A casa estava escura, o odor pungente de álcool, cigarro e lixo provocava ânsia. A louça estava empilhada em cima da pia, o fogão acumulava o pó por não ser usado, roupas e sapatos faziam pilhas aqui e ali enquanto uma figura se encontrava semi viva em seu estado alcoólico; o único cômodo daquele lugar que era habitável: meu quarto, o qual encontrava-se definitivamente trancado, o dinheiro que juntava com muito esforço e meus pertences eram protegidos pelo inúmero sistema de trancas. Embora guardasse parte do dinheiro no banco, sempre possuía algum em fácil acesso caso precisasse fugir.
Com o novo amanhecer, a cidade pacata de Brenehal aos poucos despertava, as noites costumavam ser movimentadas no lado oeste devido aos adolescentes e motoqueiros da velha cidade. Brenehal era uma pequena cidade esquecida nos anos 80 banhada pelo atlântico e com os mais belos pôr-do-sol, meu trabalho consistia em limpar a sujeira dos bêbados da noite anterior. Meu chefe, um velho ranzinza e respeitável membro da gangue de motoqueiros da cidade me abrigou e me ofereceu uma chance de sobreviver até que eu possuísse os meios para escapar com as minhas próprias forças deste lugar. O motor da minha velha moto ecoava como o ronronar de um felino pela estrada que margeava o penhasco ao lado do oceano, o eco das ondas era o meu som favorito aliado às escassas gaivotas que sobrevoavam a água. O vento frio vindo do mar era o que espantava o sono das noites mal dormidas, toda vez que o sol ia embora o meu pesadelo iniciava. Um ex-militar com hábitos ruins e uma raiva incontrolável marcado pelas cicatrizes das guerras em outras nações retornava para casa logo após o pôr-do-sol. Sua figura gigantesca carregava litros e mais litros de álcool em seu sistema enquanto espancava furiosamente a porta do meu quarto. A cômoda e o guarda-roupa eram movidos de lugar todas as noites, impedindo a entrada do meu responsável legal; minha mãe estava presa por se envolver demais com o narcotráfico e havia apenas a opção de lutar para sobreviver. Henzel, ou apenas Henny como era chamado por todos, o meu chefe, me encontrou dormindo ao lado das latas de lixo em uma noite estrelada de primavera, logo após fugir e me esconder da figura sombria de meu pai. Henzel me ofereceu abrigo, comida e um emprego; como um animal arisco, não me comunicava nem interagia com ninguém até que ele me forçou a ir à escola e se tornou meio que responsável pelo meu desenvolvimento como um indivíduo social.
— , você chegou!
A voz suave e melódica de Brix me saudou assim que entrei pelas portas do fundo. O bar estava semi-iluminado enquanto as baladas românticas dos anos 80/90 ecoavam pelo ambiente.
— Como está o coroa? — Indaguei pendurando o capacete, o casaco e a bolsa ao lado do armário dos fundos.
— Eu já te falei para não me chamar assim, peste! — Henzel surgiu estalando um peteleco em minha cabeça, sua voz rouca estava mais alta que a música.
— Já não passou da hora de idosos estarem na cama?! — O respondi sorrindo com diversão enquanto via Brix e Alexis rindo baixo e movendo a cabeça negativamente.
— Que atrevimento! Alguns anos atrás não emitia um pio e agora está se achando a própria chefe! — Henzel praguejou com o humor ácido enquanto eu lutava para não rir.
— Vamos, pai, você precisa tirar algumas horas de sono, hoje teremos um aumento de público devido ao festival que se aproxima. — Alexis tentou acalmar o seu pai o levando em direção ao segundo andar.
— Você está me chamando de velho?! — Henzel olhou para o filho com surpresa enquanto sua face fechava-se numa careta desgostosa.
— Não é isso, papai! — Brix se aproximou da figura irritante de Henzel sorrindo docemente como um anjo. — Alexis está apenas dizendo que o senhor deveria descansar.
— Jovens! — Henzel revirou os olhos enquanto seguia em direção ao segundo andar no qual encontrava-se a sua casa.
Assim que a figura de meu chefe desapareceu de nossa vista, a risada fora unânime. Embora possuísse o espírito jovem e aventureiro, Henzel já era um homem com 75 anos com dois filhos adultos criados por ele e sua esposa, Mary Anne, a qual faleceu de causas naturais aos 65 anos. Os gêmeos Alexis e Brix já tinham 27 anos e auxiliavam o pai a gerenciar o bar e a oficina, eles me tratavam como parte da família.
— Você deveria tomar cuidado, pirralha, o velho anda mais ranzinza que o comum ultimamente. — Alexis abraçou meus ombros ainda rindo.
— Como tem ido o colégio? — Brix tirou os aparatos de limpeza e os trouxe até onde estávamos.
— O colégio tem sido o mesmo desde que estudaram lá. — Empurrei Alexis enquanto seguia em direção às mesas, erguendo as cadeiras.
— Nerd! — Alexis “tossiu” enquanto pulava para o lado escapando de um vidro de desinfetante que lancei em sua direção.
— Hey! Chega, vocês dois! Querem que a figura amigável do idoso na crise dos 75 anos desça as escadas para nos ensinar bons modos? — Brix se pronunciou furiosa enquanto Alexis e eu retornávamos aos nossos afazeres.
Aos fins de semana auxiliava na limpeza e no atendimento do bar, passava os dois dias por lá sem retornar à minha casa, porém, como ainda possuía um representante legal, não podia ficar tanto tempo fora de casa, ele causava mais desastres quando precisava me encontrar do que quando passava a noite em casa. Então durante a semana após o colégio ajudava a servir bebidas e limpar as mesas após o fechamento; o problema era justamente voltar para casa. Tinha dias que a figura que eu tinha que chamar de pai estava dormindo, e outros que ele não dava a mínima para a minha presença; esses eram bons dias. Os dias ruins eram aqueles que ao chegar em casa meu pai estaria me esperando com seu semblante furioso e, se eu não fosse rápida o suficiente, ganharia uns hematomas pelo corpo que me impediriam de ir à escola, ao bar, a qualquer lugar sem que meu corpo denunciasse as agressões.
O problema da cidade pequena era justamente por saberem o que se passava dentro da minha casa e ninguém fazia nada! Henzel, Alexis e Brix já haviam tentado me ajudar, mas como meu pai conhecia bons advogados e juízes e não haviam testemunhas contra ele, eu estaria presa àquela vida até que fosse maior de idade. Sem amigos além dos gêmeos, eu vivia isolada da galera da minha idade. Não que eu sentisse a necessidade de participar do núcleo de jovens que muito provavelmente passariam a vida toda naquela cidade, com empregos patéticos, vidas medíocres e perspectivas pequenas. Eu queria viajar o mundo, conhecer e aprender o máximo que eu pudesse sem medo de viver! Na noite de domingo, o bar estava cheio devido ao festival da cidade, não haviam somente motoqueiros nas mesas ou no balcão. As noites culturais sempre rendiam um bom dinheiro à Henzel; dono do melhor estabelecimento de bebidas e com petiscos da pesca local, recebíamos uma variedade de público.
— Hey , sua vez de tirar um intervalo! — Alexis surgiu assumindo a tarefa de encher os copos de cerveja dos clientes.
— Tente sobreviver ao seu grupo de groupies, hoje elas estão sedentas por qualquer interação. — Pisquei um olho para ele, fugindo do jato de cerveja que ele lançou em minha direção.
Rindo, alcancei o lado de fora sentando-me sobre a mureta que separava o estacionamento de motos do restante do lugar; estava mais próxima dos fundos do bar no qual os sons eram abafados tornando quase silencioso aquele lugar. Inspirando o ar da noite e fechando os olhos, relaxei os músculos balançando as pernas enquanto desfrutava do ar noturno; no entanto o som de carne sendo esmagada e leves resmungos me fizeram abrir os olhos espantada.
Entre o mar de motocicletas e alguns carros, estava a figura de um garoto sendo espancado por um quarteto de idiotas. Me levantando, segui em direção à briga. O lado positivo sobre a situação em que eu vivia era que, depois de apanhar tanto, você aprende a revidar; comparado a um ex-militar, aqueles garotos não eram nada! Ao invés de intervir chamando a atenção com a minha voz, optei por dar um chute no garoto que possuía um olhar sádico ao que estava apanhando, o sádico foi parar distante enquanto os três que sobraram notaram a minha presença, parando de bater no garoto com cara de animal abandonado.
