda, mas não é como se ela fosse virar a cabeça por causa de um piloto de Fórmula Um, largar o país e a família e se mudar para um lugar no fim do mundo e coberto de neve. – Valtteri e null riram alto. – Parafraseando meu sogro.
– No fundo, bem no fundo eu sei que não é de ela crescer que eu tenho medo.– null admitiu, desviando o olhar do amigo.
– O que? Tem medo dela se casar com um inglês de má fama e com gosto duvidoso? – Valtteri provocou e null lançou ao finlandês um olhar cortante.
– É que ela...ela sabe que eu não sou o pai dela, mas e se quando ela crescer mais...não sei...e se ela quiser ir morar com ele, conhece-lo...esse tipo de coisa. – O inglês confessou hesitante.

Valtteri não disse nada, não sabia o que dizer, ninguém poderia saber o que aconteceria no futuro, prever se a menina teria interesse ou não. Os dois continuaram em silêncio, apenas contemplando aquela questão, pensando em como poderiam responde-la.
– Papai. – null chamou, correndo até null com um pedaço de bolo na mão. – O primeiro pedaço. – A garotinha sorriu entregando delicadamente um pedaço de bolo nas mãos desajeitadas de null, que sorriu docemente.
– Vou pegar o seu pedaço, padrinho. – Ela avisou a Valtteri e voltou saltitante para perto do bolo.
– Existe uma coisa bem maior que herança genética e nome num pedaço de papel. – Valtteri sorriu, tocando o joelho de null, que encarava o pedaço de bolo como se fosse a joia mais preciosa do universo.– Amor. A paternidade não é construída sobre DNA, é sobre amor, presença, cuidado...e eu acho que como em qualquer outra relação, o sentimento fala mais alto.

Dizendo isso, o finlandês se levantou e se afastou, voltando para o epicentro de pessoas e encontrando o pequeno Yaël pelo caminho, que tentava andar apoiando-se nas paredes, o menino sorriu como sorri quem encontra o maior tesouro do mundo quando percebeu a aproximação do pai. Valtteri sorriu de volta e tomou o pequeno nos braços, levantando acima da cabeça e fazendo cocegas com a barba em sua barriga, provocando muitas risadas. Depois, Bottas voltou a olhar para o amigo que assistia a cena sentado, e levantou os ombros, maneando a cabeça, como quem diz que é sobre aquilo que estavam falando.
Logo, null o alcançou, entregando a ele um pedaço de bolo e depois correu novamente até o pai, que a recebeu de braços abertos e com o coração um pouco mais quente.

[...]


– Você viu aquela minha camisola escura? – null perguntou ao marido, enquanto revirava o closet.

