Meu Reino por Você


Escrita por: Sommer
Betada por: Patrícia Uchôa


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CAPÍTULO 1


- Bom dia, gracinha! - puxou minha coberta e eu me encolhi, resmungando alguns palavrões.
- Lindo dia pra você ir se ferrar, isso sim. - falei com o meu mau humor diário e levantei, encarando uma sorridente. Ela não se abalava mesmo com os meus xingamentos, por mais que eu tentasse todos os dias da minha vida.
- Você fica tão linda me xingando, ! - ela riu escandalosa e eu tive vontade de matá-la. Não literalmente, eu apenas odeio acordar cedo, ainda mais quando está frio.
- Sério. - lancei o meu olhar mais sombrio pra ela. - Não sei por que você ainda é minha amiga. - e saí trotando para o banheiro.

e eu somos completamente o oposto uma da outra e ninguém consegue entender como nos suportamos todo esse tempo. Conhecemo-nos quando ainda éramos bem pequenas, aos seis anos, quando entramos em um colégio, no Brasil. Nossas famílias sempre foram muito unidas, então crescemos juntas como se fôssemos irmãs e realmente nos consideramos assim. Meu pai se mudou para uma pequena cidade na Inglaterra, Surrey, há cinco anos. Bem, obviamente, eu não iria perder a chance de vir morar aqui também e dei meu jeito de meus pais aceitarem minha mudança, afinal, o combinado seria morar junto de meu pai. Porém, seis meses depois, a conseguiu convencer sua mãe de deixá-la vir para cá fazer um intercâmbio e, com o passar do tempo, virou uma estadia permanente, já que hoje moramos juntas em um apartamento no centro da cidade e a quilômetros de distância da casa do meu pai. No começo, foi meio difícil de nos acostumarmos a morar sozinhas, mas, depois de anos, até que estamos nos virando bem (com visitas da faxineira uma vez na semana, é claro).
Estamos no último ano agora e, por isso, tivemos que mudar de colégio, pois o antigo não tinha um último ano muito preparativo, segundo meu pai, e hoje é o primeiro dia de aula. , como sempre, estava super animada e já havia experimentado o guarda-roupa inteiro, enquanto eu só me preocupava em xingar o tempo frio de Surrey. Não que eu não amasse frio, mas já era ruim o suficiente ter de ir pra aula numa segunda-feira de manhã, então imagine com o tempo chuvoso.

- Tome, , coloque essas luvas pretas e esse cachecol colorido, vai ficar ótimo com essa roupa que você vestiu! - enrolou o cachecol no meu pescoço e eu não pude evitar sorrir, a animação dela era tanta, que estava me contagiando.
- Mal posso esperar pra ver os manés que estudam lá. – eu disse, fazendo uma careta para o espelho ao observar minha cara cansada.
- Estou tão empolgada, ! Quero conhecer pessoas novas, não aguentava mais aquele mesmo pessoal o tempo inteiro.
- Nem me fale. - eu passava um pouco de maquiagem para ficar mais apresentável. - Já estou vendo você chegando e distribuindo sorrisos para todos, como se fosse o Joey. - pus a língua pra fora e ri.
- Antes o Joey do que ser um pouquinho mal humorada como você, Chandler. - ela riu de volta. Nós sempre nos chamávamos assim: de Joey e Chandler (e apelidos derivados, como Jo e Chan), do nosso seriado favorito, Friends, porque nos considerávamos iguais a esses personagens.
- Não pode ser considerado mau humor, se for sarcasmo. - abri um sorriso cínico. - Anda, vamos, não quero chegar atrasada e já pagar mico recebendo bronca dos professores.
Entramos no carro, revezávamos a vez de dirigir e hoje era a de . Liguei o som e fomos cantarolando até chegar ao novo colégio, o Conrad Prep School. Ele era enorme, muito maior do que o que estudávamos e parecia digno de filme de Hollywood. Estacionamos e pegamos nosso material, andando entre os outros alunos, que nos olhavam curiosos. , como era de se esperar, sorria simpaticamente para todos, que, aparentemente, sorriam de volta. Já eu, só continuei andando, conversando qualquer coisa com ela até chegarmos ao corredor principal.
- Bem, vejamos os quadros de horários... - eu analisava os milhares de papéis que estavam pregados no grande mural que havia bem em frente ao portão principal do prédio. - Por que eu não entendo nada do que está aqui? - eu só conseguia ver um monte de números e um monte de matérias, mas não conseguia saber em qual sala estávamos.
- Nossa, é bem diferente mesmo, né? - tentava me ajudar a achar, mas fracassando também.
- Vocês precisam de ajuda, meninas? - ouvimos uma voz de um timbre forte que me fez arrepiar por inteira, sem saber por quê. Olhei pra trás e encarei um garoto, que aparentava ter a nossa idade. Ele estava com uma calça um pouco larga e uns tênis meio sujos, com o cabelo levemente bagunçado e um sorriso no rosto, e eu não pude deixar de reparar em como ele era bonito. Muito bonito, mas não me importava, devia ser um mané como todos os outros por aí que se pareciam com ele.
- Sim, por favor! - sorriu para ele e eu conhecia aquele tipo de sorriso dela, já sabia que, mais tarde, eu a escutaria falar horas sobre como o garoto era lindo e encantador e o próximo amor da vida dela. Patético. - Nós somos novas aqui e não sabemos que aula teremos agora.
- É realmente complicado pra quem chega de fora. - ele riu. - Vocês têm o papel de inscrição?
- Está aqui em algum lugar... - começou a revirar a bolsa enquanto eu não mexia um músculo sequer. Quero dizer, pra que vou fazer tanto esforço pra saber qual é a minha aula se a minha amiga já estava cuidando disso pra mim e ainda paquerando o cara? Fiquei uns segundos em silêncio, observando procurar o papel, e percebi que o garoto agora me encarava. Olhei para ele sem sorrir e ambos sustentamos o olhar até que ouvimos falar novamente.
- Achei! - ela entregou o papel para o garoto e ele começou a analisar.
- Bem, vocês estão em turmas separadas. , você tem aula de Biologia agora. - ele ia dizendo enquanto olhava para o papel em sua mão e para o mural. - E , você tem de Literatura.
- Ótimo, tudo o que eu precisava. - eu resmunguei, o garoto me olhou com a sobrancelha arqueada e eu senti que ele prendia um risinho. Idiota, nem me conhece.
- Vamos, , vai ficar tudo bem. - sorriu para mim e se virou para o garoto. - Nossa, como fomos mal educadas, nem nos apresentamos. Eu sou e essa é a . - ela abria um sorriso cada vez maior e eu ficava imaginando se era possível que sua boca rasgasse alguma hora. Ri com esse pensamento e o garoto estranho me encarou com falsa surpresa, talvez ele tivesse pensado que eu não sabia rir.
- Prazer, meninas. - ele disse, parecendo simpático. - Eu sou o , mas podem me chamar de .
- Pode me chamar de . - ficou me encarando, esperando que eu dissesse meu apelido e, vendo que eu ia continuar em silêncio, cutucou-me.
- Ai, o que foi? - eu olhei brava pra ela, que pigarreou. – Oi, , tudo bem? - eu disse, ainda sem sorrir. Ele podia ser bonito e tudo o mais, mas eu não ia ficar de papinho com um cara que eu nem conheço e que parecia um mané. - Bem, agora eu vou andar por aí pra achar minha aula.
- Eu tenho aula de Biologia agora com a , mas a sala de Literatura é perto. - disse e me encarou com um sorriso cínico nos lábios. Cínico, era o que ele era. Totalmente cínico. Até parece que eu não conhecia o tipinho dele.
- Eu nunca disse que precisava de ajuda. - eu disse seca e me virei para . - Joey, a gente se encontra quando bater o sinal, está bem?
- Tá bom, Chan. - ela disse sorrindo e me mandando beijos no ar enquanto assistia tudo com a sobrancelha arqueada, com um ar de arrogância que antes eu não havia percebido. - Seja boazinha e não assuste as pessoas.
- E você não beije todas elas. - mandei beijos de volta para , nós rimos juntas e, então, eu segui a direção oposta dos dois.

Eu podia ouvir os risinhos da enquanto andava e me peguei rolando os olhos ao lembrar do ar de arrogância do há segundos. Eu sabia muito bem quem ele era, o tipinho dele. Ele era daquele tipo que tinha noção do quanto era bonito e tirava proveito disso, tendo todas as garotas possíveis aos seus pés. E claro que seria apenas mais uma caída por ele, mas eu não poderia fazer nada a respeito. Não que eu odiasse os garotos, porque eu não odiava, não mesmo. Eu só não suporto esse tipo de cara que acha que pode tudo só porque é incrivelmente bonito. Parece-me patético uma pessoa pensar que pode usar as pessoas de uma forma tão vazia só porque tem um certo tipo de qualidade. Ele me parecia arrogante também e de arrogante já bastava eu.
Andei por vários corredores diferentes até finalmente achar a minha sala. Entrei e me sentei no fundo, já abrindo meu caderno. A sala estava cheia, algumas garotas patricinhas demais, que eu tinha certeza que dariam super bem com a , outras que pareciam nerds e sem importância na sociedade, uns garotos do tipo do e outros um pouco mais arrumados e que se sentavam perto das patricinhas-barbies. O professor chegou logo depois. A aula foi longa e eu só queria encontrar a de novo e não me sentir tão estranha no meio de pessoas mais estranhas ainda.
Finalmente, o sinal tocou e eu fui andando lentamente até encontrar em frente a uma sala, que eu supus que fosse a dela de Biologia.
- Chan! - ela abriu um largo sorriso ao me ver. - Como foi sua primeira aula?
- Cansativa. - eu disse, um pouco emburrada, e ela riu. - E a sua?
- Cansativa também, mas nada de mais. - deu de ombros. - Conheci umas pessoas novas, já estou começando a gostar daqui! - ela ia dizendo animada, quando fomos interrompidas por uma pessoa que passou o braço pelos ombros da e a abraçou de lado: . Ele me olhou com um sorriso cínico nos lábios e arqueou a sobrancelha, como se me desafiasse a reclamar do que ele havia feito. Mas eu não ia cair naquele joguinho idiota dele.
- Oi, Chan. - ele disse com um sorriso de lado e eu senti meu sangue ferver. Eu mal o conhecia, mas puxa, ele gostava de me irritar. Qualquer pessoa me irritava em uma segunda-feira.
- Meu nome é . - eu disse, abrindo um sorriso falso e ele gargalhou, o que me irritou mais. - ... - ele repetiu pensativo e me encarou. - Eu gosto mais de Chan. - eu lancei um olhar de fúria sobre ele e aqueles olhos não paravam de me encarar. - Aliás, Chan vem de onde? Já que seu nome é ...
- Chandler! - gritou feliz antes que eu pudesse dizer que não interessava e riu, deixando-me totalmente sem graça. Por que a tinha que fazer essas coisas comigo?
- Obrigada, Joey. - eu disse, sorrindo forçadamente para ela, e a garota riu. Voltei meu olhar para e suspirei pesadamente, não estava a fim de continuar com aquela implicância mútua logo no primeiro dia de aula. - Enfim, que aula temos agora?
- Matemática. - ele disse e, pela primeira vez, eu pude perceber em como a voz dele era realmente bonita. - Todos nós. Juntos.
- Vocês acham que conseguem dar uma trégua? - disse para nós dois, que nos olhamos sem sorrir. - Já vimos que teremos algumas aulas juntos, então acho melhor assim.
- Tanto faz. - eu disse. De jeito nenhum ia dar o braço a torcer antes!
- Claro. - sorriu e me olhou. - Se a não me matar até o fim dessa aula, acho que podemos até ser amigos. - ele piscou pra mim e eu fiz a melhor cara de desprezo que pude.
- A é um docinho de coco, ela só tem essa barreira contra pessoas novas, sabe, ? - disse e ele sorriu pra mim e eu sabia que era só pra me irritar. Mas respirei fundo e mantive a compostura.
Fomos andando até a sala de Matemática e eu participava algumas vezes da conversa de e , mas sem muita animação de minha parte. Seria uma longa aula. Ah, seria.

CAPÍTULO 2


Eu tentava a todo custo prestar atenção no que o professor explicava, mas era difícil competir com a minha falta de interesse. Olhei para o lado e escrevia coisas rapidamente em seu caderno. Que bom que pelo menos alguém vai conseguir me ajudar em Matemática depois. Meus olhos passearam pela sala até se fixarem em dois pontos extremamente : os olhos de . Fiquei sem reação por alguns segundos ao perceber que ele me encarava e me xinguei mentalmente quando finalmente consegui desviar o olhar. Que idiota eu tinha sido, por que meu coração tinha acelerado tanto? Comecei a mordiscar a ponta da caneta e a fingir interesse no professor, mas não conseguia parar de imaginar se ainda me olhava ou não. Em um ato impensado, virei a cabeça novamente e dei de cara com aqueles mesmos olhos, mas desta vez abriu um pequeno sorriso, triunfante. Droga, ele estava me testando, só podia ser! Senti minhas bochechas ficarem quentes e demorei alguns segundos para raciocinar e desviar meu olhar do dele. Meu coração batia descompassado e eu não sabia o porquê, mas me obriguei a ficar encarando o professor sem graça de Matemática até que ouvisse o sinal soar.

- Odeio Matemática, é tudo tão difícil - disse ao levantar-se com seu material. - Você conseguiu anotar tudo, Chan?
- Anotar? - Eu me senti sem graça ao lembrar que não consegui prestar atenção na aula porque estava tensa demais por causa de e seus malditos olhos . - Não, não. Eu perdi o começo, então resolvi pegar com você depois, pra não ficar tudo bagunçado no meu caderno - menti da forma mais rápida que pude e rezei pra que não insistisse no assunto.
- Ainda bem que temos um intervalo agora - ela disse e eu suspirei aliviada. - Preciso conhecer o resto dos garotos desse colégio, não é mesmo?
- Estava demorando... - Nós duas gargalhamos e saímos da sala. Olhei ao redor pra ver se havia algum sinal de , mas estava tudo limpo. Então soltei o ar em meus pulmões, que eu nem tinha reparado que havia prendido enquanto procurava por ele.

Chegando ao pátio, vimos um aglomerado de pessoas, algumas sentadas em mesas e outros ainda na cantina, todos pareciam iguais para mim. Sentamos em uma mesa mais distante, porque, segundo , era mais fácil de observar as pessoas e escolher as melhores. Eu ri com essa teoria dela, porque em parte era realmente verdade. foi até a cantina nos comprar sucos e eu fiquei vendo a chuva cair, totalmente distraída com aquelas gotas d'água, imaginando se conseguiria me dar bem naquele novo colégio. Foi quando uma voz me acordou do transe.

- Dormindo acordada? - já estava sentado à minha frente e me encarava com aquela típica sobrancelha levantada.
- Eu gosto de olhar a chuva - eu disse simplesmente e voltei a encarar o nada. Qualquer lugar era melhor do que aqueles olhos que me deixavam aflita, e eu já não aguentava mais.
- Gostou da aula de Matemática? - ele disse com um sorriso sacana e eu não consegui evitar e ri também, sentindo minhas bochechas ficarem vermelhas. - Nossa, você ri! Achei que fosse do tipo Vandinha Adams que nunca sorria e nem nada do tipo.
- Eu rio só às vezes, não se acostume - eu disse com um sorriso forçado e voltei a ficar séria.
- Você precisa aprender a se divertir mais, Chan - disse irônico e eu sentia vontade de esganá-lo a cada vez que ele falava meu apelido, me fazia sentir totalmente idiota. Quero dizer, Chan já era idiota o suficiente, ele não precisava me zoar por isso.
- Eu me divirto o suficiente, . - Eu suspirei aliviada ao ver chegar à mesa com meu suco de laranja. - Finalmente, Jo.
- A fila estava grande, queria que eu fizesse o que? - ela fingiu estar brava e eu ri. - Impressão minha ou eu ouvi um papo sobre diversão aqui?
- Eu estava dizendo agora mesmo que a precisa aprender a se divertir mais. - sorriu pra e pegou o meu suco.
- E eu estava dizendo ao que eu sei me divertir o suficiente. - Eu peguei o suco de volta antes que ele pudesse tomar um gole e os dois riram de mim.
- Bem, é uma pena, porque eu e meus amigos vamos a um pub hoje e eu vim aqui exatamente para chamar vocês - disse com falsa tristeza e eu sabia que ele estava sendo cínico, pois estava na cara que a jamais recusaria esse convite e então eu teria de ir com ela.
- Um pub seria ótimo pra animar essa segunda chuvosa! - disse animada e sorriu pra mim, vitorioso. - Seria demais, né ? - Ela olhou pra mim, com aqueles olhos de quem implora que você aceite alguma coisa. sabia exatamente como me fazer dizer sim, culpa dos anos de convivência e do meu coração mole demais.
- É, seria legal - eu grunhi e soltou um risinho da minha falsa animação. Por que ele se divertia tanto com o meu mau humor?
- Vamos naquele The Outdoor, sabem? Às oito horas - ele disse, levantando-se e tentando roubar o meu suco mais uma vez. foi mais rápido que eu e não me deu chances de pegá-lo de volta, tomando o que restava do meu pobre suco de laranja. Não preciso nem dizer que aquilo me irritou.
- A gente se vê às nove - eu disse, mais pra contrariá-lo de um jeito infantil do que por qualquer outra coisa. Ele me lançou mais um daqueles olhares seguidos de um sorriso cínico, que fez meu coração bater um pouco mais rápido. Tudo bem, , acalme-se. Respire fundo e acalme-se.
- Tchau, ! - gritou enquanto ele ia embora e ele acenou para ela, e então perdeu-se no meio daquela multidão de alunos.
- Você me põe em todas as ciladas possíveis, - eu suspirei rindo e ela me abraçou.
- Você é a melhor irmã do mundo, sabia? - ria e me dava beijos estalados nas bochechas enquanto eu fazia careta. Algumas pessoas em volta nos olharam esquisito e nós apenas rimos.

As outras duas aulas eu e tivemos juntas, Química e Inglês, porém não tivemos nem sinal de . Passei algum tempo pensando por que meu coração acelerava tanto quando aqueles olhos me encaravam e não consegui chegar a nenhuma conclusão lógica. era lindo, isso eu já tinha sacado de cara. Ele era alto, tinha aqueles ombros largos e um sorriso que faria qualquer garota cair para trás, sem falar naquela voz que me fez arrepiar na primeira vez que a ouvi. Mas eu já tinha trombado com dúzias de caras lindos antes e isso nunca havia me acontecido, meu coração sempre continuou normal. E não era o garoto que fazia meu tipo, quero dizer, basicamente o que ele fez hoje foi me irritar e me desafiar. E ele parecia do tipo que gostava de garotas como a , que são simpáticas e extremamente bonitas. Não que eu não fosse bonita também, porque eu sou, mas não desse jeito tão convencional que é e que a maioria dos garotos gosta, beleza seguida de simpatia. Eu nunca sou simpática de graça com ninguém, nunca. Então os garotos não se interessam muito por mim, porque já desistem na primeira conversa que tentam ter comigo. E eu não me importo, porque, veja bem, eu nunca me apaixonei, então eu não ligo pra esse tipo de coisa. Mas alguma coisa em me intrigava, me deixava com uma certa pulga atrás da orelha, e mais dia ou menos dia eu iria descobrir e poderia finalmente ficar em paz.

- O que você acha desse? - pegava o terceiro vestido dentro de seu armário e colocava em frente ao corpo.
- Muito bonito - eu disse pela terceira vez e a vi bufar em frustração. Era engraçado quando a se preocupava em causar uma boa impressão quando estava interessada em alguém.
- Poxa, , você disse isso dos últimos dois! - Ela se olhava no espelho fazendo caretas e eu fui até seu armário e revirei as roupas até achar o que queria.
- Usa esse, é o meu preferido - eu disse, porque aquele vestido fazia a parecer uma rainha de tão linda que ficava. Não sei como ela não tinha o escolhido antes.
- VOCÊ É UM GÊNIO, CHANDLER! - Ela deu pulinhos animados e pegou o vestido da minha mão, e agora revirava os sapatos para achar a perfeita combinação. - Mas o que você vai usar?
- Não sei. - Eu dei um sorriso torto. E realmente não sabia. Eu tinha a estranha vontade de estar impecável para encontrar , mas não queria ceder a mim mesma. já estava preocupada em estar linda para ele, eu não poderia resolver paquerar o mesmo cara que ela, não é? Não que eu quisesse paquerar , é apenas uma hipótese.
- Você acha que o vai gostar destes? - Ela balançava um par de saltos alto preto e me encarava ansiosa.
- Eu sinceramente acho que ele não vai nem reparar nos sapatos, . - Ela fez uma cara triste e eu tinha que levantar o astral da minha amiga. - Mas com certeza vai te achar linda no vestido! - O rosto de iluminou-se e eu me vi aliviada. Senti uma pontinha de inveja ao perceber como minha amiga se preocupava para ficar extremamente atraente e eu estava aqui, jogada na cama sem nem fazer ideia de que roupa vestir. Eu precisava parar de ser tão desinteressada nas coisas às vezes, porque eu mesma estava me tornando uma pessoa desinteressante. Fiz uma careta com esse pensamento e percebeu.
- O que foi?
- Nada, só estava tentando decidir o que vestir. Será que, hm... – hesitei, um pouco sem graça, antes de continuar a frase. Cena patética: eu com vergonha da minha melhor amiga. - Será que você podia me ajudar?
- Mas é claro que sim, sua boba! - começou a revirar o meu armário e a jogar algumas peças de roupa em cima da cama. Olhei-me no espelho e me senti totalmente patética. O que eu estava fazendo? Pedindo ajuda à minha amiga para ficar bonita para um cara que ela está paquerando? Fiz uma careta ao olhar meu reflexo quando pensei nisso e comecei a reparar em como eu poderia ficar realmente mais bonita se me cuidasse mais, o meu rosto era tão bonito... - Você pode vestir uma legging linda, um blusão maravilhoso e um sapato killer e aí eu quero ver algum cara não babar por você! - disse pegando algumas peças do meu armário e outros do dela e colocando em cima da cama.
- Como você consegue isso? - eu disse sorrindo ao ver a combinação perfeita de peças que ela tinha feito. Eu estava para ficar muito diferente, e muito mais bonita.
- Eu nasci pra isso, querida! - gargalhou e eu levantei o dedo médio para ela, rindo também.

Já eram quase nove horas e nós estávamos prontas. estava linda como sempre e eu até que estava bem bonita também, pelo menos era assim que eu me sentia. Pegamos o carro, já que eu não pretendia beber poderia levar para casa em segurança. Quando chegamos, o pub já estava um pouco cheio, o suficiente para uma segunda-feira, claro. Entramos e logo meus olhos cruzaram com duas imensidões e naquele momento eu soube que estava perdida. se destacava no meio da multidão não só pelos seus belos olhos, mas por ser o garoto mais bonito dali, talvez até de toda Surrey. Ele abriu um sorriso largo quando nos viu e eu não pude não sorrir, me xingando mentalmente por não conseguir me segurar ao vê-lo. Aproximamo-nos da mesa em que ele estava e eu pude observá-lo melhor e aí sim meu coração acelerou de vez. vestia calças largas e um blazer preto, e seu cabelo estava arrumado mas ainda assim meio bagunçado, o que o deixava incrivelmente atraente. Seus olhos me encararam com surpresa e eu senti minhas bochechas arderem, então desviei o olhar para qualquer outro ponto do pub. Eu não aguentaria olhar para ele daquele jeito a noite inteira, era demais para o meu coração. Por que ele tinha que estar tão bonito? Idiota. Cínico. Droga.

- Você está muito bonito, ! - disse com o seu melhor sorriso, estava claro que o flerte entre os dois tinha acabado de começar. Para a ter dado o primeiro passo é porque ela realmente tinha o objetivo de ganhar o , e isso significava que eu tinha que ficar na minha, óbvio.
- Obrigado. - Ele sorriu meio galanteador pra ela. - Você está linda, . - olhou-a dos pés a cabeça e abriu um sorriso cínico ao encarar a garota. Isso me fez ter uma pontada no coração, mas nada demais. Às vezes eu sentia essas coisas quando a se dava bem com os garotos, porque eu nunca tive esse brilho espetacular dela, então sempre era deixada de lado quando estava com minha melhor amiga. - Você também está linda, Chan - eu o ouvi dizer e acordei do meu transe com um susto, olhando-o assustada e demorando alguns segundos para processar a informação. Finalmente consegui abrir um pequeno sorriso e agradeci mentalmente por estar usando blush, porque assim ninguém veria o quanto eu fiquei vermelha naquele momento.
- Hm, obrigada - eu disse dando de ombros e ele arqueou a sobrancelha e me encarou por longos segundos que pareceram uma eternidade, mas nosso contato visual foi logo interrompido pela voz de .
- E então? - ela disse nos olhando. odiava não ser o foco, e sempre arranjava um jeito de voltar o assunto para ela. Soltei o ar em meus pulmões em um suspiro, melhor as atenções ficarem nela mesmo.
- Vamos nos sentar? - sugeriu e nós sentamos numa mesa com mais dois garotos e duas garotas e todos fomos devidamente apresentados. O garoto com sardinhas era , o com cara de bobão era , a garota loira era Steffy e a morena, Rebecca. Os quatro eram do colégio e pareciam simpáticos, apesar das duas garotas parecerem um pouco piranhas, mas eu não poderia julgar de cara já que para mim quase todas as garotas da face da Terra pareciam piranhas.
- E vocês eram da onde? - perguntou enquanto tomava sua cerveja.
- Da Trindad Second School, mas achamos melhor irmos pra Conrad, porque o último ano parece um pouco melhor - respondeu com um risinho. Oh, não. Ela estava usando a tática do risinho inocente para conquistar os garotos. Típico.
- Na verdade, éramos do Brasil - eu resolvi me inserir na conversa. Chega de ser a excluída, pelo menos por essa noite. Eu já estava completamente mudada com essas roupas, por que não tentar ser um pouco legal, não é?
- Sério? - me olhou e eu sorri, meio sem graça. Por que diabos eu ficava sem graça sempre quando ele olhava para mim? Mas que droga! - Bem que vocês têm uns traços bem diferentes, não são tão brancas quanto as outras garotas daqui de Surrey.
- E por que vieram para a Inglaterra? - Steffy perguntou me encarando e eu pude notar como ela era bonita. Aliás, todos daquela mesa pareciam mais bonitos que eu.
- Meu pai teve de se mudar há uns anos e eu vim com ele, porque sempre quis conhecer este lugar - eu ia dizendo quando me interrompeu.
- Mas como ela não vive sem mim, claro que eu tive de vir junto alguns meses depois! - Ela apertou minhas bochechas e eu fiz uma careta, arrancando risadas do grupo. - Eu acho que vou pegar uma cerveja, alguém quer vir? - encarou com um sorriso de lado e ele me olhou confuso por alguns segundos, mas depois sorriu para ela.
- Eu vou, . - Ele levantou-se e eu soltei um risinho. Eu não tinha por que ficar com ciúmes, certo? Eu nunca me dei bem com garotos, e até hoje mais cedo eu brigava como cão e gato com . E, obviamente, fazia o tipo dele, então até que seriam um casal bonitinho, não é? Eu só precisava desencanar, era isso.
- O não perde tempo mesmo... - Rebecca disse rindo após os dois terem saído da mesa.
- Pô, deixa o cara. - abanou a mão no ar e desviou seu olhar pra mim. - Que bom que vocês foram estudar na Conrad, . Acho que vão se dar muito bem com a gente, o nunca se engana quando escolhe as pessoas. - Ele piscou e eu ri.
- O que se pode fazer, não é? É sempre bom fazer novos amigos. - Eu dei de ombros, sorrindo e me sentindo outra pessoa por ter dito isso. Quão irônico é eu ser agradável com pessoas que acabei de conhecer? Até agora não tinha mandado ninguém ir à merda e isso já era um grande avanço! Essas roupas que a escolheu para mim devem ter super poderes, só pode.
- Eu já estava entediada das mesmas pessoas de lá. - Steffy rolou os olhos. - É bom ter novas alunas, para variar. - Ela sorriu simpática e eu retribuí. - E sorte a sua que conheceram a gente, esses aí - ela apontou para e - são uns pervertidos!
- EI! - retrucou e eu gargalhei alto com as meninas.
- Quem é pervertido aqui? - havia voltado com e ela havia me trazido uma cerveja.
- Você também. - Rebecca apontou para ele com a cabeça e ele colocou os braços pro alto em sinal de inocência, rindo.
- Eu não vou beber hoje, estou dirigindo, esqueceu, Jo? - Eu empurrei a cerveja que havia posto na minha frente e me levantei. - Bem, eu vou até o bar pegar alguma outra coisa pra beber e já volto.

Saí andando antes que os olhos de se cruzassem com os meus e eu sentisse aquelas pontadas estranhas. Fui abrindo caminho até chegar ao bar e pedi uma água com gás e contornei o pub para chegar até o lado de fora, pretendia ficar encostada na parede por alguns minutos antes de voltar. Estava perdida em pensamentos corriqueiros quando ouvi uma voz conhecida e vi saindo pela porta do pub, mas ele nem percebeu minha presença, estava perto da outra parede e de costas para mim. Fiquei observando seus movimentos quando ele atendeu o celular.

- Pronto - ele disse ao atender. Eu não pretendia ouvir a conversa, mas a rua estava um pouco silenciosa, o barulho do pub era abafado pela porta fechada e seria impossível não ouvir o que ele falava. - Estou com uns amigos. Sim, estou. Claro que estou tomando cuidado! - falava meio baixo, então eu só consegui ouvir algumas partes da conversa. - Não sei, quando eu tiver de ir. A senhora e eu já conversamos sobre isso. Eu não posso falar muito agora, estou em um lugar público, posso ligar amanhã praí? Prometo que não vou esquecer. Tudo bem, também te amo. Tchau. - Ele desligou e eu comecei a encarar a rua à minha frente, pois sabia que ele iria se virar. - ? - ele disse surpreso e eu o encarei, com um pequeno sorriso nos lábios. - Você está aí há muito tempo?
- Não - menti, eu não poderia simplesmente falar que estava lá antes dele e que tinha ouvido a conversa, o que ele pensaria de mim? - Vim só tomar um ar fresco...
- Pessoas novas não são muito a sua praia, né? - abriu um sorriso cínico e eu ri, encarando o chão. - Eu só vim atender o telefone, era minha avó. Ela sempre é muito cuidadosa comigo. - Ele riu meio tímido. - Vamos entrar?
- Tudo bem - eu disse simplesmente sem sorrir e entrei pela porta que ele segurava aberta.

Voltamos para a mesa e encontramos algumas canecas a mais de cerveja vazias e e virando outras duas, enquanto as garotas riam e torciam. Sentei-me e observei , que estava sentado logo à minha frente e ao lado de . Eu não conseguia evitar em pensar como era fofo ele atender a avó no meio da farra com os amigos, como esse gesto parecia atencioso. Ele podia ser um total irritante, mas pelo menos parecia ter um coração e assim eu ficava mais tranquila em relação à minha amiga, talvez ela não corresse o perigo de ter o coração partido por ele. Eu estava absorta nesses pensamentos quando percebi que aqueles olhos me encaravam sorrindo e levei um susto, eu devia estar o encarando por algum tempo sem perceber. Senti minhas bochechas quentes e desviei o olhar, totalmente sem graça. Como sou idiota, meu Deus.

- Estamos jogando um jogo muito divertido, Chan! - disse animada e eu desviei minha atenção para ela. - Escolhemos duas pessoas e elas têm que virar uma caneca de cerveja, a que virar primeiro vence. A pessoa que perder tem que responder a uma pergunta. Não parece divertido? - Ela piscou para mim e eu sorri.
- Claro! - tentei parecer animada e pareceu falso, mas acho que só percebeu, porque ele soltou um risinho sem querer. Eu olhei-o com a sobrancelha arqueada e ele apenas deu de ombros.
- Certo, , você perdeu - Steffy disse, afastando a caneca de perto dele. - Está na vez da perguntar.
- Hm... - fingia pensar, com o dedo apoiado nos lábios. - Vamos ver... Você já ficou com alguém dessa mesa? - Ela o encarou e as meninas começaram a gargalhar alto ao verem dar de ombros.
- Claro que sim - ele pediu outras cervejas para o garçom que passava pela mesa. - Steffy e Rebecca.
- Está esquecendo-se de mim, é? - abraçou de lado e o amigo socou-o no braço.
- Sai pra lá, cara! - colocou as canecas cheias que haviam chegado em frente de cada pessoa, menos de mim. - Desculpe, , sem álcool para você hoje. - Ele deu de ombros e eu sorri.

O jogo continuou por algumas rodadas. perdeu duas vezes e teve que revelar que ela preferia os ingleses aos brasileiros e que estava interessada em alguém que estava na mesa. perdeu uma vez e teve que dizer que já tinha levado um fora da garota mais popular do colégio. Steffy e não perderam nenhuma vez, mas Rebecca perdeu uma e teve que jogar na roda que já teve uma paixão secreta por . Todos já estavam levemente bêbados e riam de qualquer coisa e eu apenas me divertia com aquelas conversas totalmente sem sentido, ignorando ao máximo flertando com o .

- Eu disse para ele que ele era um gato, óbvio! - Steffy me contava sobre algum garoto do colégio que eu não conhecia, mas eu não conseguia prestar atenção. Minhas atenções estavam presas à cena de cochichando alguma coisa no ouvido de e ele sorrindo de lado, daquele jeito cínico de sempre. Idiota. - Está escutando? - Steffy me encarava com um olhar estranho.
- Estou, estou. - Eu balancei a cabeça afirmativamente. - E então ele disse o quê? - eu perguntei para que ela continuasse a história e voltei a prestar atenção nos dois à minha frente. estava com a mão no pescoço de e continuava a falar em seu ouvido. Desci um pouco meu olhar e vi que um dos braços dele envolvia a cintura dela e então senti uma daquelas pontadas no peito e subitamente voltei minha atenção à Steffy, que ainda falava sem parar. Suspirei profundamente e senti um peso estranho nas costas, aquele peso que você sente quando está chateada.
- Eu acho que vou embora, gente. Já são duas da manhã e já vai ser difícil ir pra aula daqui a pouco... - Rebecca disse pegando sua bolsa.
- Eu também vou - ouvi dizer, mas nem ousei desviar minha atenção. - Vamos todos? - ele perguntou e todos concordaram, levantando um a um.
- A pode dar uma carona para vocês! - disse um pouco bêbada demais e eu senti uma pontada de irritação. Não, eu não podia. Eu não queria.
- A gente mora aqui perto, , sem problemas, podemos ir a pé - disse enquanto nós andávamos para fora do pub.
- Não, vamos de carro! - insistia. - Está muito frio aqui fora para vocês irem a pé. Né, Chan? - Ela pendurou-se no meu pescoço e eu abracei-a de lado.
- É. - Eu dei de ombros sem olhar ninguém em particular. - Se duas pessoas forem no colo, acho que cabe todo mundo - eu disse sem animação.

Chegamos ao carro e todos entraram, ficando uma zona no banco de trás. foi na frente comigo, já que estava mais sóbrio que os outros e me daria as instruções para a casa de cada um. Liguei o som para evitar ouvir as conversinhas de e e fui dirigindo. Deixei primeiro, depois Steffy e Rebecca, que moravam no mesmo prédio. E logo chegou a vez de . Vi pelo retrovisor dar um beijo na bochecha dele e continuei calada quando ele me deu boa noite e saiu do carro. Depois deixei em casa e, finalmente, chegamos ao nosso apartamento.

- Ele não é maravilhoso? - disse, jogando-se na cama assim que entramos no quarto.
- Quem? - me fiz de desentendida e deitei-me na minha cama, tirando apenas os sapatos.
- O , oras! - ela disse olhando pra mim com aquele famoso olhar sonhador e eu me esforcei ao máximo para ser positiva com ela. não tinha culpa alguma do meu repentino mau humor por causa dela e . Logo isso ia passar e tudo voltaria ao normal. Ele voltaria a ser mais um mané que a escolheu para namorar.
- Quem está dizendo é você. - Eu forcei um risinho. - Agora vamos dormir, temos apenas algumas horas de descanso, amanhã você me conta tudo, está bem?
- Estou tão cansada... - ela murmurou já fechando os olhos e eu agradeci mentalmente por não ter mais que lidar com isso naquele momento.
- Boa noite, Jo - eu disse, mas acho que já havia adormecido. Apaguei a luz e virei-me para o lado, encarando a janela e o céu cheio de nuvens. Por que eu sentia esse peso estranho sobre as minhas costas? Eu só queria dormir um pouco e, quando acordasse, eu estaria normal de novo. E poderia tratar o com indiferença, como eu fazia com todos os outros manés. E ele era só mais um. Claro que era. Tinha que ser.

CAPÍTULO 3


- Ai, minha cabeça. - reclamava enquanto passávamos pelos portões da Conrad. O dia estava nublado, mas sem chuva, e um ventinho frio percorria toda Surrey naquela manhã.
- Você sabe qual é a boa notícia, não é? - eu disse irônica e me olhou com curiosidade. - Nossa primeira aula é Educação Física! - eu comecei a rir e ela me mandou o dedo médio, vejam só quem estava mal humorada naquela manhã!
- Me compra um café, Chan? Por favorzinho? - ela me lançou aquele olhar de cachorro pidão, eu não pude resistir e assenti com a cabeça. - Vou te esperar no ginásio, ok?
- Chego lá em dez minutos. - eu dei um beijo no topo da cabeça da e segui meu caminho até a cantina.
Comprei um café grande e fui andando em direção ao ginásio, estava ventando muito e meu rosto inteiro estava gelado. Eu só queria poder ir para casa, enfiar-me debaixo das cobertas e permanecer lá até que o tempo mudasse um pouco, mas eu ainda tinha aulas para enfrentar antes que isso se tornasse realidade.

- Pronto. - entreguei o café para e vimos Steffy e Rebecca nos chamando do outro lado da quadra.
- Ressaca também? - Steffy riu, apontando para o café, quando nos encontramos.
- Vem, gente. A professora acabou de chegar. - Rebecca nos alertou e todas nós fomos para o centro da quadra, onde a professora estava.
- Bom dia para todas. - ela disse e todas as alunas continuaram em total silêncio, apenas ouvindo. - Hoje vamos jogar um pouco de vôlei e eu vou separar vocês em dois times, não quero ver moleza de ninguém! - a Sra. Green ia dizendo enquanto separava as meninas de forma aleatória. Eu e Steffy ficamos em um time e e Rebeca em outro. - Pois bem, agora vamos nos aquecer e começar a partida.
Fizemos uma série de exercícios para nos aquecermos e logo já estávamos posicionadas dentro da quadra. O jogo começou sem muitas emoções, a maioria das garotas jogando com má vontade. Eu, particularmente, nem estava ligando muito, dava um toque qualquer na bola quando ela passava por mim só para fingir que estava interessada. Eu odeio esportes. Eu odeio me exercitar.
O meu time estava ganhando por uma diferença de apenas dois pontos, quando uma garota que estava ao meu lado foi tentar bater na bola e esbarrou um pouco forte em mim e, então, eu caí. Como se cair já não fosse ruim o suficiente, eu sentia meu pé arder e mal conseguia me levantar. A professora apitou para pausar o jogo e veio me socorrer.
- Você está bem? - ela me perguntou ao chegar perto. As outras garotas estavam agachadas ao meu lado, tentando me ajudar a levantar.
- Estou. - eu dei de ombros. - AI! - grunhi quando levantei e meu pé tocou o chão.
- Eu acho que você torceu, . - disse, analisando meu tornozelo, que estava um pouco inchado.
- É melhor você ir pra enfermaria dar uma olhada nisso aí. - a Sra. Green disse, passou o meu braço pelo pescoço dela e foi me ajudando a andar enquanto eu mancava com dor.
Meu tornozelo ardia, doía de uma forma estranha e eu mal conseguia apoiar o meu pé no chão. Eu deveria ter torcido quando caí, que droga! Eu não queria ter que ficar mancando pelo colégio igual uma idiota e, para melhorar o meu humor, nós passamos em frente à quadra dos meninos e vi vindo em nossa direção. Muito obrigada, vida, você está sendo fantástica comigo hoje.
- O que aconteceu, ? - ele disse num tom preocupado enquanto olhava pra mim e eu não consegui responder com uma única palavra. estava usando uma camiseta branca e ela estava um pouco suada, talvez porque ele estivesse jogando futebol e correndo muito, não importa, mas ela estava grudada no corpo dele e eu prendi o ar ao notar o corpo que parecia ter. Ele tinha ombros largos e que combinavam muito bem com o desenho dos braços dele, que eram fortes. O tecido da camiseta acompanhava direitinho o formato do abdômen dele e parecia ser extremamente definido, assim como o seu peito. Fiquei imaginando como seriam as costas dele e me peguei desejando que ele virasse só para que eu pudesse ver. Meus olhos subiram de volta para o rosto do garoto e eu balancei a cabeça, tentando afastar esses pensamentos esquisitos sobre o corpo de .
- Ela caiu e acho que torceu o pé, estamos indo à enfermaria. - respondeu por mim enquanto eu tentava raciocinar e parar de agir como uma total maluca.
- Tá doendo? - ele continuava me encarando e aqueles olhos estavam me matando. Ele tinha rugas na testa por causa da expressão de preocupação que ocupava o seu rosto. Eu diria que ele estava até fofo, se não fosse um mané qualquer.
- Um pouco. - eu consegui responder e abriu um pequeno sorriso pra mim.
- Eu acho melhor levá-la no colo, . Porque assim vocês vão demorar muito pra chegar até a enfermaria e a está com dor. - ele disse e se aproximou de mim - O que você acha?
- Eu não aguento a ! - disse, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, e eu ri.
- Não me chama de gorda, Joey. - eu dei um tapinha na cabeça dela e nós rimos.
- Eu quis dizer que eu poderia levá-la até lá. - disse simplesmente e me encarou. O QUÊ? Nunca. Jamais. O que ele estava pensando? Eu preferia ir me arrastando pelo asfalto quente daquele pátio a aceitar isso.
- Acho que posso ir andando, . - eu puxei a e continuei a andar lentamente.
- Para de ser teimosa. - ele veio atrás de nós e eu suspirei. - Vai ser muito mais fácil e eu vou te levar à enfermaria com a sua ajuda ou não. - disse, decidido, e eu arregalei os olhos, pensando em alguma saída.
- Já que estamos decididos, eu vou voltar pra aula e avisar as meninas que você vai ficar bem, . - disse e eu a olhei incrédula. Como assim ela estava me abandonando daquele jeito? E a nossa amizade de anos? E a nossa lealdade? , isso vai ter troco!
- Que ótimo. - eu me dei por vencida, abriu um sorrisinho cínico, pegando-me no colo logo em seguida e eu tentando ao máximo não encostar nele, uma tarefa árdua.

Fizemos o trajeto inteiro em silêncio. Eu tentava não pensar naquela situação constrangedora e só olhava para frente, não podia correr o risco de observar o corpo de de novo. Sentia meu coração acelerado e só queria que a maldita enfermaria chegasse logo.
- Não foi tão mau assim. - quebrou o silêncio quando chegamos à enfermaria e me colocou sentada em cima de uma maca. - Dói muito? - ele disse ao me ver esticar a perna e fazer uma careta de dor.
- Incomoda. - eu respondi enquanto olhava o meu próprio pé só para não fazer contato visual com ele.
- Vou ficar aqui com você. - disse simplesmente e se sentou em uma cadeira do outro lado do cômodo.
- Não precisa. - eu disse, tentando não parecer grosseira, e o olhei. Ele estava tão bonito sentado ali, com aquele cabelo que parecia estar sempre bagunçado e sorrindo pra mim. Por mais que eu tentasse, não conseguia ser inteiramente grosseira com alguém assim, era completamente impossível.
- Quero saber se você vai ficar bem, Chan. - ele me lançou um sorriso sarcástico ao me chamar pelo apelido e eu dei o dedo médio, o que o fez gargalhar alto. Aquilo me deu uma sensação estranha no estômago, ouvir a gargalhada de assim, tão espontânea, tão inesperada. Acabei rindo também, contra a minha vontade.
A enfermeira chegou e examinou o meu pé, enfaixando-o. Disse que eu ficaria boa em apenas alguns dias, mas que precisaria deixá-lo descansar nesse tempo, sem muitos movimentos. Eu bufei em frustração ao ouvir aquilo e prestava atenção em tudo o que a enfermeira falava, assentindo com a cabeça, vez ou outra. Surpreendia-me a forma como ele estava sendo atencioso, eu nunca na vida havia conhecido um garoto que fizesse esse tipo de coisa. Quero dizer, a maioria deles nem te carrega até a enfermaria, quanto mais escutar com paciência o que a enfermeira tem a dizer.
- Viu só? Vou ficar bem. - eu disse sorrindo enquanto nós deixávamos a enfermaria. Eu ia pulando de um pé só e apoiada em , porque tinha o convencido de que não era necessário me carregar no colo mais uma vez, dizendo que eu tinha que aprender a me virar com o pé machucado. Mas, ainda assim, ele não me soltava um segundo, segurando o meu braço com força para que eu tivesse firmeza para ir pulando sem cair.
- Aonde você pensa que vai? - disse enquanto eu ia pulando em direção ao ginásio e eu o encarei com uma expressão de surpresa no rosto.
- Como assim? Estou indo encontrar a , oras. - eu disse como se fosse óbvio e ele me olhou sério. Um calafrio percorreu a minha espinha, tinha que parar de ficar me provocando essas sensações idiotas.
- Você não ouviu nada do que a enfermeira disse? Você não pode ficar indo pra lá e pra cá. Vem, vou te levar pra casa. - ele puxou meu braço levemente, mas eu continuei parada no mesmo lugar.
- Você não vai me levar pra casa, . - eu disse e não sorriu, apenas continuou me encarando com aquela feição séria.
- Você pode, por favor, só cooperar? - ele bufou, puxando-me novamente, e eu o acompanhei. Como eu poderia enfrentá-lo, se mal conseguia ficar em pé sozinha?
- Mas e ? Ela vai ficar me procurando. - eu disse quando chegamos ao estacionamento. me conduziu até seu carro e abriu a porta, ajudando-me a entrar.
- Você liga pra ela de casa. - ele ligou o carro e eu o observei pelo canto do olho. Era tão bonito o modo como ele dirigia, com aqueles braços esticados ao volante e com a testa franzida, sinal de que estava prestando atenção no trânsito. parecia tão sério ali, tão inocente e tão seguro. Estava me levando pra casa, estava cuidando de mim. Eu jamais esperaria isso vindo de um garoto, um mané, um idiota. O que estava acontecendo com o mundo, afinal?

Estacionamos em frente ao meu prédio e teve todo o cuidado de me ajudar a sair do carro, além de ter me acompanhado até o apartamento, insistindo várias vezes de que seria mais fácil se ele me carregasse. Chegando à minha porta, um silêncio estranho se instalou. O que eu deveria dizer? Como deveria agradecer? Eu não sabia fazer esse tipo de coisa. Tentei parecer o mais calma possível e girei a chave na porta.
- Você não vai entrar? - eu disse, apoiando-me na parede e olhando para , que estava parado ao lado de fora, tão perdido naquela situação quanto eu. Ele me olhou e abriu um sorriso ao ouvir minha pergunta. - Pra tomar uma água, sabe. Você pode estar cansado... - eu tentei arranjar alguma desculpa que fizesse sentido o fato de que estava agora entrando na minha casa.
- Eu estou bem, não quero nada. - ele disse e estava visivelmente sem graça. - Só quero te ajudar a deitar, porque é claro que você vai deitar agora e descansar, não é? - arqueou a sobrancelha e eu dei de ombros.
- Acho que sim. Não repare na bagunça do quarto, nossa faxineira só vem amanhã. - ele me ajudou a chegar até o meu quarto e eu sentei na cama.
- Nossa, é você? - ele apontou para um porta-retratos na cômoda e eu assenti com a cabeça. Era uma foto de quando eu era criança, provavelmente com uns seis anos, quando ainda morava no Brasil. passou os olhos nas outras fotos que haviam em um quadro de cortiça na parede e sorria ao analisar cada uma delas. Eu me senti totalmente sem graça, todas aquelas fotos eram velhas e constrangedoras. - Quem é esse? - ele apontou para uma foto em que eu estava com meu pai.
- É o meu pai. - eu sorri e peguei um porta-retratos que ficava ao lado da minha cama. - Olha essa foto aqui. - se sentou na cama, ao meu lado e eu estremeci.
- Quem são? - ele pegou a foto da minha mão e eu senti uma pontada de saudade ao olhá-la novamente.
- Minha família. - me encarou por uns segundos e eu abri um curto sorriso. - Olhe, esse é meu pai. E essa é minha mãe. - eu apontava para as pessoas enquanto explicava. - Esse é o nosso cachorro. E essa é a , claro. - ele assentia com a cabeça e eu me senti estranha por estar mostrando minha família a alguém. - Nós estávamos no sítio do meu avô, no interior.
- Você não sente falta deles? - me encarou e eu vi o quão doce aqueles olhos podiam ser.
- Todos os dias. - eu fui sincera. - Você mora com seus pais?
- Não. - ele deu de ombros. - Moro sozinho, como você.
- E onde seus pais moram? - eu tentei me mudar para uma posição confortável, mas qualquer movimento fazia meu pé doer. percebeu minha careta de dor e colocou um travesseiro embaixo da minha perna.
- Meu pai mora em Londres e minha mãe faleceu há alguns anos. - ele disse sem me olhar e eu me senti uma idiota por ter perguntado.
- Sinto muito, mesmo. - eu senti uma necessidade de abraçá-lo, mas me contive. Aquele momento já era estranho por si só.
- Mas minha avó sempre foi como uma mãe pra mim, então eu não tenho muitas razões pra sentir saudade. Mas ela também mora em Londres, quase nunca nos vemos. - sorriu fraco e quando eu estava prestes a perguntar por que então ele era o único da família que morava em Surrey, ele levantou rapidamente, quase em um pulo. - Acho que já vou.
- É. - foi tudo o que eu consegui dizer. Eu queria dizer algo diferente, mas eu não sabia como reagir nessas situações. O que eu poderia falar? "Oh, , não se vá"? De jeito nenhum.
- Acho que você vai ficar bem até a voltar pra casa. - ele sorriu e colocou meu porta-retratos no lugar. Eu ameacei levantar da cama para levá-lo até a porta, mas ele levantou a mão, sinalizando para que eu parasse. - Nem pense em se levantar. Eu acho que ainda lembro onde fica a porta. - disse sarcástico e eu arqueei a sobrancelha. - Vê se descansa um pouco e pode deixar que aviso a assim que eu chegar na Conrad. – ele foi andando até a porta do quarto e se virou, mais uma vez, para mim. - Tchau, Chan. - nem esperou minha resposta mal educada e saiu andando e tudo o que eu pude ouvir foi a risada irônica dele ecoando pelo apartamento.
Afundei debaixo da coberta e me senti patética. Olhei para o lado, encontrei a foto que havia mostrado há pouco tempo para e sorri involuntariamente ao me lembrar de como ele havia se interessado por cada fotografia espalhada pelo quarto. De como ele escutou atenciosamente a explicação sobre o momento capturado ali. Suspirei pesadamente e cobri a cabeça com o cobertor. Por que eu sentia vontade de sorrir a cada vez que me lembrava da preocupação dele comigo hoje? Estava eu virando uma idiota? Talvez fizesse tanto tempo que eu não tinha amigos novos, que eu havia esquecido essa sensação. Ou talvez eu nunca a tivesse sentido. O que será que era isso? Meus pensamentos começaram a se embaralhar e nada mais fazia sentido. Foi então que eu adormeci.