— Quem você pensa que é, esquisita?! — O mais alto deles esbravejou nem um pouco contente.
— Não é permitido brigas no estacionamento do bar. — Apontei para a placa às costas deles indiferente ao modo como fui chamada.
— Quer tomar o lugar dele? — O moreno indagou com um brilho de perversidade, seus olhos analisaram-me de cima a baixo.
— Como se vocês conseguissem me acertar. — Meu tom entediado fora como uma faísca num barril de pólvora.
Os três partiram para cima de mim, seus movimentos eram lentos e desregulados comparados ao meu velho; esquivei-me distribuindo uns socos aqui, uns chutes ali até espanar a sujeira da minha roupa após a briga. O primeiro garoto que bati fora esperto o suficiente para se manter distante, seus olhos possuíam um toque de espanto e medo. Balancei a cabeça rindo fracamente antes de voltar minha atenção para o garoto que fora o alvo da trupe de idiotas, eu não esperava encontrar um olhar tão intenso, era como se ele pudesse ver minha alma. Aqueles olhos verde-oliva possuíam um brilho de inocência que me assustava.
— Você consegue se levantar? — O indaguei desviando o olhar, notando a figura de Brix surgir pela porta dos fundos como se me procurasse.
— Eu-e-eu consigo… Ai! — Ele me respondeu gaguejando, ao ouvir sua reclamação me abaixei de modo a ficar no mesmo nível que ele.
— Deixe-me te ajudar! — Estendi minha mão para ele colocando o braço dele envolta do meu ombro. — Segure-se em mim, você vai precisar ser levado ao hospital. — O ergui em meus braços observando a face dele obter um tom rosado.
— Desculpe. — A voz dele mal passava de um sussurro, meus olhos recaíram sobre ele com curiosidade.
— O que houve para eles te baterem? — Indaguei olhando para frente, nesse momento Brix já havia nos notado, sua face estava presa numa expressão de surpresa.
— É natural que os mais fortes machuquem os mais fracos... — A forma como o garoto pronunciou-se me fez parar no lugar, o olhar dele alcançou o meu e então ele desviou.
— Você está errado! Quem lhe fez acreditar nessa idiotice?! — O respondi irritada, não com ele, mas sim com a forma de pensar.
“O que haviam feito com esse garoto?!”
— ! — A voz de Brix silenciou as próximas palavras que ele me diria. — , me diga que você não é a responsável por essa confusão! — O suspiro de cansaço e o olhar de agonia ao se voltar para as quatro figuras machucadas no estacionamento.
— Brix, me deixe te explicar tudo lá dentro, ele precisa de ajuda. — Meneei a cabeça indicando o garoto nos meus braços que havia ficado em silêncio.
O olhar de Brix caiu sobre os meus braços, se surpreendendo por encontrar uma figura ali; ela saiu do meu caminho e abriu a porta dos fundos. Coloquei o garoto sobre um caixote de madeira enquanto procurava Henzel com o olhar, o que ironicamente estava passando por ali.
— Pirralha, estava atrás de você! Seu intervalo acabou quinze minutos atrás, ajude o Alexis a escapar de suas fãs… — Henzel continuou a despejar sua enxurrada de reclamações e informações.
— Pai, por favor. — Brix chamou sua atenção indicando com um olhar o garoto quieto.
— , por favor me diga que você não é a responsável pelos machucados desse garoto. — Henzel passou as mãos pelos cabelos se agitando.
— Henny, não fui eu. — O respondi com firmeza enquanto me levantava calmamente. — Preciso que leve ele ao hospital e ligue para os pais dos garotos lá fora... — Desviei o olhar do mar cinzento revoltoso que eram as orbes de Henzel. — Eu não tive culpa! Eu juro! — Levantei as mãos em rendição.
— É minha culpa. Todo mundo acaba se ferrando por minha culpa. — A voz desanimada com um toque melancólico.
Henzel e Brix me olharam assustados, eu balancei a cabeça indicando que não fazia ideia do que havia ocorrido. Os olhos do garoto, até então sem nome, permaneceram no chão sem olhar realmente para ninguém.
— Henny, cuida dele pra mim, por favor, tenho que voltar para lá. — Apontei para fora do depósito. — Se cuida cara, não deixe ninguém pisar em você desse jeito outra vez. — Pisquei para ele antes de deixá-lo aos cuidados de Henzel.
A noite prosseguiu ocupando minha mente, pensamentos inúteis ou barulhentos eram silenciados pelo som das vozes embriagadas ao som dos clássicos dos anos 80. Eu senti os olhares de Alexis e Brix o tempo todo, nem um deles flertou ou se aventurou entre a multidão, eu até apreciava o cuidado deles e com o passar das horas minha angústia aumentava… em algum momento eu teria que retornar ao meu inferno pessoal...

A brisa fria do oceano espantava os demônios interiores, no topo do farol os pensamentos eram silenciados com a brisa sempre fria. Naquela madrugada havia escapado por pouco da fúria de meu pai, somente de lembrar de sua presença me dava arrepios, seu semblante era a encarnação de todos os meus medos… eu não possuía memórias felizes ao lado dele, minha mãe fora uma figura ausente e tudo o que eu tinha era Henzel, Alexis e Brix como a luz na minha vida. Pularia o primeiro período, mal havia dormido e em história já havia garantido nota para esse semestre. Com as pernas balançando sobre o vazio, minha mente esvaziava-se e nada mais importava.

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A semana permaneceu a mesma, os tremores em minha pele apenas aumentaram gradativamente enquanto permanecia atenta ao meu genitor. A cidade de Brenehal era pacata o suficiente e quase nunca chovia, mas, como um presságio de dias ruins, a grande massa de nuvens cinzentas provindas do oceano surgiu. Meu velho estava cada vez mais agitado, a minha moto estava cada vez mais veloz na estrada e nada parecia fazer sentido… como um desastre, assim eu era. Até que em uma tarde chuvosa, antes da abertura do bar, uma figura timidamente esperava do lado de fora. Um guarda-chuva amarelo e botas de chuva laranja berrante enquanto sua figura observava as janelas e portas de vidro do bar. Tirando o capacete, me aproximei com certo humor apesar do clima, a figura do garoto que havia auxiliado era o responsável pela combinação chamativa. Rindo do cenário que se encontrava em minha frente, me aproximei, o garoto se assustou com a minha figura.
— Precisa de algo? — O indaguei com bom humor.
— E-eu… eu qu… — A voz dele se fundiu à chuva e não pude entender nada do que ele havia dito.
— Quer saber, venha comigo! Eu não vou conseguir te entender de toda forma. — Dei de ombros falando mais alto que a chuva e o guiando até a entrada dos fundos. Tirei as chaves dos meus bolsos, destrancando a porta.
Ele me seguiu em silêncio, atrapalhado comicamente fechou o guarda-chuva e retirou suas botas gritantes antes de subir as escadas ao meu lado. O guiei para a entrada principal de meu chefe e o que eu considerava o mais próximo de um pai que eu poderia ter.
— Hey , chegou mais cedo do que esperava hoje, pirralha! — Alexis comentou comicamente enquanto bagunçava os meus cabelos úmidos por causa da chuva. — Temos um convidado! — Ele indicou a figura tímida no canto da porta.
— Ele estava do lado de fora do bar, não conseguia ouvi-lo por causa da chuva. — Dei de ombros, deixando minha jaqueta num dos cabides próximo à porta em que o garoto estava.
— Hey! Você é o garoto daquela noite! — Brix surgiu enrolada em uma toalha.
— S-Sim! — A face dele enrubesceu, o que levou Alexis e eu ao riso.
— Do que raios os dois patetas estão rindo tão cedo no dia? — Henzel surgiu com sua face travada em uma carranca enquanto segurava uma xícara de café vazia.
— Temos um convidado, papai! — Brix o lembrou gentilmente.
— E o que você está fazendo aqui desta forma, menina?! — Pelo tom de voz de Henzel eu jurava que ele poderia ter um ataque cardíaco a qualquer momento. Apesar da idade, ele era um velho forte com braços tatuados e o pescoço com os nomes dos filhos e a data de casamento.
— Pai! — Alexis o lembrou de sua saúde.
— Vocês ainda vão ser os responsáveis pela minha morte! — Ele resmungou enquanto ligava a cafeteira. — E você, garoto, como está? Sente-se, já que esses palhaços não foram nada educados.
— Hey! — Brix, Alexis e eu respondemos indignados.