null, que acabara de entrar no quarto depois de colocar null para dormir, apenas murmurou um “não” entredentes e entrou no banheiro.
– Eu estou tão cheia que acho que não vou conseguir dormir direito. – null riu, vestindo uma roupa qualquer e dirigindo-se para cama. – Você viu como o Yaël está fofo? A null quase morreu quando o Lance brincou com ele e para provocar, falou que também queria um. – Ela contou gargalhando para null, que retornava ao quarto para se deitar. – A menina ficou pálida.
– Legal. – null respondeu no automático, e null o encarou confusa, assistindo-o se deitar.
– Está tudo bem? – Quis saber tocando o ombro dele.
– Sim. – O inglês sorriu fraco, segurando a mão da esposa junto ao peito.
– Vamos pular a parte que você nega e ir direto ao ponto que você fala, null. – null sorriu. – O que está te incomodando? Percebi que ficou afastado a festa toda, sentado naquele sofá a meia luz. Quase não falou com os meninos, nem com o Sebastian.
– Desculpe, não quis ser indelicado com os nossos convidados. – O piloto apertou os lábios e encontrou o olhar curioso da esposa, que dizia que ele falaria por bem ou null usaria todo seu talento para arrancar a verdade. – Não me olhe assim, eu só...– null hesitou, se ajeitando na cama.
– Você só? – A mulher tentou estimulá-lo, ajeitando-se na cama para que pudesse olhar nos olhos do marido.
– Eu acho que aniversários me deixam reflexivos. Essa coisa de tempo, de pessoas crescendo...principalmente a minha pessoinha. – Ele sorriu. – Se lembra do início de tudo? Nós éramos crianças, por mais que já fossemos adultos. Tão imaturos ainda, tentando encontrar nosso lugar na vida, contornar os problemas...isso na vida pessoal, porque quando nos conhecemos já éramos muito bons profissionalmente. – null lembrou com um sorriso bobo brincando nos lábios. – Eu ficava olhando para o grande nada que era minha vida sentimental, esperando que as coisas acontecessem como aconteceram profissionalmente.
– Nós éramos crianças, mesmo. – Ela concordou. – Eu também ficava esperando, todos os dias quando acordava imaginava se seria aquele dia que minha vida mudaria. E você – null fez cócegas na barriga dele. – era todo selvagem, livre...mas acho que tínhamos isso em comum...essa solidão silenciosa e compartilhada.
– É, eu só queria estar do outro lado, sabe? Não ser o cara famoso, estar do outro lado dos holofotes. E as vezes antes de dormir eu criava planos mirabolantes sobre como escapar, essa coisa de filme onde você finge que não é famoso. – null confessou.
– E eu sonhava em não ter que decidir nada, ter alguém para decidir por mim, para resolver tudo...para que não fosse só eu, sabe? Queria muito alguém para cuidar de mim, me dar colo, para dar o controle da minha vida. – null confidenciou, num sorriso fraco e null a puxou para perto, abraçando-a e beijando sua testa.
– Agora você tem, agora você tem a mim. – Garantiu. – E a gente sempre dá um jeito, mesmo quando parecer não ter mais jeito.
– Eu sei disso. – Ela beijou o peito dele com carinho. – Me lembro de quando começamos, ficava com tanto medo de que você acordasse um dia e percebesse que não queria mais...minha vida sempre foi uma bagunça, tinha medo de você não querer entrar nesse furacão.
– Em nenhum momento, estou sendo sincero como nunca antes. – null segurou o rosto da esposa com uma das mãos e olhou em seus olhos. – Eu nunca quis fugir, desde o momento que conheci essa tempestade que é você, me encantei. Uma tempestade fascinante e linda, e quem se casa com a tempestade não se importa com guarda-chuvas. – Ele sorriu.
– Isso foi tão lindo. – null o beijou, com lágrimas nos olhos.
– Você queria saber porque eu estava distante hoje...– Ele voltou ao assunto, depois de alguns instantes em silêncio. – Estava pensando nisso tudo e pensando na nossa menina. Ela está crescendo e isso me assusta. Me assusta ela crescer, me assusta que ela entenda cada vez mais a situação, me assusta a possibilidade de ela querer estar com o outro pai...
– O pai dela é você. – null o cortou.
– Nós sabemos que não é assim, linda. Por mais que nenhum de nós goste dele, o laço continua existindo. – null suspirou. – Eu acho que tenho ciúmes, misturado com medo de perde-la para ele.
– Isso não vai acontecer, ela ama você. Mesmo que por alguma razão que eu não consiga nunca compreender, ela resolva dar bola para ele, nada vai mudar o sentimento entre vocês. – null enfatizou.
– Eu entendo isso, racionalmente, mas meu coração não. – O inglês sorriu fraco. – Valtteri disse a mesma coisa, sobre o sentimento falar mais alto.
– Sabe o que aconteceu hoje? – null se ajeitou na cama, levantando o tronco e apoiando-se nos cotovelos. – Não me lembrei de te contar porque o dia foi uma loucura. Quando estávamos enrolando docinhos com as meninas, estávamos falando sobre casamento e ela perguntou sobre. A null explicou que era algo que você fazia quando amava muito outra pessoa, quando admirava muito alguém. Então, depois que null perguntou o que era admirar e nós explicamos, ela disse que já sabia com quem ia se casar.
– Como assim? – null arregalou os olhos.
– É, ela falou. – A mulher gargalhou. – Ela disse depois de um tempo, acho que ficou pensando naquilo e depois falou. Eu e as meninas quase morremos na hora, achando que ela era uma criança precoce, mas aí quando perguntamos com quem ela iria se casar, null sorriu e falou, “é óbvio, com o papai.” – Contou.

null não disse nada, apenas sorriu. Era a segunda vez no dia que seu coração se aquecia daquela forma, com tanta força e calma ao mesmo tempo. O piloto inglês apertou a esposa contra si, enquanto ela sussurrava um “viu só”, e fechou os olhos. Imaginando a cena que ela acabara de descrever e tendo certeza de que laços de sangue não definiriam o amor que sentia por sua menina e que ela sentia por ele.


2034

– Eu vou dar uma volta. – null avisou assim que chegaram ao grande jardim onde aconteceria o casamento de null e Lance.
– Hey. – null chamou e pediu para a garota se aproximar novamente, balançando dois dedos da mão em sua direção. – Como assim dar uma volta?
– Uma volta, pai. – Ela bufou. – Andar por aí, ver a decoração e as pessoas, os vestidos...– null listou, rolando os olhos.
– Não, não acho uma boa ideia. – null balançou a cabeça negativamente, franzindo o cenho e apertando os lábios. – É melhor ficar aqui, do nosso lado, com seu irmão.
– Mas pai...– null protestou.
– Mas pai, é claro que eu vou ficar ao lado da minha amada família. – Ele a corrigiu, num tom suave, tocando o ombro dela.
– Mãe! – null chamou.