CAPÍTULO 4


- Cheguei, baby! - ouvi uma voz gritando e logo após o barulho da porta batendo. Eu estava distraidamente vendo televisão, não necessariamente assistindo, mas passando os canais. Morta de tédio.
- E aí? - eu cumprimentei e ela se jogou na cama ao lado.
- Seu pé está melhor? - me encarou e eu abri um pequeno sorriso.
- Um pouco, mas vou ficar bem. - larguei o controle em qualquer lugar e me sentei direito na cama.
- disse que você estava com dor. - ela entortou a boca. - Mas que bom que está se sentindo melhor. - se levantou e abriu o armário. - O que você acha desta blusa? - ela me mostrou uma blusa vermelha de mangas compridas.
- Eu gosto dela. - dei de ombros e foi para frente do espelho. - Vai pra onde?
- Vou comer alguma coisa. - ela deu de ombros e, segundos depois, olhou-me com um sorriso que eu sabia que escondia algo. - Com ! - deu gritinhos animados e eu senti como se um caminhão tivesse acabado de passar por cima de mim.
- Sério? - tentei parecer animada, mas me xingando mentalmente por não conseguir fingir direito. Ok, tudo o que eu precisava fazer era manter a calma, certo? Era óbvio que alguma hora os dois iam começar a sair juntos, onde eu estava com a cabeça?
- Dá pra acreditar? - agora estava à procura de sapatos. - Eu não achava que ele fosse me convidar tão cedo, mas olhe só! - ela gargalhava, extremamente feliz. Várias pontadas de ciúme me atingiam, mas eu estava tentando ao máximo parecer contente pela minha amiga. e ela tinham tudo a ver, formariam um casal bonito, afinal de contas. E eu ia continuar na mesma, sendo a amiga de . Só a amiga, esquecida e jogada pra escanteio, de .
- Uau, isso é ótimo, ! - eu respirei fundo e tentei me convencer de que o que eu estava sentindo era uma bobeira. - E vocês vão aonde?
- Não sei, algum bar, eu acho. Ou restaurante, não tenho certeza. - ela me olhou pensativa e eu sorri o mais sincera que pude. pegou uma calça jeans e um par de scarpins pretos e me mostrou.
- Obviamente, vai ficar lindo em você. - eu rolei os olhos e gargalhou. - Que horas você vai?
- Ele vem me buscar aqui. - Ok, outra pontada idiota. - Daqui a trinta minutos. - ela olhou no relógio, espantada, e saiu correndo para o banheiro.

Eu passei aqueles longos minutos em que a estava no banho, tentando ficar calma. O meu coração chegou a acelerar um pouco ao pensar em e saindo juntos, em um encontro. Tudo bem, porque, desde o começo, eu soube que ela ia ficar com ele. Quero dizer, é sempre assim que as coisas acontecem, por que seria diferente agora? E eu tinha de ficar feliz, era minha melhor amiga e ia ficar com um cara legal. Eu só queria que as pontadas no meu peito parassem para que eu pudesse ser verdadeira com a minha amiga e comigo mesma. Mas por que eu me sentia tão ansiosa para a chegada de ? Meu coração batia como se eu fosse a estrela deste encontro e eu não era nem coadjuvante. Eu não era nada nesta história.

- Estou me arrumando em tempo recorde! - disse quando saiu do banheiro, já vestida e penteando os cabelos, correndo. Ela estava super bonita com aquela roupa e os sapatos altos a deixavam tão mais elegante! - Ficou bom, né?
- Linda! - eu disse e nós duas rimos. Ouvimos a campainha tocar e fez uma cara de apavorada. Meu coração acelerou de uma forma indescritível.
- Eu ainda não estou pronta, falta a maquiagem! - ela disse, sussurrando pra mim. - Eu sei que você está com o pé assim, mas você bem que poderia abrir a porta, né? - saiu correndo de volta para o banheiro e eu levantei resmungando. Manquei até a porta e respirei fundo três vezes antes de abri-la.
- A já está quase pronta, entra aí. - eu disse, tentando parecer indiferente, e dei espaço para que entrasse. Tive o cuidado de não ter contato visual com ele e fiquei encarando a parede, a fim de não notar as roupas que ele estava usando ou eu certamente começaria a analisar o quão bonito ele deveria estar.
- O seu pé está melhor? - eu o ouvi dizer enquanto eu fechava a porta e mancava de volta para o quarto. Senti ele me segurar pelo braço, talvez tentando evitar que eu caísse ou algo assim. Mas eu não estava com humor pra isso.
- Eu não preciso mais de ajuda. - eu disse secamente e puxei o meu braço. - A vai sair do banheiro em cinco minutos, pode sentar aí, se quiser. - sentei-me na minha cama e continuei a passar os canais, sem nem olhar para ele. Eu estava me concentrando muito para não bufar de raiva e desejava mentalmente que saísse logo daquele maldito banheiro.
- Oi, ! - eu ouvi dizer e a olhei saindo do banheiro, mais linda que nunca. Desviei minha atenção para e o vi sorrindo para ela. Idiota, também devia estar pensando em como estava bonita.
- Está pronta? - ele levantou-se e nossos olhos se cruzaram sem querer, mas eu fiz questão de desviar o olhar na mesma hora.
- Só vou pegar meu casaco e pronto! - foi até minha cama e sentou-se. - Você vai ficar bem, né? - eu balancei a cabeça, assentindo - Qualquer coisa, me liga, Chandler.
- Tudo bem. - eu sussurrei e me esforcei ao máximo para ser sincera no que eu estava prestes a dizer. - Divirta-se.
- Então, vamos! - levantou-se, pegou o casaco em cima de sua cama e guiou para fora do quarto. Antes que ele desaparecesse pela porta eu olhei-o de costas por alguns segundos e não pude evitar um sorriso ao ver como ele conseguia estar mais bonito do que na última vez que nos vimos. estava com um moletom de alguma universidade que eu não consegui reconhecer e calças largas com tênis, conseguindo estar incrivelmente charmoso sem nem tentar. Amaldiçoei-me por ter pensado isso e fechei a cara novamente, voltando a olhar pra televisão. Uma tarde de tédio estava começando.
Passei longas duas horas tentando me distrair com a televisão, mas sem sucesso algum, já que tudo o que se passava na minha cabeça era e juntos. Eu não entendia qual era o meu problema em não conseguir parar de pensar nisso, mas parecia ser mais forte que eu. Eu não aguentava mais ficar dentro do quarto e me torturando, então decidi sair. Se tinha ido com , então o carro tinha que estar na garagem e não poderia ser tão difícil dirigir com um pé torcido. Eu só precisava sair.
Entrei no carro, liguei o rádio e uma música do Snow Patrol começou a tocar, era uma das minhas bandas favoritas, então tomei aquilo como um sinal de que o meu dia iria melhorar. Liguei o carro e saí, sentindo um pouco de dificuldade em usar o meu pé machucado, mas conseguindo me acostumar aos poucos. Resolvi ir até a casa do meu pai, com esses horários loucos em que ele trabalha, talvez o achasse em casa. Fazia tempo que eu não ia visitá-lo.

- Querida! - meu pai me abraçou ao abrir a porta e me ajudou a sentar no sofá. - O que houve com o seu pé?
- Nada demais, só uns problemas com o vôlei... - eu e meu pai rimos juntos.
- Chegou em ótima hora, eu estava saindo para comer algo e agora vejo que vou ter companhia, não é? - ele levantou-se e pegou um casaco preto, me ajudando a caminhar até o carro dele.
- Que bom, porque estou morta de fome. - eu reclamei enquanto meu pai ligava o carro e dava a partida. Era tão bom estar perto dele, me fazia sentir pertencente a algum lugar. Meu pai dirigiu por alguns minutos até estacionar o carro em frente a um restaurante e nós descemos e entramos.
- Querida, eu vou usar o banheiro e já volto. Peça o que quiser, está bem? - ele beijou o topo da minha cabeça e saiu.

Um garçom me entregou o cardápio e eu olhava desinteressada pra ele, sem me esforçar muito para escolher o que comer. Tirei os olhos do cardápio e analisei o lugar. Era um restaurante bonito, todo decorado em tons de vermelho e dourado, parecia ser extremamente chique, meu pai gostava desse tipo de coisa. Meus olhos passeavam pelas mesas quando meu coração acelerou ao ver uma mesa em particular, um pouco longe de mim, mas ainda no meu campo de visão: , , , e Steffy estavam sentados juntos. O que eles estavam fazendo ali? não ia ter seu grande encontro com ? Talvez eles estivessem comendo aqui e esbarraram nos amigos sem querer. Ou talvez eles só estivessem de saída e o encontro começasse depois, quando só estivessem os dois. Meu coração batia cada vez mais rápido e o ar pareceu faltar em meus pulmões quando vi olhando na minha direção. Peguei o cardápio da forma mais rápida que pude e coloquei-o na frente do meu rosto, fechando bem os olhos, como se aquele movimento pudesse me fazer desaparecer. Eu não podia deixar eles me verem, eu não queria ter de falar com e naquele momento.
Eu ainda estava de olhos fechados e com o cardápio quase colado ao rosto quando ouvi uma risada e reconheci que era meu pai.

- O que você está fazendo, querida? - ouvi-o dizer e senti minhas bochechas arderem. Eu certamente estava parecendo uma idiota completa ali.
- Nada. - eu rapidamente abaixei o cardápio e sorri forçadamente para o meu pai. - O que você quer comer? - eu tentei mudar de assunto para evitar mais perguntas sobre o meu mico recém-pago.
- Frutos do mar, acordei com esta vontade hoje. E você? - meu pai chamou o garçom e eu olhei nervosa para a mesa de , para certificar-me de que ninguém havia me visto. Ainda estava tudo normal, os cinco rindo e brincando entre si, ninguém em particular olhando em minha direção. Eu estava segura com o meu pai sentado a minha frente, ele provavelmente tampava a visão das mesas que estavam daquele outro lado.
- O mesmo, então. - eu respondi e o garçom anotou nossos pedidos.

Meu pai e eu ficamos um bom tempo conversando sobre as saudades que sentíamos do Brasil e principalmente de minha mãe. O meu pai só podia visitá-la a cada três meses e minha mãe detestava a Inglaterra, então nunca vinha. Coloquei minha mão sobre a de meu pai, que estava em cima da mesa, enquanto ele falava que já não aguentava mais ter essa vida longe de minha mãe, ele parecia realmente chateado. Deve ser duro viver com um oceano te separando de quem ama.
Eu e meu pai sempre fomos muito próximos, então era comum nós desabafarmos um com o outro, até porque nós éramos uma família na Inglaterra, contando com . E, pensando nisso, eu desviei brevemente o meu olhar até a mesa dela e eles continuavam lá. Apertei a mão de meu pai sem perceber e ele me olhou surpreso, sem entender nada. Balancei a cabeça e disse que não era nada demais, e meu pai pareceu acreditar, porque continuou nossa conversa normalmente.
Comemos e estava tudo realmente muito bom, fazia tempos que eu não comia frutos do mar tão saborosos. Meu pai levantou-se logo depois de terminarmos, porque queria fumar um cigarro lá fora. Fumantes e suas manias, quem os entende?
Meus olhos caíram mais uma vez na mesa de e eu pude notar que e Steffy não estavam mais lá e fiquei me perguntando se elas teriam ido embora. Vi os olhos de cruzando-se com os meus e era tarde demais para desviar, sem o meu pai sentado a minha frente ele certamente tinha me visto. Meu coração pareceu ir à boca quando o vi comentar alguma coisa com e então os dois olharam em minha direção. Droga, agora era impossível fugir. e levantaram e caminharam em minha direção, e eu comecei a ensaiar o que eu iria dizer a , como o cumprimentaria e me comportaria. Tudo em vão, já que quando eles chegaram à minha mesa, minha mente não conseguiu pensar em mais nada a não ser em como estava bonito de moletom.

- Oi, ! - me cumprimentou e eu sorri de volta, sem dizer nada. me olhava sem sorrir, com a testa levemente franzida. Fiquei me perguntando se algo tinha acontecido. Também não sorri quando olhei pra ele.
- Achei que seu pé estava machucado. - disse sério e com aquela arrogância que eu percebi no primeiro dia em que nos falamos. Senti uma pontinha de irritação crescer dentro de mim.
- Ele está, não se lembra? - eu respondi, tentando não encará-lo.
- Por que você não vem sentar com a gente? - perguntou ignorando a tensão que se instalara ali e eu abri um sorriso pra ele, o melhor que eu pude.
- Desculpe, , eu já estou indo embora, só vamos pagar a conta. - ele deu de ombros e eu sorri mais uma vez. - Mas a gente se vê na aula amanhã.
- É, a gente se vê. - respondeu com um sorriso cínico e eu só o encarei, séria. sorriu e murmurou um "até" e os dois voltaram para a mesa deles. Eu sentia meu sangue ferver, havia sido tão estúpido comigo! Ele estava em algum tipo de encontro com a e meu coração já ficava tendo essas pontadas estranhas, não precisava ter sido tão grosso e piorar as coisas. Mas isso era só mais uma prova de que ele era um idiota. E só isso.
- Vamos, querida? - meu pai reapareceu, com a conta já paga e eu me levantei. Dei uma última olhada para a mesa dos garotos e vi me encarando, ainda sem sorrir. Desviei o olhar rapidamente e dei o braço ao meu pai, e caminhamos juntos para fora do restaurante.

Chegamos à casa dele e meu carro não quis ligar de jeito nenhum, então meu pai me convenceu a deixá-lo lá, alegando que no dia seguinte ele levaria para o mecânico, e me levou para casa. Prometeu que levaria e eu para o colégio enquanto o carro estivesse no conserto e despediu-se de mim, pois precisava ir para a empresa entregar alguns documentos.
Uma fina chuva caía e eu decidi ficar na cama vendo qualquer filme na televisão, porque meu humor não estava dos melhores. Por mais que eu quisesse e tentasse, meus pensamentos não mudavam de direção, estavam sempre me guiando para e juntos. Senti algumas pontadas no meu pé, eu não deveria ter saído de casa hoje, devo tê-lo forçado muito e agora ele doeria até o dia seguinte. Bufei em frustração e fechei os olhos, afundando-me no travesseiro. Não demorou muito até que eu apagasse por completo.

- Droga de telefone! - eu acordei com o barulho do telefone, mas me recusei a atendê-lo, se fosse algo importante ligariam para o meu celular. Revirei-me na cama por alguns minutos, mas não consegui voltar a dormir, então me levantei xingando todas as gerações de quem quer que seja que tivesse me ligado.

Tomei um banho bem quente e demorado e coloquei um conjunto de moletom e pantufas, e fui para a cozinha. Pensei que talvez eu devesse fazer alguma coisa para passar o tempo e decidi fazer biscoitos, era a única coisa de comer que eu sabia preparar direito. Liguei o som da sala, colocando o cd do Franz Ferdinand e voltei para a cozinha. Peguei todos os ingredientes e fiz a massa, separando-a em bolinhas e levando-as ao forno. Cozinhar me deixava tão bem-humorada que eu comecei a dançar pela sala ao som de Take Me Out, meio desengonçada por causa do pé torcido, mas ainda assim muito elétrica. Peguei o controle do som e o fiz de microfone, cantando quase gritando a música até o fim. Certamente meus vizinhos reclamariam com o síndico, mas eu não estava ligando muito pra isso. Fui dançando até o banheiro e gargalhei ao me olhar no espelho e ver que não só o meu rosto, mas também os meus cabelos estavam cheios de farinha, porém nem me dei ao trabalho de limpar, eu tomaria outro banho assim que tudo estivesse pronto.
Senti o cheiro dos biscoitos assando enquanto rodopiava pela sala e fui checá-los no forno, finalmente estavam prontos. Tirei a fôrma de lá e coloquei os biscoitos em um prato em cima da pia, para esfriarem. Eles tinham ficado com uma cara boa, espero que estejam com um gosto tão bom quanto.
Lavei a louça que havia sujado e joguei as embalagens dos ingredientes dentro do saco de lixo, que já estava cheio, então dei um nó e fui levá-lo até o corredor, para jogar naquele buraco na parede que leva o lixo para o cesto do prédio, no térreo. Fui dançando até a porta, cantando Do You Want To com a voz mais afinada que conseguia, mas senti meu corpo paralisar completamente quando a abri. e estavam em frente ao apartamento e me olhavam fixamente. tentava prender o riso e foi aí que me dei conta de que eu estava dançando ao abrir a porta. De moletom. Com o rosto e o cabelo brancos de farinha. Cantando Franz Ferdinand alto. Eu não conseguia mover um músculo sequer e sentia minhas bochechas arderem como nunca antes. Que merda eu tinha feito com a minha vida?

- Bela coreografia. - disse rindo e eu senti que meu coração ia explodir de tão rápido que ele batia.
- Eu só ia colocar o lixo pra fora. - eu disse, sem olhar pra ninguém em particular, saí andando e coloquei a sacola no lugar certo.
- Ninguém te avisou que não se pode sair de moletom socialmente, né, Chan? - gargalhou e eu mandei o dedo médio pra ela, fazendo-a rir mais.
- Todos já sabem que você é a bonita de nós duas, então não tenho com o que me preocupar. - eu disse um pouco ríspida demais. Ela já estava com o cara mais bonito do colégio, não precisava ficar jogando na minha cara que eu era um fracasso total, qual é! - Agora, se me dão licença, vou voltar aos meus biscoitos. - eu disse olhando sem querer para e o vi sorrindo de um jeito que me pareceu até meigo demais. Ele ficou sério ao perceber que eu o tinha encarado e eu entrei em casa, fechando rapidamente a porta e me sentindo mais idiota que nunca. Eu precisava parar de me auto sabotar.
Alex ainda cantava "when I woke up tonight I said I'm gonna make somebody love me. And now I know, now I know, now I know, I know that it's you. You're lucky, lucky, you're so lucky" (quando eu acordei hoje a noite eu disse que iria fazer alguém se apaixonar por mim. E agora eu sei, agora eu sei, agora eu sei, eu sei que é você. Você é o sortudo, sortudo, você é tão sortudo) logo após eu fechar a porta e eu não pude deixar de notar o quão irônica aquela música era. E o quão verdadeira eu queria que fosse. Senti mais raiva de mim depois desse pensamento idiota.
Ouvi o barulho da porta batendo enquanto eu estava no banho, presumi que era . Pus um novo conjunto de moletom e saí do banheiro, dando de cara com ela deitada na cama e com um sorriso enorme. Aí tem.
- Você jamais vai acreditar! - disse, sentando-se na cama e eu fui para frente do espelho pentear o cabelo. - , , , Steffy e eu fomos comer em um restaurante lindo no centro!
- , e Steffy? Achei que você tivesse um encontro com . - eu disse sem conter minha curiosidade e vi entortar a boca.
- Bem, foi quase isso, só que com algumas pessoas a mais. - ela tentou disfarçar, mas eu a conhecia tão bem que sabia que não tinha tido encontro nenhum, era apenas uma saída entre um grupo de amigos e , como é muito animada pra tudo, tinha interpretado da maneira errada quando a chamou. Essa conclusão me fez dar um pequeno sorriso para o meu próprio reflexo no espelho. - Mas isso não é importante. - ela continuou e eu fiquei em silêncio, para escutá-la. - Nós fomos a este restaurante e, deixe-me contar, é divino! E acho que gosta de mim! - disse num suspiro e eu arregalei os olhos.
- O QUÊ? - eu disse alarmada e olhei pra trás, encarando minha amiga que sorria.
- Ele foi tão fofo comigo. - ela dizia quase que cantarolando e eu tive que tentar me acalmar.
- Fofo como? O que ele fez? Ele disse que gostava de você? - eu a bombardeei de perguntas e ela ria sozinha. Enquanto eu só ficava cada vez mais nervosa.
- É óbvio que ele não disse, você já viu algum garoto admitir que gosta de alguém? - arqueou a sobrancelha. - Mas nós temos que aprender a interpretar as ações deles, claro. Por exemplo, hoje ele puxou a cadeira para que eu sentasse e veio me buscar aqui em casa e me trouxe também. E subiu comigo até a porta do apartamento...
- Só isso? - eu disse, tentando compreender, porque para mim não parecia nada demais. também tinha me levado até em casa e até a porta, aliás, ele tinha até entrado. Não quer dizer que ele goste de mim. Não quer dizer que ele gosta de alguém.
- Como assim, só isso? - ela me olhou, com uma expressão de confusão. - É o suficiente para saber se você deve insistir em alguém. Se um garoto é fofo assim com você, é porque certamente ele está te dando brechas para entrar. E eu não pretendo desperdiçar esta chance que está me dando. - parecia determinada e eu sentia algo me incomodando com toda essa determinação dela.
- Se você diz, Jo. Se você diz... - eu disse vagamente, meus pensamentos já estavam dando mil nós de tão complicados. Para mim, estava delirando. Estava lendo coisas demais nas entrelinhas, coisas que não existiam. Era óbvio que só estava sendo gentil, assim como foi comigo. Garotos fazem muito mais quando gostam de uma garota, eu não sabia muitas coisas sobre gostar de alguém, mas disso eu tinha certeza.

Eu e comemos os biscoitos enquanto assistíamos a Friends e algo me ocorreu de repente. e não haviam mencionado que tinham me encontrado no restaurante, porque senão teria comentado comigo. Talvez eles tivessem se esquecido de contar, afinal, não fora uma conversa de mais de cinco minutos. Afastei esses pensamentos e relaxei ao ver Chandler fazendo uma piadinha qualquer e logo já estava na hora de dormirmos. ainda suspirava de cinco em cinco segundos, talvez pensando no grande caso de amor que ela e teriam, e eu não demorei muito tempo até dormir.

Logo o despertador tocou e eu e nos arrumamos para o colégio, felizmente não fazia tanto frio e eu pude colocar um casaco mais fino. Prendi os cabelos e peguei meu caderno, sentando no sofá da sala e esperando por .

- O disse que viria nos buscar hoje, você se importa? - ela disse, ao sentar ao meu lado no sofá.
- Não, tudo bem. - eu sorri fraco. - Acabei me esquecendo de te contar ontem que o carro quebrou, mas já está na oficina. Meu pai disse que passaria aqui pra me levar à aula, ele provavelmente já saiu de casa, então vou com ele hoje, para não fazê-lo perder a viagem. - eu disse, olhando o relógio e desviei meu olhar pra porta quando ouvi o interfone tocar. levantou-se em um pulo e atendeu.
- Era o , ele já chegou. - ela deu gritinhos animados e eu apenas rolei os olhos. - Bem, vou dizer a ele que você já tem carona. Melhor que aproveito meu tempo a sós com ele. - piscou pra mim e saiu pela porta.

Senti-me extremamente impotente sobre o caso de e e agradeci mentalmente por ter ouvido o interfone tocar e meu pai já ter chegado. Desci as escadas, já conseguindo me movimentar melhor com aquele pé enfaixado, e entrei no carro.
Meu pai e eu fomos até o colégio conversando bobeiras e rindo, e eu estava até me sentindo um pouco melhor. Ele me deu um beijo no rosto em despedida e eu desci, andando pelo estacionamento da Conrad. Avistei o meu grupo de amigos perto do portão e me olhava, com aquela feição séria que estava se tornando frequente. Aproximei-me deles e cumprimentei-os, abrindo um leve sorriso. Adentramos o portão principal e cada um foi para a sua respectiva sala, e eu fiquei tentando achar a minha no horário do mural, eu com certeza nunca iria me acostumar àquele horário maluco.

- Parece que vou ter que te salvar sempre. - ouvi a voz de e virei-me, dando-lhe um breve sorriso.
- Esse mural é complicado demais pra mim. Tenho aula na sala 160D, mas não sei qual matéria é. - eu voltei a analisar aqueles papéis pregados ao mural, apenas uma desculpa para não encarar o garoto.
- Não te chamei para sair ontem porque achei que você fosse ficar de repouso. - começou a dizer e eu encarei aqueles olhos . - Mas me pareceu que você estava muito bem para sair com um cara qualquer. - ele abriu um sorriso e eu sabia que era falso.
- Não era um cara qualquer. - eu disse, irritada. Parecia impossível ficar cinco minutos perto dele e não me irritar.
- Ah, claro. - revirou os olhos, irônico. - Deve ser muito especial para ter te trago ao colégio... - ele disse sério e com arrogância, e eu senti meu sangue ferver. Por que ele estava sendo tão imbecil?
- Eu não quis atrapalhar o seu caso de amor, . - eu disse com os dentes cerrados, eu poderia rosnar a qualquer momento. Uma irritação profunda me atingiu ao pensar o quão agradável deve ter sido o trajeto deles até a Conrad sem mim.
- Desculpe-me por ter atrapalhado o seu ontem, Chan. - ele disse o apelido com mais arrogância do que o normal. - Mas eu pelo menos não cheguei no momento em que vocês estavam de mãos dadas. - disse em um tom de voz acusador e eu quis gargalhar alto.
- Sabe aquele cara, que você disse ser um qualquer? - eu perguntei com a sobrancelha arqueada e assentiu com a cabeça, bufando. - Que estava de mãos dadas comigo no restaurante? - eu continuei e ele continuava sério. - Aquele cara é o meu pai, seu idiota. - eu disse e fez uma cara de surpresa, mas que não diminuiu nem um pouco a minha raiva. - E muito obrigada pela ajuda, pode deixar que eu descubro a matéria sozinha. - eu lancei um olhar fulminante para ele e andei a passos largos em direção à sala 160D, deixando um confuso e incrivelmente idiota para trás.

Capítulos 1 a 4 betados por Isabela H.



CAPÍTULO 5


- Estou muito animada, vocês não? - dizia pela milésima vez enquanto estávamos dentro do carro de , indo para casa. Eu havia entrado naquele carro apenas por insistência de , que ficou dizendo como eu seria injusta ao tirar meu pai do trabalho sendo que podia nos dar uma carona.
- Vai ser muito legal mesmo. - disse com um sorriso enquanto prestava atenção ao volante. De vez em quando eu o via me encarando pelo retrovisor, mas eu fingia que nem era comigo. Agradeci mentalmente quando ele finalmente estacionou em frente ao nosso prédio, eu já não aguentava mais falando sem parar da festa que Steffy daria hoje, estava me dando até dor de cabeça.
- Muito obrigada, ! - disse cantarolando, o que me fez rolar os olhos. Eu abri a porta do carro e ia descendo quando ouvi a voz de me chamar.
- Hm? - resmunguei ao olhar para trás e encará-lo. Ele me olhava com uma feição séria e percebi que apenas assistia a tudo silenciosamente, com uma expressão de confusão.
- Será que eu poderia falar com você um minuto? - coçou a cabeça, sorrindo de lado meio sem graça e eu fiquei imaginando por que ele estava daquele jeito e por que ele queria falar comigo.
- Já estou no inferno, o que custa abraçar o capeta, não é? - eu disse irônica encostando-me à porta fechada e esperando juntar-se a mim. Ouvi ele se despedindo de e rolei os olhos ao vê-lo apoiar-se no carro ao meu lado.
- Você podia tentar ser mais legal comigo. - disse e eu olhei pra ele com um misto de confusão no rosto. - Não quero ter que colocar Franz Ferdinand pra tocar pra te ver um pouquinho mais feliz. - eu senti minhas bochechas arderem ao ouvir isso e não pude evitar rir.
- É, eu realmente gosto deles, tá legal? - dei um leve empurrão no ombro de e ele riu. Era estranho como em momentos inesperados eu me sentia bem com ele. - Mas e então? - eu arqueei a sobrancelha ao encará-lo e ele abriu um sorriso sem graça. Parecia até fofo.
- Você vai à festa da Steffy? - coçou a cabeça ao perguntar e eu abri um sorrisinho.
- Não sei, talvez. Você?
- Acho que sim, os garotos estão insistindo...
- Bom, era isso? Você poderia ter me perguntado no carro. - eu disse e o vi abrir e fechar a boca algumas vezes, como se estivesse hesitando em dizer algo. Ele percebeu que eu o encarava e riu baixo, balançando a cabeça.
- Não, na verdade não. O que eu realmente queria perguntar é se você queria me ver antes da festa. Sabe, meio que pra compensar minha idiotice de ontem... - me olhou sério e eu senti meu corpo estremecer.
- Acho que não vai ter problema. - eu sentia minhas bochechas arderem, mas me mantive firme, sem abrir qualquer sorriso.
- Eu tenho a esperança de que algum dia você vai parar de fingir ser tão durona comigo. - riu e eu já ia abrir a boca pra protestar quando ele continuou a falar. - No The Outdoor, às oito horas. Esteja lá. - fiquei com a testa enrugada enquanto o via entrar no carro rapidamente e ir embora. Como ele ousava me dar ordens?

- Aonde você vai? - sentou na cama ao me ver sair do banheiro.
- Encontrar meu pai. - menti. Eu não queria dizer que iria encontrar , poderia achar alguma maneira de mudar o foco para ela e eu só queria um pouco de atenção. Só um pouco.
- Mande um beijo pra ele! - ela sorriu. - Ei, o que o queria com você hoje mais cedo?
- Nada demais. - eu observei morder o lábio de tanta curiosidade e prendi um riso. - Só se desculpou por uma grosseria que tinha feito de manhã comigo.
- Vocês dois não se acertam mesmo, não é? - ela parecia aliviada por eu não ser uma ameaça ao romance deles. Isso me irritou um pouco.
- Pois é. - eu sorri ironicamente, porém nem percebeu. Às vezes o egocentrismo dela me cansava, como se ela fosse o centro do universo.
- Não vai à festa da Steffy?
- Não sei... Mas qualquer coisa, eu te encontro lá, okay? - vi concordar com a cabeça e mandei um beijo no ar pra ela, saindo do apartamento logo em seguida.

Entrei no pub e sentei em uma mesa ao fundo, pedi uma cerveja e chequei o relógio: oito horas em ponto. Se eu havia aprendido alguma coisa com os ingleses era a pontualidade, raramente me atrasava em compromissos e, nas vezes que atrasava, era por culpa de , que demorava demais para se arrumar. Tive uma sensação estranha no estômago ao olhar para a porta e ver entrando e sorrindo ao me achar. Sorri de volta e percebi que ele segurava uma flor. O vi sorrir mais ainda quando percebeu que eu alternava o olhar repetidamente entre ele e aquela tal flor. não a tinha levado pra mim, né?

- Pra você. - sentou-se e me entregou a flor, que na verdade era uma rosa lilás. Fiquei totalmente sem graça ao pegá-la e abri um sorriso tímido. Eu nunca tinha visto uma rosa daquela cor, era tão linda.
- Obrigada, . Mas eu não trouxe uma pra você. - eu disse com um certo tom de deboche e o vi rir, isso me fez relaxar. Levei a rosa até o nariz e senti o perfume que ela tinha e sorri mais uma vez, me sentindo totalmente estranha por isso. Eu nunca tinha ganhado uma flor antes e não sabia como agir.
- Mas você acertou em cheio ao trazer essa caneca de cerveja pra mim! - pegou minha cerveja e deu um gole enquanto eu ria. A situação toda era inesperada, e eu até que estava gostando. Quero dizer, até agora não tínhamos trocado farpas ainda, então acho que tudo ia bem. - E então, como você está?
- Bem, de verdade. - sorri sincera. - E você?
- Bem também. - pediu mais duas cervejas pra garçonete que passava perto da nossa mesa e me encarou. - Er, eu queria me desculpar por ontem. - ele disse visivelmente sem graça e eu sorri. - Eu não sei por que agi como um idiota, achoque tirei conclusões erradas e precipitadas. - eu olhava naqueles olhos e não conseguia parar de sorrir. parecia tão mais bonito quando ficava vulnerável daquele jeito.
- Tudo bem. - ele me olhou surpreso. Talvez esperasse que eu fosse grossa ou algo do tipo, ou então apenas irônica. Mas eu percebi como estava sendo sincero e não queria estragar aquele momento. - Eu sempre sou grossa com você e nunca peço desculpas por isso. E não pense que eu vá pedir também! - eu disse rindo. - Mas há alguns dias eu queria te agradecer. Por, bem, ter me ajudado quando torci o pé e tudo o mais. Obrigada, , mesmo. - bebi um pouco da cerveja ainda sentindo minhas bochechas arderem. Eu nunca tinha agradecido a um garoto por nada, nunca tinha me dado ao trabalho de ser gentil também. O que estava acontecendo comigo?
- Não foi nada demais. - ele abriu um pequeno sorriso e eu senti meu coração bater um pouco mais rápido. - Então, me conte alguma coisa sobre você. Além de ser teimosa, claro.
- Eu não sou teimosa! - eu protestei e gargalhou. - O que você quer saber?
- Qualquer coisa.
- Por que eu te contaria algo sobre mim?
- Porque depois eu faria o mesmo. - arqueou a sobrancelha.
- Tudo bem, vamos ver... - eu parei um momento para pensar. O que exatamente ele queria saber? Eu não era uma pessoa interessante, não havia muito o que contar. - Eu não sei, simplesmente não consigo pensar em nada de interessante sobre mim, desculpe. - eu dei de ombros.
- Então eu te ajudo. Por que você não me fala algo sobre você e sua mãe? - ele tomou um gole da cerveja enquanto me observava atentamente.
- Bem, minha mãe mora no Brasil, especificamente no Rio de Janeiro. - eu sorri automaticamente ao me lembrar da minha cidade natal. - Ela é professora e adora o que faz. Casou-se com meu pai aos 20 anos e eu nunca vi um amor tão bonito quanto o deles...
- Como eles conseguem viver separados um do outro assim? - parecia extremamente interessado nas coisas que eu dizia e isso me fez abrir um sorriso.
- Meu pai diz que no começo é difícil, mas depois acostuma-se. Eu não imagino como seja. Deve ser difícil sentir saudade de alguém que se ama tanto.
- Minha mãe dizia que saudade era o mal do século. - ele suspirou e eu só balancei a cabeça, concordando. - Minha mãe já foi professora também, de jardim de infância, mas isso foi muito antes de ter casado, então não sei se ela gostava, mas imagino que sim. Ela sempre foi ótima com crianças. - sorria ao falar da mãe e eu prestava atenção em tudo o que ele dizia. - Mas depois que se casou, ela não podia fazer mais nada. Era meio que uma prisão, cheio de deveres e sem tempo nenhum para fazer qualquer coisa que ela gostasse. Eu me lembro de vê-la muito triste... Mas eu era bem pequeno, então não me lembro de muita coisa.
- Lembranças de criança são muito confusas, talvez ela não fosse tão triste assim, . - eu tentei dizer algo para melhorar a situação.
- Não, eu tenho certeza que ela era. Depois que minha mãe faleceu, tiveram várias pessoas para me contar da vida dela, até hoje ainda têm. As pessoas me contam coisas que eu nem lembro que aconteceram, eu tinha apenas 3 anos quando ela foi embora. - ele estava sério e parecia distante, como se estivesse se lembrando do passado. - Nem dá pra acreditar que já faz 15 anos...
- Eu sinto muito... - em um impulso eu segurei a mão dele em cima da mesa. Ele parecia tão triste contando aquelas coisas que eu senti como se precisasse dar algum apoio. Eu certamente sabia o que era sentir saudade, mas a minha mãe estava viva e eu não tinha como imaginar a dor que ele carregava. Pensar nisso me fez ver de um jeito muito mais humano, através daquela armadura cheia de arrogância que ele tinha. Ele não poderia ser tão mané assim, afinal. havia me dado uma flor e tinha se desculpado e estava sendo gentil comigo, talvez esse fosse um outro lado dele que eu não conhecia. - Aposto que ela está feliz onde quer que esteja agora. E sua mãe deve sentir muito orgulho de você, . - ele apertou levemente a minha mão e só então eu percebi que ainda estava segurando a dele e soltei-a rapidamente, quando um choque de realidade me atingiu. Minhas bochechas deviam estar mais vermelhas que nunca, porque eu as sentia arder como pimenta. apenas olhava pra mim e sorria, o que não ajudava muito em questão de acalmar meu coração.
- Você fica muito mais bonita quando é assim. - ele disse simplesmente e eu não sabia onde enfiar a cara. Bonita? O QUÊ?
- Assim como? - bebi o resto da cerveja. Eu precisava ficar bêbada, e rápido!
- Simples. Sem essa muralha em volta de você. - piscou pra mim e eu contive um sorriso.
- Engraçado, eu estava pensando a mesma coisa sobre você. - eu pedi mais cervejas e voltei a encará-lo. - Agora, me conte alguma coisa que você goste.
- Além de implicar com você? - nós rimos. - Sei lá, deixe-me pensar... Pode ser qualquer coisa? - eu assenti com a cabeça. - Eu gosto de fogos de artifício. De vê-los estourar no céu. É bem simples, mas sempre gostei, desde criança.
- São tão incomuns aqui em Surrey... - eu disse com certa tristeza. Também sempre achei fogos de artifício bonitos, mas raramente tínhamos na cidade. Apenas em épocas festivas como o Natal e Ano-Novo.
- E você? Do que você gosta? - me perguntou e segundos depois seu celular começou a tocar. Eu o vi entortar a boca ao ver quem era e fiquei mais curiosa ainda quando ele pediu licença e foi atender do lado de fora do pub. Fiquei encarando a rosa em cima da mesa e não pude deixar de sorrir, eu queria chegar em casa e colocá-la em um vaso com água, para que não morresse tão cedo. Estava tão perdida em pensamentos que levei um susto quando sentou novamente à mesa.
- Está tudo bem? - eu perguntei ao notar que ele estava com uma feição um pouco tensa.
- Sim, está. - pareceu relaxar e sorriu. - Era a minha avó, só querendo saber como eu estava. - ele abanou a mão como se estivesse dizendo que não era importante. - E você estava para me dizer do que gosta, não é?
- É verdade. - eu disse e logo após foi a vez do meu celular tocar. e eu rimos e eu levantei-me para atender, era meu pai. Voltei alguns minutos depois e meu coração não parava quieto com aqueles sorrisos que o cismava em abrir pra mim. - Desculpe,, mas preciso ir. O meu carro está pronto e eu preciso ir buscá-lo no meu pai. - era impressão minha ou parecia um pouco chateado com o que eu acabara de dizer? Eu também me sentia mal de ter que ir embora.
- Tudo bem, Chan. - ele disse meu apelido em tom de deboche, mas dessa vez eu não senti vontade de mandá-lo ir à merda. - Mas você já não bebeu demais pra dirigir?
- Eu vou pegar um táxi até o meu pai, e até lá já estarei boa pra pegar na direção. Não bebi tanto assim, afinal. - eu disse enquanto nos levantávamos e caminhávamos para fora do The Outdoor.
- Te vejo na Steffy? - perguntou enquanto o táxi que eu tinha feito sinal parava ao lado da calçada. Eu olhei pra ele sorrindo pra mim e para aqueles olhos que brilhavam muito mais a noite, e então eu não tive como resistir.
- Claro.

- Obrigada, pai! - eu dizia enquanto entrava no meu carro. Havíamos perdido a noção do tempo conversando e já passavam de uma da manhã quando resolvi ir embora.
- De nada, querida. Dirija com cuidado, está bem? Dê um beijo na por mim. - meu pai me deu um beijo na testa e fechou a minha porta.
- Pode deixar. E você, se cuide. - eu mandei um beijo no ar pra ele e dei partida, indo em direção ao meu apartamento.

Estacionei o carro na frente do prédio e subi correndo, entrando o mais rápido que pude. Procurei um vaso e enchi de água, colocando ali a rosa que havia me dado e acomodando-a em cima do criado mudo ao lado da minha cama. Dei uma rápida olhada no espelho e ajeitei o cabelo, prendendo-o em um coque. Espirrei só um pouco de perfume e saí, eu ainda tinha que aparecer na festa da Steffy. Felizmente eu ainda lembrava o prédio em que ela morava e consegui chegar rápido, deixando o carro do outro lado da rua. Eu já conseguia ouvir a música alta ao chegar no andar da festa e segui o barulho para encontrar qual apartamento era. Toquei a campainha repetidas vezes até que um garoto que eu não conhecia abriu e sorriu, me dando espaço para passar. Eu via várias pessoas que conhecia de vista da Conrad, e quase todas elas bêbadas. Entre um sorriso daqui e um aceno dali, finalmente encontrei : ela estava dançando sem a blusa, só de sutiã, em cima de um sofá.

- CHAAAAAAAAAAAAAN! - ela gritou ao me ver e saiu correndo para me abraçar, tive que segurá-la com força por causa do impacto. - Você veio, não acredito!
- Ei, cadê a sua blusa, Jo? - eu perguntei rindo enquanto ela soltava o meu cabelo e arrumava-o da maneira que achava melhor.
- Acho que tirei por aí, está muito calor, não acha? - ela parou por um momento e me olhou por alguns segundos. - Você fica muito mais bonita assim!
- Obrigada, Joey. - nem terminei de falar e logo fui puxada pela mão para um quarto onde havia mais pessoas.
- Ei, gente, a chegou! - disse alto e eu pude reconhecer meus amigos em um canto. Fomos andando até lá e eu falei com todos, alguns mais bêbados que outros. Mas peraí, onde estava ?
- Eu juro que tentei convencer a a ficar com a blusa, ! - dizia rindo e levando tapinhas de .
- Que mentira! Ele foi o primeiro a dizer que eu deveria tirar! - ela gargalhou e eu ri com a cena. conseguia ser muito engraçada com aquelas gargalhadas altas dela. - Eu acho que a Chandler deveria tirar também!
- Não me ponha nessa furada, ! - eu disse e levei um soquinho no braço.
- Você nunca me acompanha nessas coisas. - ela fingiu estar emburrada e nós rimos.
- Gente, a Steffy está nos chamando pra ir ao terraço. - chegou na roda e todos o seguimos para o terraço do prédio.

O terraço era incrivelmente alto, o prédio de Steffy tinha 25 andares. Era iluminado por pisca-piscas e tinha alguns sofás espalhados e almofadas no chão. Outro tipo de música tocava naquele ambiente e poucas pessoas estavam lá, imaginei que Steffy tinha chamado apenas uma dúzia de amigos para fugir da loucura que estava o apartamento. Deixei minha bolsa em um dos sofás e desci, pois precisava fazer xixi e lá em cima não tinha banheiro.
Encontrei na volta, no corredor que dava acesso ao terraço e ele sorriu pra mim. O espaço estava com a luz apagada, mas estava iluminado o suficiente pela luz da lua que entrava pelas janelas daquele corredor. Vi vindo em minha direção e prendi a respiração, com o coração quase saindo pela boca. Por que eu tinha que me sentir assim toda vez que ele estava por perto? Que droga!

- Achei que não fosse aparecer mais. - ele disse ao me encarar e tudo o que eu consegui fazer foi sorrir. Aquelas imensidões não me deixavam fazer outra coisa.
- Perdi a hora. Mas estou aqui, não estou? - eu encostei-me à parede por precaução, sentia que a qualquer hora os meus joelhos vacilariam e eu cairia no chão.
- Você ainda está me devendo dizer do que gosta... - disse baixo e se aproximou calmamente de mim.
- Eu gosto de... - hesitei quando percebi o quão próximo ele estava. sorria cinicamente e eu conseguia sentir a respiração dele batendo em meu rosto. Parar de encarar aqueles olhos parecia impossível e eu senti meu corpo tremer quando ele apoiou as duas mãos na parede, deixando-me presa ali.
- Gosta de? - disse baixo demais e eu via o rosto dele se aproximar cada vez mais do meu. Eu não conseguia me mover e parecia que tinha alguém tocando bateria dentro do meu estômago. - Não consegue dizer, ? - ele sussurrou com a boca tão próxima da minha que eu senti um arrepio percorrer a minha espinha. Eu o vi fechar os olhos e eu estava prestes a fechar os meus, desistindo totalmente de manter algum controle que eu ainda tinha da situação, quando ouvimos o barulho da porta do terraço e gargalhadas invadindo o corredor. Empurrei o mais rápido que pude e olhei para o lado, eram apenas duas garotas que nós não conhecíamos. Encarei e ele tinha um sorriso mais cínico que nunca estampado no rosto e eu tentava acalmar minha respiração descompassada. Comecei a andar a passos largos em direção ao terraço quando senti me puxar pela mão. - Você ainda não disse. - ele arqueou a sobrancelha e eu me arrepiei inteira.
- De sorvete, . Eu gosto de sorvete. - eu disse e ele me soltou, deixando-me livre para continuar o caminho até a porta.

Cheguei ao terraço ainda meio ofegante e joguei-me em um sofá, ao lado de . Ela me olhou com curiosidade, mas estava bêbada demais para perguntar alguma coisa que me colocasse em risco.

- Meu pai mandou um beijo pra você. - eu disse antes que ela pudesse comentar algo sobre minhas bochechas, porque elas certamente estavam vermelhas.
- Que fofo. - ela sorriu debilmente. - E como foi lá?
- Foi tudo bem, até ganhei uma flor. - eu disse sorrindo. Era melhor contar agora do que esperar chegarmos em casa e ser bombardeada com várias perguntas sobre a misteriosa rosa ao lado da minha cama.
- Seu pai é a coisa mais linda do mundo! - apertou as próprias bochechas e eu ri. - Que flor é?
- Uma rosa lilás, nunca tinha visto essa cor em uma rosa... - eu comentei e vi minha amiga pôr o dedo indicador na boca, como se estivesse pensando sobre algo.
- Que estranho. - disse simplesmente.
- O que é estranho?
- Por que seu pai te daria uma rosa lilás? - ela perguntou parecendo extremamente interessada. Era apenas uma flor, oras!
- Porque ele queria ser gentil, acho. - eu disse, sem ter certeza de onde ela queria chegar. Desviei o olhar para a porta do terraço, havia acabado de entrar e nossos olhares se cruzaram. Eu senti meu coração quase parar, mas tentei me acalmar rapidamente. Ele sorriu e eu arqueei a sobrancelha, voltando atenção para .
- Você não sabe o que uma rosa dessa cor significa, não é?
- Não... Tem algum significado? Sério? - eu disse, me sentindo extremamente curiosa. Vi abrir um sorriso bobo antes de me dar a resposta.
- Tem. - ela suspirou e eu só consegui pensar em como ela deveria estar bêbada. - Significa amor à primeira vista.

O QUÊ?!

CAPÍTULO 6


- Meu Deus, o que eu bebi ontem? - vi sentar na cama com as mãos na cabeça e dei uma risada.
- Esse é o resultado de uma bela festa no meio da semana. - eu prendi o meu cabelo em um rabo de cavalo enquanto fazia uma careta de dor.
- Minha cabeça está péssima. - ela deitou-se novamente e bufou alto. - Não sinto um pingo de vontade de ir à aula.
- Fique em casa então. - coloquei alguns livros na bolsa e peguei meu casaco. - Já está atrasada mesmo.
- Não acredito que você não ia me acordar! - ela disse em tom acusador e eu dei de ombros. Não sou despertador ambulante de ninguém, certo? - Acho que vou só no segundo horário.
- Bem, você quem sabe, Jo. - eu deixei um copo d'água ao lado da cama dela e me despedi. - Agora tenho que ir, me liga quando estiver pronta que eu venho te buscar.
- Boa aula, Chan. - disse já debaixo das cobertas. Olhei para a rosa que havia me dado no dia anterior e senti meu coração dar saltos. Talvez essa fosse a manhã mais longa da minha vida.

Estacionei o carro no mesmo lugar de sempre e sorri ao perceber que o sol finalmente estava aparecendo no céu, eu já não aguentava mais aquela chuva incessante que ultimamente caía em Surrey. Encontrei Rebecca no portão da Conrad e fomos juntas para a sala, teríamos uma longa e tediosa aula de Química. Sentei-me no fundo e senti uma onda de calor invadir o meu corpo quando vi passar pela porta e abrir um largo sorriso ao me ver. Por que ele tinha que estar tão bonito com aquele cabelo sempre bagunçado e aquele ar de não-estou-nem-aí-para-nada? Percebi que eu também sorria debilmente para ele e tentei recompor a compostura, eu tinha que parar de agir como uma idiota de vez em quando.