— Está tu-tud-tudo bem, senhor. — Ele o respondeu claramente desconfortável pela atenção recebida, evitando olhar em direção a Brix.
— Brix! — Henzel a repreendeu com apenas um olhar antes que ela desaparecesse da vista de todos.
— Eu vou fazer algo para comermos, você tem algo que não goste em específico? — Indaguei ao convidado.
— Aproveite para pedir algo, não é muito comum ver se disponibilizar voluntariamente para preparar refeições.— Alexis provocou tentando deixar o garoto confortável.
— Me provoque demais e terá que comer algo apimentado como jantar. — O alertei enquanto vasculhava a geladeira.
— Não ouse! — Alexis bradou em ultraje.
O que causou um riso discreto e que passaria despercebido se não houvesse apenas os três naquela cozinha; a imagem do garoto que até então não havia me dito o seu nome de alguma forma me lembrou do sol. Seus olhos fechavam-se ao rir enquanto suas mãos cobriam sua boca e seu corpo inclinava-se levemente para trás; ele parecia envolto de uma áurea aconchegante e calorosa de uma alegria genuína. Ao retornar ao que fazia anteriormente, notei o olhar de Alexis sobre mim, com uma sobrancelha arqueada como se compartilhasse uma piada que somente ele entendia. O ignorando, me concentrei na tarefa de cozinhar enquanto Alexis e Brix, a qual retornou após vestir as suas roupas, procuraram deixar o garoto mais à vontade, comentava algumas coisas esporádicas enquanto procurava não queimar a comida. O nome dele era , ele era alguns meses mais velho que eu e estudava na classe ao lado da minha, seu hobbie era pintar enquanto o restante dos garotos praticavam esportes. Brix e Alexis o importunaram até que Henzel retornou à cozinha após eu anunciar que a comida estava pronta.
— Hoje vocês não abriram o bar? — indagou auxiliando Brix na limpeza após a refeição.
— Henny tirou o dia para descansar, sempre acontece algo do tipo após os festivais culturais, aconteceu apenas de ser nessa semana chuvosa. — Dei de ombros enquanto secava os pratos entregando-os um a um nas mãos de Alexis.
— Irônico que a nossa tenha convidado um cara tão fino e engraçado como você, , como você a suporta no colégio?! — Alexis provocou se esquivando de uma cotovelada.
— Não vou fazer lasanha no seu aniversário! — Olhei irritada para Alexis enquanto deixava o pano de prato sobre o balcão.
— ! Não faz isso com o seu irmão favorito! — Alexis implorou com a face em uma expressão de animal perdido.
— Bem feito! Quem manda provocar a fera! — Brix ria enquanto observava tudo tranquilamente.
— Hey! Cala a boca, Brix! Você adora a lasanha da tanto quanto eu! — Alexis a lembrou indignado.
— Pelo o que estão discutindo agora? — Henzel surgiu com a face travada em sua habitual expressão ranzinza.
— Alexis cometeu o erro de irritar e agora não teremos a lasanha dela no nosso aniversário. — Brix entregou Alexis sem qualquer remorso.
— Eu já nem sei mais o que digo a vocês! Perdoe a vergonha que meus filhos idiotas estão o fazendo presenciar, . — Henzel se direcionou a enquanto lançava olhares de repreensão a Alexis, Brix e a mim.
— Eu sou a vítima da história! — Alexis se pronunciou indignado.
— E eu sou o Papai Noel! — Henzel revirou os olhos ignorando o drama do filho.
— Está ficando tarde, quer uma carona? — Indaguei a enquanto o levava até o saguão do primeiro andar.
— Não pr-precis-precisa se incomodar. — voltou a gaguejar.
— Eu te causo algum desconforto? — Perguntei sendo direta demais, vi surpresa nas orbes de .
— Não é isso... — A voz dele voltou a ficar baixa.
— Por que quando estamos sozinhos você fica mais fechado? — Devolvi a pergunta me apoiando contra o balcão, as luzes haviam sido desligadas e, como havia parado de chover, a lua iluminava o ambiente através das portas de vidro.
— Eu só fico tímido quando estamos sozinhos. — confessou com a face avermelhada, apesar de virar a cabeça escondendo-se do meu olhar.
— Eu não mordo, . — Acabei rindo achando-o adorável.
— Eu sei, mas você é tão confiante, forte, independente e tem seu próprio emprego que chega a inspirar na mesma proporção que intimida, . — Se não houvesse parado de chover e estivéssemos apenas os dois, eu não o teria escutado.
— Eu não sou tão boa quanto me faz parecer. — Vesti meu agasalho enquanto me encaminhava para a porta pela qual havia entrado.
— Você é incrível, ! — correu para me alcançar, porém, ao passar pela porta, ele escorregou nas próprias botas, quase caindo no chão se eu não houvesse o segurado instantes antes.
— Você deveria ter mais cuidado, parece que estou sempre te salvando. — O provoquei em bom tom vendo a vermelhidão ficar ainda mais intensa enquanto ele se virava de costas.
Deixei o assunto de lado apenas o observando vestir as botas e segurar o guarda-chuva com cuidado. Indiquei para que ele saísse antes de gritar uma despedida e tranquei a porta outra vez. Seguindo para o estacionamento vazio, as poças formadas após a chuva faziam parecer que pedaços da galáxia haviam se derramado por ali, a beleza era indiscutível. Mas apesar do que estava diante meus olhos, a figura de fora o que me chamou ainda mais atenção; não foram as suas botas ridiculamente laranjas ou seu guarda-chuva amarelo vibrante, mas sim o seu olhar, a face de deslumbramento ao apreciar algo belo com o toque de inocência e algo juvenil me encantou.
— A coisa mais linda que eu já vi. — Meus pensamentos escaparam por meus lábios tirando do seu transe de pensamentos.
— Sim, algo belo demais! — Ele sorriu em concordância completamente alheio ao que havia me referido.
Desviei meu olhar contra a vontade, escondendo a face com um atípico sorriso com o meu capacete; ergui o banco da moto retirando um capacete extra o qual era comumente usado por Brix devido a sua aversão a dirigir motos; embora ela própria possuísse uma. O lancei para , ele pegou o objeto com um olhar agradecido, o fato era que aqueles olhos pareciam enxergar a minha alma e isso me assustava demais ao mesmo tempo que me fascinava.
— Obrigado. — Ele me respondeu com um tímido, mas deslumbrante sorriso.
Subi em minha moto após descer o banco, engatei a chave, ligando a moto enquanto retirava com um pé o apoio e mantinha ela firme com o outro.
— Suba. — Sinalizei para ele, seus cabelos esconderam os olhos enquanto virava a face para o outro lado e colocava o capacete em sua cabeça.
Constrangido, ele subiu no banco tentando se equilibrar de algum modo sem que me tocasse; o riso escapou involuntariamente por meus lábios perante a timidez expressa em seus atos que o deixava a cada minuto ainda mais adorável.
— Não há onde se apoiar, sugiro que deixe esse guarda-chuva por aqui já que será complicado carregá-lo agora. — Lancei uma piscadela enquanto tirava o pé do chão acelerando devagar.
não me respondeu, as palavras que ele gostaria de me falar ficaram presas em seu olhar enquanto lançava o guarda-chuva no chão do estacionamento ao mesmo tempo em que envolvia minha cintura com seus braços enquanto eu acelerava a moto. As ruas estavam vazias enquanto eram salpicadas por poças de água e vislumbres das estrelas; eu não queria retornar ao meu pesadelo mas não poderia impor minhas vontades sobre . Com isso estacionei diante a fachada alegre de sua casa após seguir as instruções que ele havia sussurrado próximo ao meu ouvido enquanto dirigia pelas ruas desertas de Brenehal. Ele saltou para o chão e parou à minha frente retirando o capacete, seus olhos encontraram os meus quase que de imediato.
— Obrigado por hoje. — Mesmo de costas para o poste de luz era possível enxergar as maçãs do rosto rosadas enquanto ele abaixava a cabeça de modo tímido, o cricrilar dos grilos era mais alto que a voz tímida de .
— Você tem um toque de recolher? — Indaguei, incapaz de controlar meu impulso. me olhou surpreso ao mesmo tempo que parecia feliz por não encerrar as coisas por ali.
— Não. — Ele admitiu visivelmente envergonhado, suas mãos escondiam-se em seus bolsos enquanto seus olhos alternavam entre minha figura e o asfalto.
— Venha comigo então. — Pisquei para ele entregando novamente o capacete enquanto ligava o motor.