null apenas direcionou ao marido um olhar incrédulo e sem resquício de paciência, null deu de ombros, prestando atenção na decoração e nos convidados que começavam a chegar. Não desautorizava null na frente dos filhos, e por mais que tivesse vontade, não começaria naquele momento, assim, dirigiu a filha um olhar empático e a abraçou de lado.
As flores estavam cuidadosamente organizadas, antúrios brancos, murtas, eucaliptos prateados, monsteras, gipsófilas e rosas brancas, que se uniam num semicírculo sobre a mesa de ferro branco onde o celebrante ficaria. Atrás, o grande mar azul, que no horário da cerimonia estaria sendo tocado pelo sol da primavera, transformando-se num oceano dourado.
Alguns convidados já se amontoavam em cantos do grande jardim onde aconteceria o casamento, com seus vestidos lindos, leves e esvoaçantes, chapéus chiques e ternos de marca. Lance Stroll recebia os convidados sorrindo e apertando as mãos de todos, vários famosos já estavam presentes, tirando fotos, conversando com outros convidados ou quase tão nervosos quanto os noivos.
Sebastian e null Vettel estavam lindos, o ex-piloto segurava seu filho mais novo, Benedict, com três anos, com seu terninho de pajem, enquanto vigiava Olivia, de seis anos correr com seu vestido branco e fofo, junto das outras crianças. As crianças Bottas também estavam presentes, Yaël, agora com nove anos, estava de pé ao lado da mãe, a pequena Hanna de três anos estava no colo do pai, enquanto Emilia, com sete anos, e os garotos gêmeos de cinco anos, Mika e Oliver corriam junto a Olivia Vettel. Junto a pequena Vettel e as crianças Bottas, Benjamin Rena-null, com seus seis anos, também corria pelo jardim, sob o olhar atento da mãe.
Na primeira oportunidade, quando null havia se distraído com seus amigos Vettel e Bottas, null libertara null da cela invisível do pai. Mas sabia que teriam uma longa conversa sobre aquilo quando recebeu o olhar fatal de null em sua direção. Às vezes, nem ela entendia os ciúmes do marido com a filha, ou sua superproteção que a sufocava. O inglês que sempre fora tão simples, liberal e jovial, nos últimos anos parecia um senhor conservador do século vinte quando se tratava da filha adolescente.
Com a chegada da adolescência, o clima entre pai e filha havia se modificado e se tensionado. null constantemente questionava o pai, que a cada ano se tornava mais superprotetor e rígido com a garota, causando até alguns conflitos entre a esposa e ele. null sempre o lembrava de que nem todos os garotos eram como ele fora no passado, que null não precisava se preocupar tanto por causa de sua consciência pesada. Mas o ex-piloto não conseguia simplesmente descansar e confiar que tudo daria certo. Confiava em null, mas não confiava de jeito nenhum nos garotos da idade dela.
E ali, mesmo ao lado de outras pessoas em um casamento, null null estava completamente focado em null, que parecia feliz e interessada na conversa que mantinha com um dos primos adolescentes do noivo. null vestia um vestido azulado e estava radiante, tão empolgada com o casamento quanto suas tias e mãe.
O inglês não parava de puxar a gravata preta ou abrir e fechar o paletó, sempre que seus olhos encontravam a figura de sua menina com o primo Stroll conversando animadamente.
– O que seu marido tem? – null cutucou o ombro de null, aproximando-se dela, e atraindo a atenção de null, Valtteri e Sebastian também.
– Nem me fale disso, já perdi a paciência com o null hoje. – null disse nervosa. – Fica sufocando a menina, sem necessidade nenhuma.
– Ele ainda está com ciúmes dela? – Sebastian perguntou, se esticando para encontrar a afilhada entre os convidados, que aumentavam com o passar do tempo.
– Sebastian, a null tem quinze anos. O que ele vai fazer? Ficar atrás dela? Impedir a null de conhecer pessoas? – Indagou a psicóloga.
– Ele deve estar lembrando do que fazia quando solteiro. – null levantou as sobrancelhas. – Tem uma música, né? Não mexe com a filha dos outros, porque você pode ter filha mulher. – Cantarolou.
– Amiga, isso pode até ter sido fofo no início, mas agora já passou de todos os limites. – null bufou, sendo acalmada pelas amigas, que entraram em seu campo de visão no momento em que null se dirigia a null.

O inglês caminhou a passos firmes até onde a filha estava conversando com o rapaz Stroll. Mas nenhum dos dois jovens perceberam a aproximação de null, até que o ex-piloto se enfiou entre eles, cruzando os braços.
– Pai! – null reclamou, e o rapaz arregalou um pouco os olhos, surpreso.
– Atrapalho? – null indagou irônico.
– Sim, estamos conversando. – null explicou, um pouco envergonhada com a atitude do mais velho.
– Conversando? É só isso que estavam fazendo? – null indagou, concentrando seu olhar no rapaz. – Eu gostaria de saber das suas intenções com a minha filha.
– Pai! – null protestou incrédula e envergonhada.
– Intenções? – O garoto repetiu. – Estávamos só conversando, senhor.
– Só conversando? Então você não tem intenções com ela? – null inquiriu, aproximando-se ainda mais do rapaz, deixando-o encurralado.
– Ei, a festa ainda nem começou. – Lance surgiu de repente, entrando no meio dos dois e afastando null com uma mão, enquanto sorria tentando não chamar atenção do resto dos convidados.
– E talvez nem comece. – null resmungou entredentes. – Pode ir cumprimentar seus convidados, Stroll, é uma questão de pai aqui.
– Não é o momento nem o lugar, null . – Lance tocou o ombro do inglês, tentando acalmá-lo, mas antes que o ex-piloto pudesse responder, uma voz de trovão ecoou atrás deles.
null null! O que está acontecendo aqui? – null, visivelmente irritada, surgiu, seguida pelos outros dois casais de amigos, os Vettels e Bottas.
– Só uma conversa. – null deu de ombros, ainda com o olhar fulminante preso no garoto Stroll.
– Nós só estávamos conversando. – null contou chateada e irritada.