- Parece que alguém está de bom humor hoje, hein? - sentou-se à minha frente e eu quase fiquei tonta ao sentir o perfume dele. Respirei fundo e tentei pensar em alguma coisa que distraísse a minha mente. Cabras. Cocôs. Doentes. Mortos da Segunda Guerra Mundial. Qualquer coisa.
- Impressão sua. - eu forcei um sorriso e abri meu caderno, tentando ignorá-lo. Pobreza mundial. Carrapato. Minha mãe e meu pai fazendo sexo.
- Um dia você vai aprender a me amar, Chan. - disse gargalhando e quase me juntei a ele. Mas eu precisava ser forte. Eu precisava controlar meus pensamentos. Sangue de boi. Lesmas. Dever de casa de Biologia.
- Vai sonhando, . - eu disse sem olhar pra ele, porém foi mais rápido que os meus pensamentos aleatórios.
- Pelo jeito vou ter que te dar mais algumas rosas até você resolver ser mais simpática comigo, não é? - ele disse e eu senti minhas bochechas arderem ao me lembrar do dia anterior. Por mais que eu pensasse em todas as coisas aleatórias do planeta, nada mais poderia impedir-me de olhar para ele agora e abrir um sorriso. E ah, claro, sentir aquele perfume que eu jurava que nunca tinha percebido antes.
- Obrigada pela rosa, de novo. - eu disse me sentindo sem graça e ainda totalmente confusa sobre aquela história toda da cor lilás. Será mesmo que ele sabia ou tinha escolhido por acaso? Eu precisava descobrir. - Achei a cor linda. - resolvi deixar o comentário no ar e ver o que ele faria.
- Você gosta de lilás? - disse de um jeito cauteloso demais e eu senti um frio na barriga ao pensar que ele talvez tivesse escolhido a cor de propósito. O que aquilo queria dizer, afinal?
- Gosto. - eu sorri, tentando buscar alguma coisa na expressão de , mas ele era tão difícil de ler às vezes.
- Você sabe o que significa? Quero dizer, eu não sou um entendedor de flores, mas sei que todas elas têm algum significado... - ele arqueou a sobrancelha e eu me senti mais curiosa do que nunca. Então, resolvi entrar no jogo dele.
- Não. - eu fiquei apreensiva antes de finalmente perguntar. - Você sabe?
- Sei. - ele respondeu simplesmente e vimos o professor adentrar a sala. Droga, a aula tinha que começar logo agora?
- Então o que é, ? - eu perguntei quase em um tom de desespero e ele virou-se para trás mais uma vez, sorrindo do jeito mais bonito que eu já vira.
- Por que você não descobre saindo comigo de novo amanhã, Chan? - disse e virou-se para frente ao ouvir a voz do professor chamá-lo, deixando meu coração batendo em uma velocidade incrível ao processar aquela pergunta. Ele estava mesmo me chamando para sair? De novo?

Passei as duas aulas de Química inteiras com o coração inquieto e toda vez que as palavras de se passavam dentro da minha cabeça minha respiração falhava e eu achava que desmaiaria ali mesmo. Por que eu estava me sentindo daquele jeito? E como conseguia fazer aquelas coisas comigo? Às vezes sentia raiva em pensar como um idiota total me deixava nervosa desse jeito, mas segundos depois eu sentia o perfume dele novamente e então não me parecia mais tão idiota assim. Mordi a ponta do lápis inteira e me senti patética ao perceber que mal havia anotado a matéria que o professor tinha passado no quadro. Se eu reprovasse em Química, a culpa seria total e exclusiva de , que fique bem claro!
O sinal finalmente soou e antes que eu pensasse em falar com , foi ao nosso encontro no fundo da sala. Ele comentava animadamente sobre coisas que haviam acontecido na festa de ontem e nós ríamos do entusiasmo dele, enquanto saíamos da sala e íamos encontrar os outros. Chequei o celular e achei estranho não ter recebido nenhuma ligação de , provavelmente ela tinha desistido da aula.

- E aí, cara! - cumprimentou ao sentarmos na mesma mesa que ele. O garoto sorriu para nós e continuou tomando o seu café.
- A ressaca está tão forte assim, é? - deu um soquinho no braço dele e levou um dedo do meio em resposta.
- Só o normal. - o garoto sorriu fraco. - Fiquei sabendo que vai ter umas bandas legais no Outdoor amanhã, vamos?
- Eu passo. - disse de imediato e a mesa inteira ficou em silêncio encarando-o, inclusive eu.
- está se recusando a ir ao Outdoor? Sem nem ao menos hesitar? - disse as palavras pausadamente, o que dava um tom extra de drama à conversa. Eu apenas prestava atenção em tudo.
- Eu tenho um compromisso, só isso. - deu de ombros e os amigos ficaram mais animados ainda com a resposta.
- Só pode ser uma garota. - começou a caçoar e eu não resisti e comecei a rir. Garotos conseguiam ser muito bobos e infantis, e era muito engraçado assistir.
- Não enche, cara. - riu e me encarou por alguns segundos e eu senti minha respiração falhar por um momento. - Aliás, eu nem sei mesmo se ela quer sair comigo. - ele disse para e , e eu continuei em total silêncio. Aquela conversa estava começando a ficar desagradável pro meu lado e tudo ficou um pouco pior quando abriu um sorriso pra mim e meu coração não parou quieto no lugar.
- Seu celular está tocando. - apontou pra mochila de com a cabeça e ele pareceu perceber de repente o toque incessante do telefone e atendeu.
- Vou buscar a em casa, ela perdeu a hora. - disse ao desligar o celular e eu senti uma pontada no estômago. Como assim havia ligado pra ele e não pra mim? Chequei o celular mais uma vez, mas não tinha nenhuma chamada perdida. Foi então que eu lembrei que estava toda animada sobre aquela ideia de gostar dela e de repente senti um peso enorme nas costas. - Vamos comigo, ? - meus pensamentos foram interrompidos pelo sorriso que o garoto agora abrira pra mim e eu não encontrei uma maneira de dizer não.
- Vamos. - levantei-me e seguimos em silêncio até o carro. Não porque eu não queria falar nada, e sim porque eu estava perdida demais em pensamentos sobre ele e . E em como eu iria sobrar no fim da história. Não é sempre a mesma coisa?

- Você está muito quieta. - conseguiu falar depois de termos feito metade do caminho sem trocar uma palavra dentro do carro.
- Estou só pensando. - eu suspirei alto encarando a paisagem do outro lado da janela.
- Pensando em me dar uma resposta sobre amanhã, espero. - mesmo estando virada para o outro lado eu tinha certeza que o garoto havia dito aquilo com um sorriso cínico nos lábios e isso me fez soltar uma risada baixa.
- Talvez. - eu me virei pra ele e arqueei a sobrancelha. desviou a atenção da direção para mim e sorriu, vitorioso. - Desde que você olhe para a rua na hora de dirigir, claro. - eu apontei para frente e o garoto soltou uma gargalhada, voltando a dirigir com o mesmo cuidado de antes.
- Você sempre acha algo para reclamar de mim, não é? - eu ri vendo-o sustentar um sorriso enorme no rosto. Alguma coisa naquela situação me fez sentir incrivelmente confortável. Nós dois no carro, rindo, implicando um com o outro, como se nos conhecêssemos há anos. Como se a nem mesmo existisse no mundo.
- Dizem que os defeitos mostram mais sobre uma pessoa que as qualidades. - eu disse encerrando o assunto. - Lar, doce lar! - abri a porta do carro assim que estacionou em frente ao meu prédio. Interfonei para o apartamento e dois minutos mais tarde saiu pelo portão, olhando com uma expressão confusa ao me ver sentar no banco da frente do carro do garoto e deixá-la sozinha no banco de trás. Eu também não precisava entregar o de bandeja para ela, não é?
- Ressaca forte, ? - ele sorriu pelo retrovisor pra ela e eu virei a cabeça para o outro lado, fazendo uma careta. Insuportáveis.
- Nada demais. - ela riu, se esforçando ao máximo para parecer meiga. - Obrigada pela carona, .
- Você poderia ter me ligado, Joey. - eu soltei casualmente, mas sabia que deixaria sem graça.
- Eu te liguei e você não atendeu. - ela disse como se fosse óbvio e eu me senti ofendida com a mentira dela. Como assim ela ia me usar pra fazer buscá-la em casa? Ah, mas não ia mesmo.
- Engraçado... - eu comecei, enrolando as pontas do meu cabelo nos dedos. - Eu chequei meu celular durante as duas aulas e não vi ligação nenhuma. - olhei para o lado e vi abrir um sorriso sarcástico e isso me fez sorrir também.
- Então seu celular deve estar quebrado, Chan! - apressou-se em arranjar uma resposta, por mais incoerente que fosse. Ela jamais aceitaria ser desmentida na frente de , e eu queria continuar com o joguinho, mas eu não iria longe demais.
- É, pode ser. - eu dei de ombros e prendi o riso. Eu olhei para através do retrovisor e a vi com a cara emburrada, com certeza iria tirar satisfações comigo depois, mas eu não me importava.

Fizemos o resto do caminho até o colégio em silêncio e assim que chegamos a Conrad encontramos o resto do pessoal no pátio e nos juntamos a eles. sentou-se ao meu lado, um pouco mais afastada dos outros e eu sabia que estava na hora da minha bronca por quase desmenti-la, era um pouco divertido ver tão brava daquele jeito.

- O que foi aquilo, ? - ela disse me encarando e tinha o semblante bastante sério, mas eu não dava à mínima.
- Aquilo o que? - eu me fiz de boba. Eu não estava com paciência pra faniquito de .
- No carro! - ela sussurrou pra ninguém mais ouvir. - Primeiro você não me deixa sentar na frente, e depois fica tentando me desmentir na cara do . Pô, ! - choramingou e eu rolei os olhos, como ela era dramática!
- Eu já estava sentada na frente, desde que saímos do colégio para te buscar, não foi nada demais. E outra, você não me ligou porque não quis, preferiu a companhia do , muito bonito de sua parte, hein Joey. - eu disse com uma pontada de ciúmes e isso me fez pensar desde quando eu tinha ciúmes de alguém. E eu também não sabia dizer se eram ciúmes de ou de . Ou dos dois.
- Aliás, por que você foi me buscar com ele? Eu não me lembro de ter te chamado! - ela cruzou os braços e aquilo me irritou profundamente. - Você é muito intrometida às vezes. - Mal agradecida dos caralhos.
- Quer saber? Você está sendo ridícula, . - eu disse mordendo a minha língua pra não soltar outras verdades e me levantei, andando sem rumo pelo colégio, indo pra qualquer lugar longe daquela confusão sem cabimento.

Tive uma aula de Inglês e outra de História, nenhuns dos meninos ou das meninas eram da minha turma, então não tive nem sinal deles, muito menos de . Também não procurei saber de ninguém, estava irritada demais com a discussão no pátio e só conseguia pensar em como tinha sido injusta comigo. Eu só fui buscá-la porque o me chamou, e não tinha nada demais naquilo. Se ela quisesse o garoto inteiro pra ela, que engolisse! Eu não estava disposta a acabar com uma amizade por causa de um garoto, e esperava que ela pensasse da mesma maneira que eu.
Quando o sinal tocou anunciando o intervalo eu sentei perto da quadra de futebol, estava a procura de um pouco de paz e tempo pra pensar, esfriar a cabeça e voltar ao normal. Eu via todos aqueles alunos, cada um deles com seu grupo de amigos, outros com namorados, alguns riam e o resto conversava sobre qualquer coisa. Fiquei ali observando as pessoas que eu já conhecia de nome e me senti totalmente sozinha. Imaginei o que minha mãe faria numa situação daquelas e peguei o celular, discando o número que eu sabia até de trás pra frente. Caixa postal. Ótimo, até minha própria mãe estava me deixando sozinha. Lembrei-me da última vez que tínhamos nos visto, ela parecia tão feliz e tão sábia, de um jeito que eu jamais perceberia nos tempos em que morava no Brasil. O meu peito apertou de saudade, não sei se foi por pura falta que ela me fazia ou se porque eu estava me sentindo incrivelmente sozinha e tinha brigado com a minha melhor amiga, mas aquela pontada de saudade fez os meus olhos encherem-se d'água e eu me concentrei ao máximo pra não chorar quando encontrei no meio da multidão e percebi que ele vinha em minha direção. Por que sempre nas horas mais inoportunas, ?

- O que houve? - ele sentou-se ao meu lado, analisando minha expressão e eu tentando pensar em outras coisas pra ver se aquele aperto no peito passava.
- Só saudade da minha mãe. - eu disse quase num sussurro e em um movimento rápido, me envolveu em um abraço apertado, me fazendo abraçá-lo de volta na mesma intensidade. Eu afundei a cabeça no ombro dele e me senti horrível ao lembrar que a mãe dele havia morrido e eu estava fazendo drama porque a minha morava em outro continente. Eu não tive muito tempo pra pensar nisso porque logo o cheiro de me fez perder o raciocínio.
- Mal do século. - ele disse baixo e eu só balancei a cabeça, voltando a pensar que a saudade dele era muito maior que a minha. Pensar nisso me fez abraçá-lo ainda mais forte e nós permanecemos daquele jeito por breves segundos, mas que parecera uma eternidade pra mim, até nos separarmos.
- Desculpe, eu estou um pouco sentimental. - eu disse sentindo minhas bochechas corarem e ele sorriu, mas não era um sorriso cínico como de costume, mas um sorriso verdadeiro, daqueles que a gente não vê maldade alguma. - E posso saber por quê? - sorria e eu me sentia uma boba por quase ter chorado perto dele.
- Tive uns problemas com a mais cedo... - eu mordi o lábio, me sentindo uma peste ao lembrar-me de nós três no carro.
- Isso tudo é ciúmes. - ele falou e agora sim eu reconhecia o cinismo no sorriso dele. Eu estava começando a gostar daquele sorriso até.
- O que?
- Você está com ciúmes de mim. - o garoto gargalhou ao me ver fechar a cara. Mas não é convencido esse ? Coitado.
- Ciúmes, eu? Você só pode estar brincando. - eu rolei os olhos. - Você pode até ser a última Coca-Cola do deserto, mas por sorte eu não bebo refrigerante. - pisquei pra ele e me levantei, mas ele me segurou pela mão antes que eu pudesse começar a andar. Um leve arrepio passou pelo meu corpo com aquela situação.
- Que horas eu posso te pegar amanhã? - ainda sustentava aquele sorriso cínico, mas eu estava decidida a comandar daquela vez.
- Eu nunca disse que sim, . - eu abri um sorriso igualmente irônico e fui em direção à cantina, me policiando o tempo inteiro para não olhar pra trás.

O resto das aulas foi tranquilo, não que eu tivesse conseguido prestar atenção em muita coisa. Recebi uma mensagem de no celular, só dizendo que eu podia ir pra casa porque ela ia mais tarde de carona com . Bufei ao ler aquilo, mas tentei manter a calma, eu só precisava me manter longe desse rolo dos dois ou seja lá o que aquilo era. Andei quase correndo até o carro, a fim de evitar que alguém me encontrasse e ficasse de conversa comigo, eu precisava chegar em casa e ter uma tarde de muita televisão e brigadeiro, e depois eu resolveria as coisas com . Liguei o som do carro e o meu cd do Franz Ferdinand tinha começado a tocar, bem na música Take Me Out, e eu sorri automaticamente lembrando-me do dia em que me vira dançar toda suja de farinha. Troquei rapidamente de música e afastei aqueles pensamentos, dirigindo pra casa e tentando me convencer de que eu não sentia absolutamente nada pelo .
Joguei-me no sofá e liguei a televisão, estava passando alguma coisa sobre a comemoração do jubileu da rainha. Droga de jubileu, agora todos os canais só iam passar coisas relacionadas à isso o tempo inteiro e ainda faltava um tempão pra comemoração. Se eu fosse a rainha, eu daria a maior festa que a Inglaterra já tinha visto e esqueceria de todas aquelas tradições chatas e celebrações e jantares. Qual a graça disso tudo se você tem que seguir vários protocolos? Aumentei o som da televisão e me rendi à rainha, não tinha mais nada de interessante passando mesmo.
Depois de duas horas e meia deitada ali eu já havia aprendido que se tratando da família real até os ensaios para as celebrações são importantes, e por isso a programação do dia era sobre o jubileu, porque os ensaios reais começariam naquele fim de semana. Pobres pessoas, vão ter que ensaiar a mesma coisa durante um monte de dias até enjoarem. Desliguei a televisão por já não aguentar mais ouvir falar daquilo e antes que eu pudesse dar um passo em direção ao banheiro, ouvi a campainha tocar.

- Pois não? - eu encarei o cara que estava na minha porta, ele parecia ser um entregador ou algo do tipo. Talvez tivesse batido no apartamento errado, vai saber.
- ? - ele perguntou e eu afirmei com a cabeça, então o cara me entregou uma prancheta. - Você pode assinar aqui, por favor?
- Mas eu não pedi nada. - eu comecei a ler o papel, mas não havia nada demais escrito, era só para confirmar que uma encomenda tinha chegado até mim.
- Desculpe, eu não sei nada sobre, eu só entrego, e essa encomenda está endereçada a você.
- Que estranho. - eu assinei o papel, quem sabe não tinha pedido alguma coisa no meu nome, ou minha mãe tinha me mandado algo?
- Obrigado e tenha uma boa tarde. - o entregador me deu uma caixa de papelão e foi embora.

Coloquei a caixa em cima da mesa e fiquei encarando-a. O que seria aquilo? Não era uma caixa grande, mas também não era tão pequena assim, e estava sem endereço de remetente, então eu nem sequer poderia saber de quem era aquilo. Resolvi abri-la com cuidado, porque se tivesse sido entregue no endereço errado, eu ainda poderia devolver em boas condições, seja lá o que continha naquela caixa. Primeiro encontrei um envelope e abri para ler o papel que tinha lá dentro. "Resolvi te mandar a última Coca-Cola do deserto pra você pensar melhor sobre tomar refrigerante. Te pego na esquina da sua casa amanhã às oito." Não estava assinado, e nem precisava. Comecei a rir com aquele bilhete e desembrulhei o que tinha dentro de um plástico-bolha: um pote de sorvete sabor Coca-Cola. só podia estar de sacanagem com a minha cara.
Coloquei o sorvete no freezer e fui tomar banho. Eu não conseguia parar de rir ao pensar em quão criativo tinha sido e porque ele tinha se dado ao trabalho de fazer aquilo. Eu me sentia especial de uma maneira que eu nunca havia sentido antes, e isso me dava calafrios na barriga. Eu não sabia por que, mas queria muito sair com e pensar nele me fazia ter arrepios pelo corpo inteiro, e eu não conseguiria parar de sorrir nem se a rainha mandasse.
Saí do banho e encontrei sentada na cama com o bilhete de nas mãos. Ela deve ter chegado quando eu estava no chuveiro. Merda.

- O que é isso? - ela me lançou um olhar acusador e eu agradeci mentalmente por não ter assinado o bilhete.
- Não é nada demais. - eu disse tentando ganhar mais tempo para pensar em uma desculpa, e comecei a pentear os cabelos, fingindo naturalidade.
- Como não é nada demais? Você tem um encontro amanhã, diz bem aqui: te pego na esquina da sua casa amanhã às oito. - ela leu a última frase do bilhete em voz alta e eu não consegui evitar um sorriso.
- É só um encontro. - eu dei de ombros. - Com um menino que conheci na aula de Inglês, você não conhece. E eu nem sei se vou. - tentei enrolá-la da melhor maneira possível, porém ainda parecia não ter engolido a minha história.
- E qual o nome dele? Preciso conhecê-lo! - ela me entregou o bilhete e eu guardei no bolso rapidamente, antes que ela pensasse em analisá-lo melhor.
- Eu não lembro direito, é alguma coisa com C. - ela arqueou a sobrancelha e eu abri um sorriso. - Você me conhece, sou péssima para nomes. E eu não quero ir, então não temos nem porque falar nisso.
- Mas tinha alguma coisa com Coca-Cola do deserto que eu não entendi nada.
- Nem eu. - eu dei de ombros, me sentindo uma péssima mentirosa. - Vai ver é algum tipo de piada. - eu estava decidida a terminar o assunto, porque estava ficando sem respostas. - Mas então, acho que alguém me deve desculpas.
- É. - baixou o olhar e eu sabia que ela estava arrependida. - Desculpa, Chandler. Eu não sei o que deu em mim, acho que fiquei com ciúmes de você e .
- Tudo bem, Jo. - eu me sentei ao lado dela.
- Não tenho porque ter ciúmes, certo? - ela me encarou e eu balancei a cabeça afirmativamente, mas não tendo nem um pouco de certeza sobre a resposta. - Quero dizer, não faz o seu tipo e você certamente não faz o dele. - disse com uma arrogância que fez meu sangue ferver, mas eu não ia brigar de novo com ela. Olhei para o lado e encontrei minha rosa, e suspirei pensando que talvez fosse inevitável entrar nessa confusão. Que talvez eu já estivesse dentro disso desde o dia em que vi pela primeira vez. Maldito dia em que pisei na Conrad!
- Eu acho que vou ver um pouco de televisão. - eu me levantei e fui pra sala.
- Eu também quero! - veio correndo atrás de mim e jogou-se no sofá. - Ei, que caixa é essa em cima da mesa?
- Ah, não é nada, eu pedi um sorvete naquela loja perto da casa do meu pai e eles mandaram agora de tarde. - eu disse rapidamente e peguei a caixa e joguei-a no lixo. Eu precisava parar de deixar essas pistas espalhadas pela casa!
- Sorvete? Eu quero! - ligou a televisão e eu levei o pote de sorvete com duas colheres, sentando-me no chão, encostada no sofá. - Olha só a rainha! - ela colocou em um canal que estava passando outro documentário sobre o jubileu. Eu disse que essa era a única programação disponível na televisão, não disse? - Eu queria poder participar dessas comemorações todas, deve ser muito emocionante!
- Deve ser chato pra caramba. - eu discordei colocando mais um pouco de sorvete na boca. É, até que a última Coca-Cola do deserto dava para o gasto...

- Sexta-feira, eu te amo! - disse assim que chegamos à Conrad. Era uma manhã de calor e todos pareciam mais felizes pelo fato do fim de semana estar tão perto.
- Quanta animação! - eu dei um tapinha na cabeça de e ele riu.
- Hoje é dia de Outdoor, meu bem. - ele disse de um jeito afetado e eu gargalhei.
- Gay. - eu respondi e fez uma careta.
- Você vai, né ? - chegou à conversa e eu sorri pra ele.
- Talvez. - eu não quis dizer que não para não gerar qualquer tipo de desconfiança.
- A Chan tem um encontro! - disse rindo e eu quis matá-la. Óbvio que ela não me deixaria em paz.
- Mais uma? - disse, mas eu nem pude prestar atenção direito, porque logo ouvi a voz de e senti minhas pernas bambearem um pouco.
- Mais uma o que? - ele chegou à roda e eu tentei olhar pra qualquer lugar que não fosse à direção dele.
- tá que nem você, cheia dos encontros hoje. - disse rindo e eu só queria enfiar minha cabeça na terra naquele momento. Ou então desaparecer.
- Você tem um encontro hoje, ? - perguntou quase miando e eu pude ver a cara de desapontamento dela.
- Os caras que estão me enchendo o saco porque eu disse que tinha um compromisso. - desconversou e suspirou aliviada. - E você vai se encontrar com quem, Chan? - ele disse mais irônico que nunca e eu dei de ombros, usando o mesmo tom de ironia que o garoto.
- Um nerd aí da minha aula de Inglês. Um perdedor total. - eu disse fazendo descaso e segurando um riso. - Nem sei se vou me dar ao trabalho. - dei de ombros e vi rir baixo. Por que de repente eu sentia uma enorme vontade de ficar perto dele? Que droga!
- Credo, ! Coitado! - disse horrorizada e não se aguentou e soltou uma gargalhada. - O que é tão engraçado, ? - Nada não, . Só tô rindo do jeito cruel da , pobre nerd da aula de Inglês... - ele disse e logo em seguida ouvimos o sinal e fomos todos para a sala.

As três primeiras aulas foram totalmente entediantes. Quero dizer, pra que eu vou querer saber sobre todos aqueles cálculos matemáticos? Quando na vida eu vou usar isso? Quem tinha sido o desocupado que tinha inventado a Matemática afinal? Fechei o meu caderno com todo o mau humor que reinava em mim quando o sinal do intervalo tocou e fui caminhando até o pátio, sentando na mesma mesa de sempre.

- Odeio Matemática. - eu disse assim que sentou-se ao meu lado.
- Pelo visto você teve aulas muito interessantes hoje! - ele disse rindo e eu lancei um olhar mortal em sua direção. - O que foi? Seu nerd não estava na aula pra te ajudar, é? - disse com um sorriso sarcástico e eu só pude sorrir também. Quem conseguia ficar de mau humor em uma situação dessas?
- Idiota. - eu disse sem um pingo de vontade de ofendê-lo, mas eu não poderia perder o costume. - me fez um milhão de perguntas sobre o bilhete de ontem, tive que inventar qualquer coisa, que um menino que ela não conhecia tinha me chamado pra sair.
- Por que não disse a verdade? - me encarou pensativo e eu fiquei imaginando se ele era tapado ou algo do tipo.
- Claro, . Eu certamente iria dizer: Joey, sabe aquele cara do colégio que você está apaixonada e está louca pra sair com ele? Então, ele me chamou pra sair e adivinhe só, como uma ótima amiga que sou, eu aceitei. - eu fiz uma voz afetada e ele riu.
- Eu acho que funcionaria. - disse brincando e nós rimos.
- Seria cômico se não fosse tão trágico. - eu disse e vi sentar-se à mesa. Essa daí não morre tão cedo, viu.
- O que vocês dois estão cochichando? - ela disse rindo e sendo encantadora, como sempre. Bleargh.
- Nada. - eu sorri simplesmente.
- Vocês saem correndo da sala quando o sinal bate ou o que? - Steffy sentou-se conosco juntamente com , e Rebecca.
- Ah, Chandler, você não sabe! Acabei de ter uma aula de História e a professora ficou falando sobre aquele documentário que vimos ontem. - disse toda empolgada, ela tinha amado toda aquela história de jubileu da rainha.
- Que documentário? - Rebecca perguntou tomando um gole do suco.
- Passamos a tarde inteira com a rainha ontem. - eu respondi e comecei a rir ao ver engasgar com o refrigerante que ele estava tomando. - Tudo bem aí, ?
- Tudo. - ele disse sorrindo de um jeito estranho.
- Só passava coisas sobre a rainha na televisão ontem. - continuou toda entusiasmada. - Foi tão legal! Imagine só ser parte da família real, deve ser diversão o tempo inteiro! - ela suspirou, certamente estava se imaginando casando com algum príncipe ou algo do tipo.
- Eu acho que deve ser super chato, entediante, sei lá. - eu dei de ombros. - Todo mundo deve saber as coisas que eles fazem, não tem como levar uma vida normal.
- Deve ser glamoroso, isso sim! - Rebecca entrou no sonho de e eu me senti perdida ali entre as duas.
- Não pode ser tão ruim. - disse e os garotos concordaram com ele.
- Tá tudo bem, ? Você tá meio pálido... - comentou e eu me virei para , ele realmente parecia mais branco e tinha o pensamento longe.
- Hã? - ele pareceu acordar de um transe. - Que nada, . É só impressão sua. - sorriu e eu percebi e olhando pra ele, meio que preocupados. Os dois encontraram o meu olhar e sorriram, e eu relaxei. Realmente não parecia nada demais.
- Mas então, que horas vamos nos encontrar no Outdoor hoje? - mudou o assunto e todos entraram em uma conversa animada sobre as bandas que se apresentariam no pub naquela noite. ficou distante a conversa inteira, olhando para o horizonte e parecendo estar pensativo. E eu tentei fugir de todas as maneiras das perguntas sobre o meu suposto encontro com o nerd da aula de Inglês.

A manhã se arrastou até que finalmente eu consegui chegar em casa e o pânico se manifestou no segundo em que pensei sobre a roupa que usaria para encontrar . E na desculpa que daria para e os outros. E na noite que me esperava.
Eu me sentia eufórica, sem saber o que fazer e tinha que permanecer calma para que não suspeitasse de nada. Peguei umas roupas e coloquei na mochila, e dei a desculpa de¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬ que iria passar a noite na casa do meu pai, para fazer-lhe um pouco de companhia. se ofereceu para ir junto, mas logo desistiu quando eu insisti que ela fosse encontrar o pessoal no pub e me contasse tudo no outro dia. Aleguei estar desanimada para sair e por isso iria ter uma noite calma com o meu velho. Ela pareceu não desconfiar de nada, então eu entrei no carro me sentindo tranquila, sem um pingo de dor na consciência. Eu me sentia cansada de ficar sempre em segundo plano, e estava me surpreendendo a cada dia que passava, então que mal faria deixar as coisas acontecerem? Ele que estava me convidando pra sair e não o contrário, então isso não fazia de mim uma traidora, certo? não tinha nada com ele, e eu largaria de mão no momento em que ela viesse me contar que algo sério entre os dois havia acontecido. Mas por ora, era território neutro.
Comecei a rir sozinha ao perceber que tinha classificado o garoto como território e mordi o lábio ao me lembrar do sorriso dele, de todos os sorrisos que eu já o vira abrir, do costumeiro cínico ao verdadeiro que eu havia visto poucas vezes. Todos os sorrisos de eram bonitos, até os que me irritavam, e eu não conseguia escolher o meu favorito.
Cheguei à casa do meu pai e disse apenas que ia sair com meus amigos, e que ia me arrumar ali por ser mais perto. Bati a mão na testa ao lembrar-me que ia me pegar na esquina da minha casa, então eu teria que pegar um táxi da casa do meu pai para o meu próprio bairro, e ri ao pensar o quão confuso o meu plano parecia. Sentei-me na cama e olhei aquele pé enfaixado, eu já estava de saco cheio e de jeito nenhum ia me encontrar com usando aquilo. Tirei a faixa com todo o cuidado, e percebi que meu pé ainda estava um pouco inchado, mas já não doía, então não faria mal usar sapatilhas. Tomei um banho, coloquei um vestido preto e passei maquiagem o suficiente para me sentir bonita. Arrumei o cabelo, deixando-o solto, e passei um pouco de perfume. Foi quando me vi pronta no espelho que uma ansiedade insuportável me bateu e eu sentia que o meu coração ia saltar para fora do corpo de tão descompassado que ele batia. Eu ia me encontrar com , o cara mais cínico que eu já havia conhecido, mas que era o único que tinha me feito sentir especial. O quão irônico isso poderia ser?
Mandei um beijo para o meu pai e saí, conseguindo um táxi ali na rua e dando o endereço para o motorista. Desci na esquina do meu quarteirão, fazendo todas as orações que eu lembrava pra que não resolvesse ir à rua naquela hora e me visse ali. Pelo que eu havia escutado no colégio, eles só iam mais tarde para o The Outdoor. Eu me sentia uma boba ali, esperando um cara passar de carro para me buscar. Senti-me extremamente envergonhada ao perceber que eu olhava cada carro que virava a esquina desejando que fosse . Quando ele finalmente chegou, o meu coração acelerou de um jeito que eu achava que talvez o garoto pudesse escutar os batimentos. Ele estacionou o carro e saiu, encostando-se na lataria e me encarando.

- Eu não achei que fosse possível você ficar mais bonita. - disse de um jeito simples e eu senti que poderia desmaiar ali mesmo. Fiquei alguns segundos sem saber o que dizer, apenas processando o que eu acabara de ouvir. A noite estava com uma temperatura agradável e o pouco vento que soprava fazia as pontas do cabelo dele balançarem e por mais que ele tentasse ajeitar, o cabelo continuava bagunçado como de costume. estava de calça jeans e uma camisa xadrez de flanela, e eu fiquei imaginando como um garoto podia ser tão simples e tão bonito.
- Obrigada. - eu sorri sem graça. - Você está ótimo também. - foi tudo o que eu consegui dizer e me xinguei mentalmente por não ter encontrado palavras melhores.
- Vamos entrar antes que alguém veja o seu misterioso nerd. - ele disse rindo e abriu a porta pra mim. Eu entrei e o vi entrar do lado do motorista, dando partida no carro e dirigindo com o mesmo cuidado de sempre. - Você não vai perguntar aonde vamos?
- Se você quisesse me contar, já teria me dito. - eu liguei o som e uma música do The Kooks começou a tocar no rádio.
- Garota esperta. - ele gargalhou e eu senti o meu corpo esquentar com o som da risada dele. Ai meu Deus, o que estava acontecendo comigo? - É uma coisa que só acontece uma vez ao mês e eu sempre quis vir, mas nunca tive companhia. Você gosta de filmes?
- Adoro. - o meu sorriso aumentou ao ver o carro entrar em um campo um pouco longe do centro, e tinha outros carros estacionados por lá e uma enorme tela ao fundo, e um trailer bem ao lado. Eu sabia muito bem onde estávamos, era uma reunião de amantes do cinema ao ar livre que acontecia uma vez ao mês, bem no estilo de antigamente. As pessoas estacionavam os carros e assistiam da onde quisessem, era tudo muito lindo e eu mal podia acreditar que estava ali. - Como você conseguiu isso? Só pessoas do clube de cinema têm acesso, .
- Digamos que eu tenha meus contatos. - ele riu divertido e eu saí do carro, contemplando aquilo tudo. O céu estava estrelado e havia pessoas sentadas no chão, outras dentro dos carros e algumas no capô, todos a espera do filme.
- Isso é perfeito. - eu soltei sem querer ao me sentar no capô do carro de e olhar o céu. Ele sentou-se ao meu lado e me encarava com um sorriso divertido nos lábios e eu me sentia uma criança em um parque de diversões pela primeira vez.
- Eu não sabia que você ia gostar tanto. Na verdade, eu fiquei meio em dúvida quando escolhi isso. - ele disse ainda me encarando e eu abri um sorriso enorme.
- Tá brincando? O que poderia ser melhor que cinema, estrelas e sentar em cima de um carro numa sexta-feira à noite? - eu respondi rindo e tinha certeza que os meus olhos brilhavam de animação. foi até o trailer e voltou com cervejas e pipoca e de repente eu me senti a garota mais sortuda do mundo. Eu estava tendo o encontro mais surpreendente de toda Surrey, eu tinha certeza.
- O filme já vai começar. - ele disse e vimos a projeção no telão começar. A maioria das pessoas ali eram bem mais velhas que nós, mas eu não me importava. e eu ríamos com o filme e tacávamos pipoca um no outro só para não perder o costume de implicar, e eu já não sabia se me sentia tão alegre por causa do momento ou das cervejas que já havíamos tomado.
- O que foi? - sussurrou quando me viu deitar no capô do carro, sorrindo.
- Nada. - eu respondi ainda deitada. Eu fiquei olhando o céu e me senti perdida dentre tantas estrelas. Aquela imensidão nunca tinha estado tão linda quanto naquela noite.
- Cansou do filme? - ele deitou-se ao meu lado, de frente pra mim. Eu me virei pra ele e sorri, me sentindo grata por ter aceitado aquele encontro.
- Não. - eu o vi sorrir também. - Só não descobri ainda como aproveitar o filme e este céu ao mesmo tempo. - eu taquei uma pipoca na cara dele e ele fez uma careta.
- Eu nunca achei que você fosse aceitar sair comigo. - disse baixo, mas ainda assim sorrindo.
- Nem eu. - eu disse sincera, e o vi arquear a sobrancelha.
- Mas você não pôde resistir à última Coca-Cola do deserto, certo? - ele abriu aquele sorriso sarcástico e eu gargalhei alto, recebendo alguns olhares reprovadores das pessoas em volta de nós.
- Você é tão convencido. - eu disse tentando parecer séria, mas eu não conseguia esconder o sorriso ao ver que se aproximava lentamente de mim. Nossos rostos ficaram a milímetros de distância e eu podia sentir a respiração dele confundindo-se com a minha. Ele colocou uma mão no meu rosto e eu fechei os olhos, sorrindo. O toque dele parecia tão macio e eu queria guardar aquela sensação pra sempre.
- Nunca gostei tanto de ser um nerd em Inglês. - eu o ouvi dizer e sorri, mas fui interrompida pelos lábios de tocando os meus. O meu corpo inteiro tremeu ao sentir a língua dele junto a minha e o nosso beijo pareceu tão natural, como se nós já soubéssemos que isso iria acontecer. O meu coração parecia que ia sair pela boca enquanto me beijava delicadamente, com uma mão segurando o meu rosto. Eu sentia aquelas malditas borboletas no estômago e vi o mundo parar de girar quando nos separamos. Estávamos tão perto um do outro, as respirações ofegantes, os olhos dele presos aos meus. Eu não conseguia pensar em mais nada a não ser beijar de novo, e de novo, e para sempre. - Agora você sabe o que uma rosa lilás significa. - ele disse ainda me encarando e eu não tive outra reação a não ser fechar os olhos e beijá-lo mais uma vez. Eu me sentia cada vez mais longe da razão, mas perder a cabeça nunca foi tão bom.

CAPÍTULO 7


Acordei com um feixe de luz no rosto e ao abrir os olhos me deparei com um sol brilhante do outro lado da janela. Espreguicei bem lentamente e sentei-me na cama, tentando recapitular tudo o que havia acontecido nas últimas doze horas. Um sorriso formou-se em meus lábios ao lembrar-me de e seus beijos, e do nosso encontro da noite anterior. Depois de o filme acabar nós continuamos em cima do carro observando o céu e conversando sobre todos os assuntos que surgiram em nossas mentes. Eu senti meu corpo tremer a cada sorriso que ele abriu e nada poderia ter sido mais perfeito. me levou até a casa do meu pai e eu me joguei na cama com um sorriso tão grande que explicava as dores na mandíbula que eu estava sentindo agora.
Levantei-me e fui tomar café, meu pai já estava no trabalho e eu queria aproveitar daquele silêncio para pôr em ordem os meus pensamentos. Mas de nada adiantou, porque tudo o que eu conseguia pensar era em e na respiração dele misturando-se com a minha. Suspirei alto e balancei a cabeça, eu precisava recobrar os sentidos. E rápido.
Resolvi passar o sábado na casa do meu pai, porque assim evitaria por mais tempo encontrar e encarar a dura realidade. Passei a tarde inteira assistindo filmes na televisão e já estava me sentindo entediada quando meu celular tocou. Olhei no visor e era um número restrito, mas atendi mesmo assim.
- Alô? - eu disse sem vontade alguma de saber quem era.
- Oi, Chan. - eu paralisei ao reconhecer aquela voz. A minha respiração falhou um pouco e eu senti meu corpo ficar mole. Essa não era uma boa hora para perder os sentidos, !
- . - tentei acalmar meu coração, mas todo esforço era em vão. - Como conseguiu meu telefone? Não me lembro de ter te dado.
- Já te disse ontem que tenho meus contatos. - eu o ouvi rir. - Escuta, daqui à uma hora estarei passando aí.
- Pra quê? - eu disse em um tom desesperado. Como assim ele ia passar aqui? Pra fazer o que? Por quê? Minha cabeça estava a mil.
- Você faz perguntas demais, . - ele bufou do outro lado da linha e eu sorri. - Apenas esteja pronta.
- Abusado. - eu rolei os olhos e ouvi uma risada abafada, e então ele desligou.
Eu saí correndo para o banho pensando em mil hipóteses. Para onde ele me levaria? O que nós faríamos? Como eu deveria me comportar com ele? Há menos de doze horas nós estávamos nos beijando, o que eu deveria pensar? Senti-me perdida em meio a tantos pensamentos e bufei alto, totalmente frustrada por não ter o controle da situação. Era isso: eu precisava admitir para mim mesma que estava sentindo algo por . Mas quem disse que isso seria fácil?
Vesti-me ainda pensando no absurdo que era eu sentir algo pelo garoto e na confusão que estava me metendo, eu estava prestes a travar uma batalha dificílima comigo mesma. Parte de mim queria largar todo o orgulho para o alto e finalmente aceitar que um sentimento estava nascendo, e a outra parte só queria mandar a primeira parte calar a boca. Quero dizer, eu sentindo algo pelo mané do ? Fala sério.
Penteei os cabelos e fui me sentar na sala, tentando distrair a cabeça para que meu nervosismo não aumentasse. Passei todos os canais da tevêà procura de qualquer programa que fizesse o tempo passar mais rápido, mas não encontrei nada que chamasse minha atenção. Os minutos foram passando até que resolvi checar o celular e vi que já tinha passado mais de uma hora que havia me ligado, então provavelmente ele estava chegando. Senti minhas mãos suarem frio só em pensar que a qualquer instante a campainha tocaria ou eu ouviria uma buzina de carro e me deu até uma tontura ao imaginar como o garoto estaria bonito. Minha outra parte da consciência me repreendeu por estar me comportando como uma adolescente idiota, e eu resolvi tentar mais uma vez achar algo na televisão. Acabei deixando em um canal que estava passando um filme que me pareceu interessante, e mais uma hora se passava e nada de . Perdi a conta de quantas vezes chequei o celular e me levantei para olhar o relógio da cozinha, pois havia entrado na paranoia de que as horas do meu telefone que estavam erradas. Mas o problema não era com o meu celular, os relógios da cozinha e da sala marcavam o mesmo horário: nove e meia da noite. Onde aquele idiota estava?
Acabei cochilando com o filme e acordei assustada ao ouvir o barulho da porta bater. Segundos depois vi meu pai aparecer na sala e sorrir pra mim.
- Não vai sair hoje, querida? - ele me deu um beijo na testa e eu esfreguei os olhos, tentando acordar completamente.
- Vou, pai. Só estou esperando meu amigo passar aqui. - eu respondi me espreguiçando. - Que horas são?
- Onze horas. - meu pai gritou já na cozinha.
Como assim já eram onze horas da noite? Apressei-me em procurar meu celular e conferi o aparelho para ver se havia alguma ligação perdida, mas estava do mesmo jeito que deixei antes de cair no sono: sem nada. Onde havia se metido? Será que ele estava bem? Comecei a imaginar um milhão de coisas ruins que poderiam ter acontecido a ele. Talvez ele tivesse sido sequestrado. Ou desmaiou dentro do carro. Ou então quem sabe ele não adormeceu assim como eu? Mas seria muita audácia ele ter simplesmente dormido e me deixado esperando! Senti meu sangue ferver ao pensar na última possibilidade e resolvi tentar ligar para os garotos para ver se algum deles tinha notícias de . Mas eu precisava ser muito cuidadosa para que ninguém desconfiasse de nada.
Disquei o número de e chamou três vezes antes dele atender.
- Oi, ! - ele disse simpático, mas eu não estava nem um pouco a fim de retribuir a simpatia. Havia alguns barulhos ao fundo e estava um pouco difícil de ouvi-lo.
- Oi. - eu usei o tom mais alegre que consegui. - Você tem o número do ?
- O não tá aqui não! - respondeu e eu me irritei com o fato dele nem ter entendido a minha pergunta. Maldito barulho! Ele estava em uma festa ou o que?
- Eu só quero o telefone dele. - eu repeti, mas um pouco mais azeda que antes.
- Ele não tá aqui em casa! - ele disse quase gritando e eu quis entrar pelo buraquinho do telefone e dar um tapa na cabeça do . Desliguei na cara dele, se ele ficasse bravo depois eu poderia colocar a culpa na bateria do celular ou alguma coisa assim.
Merda, eu precisava arranjar um jeito de descobrir aquele maldito número de telefone! Coloquei um casaco às pressas e corri para o carro, se não conseguia me entender pelo telefone, ele me entenderia ao vivo e a cores.
Estacionei em frente ao prédio dele e toquei o interfone duas vezes, até que um meio bêbado abriu o portão pra mim. Subi os degraus de dois em dois até chegar à porta do apartamento de e o mesmo a abriu com um sorriso besta no rosto. Por que garotos são tão idiotas quando ficam bêbados?
- Oi de novo, ! - ele disse todo sorridente e eu entrei assim que ele me deu passagem.
- Você veio toda arrumada só para nos ver? - disse brincando ao me ver e recebeu um dedo do meio em resposta. - Tudo bem, não está mais aqui quem falou. - ele deu algumas risadinhas. O cheiro de álcool reinava ali dentro e eu pude ver algumas latas de cerveja espalhadas pela sala. O videogame estava ligado e uma música alta vinha do som, e os dois garotos permaneciam na minha frente, ambos com sorrisos de criança estampados no rosto.
- Então é assim que vocês passam o sábado a noite? - eu notei uma caixa de pizza jogada em cima da mesa, mas completamente vazia. Vi os dois darem de ombros e bufei. - Vocês podem me dar o telefone do ?
- Era isso que você estava tentando dizer pelo telefone? - deu uma gargalhada e eu permaneci séria. Ele olhou no própriocelular e me passou o número, e eu disquei logo em seguida. Caixa postal.
- Está desligado. - eu disse sem o mínimo de emoção. A cada minuto que passava mais irritada eu ficava com aquela situação toda. Eu estava na casa de dois manés a procura de um mané maior ainda. O que estava havendo comigo?
- Talvez ele atenda no outro número... - disse distraído enquanto olhava a tela da televisão e recebeu um tapa de . Os dois trocaram um olhar de cúmplices e eu soube imediatamente que algo errado estava acontecendo.
- Qual o outro número, ? - eu lancei um olhar mortal para ele e o garoto encolheu-se no sofá.
- Eu não sei. - ele disse quase gaguejando e estava mais que na cara que era uma mentira descarada. Resolvi então tentar com .
- Nem adianta olhar pra mim. - o garoto disse dando de ombros e eu rolei os olhos. - Mas por que você quer tanto falar com o ? Achei que você meio que odiasse ele.
- É só um assunto importante. - eu disse sem ter certeza se deveria explicar ou não. Optei por continuar guardando meu segredo. - Vocês não vão mesmo me ajudar?
- Eu não sei do que o está falando, provavelmente é coisa de bêbado. - tentou me enrolar e lançou um olhar repreendedor para , que apenas balançou a cabeça afirmativamente. - Ele é fraco com álcool.
- Pobre . - resolvi finalizar o assunto. Por mais que eu tivesse certeza de que algo muito estranho estava rolando ali, eu não queria parecer uma louca atrás do . Ele já era bem grandinho e responsável por seus atos. Sentei-me no sofá ao lado dos garotos e me passou uma cerveja. Eu não sei se era coisa da minha cabeça ou não, mas pude ver os dois suspirando aliviados.
- Daqui a pouco vamos para o Outdoor. - comentou e eu só balancei a cabeça, tomando um gole da cerveja. Já que não queria sair comigo, eu não tinha nada a perder.
Ficamos algum tempo ali, eu observava os dois jogando algo de luta e que era bem sangrento, até que os convenci a jogar Mario Kart, afinal era muito mais divertido e o único que eu conseguia vencer vez ou outra. Nós três gritávamos a cada ultrapassagem, e talvez tenha sido o efeito da cerveja combinada com a diversão da corrida, mas eu me esqueci de por algum tempo. Após duas horas de videogame e álcool, todos bêbados e rindo de qualquer bobagem, resolvemos enfim ir para o pub depois de uma ligação furiosa das garotas que alegaram estar nos esperando há mais de trinta minutos.
dirigiu tentando parecer o mais sóbrio possível para que nenhum policial nos parasse, e chegamos são e salvos no The Outdoor. Entramos e encontramos o lugar lotado, mal conseguíamos andar e demoramos algum tempo até acharmos as garotas no meio daquela multidão toda.
- Finalmente! - disse ao chegarmos à mesa. - Onde você se meteu hoje, hein? - ela disse me encarando e eu sorri de lado.
- Fiquei no meu pai, nada demais. - eu dei de ombros e sentei-me ao lado dela. - E aí, como estão os shows?
- Você não vai acreditar na quantidade de caras gatos que sobem nesse palco! - ela disse com um sorriso sacana no rosto e eu gargalhei. - Eu não sou de ferro, né.
- Ainda bem que cheguei então, eu não podia deixar você conferir isso tudo sozinha. - nós piscamos uma para a outra e eu pedi uma cerveja para o garçom que passava.
- O que você estava fazendo na casa de e ? - perguntou ao tomar um gole de seu drink e eu fiquei alguns segundos pensando no que responder.
- Eu liguei pra saber se ela queria sair com a gente e resolvemos vir juntos. - disse antes que eu abrisse a boca para responder e me encarou balançando a cabeça levemente, e eu concordei meio sem saber o que aquele gesto queria dizer. Ele estava sendo meu cúmplice, era isso?
- É. - tomei um gole da minha cerveja, sentindo o meu corpo todo relaxar ao ter me safado de mais um inquérito de . Eles estavam ficando cada vez mais difíceis.Essa garota deveria ser detetive, isso sim.
- E cadê o ? Ele é o único que está faltando! - entortou a boca, fingindo uma expressão triste. Eu me senti totalmente perdida entre dois sentimentos ao ouvir aquela pergunta: raiva e preocupação. O que teria acontecido a ele? E por que aquele filho da puta tinha me dado um bolo? Tentei contar mentalmente até dez para acalmar os nervos e o coração, e então virei o resto da cerveja.
- Não sei, ele tinha um compromisso. - respondeu e eu tentei me desligar daquela conversa, prestando mais atenção ao palco. Alguma banda tocava e eu até gostei da música, então me esforcei ao máximo para não desviar o foco. Acabei prestando atenção demais nos integrantes e aquele vocalista era todos os meus sonhos tornados em realidade. Ele era alto, parecia ser forte na medida certa, e tinha uma atitude que me fez ignorar todos os meus amigos só para continuar olhando para ele. Meu Deus do céu, o senhor resolveu atender as minhas preces ou era apenas uma miragem?
- Ei, Terra chamando . - eu saí de meu transe ao ouvir a voz de Rebecca. Desviei minha atenção do palco e a vi sorrindo pra mim.
- Hm? - eu respondi ainda perdida em pensamentos. Ou aquele vocalista era o meu sonho de consumo ou eu já estava um pouco bêbada. Quem sabe os dois?
- Você está viajando aí. - ela olhou para o palco e depois me encarou. - Não me diga que também está olhando aquele gato?
- Qual? - por favor, não seja o vocalista. Por favor, Deus, eu faço tudo o que o senhor quiser. Juro que limpo a casa todos os dias, e serei mais boazinha com a humanidade e vou adotar todos os cachorros abandonados.
- O vocalista, claro! - Rebecca disse como se fosse óbvio. Puta que pariu, eu teria que dividir todo cara que eu me interessasse agora? Pode esquecer sobre ser boazinha com a humanidade, Deus!
- Eu só gostei da música deles. - eu dei de ombros e voltei a atenção para a minha cerveja.
Passamos algum tempo nos embebedando e vendo as bandas que subiam ao palco, até que o dj começou a tocar e nós resolvemos ir dançar. Bem, apenas as garotas, os garotos têm aquela coisa que ninguém entende de ser contra o ato de dançar. Vai vereles só fiquem muito feios dançando e paguem o maior mico, então provavelmente era melhor mesmo os garotos permanecerem na mesa. , eu, Rebecca e Steffy estávamos na pista e eu resolvi ir até o bar, iria pegar cervejas para todas nós. Abri caminho entre todas aquelas pessoas e finalmente cheguei ao balcão, sentando-me em um banquinho para esperar que o bartender me trouxesse as quatro canecas de cerveja. Eu estava distraída quando ouvi uma voz que eu não conhecia.
- Você aceita uma cerveja? - eu olhei para o lado e dei de cara com o tal vocalista de uma das bandas. De perto ele era incrivelmente mais bonito, com aquele cabelo jogado pra trás e um sorriso que eu sabia que havia segundas intenções escondidas ali. Um mané total, mas um mané muito, muito charmoso.
- Não. - eu respondi, ríspida como de costume com desconhecidos. Tudo bem que o cara era maravilhoso, mas nem por isso eu ia baixar a guarda. Eu só queria olhar pra ele por mais alguns segundos e estaria satisfeita.
- Uau, você é bem sincera. - o garoto riu e eu permaneci séria, apenas arqueando uma sobrancelha.
- Você não acreditaria no quanto. - eu disse enquanto tentava pegar as quatro canecas que o bartender finalmente havia trazido e me levantei, pronta para seguir em frente e deixar o meu sonho de consumo pra trás.
- Eu sou o . - o vocalista sorriu e eu suspirei, cansada daquele papo. Ele ainda ia me alugar por muito mais tempo? Eu estava começando a achar que o garoto era mais bonito de boca fechada. - .
- Bom pra você. - eu respondi com um sorriso totalmente forçado e abri passagem em meio à multidão para voltar para as minhas amigas. Que mané, me dando nome e sobrenome. O que ele queria que eu fizesse, adicionasse como amigo no facebook?
Encontrei-as ainda no mesmo local e distribuí as cervejas, e continuamos a dançar por um longo tempo. Eu consegui ver o tal algumas vezes, ele continuava sentado no bar, e parecia me encarar sério todas as vezes que meus olhos cruzaram com os dele sem querer. Idiota.
Voltei para a mesa e sentei-me com e e então meu pensamento voou até . Abri a bolsa e peguei meu celular e não havia nenhuma chamada perdida e nenhuma mensagem não lida, sinal de que ele estava pouco se importando por ter me feito esperar feito babaca a noite inteira. Primeiro ele vem com aquele papo de flor que significa amor à primeira vista, pirado total. Depois me leva para um encontro que não existe outra palavra para descrever a não ser perfeito, e então combina de sair comigo no dia seguinte, mas desaparece do mapa, com o telefone desligado e um número super secreto que por alguma razão desconhecida e estranha seus amigos não abrem a boca sobre nem se a vida deles dependesse disso. Sem contar com me encobertando sem nem ao menos eu ter pedido ou comentado algo a respeito, e os olhares estranhos que eu tinha visto ele e trocarem. Eu não fazia ideia do que aquilo tudo queria dizer, mas de uma coisa eu tinha absoluta certeza: ia receber o troco. Em dobro.
Lá pras cinco da manhã resolvemos ir embora, todos já estavam devidamente bêbados e cansados e nos levou para casa. Ele estava tão alcoolizado quanto nós, porém tinha uma habilidade incrível para dirigir em qualquer estado e eu fiquei imaginando se ele realmente dirigia bem ou era eu que não estava enxergando as coisas muito bem. Outro dia, quando eu estivesse sóbria, eu tiraria a prova disso. e eu resolvemos ficar na casa de meu pai, já que nosso carro estava na garagem dele e fazia mais sentido dormirmos por lá do que irmos de táxi no outro dia só para buscarmos o automóvel. Nós duas caímos na cama assim que entramos no quarto e eu apaguei a luz, me importando apenas em tirar os sapatos. Meus pensamentos estavam todos em e no papel de idiota que ele havia me feito passar. Não era justo ele ter me beijado e depois ter desaparecido sem deixar qualquer pista. O que ele achava que eu era? Pensei que estivesse bem claro que eu não era igual a todas as garotas, achei que estivesse escrito bem na minha testa. Eu não sou como elas, não sei lidar com esse tipo de coisa, em sair com um cara em um dia e no seguinte esquecer completamente e escolher outro garoto para me divertir. Eu não sei beijar alguém e não dar importância àquilo. Então por que ele estava brincando comigo? Mas que droga, eu sabia que não era pra baixar a guarda com ele! era só mais um mané, um cínico como todos os outros, mais um na lista de caras que se daria bem e eu não. Porque eu simplesmente não sei lidar com esse negócio de ser descartável.
Adormeci sentindo um peso enorme de remorso nas costas e acordei com um susto. Ouvi alguma coisa tocar e demorei algum tempo para associar o barulho ao toque do meu telefone. Tateei a mesinha ao lado da cama em busca do aparelho e finalmente achei-o, vendo que era apenas uma mensagem que havia chegado. Olhei para a janela e vi que havia amanhecido, então reparei no horário do celular e vi que marcava oito horas da manhã. Quem se achava no direito de me acordar a essa hora em um domingo? Cliquei para ler a mensagem e dizia "Desculpe por não ter aparecido, tive meus motivos, uma coisa aconteceu. Não tive como te avisar. Se cuida, Chan.", com o maldito número restrito. Joguei o celular de volta para a mesinha e cobri minha cabeça com o cobertor. Que se foda o e o que quer que tenha acontecido. Me mandar uma meia explicação mais de dez horas depois de ter me dado um bolo não era o suficiente para acalmar minha raiva. E o idiota nem tinha tido a decência de me fazer uma ligação! Que vá a merda a rosa, o filme, o beijo, tudo! Era domingo de manhã, minha cabeça latejava e eu só queria dormir até o meio-dia. Eu seria capaz de cometer um homicídio se alguém mais ousasse me acordar antes de tal horário.