— Para onde iremos? — Ele me questionou animado embora sua voz possuísse o embaraço por nossos corpos estarem tão próximos um do outro.
— Você verá. — Sorri tranquilamente, seguindo em direção oposta à que estávamos.
Ao estacionar em frente ao farol, me deu um olhar nervoso com receio de estar participando de um ato ilegal. Rindo de seu claro nervosismo, abri a porta de ferro maciça com uma chave, passava tanto tempo por ali que o responsável pelo local havia me dado uma cópia das chaves.
— Não se preocupe, docinho, eu não sou a encrenqueira que costumam espalhar por aí. — Dei de ombros adentrando o local e seguindo em direção às escadas. Não muito tempo depois ouvi o som de passos me seguindo.
— Eu não penso que você seja a pessoa que todos falam a respeito. — A voz de mal passava de um murmúrio envergonhado embora a veracidade escapasse em cada palavra proferida.
— Você é livre para decidir o que pensa, , não precisa temer a minha reação. — O respondi tranquilamente sem olhar para ele uma única vez até que atingisse o topo do farol.
As palavras que iria proferir ficaram em seus pensamentos ao chegar ao topo do farol; eu entendia o porquê. Abaixo de nós estendia-se o infinito oceano estrelado, não parecia haver divisão entre o céu e a água… eu amava a vista daquele lugar. se aproximou da grade se apoiando enquanto seus olhos brilhavam ao se deleitar com o horizonte.
— Eu sei, esse lugar é demais. — Comecei baixinho me juntando a ele.

Eu o deixei em sua casa após as 2 da manhã, havíamos passado um longo tempo em silêncio apenas observando a paisagem. Aos poucos Martin iniciou timidamente uma conversa, seus olhos evitavam os meus algumas vezes. Me sentia confortável em conversar com alguém além de Henny, Brix e Alexis pela primeira vez em muito tempo. Eu não sabia exatamente o que ele possuía, ainda era muito cedo para tirar conclusões, mas mesmo assim ele conseguiria me fazer baixar a guarda e relaxar em sua presença.
Eu não queria voltar para casa, eu odiava aquele lugar! Todos os dias eu tinha que retornar à toca do lobo; minhas mãos tremiam nos guidões ao me deslocar até lá. A moto sempre ficava estacionada próxima a minha janela caso eu precisasse fugir, todos naquela cidade sabiam a respeito da minha situação, preferiam me tornar a vilã da história quando tudo o que havia pedido foi socorro.
O som do motor soava muito alto naquela madrugada, retirei as chaves da ignição respirando fundo mentalmente pedindo ao universo que a figura de um certo militar estivesse fora ou desmaiado no sofá. Eu deveria imaginar que não era tão querida assim pelo cosmo, mal havia tocado na maçaneta quando a porta se abriu num rompante e a mão calejada de meu pai segurou meus cabelos, me jogando para dentro...
Dor foi tudo o que eu pude sentir.

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Despertei numa cama hospitalar, doía para respirar, meus olhos ardiam e eu sentia dores por todo o meu corpo. Eu conhecia a decoração desse quarto, era o mesmo para o qual eu era enviada todas as vezes que meu velho perdia o controle. Não havia mais lágrimas porque elas já haviam secado há muito tempo. Meu braço esquerdo estava apoiado numa tipoia, ataduras cobriam várias regiões do meu corpo. Eram apenas mais cicatrizes a serem acrescentadas...
— Por que ele apenas não me mata de uma vez?!
E como todas as vezes que eu perguntava, nenhuma resposta era obtida; não havia quem pudesse me socorrer ou até mesmo me libertar! Eu estava cansada de tudo.

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Como todas as vezes que ocorriam incidentes como esse, meus deveres e provas já haviam sido feitos e corrigidos. Nunca por mim, mas por pessoas que acobertavam os atos hediondos daquele que eu tinha que chamar de pai; olhares desconfiados, sussurros aqui e ali eram parte da minha rotina. Não havia mais o que fazer. A caneta deslizava pelo papel suavemente enquanto copiava as informações do quadro; apesar dos rumores eu era uma boa aluna. O estudo, junto com o dinheiro, era a única ferramenta que poderia me tirar daquela cidade, por conta disso me dedicava com afinco em conquistar ambos.
Devido a internação por consequência dos atos de meu velho, ele estava na dele, Henny havia tentando me convencer a morar com ele e seus filhos mas eu não queria colocá-los em risco devido às ações de meu pai. Anteriormente havia sido avisada que Henry Henzel poderia sofrer grandes consequências caso me ajudasse. Dessa forma eu tentei me convencer de que escaparia, que haveria um fim para todo esse pesadelo. Mas dia após dia e noite após noite, nada mudava; havia passado por cirurgias mais vezes do que me lembrava, meus ossos foram colocados em seus lugares diversas vezes. Após a última aula, resolvi subir ao terraço com a intenção de finalizar tudo, estava cansada de lutar e odiava causar tanto transtorno àqueles que me ajudaram. Antes de alcançar o terraço, havia uma sala usualmente vazia, mas naquele instante a figura de um garoto em frente a um quadro era tudo o que via; foram a paisagem e a figura feminina retratada na tela que me fizeram vacilar. A garota retratada na tela era eu, a paisagem era a mesma da noite estrelada após a chuva torrencial e quem havia retratado tudo fora a tímida figura de .
— Eu não sabia que pintava.
Minha voz o assustou, ele pulou de seu banco em frente a tela. Seus olhos encontraram os meus automaticamente, havia uma preparação não dita enquanto ele descia seu olhar pelo meu corpo numa análise.
— Você não vai encontrar feridas abertas. — Minha voz soou baixa, mas ainda assim séria.
Ele se aproximou receoso, o observei com curiosidade. era uma figura conhecida por todos, sua timidez atraia idiotas e por vezes já o vi ser salvo por seus amigos os quais atualmente quase não via pelos corredores. Éramos como água e óleo, ele era fácil de ler, transparente e honesto enquanto a densidade de emoções em mim tornava tudo turvo, se aproximar de mim era furada.
— Seus olhos pedem socorro, . — Embora houvesse um rubor permeando as maçãs do rosto dele, ainda assim ele tocou minha face secando uma lágrima que eu não havia notado cair.
era poucos centímetros maior que eu, já o havia carregado uma vez; embora fosse magro, ele era atraente ao seu próprio modo. No entanto, não era a beleza, ou qualquer aspecto físico que me atraia; possuía sinceridade em seu olhar, seu jeito tímido e honesto ao mesmo tempo curioso e com um brilho de inocência estava me atraindo feito ondas magnéticas. Poucos haviam se arriscado em me dizer algo, havia passado quase toda a minha vida solitária tendo apenas os gêmeos e um velho ranzinza como companhia.
— Eu estou quebrada, .
O silêncio naquela sala se prolongou após minha última fala, meus olhos desviaram para a pintura que havia me deixado sem palavras. Não entendia de arte, mas o que estava diante de meus olhos era simplesmente arrebatador!
Então sem dizer qualquer palavra, me pegando de surpresa, me abraçou; seu calor aqueceu meu interior gelado e vazio. Era um conforto que nunca havia recebido, já que a família Henzel não era dos mais chegados a demonstrações físicas de afeto. O perfume de era suave e reconfortante, ele me abraçava com firmeza, quase temendo que eu escapasse. Relaxei meus músculos, envolvendo meus braços ao redor dele e apoiei minha face contra seu ombro, deixando as lágrimas silenciosas escaparem.
“Foi a primeira vez que chorei na frente de alguém. ”

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O quarto de era simples: possuía uma cama de casal, uma mesa para estudos e um guarda-roupa que ocupava toda uma parede. O ambiente era claro e bem arejado, estava deitada nos braços dele, o quadro estava pendurado acima da cabeceira da cama; eu não entendia essa conexão entre nós, mas tudo o que eu sabia era que estava começando a me apaixonar por .
— Qual a sua cor favorita? — Perguntei após respondê-lo sobre meu prato favorito.
— Verde. — Ele me respondeu em seu típico tom baixo.
Estávamos nisso desde que chegamos à casa dele, eram feitas perguntas aleatórias de modo a conhecer melhor um ao outro. O convite para ir a sua casa pareceu tão certo quanto ir ao bar de Henny, uma escolha instintiva tão natural quanto respirar, mas essa conclusão me deixava assustada pelo pouco tempo que nos conhecíamos.