Sebastian aproximou-se de Lance, tocando o ombro de null ao mesmo tempo que fazia sinal para que o garoto saísse do olho do furacão.
null, que tal uma bebida? O Stroll está pagando. – Vettel propôs quando null o encarou incrédulo.
– Eu não tinha terminado com ele ainda! Preciso ter uma conversa com aquele garoto. – null reclamou.
– Não precisa! E desse jeito, não vai precisar ter conversa com nenhum, porque eu nunca vou namorar. Nenhum cara vai querer chegar perto de mim com você sendo meu pai. Está feliz? – null questionou nervosa.
– Isso é para o seu próprio bem, null. Um dia você vai me agradecer por te proteger. – null disse com firmeza, mas olhar doce.
– Agradecer por estragar minhas chances de ter uma vida normal? – A garota riu sem humor. – Obrigada, por me fazer ser a pessoa mais estranha do país e que ninguém quer chegar perto. – Ela ironizou e lhe deu as costas.
– Não faça isso, null. – null zangou. – Não me dê as costas enquanto estamos tendo uma conversa.
– Não estamos tendo uma conversa, você está só me envergonhando. – Ela devolveu. - E eu nem preciso ficar aqui e ouvir você, você não é meu pai.

Quando null disse aquelas palavras, os olhos de null se arregalaram e seu estômago congelou. null, Lance e os dois casais que acompanhavam toda discussão também não conseguiram disfarçar o choque que os tomou. null se afastou pisando firme, mas null permaneceu estático, sem reação.
– Tudo bem, null? – Valtteri perguntou, tocando o ombro do amigo, que permanecia em silêncio.
– É coisa de adolescente, não leve o que ela disse a sério. – null tentou amenizar sorrindo.
– Vou falar com ela. – null avisou, seguindo os passos da filha e tão incrédula quanto o marido.

null encarou a esposa se afastar, ainda incrédulo quanto ao que acabara de ouvir e profundamente chateado. Então, expirou profundamente e se afastou dos amigos, ignorando os olhares empáticos e chocados. Só queria encontrar um lugar onde pudesse tentar entender o que havia acontecido, sem que ninguém o interrompesse ou fizesse perguntas, ou que não precisasse forçar sorrisos para fotos.
Caminhou chutando o chão até o estacionamento, para um canto mais isolado sob uma árvore grande com copa frondosa que fazia sombra no chão. Aos pés da árvore havia um banco branco de ferro, null deixou seu peso cair, sentindo o corpo reclamar com o impacto na superfície dura.
Não podia acreditar que havia escutado aquilo, as palavras de null ecoavam em sua mente, feriam-no de um jeito que null sequer imaginava que fosse possível. Era a sua menininha, sua garotinha, sua pulguinha pequena. Talvez tivesse sido pesado com a marcação cerrada, cerceando a garota e sufocando suas vontades, mas era com boas intenções. Queria protege-la, cuidar de null. Conhecia o mundo, sabia muito bem como as mulheres ainda eram tratadas, todas as violências as quais estavam sujeitas, e era enlouquecedor pensar que algo assim poderia acontecer a sua menina. Preferia morrer.
- Oi. – null cumprimentou, aproximando-se dele e null bufou rolando os olhos, preparando-se para despachar a companhia da amiga. – Não adianta me olhar assim, porque eu vou ficar. – A senhora Bottas pareceu ler sua mente. – Não precisa dizer nada, amigo, mas vou ficar aqui. Se quiser falar, te escuto, se quiser só ficar em silêncio, também fico.

Os dois permaneceram quietos, null curvou o corpo para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos e encarando a grama, e null esfregava os dedos distraída e um pouco ansiosa. null não queria ouvir um sermão, mas queria falar, queria verbalizar como se sentia para que alguém talvez o entendesse, compreendesse que suas intenções eram boas apesar de não serem tão bem vistas assim.
- Eu só me preocupo. – Disse por fim, cedendo à pressão do silêncio. – Tenho medo por ela, morro de medo...é difícil. - null bufou. – É difícil amar muito algo que você pode perder, é sensível, é frágil. A vida é muito frágil, você sabe. – Ele argumentou, endireitando a coluna e encarando a amiga com um olhar quase sedento por compreensão.
- Eu sei, você tem razão nisso. – null tocou o ombro do inglês. – Mas não acha que seria mais fácil se usasse outras formas?
- Eu não sei, talvez sim. – null expirou, balançando a cabeça negativamente. – Se meus pais fizessem o mesmo comigo...cara, eu surtaria. – Pensou enquanto ria. – Mas é maior que eu, entende? Você tem filhos, eu sei que sabe qual é a sensação. Querer e tentar proteger seus filhos do mundo, por medo...eu vivi o suficiente para saber que a vida não é linda, as pessoas são más, as pessoas mentem e traem...as pessoas morrem, null! – null argumentou, tinha muito medo e isso era perceptível em seu semblante, nas palavras e no jeito em que ele agitava as mãos enquanto dizia e encolhia os ombros.
- Vocês estão criando uma pessoa, e não um experimento de laboratório. null é uma pessoa que no momento é uma adolescente, mas ela vai crescer e se tornar uma mulher, ter sua própria família, filhos...- null disse com calma, olhando em seus olhos. – É normal querer protege-la, seria estranho se não fosse assim, mas você precisa entender que sua superproteção não vai impedir que ela quebre a cara ou sofra certas coisas, na verdade pode até piorar.
- O que você está querendo dizer? – null arqueou as sobrancelhas, armando-se.
- Estou dizendo que se você impedir que ela viva, quando null precisar de maturidade para decidir, para se proteger de certas coisas, não terá. Ou você tem a fantasia de viver para sempre? Ou que vai ficar ao lado dela durante todos os minutos de vida que ela tiver? – null inclinou a cabeça sobre o ombro e torceu os lábios. – Amigo, eles crescem e você tem duas escolhas, atrapalhar o processo, ou ajudar. Você pode tentar proteger a null cuidando dela, dando conselhos e sendo o abrigo que ela precisar quando algo der errado. Mas fazendo o que tem feito, bloqueando, cerceando, impedindo que ela tenha experiências saudáveis para a idade dela, você está envenenado a relação de vocês e apenas isso.
- Falando até parece ser fácil, não é? – null soou mais irônico do que pretendia.
- Eu sei que não é, pais erram o tempo todo. – null sorriu. – Não tem um manual de instruções, e nós não somos perfeitos. Como você disse sabiamente, temos medo, traumas e várias outras coisas. Mas todos os dias temos a chance de tentar fazer algo diferente, de tentar melhorar. Vou fazer uma comparação que vai entender. – Ela empurrou levemente o inglês pelos ombros, o fazendo sorrir. – Pense que cada dia que temos com nossos filhos são dias de treinos, onde vemos o que deu errado e tentamos corrigir. Você não está há meia hora da corrida para que precise entrar nas pistas sem testar o carro, está tudo bem ter medo, errar e precisar fazer alguns ajustes.
- Essa foi uma das comparações mais estranhas que eu já ouvi. – null sorriu.
- Talvez tenha sido. – null deu de ombros, pondo-se de pé. – Mas foi o máximo que pude pensar. Agora chega de drama e lamentação, vamos logo para o casamento antes que null venha aqui vestida de noiva e faça você engolir o choro a base de tapas. Você é null null, se alguma coisa vai mal você vai lá e conserta, pare de reclamar. – Ordenou ela, puxando o inglês para que ele ficasse de pé, enquanto sorria para tentar não soar muito séria.