CAPÍTULO 8


- Nossa, parece que um caminhão passou por cima de mim. - eu disse, sentando no sofá e sentindo minha cabeça doer. Tínhamos acabado de chegar em casa, depois de um almoço e de uma tarde inteira com meu pai. - Que droga, quem quer me atormentar agora? - eu reclamei ao ouvir meu celular tocando e não movi um músculo sequer. - Joey, você pode pegar pra mim? Está dentro da bolsa.
- É um número restrito. - ela olhou o visor e estava prestes a me jogar o celular, mas eu a interrompi antes.
- Pode deixar então, não atendo números que não conheço. - eu disse, sentindo o meu peito arder em uma mistura de raiva e rejeição. O meu orgulho nunca tinha sido tão ferido antes, e eu ainda não sabia muito bem o que fazer com aquilo.
- Alô? - eu me virei desesperada ao ouvir atendendo o meu celular. Por que ela fazia aquelas coisas comigo, cara? - Oi ... - fiz uma careta ao ver minha amiga derreter-se. Como as garotas conseguiam ser tontas! - Tá tudo bem comigo e com você? Aham... - minha ansiedade aumentava a cada segundo que passava conversando com no meu telefone. - Ah, você quer falar com a ? Ela tá por aqui sim... Tudo bem então, beijos ! - tinha um enorme sorriso nos lábios e aquilo me irritou profundamente. Peguei o celular da mão dela, talvez em um movimento brusco demais, e me afundei no sofá.
- Oi. - eu disse tentando não demonstrar emoção alguma.
- O bom humor manda lembranças, Chandler! - eu o ouvi rir do outro lado da linha e proibi, mentalmente, o meu coração de acelerar. Claro que isso não deu certo, porque eu sentia o meu peito subir e descer em uma velocidade incrível.
- Hm. - eu resmunguei sem ter muita certeza do que deveria dizer. - Recebi sua mensagem ontem. - olhei para os lados para checar se ouvia a conversa, mas ela estava cantarolando distraidamente na cozinha. - Aliás, achei muito legal da sua parte ter me avisado, sabe? O único problema foi ter demorado umas doze horas. - eu cerrei os punhos e fechei os olhos com força, tentando controlar a raiva que estava subindo pelo meu corpo.
- Eu sei, me desculpe. - ouvi a voz de um pouco abafada. - Eu não consegui te avisar antes.
- Nossa, então alguma coisa realmente importante deve ter acontecido, não é? - eu usei todo o sarcasmo que esteve preso dentro de mim. - Uma terceira guerra mundial? Um atentado terrorista, talvez? - eu tinha certeza que ele estava sorrindo do outro lado da linha, e só de imaginar a cena minha raiva subiu ao nível máximo.
- Algo assim. Não chega a ser um atentado terrorista, mas é algo bem próximo. - ele ficou um tempo em silêncio e eu fiquei apreensiva, o que diabos havia acontecido? - Brincadeira, Chan. - riu e eu bufei alto, chutando uma almofada. - O meu irmão passou mal e eu tive de vir correndo pra cá, e na correria não consegui falar com você. Desculpa, mesmo. - eu senti uma pequena pontada de remorso no peito, como se eu tivesse feito uma tempestade em copo d'água. O irmão dele passou mal e eu não poderia exigir uma ligação do , não é? Mas eu também não poderia me culpar por não ter adivinhado nada disso.
- É um bom motivo. - eu disse ainda um pouco sarcástica. Apesar de ter sido uma razão séria para ele ter me dado um bolo, eu não poderia simplesmente deixar pra lá, certo? Eu fiquei horas arrumada, esperando pelo garoto, como toda boa menina faz. Eu não ia dar o braço a torcer, o meu orgulho jamais deixaria.
- Eu sei que você é orgulhosa demais para dizer que me desculpa. - riu e eu abri um pequeno sorriso. - Mas eu não preciso que você diga, eu sei que você já está aí com um sorriso no rosto. - meu sorriso aumentou automaticamente e eu fiz uma careta ao perceber isso.
- Você se acha muito esperto, né ? - eu prendi uma risada e me ajeitei no sofá ao ver voltando pra sala e sentando-se ao meu lado. - Mas depois você me fala melhor do trabalho então. - tentei disfarçar com algum assunto escolar. Por que a chegava nas piores horas mesmo?
- A tá aí? - ele perguntou e eu rezei para o volume do telefone não estar alto. ria curiosa pra mim e eu fiz uma careta pra ela, como se quisesse desligar logo.
- A pode te explicar o trabalho amanhã, sem problemas. - eu ouvia a risada de e tentei ao máximo permanecer séria.
- Você é uma péssima mentirosa, . - mais gargalhadas. - Eu poderia passar um bom tempo aqui te torturando, mas ao invés disso você só precisa deixar eu me redimir e eu prometo desligar.
- Mas como? - eu fiquei nervosa ao ver chegar mais perto e tentar escutar a conversa. Que cara de pau!
- Essa semana. - dizia as palavras pausadamente, como se para demorar o máximo de tempo possível e me deixar ainda mais nervosa. - Eu e você. É tudo o que você precisa saber por agora.
- Sem chances. - eu rolei os olhos e sorri ao ouvir a risada escandalosa dele. Por que o riso dele era tão gostoso? Era algo que me fazia querer acompanhar, rir alto junto, mesmo sem ter motivos. Enruguei a testa voltando ao semblante sério de antes ao perceber me encarando com um grande ponto de interrogação no rosto. Eu precisava aprender a controlar minhas emoções ou esse jogo ficaria perigoso demais!
- Então eu acho que teremos que conversar por umas duas horas... - ele me desafiou e eu permaneci em silêncio. - E boa sorte pra arranjar uma desculpa pra sobre isso, Chan.
- Seu filho da... - parei antes que viesse a pior parte do xingamento e contei mentalmente até cinco, tentando recobrar a calma enquanto não parava de rir. Ok, tudo bem, não seria tão ruim assim encontrá-lo mais uma vez, certo? Mesmo depois do grande bolo que eu levei. Ele tinha um motivo sério e eu devia passar por cima disso, como qualquer pessoa normal faria. Então tudo bem, talvez eu conseguisse ser um pouquinho normal se me esforçasse. - Tá bom. Fica combinado assim. Essa semana você, eu e discutiremos o trabalho. Tudo bem?
- Perfeito. - eu relaxei o corpo ao ouvir aquilo e suspirei. Eu deveria me lembrar de nunca mais falar com no telefone perto de . - Boa noite, Chan.
- Tchau. - desliguei o aparelho o mais rápido que pude, antes que o idiota do inventasse outra gracinha. ainda me olhava atenta e antes que eu pudesse dizer algo, ela começou com a inquisição.
- Do que vocês estavam falando? Que trabalho é esse? - ela dizia quase atropelando as palavras e eu fingi indiferença.
- Sobre aquele trabalho de Matemática, lembra? não sabe muito bem o que é e amanhã, obviamente, você vai se esforçar ao máximo pra que ele entenda, não é mesmo? - eu tentei maneirar no sarcasmo, mas a quedinha de por já estava ficando ridícula. Ela tinha que parar com aquilo, porque eu também estava na jogada.
- E por que ele te ligou? - ela pareceu pensar um pouco antes de continuar. - Aliás, desde quando tem o seu número? - disse como se fosse o maior absurdo de todos e eu me concentrei em não perder a paciência.
- Vai ver o seu estava sem sinal, sei lá. Por que você não pergunta essas coisas pra ele? - eu levantei, em uma tentativa de encerrar o assunto.
- É estranho porque você meio que odeia ele, e você não costuma ser boazinha com quem você não gosta. - ela foi atrás de mim na cozinha e eu bufei.
- Eu não odeio o , . - eu sentia-me cansada emocionalmente para ter aquele tipo de conversa. - Eu só não fico me jogando pra cima dele.
- Você está dizendo que eu faço isso? - ficou com o queixo caído, fazendo uma cena totalmente desnecessária. Drama logo agora, sério?
- Eu não disse nada, mas se a carapuça serviu... - demorei apenas cinco segundos pra me arrepender do que tinha dito. - Eu não quis dizer isso, . Olha, você pode dar em cima de quem você quiser, ok? Você é linda, extrovertida, quem não adoraria ficar com você, certo? Nós não precisamos brigar por isso. - eu peguei as mãos dela e sorri. Eu não queria brigar com a minha melhor amiga por causa de um ciúme bobo de ambas as partes. Mais pra frente eu decidiria o que fazer diante dessa confusão.
- Tudo bem. - ela sorriu de volta. Mas algo naquele sorriso me deu a sensação de que alguma coisa que iria me deixar desconfortável viria a seguir. - Você passou o dia inteiro comigo e ainda não me contou daquele encontro com o tal nerd. - Bingo!

Sol, calor e bom humor. Esses três itens normalmente não se encaixariam na minha vida de uma só vez, mas estranhamente eu me sentia ótima naquela manhã quente de segunda-feira. Estacionei o carro no lugar de sempre e fui andando com até os portões da Conrad.

- Oi gente! - eu disse um pouco animada demais e recebi olhares estranhos de e .
- O que te aconteceu pra você estar tão feliz assim, hein? - arqueou a sobrancelha e eu mandei um dedo do meio.
- Babaca. - eu o insultei ainda sorrindo e o garoto soltou uma gargalhada alta.
- Ai meu Deus. - Rebecca disse pausadamente, de um jeito meio dramático. - Eu não estou acreditando nisso. - ela olhava fixamente para um ponto do estacionamento e eu desviei o olhar, procurando o que era tão extraordinário assim. Arqueei uma sobrancelha ao encontrar a última pessoa que eu imaginaria: Alguma Coisa, aquele vocalista da banda. Tão bonito quanto antes, fechando a porta de um carro preto e tirando a jaqueta de couro ao perceber que estava quente demais para aquilo. Ele colocou os óculos escuros e eu quase quis ficar olhando pra ele por horas, mas felizmente me dei conta do quanto isso seria ridículo e voltei minha atenção para os meus amigos.
- É aquele cara do pub, não é? - eu disse com o maior descaso que consegui expressar e Rebecca quase explodiu em coraçõezinhos. Bem ridículo mesmo, tipo nos desenhos animados.
- É. - foi tudo o que ela conseguiu dizer, estava ocupada demais observando todos os movimentos dele.
- Qual é, Becca. O cara nem é tudo isso. - disse rindo e eu discordei mentalmente. Ah, ele era sim.
- Nunca o vi por aqui antes... - Steffy chegou a essa conclusão depois de pensar silenciosamente por alguns instantes.
- Talvez ele seja novo. - eu dei de ombros.
- Ei, vamos pra aula, gente? - chamou nossa atenção ao ouvir o sinal soar.
- Cadê o ? Ele não vem? - eu pensei em voz alta e me amaldiçoei milhões de vezes ao perceber os olhares de todos em cima de mim.
- Provavelmente não. Ele não chegou até agora. - respondeu e começou a andar para dentro do colégio, e nós o acompanhamos. Que ótimo, então. Eu não precisava de mesmo. Pra nada. Nadinha.

Depois de uma aula maçante de Literatura, eu sentei-me na nossa mesa no pátio e fiquei imaginando porque todo mundo era tão lerdo pra sair das salas. Eu era quase sempre a primeira a chegar ao pátio, e eu nem andava tão rápido assim. Comecei a observar o dia lindo que fazia, quando ouvi uma voz que eu não conhecia tanto, mas que ainda me lembrava de como soava.

- Mas olha quem eu fui encontrar aqui. - o tal sentou-se à minha frente e eu não sorri. Ele tinha uma barba por fazer, os cabelos incrivelmente arrumados e aquele olhar que fuzilaria qualquer uma. Ele definitivamente era o meu sonho de consumo, todas as qualidades físicas que eu sempre quis juntas em um só cara, bem ali na minha frente. Mas eu não era tão fútil assim pra abrir a guarda só por causa disso.
- Esse lugar não é seu. - eu disse tentando ignorar o fato de que os cromossomos foram muito legais na formação de . Isso era até meio que injusto.
- Essa é a sua melhor resposta? - ele sorriu e eu rolei os olhos. - Acho que é destino a gente ter se encontrado.
- Quem sabe, né? - eu forcei um sorriso e ele gargalhou. Esse cara não cansava de ser bonito, não? - Mas e aí, você é novo por aqui ou o quê? - resolvi puxar assunto, afinal, ele não estragaria o meu tão raro bom humor de segunda-feira.
- Fiz uma transferência, me mudei recentemente pra Surrey. - ele disse sorrindo e eu sorri de volta. Talvez não fizesse mal eu ser um pouco simpática, certo? Eu também já tinha sido novata na Conrad, e tinha dado muita sorte em ter encontrado pessoas extremamente simpáticas. Eu teria que retribuir o favor alguma hora...
- Você vai adorar a cidade. - eu disse olhando ao redor. - Os dias não são tão bonitos quanto hoje, mas você vai se acostumar.
- Eu ainda não sei o seu nome. - . - eu disse dando de ombros e relaxei na cadeira quando vi o pessoal chegar à mesa. Pude ver no rosto de Rebecca que ela estava para enfartar e tive que prender uma gargalhada.

Fiz as devidas apresentações e tivemos um intervalo normal. Às vezes eu me sentia estranha em ter no lugar de no grupo, mas afastei esses pensamentos, porque não faziam nem um pouco de sentido. Não sei se estou ficando cada vez mais paranoica ou o quê, mas acho que e trocavam olhares suspeitos toda vez que falava alguma coisa. Talvez eles estejam tendo o mesmo pensamento que eu, sobre a ausência de e tudo o mais, mas não precisavam ser tão dramáticos. E depois nós garotas é que somos drama queens...

Como de costume, fomos todos juntos pra aula de Matemática, e coincidentemente, também tinha essa aula conosco. Eu abaixei a cabeça na mesa e me perguntei mil vezes por que essa matéria tinha que ser tão chata e difícil, em uma tentativa de parar de ouvir o que o professor dizia. O barulho da porta abrindo no meio da aula chamou minha atenção e eu levantei a cabeça, mas não era nada demais, apenas uma mulher desconhecida que tinha ido falar com o professor. Provavelmente alguma funcionária.

- Senhorita . - eu ouvi o professor me chamar e gelei na cadeira. Se ele fosse me perguntar algo relacionado à matéria, eu estaria frita.
- Hm? - eu respondi sentindo o peito arder em ansiedade. Por favor, não me pergunte nada.
- Você está sendo chamada pelo seu responsável nos portões da escola. - ele disse e eu pisquei algumas vezes até entender aquela frase. Meu responsável? O que meu pai estava fazendo aqui?

Levantei e fui andando o mais depressa que pude pelos corredores, se o meu pai havia se deslocado até a Conrad era porque alguma coisa muito séria havia acontecido. Cheguei aos portões e não encontrei ninguém, o que me deixou mais desesperada ainda. Que droga, onde ele estava? O meu coração batia rápido ao imaginar todas as catástrofes possíveis e eu sentia um frio na barriga inexplicável. Como era horário de aulas, os portões estavam fechados e eu não poderia sair para procurá-lo lá fora. Corri até a recepção do colégio e encontrei a mesma mulher que havia interrompido minha aula.

- Foi você quem entregou o bilhete ao professor, não é? - eu perguntei ofegante e ela balançou a cabeça afirmativamente. - Onde ele está? Ele não está nos portões. Por favor...
- Acalme-se, senhorita. - ela me abriu um sorriso. - O bilhete que recebi dizia que o seu responsável a esperava no estacionamento. - ela olhou para os lados, e eu não entendi nada. - Você pode sair por aqui, mas só porque os outros funcionários estão em horário de descanso. - a mulher olhou pra mim, com o mesmo sorriso no rosto, e eu permaneci imóvel. - Anda, vai! - ela sussurrou e eu saí correndo pelo portão da recepção, procurando pelo meu pai no estacionamento. Eu checava todos os carros que via pela frente, mas nenhum pertencia a ele. Eu estava prestes a voltar pra recepção e usar o telefone deles pra ligar para o celular do meu pai, quando eu vi ao longe, bem no fim do estacionamento, uma pessoa que eu conhecia muito bem. Ele estava rindo, encostado no capô do carro, de braços cruzados e olhando pra mim. .

- Essa brincadeira não foi nada engraçada, seu idiota! - eu disse ao chegar trotando perto dele. ainda ria, e por mais que ele estivesse mais bonito que nunca ali, eu ainda estava enfurecida. - Você pode parar de rir, por favor? Eu achei que alguma coisa séria tinha acontecido, ! Você não pode sair por aí fazendo essas brincadeirinhas inconsequentes! - eu falava alto, tentando ao máximo não me desconcentrar olhando pra ele.
- Eu sei, me desculpe. - ele parou de rir. - Mas foi a única maneira que encontramos de te tirar da aula.
- Encontramos? Quem mais participou dessa brincadeira ridícula? - eu coloquei as mãos na cintura e encarei .
- Eu e Lucy. Você sabe, a moça que foi até a sua sala. - ele disse e eu prendi um grito de indignação. Lucy, sua traidora! As mulheres deviam se apoiar e não ser cúmplices de manés! - Aliás, você fica linda nessa pose de irritadinha. - colocou as mãos na minha cintura e me puxou pra perto, me fazendo ter calafrios pelo corpo inteiro. É, talvez eu tenha sentido um pouco de saudade dele...
- Como você conseguiu fazer com que Lucy concordasse com o seu plano maléfico? - eu espalmei as mãos no peito dele e ambos sorrimos.
- Digamos que ter estudado aqui há um bom tempo me deu algumas regalias. - ele enroscou os dedos no cós da minha calça, e de repente me senti extremamente feliz de estar ali. O dia estava lindo e eu estava matando aula de Matemática com um garoto que não era nada mal. Sem falar que não nos víamos a dois dias inteiros, e foi meio parecido com uma eternidade.
- E por que você não está na aula com a gente? - eu podia sentir o cheiro dele de tão perto que estávamos.
- Eu cheguei agora em Surrey, vim direto pra cá. Agora você pode, por favor, parar de fazer perguntas e me beijar logo? - arqueou a sobrancelha e eu gargalhei.
- Eu não vou te beijar, seu convencido. - eu disse só para não facilitar demais as coisas. Óbvio que eu iria beijá-lo, mas eu ainda tinha um resto de orgulho que me impedia de tomar a iniciativa.
- Como se eu fosse acreditar nisso. - ele sorriu e aproximou-se do meu rosto lentamente, me fazendo abrir um pequeno sorriso ao perceber que a respiração dele confundia-se com a minha. Ficamos alguns segundos parados ali, os dois sorrindo, e meu coração tentando aguentar todas as sensações malucas que passavam pelo meu corpo naquele momento. Senti o nariz dele encostar no meu e fechei os olhos, logo os lábios de tocaram os meus e eu me entreguei por completo. Ele tinha os braços em volta de mim, e eu segurei em seu pescoço, o apoio mais próximo que encontrei para evitar uma possível queda, já que meus joelhos ameaçavam vacilar. era um pouco mais alto, então eu estava na ponta dos pés para não ter que encerrar aquele beijo. Tudo aquilo era incrível, os nossos corpos tão juntos, o sorriso que eu percebi que abrira no meio do beijo, o meu coração batendo o mais rápido que podia. Só a falta de fôlego nos fez separar, e nós dois ficamos nos encarando, ambos ofegantes e sorridentes.
- Você é pirado? - eu disse rindo e arqueou a sobrancelha. - Você não pode me beijar aqui!
- Então fui eu que te beijei, né? - ele disse irônico e eu dei tapinhas leves no braço dele. - Por que você acha que estamos na última fileira do estacionamento e em horário de aula?
- É tão raro você ser esperto que eu precisei desconfiar. - eu respondi só para implicar e ele gargalhou. - Mas sério agora, o que você veio fazer aqui?
- Depois dos foras que eu levei pelo telefone ontem, eu precisava vir amolecer o seu coração um pouquinho. - sorriu e eu senti que poderia morrer ali e agora. Abracei-o e apoiei o rosto no pescoço dele, fechando os olhos e sentindo o sol penetrar a minha pele. Eu senti os braços dele mais firmes em volta de mim e suspirei.
- É tentador matar toda a aula de Matemática aqui. - eu disse ainda com os olhos fechados e imaginei que estivesse sorrindo.
- Por que eu sinto que tem um 'mas' vindo por aí?
- Mas eu preciso voltar antes que eu tenha que morrer dando explicações pra . - eu descolei o meu corpo do dele e subitamente lembrei que ainda havia algo para perguntar antes de ir embora. - E o seu irmão, está melhor?
- Meu irmão? - ficou sério e enrugou um pouco a testa antes de responder. - Pode-se dizer que sim. Obrigado por perguntar. - ele me puxou pra perto de novo pela cintura e distribuiu pequenos beijos pelo meu rosto, enquanto eu ria da cena.
- É sério, eu preciso ir agora. - eu me desvencilhei de e mandei um beijo no ar pra ele, girando nos calcanhares e andando na direção contrária. Tudo o que eu queria era olhar pra trás e voltar correndo pra ele, mas eu não podia perder o controle assim. Eu precisava tentar manter minha cabeça no lugar e não apressar as coisas. Mas era indiscutível que tinha cumprido sua missão: o meu coração estava completamente amolecido.

Uma pena minha felicidade ter durado tão pouco. Foram apenas alguns passos para longe de para meus olhos focarem em uma pessoa, completamente sozinha, atrás dos portões principais da Conrad. O que ele estava fazendo ali, em horário de aulas e logo na hora errada? Eu mal conhecia o e ele já estava me deixando nervosa demais. Será que ele tinha visto alguma coisa? E se ele contasse alguma coisa pra alguém? E no pior das hipóteses, e se ele contasse pra ? Apressei os passos até chegar ao portão da recepção e apenas troquei um olhar cúmplice com Lucy, todos os funcionários já haviam voltado ao trabalho e eu estava nervosa demais para dizer qualquer coisa.
Pensei em voltar para a sala, mas alguma coisa me atraía até , talvez o medo de ser denunciada por ele. Cheguei ao pátio e ele estava no mesmo lugar, com um cigarro aceso e praticamente imóvel. Apressei-me em me aproximar e ele sorriu ao perceber minha presença.

- Cansada da aula também? - sorriu e jogou a o cigarro no chão, amassando-a com o tênis.
- Bastante. - eu respondi, na defensiva. - O que você está fazendo aqui?

- Fumando. - ele tirou o maço de cigarros do bolso e riu. - Vai me denunciar? - arqueou a sobrancelha e eu senti um frio na barriga com aquela pergunta. Meu querido, vamos fazer um acordo.
- A ideia é tentadora, mas não. - abri um pequeno sorriso e permaneci em silêncio, eu não sabia muito bem o que deveria fazer ou falar.
- Aquele era o seu namorado? - e então ele chegou ao assunto mais direto que mães quando querem falar sobre sexo e drogas com os filhos. Sem enrolações, apenas direto ao ponto.
- Você está me espionando agora? - eu resolvi continuar na defensiva até pensar em uma desculpa. Eu sentia minhas mãos suarem frio e uma sensação estranha invadia a minha barriga. Mas eu precisava manter a compostura e fingir que nada daquilo estava acontecendo. Droga de organismo e reações químicas.
- Como você me descobriu? - ele gargalhou e acendeu outro cigarro. - Acho que foi o acaso.
- Acaso será se você sobreviver depois de fumar tanto. - eu retruquei e ele deu de ombros, sorrindo com o cigarro entre os lábios. Era até meio sexy o modo como ele fumava. - E não, eu não tenho namorado. Satisfeito?
- Então foi só um beijo de cinema com um total estranho? - arqueou a sobrancelha e eu senti como se houvessem raios dentro do meu estômago de tanto nervoso. - Uau, você é mesmo surpreendente, . - ele disse irônico e eu me controlei pra não dar uma resposta atravessada.
- Beijar estranhos é uma arte. - eu disse e me virei para ir embora. Eu não podia ficar ali por muito mais tempo na mão do . De onde ele estava nem dava para ver direito o rosto de , era longe demais pra que reconhecesse alguém. Ele provavelmente só tinha visto que era eu porque saí da aula e ele ligou os fatos. Eu não iria ficar ali me incriminando mais. - Vou voltar pra aula, antes que ela acabe.
- Eu só vou terminar esse cigarro e também vou. - ele disse enquanto eu dava os primeiros passos pra longe dali. - Mas você realmente precisa voltar, antes que pensem que o seu responsável te sequestrou. - disse em uma ironia absurda e gargalhou ao me ver ao longe dando passos enfurecidos. Alguma coisa não estava certa sobre esse garoto. Ele era simpático e bonito, mas alguma coisa nele me dava arrepios.

Cheguei à sala no fim da aula e recebi olhares desesperados de . Provavelmente ela também havia pensado que algo sério havia acontecido, e eu apenas sorri para que ela pudesse se tranquilizar.

- O que houve? Está tudo bem? Meu Deus, como você demorou lá fora! - me bombardeou logo após o sinal ter batido.
- Não foi nada demais, Jo. - eu guardava minhas coisas na bolsa enquanto falava. - Meu pai veio aqui me entregar uns documentos. Alguns estavam faltando nos arquivos, coisas de histórico escolar e eu demorei porque fui entregar tudo logo na secretaria, antes que eu perdesse alguma coisa. - fiz uma careta para a minha bolsa, eu estava de costas pra . Puxa, como eu conseguia mentir rápido!
- Eu fiquei preocupada, achei que alguma coisa tivesse acontecido! - ela sorriu, aliviada. - Que sorte a sua então, de ter perdido praticamente a aula toda!
- Nem me fale. Foi sorte mesmo. - eu sorri involuntariamente ao me lembrar de rindo, encostado naquele carro e esperando por mim. Aquele garoto me fazia perder a cabeça! - Mas e aí, o professor passou muito exercício? - tentei mudar de assunto naturalmente.
- Opa, vou precisar também! - entrou na conversa ao ver me entregando as folhas que o professor de Matemática havia dado.
- Você também sumiu da aula, hein! - riu para o garoto e eu me senti encurralada. - Muito estranho vocês dois sumindo juntos... - ela disse em um tom de sacanagem e gargalhou, enquanto eu continuava apreensiva.
- A só quer saber de me esnobar, . - ele fez uma cara triste e eu até riria se não estivesse tão aflita com aquela situação.
- Eu fui só pegar os documentos, Joey. Já te falei. - eu disse desesperada para que a conversa acabasse e fosse embora. Qualquer deslize e eu teria que dar mil explicações confusas e complicadas para .
- É, os documentos. - ele sorriu pra mim. Apenas um sorriso normal, sem nenhum tipo de ironia ou sarcasmo. Achei aquilo estranho. - Você me disse quando nos encontramos no corredor, né? - e me encaravam e eu senti como se o mundo tivesse saído de cima das minhas costas.
- Sim. - eu senti até os meus ombros relaxarem. foi chamada por Rebecca na porta da sala, me deixando a sós com o garoto.
- Você me deve uma. - piscou pra mim e eu sorri, me sentindo realmente grata por ele ter me acobertado. Talvez eu tivesse tirado conclusões erradas sobre ele, mas ainda assim, alguma coisa ainda me parecia errada. Eu só não conseguia descobrir o que era.

- Ei, galera, o que vocês acham da gente dar uma passadinha no Outdoor agora? - disse enquanto entrávamos no estacionamento da Conrad.
- Eu preciso ir pra casa, tenho muita coisa pra colocar em dia sobre as matérias. - disse dando de ombros e foi em direção ao seu carro.
- Não foi dessa vez, Becca. - riu e recebeu uma careta mal humorada de Rebecca. O resto de nós concordou em ir e em alguns minutos estávamos no tão querido pub.
- Como eu amo cerveja! - olhava para a caneca como se fosse algum objeto de sua adoração e eu gargalhei.
- Você é doente, . - eu ri mais ainda da cara afetada que ele fez e ouvi meu telefone tocar alto. - Já volto. - eu levantei e segui para fora do Outdoor, a música do pub era alta demais para que eu falasse com qualquer pessoa no telefone.

Olhei o visor e vi que era um número restrito, meu coração começou a pular imediatamente. Era incrível como conseguia me fazer sentir feliz com apenas uma ligação. Sentei-me em um pequeno beco que havia ao lado do Outdoor, era uma ruela, que dava para uma rua residencial atrás do pub. Eu estava prestes a atender o celular quando senti uma pancada muito forte na cabeça, uma dor absurda invadiu o meu corpo e eu soltei um gemido fraco, segundos antes de tudo escurecer.
E foi aí que as coisas ficaram um pouco complicadas.

CAPÍTULO 9


Senti uma dor estranha na cabeça e me remexi para um lado e para o outro, tentando achar alguma posição confortável e que fizesse a minha testa parar de latejar. Rolei por mais alguns segundos até me irritar com aquela dor e abrir os olhos lentamente. Eu não me lembrava do que tinha acontecido e levei um susto ao perceber que aquela cama não era minha e que eu não estava em casa. Olhei ao redor algumas vezes, tentando decifrar que lugar era aquele, mas não havia nada de anormal, era apenas um quarto qualquer e que não era o meu. Sentei-me na cama e tentei puxar na memória como eu havia parado ali. Bem, eu tinha ido pra aula hoje, tinha encontrado no estacionamento, fui para o Outdoor com o pessoal e... Soltei um grito de pavor ao me recordar que estava para atender ao telefone quando algo me atingiu por trás. Ai, meu Deus, quem tinha feito aquilo comigo e onde eu estava? Levantei da cama e percorri o quarto inteiro, mas não havia nenhum sinal ou pista que me desse alguma informação sobre qualquer coisa. Mas aí parei no centro do cômodo e reparei bem em tudo: decoração, vista da janela, cor das paredes. Parecia mais um quarto de hotel. Fui até a mesinha perto do sofá e vi que ali tinha alguns panfletos sobre o lugar: Kingdom Hotel. Espera aí, eu sei onde fica esse hotel... Eu já ouvi falar dele. Pense, , pense! Kingdom Hotel... Olhei para um dos panfletos novamente e li o endereço. Claro! Fica em um bairro um pouco afastado do centro, mas eu já havia passado por lá algumas vezes de carro. Por que tinham me levado pra lá?
Vasculhei o lugar atrás da minha bolsa e dos meus pertences, mas não encontrei nada. Tentei abrir a porta, mas estava trancada. Fui até o telefone, mas o fio estava cortado. Droga, eu estava presa em um quarto de hotel, sem poder me comunicar com ninguém, e com um possível psicopata atrás de mim. Eu precisava pensar em alguma coisa. Resolvi ir até a janela, quem sabe se eu gritasse não chamaria a atenção de alguém? Olhei pra baixo e me deu um frio na barriga só de perceber a altura em que eu me encontrava, provavelmente era o décimo andar ou algo por aí. Ninguém jamais me escutaria, e não havia pessoas andando na rua naquela parte da cidade, apenas alguns carros que ocasionalmente passavam por ali. Sentei-me na cama, sentindo-me completamente frustrada e só então eu senti medo. Medo de quem havia feito aquilo comigo, medo do que estava por vir. ficaria preocupada se eu não aparecesse logo. Aliás, os meus amigos devem ter ficado preocupados quando eu não voltei para dentro do pub. Eu precisava encontrar uma saída, ou só Deus poderia dizer o que aconteceria comigo.
As horas foram passando e eu não sabia muito bem o horário ao certo, mas pude ver pela janela que já era noite. Meu estômago roncava de fome e eu estava com muita sede, mas o pior de toda aquela situação era o terror que eu sentia. Há algumas horas eu estava bem e feliz com meus amigos, e agora estava ali, enjaulada em um canto remoto da cidade e esperando por algum milagre. Meu coração acelerava a cada barulho que eu ouvia vindo da janela, qualquer carro que passasse já era motivo de batidas mais rápidas em meu peito, qualquer coisa que cortasse aquele silêncio profundo do quarto. Comecei a entrar em pânico. Eu suava frio, minha respiração falhava vez ou outra e eu não conseguia mais raciocinar direito. Meu Deus, por que eu estava ali? O que queriam comigo? Teria sido eu sequestrada por dinheiro? Será que o meu sequestrador estaria naquele instante entrando em contato com meus pais? Certamente meu pai daria tudo o que eles quisessem, o mais rápido possível, e logo eu poderia cair fora dali. Mas e se tivesse algum outro motivo por trás desse sequestro? E se eles quisessem só me... Matar?
Deitei-me na cama e agarrei um travesseiro, tentando ao máximo não chorar de desespero. Meus pensamentos voaram até e eu senti um aperto no coração. Como eu queria que ele estivesse aqui agora, só pra me acalmar com aquela risada e aquele jeito irritante. Como eu queria que qualquer pessoa estivesse aqui agora só para eu não me sentir tão sozinha...
Adormeci vencida pelo cansaço e acordei na manhã seguinte. Abri os olhos e me desesperei ao reconhecer o mesmo quarto da noite passada. Então aquilo não tinha sido apenas um pesadelo? Levantei-me da cama em um pulo e fui até a janela, abrindo-a com tanta força que achei que quebraria o vidro. Gritei com toda a força que tinha, o que não era lá muita coisa, pois já estava há um dia inteiro sem comer. Era uma manhã chuvosa e a rua parecia fantasmagórica, sem ninguém por perto, nem mesmo carros. Continuei gritando por socorro, alguém teria que me ouvir, alguém teria que aparecer, eu precisava tentar! Mas nada daquilo parecia funcionar. Os meus gritos ecoavam pelas ruas e nada mais fazia barulho a não ser a chuva. Corri para a porta e tentei girar a maçaneta algumas vezes, mas não abria de jeito nenhum, só com a chave do quarto. Senti-me tão impotente, tão vencida por alguém que eu nem conhecia, tão fracassada. Uma súbita raiva invadiu o meu corpo e eu só conseguia socar a porta repetidas vezes, tentando fazer o máximo de barulho, mas também para extravasar todo aquele ódio. Mas que droga, eu só queria sair! Eu não queria morrer! Soquei diversas vezes aquela madeira, sem conseguir sentir dor alguma, e caí no chão, cansada. Encolhi-me ao pé da porta, chorando como uma criança, e com as mãos sangrando. Não me restavam mais opções, e eu me sentia cada vez mais assustada. O que queriam fazer comigo? Chorei até atingir um estado de perplexidade total, quando a pessoa vira algo parecido com um zumbi, entra em um transe e fica ali, parada, encarando o nada e com o rosto inchado e manchado pelas lágrimas. Não sei quanto tempo permaneci daquele jeito, desacreditada de um milagre, mas o dia foi passando e as horas encurtando e nada mudava naquele quarto a não ser a claridade proveniente do dia lá fora.
Eu me sentia fraca e com fome. Eu já não conseguia mais chorar direito, e tinha algumas crises que me deixavam sem fôlego. Tudo o que o meu corpo recebia era água da torneira do banheiro, mas ainda assim eu me sentia cada vez pior. Era como se eu estivesse desaparecendo. Olhei para a janela e já estava escuro. Outro dia havia se passado e eu não sabia por quanto tempo mais aguentaria. O meu corpo estava cansado, a minha mente não fazia mais sentido e eu me sentia incrivelmente sozinha. Eu iria morrer ali, completamente sozinha. O que eu não daria pra voltar para o mundo real?
Remexi-me na cama ao ouvir um barulho estranho. Abri os olhos o mais rápido que pude ao perceber que o barulho estava no mesmo cômodo que eu e pude levantar a tempo de ver alguém abrindo a porta. Eu havia adormecido e não sabia por quanto tempo, mas ainda era noite. Meu coração gelou ao ver a luz do corredor iluminando uma mulher na porta. Tentei focar a visão, mas me sentia muito fraca para isso. A mulher acendeu a luz e eu permaneci imóvel, tentando absorver os fatos.

- Me desculpe, eu achei que não havia mais ninguém no quarto, senhorita. - ela disse, sendo educada. Eu senti meu peito fervilhar ao perceber que era uma camareira! Tive vontade de gargalhar ao vê-la ali, com lençóis em seu carrinho e o esfregão de chão, minha salvadora era um pouco fora dos estereótipos, mas estava ali e com a porta aberta!
- Eu já estava mesmo de saída. - dei alguns tapinhas em meu rosto para tentar me concentrar melhor, mas era um pouco difícil. Eu me sentia extremamente tonta e tinha que tentar não desmaiar ou cair. - Muito obrigada! - eu tentei sorrir ao passar pela camareira na porta e saí correndo pelo corredor, usando o resto das forças que ainda me restavam.

Corri como nunca na vida. Apertei o botão do elevador mil vezes, como se aquilo o fizesse subir mais rápido. Quando finalmente o elevador chegou, pude perceber que estava no 11º andar. Cheguei ao andar da recepção e continuei correndo, sem me importar com o olhar das pessoas que ali estavam. Chovia na rua e eu pensei que nada poderia me fazer mais feliz naquele momento do que aquelas gotas d'água caindo em mim, tudo era muito melhor do aquele cativeiro no Kingdom Hotel. Parei de correr quando meus pulmões não aguentaram mais e passei a caminhar, muito cautelosa, com medo de que a pessoa que tinha me prendido naquele quarto pudesse aparecer de repente. Por que aquele bairro tinha que ser tão afastado do centro? Eu teria que andar por horas até chegar a algum lugar com mais civilização e que eu pudesse me comunicar com alguém. Sem celular, sem dinheiro, sem nada, eu era uma desconhecida na rua. O vento ficava cada vez mais forte e eu comecei a sentir frio, minha barriga doía de fome e eu me perguntei se eu chegaria a salvo em algum lugar. Eu só queria ir pra casa...
Continuei andando até chegar a um bairro mais residencial e, portanto, com mais movimento. Encontrei um telefone público, mas não conseguia me concentrar o suficiente pare me recordar de qualquer número. Ai, sua inútil, isso que dá não ter decorado o número do seu pai até hoje! Encostei-me a um poste e fechei os olhos, na tentativa de descansar um pouco antes de continuar a caminhada. Eu sentia tanto frio que estava batendo o queixo, e pus as mãos nos bolsos da calça para tentar aquecê-las de alguma forma, e senti alguns papéis amassados. Já adivinhando o que era aquilo, eu tirei-os do bolso o mais rápido que pude e comecei a sorri ao perceber que eu tinha vinte libras! Eu sempre guardava os trocos no bolso e não tinha me dado conta antes que tinha algum dinheiro. Com vinte libras eu não conseguiria chegar em casa de táxi, mas eu poderia ir para um lugar mais perto e continuar andando, certo? Senti-me animada pela esperança de chegar logo em casa e corri pelas ruas até achar uma de mais movimento e fazer sinal para os táxis que passavam. Um carro logo parou e eu entrei, afundando-me no banco de trás e sentindo o ar quente que saía do aquecedor. O motorista me perguntou para onde eu queria ir e eu parei para pensar um pouco. Com vinte euros eu conseguiria chegar à casa do ou do , pois eram as mais perto daquela região. No desespero emocional em que eu me encontrava, eu só queria alguém que me acalmasse. Então eu disse o endereço de ao motorista e fechei os olhos, esperando que a viagem de carro fosse a mais curta possível.
O taxista parou em frente a um prédio que eu só tinha ido uma vez, mas reconheci como se estivesse estado ali por anos. Dei o dinheiro para o motorista e desci do carro, entrando pela grande porta de vidro e perguntando ao porteiro qual era o apartamento de .

- Eu preciso interfonar para ele, senhorita. - o porteiro me olhava com uma cara esquisita.
- Olha, senhor, eu sei que eu devo estar ridícula, toda molhada, com as duas mãos machucadas e uma cara terrível de doente, mas eu fui sequestrada e acabei de fugir, então, por favor, o senhor poderia me deixar subir logo? Eu só quero sair dessa maldita montanha russa que tem sido os meus últimos dias! - eu desabafei quase atropelando as palavras e o porteiro me olhava com os olhos arregalados.
- É o 803, senhorita. - ele disse apontando o elevador e eu abri um sorriso.
- Muito obrigada, tenha uma ótima noite. - eu fui até o elevador e o oitavo andar nunca me pareceu tão distante.

Depois de alguns minutos que mais pareceram horas, eu finalmente estava em frente à porta do apartamento de . Toquei a campainha uma vez e tive que me apoiar na parede para não cair, eu realmente estava muito fraca. Já estava há dois dias sem comer e ainda havia caminhado por algumas horas.
Ouvi passos dentro do apartamento e um sorriso apareceu em meu rosto ao ouvir o barulho da chave girando e a porta se abrindo. apareceu vestindo apenas uma samba canção e com os cabelos bagunçados como sempre. Ele tinha uma expressão de preocupação no rosto ao me ver e me abraçou mais forte que o normal, eu diria. Eu apertei meus braços em volta dele e comecei a chorar, sem saber muito bem por quê. Talvez pelo cansaço, ou pela carga emocional que estava em cima de mim, ou por estar com alguém conhecido depois do terror dos últimos dois dias.

- O que aconteceu com você, ? Por que você tá chorando? - ele se desfez do abraço e me encarou, levando-me pra dentro do apartamento e fechando a porta. Eu não conseguia dizer nada, estava tentando parar de soluçar e me acalmar. - Eu fiquei tão preocupado com você! Todos nós ficamos! Você simplesmente sumiu! - me acompanhou cuidadosamente até o sofá e sentou-se ao meu lado. - Eu tentei te ligar um milhão de vezes, mas você não atendia.
- Eu estou sem celular. - consegui dizer depois que a onda de lágrimas havia acabado. - Alguém me pegou e me prendeu em um quarto, e eu só consegui sair por causa da camareira, e então tive que andar por horas e foi quando vi que ainda me restava algum dinheiro no bolso, então consegui pegar um táxi e parar aqui. - eu disse rápido e embolando as palavras. - E eu estou com frio, e sem comer a dois dias, e minha cabeça dói, meu corpo inteiro dói, e eu achei que eu fosse morrer. - eu apoiei a cabeça no sofá e fechei os olhos. Deus, como era bom estar no quentinho de um apartamento!
- Eu não sei o que vou fazer quando descobrir a pessoa que fez isso com você. - eu ouvi dizer e não pude evitar abrir um sorriso. - Mas eu preciso cuidar de você primeiro, certo? O que você quer fazer primeiro: tomar um banho quente ou comer?
- Eu preciso ir pra casa... - eu reabri meus olhos e encarei o garoto que estava ali. Ele tinha um ar tão preocupado, me olhava com tanta atenção e ainda queria cuidar de mim. Como um dia eu poderia ter pensado que ele era um mané qualquer?
- Você não vai sair daqui enquanto não estiver melhor. - pegou minhas mãos e examinou-as, e eu sentia o toque dele como uma espécie de carinho. - Olha o que fizeram com você, ... - ele disse baixo, mais para ele do que para mim. Eu o vi se aproximar e senti a respiração dele bater em meu rosto. - Eu nunca mais vou deixar outra coisa dessas acontecer com você, está bem? Nunca mais. - disse me encarando sério e eu senti uma onda imensa de carinho percorrer todo o meu corpo. Ele me beijou nos lábios de leve e eu senti que realmente tudo ficaria bem. - Agora você precisa de um banho enquanto eu faço alguma coisa pra você comer.
- Tudo bem. - foi tudo o que consegui responder.

me levou até o quarto, que estava até arrumado para um apartamento de garoto. Tinha uma cama de casal, uma cômoda e um armário. Ele pegou uma toalha no armário e me entregou, dizendo que eu poderia ir para o banho que ele colocaria algumas roupas em cima da cama para que eu vestisse quando terminasse. Esperei ele sair do quarto e fechar a porta e entrei no banheiro, olhando meu reflexo no espelho. Meu Deus, eu realmente estava horrível. O meu cabelo estava meio em pé, o meu rosto estava completamente sujo, eu tinha olheiras enormes e parecia uma mendiga. Eu não precisava de um banho, eu precisava nascer de novo!
Entrei no chuveiro e senti a água quente relaxar todos os meus músculo; como era boa aquela sensação. Deixei a água cair e levar embora todo o pânico que ainda restava em mim, eu estava segura agora. Por mais que eu ainda estivesse intrigada sobre a identidade de quem havia me trancafiado naquele hotel, eu afastei esses pensamentos ao menos por hora. Eu precisava descansar e tinha o direito de não querer pensar em nada naquele momento.
Passei alguns bons minutos debaixo daquela água quente até finalmente sair. Entrei no quarto enrolada na toalha e ri ao ver as roupas que havia separado pra mim: uma samba canção, uma camisa e um moletom. Bem, era melhor que continuar com as minhas roupas sujas e molhadas. Olhei-me no espelho e sorri ao me ver nas roupas de . Foi uma sensação estranha perceber que eu não só estava nas roupas dele, mas como também aquele quarto era dele. Eu estava dentro do quarto de um garoto, eu nunca tinha feito isso antes. Minhas bochechas coraram com aquela situação e eu ri para o meu reflexo, em uma tentativa de parar de sentir vergonha daquilo tudo. Eu me sentia extremamente confortável naquele moletom, as mangas eram bem maiores que os meus braços e a peça tinha cheiro de sabão em pó. Tomei coragem e saí do quarto, dando de cara com sentado no sofá. Ele olhou pra mim, dos pés à cabeça, e abriu um sorriso.