— Você é um artista, mas não possui nada extravagante. Em teoria artistas não deveriam ser espalhafatosos? — O indaguei com certa diversão, os olhos de desviaram dos meus enquanto o rubor coloriu sua face.
— Eu não contei à minha família que eu sou um pintor. — Ele cobriu a face com ambas as mãos. — Não sou muito confiante em meu trabalho com a tinta. — A voz dele soou abafada.
— Você não precisa se envergonhar. — Me sentei na cama segurando os pulsos dele com suavidade. — Ser capaz de colorir uma tela em branco com algo único é impressionante! Eu admiro o que faz porque você cria suas pinturas do zero! Isso não é algo que qualquer um consiga fazer. — Minhas palavras refletiam o que eu sentia, aos poucos ele descobriu a face segurando minhas mãos no lugar.
— É o que pensa? — Ele parecia uma criança receosa, naquele momento ele parecia incrivelmente adorável.
Inclinei minha face na direção dele capturando seus lábios nos meus. Ao invés de me tocar como qualquer garoto faria, apenas me permitiu tomar o controle enquanto mantinha suas mãos entrelaçadas às minhas. Por esse ato e muitas outras razões, estava ganhando meu coração.
— Não há qualquer razão em mentir para você, . — Afirmei após finalizar o beijo, nossas respirações se misturavam enquanto permanecíamos cara a cara.
— Hey, de quem é aquela moto estacionada na frente de casa?
A porta do quarto foi aberta de repente e uma figura nem um pouco desconhecida invadiu o quarto de , que se sentou num rompante ajustando suas vestes. Reconhecia a postura adotada por , a defensiva indicava que o invasor não era alguém com que ele possuía um bom relacionamento. A mandíbula tensionada e os braços cruzados foram a resposta de meu questionamento mental: a figura invasora era o responsável por pensar tão pouco sobre si mesmo.
— , eu deveria imaginar já que a moto é familiar. — Franz me saudou odiosamente em seu tom mordaz de enojo.
— Quem poderia imaginar que um lixo como você pode ser parente de um garoto tão bom. — Me levantei sem me intimidar pela figura de Franz, meu tom havia sido o mesmo que ele utilizara.
— O que uma perdedora como você pode saber?! — A voz de Franz subiu uma oitava enquanto sua irritação começava a surgir.
— Franz, já chega. — A voz baixa de fez com que os olhos furiosos de Franz recaíssem sobre ele.
— Chega? Você que provocou tudo isso ao trazê-la para casa, irmãozinho. — A acidez e agressividade eram dirigidas de forma a machucar meu querido pintor.
— Alexis não esqueceu da sua última burrada, Franz, seria prudente da sua parte não passar dos limites. — Minha voz havia saído completamente inexpressiva enquanto o olhava com asco.
— Você e toda aquela família podem muito bem ir se foder! — Franz se aproximou tempestivamente enquanto cuspia suas palavras com ódio.
Sinalizei para que s permanecesse onde estava ao notar seu movimento em minha direção com a aproximação de Franz; e antes que Franz tivesse qualquer tempo para direcionar um olhar a meu punho acertou em cheio o seu nariz. Segurei a nuca dele, o levando para o corredor para não sujar o quarto de . Minha outra mão segurou o braço direito de Franz de modo que ele não tentasse nenhuma gracinha. Ao atingir o quintal dos fundos, chutei uma das panturrilhas do babaca.
— Você realmente não aprende! — O olhei com tédio enquanto ele se levantava com um olhar mortal.
— Você vai se arrepender, . — Ele se lançou em minha direção, a risada irônica escapou de meus lábios enquanto segurava o pulso esquerdo dele ao desviar de um gancho de direita.
Levei novamente o braço às costas dele o forçando a se ajoelhar, ele se debatia furioso enquanto despejava palavrões até minha décima geração.
— Acredite, eu peguei leve com você. — Levei a mecha de meu cabelo atrás da orelha, forçando o braço dele um pouco mais para calá-lo com a dor assim que ele retornou a me ofender. — Sua guarda continua horrorosa, seus movimentos são lentos e previsíveis. — Observei a área em que estava sem muito interesse, na janela do segundo andar estava a figura temerosa de . — Você não tem ideia de quanto tem sorte, bastardo. — Indiquei para descer antes de retornar minha atenção para Franz. — Tem muita merda que a justiça não descobriu sobre você, então me escute com atenção, eu não vou repetir: se você tocar nem que seja num fio de cabelo de , você é um homem morto! — O chutei derrubando-o contra a grama. — Não pense que eu esqueci que foi o responsável pela prisão da minha mãe, você não vai querer um militar no seu calcanhar após ele descobrir o que você fazia nas costas dele com a sua esposa. — O horror e medo foram suficientemente satisfatórias antes que eu deixasse a figura estendida de Franz em seu quintal.
— O mesmo vale para você, . — Ele custou a falar.
— Eu jamais machucaria . — O respondi com firmeza encerrando de vez a conversa.
me aguardava pacientemente ao lado de minha moto, sorri com tranquilidade para ele antes de me aproximar. Ele me analisou minuciosamente segurando minhas mãos preocupado.
— Eu estou bem. — Baguncei o cabelo dele rindo tranquilamente antes de tirar o capacete extra para .
— Sua mão não está bem, .
A surpresa deu lugar ao riso, ossos quebrados doíam e não apenas escoriações que eu possuía na mão direita. Subi sobre a moto ainda rindo, vendo-o me olhar sem entender.
— Eu estou bem, . — Pisquei para ele indicando para ele se apressar. — Seu irmão nunca foi um bom lutador, eu sou mais forte do que pareço.
— De onde conhece meu irmão? — Havia um impasse na sua voz que quase me levou a mentir pelo próprio bem dele.
— Você não vai querer saber, digamos que tenha alguns rumores que não estão exagerando ao meu respeito. — O motor rugiu abaixo de mim após ter girado a chave na ignição.
Sem me pressionar por maiores explicações, apenas se sentou abraçando firmemente minha cintura. Abaixei a viseira dele antes de fazer o mesmo com a minha; em silêncio deixamos a sua casa em direção ao melhor bar da cidade que também era minha verdadeira casa.

Dirigir em silêncio pelas ruas sinuosas que margeavam o oceano era quase como uma terapia; estava gostando cada vez mais da companhia de . Seus braços em minha cintura espantavam a frieza da solidão, em curvas mais acentuadas eu podia sentir me segurar com mais firmeza; nesses momentos eu ria em silêncio.
Estacionei a moto nos fundos, entrando pela porta dos funcionários, me seguiu sem dizer qualquer palavra. Ele parecia estar absorvendo os últimos acontecimentos do dia; Franz era um bastardo! Nunca imaginaria que ele seria irmão de , o comportamento dele na primeira vez que o encontrei era explicado após descobrir isso. Franz abusava de seu parentesco para torturar psicologicamente , a timidez desenfreada e sua autoestima baixa eram consequências de tal tratamento. Iria seguir para o segundo andar quando a mão de me segurou no lugar, seus olhos indicavam o nervosismo dele; era como se ele estivesse receoso em me dizer algo.
— Você não precisa ter medo de se expressar. — Ergui a face dele adorando ver o rubor permear a face dele, era inexplicavelmente adorável! Sua fofura derretia minhas muralhas de gelo maciço.
— Como está sua mão? — Ele elevou minha mão à frente de sua face analisando-a com diligência.
Alexis escolheu justamente esse momento para surgir nos pegando de surpresa, seu braço recaiu em meus ombros segurando a mão que anteriormente analisava.
— Me diga que você não arranjou confusão. — Alexis me repreendia com um brilho de diversão em seu olhar, era quase como um pai orgulhoso pela filha saber se defender.
— Por que toda vez que encontro vocês três, eu sinto que terei dor de cabeça?! — Henny nos olhou em questionamento, seu tom caracteristicamente ranzinza estava ainda mais pronunciado indicando seu mau-humor. — O que houve dessa vez?
— É o que eu queria saber também, pai. — Alexis riu em diversão recebendo um olhar de aviso de Henny.
— Alexis, não enche! — Revirei os olhos segurando a risada, voltei-me para Henny com um olhar suave vendo-o se retrair em defesa, eu sabia quebrar as defesas daquele coroa durão. — Franz foi um babaca com então só o lembrei de seu lugar.
Ao finalizar minha fala Alexis explodiu em uma gargalhada, ganhando um tapa da pesada mão de Henny em sua cabeça. Mesmo assim Alexis prosseguiu a rir enquanto escapava de seu pai. Henny suspirou pesadamente antes de retornar ao bar sussurrando algo como: “essas crianças ainda vão me causar um ataque cardíaco”.