[...]


null estava posicionado na primeira fileira, ao lado de Sebastian Vettel. Apesar da troca de olhar tensa entre ele e null, tudo pareceu desaparecer com o início do casamento. O clima romântico e familiar, a felicidade que envolveu intensamente todos presentes, as lembranças de seu próprio casamento quando assistiu a esposa entrando por aquele corredor, sorridente e segurando um pequeno buquê de flores.
O casamento de null e Lance Stroll parecia ser suficiente para que ele esquecesse os acontecimentos anteriores. E a cerimonia seguia linda, com a participação das crianças, com as declarações e votos. Mas uma parte especifica dos votos de null captou a atenção do inglês e o fez refletir.
– Eu me apaixono todos os dias por você, mas não tenho medo disso, não tenho medo do que vai acontecer, não tenho medo de cair porque sei que você vai estar lá por mim. – Ela disse com olhos marejados, enquanto Stroll não tentava disfarçar o choro. – Não me aflijo mais com as tempestades da vida, porque meu abrigo é você.

null divagou, mesmo que aquelas palavras fossem de uma noiva para o noivo, faziam certo sentido para null, e o transportavam para a conversa com null e para sua relação com null. Ele entendia melhor que ninguém que todos estavam sujeitos a passarem por tempestades, por dores e por dificuldades na vida. Mas mesmo assim, sentia medo, muito medo. Queria conseguir proteger null e Benjamim de suas dores, até mesmo sentir por eles para que seus filhos ficassem bem e sempre felizes.
Mas, imitando null e comparando a vida a corridas de Fórmula Um, sabia que se você não erra, dificilmente aprende, e se não aprende, não evolui. Talvez, deva doer um pouco para não doer muito.