- Melhor? - ele observou todos os meus movimentos até eu finalmente sentar-me ao lado dele.
- Sim, obrigada. - eu respondi, tentando evitar ao máximo o constrangimento.
- Eu liguei pra e ela disse que ia ligar pro seu pai. - me puxou para mais perto, passando o braço pelos meus ombros e eu apoiei a cabeça no peito dele. - Todos estavam muito preocupados, .
- Eu imagino. - eu disse baixo, sentindo-me completamente embriagada pelo cheiro dele.
- Eu fiz alguns sanduíches pra você. - ele começou a mexer no meu cabelo e eu senti meus olhos pesados, incapaz de me mover.
- Acho que eu posso ficar aqui por mais cinco minutos... - eu ouvi a risada dele e senti meu coração vibrar. Se era tão errado ficar com por causa de , então por que eu me sentia tão bem?

Fiquei mais algum tempo aproveitando do cafuné de até ele insistir que eu tinha que comer. Fomos para a cozinha e eu comi dois sanduíches, agradecendo mentalmente por finalmente ter o que mastigar. O telefone da casa tocou e ele correu para atendê-lo, voltando para a cozinha minutos depois e dizendo que meu pai já estaria chegando para me buscar. Há duas horas tudo o que eu desejava era ir pra casa, mas agora eu só queria continuar ali, no calor de toda a atenção que me dava. Eu era o centro do mundo.

- Você vai ficar bem? - tinha aquelas ruguinhas na testa que sempre apareciam quando ele ficava preocupado. Era engraçado eu já ter decorado alguns detalhes dele. - Com certeza? - nós estávamos em pé, perto da porta, porque o porteiro já havia interfonado e avisado que meu pai estava subindo.
- Vou ficar bem. Prometo. - eu sorri e me inclinei, ficando na ponta dos pés e o beijando rapidamente nos lábios. Ele sorriu e pegou minha mão, beijando as costas dela e me fazendo querer ficar ainda mais. Ouvimos a campainha tocar e eu o abracei, o mais forte que pude, antes de abrirmos a porta.
- Minha querida! - meu pai me abraçou tão forte que eu quase fiquei sem fôlego e eu o ouvi chorar. Foi só então que percebi como devia ter sido duro pra ele, que o terror que eu passei foi equivalente ao que ele passou me procurando.
- Calma, pai, eu já estou bem. - eu disse para tentar tranquilizá-lo e passei minhas mãos pelo rosto dele, limpando as lágrimas restantes. - Esse é o . - eu os apresentei e os dois trocaram um aperto de mãos.
- Muito obrigado, rapaz, por ter olhado a minha filha. Serei eternamente grato. - meu pai disse me dando o braço e eu achei um tanto quanto bizarro os dois ali, conversando.
- Qualquer um teria feito a mesma coisa, senhor. - respondeu mais educado que nunca e eu tive que prender um riso.
- Muito obrigada, . - eu disse para finalizar a conversa e puxei o meu pai para irmos embora. Se eu ficasse parada na porta por mais um segundo, eu teria que entrar de novo e ninguém me tiraria de lá!
- Dirija com cuidado, senhor. - respondeu antes de nós entrarmos no elevador e ele fechar a porta do apartamento.

Meu pai me levou para a casa dele e durante todo o percurso eu contei tudo o que havia acontecido, com todos os detalhes que eu me lembrava, e o vi fazer caras de terror e medo a cada parte da história que era revelada. Chegamos em casa e estava no sofá, mas levantou-se imediatamente quando me viu e correu para me abraçar, repetindo inúmeras vezes o quanto me amava e o quanto estava feliz por eu ter voltado. Senti-me confortável, eu estava agora em casa, com a minha família, e nada mais poderia me ameaçar ali. Contei a mesma coisa que havia contado ao meu pai para e ela ouviu tudo com muita atenção, apenas me interrompendo vez ou outra para perguntar sobre algum detalhe. Tentei não focar muito na parte em que eu fui para casa de , e ela pareceu me poupar por aquela noite, em respeito a tudo o que eu havia passado.
Depois de muita conversa, eu e fomos dormir, enquanto meu pai ainda tinha algumas coisas do trabalho para resolver. Eu me senti eternamente grata por estar deitando em uma cama conhecida, com as minhas coisas e em um quarto que eu sabia muito bem onde ficava. Tive alguns flashes do desespero que passei no Kingdom Hotel, mas felizmente consegui adormecer.
Acordei na manhã seguinte e meu pai nos levou para o apartamento logo cedo, para que pudéssemos nos arrumar e ir para a Conrad. Seria muito estranho se eu dissesse que não queria tirar as roupas de ? Mas troquei-as por roupas minhas e fui com para o colégio. Chegamos ao portão da Conrad e eu fui recebida por todos com muitos abraços e perguntas sobre o que havia acontecido. Contei tudo resumidamente, apenas o essencial para que entendessem o meu sumiço e eles pareceram cooperar, não perguntando muitas coisas. apenas sorria pra mim e eu retribuía, sentindo-me completamente aquecida por dentro.

- Mas então, como foi que você chegou à casa de ? Quero dizer, por que não foi para a nossa? - me perguntou repentinamente, quando estávamos só nós duas sentadas em um banco no pátio, na hora do intervalo.
- Eu só tinha vinte libras no bolso, Jo. - eu fechei os olhos, sentindo o fraco sol de Surrey esquentar minha pele. - Ou eu ia pro ou pro Daniel, e eu não me lembrava muito bem qual era a rua do .
- E o que vocês fizeram lá? - eu senti que estava jogando um verde, mas resolvi ignorar. A minha vida já andava conturbada o suficiente.
- Que tipo de pergunta é essa? - eu ri. - Eu tomei um banho, me emprestou algumas roupas, porque as minhas estavam encharcadas, e eu também comi, só isso. Logo depois papai foi me buscar. O não fez nada que qualquer um de vocês não teria feito... - senti-me tentada a acrescentar a parte em que ele foi carinhoso comigo, mas mordi a língua. Era instinto natural das garotas quererem se provocar, mas eu não ia ceder a essa pressão.
- Quem você acha que fez isso com você, Chan? Você já parou pra pensar nisso? - me encarava séria e, pela primeira vez em muito tempo, ela tinha me feito uma pergunta que valia a pena pensar sobre. Agora que eu já estava descansada e bem, eu precisava tomar providências sobre o que havia acontecido. Mas eu não queria envolver o meu pai ou qualquer outra pessoa, todos já tinham ficado preocupados demais.
- Não. - eu fui sincera. - Mas não se preocupe. Vamos esquecer esse assunto agora, okay? - eu fiz uma careta e nós rimos. Eu precisava fazer alguma coisa, pensar em algum plano. Não saber qual era a razão de terem me prendido por dois dias me fazia querer cavar essa história até o fundo.

Voltamos para a sala quando o sinal soou, e eu me sentia pronta para uma tediosa aula de História. Eu tinha sentado à minha frente e atrás de mim. Ri ao pensar que estava presa entre os dois caras mais bonitos daquele colégio. Mas claro que a beleza de nem se comparava a de , ainda mais depois da atenção que havia me dado ontem. Um sorriso formou-se em meu rosto ao lembrar-me do garoto abrindo a porta do apartamento só de samba canção, com aquele corpo que mais parecia ter sido esculpido à mão e com aqueles braços fortes que me davam vertigem só de pensar.

- Tá rindo do quê? - disse e eu acordei do meu transe. Ele estava virado para trás enquanto o professor passava algo no quadro. Eu senti minhas bochechas ardendo e tive vontade de enfiar minha cabeça em um buraco.
- Nada, só me lembrei de umas coisas engraçadas. - eu tentei disfarçar. - O que você quer?
- Que direta, Chan. - ele disse irônico e eu arqueei a sobrancelha. - Eu queria um lápis, mas a sua mesa tá tão bagunçada que eu não consegui achar nada.
- Não está tão bagunçada assim, vai... - mas na verdade minha mesa estava uma zona. O meu caderno estava aberto, a apostila também, algumas folhas estavam espalhadas, provas, exercícios, trabalhos, tudo misturado. O meu estojo estava aberto e com todas as minhas canetas em meio àquela bagunça e eu comecei a rir tentando procurar algum lápis em meio àquilo tudo. - Espera, já estou achando! - eu tentei juntar todos os papéis enquanto ria baixo, mas foi mais rápida e entregou um dos lápis dela para ele.
- Você ainda vai se afundar na sua bagunça um dia, Chandler! - ela sussurrou e eu dei de ombros, apenas tentando organizar a minha mesa. Recolhi todos os papéis e coloquei-os dentro do caderno, mas um envelope me chamou a atenção. Peguei-o e não me lembrei de tê-lo visto ali na aula anterior, mas como eu poderia ter certeza se minhas coisas estavam sempre jogadas?

Olhei atentamente o envelope e me desliguei da aula, nem conseguia mais ouvir a voz do professor de História. Não havia remetente, destinatário, nada escrito do lado de fora, era apenas um envelope branco comum. Abri-o e havia um papel dentro, dobrado em duas partes, e eu pensei que talvez pudesse ser alguma carta que eu havia escrito e estava esquecida ali. Mas a letra não era minha. Eu nunca havia visto aquela caligrafia antes, e parecia ter sido escrita tão cuidadosamente. Resolvi ler antes que minha curiosidade me sufocasse e me senti, de fato, sufocada. Mas não pelo meu interesse por saber de onde havia saído aquele pedaço de papel e sim porque as palavras que ali estavam que me tiraram o ar dos pulmões.

"Senhorita ,
Sabemos que suas noites no Kingdom Hotel não foram nada agradáveis, porém é apenas uma prévia do que pode lhe acontecer se a senhorita continuar insistindo em entrar no caminho de Vossa Majestade e sua monarquia. Frisamos que apenas queremos o bem estar de todos, e por isso a senhorita deverá guardar segredo sobre esta carta ou então teremos que lhe mostrar que não brincamos em serviço.
Agradecemos a atenção.”


CAPÍTULO 10


- Aonde você vai, Chan? - quis saber enquanto íamos para o estacionamento.
- Vou dar uma passadinha no meu pai, nada demais. - eu rezei para que ela não quisesse ir junto. Eu só queria um tempo a sós para pensar sobre aquele bilhete bizarro que havia recebido.
- Ah, legal. - ela pareceu acreditar e eu suspirei aliviada. - Tudo bem se eu pegar carona com o ? Porque aí você não precisa passar no apartamento pra me deixar, né? - Acho que sim. - eu respondi, tentando não parecer seca. Nós tínhamos, no mínimo, seis amigos, mas só queria pedir carona ao . Naquela altura do campeonato, acho que eu tinha o total direito de sentir ciúmes, certo? Não era como se nós tivéssemos qualquer coisa séria, mas eu já o havia beijado algumas vezes e isso não me acontecia com frequência.
- Olha ele ali, vamos até lá! - apontou para em um canto do estacionamento, encostado em seu carro. Eu não pude deixar de sorrir, ele parecia tão bonito... - Oi, ! - o cumprimentou e o garoto sorriu.
- Oi, meninas. - arqueou a sobrancelha pra mim e eu rolei os olhos. Senti uma imensa vontade de gargalhar, ele adorava me provocar na presença de qualquer pessoa!
- A vai precisar resolver umas coisas agora e eu não tenho como ir pra casa... - começou com a conversa mole e eu vi que não aguentaria nem mais um segundo daquilo.
- Sendo mais direta, você precisa levá-la em casa, . - eu disse e recebi olhares repreendedores de , que foram completamente ignorados por mim.
- Sem problemas, . - disse sorrindo e eu só pensava em como ele era o idiota mais charmoso daquele colégio. E provavelmente todas as garotas dali achavam a mesma coisa que eu.
- Bem, já que estamos todos acertados, eu vou indo. - peguei as chaves do carro dentro da bolsa e comecei a caminhar em direção ao carro, tentando não pensar em quanto se jogaria pra cima do . Mas que droga, a culpa era toda minha! Eu que praticamente a joguei nos braços dele agora. Qual era o meu problema?
- Ei, Chandler! - eu ouvi a voz do garoto gritar e girei os calcanhares para olhá-lo. Estávamos um pouco longe já, mas eu ainda conseguia ver ao lado dele, sorrindo como uma criança em noite de Natal. - Eu te ligo! - fez aquele sinal de telefone com a mão, e eu senti minhas bochechas arderem com muita intensidade. Ele tinha mesmo gritado no meio do estacionamento que iria me ligar? - Sobre aquele, hm, trabalho. - acrescentou logo após e eu ri com a tamanha cara de pau que ele tinha para inventar essas desculpas. Permiti-me ficar mais alguns segundos encarando o garoto sorrindo e me virei, voltando para o curto caminho até o carro.

Liguei o som e tentei distrair meus pensamentos com as músicas. Minha cabeça rodava em hipóteses sobre o acontecimento do Kingdom Hotel e do bilhete que havia achado pela manhã. Por que eu havia recebido aquilo? E quem era a Vossa Majestade e por que eu estaria insistindo em entrar no caminho dela? Eu era apenas uma garota normal, ainda no colégio, tentando não morrer de tédio dia após dia. O que eu tinha a ver com aquilo tudo? E por que eu tinha que guardar segredo sobre aquela carta? E como ela havia chegado até a minha mesa? Eu não conseguia colocar os pensamentos em ordem, eram muitas perguntas sem respostas e eu não sabia nem por onde começar. Alguma coisa estava muito errada e eu precisava descobrir o que era e o mais rápido possível. Querendo acreditar ou não, talvez a minha vida estivesse em jogo. Aquela carta não era uma piadinha de mau gosto, quem me prenderia em um quarto de hotel por dois dias só por diversão?
Estacionei o carro em frente à garagem e entrei na casa de meu pai, jogando-me no sofá. Coloquei todas as minhas coisas no tapete e joguei tudo que havia dentro da bolsa no chão, a fim de encontrar a tal carta misteriosa. O pedaço de papel já estava um pouco amassado e eu fiquei alguns longos minutos no sofá estudando aquelas palavras, tentando encontrar algum sentido oculto naquelas frases. Eu não conhecia aquela caligrafia. Não havia remetente no envelope. Eu não fazia ideia de quem poderia me mandar alguma coisa desse tipo. Eu sentia vários nós se formando na minha cabeça quando um estalo surgiu de repente: eu precisava ir até o hotel e descobrir qualquer coisa sobre os dias que estive lá.
Levantei-me em um pulo do sofá, peguei só a minha carteira e saí correndo para o carro, com a adrenalina a mil. Poderia ser muito perigoso ir até o meu cativeiro, por mais que fosse um hotel comum, e se a pessoa que me prendeu ainda estivesse lá? Mas eu precisava ir, eu precisava encontrar todas as respostas e dar um fim nesse mistério sem pé nem cabeça.
Eu senti vários calafrios percorrerem o meu corpo à medida que ia chegando perto do Kingdom e reconhecendo aquelas ruas, vários flashes passaram pela minha cabeça, mas nada iria me fazer desistir de ir até o fim. Deixei o carro em uma rua atrás do hotel e desci, olhando para os dois lados para ter certeza de que não havia ninguém. A rua estava deserta e eu continuei andando, sentindo minhas mãos suarem só por estar me aproximando da rua daquele maldito hotel. A fachada do Kingdom apareceu e meu estômago se revirou, mas eu respirei fundo e tentei me acalmar. Alguns carros passavam de vez em quando na rua, a maioria eram táxis e não havia uma única pessoa a pé. Contei até dez e entrei pelas portas do Kingdom Hotel, sentindo minhas pernas mais trêmulas que nunca, mas não deixando que isso me impedisse de chegar até o balcão.

- Pois não, senhorita? - a recepcionista do hotel me cumprimentou e eu sorri, tentando ao máximo não parecer nervosa.
- Eu gostaria de um quarto, por favor. - eu disse sem nem ao menos pensar. Mas me pareceu bem razoável depois, afinal eu precisaria estar hospedada para que não parecesse estranha minha presença por ali. Entreguei minha carteira de identidade e o meu cartão para a mulher e esperei até que ela acessasse aos dados no computador. Uma espera que pareceu durar a vida inteira.
- Algum andar de preferência, senhorita ? - ela me encarou e eu puxei na memória o andar em que havia ficado há alguns dias.
- O 11°, se houver algum quarto disponível. - eu respondi e a vi digitar mais coisas naquele computador. A recepcionista pegou uma chave e me entregou, junto com os meus documentos.
- Tenha uma ótima estadia. - ela sorriu e eu senti a adrenalina percorrer o meu corpo. Ah, eu teria sim.

Entrei no elevador com o coração saltitando no peito e senti o meu corpo inteiro suar. Eu era louca ou o quê para voltar àquele lugar? Tentei controlar o meu medo e respirei fundo três vezes, tentando aquietar minha mente e prestando atenção na música suave do elevador. As portas se abriram no 11° andar e eu caminhei até o quarto com a chave balançando na mão, mas senti um calafrio horrível ao encarar o fim do corredor e perceber que estava a alguns metros de onde havia ficado há alguns dias. Antes que uma onda de pânico me atacasse, eu entrei em meu quarto, que era bem parecido com o outro, a única coisa que mudava era o ângulo da rua que eu via pela janela. Sentei-me na cama e tentei pensar nos próximos passos do plano, sem ter certeza de como deveria agir. Eu precisava saber se ainda havia alguém naquele quarto, para depois pensar em como descobrir quem era. Levantei-me e me olhei no espelho do banheiro, abrindo um pequeno sorriso para o meu reflexo: eu estava pronta pra ir até o fim dessa história.
Desci até a recepção e caminhei até o balcão, onde a mesma moça que havia me atendido estava. Ela olhava distraidamente para o computador quando me aproximei, e sorriu assim que notou minha presença.

- Como posso ajudar? - ela disse simpática, como de costume.
- Bem, eu estou no quarto 1120, mas não gostei muito da vista da janela e gostaria de saber se seria possível mudar para outro. - eu inventei a melhor história que pude e a moça voltou a encarar aquele computador.
- Sim, é possível. - ela bateu mais algumas teclas. - Temos o 1124 e o 1128 disponíveis neste andar, mas temos outros quartos em andares inferiores também.
- Só esses dois estão desocupados no 11° andar? - eu tentei me inclinar no balcão para ver a tela do computador, mas estava longe demais do meu campo de visão. Eu precisaria me inclinar muito se quisesse ver alguma coisa e isso não seria nada sutil.
- Apenas estes dois. - ela respondeu e eu fiquei sem ter o que dizer. Tentei pensar em uma rápida solução, mas nada vinha em minha mente. Até que o destino resolveu conspirar a meu favor e um homem alto, de terno preto e com uma feição séria aproximou-se do balcão e dirigiu-se à mulher.
- Sarah, o senhor Jenkins precisa falar um instante com você, é sobre a reunião de ontem. - o homem disse e a tal Sarah assentiu com a cabeça.
- Tudo bem, diga que já vou. - ela respondeu e o homem afastou-se, e depois Sarah dirigiu-se a mim. - A senhorita gostaria de mais alguma coisa?
- Na verdade, eu gostaria de saber dos outros quartos, mas eu posso esperar aqui. - eu disse, tentando parecer o mais natural possível e rezando pra que ela fosse embora logo. - Claro, tudo bem. - Sarah levantou-se. - Vai levar apenas dois minutos. - ela saiu de trás do balcão e foi andando pelo enorme salão do hotel.

Eu vi a mulher desaparecer por uma porta e olhei à minha volta. Não havia quase ninguém no salão, apenas um faxineiro que tirava alguma mancha do chão e algumas poucas pessoas saindo do elevador, o que me fez acreditar que eram hóspedes. Inclinei-me novamente sobre o balcão e não consegui enxergar a tela do computador, eu precisava chegar mais perto! O tempo passava e logo Sarah estaria de volta e eu tinha que pensar em alguma coisa rápida. Peguei a minha chave no bolso e joguei-a dentro do balcão, agora eu tinha uma desculpa para entrar ali sem nenhuma suspeita. Olhei novamente em volta e ninguém parecia prestar atenção em mim, então dei a volta no balcão e entrei, agachando-me e pegando a chave no chão, sentindo o meu coração bater muito rápido. Levantei-me rapidamente e encarei a tela do computador, ainda estava aberta na listagem de quartos do 11° andar, eu só precisava saber tudo sobre o quarto 1130, que era no qual eu havia ficado presa. Cliquei em cima do número do quarto e abriu uma ficha sobre ele, com os nomes dos hóspedes que haviam passado por lá, os horários, e todas as outras informações sobre as estadias dessas pessoas. Passei os olhos rapidamente pelos nomes escritos ali, mas era muita coisa, eu não teria como decorar tudo. Vi que no topo da página havia o botão de imprimir e apertei-o sem nem pensar duas vezes. Minha atenção foi desviada para uma porta no fundo do salão, onde eu pude ver Sarah saindo e meus batimentos cardíacos aceleraram em cem por cento, eu estava até ofegante. Consegui clicar no botão de Voltar antes de me abaixar atrás do balcão e me virar para a impressora, que ainda imprimia lentamente a listagem de nomes. Eu entrava em desespero a cada segundo que passava, eu podia ouvir os passos de Sarah aproximando-se do balcão e a folha não terminava nunca de sair daquela impressora. Depois de segundos que mais pareceram horas, a folha saiu por inteira e eu a peguei, amassando-a por completo e colocando-a no bolso o mais rápido que pude, em tempo de ouvir Sarah chegando ao meu lado e me olhando com uma expressão de dúvida.

- Desculpe, a minha chave caiu e eu só vim pegá-la. - eu balancei a chave do quarto para que ela visse e Sarah sorriu, tirando assim cem quilos de cima das minhas costas. Eu me levantei e fui para fora do balcão, com as pernas trêmulas de tamanha adrenalina. Tive que me apoiar para não cair.
- Então, senhorita, você gostaria de ver os outros quartos disponíveis? - Sarah me encarou e eu sorri.
- Quer saber? Não precisa, não. Já me instalei no meu quarto e mudar para outro agora seria demais, acho que consigo me acostumar com a paisagem da janela. - eu disse querendo gargalhar, mas me segurei. Que tipo de desculpa era aquela? Eu parecia uma menina mimada que não gostava do que via pela janela. Eu deveria investir na carreira de atuação.
- Pois bem, senhorita. Posso ajudar em mais alguma coisa?
- Não, Sarah, obrigada. - eu disse e segui em frente, novamente em direção ao meu quarto.

Joguei-me na cama e abri o papel todo amassado, havia uma lista enorme de nomes, com as respectivas datas de hospedagem. Meus olhos logo procuravam pela segunda-feira passada, o dia em que estava no Outdoor com o pessoal e alguém me trouxe para cá. O nome da pessoa hospedada nesse dia no 1130 era . De acordo com os registros, ela estava hospedada naquele quarto há mais ou menos uma semana e ainda continuava por lá. Eu nunca tinha ouvido esse nome antes, eu não conhecia aquela garota, e nada daquilo fazia sentido. Dei uma olhada nas pessoas que estiveram no quarto antes dela, mas eu também não conhecia ninguém. Parecia que essa história tinha mais personagens do que eu imaginava.
Guardei novamente o papel no bolso e fui até a janela, na esperança de que algum ar puro pudesse me esclarecer as ideias. Nenhuma das informações que eu tinha se conectava e eu comecei a me cansar daquilo tudo. Talvez fosse melhor deixar toda aquela história pra lá e seguir com a minha vida, tentar esquecer tudo o que aconteceu. Senti-me extremamente desanimada e resolvi ir embora do Kingdom, pelo menos por hoje. Amanhã talvez eu voltasse se houvesse mais ideias para por em prática.
Passei pela recepção e deixei a chave com a Sarah, resmungando um "até amanhã" antes de finalmente sair do hotel. Entrei no carro e preferi fazer o trajeto até em casa em silêncio, tentando colocar os pensamentos em ordem, mas sem muito sucesso. Cheguei ao apartamento e vi deitada no sofá, vendo qualquer coisa na televisão.

- Finalmente, Chan. - ela disse sorrindo e só então eu percebi que havia passado horas fora de casa.
- Não acredito que já estava com saudade de mim! - eu sentei-me ao lado dela e recebi uma careta em troca.
- Você está mais doce a cada dia, o que anda acontecendo com você? - disse em tom de deboche e eu levantei o dedo médio pra ela. - Ah, agora sim essa é a que eu conheço!
- Você gosta do meu jeitinho que eu sei. - eu dei um tapinha nela e ambas gargalhamos.
- Agora, falando sério, você precisa arrumar um celular logo, . Fiquei um pouco preocupada com a sua demora, ainda mais depois dos últimos acontecimentos... - me encarou e eu havia me esquecido completamente dessa questão de estar sem telefone.
- Vou providenciar isso amanhã, pode deixar.
- Aliás, o te ligou. - ela disse e continuou me encarando. Eu não poderia demonstrar nenhuma emoção, sabia que detectaria qualquer mudança de expressão ou sorrisinho fora de hora. Tentei ao máximo permanecer a mesma, e estava muito difícil não sorrir, porque só a menção ao nome dele me fazia querer abrir o maior sorriso de todos.
- Que horas? - eu consegui perguntar em meio à guerra que eu travava contra meus próprios sentimentos naquele momento.
- Tem umas duas horas só, pediu pra você ligar de volta. - ela continuava a me olhar, mas eu não consegui conter a vontade de falar com .
- Você tem o telefone dele, não é? - eu perguntei e me emprestou o celular para que eu ligasse. Fui para o quarto sob um olhar curioso de minha amiga e joguei-me na cama, discando o número dele.
- Oi, . Tem notícias da , já? - eu o ouvi dizer assim que atendeu. Provavelmente viu no visor do celular o número de e achou que fosse ela. Ainda assim eu sorri, só por ter ouvido a voz dele.
- Eu estou bem, . - eu disse, tentando acalmar minha respiração que insistia em ficar descompassada toda vez que eu falava com ele.
- ! - disse e eu abri um sorriso maior ainda. - Onde você esteve?
- No meu pai, oras. - eu respondi e tentei não me derreter toda, o que parecia impossível.
- Liguei pra te lembrar de que você ainda tem que sair comigo hoje.
- HOJE? - eu dei um grito sem querer e o ouvi gargalhar. - Como assim hoje, ?
- Vou passar aí em quinze minutos, acho que dá tempo de você se arrumar. - ele disse e eu levantei em um pulo da cama.
- Não faço muita coisa em quinze minutos! - eu bufei alto e mais risadas vieram do outro lado da linha.
- Até daqui a pouco, Chandler. - havia desligado na minha cara e eu tive que sair correndo para o banheiro pra tomar o banho mais rápido de toda a minha vida.

Saí do banheiro pingando por todo o chão, coloquei a primeira roupa que peguei no armário e agradeci mentalmente que fazia um dia de calor moderado. Passei um pouco de maquiagem e entrei na sala como um furacão, assustando .

- Pra que tanta pressa? - ela olhou pra mim com uma expressão de confusão e eu comecei a mexer na minha bolsa pra não ter que ficar encarando-a.
- vai passar aqui daqui a pouco pra me buscar, vamos finalmente terminar o trabalho hoje! - eu corri pro quarto novamente para passar um perfume e em parte para fugir de .
- A gente podia ir pro Outdoor mais à noite, o que você acha? Vou ligar para o pessoal e encontramos vocês lá. - pegou o celular que eu joguei para ela e começou a digitar mensagens.
- Acho ótimo, vou falar com assim que ele chegar! - eu respirei aliviada ao ouvir o interfone e sabia que era o garoto. Mandei beijos no ar pra e saí correndo do apartamento.

Senti meus joelhos vacilarem ao ver dentro do carro me esperando. Estava anoitecendo e o sorriso dele combinava perfeitamente com a paisagem, parecia até um quadro desses artistas famosos que você gosta muito e não sabe por quê. Sentei-me no lado do carona e, antes de conseguir dizer alguma coisa, tomou o meu rosto com as mãos e colou os nossos lábios em um beijo que poderia ter durado a vida inteira. Era um beijo doce, tão calmo que parecia que ambos não tínhamos nada a perder. Deixei-me levar por algum tempo, com as mãos espalmadas no peito dele, até que minha consciência falou mais alto, ou melhor, gritou.

- Você só pode estar ficando maluco, . - eu me desvencilhei dele e olhei pelo vidro do carro, para ter certeza de que não estava na janela ou algo assim.
- Eu não sei por que você tem tanto medo de me beijar por aí. - ele ligou o carro e eu voltei a olhar pra ele, que já não olhava mais pra mim e sim prestava atenção na direção. Eu diria que parecia até um pouco chateado, e essa hipótese me deu uma pontada estranha no peito.
- Não é vergonha. - eu disse mais pra mim do que para ele. Agora eu me sentia mal pela situação, mas a culpa não era minha se havia outras pessoas envolvidas nisso. Eu só não queria machucar ninguém. Principalmente , que era como uma irmã pra mim durante todos os anos da minha vida. - É a Joey.
- O que tem a ? - ele disse ainda olhando para frente.
- Não é possível que você não saiba do amor platônico que ela tem por você, né? - eu fiz uma careta ao terminar a frase. - É Deus no céu e na Terra.
- Bom saber que sou tão poderoso assim. - ele abriu um pequeno sorriso e eu ri, dando-lhe um tapinha no braço.
- É sério, . Ela parece ter entrado em uma hipnose e só sabe falar de você, então eu não quero machucá-la. Acho que é só uma situação complicada, sei lá... Algo que vai se resolver com o tempo. - eu disse sendo realmente sincera e suspirei, olhando a paisagem pela janela do carro. Por que essas coisas não podiam ser fáceis? Pouparia meu tempo.
- Se você não tivesse tanto medo dela... - disse sem completar o raciocínio e eu senti um pouco de irritação.
- Eu não tenho medo dela. - eu disse mais ríspida do que pretendia. - O que eu tenho é consideração. A é minha irmã gêmea praticamente, ela deixou tudo pra trás e veio morar comigo aqui em Surrey só para que eu não ficasse sem amigos. Eu devo muita coisa a ela. Então me desculpe se eu não quero machucar a única pessoa com quem eu sempre pude contar. - a irritação havia crescido dentro de mim e eu me virei para o lado da janela, sem ter em meu campo de visão. Idiota. Idiota. Idiota.
- Tudo bem. - ele disse simplesmente e isso fez a minha raiva aumentar ainda mais. Percebi que ele estava estacionando em um canto da rua e me perguntei onde estávamos, mas não queria me virar para o outro lado para ver. - . - eu o ouvi me chamar, mas permaneci em silêncio. Não estava com muita vontade de conversar naquele momento. - Olha pra mim, por favor. - pediu e eu me virei pra ele, encontrando-o me encarando. - Eu não quero brigar com você. Eu entendo que a é sua amiga e que estamos em uma situação complicada, eu só não quero ter que me esconder o tempo inteiro pra estar com você, quero que isso acabe em algum momento. Não precisa ser agora. - ele esticou os braços e me puxou para perto, deixando nossos rostos a milímetros de distância. - Eu gosto de você e isso não me acontece com muita frequência. - ele disse baixinho e eu abri um pequeno sorriso, segurando o rosto dele com as mãos.
- Eu também gosto de você, seu idiota. - eu fechei os olhos e, em um impulso, beijei-o. Os beijos de me deixavam aflita como se fosse o primeiro, toda vez. As minhas mãos suavam, meu coração batia descompassado e minha respiração saía do ritmo.
- Agora que estamos resolvidos, podemos continuar. - ele disse logo após nos separarmos e ligou o carro, voltando a dirigir. Era impressão minha ou ele havia estacionado só para resolvermos nossa discussão? Que tipo de garoto fazia isso? Eu estava, definitivamente, apaixonada.

dirigiu por mais alguns minutos e me levou a um restaurante, me surpreendendo completamente. Eu não estava lá com as melhores roupas para um jantar, mas eu não fazia ideia de que iríamos parar ali. fez todos os pedidos e tivemos um jantar incrível, com direito a duas sobremesas de sorvete. Ele foi atencioso comigo o tempo inteiro, pegando na minha mão aqui e ali, e me dando beijos rápidos de vez em quando. Eu parecia estar em um sonho, onde eu conseguia o cara perfeito e a minha vida era como um conto de fadas, era bem assim que eu me sentia. Com eu sempre era eu mesma e ele gostava até das piores partes de mim, como o meu sarcasmo exagerado ou o meu repentino mau humor. Eu sentia uma felicidade indescritível toda vez que olhava pra ele e o via sorrir, com aqueles olhos que pareciam iluminados o tempo inteiro. Diversas vezes eu olhava pra por longos minutos, tentando guardar dentro da memória todos os detalhes que eu conseguisse. Ele fazia meu coração querer cantar.
Depois de duas horas no restaurante, ligou para e nos lembrou de encontrá-la com o pessoal no pub. Eu não sentia a mínima vontade de me desgrudar do garoto, e esse pensamento me fez rir, como eu estava me tornando uma perfeita mané! Ele pegou a minha mão e caminhamos juntos até o carro.

- Eu preciso dizer que a cada vez você me surpreende mais, . - eu mexia no cabelo dele enquanto ele dirigia.
- Ah, é? - ele me olhou rapidamente com um sorriso e desviou a atenção para a direção. Eu não conseguia me controlar, tudo naquela situação me fazia sorrir.
- Eu não sei o que você faz comigo... - eu me assustei com minha própria sinceridade e senti as bochechas corarem instantaneamente. Ai, meu Deus, eu estava agindo como uma boba!
- Eu estou passando por cima de muitas regras por você, . - disse e eu continuava a mexer no cabelo dele, parecia impossível prestar atenção em outra coisa que não fosse o garoto ali ao meu lado.
- Como assim? - eu franzi o cenho, sem entender muito bem onde ele queria chegar.
- Um dia você vai entender. - ele disse por fim e estacionou o carro na esquina do Outdoor. Olhar o beco que ficava ali ao lado me deu calafrios e eu só queria apertar a mão de pra me sentir segura, mas não era possível, meus amigos estavam dentro do pub e eu não poderia correr nenhum risco. Entrei o mais rápido que pude no Outdoor e logo encontrei o pessoal sentado em uma mesa perto do bar.

- Agora estamos completos! - Um bêbado disse ao chegarmos a mesa e sentarmos com eles.
- Vocês já estão um pouco alterados, né? - eu disse rindo da cara de todos, eles pareciam muito bêbados e eu, muito sóbria.
- Conseguiram terminar o trabalho? - disse encarando e ele olhou pra mim, sorrindo. Meu estômago se revirou com aquela situação.
- Terminamos tudo. - ele respondeu e a conversa foi interrompida por uma garota que havia chegado à mesa.
- O banheiro daqui fede! - ela disse e todos riram. Encarei-a por algum tempo, eu não a conhecia, mas a garota era muito bonita.
- Bem, esses são e . - nos apresentou e eu sorri. - E essa é a minha prima, .
- Podem me chamar de . - ela sentou-se entre e eu. - Ei, você pode me trazer uma cerveja? - ela pediu para o garçom que passava ali perto.
- Você tem idade o suficiente para beber? - o garçom perguntou ao parar na mesa e todos riram, recebendo uma careta de . Ela realmente parecia nova, devia ter que mostrar o documento toda vez que tentasse entrar em algum pub ou boate.
- Claro que tenho. - ela tirou a identidade da bolsa e mostrou para ele. - Vê? - Certo, certo. - o garçom afastou-se e começou a resmungar, arrancando mais risadas de todos nós.
- Eu sei que tenho cara de neném, mas o que eu posso fazer? - ela deixou a identidade na mesa enquanto mexia em algo dentro da bolsa e eu olhei sem a intenção de prestar atenção no que estava escrito, mas duas palavrinhas em especial saltaram aos meus olhos: .

Senti o meu corpo inteiro congelar. Eu não conseguia mover um músculo sequer, choques de adrenalina passavam por diversas partes de mim e pontadas atingiam o meu coração. O mundo havia parado, eu mal conseguia ouvir o que os meus amigos diziam, eu me sentia um pouco tonta, e ainda assim não conseguia me mover.

- , ! - eu ouvi uma voz me chamando baixo e consegui virar a cabeça, era . Encarei-o, ainda me sentindo meio desnorteada pelo choque de realidade. - Você tá bem? - ele disse só para que eu ouvisse, estávamos lado a lado na mesa e todos pareciam nem ter notado o meu mundo desabando ali. - Você ficou um pouco pálida e muda de repente...
- Eu... - tentei dizer, mas até a minha voz havia me abandonado. Olhei para a identidade de novamente e aquelas duas palavras ainda estavam ali, pareciam me desafiar, rir da minha cara. Senti outras pontadas no estômago.
- ? - me chamou novamente e eu senti uma mão apertar a minha, por debaixo da mesa, e tudo o que eu consegui fazer foi apertar a mão dele de volta.
- Eu vou ficar bem. - eu sussurrei e ele abriu um pequeno sorriso, sem ter muita certeza sobre o que eu estava falando.
- Então, , o que você achou de Surrey? - ouvi perguntar e tentei me recompor, mesmo tendo vontade de sair correndo dali. estava ao meu lado e eu tentava ao máximo não encostar nela, como se ela tivesse alguma doença contagiosa ou algo assim.
- Eu estou gostando, mas ainda tenho muitas coisas pra conhecer por aqui! - a garota sorriu e tomou um gole de cerveja.
- Tenho certeza de que sua estadia em Surrey está para ficar muito melhor. - eu disse encarando , e abri um sorriso. Um sorriso cheio de dentes, cheio de mistérios e cheio de vingança.

CAPÍTULO 11


Lá estava eu novamente. A fachada do Kingdom Hotel não me dava mais calafrios, apenas me despertava uma curiosidade incontrolável. Eu precisava descobrir o que estava acontecendo. Eu tinha que desvendar todos os mistérios.
Eu sentia uma leve dor de cabeça, consequência do dia anterior no Outdoor, acabei tomando cervejas demais depois de ser apresentada à . Só o nome dessa garota fazia a minha cabeça dar um nó. Respirei fundo e entrei no hotel, não me sentindo nem um pouco estranha de voltar ali. Alguma coisa me dizia que estar naquele lugar se tornaria algo frequente. Vi Sarah sorrir para mim quando me aproximei do balcão e me dar as chaves do quarto, sem eu precisar falar coisa alguma. Subi até o 11° e entrei no aposento, abrindo as janelas e deixando minha bolsa em cima da cama. Tudo o que eu sabia era que eu precisava entrar no 1130, porém nenhuma ideia útil passava pela minha cabeça. Arrombar a porta? Eu não tinha nenhuma experiência nisso. Então, o que eu iria fazer?
Resolvi sair do quarto e andar pelo hotel, alguma coisa por ali me daria uma ideia. Percorri os corredores, fui para o lobby, entrei na sala de jogos, dei uma passada no bar, mas não encontrava nenhuma maneira que me fizesse alcançar o objetivo. Eu já estava prestes a desistir quando encontrei alguém conhecido no elevador. O meu coração saltou ao perceber que era a faxineira que havia me libertado sem nem ao menos desconfiar de nada. Ela sorriu pra mim, me cumprimentando com a cabeça e eu sorri de volta, já arquitetando todo o meu plano silenciosamente. As portas do elevador se abriram e nós saímos no mesmo andar, uma jogada de sorte do destino. Fui caminhando lentamente para o 1130, me sentindo cada vez mais tentada a entrar ali.

- Mas que droga, não acredito que esqueci a chave de novo! - eu disse em um tom relativamente alto, a fim de que a faxineira ouvisse. Ela estava prestes a entrar em outro apartamento quando ambas nos olhamos. - Ei, você ainda vai limpar aqui, não é? - eu perguntei e me aproximei dela.
- É o último quarto que limpo neste andar. - ela sorriu amigavelmente e eu senti uma ponta de esperança.
- Eu esqueci minha chave com a Sarah lá embaixo, será que não tinha como você limpar o meu quarto primeiro? Eu só vim pegar umas roupas para sair de novo... - dei de ombros, tentando parecer o mais natural possível. Mas por dentro o meu coração palpitava, era a minha chance de ouro, eu precisava que aquilo desse certo!
- Não vai fazer diferença mesmo se eu inverter a ordem, certo? - ela pegou o molho de chaves dentro do bolso e fomos em direção a porta do 1130. - Sarah me disse que o pessoal do 1130 só voltaria daqui uns dias...
- É, eu só esqueci algumas coisas. - senti-me aliviada ao ouvir que o quarto estaria vazio. - Muito obrigada, você está salvando a minha vida! - eu disse e ela riu, sem saber que era a mais pura verdade.

A faxineira abriu a porta e eu entrei, sentindo uma urgência em bisbilhotar cada canto daquele cômodo. Tudo parecia igual desde a última vez que estive ali, tudo parecia intacto. A moça da limpeza foi para o banheiro e eu me senti livre para explorar aquilo tudo. Abri o armário, porém ele não estava como da última vez que o vi. Estava cheio de roupas, masculinas e femininas. Vestidos, calças, camisas, tênis, sapatilhas... De quem era aquilo tudo? Examinei algumas peças de roupa, porém não conseguia conectá-las a ninguém. Algumas camisas até me pareciam familiares, mas as camisas masculinas não eram todas iguais? Os homens sempre vestiam a mesma coisa... Xinguei-me por não observar melhor as pessoas e continuei mexendo no armário, tudo com muito cuidado para que não parecesse que alguém colocou as mãos ali. Encontrei em um canto um tênis All Star todo surrado, quem quer que fosse o dono daquele par de tênis eu sugeriria que uma limpeza não faria mal a eles. Sem sucesso em achar pistas no armário, fui para as gavetas do criado-mudo. Abri uma por uma, apenas para descobrir coisas triviais como o controle remoto da televisão, um calendário, alguns panfletos de restaurantes e algumas pilhas. Será que nada naquele quarto me seria útil?
Sentei-me na cama e bufei em frustração. Tanto sacrifício para nada, para o mistério permanecer e eu me sentir mais intrigada que nunca. Tinha que haver alguma coisa errada, alguma coisa fora do lugar que me levasse a alguma pista. Passei meus olhos pelo quarto, prestando atenção em todos os detalhes possíveis e algo me chamou a atenção: havia uma pasta em cima do armário. Puxei a cadeira e subi rapidamente, pegando a pasta preta e voltando a me sentar na cama. Sem mais demoras, a abri e continha vários papéis e recortes, e até algumas fotos. O que era aquilo tudo? Algumas anotações não faziam sentido algum, coisas como nomes de bares, telefones avulsos e nomes de pessoas que eu nem sequer conhecia. Encontrei um envelope em meio àquela bagunça e meu corpo inteiro tremeu ao descobrir o que havia dentro dele: fotos minhas e do . Eu e conversando na Conrad. Nós dois no pátio, ele sozinho falando no celular, eu e ele entrando no Outdoor, nós dois no estacionamento do colégio. Havia várias fotos para todos os momentos em que eu estive com ele. Tinha fotos até da minha primeira semana na Conrad. Em algumas eu estava sozinha, mas a maioria era com . De nós dois de mãos dadas, nos beijando, no primeiro encontro... Minhas mãos tremiam ao ver todas aquelas fotos e um horror tomou conta do meu corpo. Quem estava nos seguindo por tanto tempo? E por quê? E o que a prima do tinha a ver com isso tudo?
Parecia trabalho de algum tipo de detetive, desses que a gente vê nos filmes e acha que não existe na vida real. Procurei alguma outra pista naqueles papéis, mas não consegui encontrar ligação em nada. Era apenas um amontoado de palavras que não fazia sentido algum. Encontrei um pedaço de papel dobrado e reconheci o meu endereço rabiscado ali. Quem quer que estivesse por trás daquilo, sabia coisas demais sobre a minha vida. Senti um medo horrível se alastrar dentro de mim e tive um ataque de pânico. Como isso era possível? Como tudo poderia se conectar? E por que aquilo estava acontecendo? Guardei as fotos no mesmo envelope e fechei a pasta, colocando-a no mesmo lugar e saindo o mais rápido que pude dali.

- Credo, o que aconteceu com você? - disse ao me ver entrar voada em casa.
- Não estou me sentindo muito bem, vou dormir um pouco, tá legal? - eu disse sem nem olhar pra ela e segui para o quarto, fechando a porta.

Deitei-me na cama e me cobri até a cabeça, como se aquele cobertor pudesse me proteger de tudo. Eu estava em pânico, sem saber o que fazer ou pensar, achando aquilo tudo um pesadelo. Eu estava tão perplexa diante da situação que nem conseguia chorar, eu só pensava em ficar com os olhos bem abertos, porque a qualquer instante alguém poderia aparecer e tirar mais fotos. Eu não sabia como me proteger. A minha vida parecia um filme de terror.
Eu levava um susto a cada barulho que escutava, o meu coração batia a mil por hora e eu só queria dormir e acordar em uma nova realidade, longe de todos aqueles mistérios. Eu precisava falar com alguém. Mas com quem? Jamais poderia me abrir com , porque na cabeça dela não faria sentido algum alguém estar perseguindo e eu. Meu pai jamais acreditaria em mim, acharia que eu estava exagerando. Pareceu-me mais adequado falar com , afinal, ele precisaria saber que estava envolvido naquele suspense. Eu poderia ligar para ele se tivesse comprado um celular novo, porém eu havia me esquecido deste pequeno detalhe. Pegar o celular de estava fora de questão, eu não estava em condições de inventar uma mentira para explicar minha ligação. Então a única saída era aparecer na casa dele inesperadamente, eu estava desesperada a este ponto.
Saí do apartamento resmungando pra que iria dar uma volta e fui em direção à casa de , dirigindo o mais rápido que podia. Avancei alguns sinais vermelhos, tendo plena consciência de que iria reclamar pra pagar aquelas multas mais tarde. Estacionei o carro de qualquer jeito e entrei correndo no prédio, me deparando com o porteiro, que interfonou para e me deixou subir.