— Eu não entendi o que acabou de acontecer. — se pronunciou confuso.
— Seu irmão não é dos mais queridos desse lado da cidade. — Roubei um selinho antes de seguir para o segundo andar, parei nas escadas. — Fique à vontade, motoqueiros só possuem a reputação ruim, você vai se dar bem com eles.
Vi um brilho de alegria inundar as íris de antes de subir os lances de escada, havia um sorriso bobo em meus lábios enquanto revirava os olhos por estar sendo tão óbvia. Brix estava sentada em frente ao seu notebook concentrada. Meus passos haviam chamado sua atenção, ela arqueou uma sobrancelha ao notar meu sorriso. Rindo, caminhei até ela a envolvendo num abraço, ela riu surpresa pela da minha ação espontânea.
— Brix, o que eu faço agora? — A indaguei completamente perdida.
— Agora você se deixa levar por esse sentimento, meu amor. — Ela beijou o topo de meus cabelos, me apertando mais forte em seus braços. — Eu estou tão feliz que minha menininha está crescendo. — Ela riu orgulhosa.
— Eu não quero machucá-lo. — Confessei temerosa, ela elevou minha face com suavidade.
— E você não vai. te cativou por completo, querida. — Brix riu confiante. — Não deixe seus pensamentos negativos tomarem o controle, você me dá orgulho, . — Ela sorriu antes de me abraçar outra vez. — Agora volte lá para baixo, não queremos estragar o bom humor do coroa.
— Sobre isso... — Eu cocei minha nuca desviando o olhar do dela.
— O que você fez dessa vez, danadinha? — Ela riu me questionando.
— Veja bem, não é minha culpa Franz ser um bastardo de merda e ser o responsável pelas cicatrizes de . — Me levantei ainda agitada pelo incidente anterior, eu já carregava raiva pelo o que Franz havia feito à minha mãe, eu sabia que ela possuía sua parcela de culpa, mas Franz, como um covarde, entregou-a para a polícia para escapar da cadeia.
— A sua briga com ele acabou de ficar ainda mais séria. — Brix concluiu num tom sério, ela notara meu estado.
— Se eu cometer algum deslize, cuidem de para mim. — Pisquei para ela rindo da careta que tomou sua face. — Não se preocupe, é só um plano de contingência.
Deixei Brix antes de retornar ao bar. Henny estava em seu mau humor embora conversasse de forma amigável com seus fregueses assíduos. tentava acompanhar a demanda de pedidos no balcão, acabei rindo antes de seguir pelas mesas conferindo se os clientes desejavam algo.
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No alto do farol a paisagem era incrível. Eu sabia que passaria do toque de recolher, mas eu não estava me preocupando com meu pesadelo; eu lidaria com ele quando o momento chegasse. observava o oceano completamente alheio à realidade, seu olhar brilhava de admiração enquanto se deleitava com a visão à sua frente. Minha cabeça repousava sobre suas coxas e sua mão com alguns calos aparentes, mãos de um artista, afagavam meus cabelos suavemente. O som das ondas era quase uma canção de ninar. Havia dias bons e ruins, ultimamente estava provando mais a face negativa, tendo poucas ou quase nenhuma hora de sono. Meus olhos aos poucos foram fechando enquanto o som das ondas me embalava em direção à inconsciência...
Algo macio apoiava minha face, meu corpo estava aquecido apesar do som de ondas; minhas orbes absorveram detalhes do local em que estava conforme iam se abrindo. Estava sob o tronco de , minhas pernas haviam se enroscado nas dele, seu casaco havia servido de cobertor enquanto seu braço apoiava sua cabeça já que a minha estava sobre o peito dele. Me sentei desvencilhando meus membros dos dele; o céu estrelado atingia a cor púrpura enquanto ia clareando...
“Merda! Estava amanhecendo!”
— .
— Vamos lá, meu garoto, já está amanhecendo!
— a gente precisa ir ou a sua família vai me matar!
Tentei em vão despertar a figura adormecida da criatura mais fofa que já havia conhecido; acabei rindo antes de me inclinar deixando um breve beijo sobre os lábios de , a pressão sobre a boca dele fez com que ele abrisse apenas frestas de suas pálpebras.
— É muito injusto da sua parte parecer tão adorável que a tarefa de te acordar pareça um crime! — Mordi meu lábio inferior segurando o riso.
— Ainda é muito cedo, vamos voltar a dormir. — O tom rouco por conta do sono arrepiou-me da cabeça aos pés.
— É por estar amanhecendo que não deveríamos estar aqui! — Cutuquei as bochechas dele, o vendo resmungar antes de se sentar coçando os olhos. — Existe algum momento que você não esteja tão adorável?! — Belisquei ambas as bochechas dele tendo uma careta como resposta.
— Você me chamando de adorável me faz sentir como se eu fosse um filhotinho que você carrega por aí. — Ele resmungou bocejando enquanto me olhava.
Gargalhei diante a expressão de desagrado dele, os fios desalinhados de seu cabelo o deixavam ainda mais fofo. possuía uma aura calorosa, ele era encantador e me transmitia segurança. Deixei apenas um selinho em seus lábios antes de me levantar, ajustei minhas roupas e meu cabelo, o horizonte ia gradativamente mudando as cores para o amanhecer.
— Vamos ver o nascer do sol juntos, já estamos encrencados de qualquer maneira. — Ele abraçou minha cintura se colocando ao meu lado, sua voz rouca ainda por causa do sono mexia comigo.
Rindo, apenas deixei minha cabeça apoiar contra o ombro dele, o perfume de junto à maresia era minha combinação favorita. Os raios solares surgiram timidamente enquanto tingiam o céu e a água em tons pastéis antes que a bola de fogo fizesse seu caminho.
Naquele instante tudo parecia perfeito...

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De alguma forma consegui levar para casa sem que houvesse problemas; ele se despediu com um caloroso beijo que me deixou suspirando o dia todo. Ele faltou à aula naquele dia, como havia feito inúmeras vezes, apenas entrei de fininho em casa para mudar de roupa antes de seguir para o colégio. O desjejum foi algo preparado por Henny, os gêmeos não haviam dado o ar da graça naquela manhã, o que eu agradeci mentalmente.
As aulas foram tediosas, me obriguei a permanecer desperta já que a faculdade era uma das formas de escapar do inferno em que vivia. Embora possuísse uma má fama, e boatos constantemente elevassem minha reputação de encrenqueira, ainda assim era a melhor aluna daquela instituição. Boatos não passavam disso: boatos, pequenas fofocas iniciadas devido a um roxo em meu maxilar, e minha "receptividade natural" serviu de combustível para essa mentira se espalhar como fogo em pólvora. Em partes era até agradável, eu não tinha que explicar as marcas e machucados embora desejasse me livrar com todas as forças do causador delas.
— Então ela...
O silêncio surgiu assim que adentrei a casa de Henny. Alexis se silenciou com a minha chegada, em seus olhos havia aquele brilho de diversão que me irritava. estava de frente para ele com roupas casuais, cabelos alinhados e sorria graciosamente. Revirei os olhos, deixando minha bolsa no gancho, tirei a jaqueta e a pendurando também.
— Bom saber que está contando fatos vergonhosos sobre mim, Alexis. — Comentei reticente seguindo até a geladeira, pegando um pote com macarrão. Levei o mesmo até o micro-ondas para aquecê-lo.
— Vamos lá, , todos temos histórias engraçadas. — Alexis sorriu de modo arteiro, revirei os olhos ignorando-o.
— Deixarei você lidar com suas fãs essa semana. — O respondi antes de pegar o pote de macarrão e sair da sala em direção ao escritório de Henny. — Você não deveria dar ouvidos a ele, .
Henny estava concentrado na tela de seu computador, a armação dos óculos lhe deixava com ar de vovozinho. Deixei um beijo em sua bochecha, me sentando sobre o sofá do escritório e o observando em silêncio, ele me ofereceu um sorriso piscando um olho antes de voltar sua atenção à tela. Enquanto ele digitava em seu teclado, permaneci em silêncio comendo o macarrão. Cedo ou tarde ouviria fatos vergonhosos sobre mim, mas eu não me incomodava com isso; o que me irritava era Alexis.