null decidiu que devia conversar com null, definitivamente. E devia se desculpar, assim que possível e mais rápido que conseguisse. Esperou ansioso que os noivos selassem a união e fossem declarados marido e mulher, assim que aconteceu e a cerimônia foi dada como encerrada, null se afastou dos outros padrinhos para procurar null.
Correndo os olhos pelas mesas e por cada canto daquele jardim imenso e suas árvores, encontrou a garota sentada sozinha perto de uma roseira, num banco de jardim e concentrada em seu celular. Quando null percebeu a chegada do pai, rolou os olhos e se levantou.
– Não, não. Por favor, congela. – null pediu, fazendo menção a brincadeira de infância e apressando o passo, null cruzou os braços sobre o peito, encarando o pai mal-humorada. – Eu só quero conversar, null. Quero me desculpar com você.
– Você quer se desculpar? – Ela arqueou uma sobrancelha e franziu o cenho. – Tem certeza disso?
– Tenho. – null sorriu, sentando-se no banco e indicando com uma das mãos para que a garota fizesse o mesmo. – Eu pensei sobre tudo, refleti sobre o que aconteceu e sobre o que vem acontecendo em casa nos últimos tempos.
– E?
– Você não vai se lembrar, era muito pequena. Mas quando eu conheci você e sua mãe, me lembro que nos apegamos muito rápido, como se fosse algo preparado para acontecer. E eu amei tanto vocês desde o início que tudo que quis foi compensar todo tempo perdido, toda dor que você e ela poderiam ter sentido antes de mim. – null contou. – Quando você adoecia e até hoje quando isso acontece, eu faria o que fosse preciso para que eu sentisse aquela dor e não você, para que você ficasse bem. Sem pensar, em uma dessas decisões que se tem que tomar a milésimos de segundos, eu escolheria passar pelo que fosse, apenas para que você ficasse bem.
– Pai...– null tentou dizer, mas ele pareceu não ouvir.
– Eu não sabia que não tinha um curso ou manual sobre ser pai. – Brincou sorrindo fraco. – Quando se é pai ou mãe, a única coisa que sabe é que ama seus filhos, todo o resto você faz segundo sua intuição e sempre, sempre, sempre com plano de acertar. Só faz o que acha que vai ser melhor, mas as vezes dá errado. – null tocou o joelho da filha, num carinho sutil. – E eu erro, null, erro muito. Às vezes é difícil para mim aceitar isso, mas erro e juro que é com a melhor das intenções.
– Eu não estava fazendo nada, pai, estava só conversando. – null argumento com voz um pouco embargada.
– Eu sei, querida, eu sei. – null abraçou a menina de lado. – Eu sei disso. Mas você já sentiu medo? Muito medo? Aqueles medos que fazem você querer correr? – Ele perguntou e a garota assentiu. – É isso que eu sinto com você. Eu morro de medo de que alguém te machuque, te faça sofrer e que eu não possa fazer nada quanto a isso. Isso me enlouqueceria.
– Ninguém vai fazer nada comigo, pai. Eu sei me cuidar. – Ela garantiu.
– Ninguém pode ter certeza, null, não tem como saber.
– Mas se eu não viver com medo de coisas ruins, como vou viver as coisas boas? – Indagou. – Papai, eu quero viajar, quero conhecer o mundo, ir para Juilliard e ser conhecida. Quero ter um namorado, como as minhas amigas e como nos filmes. Mas como posso fazer isso? Eu quero viver e eu quero decidir tudo sobre a minha vida. Minha mãe diz que não tem problema em cair, é só levantar depois. Ninguém nunca morreu por isso.
– Você está coberta de razão. – null sorriu, assentindo com a cabeça, orgulhoso com a maturidade dela.
– Eu sei de todas essas coisas que me disse, pai. Quando eu tenho medo, procuro você, quando tenho um problema, ou quando quero um conselho. – null falou, olhando nos olhos dele. – Quando eu tinha algum problema na escola, você estava lá. Se ninguém mais aparecer, eu sei que você vai estar. Eu sei.
– Eu vou, vou estar. – null sorriu, sentindo os olhos ficarem molhados.
– É só confiar em mim, não sou criança. – null pediu.
– Talvez eu só não esteja querendo aceitar que meu bebê, minha pulguinha pequena tenha crescido. – null sorriu, acariciando o rosto de null.
– Papai, por favor, não me chame assim. – A garota pediu, olhando para os lados alarmada, conferindo se ninguém mais o tinha ouvido. – Me desculpe também.
– Pelo que? – null franziu o cenho, confuso.
– Por ter dito que você não era meu pai. – null falou encarando os pés. – Eu só estava com muita raiva. E se eu pudesse escolher, escolheria você como meu pai. – Ela sorriu fraco, envergonhada.

null sorriu e puxou a filha para um abraço apertado. Ser pai não era de longe, a tarefa mais fácil que tinha assumido na vida, mas definitivamente era a melhor de todas. Sempre.


2042

– Você precisa de mais um lenço? – null perguntou a esposa, que se debulhava em lágrimas mais uma vez.
– Não, amor. – Ela riu, enxugando o rosto com as costas da mão. – Já estou bem.
– Não dá para acreditar, não é? – null enfiou o rosto entre o casal, sentado na primeira fileira. – Até ontem mesmo ela era desse tamaninho e agora já está pegando o diploma na Juilliard.
– Lembra quando você tentou convencer ela a fazer medicina? – null sorriu com a lembrança.
– Claro, minha única falha. A arte já estava no sangue dessa garota desde sempre, fui voto perdido. – null lamentou.
– Gente, gente! Podem fazer silêncio? Minha afilhada vai falar agora. – Sebastian zangou, cutucando a cintura de null.

Todos os olhares se voltaram a bela moça negra que subia até a parte mais alta do palco, com um sorriso maior que o mundo e seu discurso em mãos. null sorriu para todos e acenou timidamente para a família que assistia tudo das primeiras fileiras.
A jovem levantou a cabeça e encarou em silêncio a pequena multidão reunida ali, todos os olhares curiosos, faixas e sorrisos em sua direção, depois respirou fundo, expirou sorrindo e deu início a seu discurso.
– Bom, fiquei incumbida de uma das tarefas mais importantes da noite. – Ela sorriu. – De todos os discursos e agradecimentos feitos aqui por meus colegas, talvez esse seja para todos nós o mais importante. O agradecimento a família vai muito além de dizer obrigado por todo investimento de todo tipo em nós e durante nossa formação. Tem a ver com agradecer a nossos entes mais amados por sermos quem somos, por todo amor que recebemos. Cada incentivo, desde a infância, cada palavra amiga e cada aplauso diante nossas pequenas e infantis apresentações foram o estopim para que cada um desta turma estivesse aqui hoje. Cada carona para testes, cada hora passada assistindo uma peça, um espetáculo, todas essas coisas, como uma parede de tijolos, nos ajudaram a construir este sonho e a nos construirmos como artistas.
– Ela fala muito bem. – null comentou, orgulhosa.
– Puxou a mãe. – null sorriu, abraçando null de lado.
– Cada aluno aqui, sentado atrás de mim, e hoje, lindos e arrumados. – Ela brincou, fazendo todos sorrirem. – Sabemos exatamente o peso de cada aplauso, de cada abraço, de cada uma das milhares de vezes que ouvimos que tudo daria certo, que éramos talentosos, que teríamos sucesso, que nossos sonhos se realizariam. Às vezes para quem diz, pode parecer algo simples ou até mesmo básico, mas para quem ouve...ah, para quem escuta, essas palavras ficam marcadas para sempre. – null sorriu de novo, piscando algumas vezes, tentando controlar a emoção. – Tomei a liberdade de me usar como exemplo hoje, é um dos benefícios que ninguém te conta quando é convidado a ser orador. – Ela fez todos rirem mais uma vez.
– Agora que eu morro. – null declarou, chorosa, fazendo os amigos sorrirem.
– Eu não posso dizer que tive um começo de vida fácil, minha mãe está aqui para concordar. – null voltou seu olhar para a mãe, que assentia chorando. – Passei por poucas e boas em uma UTIN* lutando para sobreviver, em consequência disso tive vários outros problemas, inclusive passei a andar lado a lado com a surdez. Quem via aquela criança, não apostava que ela chegaria muito longe, e ainda por cima, era preta. – null balançou a cabeça negativamente, sorrindo. – Mas minha avó e minha mãe sabiam, desde o meu primeiro dia de vida que não seria qualquer coisa capaz de me derrubar. E eu aprendi isso justamente com elas, com cada lição, cada conselho, cada exemplo. Minha vó, em recordação e com a sensação de sua presença constante em minha vida, e minha mãe com seu colo quente, sua escuta atenta e seu jeito leve de ver a vida. Essas duas mulheres, junto com meus tios e padrinhos, me ensinaram que eu poderia ser o que quisesse, fazer o que quisesse, sendo exatamente quem eu era.