- Meu Deus, o que houve? - perguntou ao abrir a porta e me ver. Provavelmente eu estava com a cara mais assustada do mundo, porque eu me sentia em um ataque de pânico sem fim, com o coração acelerado e as mãos trêmulas.
- , a gente precisa conversar, é sério. - eu olhava para os lados, em uma paranoia constante, lembrando a toda hora daquelas fotos que havia visto mais cedo.
- Você me parece muito nervosa. - ele deu espaço para eu entrar e nos sentamos no sofá. estava de frente para mim e eu não sabia como explicar tudo o que havia acontecido, parecia uma situação louca demais para acreditar.
- Você precisa saber de algumas coisas. - eu respirei fundo, tentando me acalmar, porém havia sido em vão. me olhava atentamente. - Eu sei que vou parecer completamente louca, mas, por favor, você tem que acreditar em mim. Eu não posso contar pra mais ninguém, então você é a única chance que eu tenho. - eu supliquei e ele tinha aquelas rugas na testa que eu conhecia muito bem, ele estava preocupado.
- Tudo bem. - respondeu e me deixou livre para contar tudo.
- Eu acabei de voltar daquele hotel, o Kingdom, e eu quase tive que arrombar um quarto, mas tive sorte porque a faxineira foi muito legal e abriu a porta pra mim, mas enfim, eu peguei a pasta em cima do armário e, , tinha várias fotos, e o meu endereço e eu não sei por quê. E a carta que eu recebi, achei que fosse brincadeira, mas agora eu já não sei mais. - eu disse atropelando as palavras e descarregando tudo o que eu havia guardado.
- , eu não entendi uma única coisa que você disse. - ele abriu um pequeno sorriso e eu suspirei. - Você pode tentar se acalmar e falar mais devagar?
- Ok, tudo bem. - eu respirei fundo algumas vezes antes de continuar. - Você lembra que eu fiquei presa no Kingdom Hotel, certo? - fez que sim com a cabeça. - Logo depois que eu saí de lá, recebi uma carta, sem remetente. Dizia umas coisas confusas, algo sobre sair do caminho da monarquia e eu não poderia contar a ninguém, ou então fariam algo pior comigo. Essa carta apareceu nas minhas coisas, no meu caderno, no colégio. Sei que isso não faz sentido. - eu parei por alguns segundos pra ver se ele estava me acompanhando e ele parecia ouvir a tudo atentamente. - Então eu resolvi descobrir o que estava acontecendo, por que estavam me ameaçando sendo que eu não havia feito nada. Fui até o Kingdom e consegui a lista de pessoas que haviam estado no quarto em que fora meu cativeiro, e o nome da pessoa que está hospedado no mesmo quarto por algumas semanas é de . - levantou a sobrancelha, um sinal que eu interpretei que ele estava tão intrigado quanto eu. - Sim, isso mesmo, a prima do . Achei totalmente estranho depois que a conheci, porque não entendi como ela poderia estar envolvida nisso tudo, nós nem nos conhecíamos! Depois de algum tempo, consegui entrar no tal quarto, o 1130, pra ver se achava alguma pista, sei lá, alguma coisa que fizesse algum sentido. Revirei aquele cômodo, mas não encontrei nada. Quando estava prestes a ir embora, achei uma pasta preta em cima do armário. E, , lá dentro tinha várias fotos nossas. Nós dois em praticamente todos os momentos que estivemos juntos. E ainda algumas fotos suas sozinho e minhas também. E havia um papel com o meu endereço anotado, e outras coisas que não consegui achar sentido, nomes de bares, nomes de outras pessoas, anotações sobre coisas que eu não sei. E eu não sei o que fazer, eu não sei por que isso está acontecendo, eu me sinto em um filme de terror horrível, e eu não sei mais o que é seguro. - eu terminei de falar e senti um peso saindo das costas; era bom poder compartilhar aquilo com alguém. Porém o medo ainda permanecia e eu suava frio em relembrar o que havia acontecido.
- Como alguém poderia ter tantas fotos nossas assim? - ele perguntou e eu dei de ombros, sem saber o que responder.
- Eu estou com medo, . Eu estou com medo até de sair na rua, eu não sei o que pode acontecer. - eu senti que poderia chorar a qualquer momento. me puxou para perto e me abraçou, eu me agarrei à camisa dele, afundando o meu rosto em seu peito. - Eu não sei o que fazer...
- Isso tudo é muito maluco, eu sei. - beijou o topo da minha cabeça. - Mas eu vou descobrir o que está acontecendo e você não precisa ter medo, está bem? Nada vai acontecer com você ou comigo. - eu fechei os olhos e me deixei ser abraçada mais forte. - Quero que você passe o dia aqui, você vai estar segura comigo. - ele fazia carinho nas minhas costas e eu senti uma onda de horror percorrer o meu corpo só de pensar que algo pudesse acontecer a ele.
- Como você vai descobrir, ? - sentei-me direito e o encarei.
- Vou dar um jeito. - ele disse firme. - O que você precisa agora é se acalmar um pouco, .
- Eu não sei como... - eu fui sincera. O meu coração já batia em ritmo normal, mas eu ainda estava muito assustada.
- Eu sei exatamente como te distrair. - ele abriu um sorriso e o meu corpo esquentou com aquilo. Era bom ver um sorriso como aquele em meio a tanta confusão. - Vem cá. - ele me puxou pela mão e fomos em direção ao quarto dele. me fez sentar na cama enquanto ele mexia em um pequeno armário, e eu pude ver alguns DVDs lá dentro, o que me deixou curiosa. Ele ligou a televisão e sentou-se ao meu lado, com um sorriso enorme no rosto.
- Por que você tá rindo assim pra mim? - eu logo desconfiei e ele arqueou a sobrancelha. Alguns segundos depois eu ouvi o começo de uma música que eu sabia de cor e salteado, e minha atenção foi desviada para a televisão. Eu conhecia não só a música, como a abertura daquele seriado. E todos aqueles personagens. Um pequeno sorriso formou-se em meu rosto.
- Eu não disse? - sorria e eu inclinei-me para lhe dar um beijo leve nos lábios enquanto um episódio de Friends começava na televisão.


Capítulo 11, parte II

- Alô? ? Chandler? - ouvi a voz de me chamar e fui obrigada a sair de meu transe.
- Que foi? - olhei-a e ela estava com uma cara engraçada. Ninguém estava prestando muita atenção na aula de Biologia, e não tinha certeza se alguém ali tinha alguma noção do que o professor estava falando.
- Estava pensando no quê, garota? - ela arqueou a sobrancelha e eu engoli em seco. Jamais poderia responder que meus pensamentos estavam em , certo?
- Nem eu sei direito. - eu ri e tentei desviar o assunto. - Você tem toda a matéria de Biologia, Joey? Eu estou um pouco apavorada com as provas de semana que vem...
- Nem me fale! Estou tendo um treco com tanta coisa pra estudar e ainda nem comecei! - ela colocou uma mecha do cabelo pra trás. - E você?
- Você sabe que só estudo de última hora, né? - nós rimos baixo e o professor nos olhou feio. Endireitei-me na cadeira e chequei meu celular, eu ainda estava me adaptando ao novo aparelho que meu pai havia me dado. Eu ainda não havia visto desde o dia anterior e ele também não havia me ligado ou mandado qualquer sinal de vida... Em que aula será que ele estaria?

Depois de duas tediosas aulas seguidas de Biologia, fui para o pátio e sentei-me em um banco no sol, fazia um pouco de frio em Surrey, apesar do dia ensolarado. Minha mente começou a viajar naquele maldito quarto de hotel e em todas aquelas fotos que eu havia achado. Um calafrio percorria o meu corpo toda vez que eu pensava naquilo. Alguém sabia sobre e eu e estava um pouco obcecado com isso. Mas quem seria essa pessoa? E o que a prima do teria a ver com tudo aquilo?
Senti meus pensamentos darem um nó e ri. Não porque era engraçado, mas porque me sentia desesperada e não tinha o que fazer. Eu não sabia para onde correr, como começar a desvendar aquele mistério. Não sabia se um dia aquilo teria fim. Senti meu celular apitar no bolso e peguei o aparelho, na esperança de que fosse . Minha respiração falhou ao ler o que estava na tela.

"Encontre-me no Kingdom, quarto 1130, hoje à noite. Você sabe onde é."


O número estava bloqueado. Minhas pernas tremiam só de pensar no que podia acontecer. Eu não queria ir sozinha, precisava encontrar o mais rápido possível. Levantei-me do banco com o corpo trêmulo e quase corri pelos corredores da Conrad à procura da sala onde estariam e . Coloquei o rosto na janelinha da porta e me viu, vindo rapidamente ao meu encontro.

- Que cara é essa, ? - ele disse assim que saiu da sala. Eu devia estar mesmo com uma cara de muito assustada, porque era assim que eu me sentia.
- Cadê o ? - foi tudo o que eu consegui dizer.
- Acho que ele não veio hoje, ainda não o vi por aqui... - eu tive vontade de chorar ao ouvir aquilo e acho que percebeu. - Por quê? O que houve?
- Eu só precisava muito falar com ele. - eu mordi o lábio, tentando conter o nervosismo e as batidas cada vez mais rápidas do meu coração. - Mas tudo bem, vou tentar ligar pra ele ou algo assim.

voltou para a aula e eu peguei o celular, discando o número de . Chamou inúmeras vezes, porém, não obtive resposta. Devo ter ligado umas dez vezes seguidas e não atendeu nenhuma vez. Mas que ótimo, onde ele estava quando eu mais precisava? Bufei alto em frustração e fui para o pátio, batendo os pés em sinal de ódio. Eu precisava me acalmar, precisava colocar a cabeça no lugar e respirar fundo. Sentei em uma mesa do refeitório e abaixei a cabeça, tentando respirar calmamente. Depois de longos minutos ali sozinha, finalmente consegui fazer meu coração voltar ao normal e então pude voltar para minha aula, era a única maneira de fazer o tempo passar mais rápido.

- Você não para mais em casa, hein? - disse ao me ver pronta para sair de casa. Aquilo me irritou um pouco, porque ela não fazia ideia do que eu estava passando.
- Minha vida anda agitada. - eu respondi um pouco ríspida e a vi fazer uma careta. - Mas eu volto daqui a pouco, juro. - peguei as chaves do carro e saí do apartamento.

Liguei o som e deixei as músicas me acalmarem um pouco mais. O caminho até a casa de era curto, mas eu dirigia bem devagar para que pudesse ouvir um número maior de músicas. Cantarolei as partes que sabia e estacionei o carro em frente ao prédio. Tudo parecia ir bem, até que o porteiro não me deixou subir.

- O não está, senhorita. - ele disse muito educado.
- Não? Mas ele saiu tem tempo? - eu comecei a sentir o meu coração acelerar.
- Ele saiu ontem e ainda não voltou. Não sei quando volta.
- Bem, obrigada. - girei os calcanhares e voltei para o carro, sentindo-me a pessoa mais raivosa do planeta.

Cheguei em casa e tentei conter a raiva para não descontar em . Porém, parecia que o mundo conspirava contra mim.

- Chan, você viu o hoje? - ela me perguntou assim que eu sentei no sofá.
- Não. - eu tentei contar até 10 mentalmente, mas não consegui passar do número 3.
- O me chamou pra sair! - ela disse de forma radiante. às vezes era tão fútil que eu não sabia como lidar.
- Nossa... Que legal. - fingi entusiasmo, apesar de não estar nem um pouco interessada na conversa.
- Mas não sei se vale a pena trocar o por ele. O que você acha? - ela queria me irritar ou...?
- Eu acho que você é maluca. - eu virei de lado no sofá e a encarei. - Você e não têm nada! Vocês nunca sequer saíram, ! Você que é completamente obcecada por ele!
- Eu não sou obcecada, Chan. - ela disse, ignorando toda a minha grosseria. O problema de conviver com uma pessoa por anos é que aprendemos a lidar com o jeito dela. E sabia exatamente como lidar comigo e com meus ataques. - Mas acho que ele é diferente...
- E ele é. - eu bufei. Todas as garotas de Surrey conseguiam ver que se destacava na multidão. Até eu percebia isso.
- Então, é exatamente por isso que eu gosto dele. - ela abriu um sorriso bobo e parecia que eu tinha levado uma facada. Eu cheguei a pensar que esqueceria essa idiotice com o com o passar dos dias, mas pelo visto eu estava muito enganada. Eu estava enganada sobre um monte de coisas.
- Você gosta dele? - eu perguntei, mesmo sem querer saber a resposta. Ela não podia gostar de , eu gostava dele. Eu queria ficar com ele. Eu era a garota dele.
- Ah... - abriu mais um daqueles sorrisos dela. - Acho que sim. - eu tentei não demonstrar emoção alguma enquanto ela falava. - Ele é bem diferente de todos os caras que eu já conheci, Chan. Além de ser incrivelmente bonito e charmoso, ele é muito educado, e me trata de uma forma que nenhum outro garoto me tratou na vida. E ele é tão gentil, me leva e busca em casa quando eu preciso, sempre está por perto pra me ajudar... - falava e sorria o tempo todo, e eu sentia que o meu corpo era atravessado por um milhão de facas afiadas. Doía não só pelo fato dela gostar do mesmo cara que eu, mas porque ela o via da mesma forma que eu. E eu comecei a me sentir tão pequena quanto um grão de areia. E essa sensação me deu uma vontade incrível de chorar. - E o sempre diz as coisas certas nas horas certas, né? É impressionante. Eu nunca conheci garoto igual, . Nunca mesmo.
- Nossa... - foi tudo o que eu consegui dizer de imediato. Eu olhava para ela sorrindo e era como me olhar no espelho. Pela primeira vez eu estava percebendo que, talvez, estivesse tão apaixonada quanto eu. Merda. - Acho melhor você levar as coisas com calma, Jo. - eu me senti tão impotente de só poder dizer aquilo. Por que eu não gritava que também estava apaixonada pelo e que eu também achava que ele era o melhor garoto de todos? Nunca me senti tão fraca em toda a minha vida. Era como se eu quisesse falar, mas as palavras se recusassem a sair. Eu não queria mais problemas, eu não queria ter mais uma confusão para resolver.
- É tão chato levar as coisas com calma, né? - olhou para mim e riu.
- É... - eu forcei uma risada e desviei minha atenção para a televisão. Era muito chato mesmo.

Olhei para o relógio e vi que já era tarde, eu precisava ir para o Kingdom. Tomei um banho rápido, tentando não pensar em nada — o que parecia ser impossível. Coloquei qualquer roupa, peguei meu moletom e saí de casa, murmurando para que iria dar uma volta. Dirigi até a rua do hotel que eu já conhecia muito bem e estacionei, sentindo um frio terrível na barriga. Eu tinha que encarar aquilo de frente, mesmo estando sozinha. Então desci do carro e fui a passos decididos para o saguão do hotel. Cumprimentei Sarah e peguei o elevador, indo para o 11º andar. Cheguei à porta do 1130 e o meu coração parecia querer sair do peito, minha respiração estava ofegante e eu não conseguia dar nem mais um passo. Achei que fosse desmaiar, mas me concentrei em apenas bater na porta. Esperei alguns segundos que mais pareceram décadas e a porta se abriu, revelando um rosto que eu conhecia muito bem.

- Boa noite, . - ele disse calmamente e eu senti meu corpo arder.
- ? - eu mal consegui dizer o nome dele em voz alta, saiu mais como um sussurro. Ele me olhava atentamente e eu não conseguia desviar o olhar, tentando entender aquilo tudo.
- Você não quer entrar? - perguntou e eu continuei parada, pensando em todas as possibilidades. - Acho que você deveria. - ele disse mais rígido ao perceber a minha indecisão.
- Tudo bem. - entrei naquele quarto que eu já conhecia e senti meu coração bater mais forte. Fiquei parada em meio ao cômodo e meus olhos foram de encontro ao armário, onde havia achado todas as fotos minhas com .
- As fotos não estão mais ali. - eu senti um arrepio cortar o meu corpo ao ouvir a voz dele. Droga, ele estava realmente prestando atenção em mim, eu precisava manter a calma. - Aliás, você foi muito esperta. Não esperávamos isso de você.
- Esperávamos? - eu o encarei.
- Talvez você queira se sentar. - ele colocou a mão em meu ombro, forçando-me a sentar na cama. Eu bufei alto, em sinal de ódio, e cruzei os braços. Fosse lá o que ele estivesse aprontando, eu não ia ceder fácil. - Nós avisamos você, . Mandamos a carta, tomamos todo o cuidado para que você captasse a mensagem sem ter que se machucar. Mas o que você nos deu em troca? Nada. - falava e eu tentava entender, mas nada fazia sentido. O que ele queria, afinal? - Você continuou no nosso caminho, como se não houvesse nada que pudéssemos fazer para te deter. Mas sempre tem, você deveria saber que nós sempre arranjamos um meio.
- Do que você está falando? - eu perguntei da maneira mais calma que consegui.
- Nós sabemos onde você mora, quem são os seus amigos e rastreamos todo tipo de lugar que você vai. E ainda assim você acha que consegue fugir... - ele continuava o raciocínio, porém, eu não conseguia acompanhar.
- É sério, eu não faço ideia do que você está falando. - eu o interrompi e me lançou um olhar intenso que fez o meu coração tremer.
- Isso tudo é sobre o , não sobre você. - ele arqueou a sobrancelha, como se tudo fosse óbvio. - Você entrou no caminho dele, e nós entramos no seu.
- Mas o que ele tem a ver com isso? E o que eu tenho a ver? - mais de mil perguntas rodopiavam em minha cabeça e eu queria a resposta para todas elas.
- Você não sabe mesmo? - olhou incrédulo para mim e eu balancei a cabeça negativamente. - Então talvez você não seja tão esperta quanto temíamos. - ele riu baixo e eu me enchi de raiva. Ele achava que eu era idiota? - Você é a inimiga número um da rainha, garota.
- O quê? - eu gargalhei alto. Eu sabia que aquela situação toda era maluca, mas aquilo já era demais. Que tipo de mentiras estava disposto a contar?
- Pode rir à vontade, não é a minha cabeça que está em jogo mesmo. - ele acendeu um cigarro e soltou a fumaça, contemplando-a no ar. - Quando você vai entender que isso não é uma brincadeira? Eu não estou aqui perdendo o meu tempo, . Nenhum de nós está. Você ficou presa nesse quarto por dias simplesmente porque a rainha estalou os dedos e disse que queria um fim nessa história toda. E você ainda ri. - ele soltou uma risada irônica e eu permaneci em silêncio, tentando absorver tudo o que ele dizia. - E eu sou apenas uma pequena parte das pessoas que estão por trás disso. Muitas pessoas estão empenhadas em fazer você sumir do mapa caso seja necessário, seus pais nem teriam ideia do que aconteceria com você. Você desapareceria, sem rastros, como em um filme de terror cinco estrelas. - tragou mais uma vez o cigarro e eu começava a sentir um pouco de medo. - E tudo porque você resolveu namorar o . Com tantos garotos na Conrad, você decidiu logo ir atrás dele. Não achamos que fosse coincidência, mas pela sua cara de surpresa, parece que estávamos enganados quanto a isso.
- Eu não estou namorando o . - eu senti uma pontada no peito, mas era verdade. Eu não sabia nomear o que acontecia entre a gente, mas definitivamente não era um namoro.
- Poupe-me, . Eu não sou a e não preciso das suas explicações. Eu tenho tudo documentado, você ainda se lembra das fotos, não é? - eu balancei a cabeça em sinal de que lembrava e ele rolou os olhos. - Eu não quero saber se vocês chamam isso de namoro ou não, o que importa é que a rainha acha que o neto dela tem uma nova namorada e que vai atrapalhar o andamento dos planos. - ele ficou em silêncio por alguns segundos e eu tentei acreditar no que ele dizia, mas era absurdo demais.
- Espera... - eu engoli em seco umas três vezes e parecia que meus pensamentos estavam em câmera lenta, como um computador travado na hora de processar os dados.
- Eu sei, é difícil de acreditar que um príncipe tenha escolhido você pra namorar, mas o gosto de nunca foi dos melhores. - sentou-se em uma cadeira e me encarou. Eu queria voar no pescoço dele por me insultar daquela maneira, mas tudo o que eu fiz foi bufar.
- Então você está tentando me dizer que é neto da rainha? - parecia ridículo dizer aquela frase em voz alta.
- Por que você acha que ele te liga de um número privado que ninguém tem? E onde fica a avó dele tão misteriosa que liga todos os dias? E a mãe dele que morreu há 15 anos? Você já notou que quase nunca fala da família dele? Que nunca fornece nomes ou qualquer tipo de informação concreta sobre eles? E os dias que ele desaparece do mapa? Você já se perguntou pra onde ele vai e o que ele faz? E já passou pela sua cabeça por que e sempre estão com ele? - ia me fazendo as perguntas e tudo começava a se encaixar, mesmo que eu não quisesse acreditar, algumas coisas realmente faziam sentido. Que merda, cara, onde eu tinha me metido? À medida que ele falava, eu ia me lembrando de cada momento, das vezes que eu tentei ligar para e não conseguia, de quando pedi o telefone dele ao e ele inventou desculpas, de falando da mãe, das ligações que recebia da avó e que sempre atendia em um local distante... Todas essas coisas me pareciam comum quando eu não tinha do que desconfiar, mas agora tudo parecia diferente. Eu estava conhecendo um novo .
- Mas a rainha só tem dois netos, é impossível ser parte da família real! - eu tentava lembrar todos os detalhes que sabia sobre a rainha e sua família. Aquilo só podia ser mentira, tinha que ser!
- Dois netos na mídia, você quis dizer. é o mais novo, que ela decidiu proteger em uma cidade do interior após o desastre de seus irmãos na mídia. Não conseguimos fazer isso com os outros dois príncipes porque seus rostos já eram conhecidos, jamais daria certo, alguém sempre descobriria. Mas ainda era muito pequeno, cresceria e sua fisionomia mudaria, e então ninguém seria capaz de dizer que era pertencente da família real. E quando completasse 18 anos, seria apresentado à sociedade como o terceiro herdeiro direto de Charles. - acendeu outro cigarro. - Sei que é muita informação para acreditar, mas por qual outro motivo estaríamos atrás de você? Você é um obstáculo no caminho. No começo pensamos que você soubesse da ligação de com a família real, por isso havia se aproximado. Isso já havia acontecido antes com uma ex-namorada dele, por isso desconfiamos de você também. Qualquer pessoa de fora que tente se aproximar demais dele tem de ser eliminada. - eu arregalei os olhos e ele riu. - Não vamos te matar, garota, não precisa me olhar desse jeito. Vamos mudar o curso dos planos de vocês.
- Como assim? - eu franzi o cenho.
- Vamos tirar você do caminho. Em menos de um ano será apresentado como herdeiro, e com sua mudança para Londres não permitiremos distrações. Ele precisa estar focado, é para isso que tem sido preparado a sua vida inteira. Você precisa colaborar, porque não queremos te machucar. Eu não quero que isso chegue ao ponto de ter que providenciar o seu sumiço, . Não precisamos disso.
- Mas o que eu tenho que fazer? Meu Deus, isso é muito absurdo! Eu não tenho nada a ver com isso, eu não sabia de nada! - eu estava histérica, era coisa demais para minha cabeça e para o meu coração. Como jogava em cima de mim uma história daquela e esperava que eu fique calma? Era muita coisa, eram informações demais, e minha cabeça queria explodir!
- Você só precisa terminar com o . É simples. Claro que ele vai ficar chateado e de coração partido por uns dias, mas nada que o tempo não cure. Ele tem questões mais sérias para se preocupar e você precisa entender isso. Olhe, estou tentando lidar com você da melhor maneira, . Eu poderia tomar medidas drásticas, porém, estou tentando deixar meu lado bom falar mais alto. Por favor, não complique a minha vida. - ele tinha um sorriso irônico nos lábios.
- E se ele vier atrás de mim? - doía só de pensar em ficar longe de , mas diante daquilo tudo, o que mais eu poderia fazer?
- É só ignorar. Ele não vai correr atrás de você pra sempre. - bufou e rolou os olhos. - E não pense que pode me enganar, continuarei infiltrado na Conrad para ter certeza de que as coisas irão correr bem. Não creio que você será idiota, não é? Temos todas as suas informações, você viu da última vez que veio aqui. Jogada de mestre, aliás. Está de parabéns pelo esforço, deveria até entrar para a nossa equipe. - ele gargalhou e eu tremi de raiva e frustração e outras milhões de sensações misturadas. - É bem simples: vocês terminam, cada um vai para o seu lado, e a rainha fica feliz e você, segura. Estamos de acordo?
- Sim. - minha voz saiu trêmula e eu me xinguei mentalmente por isso.
- Sei que você esperava um sanguinário maluco por trás dessa porta, sinto muito ter te decepcionado com uma simples conversa esclarecedora. Sangue escorrendo pelas paredes não faz muito o tipo da monarquia. - ele levantou-se e fez sinal para que eu me levantasse também. - Mas as coisas podem ficar muito sérias se você sair dos trilhos, . Esse é o último aviso. - abriu a porta e eu saí, em um movimento automático. Eu estava em estado de choque, completamente aérea. O que havia acabado de acontecer era real? Minhas pernas tremiam enquanto eu andava até o elevador e pensei seriamente em descer 11 lances de escada correndo só para me ver longe dali o mais rápido possível.

Andei depressa até o carro e entrei, sentando-me e encostando a cabeça no volante. Eu me sentia tonta, enjoada, com o estômago embrulhado. Parecia um pesadelo que eu não conseguia acordar, o tipo de história absurda que só acontecia em filmes ou livros. Aquilo não podia ser a vida real, era surreal demais. Então era um príncipe? E a rainha tinha colocado pessoas atrás de mim? E se não fosse eu, e sim a estar com ele, então ela que estaria correndo perigo? Meu Deus, o que eu ia fazer? Largar ? Ignorá-lo? Gritar com ele até ele me contar toda a verdade? Eu sentia que ia surtar. O meu coração batia muito rápido e eu sentia que poderia desmaiar a qualquer instante. Eu só queria que aquilo acabasse. Eu queria voltar ao anonimato, a ser a que só tinha a de amiga e que era antissocial com todo mundo. Eu queria voltar no tempo e nunca ter entrado na Conrad. Nunca ter conhecido . Nunca ter me metido naquela confusão. A minha vida e o meu coração estavam em jogo, e eu não sabia qual deles salvar.


Capítulos 5 a 11 betados por Bia



CAPÍTULO 12


Acordei com um feixe de luz no rosto e vi que o sol já aparecia lá fora. A minha cabeça doía e eu me sentia enjoada, havia passado a maior parte da noite revirando-me na cama, com o estômago embrulhado e a conversa com repetindo-se na minha cabeça milhões de vezes. Pisquei os olhos algumas vezes para me acostumar com a claridade e levantei. Cambaleei até o banheiro e me encarei no espelho: eu estava perdida. Meu rosto parecia cansado, eu tinha olheiras enormes e estava sem a mínima vontade de sair daquele quarto.

- Ei, você vai sair logo daí? - ouvi a voz de e abri a porta para que ela entrasse no banheiro também. - Credo, que cara é essa?
- Não dormi direito. - entortei a boca, porque era realmente verdade.
- Dá pra se arrumar em 30 minutos? - ela ligou o chuveiro e eu arqueei a sobrancelha.
- Para quê?
- O pessoal vai dar uma festa no apartamento da Steffy, uma reuniãozinha de sábado. - me lançou aquele olhar de cachorro pidão, ao qual ela sabia que eu nunca consiguia dizer 'não'.
- Tudo bem, Joey. - eu revirei os olhos. Uma festa seria uma boa saída para me fazer esquecer um pouco daquela loucura de família real.


Ficamos prontas em uma hora e dirigi até o prédio de Steffy, checando o tempo todo o celular, porém, não havia nenhum sinal de .
Encontramos todos os nossos amigos já no apartamento, que estava todo aberto e com garrafas de bebidas em todos os cantos. Meus olhos varreram o lugar à procura de , mas ele não estava lá, o que me fez respirar aliviada. Fui relaxando aos poucos ao perceber que estava finalmente segura ali. Sentei na varanda com e e brincamos de virar cervejas, e eu tentava ao máximo esquecer tudo o que havia acontecido na minha vida durante os últimos dias. Estava muito claro o que eu precisava fazer: afastar-me de . E ainda precisava achar maneiras de tirar do caminho dele, ela jamais aguentaria passar por tudo aquilo.
Eu estava sentada no chão, com as costas encostadas na parede, completamente relaxada e um pouco bêbada, quando escutei uma voz que me fez tremer não só de agitação, mas de medo também.

- Chandler! - eu percebi um tom de animação em sua voz e não pude conter um sorriso.
- Oi, . - eu consegui responder e o vi sentar-se ao meu lado, deslizando as costas pela parede. Nossas pernas se encostavam ao chão e ele tocou a minha mão de leve, olhando para os lados para certificar-se de que não havia ninguém nos observando.
- Bêbada o suficiente? - ele apontou minha lata de cerveja com a cabeça e eu ri.
- Quase. Você quer? - passei a cerveja para e o observei tomar um gole. - Por onde você andou? Não te vi desde ontem.
- Já deu tempo de sentir saudade? - arqueou a sobrancelha e eu rolei os olhos. - Fui a Londres, precisei resolver algumas coisas de urgência com minha avó. - e então, como um relâmpago dentro da minha cabeça, a imagem de veio à tona. Senti-me um pouco nauseada ao me lembrar de tudo, que era neto da rainha e que eu corria um grande perigo. Parecia que a sobriedade havia me atingido de repente, e eu senti um desespero crescer dentro de mim. Eu precisava me afastar dele, eu precisava tentar me salvar. Mas eu também precisava ficar com ele.
- Que tipo de coisas? - eu o fitei séria. Queria testá-lo, ver até onde ele poderia levar uma mentira, até que ponto ele seria esperto o suficiente.
- Familiares. - ele respondeu sorrindo. conseguia enganar muito bem, agora eu sabia.
- Tentei ligar pra você. - e eu tinha tentado mesmo.
- Me desculpa, fiquei um pouco atolado. - ele abriu um meio sorriso e eu tentava ser forte o suficiente para não sorrir de volta. Mas tudo parecia tão difícil quando era extremamente charmoso...
- Ainda não sei o que fazer sobre o assunto do Kingdom Hotel. - eu comentei, já que não havíamos tocado no assunto desde que apareci em seu apartamento desesperada. Eu sentia meu peito arder de vontade de contar que havia voltado e encontrado e que todo o mistério estava resolvido, mas eu não queria colocar mais ninguém em perigo. Eu estava, acima de tudo, com medo.
- Não vamos falar sobre isso agora, está bem? - se levantou e me deu a mão para que eu me levantasse também. - Estou há 10 minutos aqui e tudo o que eu consigo pensar é que eu preciso te beijar. - ele me puxou pelo apartamento de Steffy e eu não conseguia parar de rir. dizia meia dúzia de palavras e eu já me esquecia de todo o medo e ansiedade para resolver o problema. Eu esquecia que o que eu precisava mesmo era manter distância dele.
- Por onde você andou? - eu senti alguém me puxar pela barra da camisa e parei de andar, virando-me e encontrando . Pior momento para falar comigo, amiga. - Oi, ! - ela notou a presença dele e abriu um sorriso enorme.
- Eu estava lá fora. - eu disse, tentando parecer animada e soltando a mão de o mais rápido que pude.
- Vamos beber um pouco mais! - gritou com as mãos para o alto e as pessoas gargalharam.
- Por sorte eu trouxe mais cerveja pra vocês! - chegou na rodinha e distribuiu as latinhas. Nossos olhares se encontraram e engoli em seco, tentando decifrar se ela tinha mesmo alguma coisa a ver com o , ou se só estava sendo usada como eu. Ela parecia tão ingênua, não era possível que fizesse parte do esquema liderado pelo primo. Alguma coisa tinha que estar errada naquela conexão, parecia uma marionete e não uma peça do quebra-cabeça.
- E, você, não vai beber? - arqueou a sobrancelha ao perceber que segurava uma latinha de refrigerante.
- Antibióticos, sabe como é. - ela deu de ombros. A todo o momento eu tentava analisar aquela garota, tentava perceber alguma falha, algum indício que me fizesse acreditar que ela estava envolvida com o plano de , mas nem por um segundo ela vacilara, nem por um instante ela demonstrou instabilidade.
- Nós beberemos por você! - bateu sua lata de cerveja na lata de refrigerante de e nós gargalhamos com o estado de embriaguez que minha amiga se encontrava.
- Vou ao banheiro, volto já! - eu deixei minha latinha na mão de e saí daquela rodinha, com certeza iria entretê-los muito bem sem mim.


Encontrei Steffy na cozinha e ela me apontou a porta do quarto dela, dizendo que havia um banheiro lá dentro e que era melhor eu usá-lo, já que provavelmente havia alguns pervertidos trancados no banheiro do corredor. Andei rapidamente até o quarto e fechei a porta, dando de cara com uma cama arrumada e um silêncio indescritível. Pulei algumas roupas que estavam no chão e cheguei ao banheiro, encarei meu reflexo no espelho e abri um pequeno sorriso. Repeti mentalmente que estava tudo bem e respirei fundo, sentindo-me segura, com todo aquele barulho da festa abafado pela porta fechada. Arrumei o meu cabelo com as mãos e estava prestes a sair do banheiro quando ouvi o barulho da festa aumentar e depois abafar novamente, e me dei conta de que a porta do quarto havia sido aberta e talvez alguém tivesse entrado. Meu coração logo acelerou ao pensar nas piores hipóteses e corri para o quarto, dando de cara com um sorridente parado no meio do cômodo.
- Você me assustou. - eu disse com a mão no peito, sentindo minha respiração ofegante.
- Eu sei que deixo seu coração palpitante, Chan. - ele disse irônico e eu gargalhei.
- Não seja tão convencido, . - eu ia em direção à porta, quando ele me puxou.
- Aonde você pensa que vai? - ele me abraçou pela cintura e eu encarei aqueles olhos . Os nossos corpos se tocavam e eu sentia as minhas pernas amolecerem a cada segundo que eu passava nos braços dele. me encarava e eu senti a respiração dele junto com a minha, e então percebi que os nossos rostos estavam próximos demais. Abri um pequeno sorriso e entrelacei os meus braços no pescoço dele.
- A lugar nenhum, acho. - eu rocei meu nariz no dele e fechei os olhos ao sentir nossos lábios se tocarem.
Senti que me impulsionava levemente para trás enquanto nos beijávamos e demos alguns passos desajeitados até minhas pernas tocarem um objeto que logo descobri ser a cama de Steffy. Ele me deitou e ficou por cima, e então partimos o beijo. me encarava e eu me perdi naquelas imensidões que eram os olhos dele, pensando que eu não queria estar em outro lugar no mundo inteiro. Ele mexeu em algumas mechas do meu cabelo e sorriu, passando os dedos pela minha bochecha, o que me fez prender um sorriso entre os lábios.
- Você é linda. - ele disse, ainda acariciando o meu rosto. Eu sentia que o mundo tinha parado de girar, meu estômago estava inquieto e eu sentia calafrios por todo o corpo. Eu era linda para ele. Eu era linda para o príncipe da Inglaterra!

Nossos lábios se tocaram novamente e eu sentia a mão de passear pela minha pele e o meu corpo respondia, arrepiando-se por inteiro. Eu me agarrei às costas dele e o meu corpo amolecia à medida que o beijo se intensificava. Parávamos algumas vezes apenas porque nossos pulmões precisavam de mais ar, e logo nos enrolávamos novamente naqueles lençóis, rindo entre um beijo e outro, encarando-nos silenciosamente toda vez que uma peça de roupa atingia o chão. Eu sentia o toque de em cada parte do meu corpo, eu fechava os olhos sempre que achava que não iria aguentar, e constantemente eu sentia que ia explodir. beijava cada centímetro da minha pele, suas mãos me descobriram por inteira e eu me deixei levar por cada movimento dele. O que eu sentia naquele momento era indescritível, eu jamais havia me sentido tão confortável com outro ser humano, e eu nunca tinha me sentido tão vulnerável também.
- Eu quero ficar com você, . - disse, quebrando o silêncio. Nós estávamos entre os lençóis, tentando acalmar as respirações. Senti a mão dele se entrelaçar na minha e sorri. Eu me sentia bem, apesar de tudo.
- Eu sei. - eu me virei de lado e encarei aqueles olhos que eu tanto gostava. Ele sorria para mim e tinha o cabelo todo bagunçado, a luz que vinha da janela deixava sua pele iluminada e naquele momento eu pensei que talvez fosse a garota mais feliz do mundo. Ou pelo menos daquela festa.
- Eu sei que é complicado, mas você tem que ficar comigo. - aproximou o rosto do meu e eu mal conseguia focar a minha visão, de tão perto que estávamos. Fechei os olhos e permaneci em silêncio. Era mesmo complicado, não só pela , mas porque ele era a porra de um príncipe. E a rainha queria cortar a minha cabeça no melhor estilo Alice No País Das Maravilhas. - Eu vou ficar com você. - ele apertou levemente a minha mão e eu sorri, mesmo de olhos fechados.
- Eu gostaria que você fizesse isso. - eu coloquei minha cabeça no peito dele e abracei o seu corpo, permanecendo ali por breves minutos, com a cabeça girando em mil lugares diferentes. Eu me sentia mais dividida do que nunca. Eu queria tanto ficar com ele, mas toda hora uma voz dentro da minha cabeça me lembrava de que havia algo errado. podia ser um príncipe, mas aquela história estava longe de ser um conto de fadas.

Passamos mais alguns minutos jogados na cama, mexia no meu cabelo e ambos curtíamos o silêncio ao máximo, porque sabíamos que aquele momento não duraria para sempre, logo teríamos que sair e enfrentar aquele velho disfarce de somos-apenas-amigos. Levantamos preguiçosamente, cada um tentando prolongar a companhia do outro da maneira que podia, mas logo já estávamos vestidos novamente e nos encarando, sem saber o que dizer. Afinal, que palavras as pessoas usam depois de compartilharem um momento tão íntimo pela primeira vez? Eu não fazia ideia. Eu vasculhei minha mente em busca das palavras adequadas, porém, nada achei. Aproximei-me de e dei-lhe um leve beijo nos lábios, cortando a tensão estranha que se instalara entre nós. Eu tinha uma vontade incrível de segurar na mão dele e sair daquele quarto juntos, e simplesmente ignorar todos à nossa volta. Eu queria muito que as coisas fossem mais fáceis, cara.
- Eu te vejo mais tarde, está bem? - segurei os meus impulsos de beijá-lo de novo e de novo e para sempre, e abri a porta do quarto, deixando para trás. Fui para a sala e reencontrei ainda lá, agora ela estava alugando o ouvido de e segurava duas latas de cerveja. Comecei a rir antes mesmo de chegar perto.
- Graças a Deus! - colocou as mãos para o alto ao me ver. - A parece uma vitrola!
- Não pareço nada! - ela protestou, rindo.
- Ela fica um pouco tagarela quando está bêbada. - eu dei um tapinha na cabeça dela e ri. - Me dá uma das suas cervejas, vai.
- Finalmente alguém pra me acompanhar! - me passou uma lata e nós batemos uma na outra, brindando.
- Voltamos! - ouvi a voz de e o vi chegar junto com . - Deixamos a Steffy na varanda tomando um pouco de ar fresco, ela não está muito bem, acho que tomou álcool demais!
- E eu já estou ficando um pouco tonta, acho que vou pra casa, eu nem deveria ter vindo. - colocou a mão na cabeça e entortou a boca.
- Mas o que você tem? - eu perguntei. Eu precisava saber mais sobre aquela garota, eu precisava descobrir mais informações sobre ela, eu queria saber até onde era seguro ir.
- Estou com gripe só, mas aí tem essa febre maldita! - ela fez uma careta e riu. - Bom resto de festa pra vocês, mas minha cabeça não aguenta mais essa barulheira!
- Quer que eu te acompanhe até em casa? - eu perguntei e ela me encarou. - Não vai ser bom você ir sozinha já que não está se sentindo bem...
- Não precisa, . - ela abanou a mão no ar.
- Eu insisto. - eu dei minha latinha para o e encarei .
- Tudo bem, então. - a garota abriu um sorriso e eu dei de ombros, sentindo-me mais relaxada. Teríamos algum tempo dentro do carro para conversarmos e eu tentaria achar alguma pista, alguma coisa que me desse uma direção nesse labirinto.

Caminhamos lentamente até a frente do prédio de Steffy, mexia alguma coisa em seu celular e eu a observava atentamente. Ela parecia ser uma garota comum, parecia ser exatamente o que ela dizia ser. Eu não conseguia enxergar nenhum mal nela, nada de errado. Mas a minha cabeça continuava martelando a ideia de que talvez houvesse algo errado ali. Afinal, depois de tudo o que havia acontecido, era completamente normal a minha paranoia.
Chegamos à rua e entramos no carro, dirigindo e eu no banco do carona. Eu até tinha me oferecido para dirigir, mas ela lembrou muito bem de que eu havia bebido, e realmente eu estava me sentindo um pouco tonta por causa do álcool. ligou o som e Arctic Monkeys começou a tocar.
- Belo gosto musical. - eu disse, tentando iniciar uma conversa.
- Você gosta deles também? - ela me encarou, sorrindo. - É minha banda favorita, na verdade. Fui a três shows deles, os três igualmente incríveis!
- O último álbum deles está muito bom! - eu afundei no banco, cantarolando a letra de Suck It And See.
Permanecemos em silêncio, ambas curtindo a música. Entramos em uma avenida e tive a impressão de que o carro ia um pouco mais rápido, mas talvez fosse paranoia minha. Senti meu celular vibrar e vi que havia uma ligação perdida de um número privado, só podia ser . O aparelho começou a vibrar novamente e desta vez consegui atender a tempo.

- Cadê você? me disse que você foi embora. - parecia um pouco tenso do outro lado da linha.
- Sim, estou no carro, . - eu respondi e vi que olhou para mim, mas desviou a atenção para a direção logo após. Achei engraçada a sensação de que a paisagem que eu via pela janela estava passando cada vez mais rápido. Será que eu estava tão alterada pela cerveja assim?
- Com quem, ? Pelo amor de Deus, com quem? - disse em um tom de desespero e naquele momento eu soube que algo estava muito errado.
- Com a . - eu disse vacilante. Desviei o olhar para ela e a vi aumentar o volume do rádio, deixando quase impossível ouvir do outro lado da linha. Olhei para o painel do carro e vi que estávamos a mais de 100km/h e o ponteiro só ia subindo cada vez mais. Em questão de segundos desviei minha atenção para a rua e vi que uma curva se aproximava. Como pretendia fazer aquela curva naquela velocidade toda?
- Que barulho é esse? - ouvi gritando do outro lado da linha. - Você precisa sair daí agora, ! - ele gritava e eu tentava compreender o que ele estava falando. Apoiei o celular na perna e tentei abaixar o volume do som, mas a mão de me interrompeu.
- O que você está fazendo? - eu via a curva se aproximar e intercalava desesperadamente o olhar entre a garota e a rua a minha frente. Nós precisávamos fazer uma curva perfeita, ou o carro iria simplesmente bater em um edifício que parecia abandonado. - Você bebeu? - eu gritei, mas nem piscava, nem olhava para mim.
- Vai ser muito rápido e você nem vai sentir. - disse, tranquila e com os olhos grudados na direção.
E então tudo aconteceu muito rápido. Eu peguei o celular e ouvi gritando coisas que eu não conseguia entender, Alex Turner cantava no último volume e eu vi o edifício se aproximar como se estivéssemos voando. Eu não consegui nem gritar, apenas me segurei no banco com toda a força que tinha e fechei os olhos, escutando a última parte da música misturada com barulho de vidro se quebrando, e um silêncio mortal tomou conta de tudo.

"You have got that face that just says, baby, I was made to break your heart."



CAPÍTULO 13


Eu ouvia um misto de sons que pareciam estar muito distante. Alguns bips, vozes e passos, eu não conseguiria descrever ao certo o que era. Tentei identificar de onde vinham os sons e percebi que minha cabeça latejava, uma dor que parecia vir diretamente do crânio, a pior dor de cabeça que eu já tive na vida. Consegui abrir os olhos lentamente, piscando algumas vezes antes de abri-los totalmente. A primeira coisa que vi foi um teto branco. Tentei reconhecer o local, porém nada fazia muito sentido, e ter aberto os olhos fez a minha cabeça doer ainda mais. Tentei perceber tudo à minha volta, vi cadeiras, uma televisão ligada, uma porta, e tudo branco. Tudo extremamente branco. Foi então que percebi que eu estava deitada em uma cama, e estava recebendo soro pela veia. Meu Deus, eu estava no hospital? O que havia acontecido? E por que eu não me lembrava de nada?
Soltei um gemido abafado de dor e tentei forçar as memórias. Bem, eu havia ido à festa da Steffy, fiquei algum tempo lá com os meus amigos, e depois eu resolvi ir embora. Entrei no carro de e ouvimos Arctic Monkeys. Senti minha cabeça girar ao me lembrar do resto. me ligando e gritando, acelerando com o carro e eu vendo a curva cada vez mais perto. Uma onda de pânico invadiu o meu corpo e eu teria gritado se minha voz tivesse saído. bateu o carro, ela queria me machucar ou até me matar. Eu não estava segura em lugar algum, aparentemente. Minha respiração ficou ofegante à medida que eu constatava que eu estava em perigo. Eu não sabia o que fazer, a situação era surreal demais, parecia que eu estava dentro de uma droga de filme!

- Vejo que você já acordou. - eu ouvi uma voz e foquei na pessoa que estava na porta. - Sou o doutor Colins, estive com você nos últimos três dias.
- Eu fiquei aqui por três dias? - arregalei os olhos. Como assim?
- Na verdade, você ficou aqui por uma semana, mas eu venho te acompanhado nos últimos três dias. - eu queria dizer alguma coisa, gritar que aquilo era impossível, mas novamente a minha voz não quis sair. - Não se preocupe, . Você ter acordado é uma ótima notícia! - O doutor Colins sorriu e eu rolei os olhos. - Bem, vamos recapitular os últimos acontecimentos, certo? - eu assenti com a cabeça. - Do que você se lembra?
- Eu fui embora da casa da Steffy e nós batemos o carro. - eu disse, sem muita vontade de reviver aquela história.
- Nós? - ele arqueou uma sobrancelha.
- e eu. Quero dizer, bateu o carro. - eu tentei explicar.
- Você tem certeza disso? É assim que você se lembra? - ele olhava atentamente para mim e eu comecei a me sentir nervosa. Bem, doutor, eu estava lá, é claro que tenho certeza!
- Sim. - foi o que consegui dizer. - Por quê? Existe mais algum detalhe que eu deixei de fora?
- Bem, você foi encontrada sozinha dentro do carro. - eu senti meu estômago revirar. - E no lado do motorista. - O QUÊ? Eu estava pronta para gritar que aquilo estava errado, que era impossível eu estar dirigindo, mas logo a porta novamente se abriu e eu vi e , ambos sorrindo.
- Finalmente, Bela Adormecida! - sentou-se em uma cadeira que estava ao lado da cama. - E aí, dormiu bem?
- Cale a boca. - eu segurei o riso e ele gargalhou.
- Pelo visto, o mau humor continua o mesmo! - sentou-se ao lado de e eu não pude deixar de sorrir. - Meu Deus, ela está sorrindo?! Doutor, já pode dar alta!
- Bom, eu vou deixar vocês a sós por alguns instantes. - Colins sorriu. - Mas só porque tenho que buscar os seus exames, . Estarei de volta em instantes. - ele saiu pela porta e eu me senti aliviada de estar apenas com meus dois amigos ali.
- O que aconteceu? - eu perguntei.
- Você não se lembra? - arqueou a sobrancelha.
- Lembro muito bem. Mas por que o doutor disse que eu estava dirigindo? - arqueei a sobrancelha e os dois pararam de sorrir.
- Porque você estava, oras. - disse em resposta.
- Vocês bem sabem que fui embora com e que ela é quem estava dirigindo. - encarei os dois e eles permaneceram sérios. Um silêncio tenso instalou-se no quarto e eu sabia que era hora de abrir o jogo. - Olhem, eu sei que isso tudo é super sigiloso e tudo o mais, mas eu sei quem o é.
- Todos nós sabemos. - disse em tom de brincadeira, mas eu percebi como ele estava tenso. Sua testa estava enrugada e ele parecia pensativo.
- Eu sei que é neto da rainha, tudo bem? - eu soltei a bomba e os dois pareciam estar segurando a própria respiração. A feição de pânico deles até que era engraçada. - E além de mim, sei que vocês são os únicos que sabem também.
- Como isso aconteceu? - perguntou, ainda com o semblante atento.
- Descobri da pior maneira possível, não posso exatamente contar como, mas nem desconfia. - eu suspirei. - Eu estou com problemas, gente. Problemas sérios. Eu não sei o que fazer, não tenho com quem mais conversar.
- O que você sabe exatamente? - chegou mais perto da cama. - O quanto você sabe?
- Sei que trabalha pra rainha. - eu dei de ombros.
- O QUÊ? - arregalou os olhos. - Como assim?
- Ah, então vocês não sabiam? - eu soltei um risinho. - Ele foi o responsável por eu ter ficado presa no Kingdom Hotel. Ele vem me perseguindo desde que apareceu na cidade. Foi ele que me contou sobre . disse que a rainha me quer longe. - eu mordi o lábio em sinal de nervosismo. - bateu o carro de propósito, provavelmente ela está trabalhando com o . Presumo que tenha descoberto isso no dia da casa da Steffy, porque ele me ligou desesperado, gritando para que eu saísse do carro, mas era tarde demais.
- ... - sussurrou, perdido em pensamentos. - Eles estão tentando matar você.
- Eu sei. - bufei. - E estou perdida, não sei o que fazer. me disse que preciso afastar-me de , mas não sei como fazer isso. Preciso de ajuda.
- Nós vamos dar um jeito. - pegou na minha mão. - Mas você não pode contar isso a mais ninguém.
- Não vou contar. - senti-me completamente derrotada, impotente.
- Então foi por isso que pediu para que nós ficássemos aqui no hospital, ele estava com medo de que algo mais pudesse acontecer. - disse e antes que eu pudesse perguntar-lhe onde estava, o doutor Colins entrou no quarto.
- Então, , trouxe seus exames. - o doutor sorriu e eu assenti com a cabeça. - Bem, pelo que vejo aqui, está tudo dentro dos padrões, exceto o índice de álcool no seu sangue, que deu acima do que o normal e permitido para dirigir. O que pode explicar essa sua confusão sobre estar dirigindo sozinha ou não.
- Eu sei muito bem que não estava sozinha. - bufei, rolando os olhos.
- Também deu tudo normal nos outros exames, tirando esses arranhões externos, você está bem. - Colins abriu um sorriso para mim, que eu ignorei completamente. O meu humor não estava dos melhores. - Mais tarde você tem alguns outros exames e uma consulta marcada com a psicóloga do hospital. Tudo bem?
- Psicóloga? Eu não preciso disso, eu só quero ir pra casa. - eu falei, tentando não parecer muito rabugenta.
- Não é nada demais, é só uma consulta pra nos certificarmos de que está tudo bem. Você sabe, bater o carro daquele jeito pode ser bem traumático... - o doutor abriu outro sorriso e eu tentei sorrir também, mas acho que meu sorriso saiu um pouco estranho porque pude ouvir e abafando risinhos. - Já ligamos para o seu pai para avisar que você acordou, ele logo estará aqui. Agora preciso ver os outros pacientes, . Tenho certeza de que seus amigos vão cuidar bem de você. Certo, rapazes? - eu rolei os olhos enquanto e assentiram com a cabeça.
- E agora? - eu perguntei, olhando para os dois.
- E agora o quê? - arqueou a sobrancelha.
- O que faremos? Quero dizer, precisamos de um plano. - eu me sentei na cama, apesar de sentir fortes dores no meu corpo inteiro. - Ou vocês vão ficar aí e assistir a rainha acabar comigo?
- Até que não seria uma má ideia. - disse rindo e eu levantei o dedo médio para ele. - Bom, o próximo passo é separar você e .
- Mas nós não estamos juntos. - eu disse, sentindo minhas bochechas arderem. Droga, por que só a menção de estar com me fazia corar?
- , nós não somos a , você não precisa tentar enganar a gente. - arqueou a sobrancelha e abriu um sorriso sarcástico.
- Eu já ouvi isso antes... - lembrei-me de quando havia me dito algo semelhante e um calafrio percorreu a minha espinha.
- está obviamente apaixonado por você. - disse e eu não consegui evitar abrir um sorriso bobo. - E pela sua cara, posso dizer que você também está na mesma situação. - os dois gargalharam e eu senti vontade de enfiar a minha cara na terra, que nem uma avestruz. - Então, não poderia estar mais certo. O próximo passo é separar vocês dois.