— Você deveria ir dormir, . — Henny interrompeu seu trabalho virando a cadeira de modo que estivesse de frente para mim. — Alexis interrogou o pobre coitado do seu namorado assim que ele chegou à frente do bar. — Ele riu como se lembrasse de algo enquanto eu processava o que ele tinha dito.
— Espera, você disse namorado? — O questionei curiosa.
— Sim, é isso que vocês são! — Henny me respondeu em seu tom ranzinza de sempre. — De qualquer forma, vá para o quarto e só apareça quando for seu turno.
— Eu amo a forma que você se expressa, Henny. — Gargalhando, o abracei enquanto ele resmungava em seu modo rabugento. — Você é um ótimo pai. — O larguei antes que ele estalasse um tapa na minha cabeça.
— Só vai dormir de uma vez, criança! — Ele resmungou retornando ao que ele estava fazendo.
Deixando-o sozinho, levei o pote sujo para a pia, ignorando as piadinhas de Alexis. Bebi um copo de água parando em frente a antes de tirá-lo dali.
— Quanta maturidade, , continue a me dar um gelo. — Alexis zombou rindo.
— Cale a boca, Alexis, estou trabalhando! — Henny gritou de seu escritório.
— Foi mal, pai. — Alexis revirou os olhos.
Segui em direção à última porta do corredor adentrando o quarto que Henny, Brix e Alexis haviam separado para mim. Fechei e tranquei a porta, havia permanecido em silêncio até aquele instante.
— Desculpe. — Ele sussurrou baixando o olhar.
— Pelo quê?! Alexis é um pé no saco, todo mundo sabe disso. — O respondi o empurrando para a cama.
— Hey! Isso machuca, ! — Alexis gritou indignado do outro lado da porta.
— Me acorde daqui algumas horas! — O respondi antes de voltar minha atenção para . — Eu não mordo, você sabe.
— Clássica! Você tinha que usar essa cantada com o coitado do . — Alexis parecia ainda mais indignado do que antes. — Assim você me envergonha, .
— Alexis! — A voz de Henny soou extremamente irritada, ouvi uns resmungos de dor antes que Henny se pronunciasse outra vez. — Você conhece as regras, .
— Sim, Henny. — O respondi tranquilamente.
permaneceu paralisado mesmo após ouvir os passos de Henny se afastando; ri de sua figura parada. Deitei de frente para ele ainda rindo e apertei a ponta de seu nariz, o fazendo me olhar nos olhos.
— A porta só foi trancada por causa dos gêmeos. Brix logo chegará de suas compras da semana e virá interrogá-lo igual Alexis. — Esclareci calmamente.
— Henny me odeia?! — Ele me respondeu sem saber o que pensar.
— Não, ele te adora, mas não é muito bom em demonstrar. — Tentei o tranquilizar, minhas mãos tocaram a face dele o puxando para um beijo suave.
— ! — Ele sussurrou entre a vergonha e o medo.
— Sim? — Abri um sorriso largo acariciando a nuca dele e me inclinando para mais perto, achando-o completamente fofo com a face vermelha devido à vergonha.
— Você quer me ver em maus lençóis com seu protetor! — Ele sussurrou exasperado segurando minha cintura tentando me parar.
— É contra as regras fazer sexo nesta casa, eu não vou dormir com você. — Senti ele se retesar enquanto as emoções dele eram exibidas em seu olhar. — Eu não disse que nunca dormiria com você, . — Acabei rindo antes de o encher de beijos em toda a sua face vendo-o rir mais relaxado.
— Você é fascinante, ! — Ele me pegou de surpresa com sua fala sincera, havia um sorriso brilhante ao dizer tais palavras que aquecia meu peito.
— Droga! Tem como não me apaixonar ainda mais por você? — O respondi silenciando suas próximas palavras com um beijo sincero.
Os lábios dele me receberam animados, as mãos de me seguraram como se eu fosse algo precioso demais; o coração dele estava tão acelerado quanto o meu. Estava me deleitando em felicidade! Parecia que enfim havia uma luz em meu caminho.
Conversamos sobre amenidades enquanto tentava espantar a vergonha aos poucos se soltando conforme a conversa se aprofundava. Estava radiante, era a primeira vez que experimentava tais emoções. era um garoto tímido, gentil, alegre, perspicaz, amável e que, quando estava envergonhado, suas maçãs do rosto ficavam coradas, o deixando completamente adorável! Estava tão confortável em seus braços que acabei cedendo ao cansaço e adormeci, deixando minhas defesas baixarem porque me sentia segura em sua presença.

O estrondo de uma porta sendo aberta foi o que me despertou, saltei sobre o colchão na defensiva. A figura bêbada de meu genitor me encarava furiosamente. Pela falta de palavras eu sabia que ele estava bêbado embora não soubesse que horas eram; ele não se importava com tais “formalidades”, como ele mesmo dissera. Sentia um misto de pavor e raiva, estava cansada de viver sob a sombra do medo daquele homem; por causa dele passava noites em claro, meus ossos haviam sido quebrados mais vezes do que eu poderia contar, conhecia o hospital da cidade como se fosse a minha própria casa devido às incontáveis vezes que fora parar nele. Estava farta de apenas sobreviver e não poder ter uma felicidade real, não poder agir como uma adolescente comum, e não poder fazer minhas próprias escolhas.
— Eu conheço esse olhar, . — A figura de meu pai falou num tom sombrio. — É o olhar de quem não tem nada a perder, mas você realmente tem certeza de que pode me enfrentar sem querer que eu destrua seu namorado também?!
Ele riu sem qualquer traço de humor em sua voz. Eu empurrei a figura daquele homem porta a fora, em questão de minutos ele agarrou meus cabelos, me jogando contra o chão antes de me chutar com força, lançando meu corpo de encontro à parede.
— Criança insolente! — Ele cuspiu para o lado.
Movi minha cabeça encontrando a figura de Alexis desacordado e ferido a poucos metros de mim; não muito longe estava Henny em uma poça de sangue. O arrepio de medo tomou meu corpo, pela janela da sala dava para ver o sol brilhante das três horas. Fechei meus punhos, me obrigando a levantar, tossi algumas vezes me apoiando contra a parede.
— Seu militar de merda! — Gritei sem deixar que ele tivesse tempo para pensar na figura de , o que realmente deu certo já que ele lançou seus punhos em meu abdômen sem qualquer dificuldade. Minha cabeça bateu com força contra o chão ao ponto de eu quase ver estrelas.
— Você me deve respeito, sua vagabunda! — Ele ergueu-me pelos cabelos, lágrimas de dor escorreram pelo canto de meus olhos.
— Larga ela! — A voz de soou grave e firme como nunca vira antes.
— O que você quer, seu merdinha? — Ele riu sem se intimidar pelo porte esguio de . — Não vai me dizer que está apaixonado pela ?! Faça um favor a si mesmo e esqueça tudo o que viu, seja um bom garoto e te deixo sair inteiro daqui.
— Faça o que ele diz! — Gritei mesmo que doesse falar, encarei em agonia, desejando que ele saísse dali e chamasse ajuda. Enquanto ele estivesse ali, eu não poderia revidar.
— Veja como minha filha é inteligente, siga os conselhos dessa inútil aqui! — Ele riu, levantando-me ainda mais segurando apenas os fios de meus cabelos.
Implorei a com o olhar. Para quebrar o contato, meu pai me soltou antes de me dar um tapa. Limpei o sangue de meus lábios desejando que houvesse saído, mas assim que ergui minha face encontrei o sorriso mortal de meu pai. Ele não o estava direcionando a mim, mas sim a .
— Merda!
Antes que a figura de meu pai se movesse, elevei meu pulso direito em direção à face dele, mas ele o segurou. Apenas balancei a cabeça, desviando de sua mão antes de enterrar com força meu punho esquerdo no nariz dele, o ouvindo esmagar contra meus dedos.
— Quantas vezes você quebrou a porra do meu braço?! — Gritei me abaixando, desviando de seu joelho no caminho. — Você tem alguma ideia do quanto é difícil aprender a utilizar a mão esquerda? Pelo menos nessa merda você foi bom, porque me deu a vantagem de utilizar meus dois punhos. — Ele tentava forçar seu caminho até enquanto eu devolvia seus golpes.
— Você acha mesmo que pode me derrubar, filhinha? — Meu pai indagou sorrindo sadicamente.
— Não me importa quem saia o vencedor dessa luta, eu não vou deixar você arruinar mais ninguém. — Recebi seu chute com o dorso de meus braços segurando sua perna e o desequilibrando, já que o álcool ainda estava em seu sistema. — Sai já daqui e chame as autoridades! — Gritei com recebendo um soco no lado esquerdo de meu tronco por desviar meus olhos de meu pai. — Já!