null sorriu docemente e apertou os lábios, quando seu olhar cruzou com o de sua mãe, que chorava copiosamente, mas ainda ostentando um grande sorriso no rosto.
– Minha mãe é definitivamente a razão de eu ser quem sou, além de me presentear todos os dias com amor incondicional, afeto e risadas, ela ainda me agraciou com o melhor pai que alguém pode ter. – null piscou para o piloto inglês, que por alguns instantes se surpreendeu com a menção da garota. – null null, caso alguém ainda não o conheça. O que duvido muito, já que desde que entrei pela primeira vez por aqueles portões, não houve uma só apresentação nesses palcos em que ele não estivesse presente. – null brincou, sorridente. – null null. – A jovem fez uma pequena pausa, respirando fundo novamente. – Para a maioria dos habitantes desse planeta, ele é um ídolo, um símbolo de uma luta maior do que qualquer um de nós, um idealista que usou de seu prestigio para transformar o mundo. Mas para mim, lá em casa nós o conhecemos por papai. Nada de luxos, ele é quem lava a louça a noite, e cozinha quando está frio. É o papai que passeia com os cães, que traz mais um agasalho quando estamos a muito tempo no jardim durante o inverno. E foi ele, meu pai que me apresentou os meios, os caminhos para que eu me tornasse a mulher que minha mãe me ensinou a ser.

null sorriu grande e mandou um beijo no ar para a filha, se pedissem, o ex-piloto não poderia colocar em palavras como se sentia orgulhoso de sua pequena pulguinha.
– Muito obrigada, mamãe, por me mostrar que eu podia caminhar e me ensinar a ser a mulher que sou hoje, e muito obrigada, papai, por trazer luz para toda minha trajetória. – null não escondeu a lágrima que rolou de seus olhos enquanto sorria. – Talvez, se não fizessem parte da minha vida, ainda sim estaria onde estou hoje, mas certamente, com toda certeza que existe em mim, eu seria extremamente menos feliz. Muito. Obrigada. – Agradeceu pausadamente, fechando as mãos espalmadas, e inclinando-se sutilmente em direção aos pais.

Todos presentes na cerimônia se levantaram, aplaudindo não só o belo discurso, mas também o lindo exemplo de null. null, null, Benjamin, e todo o resto da família puseram-se de pé, aplaudindo orgulhosos a jovem. A emoção da formatura de um filho é gigantesca, mas naquele instante, null e null juravam que a alegria e orgulho que sentiam estourar o peito era infinitamente maior do que a de outros pais.


2052

null caminhava pelo corredor do hospital olhando para todas as portas, procurava o quarto número quarenta e quatro. Não sabia muito bem porque, mas não tinha a pressa que se esperava em encontrar o lugar certo, não se preocupava em andar mais rápido ou perguntar se estava mesmo no andar certo. Parte do inglês não estava acostumado a ideia de ver seu bebê com outro bebê, sabia que null já era uma mulher feita, casada, uma atriz de musicais respeitada, mas para ele a grande null Rena-null, sempre seria sua pulguinha pequena.
null havia se casado em 2048 com um piloto de Fórmula um brasileiro que era conhecido como promessa do esporte. Rodrigo Silva era uma das apostas da década para o esporte, sendo comparado a outros talentos do Brasil, como Ayrton Senna e até mesmo a null null. Era um cara legal, null até conseguia gostar dele, tinha humildade, inteligência e um talento a muito tempo não visto. Silva corria pela Aston Martin, e tinha Lance Stroll como chefe de equipe e padrinho no esporte, junto a Sebastian Vettel, que havia descoberto o talento do brasileiro.
E agora, Rodrigo estava construindo sua própria família com null. Ela até havia aderido ao sobrenome do marido e agora quando dava autógrafos assinava Silva no fim.
Rodrigo devia estar no quarto, assim como null que tinha assistido junto a ele o parto da filha. null preferiu aguardar na sala de espera, não sabia bem como reagir ou como se sentir quanto aquilo. Amava a ideia de ter um neto, estava ansioso por isso, mas um novo bebê não justificava ou atenuava o misto de sensações estranhas que o ex-piloto inglês sentia no momento.
A visão do null encontrou o número quarenta e quatro marcado numa porta branca, o inglês respirou profundamente e então bateu duas vezes antes de abrir.
– Olá! – null disse baixinho para não acordar o pequeno, enquanto sorria e acenava para o pai.