Aquelas palavras me atingiram como balas de um revólver. Parecia uma realidade muito distante da minha, como se eu estivesse dentro de um thriller cinematográfico, e não na minha própria vida. Era uma situação tão surreal que eu não sabia o que fazer. Separar-me do ? Mas como aquilo seria possível? Eu poderia aceitar fazer qualquer coisa, menos ficar longe dele. . O primeiro garoto que falou comigo na Conrad, o garoto que me chamou para sair escondido, que me levou ao cinema a céu aberto, que fez eu me apaixonar perdidamente sem nem ao menos perceber. A única pessoa que me fez trair a confiança da , a minha melhor amiga, tão apaixonada por quanto eu. . O neto da rainha, príncipe do Reino Unido, e por causa dele eu estava sendo perseguida por pessoas que sabiam tudo sobre mim e eu nem um pouco sobre elas. E há algum tempo eu era apenas mais uma garota em Surrey...
Fiquei perdida em pensamentos por tempo indeterminado, o que deve ter sido tempo o suficiente, já que fui interrompida pelo meu pai entrando no quarto. Depois de conversarmos com o doutor Colins, meu pai ficou algum tempo comigo naquele quarto de hospital, repetindo diversas vezes em como estava feliz por eu ter acordado e estar bem. Eu não sei como coração de pai aguenta esse tipo de coisa, simplesmente não sei como é possível. Eu fiquei durante sete dias completamente desacordada e não podia imaginar como tinha sido para o meu pai passar essa semana sem mim, sabendo que eu estava naquelas condições. Senti-me culpada por fazer meu pai passar por tais coisas, ele não tinha nada a ver com o meu envolvimento com o e ainda assim, aquilo o afetava de maneira direta. Senti uma tristeza em perceber que esse relacionamento afetava todo mundo que eu conhecia. Afetava a mim, ao , ao meu pai, a ... Onde eu estava com a cabeça para ter deixado isso ter chegado tão longe?
Depois de algumas horas e alguns exames, o doutor Colins me levou à sala da psicóloga do hospital e eu fiquei esperando por cerca de dez minutos até que uma mulher loira, de cabelos longos, aparecesse pela porta.

- , certo? - ela sentou-se a mesa em frente a mim e eu assenti com a cabeça. - Sou a doutora Susan. Como você está se sentindo?
- Fantástica. - eu respondi irônica.
- Bom... - ela pegou alguns papéis e passou os olhos por eles. - Acidente de carro, certo? Diz aqui que você estava dirigindo e colidiu com uma parede, não conseguiu fazer a curva.
- Eu não estava dirigindo. - bufei, já estava irritada de ter que repetir aquilo para todo mundo.
- Não é o que diz aqui. - ela sorriu brevemente. - Seu exame de sangue deu índice alto de álcool.
- Eu estava em uma festa. - tentei explicar.
- E resolveu dirigir pra ir pra casa? - ela me encarou. - Você já tem idade pra saber que isso não é permitido. É muito perigoso.
- Mas eu não estava dirigindo. - eu insisti. Vi a doutora anotar algumas coisas em um papel.
- . - ela apoiou as mãos na mesa e me encarou seriamente. - Você foi encontrada sozinha, no banco do motorista. Apenas os seus pertences estavam dentro do carro. A polícia não achou vestígios de nenhuma outra pessoa que pudesse estar com você na hora do acidente. - ela continuou me encarando e eu não consegui dizer nada, estava paralisada. - Você foi encontrada desacordada e despertou sete dias depois, é normal que você se sinta confusa sobre o que aconteceu. E é exatamente por isso que precisamos conversar.
- Mas eu não estava sozinha... - eu sussurrei. Não conseguia encontrar a minha voz. Minha cabeça girava em pensamentos e perguntas. Como havia desaparecido? Ela estava dirigindo. Eu conseguia lembrar muito bem.
- Uma perícia foi feita no carro e no local. Você se lembra por que bateu? Perdeu o controle? Não viu a curva? Não conseguiu frear a tempo? - ela me encarava e eu respirei fundo antes de tentar responder.
- Eu não estava dirigindo. - eu sussurrei novamente, sentindo as lágrimas brotarem em meus olhos. Não era possível, ninguém ia acreditar em mim? Eu sentia o desespero crescendo dentro de mim.
- O laudo que a polícia nos entregou diz que você acelerou ao aproximar-se da curva, quando você deveria ter começado a frear, e bateu com força total. É um milagre você estar viva e bem, . - ela anotava mais algumas coisas naquele maldito papel e eu sentia lágrimas furiosas rolando pelo meu rosto. - O que aconteceu naquele dia, ? Você estava brava? Chateada? O que te fez acelerar daquela maneira?
- EU NÃO ESTAVA DIRIGINDO, MAS QUE DROGA! - eu gritei, em total desespero, como se gritasse pela minha própria vida. Eu sentia as minhas esperanças se esvaindo, e comecei a chorar descontroladamente. Por que aquilo estava acontecendo comigo?
- Você precisa se acalmar, . - eu ouvia a doutora dizer, mas tinha minha cabeça apoiada na mesa, tentando em vão parar de chorar. - E precisa me dizer a verdade. Eu não vou conseguir te ajudar assim.
- Mas eu estou dizendo a verdade. - pensei em . Onde ele estaria? Eu queria tanto poder sair daquela sala e ir ao encontro dele. Por que ele não tinha ido me visitar?
- , por que você bateu o carro? - a doutora insistiu e eu senti que não aguentaria mais aquela tortura. A imagem de naquele carro não saía da minha cabeça. Aquela música do Arctic Monkeys. A voz do Alex Turner. "That's a swan off shotgun and I can only hope you've got it aimed at me."
- Eu não sei. - dei-me por vencida e respondi o que ela queria. Senti-me completamente derrotada, as lágrimas não paravam de rolar em meu rosto. Nada daquilo fazia sentido e eu estava tão cansada de lutar. O meu corpo doía, eu tinha machucados em toda a sua extensão, eu não sabia o que fazer para me salvar. Eu não sabia o que fazer pra acordar daquele pesadelo. Levantei a cabeça e encarei a doutora, que tinha um pequeno sorriso nos lábios. Eu não sabia ao certo por que, mas aquela cena me fez arrepiar por inteira.
- Acho que você está muito cansada, não é? - ela anotou mais algumas coisas. - É melhor terminarmos essa conversa em outra hora. Vou chamar o doutor Colins para te levar de volta ao quarto. - a doutora disse e eu não tinha forças para responder. Abaixei novamente a cabeça e voltei a chorar. Os meus soluços estavam altos, mas eu nem me importava. Eu só queria voltar a minha vida normal. Eu não entendia por que tudo aquilo estava acontecendo, nem parecia real.

O doutor Colins levou-me da sala da psicóloga, eu ainda estava aos prantos e ele tentou acalmar-me, porém, sem sucesso. Meu pai tentou conversar comigo, saber o que havia acontecido, mas eu não sentia vontade de falar e achava que nem tinha forças para isso. Por fim, fui deixada sozinha no quarto e depois de viajar em mil e um pensamentos, adormeci. Talvez pelo cansaço, talvez pelos remédios recebidos na veia.

- ? - ouvi uma voz ao fundo e abri os olhos lentamente, piscando algumas vezes. Quanto tempo havia se passado desde que eu caíra no sono? - ? - a voz voltou a me chamar e eu abri os olhos de vez, focando a minha visão na única pessoa que poderia me fazer sorrir no meio daquela confusão: .
- ! - eu disse afobada, sentando na cama quase em um pulo, abraçando-o o mais forte que consegui. Senti os braços de em volta de mim e fechei os olhos, inalando o perfume dele. Meu Deus, como aquela sensação era boa. Eu afundei meu rosto no ombro dele e comecei a chorar, aliviada por ele estar ali.
- Ei. - ele sussurrou enquanto ainda me abraçava. - Vai ficar tudo bem. - ele disse, e por mais que eu quisesse acreditar naquilo, eu sentia que nada jamais poderia ficar bem. - Eu estou aqui agora.
- Eu sei. - eu respondi, saindo do abraço e abrindo um pequeno sorriso quando ele enxugou o meu rosto com as mãos.
- E então, como você está? - ele sentou-se na beirada da cama.
- Bem, tentando assimilar as coisas, você sabe. - eu suspirei.
- Queria ter conseguido te ligar mais cedo naquele dia. - ele me encarou. - Antes de você entrar no carro. - pegou na minha mão e eu senti o meu corpo esquentar só com o toque da mão dele na minha. - Eu sinto tanto, . - ele fitou os próprios pés e eu apertei levemente a mão dele.
- Não é sua culpa... - eu cheguei mais para perto do garoto e abracei-o de lado, pela cintura. - Ninguém poderia ter adivinhado o que ia acontecer.
- Eu poderia. - ele sussurrou. - Eu poderia ter adivinhado se não fosse tão burro, tão cego. - eu senti o corpo dele tremendo levemente e levantei a cabeça para encará-lo. estava chorando? - Eu não sei o que faria se tivesse te perdido, . Eu não consigo nem pensar nessa hipótese. - eu via as lágrimas atingindo o chão, mas o deixei continuar. - Você está em perigo por minha causa. Eu não sou quem você pensa...
- Eu sei. - eu disse simplesmente, sendo totalmente impulsiva. Um silêncio pairou no ar e o meu coração estava acelerado. Agora não tinha mais volta.
- Você sabe? - ele disse após alguns segundos, encarando-me.
- Sim. - eu engoli em seco, tentando decidir o que dizer. - Sei quem você é. - Não adiantava mais esconder a verdade. Não depois de tudo o que tinha acontecido. merecia saber. E eu merecia lutar pela minha vida. - Sei que você não é simplesmente , um garoto comum da Conrad que esbarrou em mim no meu primeiro dia de aula. Eu sei muito bem quem você é. Sei quem é a sua família. - eu o vi arquear a sobrancelha e decidi continuar. - Sei que você é um príncipe, . - falar isso em voz alta parecia ridículo, soava ridículo.
- Como? - conseguiu perguntar, depois de abrir e fechar a boca várias vezes, tentando fazer sua voz sair. Ele parecia tão surpreso quanto eu no dia que me contou a verdade.
- Não descobri de uma forma agradável, acredite. - eu rolei os olhos. - me contou. - e então eu contei tudo para , desde a carta que havia encontrado no meu caderno até o encontro com o no Kingdom Hotel, onde ele me revelou toda a verdade. ouviu a tudo atentamente, ficando em silêncio por alguns minutos quando terminei. Imaginei que talvez ele estivesse tentando assimilar as informações.
- Você me disse que o tinha te dado uma condição diante dessa situação toda. - me encarou. - Qual era?
- Ficar longe de você. - eu suspirei ruidosamente e sustentei o olhar. Aquelas palavras pareciam me perseguir o tempo inteiro, era sufocante dizer aquilo. - Mas óbvio que... - eu ia falando, quando fui interrompida pela mão do apertando a minha.
- E é exatamente isso o que você vai fazer. - ele disse, parecendo determinado. Eu queria gritar.
- Você só pode estar brincando... - rolei os olhos e senti o meu coração disparar. Era tudo uma brincadeira, né? Óbvio que ele não queria dizer aquilo. Não é?
- Não existe outra opção, . - me encarou sério - Olha onde isso tudo chegou! Você está em uma cama de hospital, ficou em coma por uma semana. O que pode acontecer depois? Meu Deus, eu não quero nem pensar no que pode acontecer... - ele fitou o chão por alguns segundos e depois voltou a me encarar. Eu não tinha forças para dizer nada, era desesperador pensar em ficar longe dele. - Você não vai se machucar mais por mim.
- Mas, , a gente pode pensar em outra coisa. - eu tentei, mesmo sabendo que não existiam outras saídas.
- Não, . Acabou. A gente não pode ter mais nada e é assim que vai ser daqui em diante, ok? - soltou a minha mão e eu fiquei em choque. Então seria assim? Eu tinha guardado aquele segredo o tempo todo para nada? Para acabar daquela maneira? Tive que inventar mil desculpas para todo santo dia e tudo tinha sido em vão? não ia nem tentar fazer alguma outra coisa? - Eu não posso mais ficar aqui. - ele levantou-se da cama, sem me olhar. - Preciso ir.
- ... - o nome dele saiu como um sussurro. Eu me sentia esgotada.
- Vou chamar alguém pra ficar aqui com você. - ele me olhou de relance e saiu pela porta do quarto, e eu me senti a pessoa mais solitária do universo.

Ninguém entrou no meu quarto por algum tempo e acabei adormecendo, perdida em mil pensamentos. Eu não sabia o que fazer, mas também não tinha forças para pensar em mais nada, eu só queria descansar o corpo, a mente e o coração.

Acordei algumas horas depois e encontrei meu pai sentado ao meu lado, e ele abriu um pequeno sorriso ao ver-me despertando. Eu conhecia o meu pai e sabia que toda vez que ele abria aqueles sorrisos miúdos, era porque alguma coisa estava errada e constatar aquilo fez uma leve onda de pânico percorrer todo o meu corpo. Eu não aguentaria mais nenhuma notícia ruim, a minha cota já estava cheia.
- Que bom que acordou, querida. - ele disse, manso demais. Tentei relaxar, mas não consegui, eu precisava saber o que estava acontecendo.
- O que houve? - perguntei sem rodeios. Meu pai suspirou ruidosamente e então eu tinha absoluta certeza: algo terrível estava por vir.
- Não consigo esconder nada de você, não é mesmo? - ele abriu outro pequeno sorriso e eu assenti com a cabeça, atenta. - Tenho algo sério pra te falar.
- Já percebi. - eu continuei encarando-o. - Por favor, me fale logo... - eu praticamente implorei.
- Eu tive que tomar uma decisão que eu sei que você não vai gostar, mas eu sou o seu pai e eu só quero o melhor pra você. Sua mãe e eu conversamos por telefone, estamos muito preocupados com você, . - ele me olhava, cheio de ternura nos olhos. - Isso que aconteceu foi horrível, poderia ter sido uma tragédia e Deus sabe o que faríamos sem você! - ele fungou e eu sabia que meu pai estava engolindo algumas lágrimas. Nós éramos idênticos nisso. - Conversei com o doutor Colins e com a doutora Susan, procurando alguma saída para essa situação. , você bateu um carro na parede de propósito e estava alcoolizada, minha filha, o que você estava pensando? - ele me perguntou e eu sabia que não era para responder. Senti-me derrotada, porque nem ao menos podia explicar a verdade para o meu pai, ele jamais acreditaria em mim. A situação toda era tão surreal que ninguém jamais acreditaria... - Sua mãe e eu não sabíamos o que fazer em uma situação dessas, você nunca tinha feito nada parecido, então isso é algo que nós ainda não sabemos lidar muito bem e por isso pedi auxílio aos médicos daqui, porque eles têm muito mais experiência do que nós. - meu pai suspirou novamente e eu achava que teria um ataque cardíaco se ele não terminasse o raciocínio logo. - E enfim, tomamos uma decisão. A doutora Susan acha mais adequado você ficar internada em uma clínica, por algumas semanas apenas, para que você possa ter um tratamento adequado e que nós tenhamos certeza de que está tudo bem com você, filha. - ele fez uma pausa e eu senti meus pulmões ficarem sem ar.
- Eu não vou pra clínica nenhuma! Você enlouqueceu? - eu disse quase gritando, juntando as últimas forças que me restavam para tentar me defender. Eu não estava maluca, eu estava muito bem! E eu não iria para droga de clínica nenhuma! A doutora Susan podia ir se ferrar!
- Não é uma decisão que cabe a você, . - ele me olhou, agora mais severo. - Eu sou o seu pai e sou responsável por você aqui em Surrey. A decisão é minha e da sua mãe e nós já decidimos. Nós queremos o melhor pra você, querida, você precisa entender.
- Entender? Vocês estão me chamando de maluca e querendo me trancar em uma clínica e eu tenho que entender? - tive de fazer um esforço sobrenatural para não gritar na cara do meu pai. Sério, aquilo tinha ido longe demais.
- São só algumas semanas, . O tempo vai passar rápido e logo você estará melhor, acredite em mim, eu sou o seu pai. Eu jamais faria algo pra prejudicar você, como não consegue confiar em mim? - ele pegou na minha mão e eu encostei-me à cama, com as lágrimas já brotando furiosas. Eu queria morrer.
Definitivamente, seria melhor do que passar por tudo aquilo. Meu Deus, o mundo nunca ia parar de desabar na minha cabeça?
- Isso não é justo... - foi tudo o que saiu da minha boca, entre as lágrimas. O meu peito subia e descia rapidamente, acompanhando o choro. Nada poderia piorar, agora eu tinha certeza que tinha chegado ao fundo do poço.
- Vai ficar tudo bem, querida. - meu pai me abraçou e tudo o que eu consegui fazer foi chorar ainda mais, molhando parte da camisa que ele vestia. Eu queria tanto que houvesse uma forma dele acreditar em mim. Eu me sentia tão impotente vendo a minha vida virar de cabeça para baixo bem diante dos meus olhos.

Eu passei algum tempo ali, abraçada ao meu pai e chorando sem pudor, tentando entender o porquê de aquilo tudo estar acontecendo de uma só vez. tinha ido embora e agora eu iria parar numa clínica. Todo mundo achava que eu era louca e não havia ninguém que pudesse me salvar. Eu estava sozinha, abandonada em um barco sem âncora, divagando pelo mar em busca de terra firme.
Algum tempo depois, recebi alta do hospital e meu pai já tinha ido em casa e voltado com uma mala de roupas minhas e mais alguns pertences, e eu me senti enjoada só de olhar praquilo. Eu ainda tinha uma esperança de que no último minuto alguém ia chegar dizendo que tudo não passava de uma brincadeira, mas não foi isso o que aconteceu. Coloquei uma roupa limpa, prendi meu cabelo em um rabo e respirei fundo, encarando meu reflexo no espelho do banheiro do hospital e tentando encontrar coragem para continuar. Consegui juntar alguns pingos de coragem e saí do banheiro, marchando com meu pai até a porta do hospital. encontrava-se dentro do carro estacionado logo em frente e saiu correndo ao me ver, dando-me um abraço e caindo em lágrimas. Eu sentia as costas dela subirem e descerem e não consegui controlar as minhas próprias lágrimas, aquilo era torturante demais.
- Eu não vou deixar você ficar muito tempo lá, eu prometo. - disse entre soluços e eu tive certeza que tinha acertado em proteger nossa amizade em relação ao . nunca me abandonaria, não importavam as condições. Eu sabia que ela seria a única que acreditaria em mim se soubesse de toda a verdade, mas eu jamais poderia contá-la. Era melhor assim.
- Eu sei. - eu disse, agora já conseguindo controlar a vontade de chorar e me desvencilhando do abraço.

Entramos no carro, todos em silêncio e meu pai não teve nem coragem de ligar o rádio. Ele disse algumas coisas sobre a localização da tal clínica, um pouco afastada da cidade, na área rural de Surrey, mas eu não prestei muita atenção nos detalhes, a menção do lugar me deixava enojada. Os meus pensamentos voavam até . Ele com certeza saberia no dia seguinte o que havia acontecido comigo e faria alguma coisa. Ele tinha que me ajudar. Ele, e eram os únicos que podiam.
Depois de algum tempo dirigindo, meu pai estacionou o carro e eu acordei do meu transe, prestando atenção em onde estávamos. O lugar era grande e a construção era antiga, dava até medo. Saímos do carro e eu pude reparar melhor, um grande jardim em frente à entrada, portões brancos, tudo muito branco e enjoativo. Aquele lugar me fazia querer sair correndo. me deu a mão e caminhamos silenciosamente, passando pelo jardim e entrando na clínica que mais parecia um casarão assustador. Encontramos uma recepção e sentei-me no sofá com enquanto meu pai falava com a recepcionista, completamente desanimado. Imaginei que ele estivesse fornecendo meus dados e respirei fundo, eu não tinha mais saída. Tudo ali dentro era branco, o chão, as paredes, a bancada. Apenas alguns quadros nas paredes tinham mais um pouco de cor, mas nada mais.
- Querida, não podemos entrar com você. - meu pai aproximou-se e anunciou. - Já deixei sua mala com eles, e resolvi tudo. Está tudo certo. - Só que nada parecia certo pra mim.
- Eu amo você, vai ficar tudo bem. - disse ao me abraçar, segurando ao máximo para não chorar.
- Eu também te amo, Joey. - eu a abracei ainda mais forte e nos desvencilhamos.
- Nós só queremos o melhor pra você, querida. - meu pai disse e me abraçou também.
- Aham. - eu sussurrei, estava ocupada demais tentando engolir as lágrimas que insistiam em querer cair.
- Vai dar tudo certo, filha. - ele disse, tentando soar reconfortante, porém em vão. Eu tinha o sentimento de que nada estaria certo nunca mais. A moça da recepção falou alguns segundos ao telefone e logo após uma mulher passou pelas portas brancas de madeira, sorrindo para nós.
- ? - ela perguntou e eu assenti com a cabeça. - Sou Claire, uma das enfermeiras. - a mulher continuou sorrindo. - Pronta pra ir?
- Sim. - olhei mais uma vez para o meu pai e para e senti meu coração ficar do tamanho de uma ervilha.
Segui Claire e passamos pelas portas brancas, entrando em um enorme corredor e deixando minha família pra trás. Havia muitas portas ali, e tudo parecia como um hospital, mas sem todo aquele movimento de pessoas indo e vindo. Viramos em outro corredor e Claire abriu uma porta a direita, deixando-me entrar e ficando na porta.
- Este é o seu quarto a partir de agora. - ela sorriu e eu tentei corresponder, mas não encontrava forças para aquilo. - Sua mala estará aqui ao anoitecer, precisamos vasculhá-la para que nada que seja proibido aqui entre. Posso conferir os seus bolsos? Preciso ter certeza de que não está com mais nada. - eu assenti com a cabeça e ela colocou as mãos nos meus bolsos, achando apenas o meu celular. - Isso fica comigo por enquanto, está bem? - e o que mais eu poderia dizer, não é? - Vou deixar você se acostumar um pouco e volto mais tarde com a tabela de horários, para que você possa saber que horas são feitas as refeições e quando você tem consultas e tratamentos em grupo e tudo o mais que você precisa saber sobre a clínica Samadhi. - eu assenti mais uma vez com a cabeça e Claire se foi, fechando a porta atrás de si.
Olhei ao redor e reparei no pequeno quarto que me encontrava. Havia uma cama, uma mesinha com uma cadeira, um armário pequeno e dois quadros na parede, sem nenhuma janela. E obviamente, era tudo em branco. Deitei na cama, sentia meu corpo doer e não sabia se eram as dores do acidente de carro ou as dores do mundo caindo sobre minha cabeça. Eu não acreditava que tinha parado ali. Eu era só uma garota normal, como eu tinha me metido naquela confusão toda? E tudo por causa de um maldito garoto! Por que eu tinha que ter me apaixonado por ? Havia muitos outros garotos na Conrad, porém, eu tinha logo que gostar do único proibido para mim. Eu não queria a droga do príncipe do Reino Unido! Por que era tão errado ficar com um cara que me fazia feliz? Que me fazia rir, que me achava bonita, e que queria ficar comigo também? Que inferno! E agora eu não tinha mais nada. Estava completamente sozinha. Abandonada em uma clínica, deixada a minha própria sorte. também havia me deixado pra trás. Todo mundo tinha me deixado pra trás. A rainha tinha conseguido o que ela queria então. Eu estava presa, bem longe de e de qualquer outro ser humano que eu conhecesse. Eu só queria chorar até apagar de exaustão. O meu coração estava partido e tudo em mim doía. A minha vida estava irreconhecível e eu não sabia o que viria a seguir, todas as hipóteses que passavam pela minha cabeça eram assustadoras. E tudo por causa de uma monarquia idiota. Deus salve a rainha!


CAPÍTULO 14


Quanto tempo passei ali? Eu não saberia dizer. Os primeiros dias passaram arrastados, mas depois disso começaram a voar. Eu via o sol nascer e depois ir embora em uma velocidade desconhecida. A rotina era sempre a mesma: dormir, acordar, engolir comprimidos, ir às sessões individuais e em grupos, estudar com o material que os professores me cederam e que meu pai me trazia semanalmente, comer, engolir mais comprimidos, deitar ao anoitecer, ouvir as pessoas gritando de desespero durante a madrugada. A clínica Samadhi era um retrato fiel do inferno. Eu tentava ocupar o meu tempo livre com os estudos, tentando me concentrar ao máximo naqueles livros, mas a cor branca em todas as paredes me sufocava o tempo inteiro. Tudo ali era muito sufocante. A esperança de ir embora sendo esquecida pouco a pouco era sufocante. Esperar pelo único dia da semana em que as pessoas podiam me visitar era sufocante. Pensar que o garoto que eu amava ser o motivo de eu estar ali era o mais sufocante de tudo.

Aos sábados eu tinha visitas. No começo recebi visitas de , , Steffy e Rebecca, e obviamente e meu pai. Com o passar do tempo, eu só via e papai. nunca me visitou, nem uma única vez. Eu tentava não pensar no porquê de ter me abandonado daquele jeito, eu iria enlouquecer de verdade ali. sempre vinha muito alegre e me dava momentos de felicidade ao me contar sobre a Conrad, sobre os professores e nossos amigos. Ela me ajudava com a matéria e revisava algumas coisas comigo. me contou como foi super estranho ter saído do colégio de repente e sem deixar rastros, nas palavras dela: "É muito frustrante um garoto tão bonito ir embora assim". A menção do nome de nem me causava arrepios mais, eu já estava no inferno, nada poderia ser pior do que ficar trancafiada naquela clínica. também me contava de e de como ela achava que estava progredindo com ele, coisas que eu jamais poderia saber se eram verdade, porque eu não estava lá e nunca estava ali. Acabei por bloquear a mente toda vez que ela contava algo sobre e voltava a prestar atenção quando o assunto era mudado. Meu pai sempre vinha junto com e trazia notícias de casa, e toda semana eu via o quanto ele se segurava para não chorar. Eu também segurava minhas lágrimas. Algumas vezes quis gritar que tudo o que eu queria era sair dali, mas percebi que meu pai estava irredutível sobre o assunto, ele não me tiraria dali até que algum médico dissesse a ele que eu estava bem.
Nas primeiras semanas eu lutei com todas as minhas forças. Eu gritei dentro do quarto, gritei na cara dos médicos, gritei para a psicóloga. Tentei sair correndo dali umas duzentas vezes. Joguei os comprimidos no chão. Não quis comer. Sustentei minha história sobre a batida do carro até quando pude. Quanto mais eu dizia a verdade, mais comprimidos eles me davam, mais sessões com a psicóloga eu tinha. Todas as evidências apontavam o contrário, e Fernanda tinham sido muito inteligentes e eu, como uma boba, havia caído direitinho. Depois de algum tempo, simplesmente desisti. Eu não suportava mais aquelas sessões, não aguentava mais todas aquelas perguntas o tempo inteiro. Passei a responder tudo com um vago "Não sei" ou "Não me lembro", e depois comecei a concordar com tudo o que eles diziam. "Sim, fui eu que bati o carro", "Sim, eu me lembro de acelerar na curva", "Sim, eu estava dirigindo naquele dia". Repeti tantas vezes aquelas palavras que quase acreditei que fosse a verdade. Eu só queria sair dali. Eu faria qualquer coisa.

Em algumas noites era impossível não pensar em . Meus pensamentos viajavam até ele, e eu relembrava cada dia que havíamos passado juntos e que agora pareciam tão distantes. O nosso primeiro beijo, nossos encontros escondidos, nossa primeira e única vez. Eu me lembrava do sorriso irônico dele, da implicância que nós tínhamos um com o outro, do modo como ele olhava para mim. Todas as lembranças dele me traziam um sorriso triste ao rosto, aquilo tudo parecia fazer parte de um passado muito distante, ou de uma realidade que nem havia acontecido. Às vezes eu me perguntava se aquilo tudo tinha sido real. Eu tinha mesmo ficado com ? Nós tínhamos mesmo nos apaixonado? Fazia tanto tempo... Eu me sentia tão magoada por ele ter se esquecido de mim, meu coração apertava toda vez que isso passava pela minha cabeça. Eu me sentia traída, com uma faca cravada nas costas. tinha ido embora e eu estava vivendo no inferno, completamente sozinha. Ele não se importava, eu não entendia como era possível não se importar com alguém que se gosta tanto, e aí comecei a duvidar dos sentimentos dele. Será que eram reais? Como eu poderia saber? Talvez eu tivesse sido apenas mais uma garota bobinha a ter caído nas suas mentiras. Eu jamais poderia saber. Eu estava trancada em um lugar onde tudo era incerto.

Mais um sábado havia chegado e eu estava ansiosa para encontrar e meu pai. Esse era o único momento feliz da minha semana. Andei depressa até o pátio dos fundos, onde havia um belo jardim, e vi aquelas duas pessoas que eu conhecia muito bem, sentados lado a lado em um banco.
- Joey! - eu disse feliz e eles se viraram para trás, notando minha presença.
- Chandler! - deu um pulo do banco e me abraçou, ambas rindo.
- Querida! - meu pai me abraçou também e nós três sentamos. - Nós viemos trazer uma notícia muito importante pra você hoje.
- Qual? - eu perguntei sorrindo, qualquer notícia do mundo de fora já era boa.
- Há um mês eu estou conversando com os médicos e com a sua psicóloga... - meu pai começou e eu fiquei apreensiva. - Nos sete meses que você passou aqui, eles puderam ver um grande desempenho da sua parte. - SETE MESES?! EU ESTAVA ALI HÁ SETE MESES?! Aquelas palavras me atravessaram como um raio, e eu senti o peso de cada uma delas em minhas costas. Como eu não pude notar que havia sido tanto tempo? Eu imaginava uns três meses e não sete! Por quanto tempo mais eu ficaria ali? Um desespero começou a crescer dentro de mim e lágrimas brotaram aos meus olhos. Eu não ia aguentar muito mais tempo. - Não chore, querida! É uma notícia boa! - meu pai sorriu para mim. - E devido a esse bom desempenho, eles acharam que já era hora de te dar alta. Isso não é ótimo? - ele terminou de falar e eu o encarei. Eu havia entendido direito? Eu ia mesmo sair dali?
- Não é maravilhoso, Joey? E a formatura do colégio é amanhã, estou muito animada que você vai conseguir participar e se formar comigo! - dizia com um sorriso enorme no rosto e eu continuei parada, perplexa. Aquilo era real?
- O quê? - foi tudo o que eu consegui responder. Minhas pernas estavam moles, eu mal conseguia acreditar que eu ia embora. Eu quis gritar, pular, chorar, mas meu estado era de choque total com a notícia.
- Nós três vamos para casa hoje, querida. - meu pai disse, com os olhos cheios de água e então, eu comecei a chorar. Eram lágrimas de alívio, de dor, de felicidade. Eu não sabia o que sentir. Parecia que o meu coração ia explodir!

Depois daquele momento, tudo passou muito rápido. Eu fiz as malas, tive uma última sessão com a psicóloga e, num piscar de olhos, eu estava parada na recepção, em frente à porta de entrada da clínica. Eu tinha um misto de sentimentos dentro de mim, passar por aquela porta novamente, mas agora para ir embora, era indescritível. Senti-me livre ao cruzar os portões da clínica Samadhi e nem ao menos senti vontade de olhar para trás. Joguei-me no banco do carro e senti tudo aquilo como se fosse a primeira vez. Era como nascer de novo. Eu me sentia incrivelmente viva. O pesadelo havia acabado, finalmente!
Meu pai nos deixou em casa, prometendo visitar-me no dia seguinte e eu não via a hora de entrar em casa. Eu havia passado sete meses longe daquele lugar, mas tudo parecia estar exatamente onde eu me lembrava. tagarelava sobre alguma coisa, mas eu nem conseguia prestar atenção, eu estava extasiada demais em estar em casa novamente. Joguei-me na cama e respirei fundo, sorrindo. Era ótimo estar de volta ao meu quarto, cheio de cores e coisas que eu conhecia muito bem. sentou-se ao meu lado e me abraçou. Ficamos abraçadas por algum tempo, até que ela deitou-se ao meu lado.

- Eu não via a hora de você voltar pra casa. - disse e nós compartilhamos uma risada.
- Eu não quero sair daqui nunca mais. - eu fechei os olhos e respirei fundo. - E também não quero nunca mais me lembrar do que aconteceu.
- Não vamos falar sobre isso. - eu ouvi dizer e me senti aliviada. - Você está cansada?
- Não. - eu respondi e virei-me de lado, olhando para ela. - Por quê?
- Precisamos sair então! - levantou-se em um pulo e me assustou. - Nossa formatura é amanhã, você precisa de um vestido, e sapatos, e maquiagem nova! Tudo! - ela dizia tudo muito rápido e eu não consegui evitar uma gargalhada.
- Calma! - eu me levantei da cama.
- Não temos tempo para ter calma, anda logo! - saiu correndo para a sala e eu fui atrás dela, pegando minha bolsa no sofá. - Vou ligar pra Steffy e a Rebecca, elas podem nos ajudar!
- Não! - eu disse de imediato e me encarou. - Não quero ver ninguém hoje. Não vou aguentar o turbilhão de perguntas que elas vão fazer, que qualquer pessoa vai fazer. - eu me senti cansada só de pensar em ter que explicar tudo para as pessoas. Eu queria evitar o máximo possível ver qualquer pessoa, eu queria aproveitar a minha liberdade sozinha. Ter que encarar os amigos depois de sete meses era uma tarefa muito difícil.
- Tudo bem, Chan. - disse com um pequeno sorriso nos lábios. - Mas vamos logo, então!

Fui puxada pelo braço e quando me dei conta, já estávamos dentro do carro, dando partida com destino ao shopping. Eu me sentia maravilhada ao andar pelo shopping, ao entrar em cada loja que cismava que tínhamos que experimentar roupas, parecia que eu estava fazendo tudo pela primeira vez. Eu me senti tão sozinha pelos últimos sete meses e agora eu estava de volta à civilização. Eu sentia uma felicidade enorme dentro do peito, como se qualquer coisa que eu fizesse fosse perfeita, apenas por não estar mais trancafiada naquele inferno. Eu estava rindo de qualquer coisa, deliciava-se com a minha alegria, meu Deus, como era bom viver junto dela novamente! Eu queria gritar de tão feliz!
Passamos longas horas no shopping, consegui comprar um vestido de festa e sandálias novas, e fomos para casa ao anoitecer. Deixei as sacolas em cima da cama e me joguei no sofá, ao lado de . Ouvimos o celular tocar e vi abrir um sorriso ao olhar para a tela.

- Oi, ! - ela cantarolou e eu senti meu corpo paralisar. Eu não estava preparada para ouvir aquele nome em voz alta de novo. Só a menção do garoto trazia à tona um sentimento de mágoa muito grande e que apertava o meu peito. Mas também senti uma ponta de saudade. E ao fim de tudo, tristeza. - Tô bem e você? Claro, claro que sim, seria ótimo! - vi rindo e acenando com a cabeça e fiquei curiosa. - Beijo, ! - ela desligou o telefone e eu a olhava, apreensiva. - e os meninos me chamaram pra ir ao Outdoor. Você quer ir? Quero dizer, eu sei que você disse que não queria ver ninguém, mas a nossa formatura é amanhã e você vai vê-los de qualquer maneira. Não é melhor encontrá-los logo e acabar com o mistério? - me olhava com aqueles olhos, implorando para que eu dissesse sim. As minhas pernas tremiam só de pensar em reencontrar . Eu não queria falar com ele, eu não queria ter de olhar para ele. havia me abandonado por sete meses, sem ao menos me visitar uma única vez! E pelo que havia me contado ao longo dos dias, ele estava muito bem, vivendo como se nada jamais tivesse acontecido. Como se eu não tivesse sido mandada para uma clínica por culpa dele.
- Não sei, ... - eu respondi, tendo certeza de que não queria vê-lo. Eu sentia saudade de , mas a mágoa que eu havia acumulado durante os meses era muito maior.
- Vamos, você vai se sentir muito melhor perto deles, você sabe! Você precisa distrair sua cabeça, hoje foi um dia maravilhoso e você merece relaxar! - tentou me convencer. Ela estava certa, eu realmente teria que encará-los uma hora ou outra, então por que adiar? Eu teria que ver em algum momento, certo? Por mais que a ideia de vê-lo me desse um misto de repulsa e saudade. Eu não sabia direito o que sentir ao pensar nele, eram lembranças tão distantes...
- Tudo bem, acho que você está certa. - eu disse por fim e já estava de pé ao lado da porta, esperando-me levantar para sairmos.

Fizemos o caminho até o Outdoor conversando coisas simples, eu não conseguia prestar atenção em nenhum assunto, meu coração batia acelerado só em pensar que o momento de rever estava tão próximo. Eu não havia me preparado para aquilo, eu não sabia como agir, o que dizer, o que fazer. Havia mesmo alguma coisa para lhe dizer? Eu não conseguia pensar em nada a dizer que não fosse negativo.
Estacionamos o carro e a cada passo eu sentia o meu nervosismo aumentar. Minhas mãos suavam frio, o meu coração estava para sair pela boca. Meu Deus, eu não me lembrava da última vez que estive tão ansiosa assim! Passamos pela porta do pub e senti minha cabeça girar. Tentei respirar fundo, mas o ar pareceu me abandonar quando estendeu a mão para o alto e acenou para uma mesa no canto. Eu conhecia muito bem aquelas três pessoas, mesmo depois de todos aqueles meses. Senti que ia desmaiar quando vi . Muito mais bonito do que eu me lembrava, com o cabelo um pouco mais bagunçado do que antes, mas o mesmo jeito, o mesmo sorriso. O vi sorrir para e continuei parada, no meio do pub, sem ter forças para dar um passo a mais. Fiquei ao longe, analisando a cena, vendo conversar com , e . falava feliz, dando sorrisos aqui e ali e aquela visão me entristeceu. Eu queria muito que as coisas tivessem tomado um rumo diferente, eu queria muito poder me sentir feliz ao vê-lo sorrir, mas eu não conseguia parar de pensar em todos os dias que vivi sozinha naquele clínica, em todos os sábados que eu esperei por uma visita de . E ele nunca havia ido. Acordei dos meus pensamentos quando ouvi me gritar e, de repente, todos os olhos daquela mesa focaram em mim. Tudo parecia estar em câmera lenta. sorria. e me olhavam, tentando assimilar o que estava acontecendo. E tinha os olhos grudados aos meus, com uma expressão de incredulidade no rosto. Ele estava perplexo, parecia que olhava para um fantasma. E talvez eu fosse mesmo um. Alguns segundos eternos se passaram e eu consegui juntar forças o suficiente para me aproximar da mesa, e abri um sorriso quando fui abraçada por e logo após por . Eles repetiam diversas vezes como era incrível eu estar ali e eu gargalhei com a maneira que os dois falavam ao mesmo tempo. ainda me olhava quando me desvencilhei deles e eu não sabia o que fazer. Fiquei parada em frente a ele, sentindo uma mágoa terrivelmente grande, o meu coração partido em mil pedaços parecia gritar dentro do meu peito. Eu amava aquele cabelo, amava os detalhes do rosto dele, amava a forma como ele se vestia. Tudo nele era incrivelmente bonito. Eu o encarei por mais alguns segundos, esperando algum tipo de reação, e então me abraçou com uma força que eu não esperava. Afundei meu rosto no pescoço dele e senti vontade de chorar ao sentir aquele cheiro que eu mal me lembrava como era, aquele momento era tão doloroso que eu não sabia se poderia suportar. Forcei-me a sair do abraço e me sentei na mesa, sem nem mesmo voltar a fazer contato visual com . A minha respiração estava ofegante, eu queria sair correndo e chorar, mas ao invés disso eu tinha que continuar sentada ali e fingir que tudo estava bem.

- Meu Deus, , como você está? - perguntou e pediu ao garçom 4 cervejas.
- Não, desculpe, apenas três cervejas, ok? - eu disse ao garçom antes dele ir embora e os garotos olharam para mim confusos. - Não posso tomar álcool ainda, por causa dos mil remédios que estive tomando. - eu disse da maneira mais informal que consegui, ainda sem conseguir olhar para . - Mas estou bem, gente. Quero dizer, saí da clínica hoje, estou tentando me acostumar à vida real. - eu sorri e recebi olhares de cumplicidade de e . Eles sabiam tudo o que eu havia passado, eles entendiam o que eu queria dizer. - Mas e vocês, como estão?
- Estamos bem, animados com o fim do colégio! - disse, com um enorme sorriso no rosto.
- Não é maravilhoso que a Chandler vá participar da nossa formatura amanhã? - me abraçou de lado e eu ri.
- Como se vocês fossem conseguir se formar sem mim. - eu arqueei a sobrancelha e me deu a língua.
- Como você fez pra conseguir passar de ano e tudo o mais? - era a primeira vez que eu ouvia a voz de . Ele observava a conversa atento e só então eu consegui olhá-lo.
- me levava o material que os professores disponibilizavam para mim. Nas visitas de sábado. - eu sustentei o olhar e nenhum dos dois sorriu. - E então eu redigia trabalhos ao invés de fazer as provas. Eu tinha bastante tempo livre, então me dediquei aos estudos como uma maneira de fazer o tempo passar mais rápido. - eu abri um fraco sorriso no final, mas a minha vontade era de pular em cima de e socá-lo várias vezes. Ou então de continuar a frase com "As visitas de sábado, sabe? Aquelas que você nunca foi", mas acho que não era preciso, porque ele tinha uma expressão meio triste no rosto, talvez pensasse nisso também. Crise de consciência, talvez?
- Estamos felizes por ter você de volta! - disse com sinceridade e eu sorri, querendo sentir toda aquela felicidade de antes durante a tarde no shopping. Mas tudo o que eu sentia agora era um vazio. Eu precisava sair dali. Eu não queria mais encarar aquela situação.
- Aonde você vai? - perguntou assim que me levantei da mesa.
- Ao banheiro e já volto, Joey. - eu sorri e saí o mais rápido que pude, antes que inventasse de ir comigo.

Andei por entre as pessoas do Outdoor até chegar à porta e sair. Encostei-me à parede e respirei fundo, sentindo o ar entrar e sair, bem devagar. Tentei me acalmar, mas os meus pensamentos gritavam dentro da minha cabeça, todos voltados ao . Fechei os olhos e tentei me concentrar em outras coisas. Pensei no Brasil. Pensei em como era bom passar as tardes na praia olhando o mar, sentindo o vento no rosto. Pensei em todas as tardes de domingo que passei jogada na cama da , ambas sonhando acordadas sobre mudar de país. Ri com a lembrança de nós duas planejando encontrar caras ricos em Londres para nos casarmos.

- Tão bom ouvir sua risada de novo. - eu ouvi a voz de e abri os olhos rapidamente, parando de rir. Ele estava de frente para mim, encarando-me e sorrindo. Eu, no entanto, não sorri de volta. Eu não sentia a mínima vontade de sorrir.
- O que você quer, ? - minha pergunta havia saído mais ríspida do que o planejado, mas era apenas um reflexo do que eu estava sentindo. A raiva crescia dentro de mim. Como ele ousava vir conversar comigo como se nada tivesse acontecido?
- Quero conversar com você. - ele permaneceu com a voz calma, mas já não sorria.
- Eu não tenho nada pra te falar. - tentei permanecer calma, mas eu sentia o meu sangue fervendo. Ao mesmo tempo, eu sentia uma urgência de me jogar nos braços dele e abraçá-lo. Eu queria ter o poder de esquecer tudo o que havia acontecido.
- Mas eu tenho muitas coisas pra te dizer. - encostou-se ao meu lado na parede e eu agradeci mentalmente que nenhuma parte dele havia encostado em mim.
- Você teve sete meses pra isso. - eu finalmente vomitei o que estava preso na minha garganta. - Agora quem não quer ouvir sou eu. - dei alguns passos em direção à porta, eu não suportaria aquela conversa. Mas fui impedida de entrar no Outdoor pela mão de me puxando pelo braço.
- , por favor, eu preciso que você me ouça. - eu olhei para trás e vi um com o olhar desesperado.
- Eu não posso, . – desvencilhei-me dele e o encarei por alguns segundos. - Eu não posso mais. Você fez a sua escolha. - saí andando para dentro do pub antes que o garoto conseguisse dizer mais alguma coisa. Os meus olhos já estavam cheios de água e eu tive que respirar fundo para não chorar.

Cheguei à mesa e cochichei para que não me sentia muito bem e que meu pai iria me buscar, que ela voltasse com o carro depois e que tomasse cuidado. Acenei para os garotos e apressei-me em sair dali, passando quase correndo por , que estava de volta ao pub, antes que ele pudesse me ver indo embora. Dei sinal para o primeiro táxi que passou ali e fui para casa, pensando apenas em jogar-me na cama e dormir até que a minha vida voltasse a fazer sentido.
Dormi até o meio dia, me acordou aos berros porque, segundo ela, iríamos nos atrasar para o cabeleireiro e então ficaríamos feias para o baile de formatura. Eu só ria de toda a maluquice dela, mas resolvi não contrariar. Almoçamos pelo shopping e logo fomos para o salão, passando a tarde inteira por lá, fazendo cabelo, unhas, e tudo o que tínhamos direito. Obviamente, estava muito mais animada do que eu, ela havia passado o ano inteiro esperando pelo momento da formatura, enquanto eu havia passado a maior parte do ano letivo trancafiada em uma clínica, tentando sobreviver. Eu não acompanhei todas as emoções das provas, e também não virei às noites estudando com eles, eu não vi nada acontecer. Eu não vi as pessoas planejando o baile, não vi quem convidou quem para ir, e não participei de nenhuma escolha de vestido que não fosse o meu. Eu parecia uma turista naquele dia que repetia tantas vezes que seria o seu favorito. Mas eu tentaria aproveitar ao máximo, da maneira que eu conseguisse.
Chegamos em casa e já era noite, e começamos a nos arrumar. Olhei-me no espelho, já pronta, e não consegui me reconhecer. Parecia ser outra pessoa. Fazia tanto tempo que eu não me arrumava daquele jeito, que meus cabelos não estavam arrumados e que eu não passava maquiagem. Ainda parecia muito difícil me readaptar a vida real, mas eu daria o meu melhor. Sorri para o meu reflexo e percebi saindo do banheiro, ela estava linda, como todas as outras vezes. tinha um brilho natural e a maquiagem favorecia todos os detalhes do seu rosto. Dava para entender muito bem porque todos os caras do mundo eram loucos por ela.

- Não estamos maravilhosas? - analisou nosso reflexo no espelho e ambas sorrimos. - Vamos conquistar todos os gatos hoje à noite!
- Você só pensa nisso? - eu arqueei a sobrancelha e ri.
- É uma das últimas chances que temos com os caras do colégio, no ano que vem todos nós estaremos separados. - retocou o batom. - Então vamos pensar nisso enquanto é tempo, Chan! - ela sorriu e eu só consegui pensar em como era engraçada com suas teorias de vida. - Opa, deve ser o ! - pegou o celular ao ouvi-lo tocar. era o seu par no baile. levaria Steffy, Rebecca iria com algum garoto que eu não lembrava o nome.
- Quem vai levar ao baile? - eu pensei em voz alta e quando me dei conta, já era tarde demais para mudar o assunto, porque já havia desligado o celular e entortado a boca ao ouvir a minha pergunta.
- Uma garota ridícula. - ela disse, fazendo uma cara de nojo e eu quis rir. - Uma tal de Kayla que ele conheceu em uma festa. Não sei quem é, só a vi uma vez. - continuava com a mesma expressão de antes e eu sentia uma pontada de ciúmes. Às vezes eu não conseguia evitar sentir essas coisas idiotas. - Achei que ele fosse me chamar, mas um belo dia, chegou na aula comentando sobre uma garota super divertida que tinha conhecido e blábláblá. - eu não queria mais escutar sobre aquilo. Já era doloroso demais ter de ver , mas ver com outra garota no baile seria desastroso para o meu coração. Senti vontade de desistir daquela ideia idiota de baile de formatura, eu nem tinha um par! Mas ficaria extremamente chateada se eu não fosse, e eu não poderia magoar a única pessoa que sempre esteve comigo.
- Aposto que ela é mesmo ridícula. - eu falei, querendo apenas concordar com , mas realmente sentindo que aquelas palavras traduziam o que eu achava da tal Kayla. Qualquer pessoa que estivesse com seria ridícula na minha opinião.
- Vamos descer logo que o disse que já estava chegando! - me deu a mão e nós fomos juntas ao encontro do garoto.