Me concentrei completamente em meu pai, já havia sido espancada diversas vezes por suas mãos severas; eu o conhecia melhor do que ninguém e era por isso que o estava instigando até ali. Queria ver se dessa vez ele escaparia da justiça; estava o forçando a se movimentar muito para eliminar os resquícios do álcool de seu sistema e ele não se safar por estar bêbado. Recebia menos golpes do que no início da luta, meus reflexos haviam melhorado conforme os anos; a cada soco que ele me dava, eu devolvia em dobro.
Ele suava em grande quantidade, o que facilitava, já que esperava ganhar dele pelo cansaço; embora soubesse que era quase impossível, tinha esperanças. A noite anterior havia sido a mais feliz que eu já tivera em todo esse tempo de vida, não que isso fizesse qualquer diferença para meu pai. Estava quase conseguindo ganhar uma vantagem quando a polícia chegou junto a ambulâncias; estava exausta fisicamente e mentalmente. Os abusos verbais acabavam comigo, meu corpo estava dolorido e desejava que isso tivesse um fim...

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O quarto do hospital era tão familiar quanto a casa de Henny, mas não tão acolhedor. Parecia que eu havia sido atropelada, meus membros estavam pesados e estava toda dolorida. Estava assustada, não havia ninguém no cômodo e por estar sozinha com meus pensamentos dado os últimos eventos… eu mal poderia suportar viver sob a minha pele. Quando estava quase enlouquecendo por estar sozinha tendo minha mente como companhia, a figura de Brix adentrou o ambiente, seguindo em minha direção assim que me viu desperta.
— Nunca mais me preocupe dessa forma, ! — Ela me segurou cuidadosamente em seus braços.
— O quão grave foi o último incidente? — Indaguei preocupada.
— Ao ponto de virar notícia nacional. — Me conhecendo bem, Brix resolveu ser direta.
— Eu só quero ficar livre da presença de meu pai, ele vai ser mantido afastado? — Indaguei receosa, sem me dar chance de ter esperanças.
— Aquele advogado não pode fazer nada após os últimos incidentes, o que vai realmente condená-lo é o seu depoimento. — Ela me explicou cuidadosamente.
Fechei meus olhos a abraçando, a imagem de Alexis e Henny feridos me torturava muito mais do que já havia enfrentado. Brix pareceu me entender e apenas se manteve em silêncio, sua mão acariciava meu cabelo buscando me tranquilizar. Odiava estar em foco, mas para acabar com tudo eu precisava enfrentar meu pai nos tribunais.
— Como Henny e Alexis estão? —Tomei coragem para perguntar.
— É preciso muito mais da merda daquele bastardo para acabar comigo, minha criança. — Henny adentrou o quarto apoiando-se numa muleta enquanto sorria calmamente, em seus olhos parecia haver um alívio em me ver desperta.
— Alexis recebeu alta, está lidando com o bar e adorando a atenção de suas groupies. — Brix se pronunciou antes que eu perguntasse outra vez.
— Obrigada... — Encarei ambos com os olhos marejados. — Obrigada por cuidarem de mim e serem uma família tão maravilhosa me incluindo nela.
— Você é a minha filha independente da genética que carregue, . — Henny se sentou sobre o colchão secando as lágrimas que caíam de meus olhos. — Você é minha caçula, uma lutadora que me orgulha!
— Você já faz parte da família Henzel, , é a minha preciosa irmãzinha ranzinza. Igualzinha ao papai. — Brix riu recebendo um olhar rabugento de Henny.
Conversamos por algum tempo até que os policiais adentrassem o recinto, após a autorização do médico responsável pelo meu caso. Henny possuía um advogado que além de cliente era seu amigo de infância; assim narrei pela primeira vez de muitas todo o inferno que era a minha vida...

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O meu caso ganhou destaque nacional por causa da figura de meu pai. Ele fora um excelente militar, conhecido por toda a comunidade, ele era carismático e uma figura heroica até que as guerras civis na Arábia o mudaram. Ele retornou como um outro homem logo após a prisão da minha mãe. Com meu pai fora, ela acabou deixando-se levar pela carência, ela encontrou a satisfação pessoal ao lado de “seus amigos”, o dinheiro veio fácil enquanto eu ia crescendo vendo a face cruel da humanidade. Drogas e dinheiro viraram o centro de sua vida, eu me retraí tanto quando criança ao ponto de não conseguir me comunicar. Vivendo à base das substâncias em casa, minha mãe esquecia-se que deveria comprar alimentos para uma criança… Henny me encontrou nos fundos de seu bar, desnutrida e não emitindo nenhum som. Eu não fui à escola por um longo tempo; conforme a família Henzel se aproximou, eu fui conseguindo conquistar pequenas vitórias que me transformaram, consegui recuperar os anos perdidos e alcançar os adolescentes da minha idade.
Diante do júri, eu narrei pela última vez tudo o que havia passado para então me ver livre do meu pesadelo pessoal; eu não vi desde o dia em que meu pai invadira a casa de Henny. Me despedi pela última vez da família Henzel, devido aos incidentes na pacata cidade eu não viveria mais ali. Deixei minha moto na oficina de Alexis, eu sabia que ele cuidaria bem dela até o dia em que retornasse. Viveria sob a tutela de uma tia-avó, a qual havia fixado residência na Irlanda. Com uma promessa de manter contato com aqueles que me mostraram o que era uma família de verdade, segui pelas sinuosas e nostálgicas ruas de Brenehal.
O oceano sussurrava o nome de enquanto buscava esquecer o vazio em meu peito decorrido de sua ausência; o farol havia ganhado novas lembranças e um significado que jamais esqueceria. Ao passar por ele, no entanto, pedi à filha da minha tia, a qual estava em Brenehal para me levar à Irlanda, para que parasse e me esperasse.
Correndo pela escadaria como se minha vida dependesse disso, encontrei coberto de tinta diante uma tela. Seus olhos encontraram os meus num misto de emoções. Freei meus impulsos, contendo a enorme vontade de juntar meus lábios aos dele.
— Está partindo? — A voz baixa de era como água no deserto.
— Por que você desapareceu?! — A acusação saiu mais violenta do que esperava, minha voz exprimia minha mágoa.
— Franz foi preso, eu tive que lidar com meus problemas também, embora devesse ter te ligado ao menos uma vez. — Ele baixou o olhar, sua voz mal passava de um sussurro.
— Droga! — Passei a mão pelo meu cabelo antes de me jogar nele, meus braços o rodearam no mesmo instante em que minha boca encontrou a dele.
Não foi um beijo suave, agradável. Foi algo bagunçado repleto de emoções conflitantes, com o odor de tinta, da maresia e do perfume de , enquanto palavras não ditas eram expressas no ato caótico. Ele largou o pincel, me abraçando, sua mão esquerda segurava minha face enquanto seu braço direito me trazia para perto dele.
— Não vá. — Ele sussurrou contra meus lábios, lágrimas caiam de seus olhos traçando seu caminho até a ponta de seu maxilar.
— Não cabe a mim escolher. — O respondi abraçando-o com mais força, em minha mente gravava cada detalhe dele.
— Não é justo que eu tenha te conhecido em tais condições. Eu sei que há razões suficientes para que você se mude, mas eu não quero me separar de você, não quando descobri que a amo! — Ele suspirou fechando os olhos, era um momento triste, mas o achei incrivelmente adorável. Eu amava aquele garoto!
— Não permita nenhum babaca pisar em você, não aceite que te desprezem e viva bem. — Conforme ia falando, meus lábios alcançavam uma parte de sua face. — Nos encontraremos outra vez, não desista de seus sonhos, meu amado pintor.
— Eu não irei, mas não desistirei de te encontrar!
Com os últimos toques e um beijo de despedida foi dado, a separação foi inevitável. O som das ondas, dos ganidos das gaivotas e o motor do carro foi tudo o que ouvi conforme partia dali. Brenehal ia ficando para trás e com ela ficaria meu coração:
Henny: o pai que a vida me presenteara;
Alexis;
Brix; e meu adorável pintor...
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Nota da autora: Echos nasceu a partir da letra da música Vou deixar do Skank; aleatório não é mesmo?! Procurei me aprofundar em emoções e dramas reais fugindo completamente da minha zona de conforto na escrita, espero que tenham apreciado a história.
Atenciosamente Coldheart.
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