A mãe estava recostada no leito com o bebê nos braços, Silva estava ao seu lado, com o braço nos ombros dela e null sentada aos pés da cama, sorrindo para a filha. null sorriu fechado e entrou no quarto, meio envergonhado e meio sem saber como agir.
– Oi, papai. – null cumprimentou quando ele se aproximou. – Demorou.
– Me perdi entre os quartos. – null mentiu. – Você está bem?
– Sim, estou ótima. Venha mais perto, quero que conheça seu neto. – Ela chamou e null sorriu.

Devagar, se aproximou da cama, inclinando-se um pouco para conseguir ver o bebê embrulhado entre as mantas. Era um menino e apesar de recém-nascido e envolvo naquela cera branca pegajosa, era um menino gordinho, com bochechas imensas e um pouco de cabelo, preto como os pais e parecia ter os mesmo lábios e nariz de null.
– Nossa, ele é lindo. – null elogiou emocionado. – Lindo mesmo. Perfeito.
– Ele é sim. – Rodrigo concordou.
– Parabéns aos dois. – null sorriu. – Filhos são um presente. – Ele concentrou o olhar a filha e acariciou seu rosto com cuidado. – Então, agora você é mãe.
– Eu sou. – null gargalhou emocionada, esticando a mão para segurar a do pai. – E eu vou ser a melhor mãe do mundo se conseguir ser pelo menos um terço do que você e sua senhora foram para mim e meu irmão. – null disse, piscando para a mãe.
– Você vai ser melhor. – null assentiu emocionado.
– Obrigada, pai. Por tudo, por ser meu pai, por ser você. Obrigada. – null sorriu.
– Tudo bem, não precisa agradecer. – null desviou os olhos, emocionado.
– Tem uma coisa que gostaríamos que você soubesse. – Rodrigo disse, atraindo a atenção do sogro.
– O que é? Algum problema? – O inglês questionou alarmado.
– Não, pai. – null riu alto, acompanhada da mãe.
– Deixe que eles te contem, null. Pare de tirar conclusões precipitadas. – null pediu, aproximando-se do marido e o abraçando.
– Assim que fiquei grávida, nós decidimos qual seria o nome se fosse um menino, mas escolhemos só saber o sexo no parto. – null explicou. – É uma homenagem, precisava ser assim. Felizmente, Rodrigo concordou. – Ela sorriu e o marido a abraçou de lado. – Não podia ser diferente. É uma homenagem ao melhor homem que já conheci, ao mais brilhante, ao mais maravilhoso. Nosso menino – ela voltou o olhar para a criança em seus braços. – vai se chamar null Carl Davidson null II, neto do grande Sir null Carl Davidson null. – Contou, olhando para o pai.

null mal pode se mover. Por alguns instantes aquilo pareceu brincadeira, uma piada, não fazia sentido. E então a emoção o atingiu, seria homenageado por sua filha, que daria seu nome ao neto.
– Vocês...vocês têm certeza? – Ele hesitou. – Quer dizer, eu...eu não sei o que dizer.
– Pai, você é incrível e eu nomearia todos os meus filhos assim se pudesse, e não seria uma homenagem boa o suficiente para você. – null declarou.

null corria os olhos da filha para o neto, e de volta a filha, sem saber o que dizer ou como dizer. Estava tomado por uma emoção tão grande e tão intensa que mal podia acreditar ser real.
Quando se levantou, anos atrás, pronto para ser o pai de null, não podia prever que todas aquelas coisas aconteceriam, que chegariam até ali da forma que chegaram e nem que seria tão lindo como era. Não existiam palavras no mundo que fossem capazes de traduzir o que ele sentia naquele momento. null permitiu-se transbordar como se devia, não que pudesse conter a onda de sentimentos, apenas aceitou e se permitiu atingir por ela. Depois de encarar a família mais uma vez, ele chorou.
Chorou de felicidade, aquela com certeza seria sua vitória mais marcante, melhor que qualquer título da nobreza, ou campeonato mundial. Sua maior vitória era sua família.





E seguem felizes.



Nota da autora:Essa fic nasce num lugar muito feliz.
Às vezes a vida no presenteia com certas companhias de caminhada, e só nos resta aproveitar o passeio enquanto pensamos o que de tão bom fizemos parar merecer sermos amados assim.
Obrigada, Lori, por me ensinar a não ser só, por me ensinar a amar além, a ser a melhor amiga que posso ser.
Você é incrível do seu jeito, mesmo achando as vezes que não. Existem em você uma luz tão bonita e tão boa que realmente faz o resto parecer pequeno. Sua felicidade e alegria, sua vontade de viver e ser feliz é tão grande e transforma tanto tudo a sua volta, que as vezes é pecado comparar essa luz a suas outras facetas.
Espero que com essa short pequetitica, você consiga entender que, se eu fui capaz de escrever uma fic com Lewis Hamilton por você, é porque o mundo é teu e a gente só está aqui de inquilino.
Obrigada por tudo e por tanto.

In memoriam a tua mãe e pai, que estejam sorrindo e fazendo outros sorrirem, verdadeiramente felizes, onde quer que estejam.
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