Depois de alguns minutos no carro de , chegamos à Conrad. Era engraçado estar ali depois de tanto tempo, as lembranças me vinham à cabeça como um furacão. Algumas pessoas me olhavam com surpresa, e eu não havia me preparado para aquilo. Obviamente, quando fui internada, a notícia correu pelos corredores do colégio, mas nunca parei para pensar nisso. Sorri para as pessoas que percebiam a minha presença e tentei não me preocupar com os olhares que caiam sobre mim, eu só queria ter uma noite tranquila e me divertir um pouco. Logo na entrada encontramos e Steffy, e os dois me abraçaram. Steffy soltou gritinhos animados em razão da minha presença. Conversamos sobre algumas coisas e eu disse que em outro dia eu contaria tudo o que havia acontecido, naquela noite eu não queria ter que pensar em nada que havia acontecido durante aqueles sete meses. Fomos andando até o ginásio, que estava muito bem decorado para a ocasião, nem parecia ser aquele ginásio em que fiz algumas aulas de educação física. Parecia mais um salão de festas, e tudo estava muito bonito. O baile já estava bem cheio e eu reconhecia a maioria das pessoas dali, mas os meus olhos varriam o lugar à procura de uma única pessoa. Onde ele estava? E por que eu o estava procurando? Parecia inevitável ter o coração acelerado agora que eu sabia que iria encontrá-lo. E ainda tinha a tal da Kayla, que também deveria estar por aí.
E foi então que eu o vi. parecia irreconhecível naquele smoking e com o cabelo arrumado. Ele parecia realmente ser da realeza, o garoto se destacava na multidão. Ele sorria para algumas pessoas que passavam e eu me senti hipnotizada por aquele sorriso. Meu Deus, como ele era lindo! Eu ainda guardava uma grande mágoa dele, mas eu precisava admitir que ainda fazia as minhas pernas tremerem. E ainda me fazia querer sair correndo e beijá-lo, sentir aquele cheiro que só ele tinha. virou-se para trás e nossos olhos se encontraram, o sorriso que ele tinha no rosto se desfez e ele apenas me encarou. Eu queria desviar o olhar, mas não conseguia. O meu coração batia tão rápido que era capaz de pular do meu peito. Droga, por que ainda tinha esse efeito sobre mim? E foi então que as lembranças das noites que eu passei sozinha e pensando nele vieram como uma avalanche dentro da minha cabeça. E o que segundos atrás parecia tão bonito, agora era um estranho. Eu não conhecia aquele garoto que me encarava. O que eu conhecia era arrogante e doce, aquele garoto era só o príncipe da Inglaterra. E eu não queria fazer amizade com príncipe nenhum. deu alguns passos em minha direção, mas virei-me e o deixei para trás. Eu não ia deixar que um estranho estragasse a minha noite.

- Como esse lugar foi ficar tão lindo? - eu comentei ao me aproximar do meu grupo de amigos, querendo parecer animada.
- O quê?! ?! - Rebecca me abraçou com força e me deu vários beijos no rosto enquanto eu ria. - Garota, nunca mais nos abandone desse jeito! Olha só como você está linda! - ela me girou pela mão e eu comecei a me sentir um pouco mais feliz.
- Becca, você também está maravilhosa! - eu disse sorrindo. - Aliás, todos vocês estão! Olhem só, parecem até homens de verdade! - eu apontei para e e recebi o dedo do meio de ambos em resposta.
- Precisamos comemorar! - Steffy parou um garçom e nós pegamos taças da bandeja que ele segurava. Não sabíamos o que era, mas viramos mesmo assim. Champanhe. - Acho que vamos precisar de mais algumas. - ela parou outro garçom e nós trocamos as taças vazias por outras cheias.
- Oi, gente! - eu ouvi uma voz diferente e virei-me para o lado, encontrando uma garota que eu não conhecia. Ela era alta, magra e muito bonita. Tinha o cabelo loiro, com algumas ondas. Ela conseguia ser mais bonita do que a , o que era uma tarefa bastante difícil.
- Oi, Kayla! - Steffy respondeu. Ah, então essa era a Kayla. Ótima escolha para um príncipe, a garota tinha mesmo o porte de realeza. E eu, nem em um mundo muito distante, conseguiria competir com ela. Quero dizer, a garota parecia ter saído de uma revista, algum catálogo da Victoria's Secret, ou algo assim!
- Vocês viram o ? - Kayla perguntou, sorrindo. Olhei para e vi que ela tinha uma expressão de desprezo no rosto, mas que tentava disfarçar. Ela me encarou e piscou o olho direito, um sinal que eu entendi muito bem.
- Procurando por mim? - eu ouvi a voz de e não ousei olhar para o lado e checar se era ele. E nem precisava. Uma raiva monstruosa tomou conta de mim e eu tentei respirar fundo, bebendo um pouco do champanhe da minha taça. me encarou e abriu um pequeno sorriso, o qual eu retribuí. Óbvio que ele sabia que eu queria sair correndo dali.
- Amor, onde você estava? - Kayla perguntou e eu senti vontade de vomitar. Em sete meses as coisas tinham mudado muito mais do que eu imaginava que seria possível. Que ótimo, agora tinha uma namoradinha. Talvez isso explicasse o fato de que ele não me visitou uma única vez. Ele estava ocupado demais tentando achar outra pessoa para me substituir, já que fui tachada de louca e internada às pressas.
- Fui só pegar uma bebida. - respondeu. Eu segurava minha taça tão forte que fiquei com medo de que a quebrasse.
- Eu não conheço essa sua amiga... - eu ouvi Kayla dizer e percebi que todos olhavam para mim. Ah, não, ela tinha mesmo notado a minha presença? Virei para o lado e vi que ela e também me encaravam. É, era comigo mesmo.
- Nós não somos amigos. - eu respondi, abrindo um sorriso totalmente forçado. - Mas meu nome é e eu acabei de sair do hospício. Basicamente, é isso. - eu me diverti com a expressão de perplexidade dos dois. me encarou, mas eu desviei o olhar e me concentrei em Kayla. - E você? Qual é o seu nome, e qual é a sua história?
- Eu sou Kayla. - ela disse um pouco hesitante. Abri um sorriso para tentar encorajá-la. - E eu nunca fui pra um hospício. - ela disse rindo, provavelmente achando que o que eu tinha dito era uma piada. Permaneci séria e tomei um gole do meu champagne.
- Sorte a sua. Eles gritam durante à noite, sabia? - eu arqueei a sobrancelha e a garota abriu um sorriso sem graça. - Você não duraria um dia. - abri um sorriso irônico. - Mas é um prazer te conhecer. - olhei ao redor e vi todos os meus amigos segurando o riso, menos . Ele permanecia sério ao lado de Kayla, mas eu não me importei.
- Que tal a gente ir dançar agora? - Rebecca quebrou o clima tenso que estava no ar e todos concordaram. Pena que eu não tinha um par.
- Vou ao banheiro e encontro vocês na pista, ok? - eu dei a primeira desculpa que me veio à cabeça e ninguém pareceu desconfiar. O que mais eu poderia fazer? Observar e Kayla dançando juntos em um baile de formatura a qual ela nem pertencia? Preferia ir me sentar em uma mesa, muito obrigada!

Encontrei uma mesa vazia no meio do ginásio e me sentei, pegando um copo de água do garçom que havia passado, afinal, eu ainda não podia ingerir muito álcool devido a quantidade de remédios que tomei durante muito tempo. Observei as pessoas que passavam por ali, todo mundo estava tão alegre e tão bem arrumado! Eu queria muito ter visto esse baile sendo preparado nos mínimos detalhes, talvez eu me sentisse menos intrusa se isso tivesse acontecido. Meus olhos varriam o local distraidamente, quando minha visão focou em uma pessoa no meio da pista. Minhas pernas tremeram e minha respiração falhou, aquele era mesmo o ? Ele parecia muito diferente, talvez pelo smoking que vestia, mas não me restava dúvidas de que era ele. Eu não conseguia pensar direito, o que eu deveria fazer? Sair correndo chamaria muita atenção, mas eu também não poderia continuar ali. Eu não sabia do que era capaz, o que poderia ser pior do que ter parado na clínica Samadhi? Todos os meus pesadelos pareciam ter se tornado realidade quando percebi que os olhos dele encontraram os meus e andava em minha direção, sorrindo. Minhas mãos começaram a tremer, eu queria sair correndo e gritando, mas o meu corpo estava paralisado de medo. Senti a cabeça tontear quando o vi se aproximando da mesa e sentando-se a minha frente.

- Mas que surpresa agradável. - disse, com um sorriso irônico nos lábios. Eu não conseguia responder nada. - O gato comeu a sua língua enquanto você esteve na clínica? - ele gargalhou sozinho e eu tentava pensar em algum plano para sair dali. - Ora, , não seja tímida!
- O que você quer? - minha voz saiu quase em um sussurro. Eu rezava mentalmente para que alguém aparecesse. Procurei por alguém no ginásio, mas os meus amigos estavam longe demais para fazer contato visual. Droga!
- Só queria ter certeza de que você estava bem. - ele sorriu mais uma vez e o meu coração parecia que ia parar. - Estive fora por tanto tempo quanto você, sabe? Mas agora que você voltou, me vi obrigado a dar uma pausa nas minhas férias para cuidar de você, caso seja necessário, se é que me entende. - Se não percebeu, e eu não estamos mais juntos. Ele tem uma namoradinha nova. - a minha voz permanecia baixa. O medo me consumia e eu só queria que desaparecesse. Eu poderia desmaiar de pânico a qualquer momento.
- É, eu sei. - o garoto acendeu um cigarro e o colocou na boca, tragando-o. - Mas ela não apresenta nenhum tipo de perigo para nós. Mas pelo visto, faz um belo trabalho em te causar ciúmes. - gargalhou e eu continuei em silêncio. - Divirta-se no baile, . Pode ser o seu último. - ele piscou para mim e foi embora, misturando-se na multidão.

CAPÍTULO 15


Uma onde de pânico atravessava o meu corpo como um raio. Eu sentia o ar faltar em meus pulmões, eu mal conseguia respirar. A minha visão estava um pouco embaçada e eu só percebi, segundos depois, que era porque havia lágrimas em meus olhos. As minhas mãos tremiam e eu tentava pensar em qualquer outra coisa que não fosse em , mas parecia impossível. Por que eu não conseguia ficar em paz? Por que aquilo tudo estava acontecendo comigo? Juntei todas as forças que me restavam e me levantei da mesa, caminhando com dificuldade até a saída do ginásio. Era um esforço muito grande fazer com que minhas pernas me obedecessem, mas por fim consegui chegar ao lado de fora. Andei mais um pouco, tentando ficar longe de todas aquelas pessoas. Apoiei-me em uma parede e observei o ginásio todo iluminado e a música abafada que saía de lá. Tentei me controlar, mas caí no choro, era mais forte do que eu. Se queria fazer terror psicológico, então ele havia conseguido! O meu peito subia e descia rapidamente, tamanha era a intensidade das minhas lágrimas.

- ! - eu ouvi alguém gritar ao longe. Eu não precisava virar para saber quem era o dono daquele grito, eu reconheceria aquela voz a quilômetros de distância.
- O que aconteceu? - perguntou quando chegou mais perto de mim. - Por que você está chorando? - ele me virou de frente para ele e eu pude ver sua testa enrugada, expressão típica que o garoto tinha quando estava preocupado. Eu ainda me lembrava de alguns detalhes.
- está aqui. - eu consegui dizer entre soluços. Não precisei dizer mais nada para que entendesse o pânico que eu sentia, e fui abraçada por ele. Mesmo com toda a raiva que eu sentia de , não consegui recusar o abraço. Eu estava precisando mesmo de alguém para me acalmar.
- Ele falou com você? O que ele disse? - perguntou enquanto apertava os braços em volta de mim. Eu quis ficar ali para sempre, com a cabeça no pescoço dele, ouvindo aquela voz.
- Disse que está aqui para cuidar de mim. - e ao relembrar a conversa com , caí no choro novamente. passava a mão pelo meu cabelo e me apertava mais forte.
- Venha, vamos sair daqui. - ele pegou na minha mão e me puxou para fora da Conrad. Eu não sabia muito bem o que pensar sobre aquilo, mas eu não estava em condições de tomar nenhuma decisão. Eu só queria me acalmar. - Eu vou te levar pra casa. - explicou quando chegamos ao carro dele e eu o olhei com certa hesitação.

Entramos no carro e uma avalanche de lembranças percorreu os meus pensamentos. Estar sentada naquele carro de novo nem parecia ser real. Procurei me concentrar na paisagem que ia passando pela janela, eu não queria olhar para e nem dizer qualquer coisa. Eu não tinha nada de bom para dizer e acho que ele percebeu, porque não tentou iniciar nenhuma conversa no caminho da Conrad até o meu prédio. Eu só tentava respirar fundo diversas vezes, a fim de me acalmar.

- Espero que você não ache que eu vá te deixar sozinha aí. - disse quando estacionou o carro em frente ao meu prédio. Eu o olhei, um pouco confusa. O que ele queria dizer? - Eu vou subir com você. - ele explicou e arqueou uma sobrancelha, fazendo-me querer rir, porém, permaneci séria. não era a melhor companhia do mundo no momento, mas eu também não queria ficar sozinha.
- Tudo bem. - eu dei de ombros e saí do carro, andando na frente e entrando no prédio.

Ficamos em silêncio no elevador e eu tentei ao máximo não fazer contato visual com ele. Abri a porta do apartamento e nós entramos, eu encarei por alguns segundos sem saber o que fazer. Aquela situação era estranha demais para mim.

- Acho que agora seria uma boa hora pra gente conversar. - ele sentou-se no sofá e eu sentei na outra ponta, tentando ficar distante dele. Ele estava muito bonito e eu só queria esquecer tudo e aproveitar a presença dele ali. Mas parecia impossível.
- Ótimo. Eu começo. – ajeitei-me no sofá e tentei me concentrar. A hora era aquela, eu tinha a oportunidade de dizer tudo o que eu queria. Encarei e ele me olhava atentamente, pronto para ouvir o que eu tinha a dizer. - Eu não sei o que você quer que eu diga, porque eu não tenho nada positivo pra dizer a você. - eu comecei e vi o garoto arquear a sobrancelha. - Vamos ver... Por onde eu começo? Ah, sim! Talvez eu deva começar pelos sete meses infernais que eu passei em uma clínica para loucos! - eu usava todo o sarcasmo que eu conseguia juntar. - Fui sequestrada e depois perseguida por um cara que eu nem conheço, depois tentaram me matar em uma batida de carro e por fim fui internada como se tivesse perdido a sanidade. E tudo isso porque resolvi que seria uma ótima ideia me apaixonar pelo príncipe da Inglaterra.
- ... - tentou dizer, mas eu não o deixei continuar.
- Eu ainda não terminei, . - lancei um olhar desafiador e continuei. - Você não faz ideia do que eu passei naquela clínica porque não me visitou uma semana sequer. Mas eu posso te contar agora, faço questão que você saiba. Eu tive que enfrentar intermináveis consultas com psicólogos, todos muito empenhados em me fazer acreditar que eu havia batido o carro de propósito. E tive que tomar incontáveis comprimidos que me deixavam fora do ar, como um fantoche na mão daqueles médicos. Eu achava que teria um pouco de paz quando fosse dormir, mas eu não poderia estar mais enganada. As pessoas gritam durante a noite, . Gritos de alucinação, de dor, de loucura. Eles gritam até ficarem roucos. E eu tive que me concentrar muito para não enlouquecer também. - eu tinha os olhos cheios d'água, mas não ia chorar naquela hora. - Eu recebia visitas aos sábados. Todo sábado eu esperava por você, mas você nunca apareceu, não é? E agora consigo entender o porquê. Eu fui internada em uma clínica por sua causa e tudo o que você fez foi passar uma borracha em mim e se distrair com outra pessoa. - naquele momento foi impossível não chorar. Eu sentia toda a mágoa e a raiva fervilhando dentro de mim. - Você me abandonou naquele hospital e nem olhou pra trás, ! E agora você acha que uma conversa vai me fazer querer olhar pra você? Eu não suporto ficar perto de você! - eu via uma expressão de dor no rosto do garoto, mas eu precisava colocar tudo pra fora. Eu estava tão magoada e doía em mim também. Doía muito mais em mim.
- Pare, por favor. - pediu e sua voz saiu como um sussurro. Lágrimas começaram a cair de seus olhos e eu senti vontade de abraçá-lo, mas não consegui me mexer. - Você acha que isso não doeu em mim também? - ele falava entre lágrimas e eu fiquei com o coração apertado. Eu não sabia o que fazer, tudo tinha ficado complicado demais. - Eu fiquei louco quando soube que tinham te internado naquela clínica. Eu senti vontade de sair correndo e te tirar de lá, mas e depois, ? O que eu faria depois? - tinha os olhos vermelhos e eu apenas o observava. - A minha avó poderia fazer muito pior se soubesse que eu tinha ido atrás de você! Você pode não entender, mas eu quis te proteger. Eu precisava te manter longe de mim. Eu não podia ir te visitar e levantar suspeitas. Quem sabe o que poderia te acontecer? - ele passou as mãos nos olhos, tentando enxugar as lágrimas. - Eu deveria ter arranjado um jeito, meu Deus, , eu nunca vou me perdoar por tudo o que você passou. Me desculpe, me desculpe, me desculpe... - ele repetia baixinho e aquilo fez o meu coração partir. Eu sentia uma dor insuportável dentro do peito, aquela cena era demais para suportar. estava completamente vulnerável, chorando como uma criança, e eu também não conseguia conter as minhas lágrimas.
- Eu achava que tinha vivido no inferno por tempo o suficiente, achei que agora eu pudesse respirar mais aliviada, mas aí tive que encarar você com aquela Kayla. - eu não consegui olhar mais nos olhos de . - Como pôde ser tão fácil pra você? Como você consegue usar as pessoas dessa maneira, ? Você jogou os meus sentimentos no lixo. Eu me sinto tão idiota agora, em ter corrido risco de vida por sua causa. Não valeu a pena. Nada do que eu passei valeu a pena. Eu queria nunca ter te conhecido, sabia? Você foi um desperdício do meu tempo. - eu não conseguia controlar as palavras que saíam da minha boca, eu não queria machucar , mas eu simplesmente não conseguia me conter, eu precisava colocar aquilo tudo pra fora.
- Não diga isso. - ele pediu, e eu percebi que tentava se concentrar para parar de chorar. - Eu não tenho nada sério com a Kayla, ela é só para manter as aparências em um acordo que eu fiz com a minha avó depois que você foi internada. - ele tentava se explicar. - Você não faz ideia do que eu senti quando te vi ontem. Mesmo você não querendo falar comigo, eu fiquei feliz de ver que você estava bem, porque era tudo o que me importava. Eu tinha me distanciado de você exatamente para que você permanecesse bem e segura, e te ver ontem, depois de tanto tempo, foi uma prova de que eu fiz a coisa certa. - falava e as coisas pareciam fazer sentido, mas eu não queria ceder, ainda doía em mim. - Eu só quero ficar com você, . Por que tem que ser tão difícil? Eu sei que a gente ainda tem muita coisa pra conversar, mas eu olho pra você e tudo o que eu quero é te beijar e te abraçar, quero passar a noite inteira acordado ao seu lado porque eu não quero perder um segundo com você. Eu esperei muito tempo pra te ver de novo...

Eu sentia o meu coração bater descompassado ao ouvir aquelas palavras. Era demais para mim, eu não ia conseguir aguentar. me encarava e eu senti minha respiração falhar. Não dava para negar que ele ainda tinha um efeito muito grande sobre mim. Aquelas palavras me cortaram como um milhão de facas e eu não tinha mais forças para resistir. Eu queria beijá-lo, sentir o cheiro dele, queria que tudo voltasse a ser como era antes. Eu sentia uma urgência de ficar com , mesmo que parecesse errado.
Resolvi abandonar a razão que ainda me segurava para trás e me impulsionei para frente, tentando alcançar os lábios de o mais rápido possível. Fechei os olhos e grudei nossos lábios, parecia surpreso e demorou alguns segundos para entender o que estava acontecendo. Ele passou o braço pela minha cintura e nos ajeitou no sofá, continuando embaixo de mim e me deixando encaixar perfeitamente em cima dele. Cravei as unhas no pescoço dele à medida que o beijo se intensificava, eu queria que o beijo ficasse cada vez mais forte porque era a única maneira de evitar pensar em qualquer outra coisa. Nos beijávamos com urgência e as mãos de apertavam o meu quadril. Meu Deus, como era bom beijar aquele garoto! Como eu tinha sentido falta daquilo! Eu sentia o meu coração pular toda vez que me apertava mais e eu não queria sair dali. Fomos obrigados a partir o beijo por falta de ar de ambos e apenas nos encaramos enquanto tentávamos acalmar nossas respirações. parecia muito mais bonito agora que eu o olhava de perto, e os seus olhos que ainda estavam vermelhos me faziam querer beijá-lo ainda mais. Pensei em todas as noites na clínica que passei sonhando com esse momento e eu não acreditava que estava acontecendo. Eu não queria mais brigar, não naquele momento.

- Não vamos mais falar sobre nada disso agora, está bem? - eu sussurrei, ainda com a respiração falha, e coloquei as mãos no rosto de , encostando o meu nariz no dele. - Não quero pensar em mais nada.
- Então não vamos pensar. - ele me deu alguns selinhos e eu abri um pequeno sorriso. - Eu adoro quando você sorri. - disse, sem nenhum resquício de ironia na voz e eu até tentei, mas não consegui não sorrir. - Eu adoro quando você fica em cima de mim também. - agora ele tinha um sorriso irônico no rosto e eu gargalhei.
- Você não perde uma oportunidade, não é? - eu dei um tapinha no peito dele e o vi sorrir. Eu amava aquele sorriso, me fazia sentir quente por dentro.
- Nenhuma. - entrelaçou seus dedos aos meus e eu senti um calafrio percorrer o meu corpo. - E então, o que vamos fazer agora?
- Hum... - eu coloquei o indicar na boca, fingindo pensar. - Estamos sozinhos em casa, as luzes estão apagadas, faz sete meses que não nos vemos... Acho que consigo pensar em algumas opções. - eu respondi e vi abrir um meio sorriso.
- Alguma opção que envolva nós dois sem roupas? - eu soltei uma gargalhada antes dos lábios dele encontrarem os meus mais uma vez.


Acordei com um som insistente, que segundos depois reconheci como o toque do meu celular. Abri os olhos lentamente e procurei pelo aparelho no criado mudo.

- Alô? - eu disse, ainda um pouco sonolenta e com os olhos semi-abertos.
- Onde você está, Chandler? - pude ouvir uma bêbada do outro lado da linha.
- Que horas são? - eu perguntei, ainda sem vontade de abrir os olhos por completo e olhar no relógio.
- Três horas. - Isso explicava o fato de ainda estar escuro. - Mas cadê você? Você sumiu a noite inteira!
- Eu não me senti muito bem e vim embora, nada demais. - eu tentei me explicar. Ouvi outras vozes ao fundo da ligação. – E, você, onde está?
- Na nossa formatura ainda, claro! - eu a ouvi rir. - E ? Ele também sumiu e a chata da Kayla não pára de perguntar por ele! - Foi só então que me dei conta do peso que estava sentindo sobre a minha barriga e abri os olhos, notando que o peso era o braço de que estava ali. Olhei para o lado e notei que o garoto ainda dormia tranquilamente.
- Não sei onde ele está, mal falei com ele hoje... - eu menti e me senti a pessoa mais horrível do mundo. Mas o que eu poderia dizer? "Ah, , está aqui, deitado na minha cama e sem roupas". - Você vai dormir em casa hoje?
- Sim, mas chegarei só pela manhã. Vou te deixar voltar a dormir, Chan. Só preciso dizer que você está perdendo uma festa e tanto! - eu conseguia imaginar virando copos e mais copos de todas as bebidas disponíveis no bar.
- Aposto que estou mesmo. - eu disse e desliguei.

Virei-me para e fiquei observando-o dormir. O peito dele subia e descia calmamente, eu sentia vontade de esticar o meu braço e passar a mão no cabelo dele, mas me contive. Eu sentia que era tão errado ele estar ali, como eu havia permitido que aquilo acontecesse? Eu ainda sentia tanta mágoa, tanta dor. E ainda havia Kayla no meio disso tudo. Era tentador demais me deixar levar, mas eu não faria isso. Eu não podia simplesmente apagar o passado e recomeçar, não era assim tão simples. Não quando eu estive em perigo e esteve por aí, fazendo o que bem quisesse, ficando com quem aparecesse. Os meus sentimentos estavam tão confusos, uma hora eu sentia que poderia, sim, ficar com ele, mas no segundo seguinte meu coração já mudava de ideia: seria impossível dar certo.
Fiquei observando dormir por mais alguns minutos, saboreando os meus últimos momentos ao lado dele, querendo guardar na memória aquela cena. Eu sabia que nós jamais ficaríamos juntos de novo.

- Hum? - resmungou quando eu o cutuquei. Ele piscou algumas vezes antes de abrir totalmente os olhos e eu vi um sorriso se formar em seu rosto.
- Todos estão procurando por você. - eu disse, ainda encarando-o. Ele apertou o braço em volta da minha cintura e eu sorri.
- Não ligo pra eles. - ele afundou o rosto no meu pescoço e respirou fundo. Eu fechei os olhos, o meu coração doía só de pensar em ter que deixá-lo. - Diga que estou com a minha namorada e mande-os parar de encher o saco. - eu senti uma fisgada no coração, daquelas que doem de verdade. Qualquer garota se sentiria feliz em ouvir tal frase, mas eu sentia vontade de chorar. Namorada de era uma coisa que eu jamais seria.
- Seu celular está tocando. - foi tudo o que consegui responder, prendendo ao máximo o choro. Senti-me aliviada ao ouvir o toque do telefone, aquilo estava sendo torturante demais para mim.
- Ah, não. - eu o ouvi dizer. Os meus olhos permaneciam fechados, eu não iria conseguir encarar . Senti que ele havia sentado na cama. - Alô? - ele atendeu e eu fiquei apreensiva. - Oi, Kayla. - mais uma fisgada no coração. - Precisei vir para casa, mas está tudo bem. Sim, eu sei, me desculpe. Eu deveria mesmo ter te avisado. Calma, amor. - três fisgadas seguidas. - Eu te ligo pela manhã, está bem? Sim, ok. Eu também te amo. - uma sucessão de fisgadas intermináveis acompanhadas por uma leve vontade de sair correndo da própria vida. - Tchau. - ele finalmente havia desligado e um silêncio tenso pairou no ar.
- Acho melhor você ir embora agora. - eu continuei deitada, de olhos fechados, tentando segurar um mar de lágrimas que queria sair.
- ... - eu o ouvi sussurrar e fiquei imaginando a cara que ele estaria fazendo.
- Eu não quero mais ouvir a sua voz. - eu abri os olhos e vi me encarando, sentado na cama. - Eu quero que você vá embora. - eu lancei um olhar ameaçador para ele e tive a certeza de que nós nunca ficaríamos juntos de novo. Nunca.
- Não tem que ser desse jeito, . - eu o vi suplicar, mas era tarde demais. Eu estava tomada pela raiva. O meu coração doía de um jeito inexplicável. tratava Kayla como eu queria ser tratada por ele. Era ela que ouvia as frases de amor vindas dele. Ele havia dormido comigo e provavelmente dormiria com ela no mesmo dia, e constatar isso me fez querer vomitar.
- É exatamente assim que tem que ser. - eu já podia sentir as lágrimas rolando pelas minhas bochechas, então dei as costas para . - Eu gostaria muito que você voltasse agora para sua namorada e fosse embora da minha vida. - senti que o garoto ia responder, mas o interrompi antes mesmo dele começar a dizer algo. - Por favor, .

Ele pareceu compreender e não disse mais nada. Eu pude ouvi-lo se vestindo e andando lentamente para fora do quarto e então, segundos depois, ouvi a porta do apartamento bater. havia mesmo ido embora. Eu estava finalmente sozinha e segura para sofrer na escuridão daquele quarto. Enrolei-me no lençol e chorei baixinho madrugada adentro.

Capítulos 12 a 15 betados por href="mailto:nellotcher@gmail.com">Nelloba Jones



CAPÍTULO 16


Dias se passaram sem que eu tivesse notícias de . Não só de como de ninguém, porque eu mal saía de casa nas últimas semanas. Eu dividia o meu tempo entre ficar em casa apodrecendo na frente da televisão e ir à casa do meu pai para apodrecermos juntos assistindo aos programas mais imbecis do planeta. Tudo o que eu queria era ficar sozinha, abandonada à minha própria sorte como o destino mesmo quisera, sem causar mal à mais ninguém, incluindo a mim mesma. me chamava diversas vezes para sair, mas eu sempre acabava inventando uma desculpa para não passar pela porta do apartamento. Eu me sentia traída por , como se ele tivesse enfiado dez facas nas minhas costas. E ainda assim uma saudade imensa habitava o meu peito. Doía pensar nas imensidões dos olhos dele, mas doía ainda mais sentir a falta que me fazia. Era estranho sentir que eu precisava estar com ele em todos os momentos, a cada passo que eu dava a minha mente me lembrava em como seria melhor se estivesse comigo. Eu queria e não podia. Queria ligar pra ele, mas não podia porque ele tinha uma namorada agora. Queria bater na porta do apartamento dele, mas não podia porque nós dois não fazíamos mais parte do mesmo plano. Então tudo o que me sobrou foi estar só e achar sossego na solidão.
Eu perdi a conta de quanto tempo havia passado. Todos nós tínhamos destinos diferentes, cidades diferentes e faculdades a começar. Em dois dias todos nós sairíamos de Surrey e então tudo o que havia acontecido ali seria apenas história. Eu sentia uma urgência de recomeçar, de sair daquela cidade e nunca mais voltar. Como a minha vida tinha mudado em um ano! Eu sabia que jamais conseguiria esquecer aquele último ano, mas ainda assim eu precisava tentar.
entrou no quarto e me lançou um olhar reprovador. Eu ainda estava na cama, encarando a televisão, e sabia que estava atrasada para a festa de despedida que nossos amigos prepararam no apartamento de Steffy. Era muito mais fácil reunir todo mundo e ter uma grande despedida, seria uma dor única e mais fácil de suportar. Eu só relutava com a ideia de ter que encarar e de novo.

- Já sei que estou atrasada, mas vou me arrumar em dez minutos, eu prometo! - levantei-me da cama e fui para o banheiro.
- Faz tanto tempo que você não sai de casa que ninguém vai acreditar quando você chegar lá. - disse ao entrar no banheiro e começar a se maquiar no espelho.
- Eu precisava de um tempo pra mim antes de toda essa agitação de faculdade. - eu quase acreditei na minha própria mentira.
- Eu nem acredito que vamos nos separar! - olhou pra mim com uma feição triste, e eu senti uma pontada no coração. Seria uma das separações mais difíceis.
- Vamos pegar o trem pra nos ver! Tem coisa mais legal que andar de trem pelo Reino Unido? - eu tentei animá-la e vi a garota sorrir. Eu já havia pesquisado, a viagem de trem entre Londres e Edimburgo era de 4 horas. Não seria tão mal assim sair de Edimburgo aos fins de semana para visitar na cidade grande. Eu poderia fazer esse pequeno sacrifício.

Trinta minutos depois, e eu estávamos na porta do apartamento de Steffy. Eu me sentia nervosa, fazia mesmo algum tempo que eu não via os meus amigos, e eu não saberia o que dizer. abriu a porta e a sala do apartamento estava cheia de pessoas, eu conhecia todas elas, algumas pelo nome e outras só de vista. Não demorou nem um minuto para acharmos , Kayla, e . Eles estavam em um canto, conversando animadamente entre si e eu procurei não pensar em nada. Apenas me preocupei em respirar fundo e ir caminhando até eles, mesmo querendo dar meia volta e sair correndo.

- Quem é vivo sempre aparece! - disse assim que percebeu minha presença. Eu ri, ainda evitando contato visual com .
- Eu jamais perderia a chance de me despedir de vocês. - eu sorri. - Mesmo que vocês sejam uns manés.
- Quem desdenha, quer comprar, hein. - gargalhou e eu mostrei um dedo do meio pra ele. - Não sei como você vai fazer amigos em Londres com esses seus modos!
- E quem disse que vou pra Londres? - arqueei a sobrancelha e todos focaram a atenção em mim. - Não acredito que pela primeira vez na vida a guardou um segredo! - eu levei um tapa da minha amiga e gargalhei. - Então vocês não sabem que vou pra Edimburgo?
- Como assim você não vai pra Londres? - perguntou e eu senti um calafrio percorrer o meu corpo. Era um tanto quanto irritante a maneira como o meu corpo respondia à voz dele.
- Não vou. - eu o encarei pela primeira vez. Vi que ele estava de mãos dadas com a Kayla, mas não demorei mais de cinco segundos com o olhar naquele detalhe e voltei a encarar os olhos dele. - Vou para Edimburgo cursar Letras.
- A gente sempre pensou que você ia pra Londres com a . - disse, dando de ombros. - Era meio que óbvio.
- E você, , pra onde vai? - eu perguntei tentando não demonstrar nenhum tipo de emoção.
- Essa é uma boa pergunta, porque ele ainda não disse pra ninguém. - Kayla disse e eu senti vontade de vomitar. Tudo bem que ela não tinha nada a ver com a situação toda, mas ainda assim ela me parecia intragável. Ela simplesmente não pertencia àquele grupo.
- Vou para a Universidade de Westminster. - ele me encarou e eu sustentei o olhar. - Vou para Londres.
- O QUE? - abriu um dos maiores sorrisos que eu já havia visto na vida. - Quer dizer então que nós dois vamos para a mesma universidade? - Ótimo. Tudo o que eu não queria era e juntos e eu a quilômetros de distância. Acho que preciso de uma bebida.
- Nós três. - Kayla disse e vi arquear a sobrancelha. Cara, alguém diz pra essa garota que a gente não está nem aí pra ela?
- Nossa, que notícia maravilhosa. - eu disse em um tom irônico e saí andando. Definitivamente eu precisava de uma bebida.

Peguei uma lata de cerveja na cozinha e andei até a sala, me escorando na primeira janela que vi. Perdi-me em pensamentos ao encarar o céu estrelado. Em dois dias eu estaria longe daquele lugar para sempre, e todas as lembranças também ficariam para trás. Isso me dava uma espécie de ansiedade e nostalgia, meio que sem saber se queria mesmo sair correndo de Surrey ou se queria voltar no tempo e tentar mais uma vez.

- Gostando de olhar o céu? - parou ao meu lado e eu senti minha cabeça rodar instantaneamente. Ele surgia nos momentos mais inesperados, quando eu achava que teria um pouco de paz.
- O que você quer agora? - eu grunhi, já sentindo o meu corpo doer com a presença dele. Eu não estava mais com o , será que já não era o suficiente?
- Quero apenas desfrutar da sua companhia. - ele acendeu um cigarro e eu observei a fumaça flutuar pelo ar.
- Você não vai me deixar em paz nunca? - eu quase implorei. Olhar para me causava um medo absoluto, e eu só o queria longe de mim.
- Isso não faz parte do plano, . - ele abriu um sorriso irônico. - Eu tenho que cuidar de você, lembra? Fiquei feliz em saber que você vai para Edimburgo, está tornando o meu trabalho cada vez mais fácil. - bebeu um gole da minha cerveja e eu sentia vontade de mandá-lo à merda, mas o medo mal me deixava falar.
- Eu não quero mais falar com você. - eu disse e senti uma mão na minha cintura, virei a cabeça e vi que estava parado atrás de mim, com a testa franzida.
- Está tudo bem, ? - o garoto perguntou e eu olhei de para , e então senti o meu sangue ferver. O que eles queriam que eu fizesse? não me deixava em paz e seria capaz até de me matar, e ainda aparecia pra dificultar mais as coisas. Senti que minha cabeça ia explodir tamanha a irritação que invadia o meu corpo. Eu havia passado por um ano conturbado por causa desses dois, e tudo o que eu queria agora era um pouco de paz, era conseguir respirar sem ninguém em cima de mim. Eu não estava bem, nada jamais ficaria bem em Surrey!
- Eu cansei. - eu disse quebrando o silêncio. e se encaravam com as feições sérias e olharam para mim assim que ouviram a minha voz. - Eu não quero falar com nenhum de vocês. - saí trotando pela sala, tomada pela raiva e pelo medo.

Saí quase que correndo daquele apartamento e fui de carro para casa, a poderia ir embora de carona ou pegar um táxi, eu não me importava. Ouvi o meu celular tocar dezenas de vezes e eu tinha certeza de que era ligando, então nem me dei ao trabalho de conferir. Eu só queria chegar em casa e me jogar na cama, esquecer de tudo de uma vez por todas. Eu me sentia tão irritada com o fato de que tinha ido falar comigo enquanto eu estava com o , quero dizer, o que ele esperava que eu fizesse? E se decidisse armar mais alguma coisa pra cima de mim porque viu a maneira como me tratava? Eu não ia aguentar ter que passar mais alguns meses em uma clínica ou coisa pior. E além do mais, por que insistia em falar comigo quando estava com a namorada dele? Que inferno!
Joguei minha bolsa no sofá e corri para o quarto, atirando-me na cama sem nem mesmo trocar de roupa. Eu iria dormir e então só faltaria mais um dia para ir embora. Eu nunca mais veria e nunca mais veria . Nunca mais veria ninguém que havia conhecido em Surrey. Os meus olhos encheram-se d'água ao pensar que eu enterraria esses momentos para sempre, mas não me permiti chorar e adormeci pensando em como seria maravilhoso poder recomeçar a minha vida.


A luz do sol batia no meu rosto quando acordei na manhã seguinte. Xinguei alguns palavrões porque queria tentar dormir mais um pouco, mas a luz do sol estava em todo o lugar e então percebi que já era perto do meio-dia. Levantei-me lentamente, com uma leve dor de cabeça, e me lembrei do desastre da noite passada. Respirei fundo e foquei meu olhar no canto do quarto, minhas malas estavam abertas e abarrotadas, quase prontas para uma nova vida que viria. Resolvi que era hora de terminar a arrumação e me despedir de Surrey. Liguei o som para tentar fazer o ato de arrumar as malas menos entediante, e comecei a buscar pelo quarto as últimas coisas a serem guardadas. Abri o armário de e peguei todas as minhas roupas que acidentalmente estavam guardadas ali e agradeci mentalmente o fato de a garota não estar em casa, isso tornava mais fácil colocar na minha mala eventuais peças de roupas dela que eu gostava e achava que seriam mais bem usadas em Edimburgo do que em Londres. Tirei as fotos da parede e demorei o meu olhar sobre elas, lembrando instantaneamente do primeiro dia em que havia pisado naquele quarto e olhado para aquelas fotografias... Muitas coisas naquele quarto me lembravam , e eu me sentia um pouco aliviada em estar indo embora.
Depois de algumas horas, finalmente consegui terminar de fazer as malas e me sentei na cama, me sentindo exausta. Olhei em volta e senti um aperto no peito ao notar que o quarto estava parcialmente vazio já sem as minhas coisas esparramadas em todos os cantos. Olhei para a cama ao lado e pela primeira vez passou pela minha cabeça como seria difícil me separar de . Nós crescemos juntas, fazíamos tudo juntas, éramos inseparáveis. Ela era a irmã que eu nunca tive, era um pedaço da família, e metade do meu coração. Eu não queria deixar pra trás a única pessoa que faria tudo por mim.
Como se o destino tivesse preparado o momento da despedida, entrou pela porta do quarto no mesmo instante em que eu estava perdida em pensamentos sobre ela. Vi a garota passar os olhos ao redor e desviá-los para as minhas malas já prontas no canto da cama e então, olhou pra mim. Eu conhecia aquele olhar desde que era criança. Eu o tinha visto em todas as vezes que estava de coração partido. E agora eu estava partindo o coração da minha melhor amiga.

- Não vai ser nada demais. - eu disse, quebrando o silêncio. Vi sentar-se em sua cama, de frente para mim, ainda me encarando.
- Eu estou com tanto medo. - ela disse, permanecendo séria.
- Vai ficar tudo bem. - eu peguei nas mãos dela. - Vai ser como planejamos desde que nos mudamos para o Reino Unido: vamos casar com homens ricos e seremos vizinhas, gastando todo o dinheiro dos nossos maridos enquanto eles fazem qualquer coisa longe de nós. - nós duas rimos.
- Vou para Londres casar com um dos príncipes! - disse e eu senti um nó gigantesco na garganta. Ela e iam para Londres juntos, estava mais perto do sonho dela do que imaginava.
- E não aceite menos do que isso. - eu forcei um sorriso. - Garanto que vou achar um duque em Edimburgo ou qualquer coisa assim. - eu revirei os olhos e gargalhou.
- Desde que não seja gordo e feio. - ela completou e um silêncio pairou novamente no ar. Tentei desviar o olhar, mas apertou minha mão, me fazendo focar diretamente em seus olhos. - Vou sentir sua falta, Chandler. Não sei como vai ser daqui pra frente, nunca imaginei que um dia iria dizer adeus pra você. - ela abaixou a cabeça e eu senti que seria mais fácil me despedir de qualquer outra pessoa no mundo.
- Sei que você vai fazer mais amigos em Londres do que o próprio Joey Tribbiani faria. - ela abriu um pequeno sorriso. - Vou tentar não morrer de saudade, juro! - eu senti meus olhos ficarem marejados, mas eu não queria chorar. - Vamos ser amigas para sempre, .
- Promete? - ela sentou-se ao meu lado.
- Prometo. - eu respondi, tentando ao máximo acreditar que aquilo pudesse ser verdade. Eu já não tinha certeza sobre mais nada.

me abraçou e permanecemos naquele abraço por longos segundos. Eu tinha certeza de que chorava, porque sentia o seu peito subir e descer suavemente, mas eu a conhecia bem o suficiente para saber que não poderia acusá-la de chorar na nossa despedida. Eu mesma queria soltar minhas próprias lágrimas, mas não podia me dar ao luxo de desabar. Ainda havia alguém que eu precisava me despedir. E aí sim, todas as lágrimas estariam livres para sair.
Peguei meu casaco e saí de casa, dando a desculpa de que iria até a casa do meu pai para pegar algumas coisas. O frio parecia cortar a pele por dentro das roupas, e eu liguei o aquecedor assim que entrei no carro. Uma fina chuva começou a cair e eu me peguei pensando que era o cenário perfeito para despedidas. Surrey estava cinzenta, da mesma forma que eu me sentia ao entrar naquela rua que eu conhecia muito bem. Relutei por alguns instantes para sair do carro, pensei em dar meia volta e ir para casa, eu não precisava me despedir dele. Mas achei que nossa história merecia um fim, e eu queria olhar uma última vez naqueles olhos . Saí do carro e o porteiro me deixou subir sem nem mesmo interfonar, provavelmente lembrava-se das vezes que estive naquele prédio. Um misto de sentimentos ocupava o meu coração quando abri o elevador e parei em frente à porta do apartamento de . Eu deveria tocar a campainha ou voltar para o carro e fingir que nada nunca aconteceu? Eu me perdoaria por ter ido embora sem dizer adeus a ele? Eu precisava disso. Nós dois precisávamos. Toquei a campainha e esperei. Senti minhas mãos suarem frio ao ouvir passos aproximando-se da porta. Era tarde demais pra sair correndo?

- ? - estava surpreso ao me ver. Óbvio que ele estava. Sou uma louca que aparece do nada na casa de pessoas que ela jura detestar. Eu precisava ter mais coerência se quisesse fazer novos amigos em Edimburgo.
- Oi. - eu disse, sem ter muita certeza do que mais dizer. estava na minha frente e as palavras me faltavam. Eu não sabia como expressar o que eu tinha ido fazer ali.
- Vai ficar me olhando com essa cara esquisita ou vai entrar logo? - ele sorriu e me deixou entrar. As coisas no apartamento dele continuavam do jeito que eu lembrava e eu me senti estranha por pensar nisso.
- A Kayla está aí? - eu perguntei e fiz uma careta ao perceber que essa não era a melhor maneira de começar uma conversa.
- Não. Só estamos nós dois aqui. - ele fez menção de sentar no sofá, mas eu corri até ele e segurei o seu braço.
- Não quero sentar. Não posso demorar senão não vou conseguir fazer isso. - eu fechei os olhos por um momento e respirei fundo. A hora era agora. Tentei me focar no pensamento de que nós dois precisávamos daquilo. Eu tinha que me despedir dele.
- Não sei se estou gostando disso, . - eu o ouvi e reabri os olhos, dando de cara com aquelas imensidões me encarando. era tão bonito que às vezes me faltava o ar só de olhar pra ele. Eu não sabia se veria aqueles olhos de novo um dia.
- Se você soubesse o quanto me dói estar aqui... Tudo dói, . Dói só de tentar formular as frases na minha cabeça. Eu não sei como fazer isso, não sei se há uma maneira mais fácil de me despedir de você. - eu falei rapidamente, quase embolando uma palavra na outra. - Você virou a minha vida do avesso e eu deveria te odiar por isso, e parte de mim até odeia, mas ainda tem uma parte que fica insistindo que eu vou sentir a sua falta o tempo inteiro. Alguma coisa me diz que vou ficar revivendo por um bom tempo as nossas lembranças. E foi por isso que eu vim aqui, , porque eu preciso te dizer adeus. Preciso olhar pra você e guardar o seu rosto na minha memória. Preciso conseguir me lembrar de como você é, até que você apareça na droga da televisão como a droga do príncipe que foi escondido a vida inteira. - eu sentia mil nós se formando na minha garganta. Senti uma onda de lágrimas nos olhos quando colocou as mãos no meu rosto e me encarou. O rosto dele virou um borrão à medida que meus olhos ficavam marejados, e eu travava uma luta interna entre ficar ali ou sair correndo.
- Não quero perder você. - ele disse e encostou a testa na minha, e eu pude sentir a respiração dele batendo em meu rosto. - Não posso perder você. Não posso. Não posso. - ele repetia baixinho e eu senti como se o meu coração estivesse sendo esmagado. Era torturante ter que deixar pra trás, apesar de tudo.
- Vai ficar tudo bem. - eu disse enquanto as primeiras lágrimas desciam pelas minhas bochechas. - Vai ficar tudo bem mesmo. - eu não sabia se falava isso pra ele ou pra mim mesma. Eu queria desesperadamente acreditar que tudo ia ficar bem. - Não chora, tá? Príncipes não podem chorar. - eu enxuguei as lágrimas dele com as minhas mãos e abriu um pequeno sorriso. Senti os seus lábios encostarem-se aos meus e fechei os olhos, tentando não pensar em muita coisa enquanto me beijava. Esse era o nosso último beijo. Era devastador pensar em como eu estava vivenciando todas as coisas com pela última vez. - Eu não consigo aguentar essa tortura por muito mais tempo. - eu sussurrei, com os nossos rostos ainda muito próximos. - Eu tenho que ir agora.
- . - ele me chamou quando afastei um pouco nossos corpos. Era a última vez que eu iria ouvir meu nome na voz dele.
- Não diz mais nada. - eu pedi e respirei fundo. O meu coração parecia estar sangrando e a dor era insuportável. Eu não poderia ir embora sem dizer o que havia guardado dentro de mim durante muito tempo. - . - eu o chamei e seus olhos focaram a atenção em mim. - Eu te amo. Achei que você deveria saber. - eu o abracei rápido uma última vez e saí quase que correndo daquele apartamento, agradecendo pelo elevador estar me esperando e eu poder desabar em lágrimas assim que a porta havia se fechado.


Minha mente ficou no piloto automático até eu me dar conta de que estava na rodoviária de Surrey. Meu pai estava sentado no terminal e eu estava em pé, encostada em uma pilastra, observando o grande nada à minha frente. achou melhor ficar em casa e terminar de empacotar as próprias coisas, nós não aguentaríamos uma segunda despedida. Tentei manter meus pensamentos distraídos, mas vez ou outra eles buscavam por e eu sentia o meu coração sendo esmagado dentro do peito. "Eu te amo" as palavras repetiam-se dezenas de vezes dentro da minha cabeça e desciam formando um grande nó na garganta. Tudo o que eu precisava era sair dali, e onde estava aquele maldito ônibus pra Edimburgo que não chegava nunca?
Depois de alguns incontáveis minutos de espera e ansiedade, vi meu ônibus estacionar e senti um arrepio atravessar o meu corpo. Meu pai me ajudou com as malas e nos abraçamos rapidamente, eu não queria mais nenhuma despedida dolorosa. Dei uma última olhada à minha volta, era a última vez que eu veria a cidade em que eu havia passado tantos anos, eu estava deixando muitas lembranças e pessoas para trás. Respirei fundo, balancei a cabeça tentando afastar os pensamentos e subi no ônibus, sentando-me na poltrona destinada a mim, observando meu pai pela janela. Ele permanecia sorrindo, como se quisesse me passar algum tipo de força. Coloquei os fones no ouvido e uma música do Maroon 5 começou a tocar, uma das minhas preferidas: Sunday Morning. Vi os últimos passageiros entrarem no ônibus e acenei pro meu pai, tentando sorrir também, tentando acreditar que tudo ficaria magicamente bem. O motorista ligou o motor e eu senti uma ansiedade fora do comum, dentro de poucos segundos nós estaríamos indo para bem longe dali. Eu olhava distraidamente para o terminal rodoviário quando percebi alguém correndo, então apertei os olhos para tentar ver o que estava acontecendo. Ao longe alguém corria, esbarrando em todas as outras pessoas que circulavam tranquilamente por ali. A porta do ônibus havia se fechado e o motorista estava pronto para dar a partida. A pessoa que corria se aproximava cada vez mais e aos poucos o meu cérebro associava o que estava acontecendo. Era um garoto. Ele parecia desesperado. Ele olhava ao redor procurando por alguma coisa e de repente parou para falar com o meu pai. Apertei um pouco mais os olhos e o garoto se virou na direção do veículo onde eu estava, conforme o meu pai havia apontado. Eu mordi a língua para não dar um grito e senti o meu corpo inteiro gelar. O que estava fazendo ali? Não tive muito tempo de tentar achar a resposta para esta pergunta, porque tudo o que aconteceu foi muito rápido. correu na direção da minha janela e o ônibus começou a andar. Estiquei o pescoço para tentar vê-lo o máximo que podia, mas o motorista acelerou e virou um borrão. Um borrão em meio a tantos outros. Adam Levine cantava "but things just get so crazy, living life gets hard to do. And I would gladly hit the road, get up and go if I knew that someday it would lead me back to you" e eu me forcei a continuar sentada, embora quisesse descer do ônibus e correr de volta para o terminal. Eu sentia que o meu coração estava do tamanho de uma ervilha, mas tinha que aceitar o que o destino queria pra mim. Foi então que o meu celular apitou e eu o procurei dentro da bolsa para ler a mensagem que havia chegado.

"Eu amo você. Meu Deus, como eu amo você."





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